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EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 691. SUPERAÇÃO.
1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da variedade e da quantidade das drogas apreendidas, a saber, 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de droga apreendida, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que entendeu desproporcional a segregação cautelar do paciente, uma vez observada "a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade", devendo "ser aplicadas as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva".
6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de LUIS GUSTAVO RAMOS RODRIGUES contra decisão do Desembargador relator indeferindo liminar em writ impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC n. 2216149-24.2021.8.26.0000).
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante - custódia essa convertida em preventiva - pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de entorpecentes), em decorrência da apreensão de cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32).
Impetrado habeas corpus no Tribunal de origem, o pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 12/13).
Irresignada, a defesa impetrou o presente writ sustentando inexistir motivação idônea para a custódia antecipada. Para tanto enfatizou a pequena quantidade de drogas apreendidas e as condições pessoais que militam em favor do paciente.
Busca, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva do paciente.
O remédio constitucional foi indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte Superior (e-STJ fls. 83/84).
Interposto agravo regimental, o habeas corpus foi distribuído à minha relatoria (e-STJ fl. 101). Ao julgar o recurso, reconsiderei a decisão agravada e deferi a liminar "tão somente a fim de assegurar possa o paciente aguardar, em medidas cautelares alternativas, a serem fixadas pelo Juízo de primeiro grau, o julgamento definitivo deste writ" (e-STJ fl. 103).
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem, confirmada a liminar (e-STJ fls. 193/195).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
É bem verdade que o presente writ investe contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntico remédio impetrado perante o Tribunal de origem, o que, nos termos do disposto na Súmula n. 691 do Pretório Excelso, não se admite.
Ocorre que, no caso em exame, a flagrante ilegalidade está demonstrada, haja vista a possibilidade de imposição de medidas cautelares diversas da prisão na hipótese, situação que autoriza a excepcional superação do referido entendimento sumular.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo o enunciado da Súmula n. 691 do STF, plenamente adotada por esta Corte, não é possível a utilização de habeas corpus contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia jurídica da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. O Juiz de primeiro grau, ao converter o flagrante em preventiva, fundamentou a prisão na hediondez do delito supostamente praticado e apontou genericamente a presença dos vetores contidos na lei de regência, sem justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade.
4. Ordem concedida para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a sua prisão preventiva, ressalvada a possibilidade de nova decretação da segregação cautelar, se efetivamente demonstrada sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. (HC n. 334.809/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 2/5/2016.)
Desse modo, passo ao exame da decisão combatida.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 62/64):
No caso destes autos, os elementos até então coligidos apontam a materialidade e indícios de autoria do cometimento do crime de tráfico de drogas, cuja pena privativa de liberdade máxima ultrapassa o patamar de 4 (quatro) anos.
De fato, o laudo de constatação preliminar confere a prova da materialidade.
Há, por outro lado, em exame superficial, próprio desta sede, indícios suficientes de autoria e a indicação de que as drogas apreendidas destinavam-se a entrega e ao consumo de terceiros.
Realmente, conforme consta dos depoimentos dos policiais militares, o autuado encontrava-se no local dos fatos e foram encontradas em suas vestimentas 10 porções de substância entorpecente análogas ao "crack" e mais 03 tabletes aparentando ser maconha.
Após, em novas diligências no terreno do qual saíra o autuado, foram encontrados mais 6 tabletes de substância aparentando ser maconha.
A análise pericial preliminar das substâncias encontradas apresentou resultado positivo para cocaína e maconha, conforme laudos encartados às fls. 20/32.
Assim, como se pode notar, segundo consta deste expediente, as condições em que se desenvolveu a ação, a natureza, a forma de acondicionamento e a quantidade das substâncias entorpecentes apreendidas indicam que a droga apreendida não se destinava apenas ao consumo do seu portador (Lei 11.343/06, art. 28, §2º).
Quanto ao periculum libertatis e à proporcionalidade da medida, cabe assinalar a apreensão de quantidade expressiva de drogas e a prática do tráfico em local conhecido pelos policiais militares, a indicar possível envolvimento mais profundo do autuado com o mundo do crime.
Isso porque, além das drogas encontradas consigo, o cão farejador encontrou mais 6 (seis) tabletes de maconha no terreno baldio onde fora avistado o autuado, o que revela que havia drogas depositadas para a prática criminosa por período mais longo, afastando, em juízo preliminar, o enquadramento do crime como fato isolado.
Assim, no caso dos autos, a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, não apenas para evitar a reprodução de fatos criminosos, mas também para acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e sua repercussão, evitando a odiosa sensação de impunidade que existiria caso o autuado fosse imediatamente colocado em liberdade, logo após exitosa ação policial.
Também não não se pode ignorar que, considerando a quantidade de pena prevista para o crime cuja prática se lhe imputa, e à míngua de ligações concretas com o distrito da culpa, não é desprezível a possibilidade de evasão, o que, inexoravelmente, implicaria no retardamento da marcha processual, obstando a desejável citação pessoal, em evidente prejuízo à aplicação da lei penal.
Por fim, vale destacar que o crime de tráfico está comumente relacionado com a criminalidade organizada e a prisão processual tem se revelado bastante útil para o desmantelamento de quadrilhas e cessação, ao menos temporária, do fornecimento de drogas aos usuários locais, fazendo diminuir, além da própria traficância, também a prática de diversos outros crimes direta ou indiretamente ligados ao uso de drogas.
A periculosidade em concreto, portanto, é real, uma vez que os moradores da Comarca de Itapeva encontram-se, cada vez mais, achacados pela criminalidade crescente, que vê no tráfico de drogas a sua força motriz. Assim, a imediata retirada do suspeito da vida criminosa, além de propalar a mensagem de que a Justiça local não tolera tal tipo de atividade, representa abalo, ainda que indireto, às atividades ilícitas que se desenvolvem na região. contexto do
Nessas condições, em que pese a excepcionalidade da prisão preventiva no sistema jurídico brasileiro, diante da gravidade em concreto do delito supostamente cometido, a sua decretação é a única medida passível de ser adotada no caso sob análise.
Ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, o paciente possui condições pessoais favoráveis, devendo-se destacar, ainda, que a quantidade de droga apreendida - cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32) - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O MESMO FIM. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA DESPROPORCIONAL. SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO DAS CAUTELARES DIVERSAS.
1. Embora as circunstâncias mencionadas pelo Juízo singular - quantidade de drogas apreendidas - revelem a necessidade de algum acautelamento da ordem pública, não se mostram tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o acusado sob o rigor da cautela pessoal mais extremada.(AgRg no RHC n. 148.263/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 16/8/2021).
2. Hipótese em que, diante da primariedade dos acusados, da quantidade não exorbitante de susbstância tóxica apreendida (443 g de maconha) e em observância ao termos da Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ao caso.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 680.451/RN, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SÚMULA N. 691/STF. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. SUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Conforme posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte Superior, não se admite habeas corpus contra decisão negativa de liminar proferida em outro writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância, nos termos da Súmula n. 691/STF. Todavia, a despeito de tal óbice processual, tem-se entendido que, em casos excepcionais, deve preponderar a necessidade de se garantir a efetividade da prestação da tutela jurisdicional de urgência para que flagrante constrangimento ilegal ao direito de liberdade possa ser cessado.
2. No caso em apreço, o direito invocado pela Parte Impetrante é de reconhecimento que se mostra prontamente inequívoco, capaz de autorizar a mitigação da Súmula n. 691/STF, pois o Juízo de origem fundamentou a prisão cautelar apenas nas circunstâncias do crime, as quais não extrapolam aquelas inerentes ao delito de tráfico de drogas, devendo-se destacar que o Réu é primário, não há registro de quaisquer antecedentes penais e a quantidade de droga apreendida não é expressiva.
3. Diante das circunstâncias do caso concreto, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 282, § 6.º, do Código de Processo Penal.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 623.545/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021.)
No mesmo sentido opinou o Ministério Público Federal, de cujo parecer transcrevo excerto, in verbis (e-STJ fl. 194):
Com efeito, a prisão preventiva é medida de caráter excepcional e deve ser imposta fundamentadamente quando não for cabível sua substituição por outras medidas cautelares menos gravosas.
No caso, vê-se que a medida cautelar foi decretada para a garantia da ordem pública, tendo em vista notadamente a quantidade de droga apreendida.
É certo que tal fundamento pode justificar a prisão preventiva.
Contudo, considerando a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade revela-se desproporcional a segregação cautelar do paciente.
Não obstante, entende-se que deve ser aplicada as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva.
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de LUIS GUSTAVO RAMOS RODRIGUES contra decisão do Desembargador relator indeferindo liminar em writ impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC n. 2216149-24.2021.8.26.0000).
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante - custódia essa convertida em preventiva - pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de entorpecentes), em decorrência da apreensão de cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32).
Impetrado habeas corpus no Tribunal de origem, o pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 12/13).
Irresignada, a defesa impetrou o presente writ sustentando inexistir motivação idônea para a custódia antecipada. Para tanto enfatizou a pequena quantidade de drogas apreendidas e as condições pessoais que militam em favor do paciente.
Busca, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva do paciente.
O remédio constitucional foi indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte Superior (e-STJ fls. 83/84).
Interposto agravo regimental, o habeas corpus foi distribuído à minha relatoria (e-STJ fl. 101). Ao julgar o recurso, reconsiderei a decisão agravada e deferi a liminar "tão somente a fim de assegurar possa o paciente aguardar, em medidas cautelares alternativas, a serem fixadas pelo Juízo de primeiro grau, o julgamento definitivo deste writ" (e-STJ fl. 103).
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem, confirmada a liminar (e-STJ fls. 193/195).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
É bem verdade que o presente writ investe contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntico remédio impetrado perante o Tribunal de origem, o que, nos termos do disposto na Súmula n. 691 do Pretório Excelso, não se admite.
Ocorre que, no caso em exame, a flagrante ilegalidade está demonstrada, haja vista a possibilidade de imposição de medidas cautelares diversas da prisão na hipótese, situação que autoriza a excepcional superação do referido entendimento sumular.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo o enunciado da Súmula n. 691 do STF, plenamente adotada por esta Corte, não é possível a utilização de habeas corpus contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia jurídica da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. O Juiz de primeiro grau, ao converter o flagrante em preventiva, fundamentou a prisão na hediondez do delito supostamente praticado e apontou genericamente a presença dos vetores contidos na lei de regência, sem justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade.
4. Ordem concedida para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a sua prisão preventiva, ressalvada a possibilidade de nova decretação da segregação cautelar, se efetivamente demonstrada sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. (HC n. 334.809/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 2/5/2016.)
Desse modo, passo ao exame da decisão combatida.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 62/64):
No caso destes autos, os elementos até então coligidos apontam a materialidade e indícios de autoria do cometimento do crime de tráfico de drogas, cuja pena privativa de liberdade máxima ultrapassa o patamar de 4 (quatro) anos.
De fato, o laudo de constatação preliminar confere a prova da materialidade.
Há, por outro lado, em exame superficial, próprio desta sede, indícios suficientes de autoria e a indicação de que as drogas apreendidas destinavam-se a entrega e ao consumo de terceiros.
Realmente, conforme consta dos depoimentos dos policiais militares, o autuado encontrava-se no local dos fatos e foram encontradas em suas vestimentas 10 porções de substância entorpecente análogas ao "crack" e mais 03 tabletes aparentando ser maconha.
Após, em novas diligências no terreno do qual saíra o autuado, foram encontrados mais 6 tabletes de substância aparentando ser maconha.
A análise pericial preliminar das substâncias encontradas apresentou resultado positivo para cocaína e maconha, conforme laudos encartados às fls. 20/32.
Assim, como se pode notar, segundo consta deste expediente, as condições em que se desenvolveu a ação, a natureza, a forma de acondicionamento e a quantidade das substâncias entorpecentes apreendidas indicam que a droga apreendida não se destinava apenas ao consumo do seu portador (Lei 11.343/06, art. 28, §2º).
Quanto ao periculum libertatis e à proporcionalidade da medida, cabe assinalar a apreensão de quantidade expressiva de drogas e a prática do tráfico em local conhecido pelos policiais militares, a indicar possível envolvimento mais profundo do autuado com o mundo do crime.
Isso porque, além das drogas encontradas consigo, o cão farejador encontrou mais 6 (seis) tabletes de maconha no terreno baldio onde fora avistado o autuado, o que revela que havia drogas depositadas para a prática criminosa por período mais longo, afastando, em juízo preliminar, o enquadramento do crime como fato isolado.
Assim, no caso dos autos, a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, não apenas para evitar a reprodução de fatos criminosos, mas também para acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e sua repercussão, evitando a odiosa sensação de impunidade que existiria caso o autuado fosse imediatamente colocado em liberdade, logo após exitosa ação policial.
Também não não se pode ignorar que, considerando a quantidade de pena prevista para o crime cuja prática se lhe imputa, e à míngua de ligações concretas com o distrito da culpa, não é desprezível a possibilidade de evasão, o que, inexoravelmente, implicaria no retardamento da marcha processual, obstando a desejável citação pessoal, em evidente prejuízo à aplicação da lei penal.
Por fim, vale destacar que o crime de tráfico está comumente relacionado com a criminalidade organizada e a prisão processual tem se revelado bastante útil para o desmantelamento de quadrilhas e cessação, ao menos temporária, do fornecimento de drogas aos usuários locais, fazendo diminuir, além da própria traficância, também a prática de diversos outros crimes direta ou indiretamente ligados ao uso de drogas.
A periculosidade em concreto, portanto, é real, uma vez que os moradores da Comarca de Itapeva encontram-se, cada vez mais, achacados pela criminalidade crescente, que vê no tráfico de drogas a sua força motriz. Assim, a imediata retirada do suspeito da vida criminosa, além de propalar a mensagem de que a Justiça local não tolera tal tipo de atividade, representa abalo, ainda que indireto, às atividades ilícitas que se desenvolvem na região. contexto do
Nessas condições, em que pese a excepcionalidade da prisão preventiva no sistema jurídico brasileiro, diante da gravidade em concreto do delito supostamente cometido, a sua decretação é a única medida passível de ser adotada no caso sob análise.
Ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, o paciente possui condições pessoais favoráveis, devendo-se destacar, ainda, que a quantidade de droga apreendida - cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32) - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O MESMO FIM. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA DESPROPORCIONAL. SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO DAS CAUTELARES DIVERSAS.
1. Embora as circunstâncias mencionadas pelo Juízo singular - quantidade de drogas apreendidas - revelem a necessidade de algum acautelamento da ordem pública, não se mostram tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o acusado sob o rigor da cautela pessoal mais extremada.(AgRg no RHC n. 148.263/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 16/8/2021).
2. Hipótese em que, diante da primariedade dos acusados, da quantidade não exorbitante de susbstância tóxica apreendida (443 g de maconha) e em observância ao termos da Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ao caso.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 680.451/RN, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SÚMULA N. 691/STF. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. SUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Conforme posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte Superior, não se admite habeas corpus contra decisão negativa de liminar proferida em outro writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância, nos termos da Súmula n. 691/STF. Todavia, a despeito de tal óbice processual, tem-se entendido que, em casos excepcionais, deve preponderar a necessidade de se garantir a efetividade da prestação da tutela jurisdicional de urgência para que flagrante constrangimento ilegal ao direito de liberdade possa ser cessado.
2. No caso em apreço, o direito invocado pela Parte Impetrante é de reconhecimento que se mostra prontamente inequívoco, capaz de autorizar a mitigação da Súmula n. 691/STF, pois o Juízo de origem fundamentou a prisão cautelar apenas nas circunstâncias do crime, as quais não extrapolam aquelas inerentes ao delito de tráfico de drogas, devendo-se destacar que o Réu é primário, não há registro de quaisquer antecedentes penais e a quantidade de droga apreendida não é expressiva.
3. Diante das circunstâncias do caso concreto, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 282, § 6.º, do Código de Processo Penal.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 623.545/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021.)
No mesmo sentido opinou o Ministério Público Federal, de cujo parecer transcrevo excerto, in verbis (e-STJ fl. 194):
Com efeito, a prisão preventiva é medida de caráter excepcional e deve ser imposta fundamentadamente quando não for cabível sua substituição por outras medidas cautelares menos gravosas.
No caso, vê-se que a medida cautelar foi decretada para a garantia da ordem pública, tendo em vista notadamente a quantidade de droga apreendida.
É certo que tal fundamento pode justificar a prisão preventiva.
Contudo, considerando a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade revela-se desproporcional a segregação cautelar do paciente.
Não obstante, entende-se que deve ser aplicada as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva.
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
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EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 691. SUPERAÇÃO.
1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da variedade e da quantidade das drogas apreendidas, a saber, 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de droga apreendida, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que entendeu desproporcional a segregação cautelar do paciente, uma vez observada "a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade", devendo "ser aplicadas as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva".
6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
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PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 691. SUPERAÇÃO.
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1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da variedade e da quantidade das drogas apreendidas, a saber, 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de droga apreendida, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que entendeu desproporcional a segregação cautelar do paciente, uma vez observada "a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade", devendo "ser aplicadas as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva".
6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
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141,816,757 |
EMENTA
RECLAMAÇÃO. JULGADO DO STJ QUE RECONHECEU A NULIDADE DE BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DA DILIGÊNCIA ILEGAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS AUTORIZADORES DO PROSSEGUIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DECISÃO DE 1º GRAU QUE DESENTRANHA ALGUMAS PROVAS E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO. DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE, E JULGADA PROCEDENTE.
1. Não tendo o julgado apontado como descumprido tratado da restituição de bens apreendidos, não há como se conhecer da reclamação, no ponto.
2. Reconhecida, em acórdão da Quinta Turma desta Corte transitado em julgado, a ilegalidade de busca pessoal e veicular efetuadas pela Guarda Municipal, sem prévia autorização judicial e sem fundadas razões para crer na existência de flagrante delito, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ainda que o julgado não tenha determinado expressamente o trancamento do inquérito policial, uma vez que o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais, não existindo evidências colhidas anteriormente de forma independente, mas apenas denúncia apócrifa de traficância praticada pelo investigado, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável da ordem emanada desta Corte.
3. " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Precedente: AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.
4. Nessa linha de entendimento, descumpre julgado desta Corte a decisão de 1º grau que, após o reconhecimento da nulidade das evidências coletadas em busca veicular ilegal e das provas delas derivadas, não promove o trancamento do inquérito policial.
5. Reclamação conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgar-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ribeiro Dantas.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de reclamação ajuizada por VICTOR HUGO ANUVALE RODRIGUES, com amparo no art. 105, I, "f", da CF/88, nos arts. 988 a 993 do novo CPC (Lei 13.105/2015) e nos arts. 187 a 192 do RISTJ, apontando descumprimento, pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, de julgado desta Corte no Habeas Corpus n. 679.430/SP que concedeu a ordem de ofício, "para reconhecer a nulidade das provas colhidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 (1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP)".
Alega o reclamante que, mesmo após ter sido cientificado da ordem emanada desta Corte, o Juízo de 1º grau "entendeu por não restituir os bens apreendidos, alegando que não ficou demonstrado documentalmente a propriedade dos bens (DESTACA-SE QUE TODOS OS BENS FORAM APREENDIDOS EM PODER DO RECLAMANTE), sendo que esta defesa juntou os documentos comprovando a propriedade dos bens" (e-STJ fl. 5).
Afirma que o Ministério Público insiste em aguardar o trânsito em julgado da decisão proferida por esta Corte e que "parece que o juiz entende da mesma forma que o MP, posto que determinou a continuidade das investigações" (e-STJ fl. 5).
Assevera que a apreensão dos celulares, pen drives e veículos se deu na ilícita ação dos guardas municipais.
Pede, assim, "Seja dado provimento à presente RECLAMAÇÃO, para que, já em sede liminar, seja determinado que o i. Juiz da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, cumpra a ordem emanada nos autos do HC n. 679.430/SP, declarando a nulidade de todas as provas colhidas nos autos n. 1500369-67.2021.8.26.0491, bem como seja suspensa quaisquer investigações, restituindo-se, assim, os bens apreendidos" (e-STJ fl. 7).
Às fls. 210/213, proferi decisão não conhecendo da reclamação.
A defesa do reclamante, entretanto, atravessou pedido de reconsideração (e-STJ fls. 218/220), sustentando que o magistrado de 1º grau determinou "a continuidade das investigações vez que ainda se aguardava o levantamento das informações constantes nos aparelhos celulares dos investigados para constatar a existência de informações de interesse policial" (e-STJ fl. 218). Defendia, no ponto, a impossibilidade de coleta de tais informações após o reconhecimento da nulidade das provas na decisão emanada desta Corte.
Insistia, ainda, em que não existe fundamento para a não devolução dos bens e valores ilegalmente apreendidos no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491, seja porque a demonstração de sua procedência lícita somente seria pertinente se houvesse suspeita de que os bens ou valores possuem origem ilícita ou constituíram meio para a prática de delito, seja porque as coisas apreendidas não mais interessam ao processo, sobretudo porque não há mais o que investigar.
Pedia, assim, "a RECONSIDERAÇÃO de Vossa decisão, a fim de que haja o TRANCAMENTO do Inquérito Policial, cessando toda a investigação e, cassando-se a ordem de serviço emanada pela Autoridade Policial para periciar os aparelhos celulares quando da abordagem ilegal, a saber que a prova pretendida é derivada de ilícito e vedada com fulcro no art. 157, caput e § 1º, do CPP" (e-STJ fl. 220).
Em atenção aos fundamentos postos pelo reclamante em pedido de reconsideração, proferi nova decisão (e-STJ fls. 405/408) conhecendo, em parte, da presente reclamação, apenas no tocante à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491 e indeferi a liminar pleiteada.
Às fls. 419/422, o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP prestou informações, nas quais esclareceu:
Juntada aos autos cópia de pedido de informações datado de 29 de setembro de 2021, referente à Reclamação nº 42334/SP (fls. 204/209); decisão da mesma data determinou o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis, bem como mencionou que, em vista dos termos expressos expressos na ordem de Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, sem expressa determinação de trancamento do procedimento investigatório, os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas, determinando que se consignasse a autorização da continuidade das investigações para apuração de novas provas, nos termos das fls. 187/190 (fls. 210/211);
Certidões datadas de 29 e 30 de setembro de 2021 mencionando que foram realizados os desentranhamentos conforme determinado, bem como que foi enviada cópia do v.
Acórdão à Delegacia de Polícia respectiva (fl. 212); sendo este o último documento que aportou aos autos até a finalização do presente ofício.
(e-STJ fl. 421)
Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o órgão do Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou pela procedência da reclamação, na parte conhecida, em parecer assim ementado:
RECLAMAÇÃO. ALEGADA INOBSERVÂNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL EXARADA NO HC 679.430/SP. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE OBJETOS APREENDIDOS E TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. PARCIAL CONHECIMENTO. DECISÃO DO STJ QUE CONCLUIU PELA ILEGALIDADE DA BUSCA REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL E PELA ILICITUDE DAS PROVAS. NECESSIDADE DE DESENTRANHAMENTO DOS ELEMENTOS REUNIDOS NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO COM CONSEQUENTE TRANCAMENTO. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO NA PARTE CONHECIDA.
1. Não deve ser conhecido o pedido de restituição de coisas apreendidas, uma vez que a matéria não foi objeto da decisão proferida no HC nº 679.430/SP, cuja autoridade ora se pretende preservar.
2. O procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369- 67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
3. Embora não tenha havido determinação expressa na decisão prolatada por essa Corte Superior, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável, visto que, com a declaração de nulidade das provas colhidas em seu bojo, não mais subsistem elementos indiciários mínimos para amparar seu prosseguimento.
4. Parecer pelo parcial conhecimento da reclamação e, na parte conhecida, pela procedência, nos termos da fundamentação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Nos termos do art. 105, I, f, da CF/88, c/c o art. 187 do RISTJ, cabe Reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou para garantir a autoridade das suas decisões.
Por sua vez, o novo CPC legislou exaustivamente sobre o tema nos arts. 988 a 993, definindo, como hipóteses do cabimento da Reclamação, aquelas descritas no art. 988, dentre as quais as que preveem especificamente a Reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça são as seguintes:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(..)
§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
A hipótese dos autos se enquadra no art. 988, II, do CPC.
No mérito, observo, inicialmente, que a decisão de minha lavra apontada como descumprida foi mantida pela Quinta Turma desta Corte em acórdão que transitou em julgado em 26/10/2021 e recebeu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA ILÍCITA. REVISTA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar e veicular executadas por guardas municipais sem a existência de elementos reais e necessários para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP.
2. A busca pessoal e veicular ocorridas apenas com base em denúncia anônima, sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, impõe o reconhecimento da ilicitude das provas.
3. Agravo regimental improvido.
(Agravo regimental no HC n. 679.430/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma do STJ, unânime, julgado em 21/09/2021)
Em tal julgado, salientou-se:
"Não há controvérsia quanto à possibilidade de a guarda municipal realizar a prisão de agente em delito flagrante. Ocorre que a prisão em flagrante, no caso destes autos, aconteceu depois de abordagem irregular, pois destituída de fundada suspeita (apoiada somente em denúncia anônima).
De fato, contornos mínimos do crime só foram constatados depois da abordagem infundada, sem indícios prévios do delito, configurando-se atuação irregular.
Isso porque, baseada somente em denúncia anônima, inexistindo elementos indiciários suficientes do cometimento de delito, ainda que permanente, que justifique a abordagem de pessoa por outra "qualquer do povo", condição à qual equivale o agente público que não se inclui entre os órgãos de segurança pública previstos no art. 144, caput, da CF/88.
(..) No caso destes autos, o crime de tráfico de drogas ilícitas, conquanto permanente (apreensão de 15 gramas de crack), só foi constatado depois de busca em veículo, baseado somente em denúncia anônima anterior, o que justifica o acolhimento do pedido defensivo".
(negritei)
Como já havia afirmado anteriormente, a presente reclamação somente autoriza conhecimento na parte referente à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491. Quanto às alegações do reclamante referentes à restituição dos bens aprendidos no feito originário, o tema jamais chegou a ser objeto de deliberação no Habeas Corpus n. 679.430/SP.
Com efeito, nas informações prestadas a esta Corte, o magistrado de 1º grau esclareceu que, embora tenha determinado "o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis", autorizou o prosseguimento do inquérito, por entender que, como o HC n. 679.430/SP não havia determinado o trancamento do procedimento investigatório, "os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas" (e-STJ fl. 421).
No entanto, como bem ponderou o parecer ministerial, o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
Lembro que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, reconhecida a ilegalidade de busca pessoal e veicular, tanto as provas obtidas na diligência quanto as delas derivadas são contaminadas pela ilicitude, impondo-se o trancamento da ação penal, à míngua de provas independentes que permitam atribuir o cometimento do delito ao paciente.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. Constando do acórdão impugnado que, "Conforme consta dos autos, o paciente foi preso pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, a partir da perseguição efetuada pela autoridade policial a terceira pessoa que se encontrava defronte à residência em que detido, a qual, após esquivar-se da voz de abordagem dos agentes estatais, evadiu-se para o interior do imóvel, local em que foi localizado J.V. e, apreendido, junto a si, 20 (vinte) porções de crack embaladas para venda, além de petrechos destinados ao fracionamento da droga (uma superfície de vidro com resquícios da droga e uma lâmina) e, consigo, outras 3 (três) pedras da mesma substância entorpecente." verifica-se a ocorrência de manifesta ilegalidade.
2. Consoante precedente desta Corte Superior, "As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente" (HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021.)
3. Do contexto fático delineado no acórdão impugnado, não se verifica a existência de elementos concretos que estariam a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não sendo suficiente, ao ingresso em domicílio, sem mandado judicial, a mera suspeita da prática de tráfico de drogas, por ter o réu, ao perceber a presença dos policiais, tentado fugir e entrado no imóvel. Patente a ilegalidade do ingresso dos policiais no imóvel em que estava o paciente.
4. Concessão da ordem de habeas corpus. Reconhecimento da nulidade das provas obtidas nas buscas ilícitas ocorridas no imóvel em que se encontrava o paciente. Trancamento da ação penal, revogando-se, por consequência, as medidas cautelares diversas da prisão decretadas.
(HC 668.329/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Ao que tudo indica, também não houve a realização de nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente.
4. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da noticia criminis anônima. Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
5. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
6. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021), alinhou-se à jurisprudência da Sexta Turma em relação a essa matéria, seguindo, portanto, a compreensão adotada no referido HC n. 598.051/SP.
7. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia dos acusados, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e a própria ação penal - relativa aos delitos descritos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
8. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio dos pacientes, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, determinar o trancamento do Processo n. 5493024-33.2020.8.09.0024.
(HC 665.668/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 21/09/2021)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, NO PERÍODO NOTURNO. AUSÊNCIA DE DENÚNCIA ANÔNIMA. INDIVÍDUO QUE, AO AVISTAR A VIATURA POLICIAL, SE DIRIGE AO QUINTAL DE SUA CASA, ONDE É ABORDADO POR POLICIAL QUE REALIZA BUSCA PESSOAL E, EM SEGUIDA, BUSCA DOMICILIAR. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONCEDIDA À RESIDÊNCIA/DOMICÍLIO QUE ABRANGE O JARDIM E O QUINTAL DA CASA, DESDE QUE CERCADO POR NÍTIDO OBSTÁCULO QUE IMPEÇA A PASSAGEM DE TRANSEUNTES. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. (..)
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte.
3. A Corte Suprema assentou, também, que "o conceito de "casa", para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ de 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade" (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007).
4. Se o agente público não pode, sem o prévio consentimento do proprietário, ingressar durante o dia sem mandado judicial em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, com muito mais razão esse raciocínio permite concluir que o espaço que circunda a residência de um cidadão, é delimitado por muros e contém portão também constitui uma extensão de sua casa e está abrangido na proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI).
5. O mero avistamento de um indivíduo de pé no portão de sua casa que, ao divisar uma viatura policial, se dirige para o quintal ou para o interior de sua residência, sem qualquer denúncia/informação ou investigação prévia, não constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que o cidadão trazia drogas consigo ou as armazenava em sua residência, e tampouco de que naquele momento e local estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não.
6. Situação em que, durante ronda noturna de rotina e sem nenhuma denúncia prévia, após verificar que o paciente, que se encontrava de pé no portão de sua residência, empreendeu fuga para dentro do imóvel ao avistar a viatura policial, policial militar transpôs o portão e seguiu o indivíduo até o quintal, quando, então, teria visto o paciente jogando, na direção de sua casa, um pote plástico branco. Realizada busca pessoal no suspeito ainda no quintal da casa, foram encontrados dois pinos de cocaína em sua bermuda e, já dentro da residência, no interior do pote plástico, outros 32 (trinta e dois) pinos de cocaína.
Muito embora, com efeito, a dispensa repentina e rápida do pote pudesse levantar suspeitas que autorizassem a busca pessoal, o fato é que a visão do ato suspeito somente foi possível porque o policial militar já havia adentrado o portão da casa do paciente e chegado até o quintal, em nítida violação à proteção constitucional garantida ao domicílio.
7. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião deve ser considerada ilícita.
8. Se a denúncia indica como provas da materialidade do crime unicamente aquelas derivadas de busca e apreensão reputada ilícita, deve ser trancada a ação penal.
9. Habeas corpus de que não se conhece. Ordem concedida de ofício, para, confirmando a liminar anteriormente concedida, reconhecer a nulidade das provas de tráfico de entorpecentes derivadas do flagrante na ação penal e, tendo em conta que ditas provas ilícitas constituem a única evidência da materialidade do crime imputado ao paciente, determinar o trancamento da ação penal.
(HC 609.072/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020)
Ainda que a decisão por mim proferida no Habeas Corpus n. 679.430/SP não tenha avançado para determinar, expressamente, o trancamento do inquérito policial, tal conclusão constitui decorrência lógica do reconhecimento da ilicitude do flagrante, já que, não fosse a atuação ilegal dos guardas municipais ao proceder à revista do ora reclamante, a droga em seu veículo não seria encontrada. Maculadas as provas colhidas na diligência ilegal, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada, pelo que não remanescem elementos indiciários mínimos para amparar o prosseguimento do inquérito policial.
De se dar razão, assim, ao Parquet Federal quando afirma que, em que pese a existência de denúncia apócrifa acerca da prática de traficância pelos investigados, é certo que " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO CONFIRMADA POR INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. NECESSÁRIO TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- "O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito" (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014).
- "A notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019).
- Na hipótese, a representação ministerial instruída com delação apócrifa autorizaria a abertura de investigação preliminar para corroborar os fatos nela narrados. Porém, o que a autoridade policial fez foi proceder, desde logo, à instauração do inquérito policial, assim que recebeu a comunicação do Ministério Público.
- Não há que se falar, ao contrário do que entenderam os julgadores da origem, que se tratou de procedimento que não acarretou qualquer constrangimento a pessoa concreta, pois, da própria portaria de instauração do inquérito se verifica que a ora agravada foi suficientemente identificada como suspeita e investigada.
- É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial, que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a narrativa fática da delação apócrifa. Assim, impunha-se a concessão da ordem para trancar o Inquérito Policial (n. 2067076-27.2020.1200501) que tramitava na origem, por falta de justa causa.
- Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021)
Ante o exposto, conheço em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgo-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
É como voto.
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ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgar-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ribeiro Dantas.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de reclamação ajuizada por VICTOR HUGO ANUVALE RODRIGUES, com amparo no art. 105, I, "f", da CF/88, nos arts. 988 a 993 do novo CPC (Lei 13.105/2015) e nos arts. 187 a 192 do RISTJ, apontando descumprimento, pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, de julgado desta Corte no Habeas Corpus n. 679.430/SP que concedeu a ordem de ofício, "para reconhecer a nulidade das provas colhidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 (1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP)".
Alega o reclamante que, mesmo após ter sido cientificado da ordem emanada desta Corte, o Juízo de 1º grau "entendeu por não restituir os bens apreendidos, alegando que não ficou demonstrado documentalmente a propriedade dos bens (DESTACA-SE QUE TODOS OS BENS FORAM APREENDIDOS EM PODER DO RECLAMANTE), sendo que esta defesa juntou os documentos comprovando a propriedade dos bens" (e-STJ fl. 5).
Afirma que o Ministério Público insiste em aguardar o trânsito em julgado da decisão proferida por esta Corte e que "parece que o juiz entende da mesma forma que o MP, posto que determinou a continuidade das investigações" (e-STJ fl. 5).
Assevera que a apreensão dos celulares, pen drives e veículos se deu na ilícita ação dos guardas municipais.
Pede, assim, "Seja dado provimento à presente RECLAMAÇÃO, para que, já em sede liminar, seja determinado que o i. Juiz da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, cumpra a ordem emanada nos autos do HC n. 679.430/SP, declarando a nulidade de todas as provas colhidas nos autos n. 1500369-67.2021.8.26.0491, bem como seja suspensa quaisquer investigações, restituindo-se, assim, os bens apreendidos" (e-STJ fl. 7).
Às fls. 210/213, proferi decisão não conhecendo da reclamação.
A defesa do reclamante, entretanto, atravessou pedido de reconsideração (e-STJ fls. 218/220), sustentando que o magistrado de 1º grau determinou "a continuidade das investigações vez que ainda se aguardava o levantamento das informações constantes nos aparelhos celulares dos investigados para constatar a existência de informações de interesse policial" (e-STJ fl. 218). Defendia, no ponto, a impossibilidade de coleta de tais informações após o reconhecimento da nulidade das provas na decisão emanada desta Corte.
Insistia, ainda, em que não existe fundamento para a não devolução dos bens e valores ilegalmente apreendidos no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491, seja porque a demonstração de sua procedência lícita somente seria pertinente se houvesse suspeita de que os bens ou valores possuem origem ilícita ou constituíram meio para a prática de delito, seja porque as coisas apreendidas não mais interessam ao processo, sobretudo porque não há mais o que investigar.
Pedia, assim, "a RECONSIDERAÇÃO de Vossa decisão, a fim de que haja o TRANCAMENTO do Inquérito Policial, cessando toda a investigação e, cassando-se a ordem de serviço emanada pela Autoridade Policial para periciar os aparelhos celulares quando da abordagem ilegal, a saber que a prova pretendida é derivada de ilícito e vedada com fulcro no art. 157, caput e § 1º, do CPP" (e-STJ fl. 220).
Em atenção aos fundamentos postos pelo reclamante em pedido de reconsideração, proferi nova decisão (e-STJ fls. 405/408) conhecendo, em parte, da presente reclamação, apenas no tocante à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491 e indeferi a liminar pleiteada.
Às fls. 419/422, o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP prestou informações, nas quais esclareceu:
Juntada aos autos cópia de pedido de informações datado de 29 de setembro de 2021, referente à Reclamação nº 42334/SP (fls. 204/209); decisão da mesma data determinou o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis, bem como mencionou que, em vista dos termos expressos expressos na ordem de Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, sem expressa determinação de trancamento do procedimento investigatório, os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas, determinando que se consignasse a autorização da continuidade das investigações para apuração de novas provas, nos termos das fls. 187/190 (fls. 210/211);
Certidões datadas de 29 e 30 de setembro de 2021 mencionando que foram realizados os desentranhamentos conforme determinado, bem como que foi enviada cópia do v.
Acórdão à Delegacia de Polícia respectiva (fl. 212); sendo este o último documento que aportou aos autos até a finalização do presente ofício.
(e-STJ fl. 421)
Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o órgão do Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou pela procedência da reclamação, na parte conhecida, em parecer assim ementado:
RECLAMAÇÃO. ALEGADA INOBSERVÂNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL EXARADA NO HC 679.430/SP. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE OBJETOS APREENDIDOS E TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. PARCIAL CONHECIMENTO. DECISÃO DO STJ QUE CONCLUIU PELA ILEGALIDADE DA BUSCA REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL E PELA ILICITUDE DAS PROVAS. NECESSIDADE DE DESENTRANHAMENTO DOS ELEMENTOS REUNIDOS NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO COM CONSEQUENTE TRANCAMENTO. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO NA PARTE CONHECIDA.
1. Não deve ser conhecido o pedido de restituição de coisas apreendidas, uma vez que a matéria não foi objeto da decisão proferida no HC nº 679.430/SP, cuja autoridade ora se pretende preservar.
2. O procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369- 67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
3. Embora não tenha havido determinação expressa na decisão prolatada por essa Corte Superior, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável, visto que, com a declaração de nulidade das provas colhidas em seu bojo, não mais subsistem elementos indiciários mínimos para amparar seu prosseguimento.
4. Parecer pelo parcial conhecimento da reclamação e, na parte conhecida, pela procedência, nos termos da fundamentação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Nos termos do art. 105, I, f, da CF/88, c/c o art. 187 do RISTJ, cabe Reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou para garantir a autoridade das suas decisões.
Por sua vez, o novo CPC legislou exaustivamente sobre o tema nos arts. 988 a 993, definindo, como hipóteses do cabimento da Reclamação, aquelas descritas no art. 988, dentre as quais as que preveem especificamente a Reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça são as seguintes:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(..)
§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
A hipótese dos autos se enquadra no art. 988, II, do CPC.
No mérito, observo, inicialmente, que a decisão de minha lavra apontada como descumprida foi mantida pela Quinta Turma desta Corte em acórdão que transitou em julgado em 26/10/2021 e recebeu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA ILÍCITA. REVISTA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar e veicular executadas por guardas municipais sem a existência de elementos reais e necessários para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP.
2. A busca pessoal e veicular ocorridas apenas com base em denúncia anônima, sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, impõe o reconhecimento da ilicitude das provas.
3. Agravo regimental improvido.
(Agravo regimental no HC n. 679.430/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma do STJ, unânime, julgado em 21/09/2021)
Em tal julgado, salientou-se:
"Não há controvérsia quanto à possibilidade de a guarda municipal realizar a prisão de agente em delito flagrante. Ocorre que a prisão em flagrante, no caso destes autos, aconteceu depois de abordagem irregular, pois destituída de fundada suspeita (apoiada somente em denúncia anônima).
De fato, contornos mínimos do crime só foram constatados depois da abordagem infundada, sem indícios prévios do delito, configurando-se atuação irregular.
Isso porque, baseada somente em denúncia anônima, inexistindo elementos indiciários suficientes do cometimento de delito, ainda que permanente, que justifique a abordagem de pessoa por outra "qualquer do povo", condição à qual equivale o agente público que não se inclui entre os órgãos de segurança pública previstos no art. 144, caput, da CF/88.
(..) No caso destes autos, o crime de tráfico de drogas ilícitas, conquanto permanente (apreensão de 15 gramas de crack), só foi constatado depois de busca em veículo, baseado somente em denúncia anônima anterior, o que justifica o acolhimento do pedido defensivo".
(negritei)
Como já havia afirmado anteriormente, a presente reclamação somente autoriza conhecimento na parte referente à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491. Quanto às alegações do reclamante referentes à restituição dos bens aprendidos no feito originário, o tema jamais chegou a ser objeto de deliberação no Habeas Corpus n. 679.430/SP.
Com efeito, nas informações prestadas a esta Corte, o magistrado de 1º grau esclareceu que, embora tenha determinado "o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis", autorizou o prosseguimento do inquérito, por entender que, como o HC n. 679.430/SP não havia determinado o trancamento do procedimento investigatório, "os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas" (e-STJ fl. 421).
No entanto, como bem ponderou o parecer ministerial, o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
Lembro que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, reconhecida a ilegalidade de busca pessoal e veicular, tanto as provas obtidas na diligência quanto as delas derivadas são contaminadas pela ilicitude, impondo-se o trancamento da ação penal, à míngua de provas independentes que permitam atribuir o cometimento do delito ao paciente.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. Constando do acórdão impugnado que, "Conforme consta dos autos, o paciente foi preso pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, a partir da perseguição efetuada pela autoridade policial a terceira pessoa que se encontrava defronte à residência em que detido, a qual, após esquivar-se da voz de abordagem dos agentes estatais, evadiu-se para o interior do imóvel, local em que foi localizado J.V. e, apreendido, junto a si, 20 (vinte) porções de crack embaladas para venda, além de petrechos destinados ao fracionamento da droga (uma superfície de vidro com resquícios da droga e uma lâmina) e, consigo, outras 3 (três) pedras da mesma substância entorpecente." verifica-se a ocorrência de manifesta ilegalidade.
2. Consoante precedente desta Corte Superior, "As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente" (HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021.)
3. Do contexto fático delineado no acórdão impugnado, não se verifica a existência de elementos concretos que estariam a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não sendo suficiente, ao ingresso em domicílio, sem mandado judicial, a mera suspeita da prática de tráfico de drogas, por ter o réu, ao perceber a presença dos policiais, tentado fugir e entrado no imóvel. Patente a ilegalidade do ingresso dos policiais no imóvel em que estava o paciente.
4. Concessão da ordem de habeas corpus. Reconhecimento da nulidade das provas obtidas nas buscas ilícitas ocorridas no imóvel em que se encontrava o paciente. Trancamento da ação penal, revogando-se, por consequência, as medidas cautelares diversas da prisão decretadas.
(HC 668.329/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Ao que tudo indica, também não houve a realização de nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente.
4. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da noticia criminis anônima. Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
5. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
6. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021), alinhou-se à jurisprudência da Sexta Turma em relação a essa matéria, seguindo, portanto, a compreensão adotada no referido HC n. 598.051/SP.
7. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia dos acusados, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e a própria ação penal - relativa aos delitos descritos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
8. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio dos pacientes, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, determinar o trancamento do Processo n. 5493024-33.2020.8.09.0024.
(HC 665.668/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 21/09/2021)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, NO PERÍODO NOTURNO. AUSÊNCIA DE DENÚNCIA ANÔNIMA. INDIVÍDUO QUE, AO AVISTAR A VIATURA POLICIAL, SE DIRIGE AO QUINTAL DE SUA CASA, ONDE É ABORDADO POR POLICIAL QUE REALIZA BUSCA PESSOAL E, EM SEGUIDA, BUSCA DOMICILIAR. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONCEDIDA À RESIDÊNCIA/DOMICÍLIO QUE ABRANGE O JARDIM E O QUINTAL DA CASA, DESDE QUE CERCADO POR NÍTIDO OBSTÁCULO QUE IMPEÇA A PASSAGEM DE TRANSEUNTES. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. (..)
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte.
3. A Corte Suprema assentou, também, que "o conceito de "casa", para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ de 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade" (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007).
4. Se o agente público não pode, sem o prévio consentimento do proprietário, ingressar durante o dia sem mandado judicial em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, com muito mais razão esse raciocínio permite concluir que o espaço que circunda a residência de um cidadão, é delimitado por muros e contém portão também constitui uma extensão de sua casa e está abrangido na proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI).
5. O mero avistamento de um indivíduo de pé no portão de sua casa que, ao divisar uma viatura policial, se dirige para o quintal ou para o interior de sua residência, sem qualquer denúncia/informação ou investigação prévia, não constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que o cidadão trazia drogas consigo ou as armazenava em sua residência, e tampouco de que naquele momento e local estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não.
6. Situação em que, durante ronda noturna de rotina e sem nenhuma denúncia prévia, após verificar que o paciente, que se encontrava de pé no portão de sua residência, empreendeu fuga para dentro do imóvel ao avistar a viatura policial, policial militar transpôs o portão e seguiu o indivíduo até o quintal, quando, então, teria visto o paciente jogando, na direção de sua casa, um pote plástico branco. Realizada busca pessoal no suspeito ainda no quintal da casa, foram encontrados dois pinos de cocaína em sua bermuda e, já dentro da residência, no interior do pote plástico, outros 32 (trinta e dois) pinos de cocaína.
Muito embora, com efeito, a dispensa repentina e rápida do pote pudesse levantar suspeitas que autorizassem a busca pessoal, o fato é que a visão do ato suspeito somente foi possível porque o policial militar já havia adentrado o portão da casa do paciente e chegado até o quintal, em nítida violação à proteção constitucional garantida ao domicílio.
7. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião deve ser considerada ilícita.
8. Se a denúncia indica como provas da materialidade do crime unicamente aquelas derivadas de busca e apreensão reputada ilícita, deve ser trancada a ação penal.
9. Habeas corpus de que não se conhece. Ordem concedida de ofício, para, confirmando a liminar anteriormente concedida, reconhecer a nulidade das provas de tráfico de entorpecentes derivadas do flagrante na ação penal e, tendo em conta que ditas provas ilícitas constituem a única evidência da materialidade do crime imputado ao paciente, determinar o trancamento da ação penal.
(HC 609.072/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020)
Ainda que a decisão por mim proferida no Habeas Corpus n. 679.430/SP não tenha avançado para determinar, expressamente, o trancamento do inquérito policial, tal conclusão constitui decorrência lógica do reconhecimento da ilicitude do flagrante, já que, não fosse a atuação ilegal dos guardas municipais ao proceder à revista do ora reclamante, a droga em seu veículo não seria encontrada. Maculadas as provas colhidas na diligência ilegal, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada, pelo que não remanescem elementos indiciários mínimos para amparar o prosseguimento do inquérito policial.
De se dar razão, assim, ao Parquet Federal quando afirma que, em que pese a existência de denúncia apócrifa acerca da prática de traficância pelos investigados, é certo que " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO CONFIRMADA POR INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. NECESSÁRIO TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- "O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito" (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014).
- "A notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019).
- Na hipótese, a representação ministerial instruída com delação apócrifa autorizaria a abertura de investigação preliminar para corroborar os fatos nela narrados. Porém, o que a autoridade policial fez foi proceder, desde logo, à instauração do inquérito policial, assim que recebeu a comunicação do Ministério Público.
- Não há que se falar, ao contrário do que entenderam os julgadores da origem, que se tratou de procedimento que não acarretou qualquer constrangimento a pessoa concreta, pois, da própria portaria de instauração do inquérito se verifica que a ora agravada foi suficientemente identificada como suspeita e investigada.
- É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial, que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a narrativa fática da delação apócrifa. Assim, impunha-se a concessão da ordem para trancar o Inquérito Policial (n. 2067076-27.2020.1200501) que tramitava na origem, por falta de justa causa.
- Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021)
Ante o exposto, conheço em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgo-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
É como voto.
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EMENTA
RECLAMAÇÃO. JULGADO DO STJ QUE RECONHECEU A NULIDADE DE BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DA DILIGÊNCIA ILEGAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS AUTORIZADORES DO PROSSEGUIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DECISÃO DE 1º GRAU QUE DESENTRANHA ALGUMAS PROVAS E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO. DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE, E JULGADA PROCEDENTE.
1. Não tendo o julgado apontado como descumprido tratado da restituição de bens apreendidos, não há como se conhecer da reclamação, no ponto.
2. Reconhecida, em acórdão da Quinta Turma desta Corte transitado em julgado, a ilegalidade de busca pessoal e veicular efetuadas pela Guarda Municipal, sem prévia autorização judicial e sem fundadas razões para crer na existência de flagrante delito, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ainda que o julgado não tenha determinado expressamente o trancamento do inquérito policial, uma vez que o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais, não existindo evidências colhidas anteriormente de forma independente, mas apenas denúncia apócrifa de traficância praticada pelo investigado, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável da ordem emanada desta Corte.
3. " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Precedente: AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.
4. Nessa linha de entendimento, descumpre julgado desta Corte a decisão de 1º grau que, após o reconhecimento da nulidade das evidências coletadas em busca veicular ilegal e das provas delas derivadas, não promove o trancamento do inquérito policial.
5. Reclamação conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
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RECLAMAÇÃO. JULGADO DO STJ QUE RECONHECEU A NULIDADE DE BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DA DILIGÊNCIA ILEGAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS AUTORIZADORES DO PROSSEGUIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DECISÃO DE 1º GRAU QUE DESENTRANHA ALGUMAS PROVAS E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO. DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE, E JULGADA PROCEDENTE.
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1. Não tendo o julgado apontado como descumprido tratado da restituição de bens apreendidos, não há como se conhecer da reclamação, no ponto.
2. Reconhecida, em acórdão da Quinta Turma desta Corte transitado em julgado, a ilegalidade de busca pessoal e veicular efetuadas pela Guarda Municipal, sem prévia autorização judicial e sem fundadas razões para crer na existência de flagrante delito, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ainda que o julgado não tenha determinado expressamente o trancamento do inquérito policial, uma vez que o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais, não existindo evidências colhidas anteriormente de forma independente, mas apenas denúncia apócrifa de traficância praticada pelo investigado, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável da ordem emanada desta Corte.
3. " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Precedente: AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.
4. Nessa linha de entendimento, descumpre julgado desta Corte a decisão de 1º grau que, após o reconhecimento da nulidade das evidências coletadas em busca veicular ilegal e das provas delas derivadas, não promove o trancamento do inquérito policial.
5. Reclamação conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
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EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS.
1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
2. No caso, inexistiram elementos com firmeza a indicar a existência de tráfico de drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas, movimentação de pessoas ou investigações prévias. A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado.
3. Consoante já decidido por esta Corte, "caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva de ingresso no domicílio, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º, CPP).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar, contra acórdão assim ementado (fl. 309):
PRELIMINAR nulidade por adentrarem os policiais na residência da ré sem mandado tráfico na modalidade "guardar" é crime permanente desnecessidade de mandado preliminar rejeitada.
MATERIALIDADE auto de apreensão e laudo toxicológico que restou positivo para a presença do elemento ativo comprovação que o material apreendido é droga (cocaína).
AUTORIA confissão da ré em sintonia com a prova coligida depoimento policial que indica a apreensão de droga validade depoimento policial só deve ser visto com reservas quando a imputação ao réu visa justificar eventual abuso praticado inocorrência no caso em tela.
TRÁFICO destinação a terceiros indícios tais como quantidade incompatível com a figura de usuário; a forma de acondicionamento, própria para a venda a granel, própria para ser dividida e destinada ao tráfico; a confissão judicial da ré; a apreensão da balança de precisão com resquício de cocaína; o encontro do dinheiro com a droga indicando a comercialização de outras porções do entorpecente; a denúncia anônima noticiando que tinha grande quantidade de droga na residência de Sthefanie o que motivou a abordagem policial; e a falta de capacidade econômica para a acusada possuir a droga apreendida para seu uso pessoal.
PENA primeira fase base fixada acima do mínimo legal 1/6 quantidade da droga segunda fase atenuante da confissão retorno ao piso terceira fase não incidência do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 provimento parcial ao recurso ministerial substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não incidência quantum da pena REGIME fechado circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu Beccaria regime fechado provimento ao recurso ministerial.
Consta dos autos que a paciente foi condenada por infração ao art. 33, caput, c/c § 4º da Lei 11.343/06, a 2 anos e 6 meses de reclusão, além de 250 dias-multa, no regime inicial aberto.
Inconformados, defesa e Ministério Público interpuseram apelação, tendo sido o recurso da acusação sido provido para aumentar a pena da paciente para 5 anos de reclusão, e 500 dias-multa, no regime inicial fechado.
No presente writ, o impetrante alega a nulidade das provas produzidas em razão da violação de domicílio, aduzindo que "denúncia anônima não é fundamento para invasão domiciliar sem ordem judicial ou breve investigação."
Indeferida a liminar e prestadas as informações, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ, ou por sua denegação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Acerca do ingresso policial na residência onde foram apreendidas as drogas, consta do acórdão de apelação (fl. 311):
Consoante dispõe o artigo 5º, XI, da Constituição Federal, apenas se pode adentrar na residência de alguém em caso de flagrante delito; desastre, para prestar socorro; durante o dia, com ordem judicial; e por consentimento do morador. Assim, nota-se que obter ordem judicial é apenas uma das formas de se adentrar no domicílio.
Vale lembrar que a ocultação de drogas em seu interior, que caracteriza delito permanente, torna constante o estado de flagrante e possibilita tal conduta pelos policiais.
Portanto, não há necessidade de se obter ordem judicial para se adentrar na residência de acusada, pelos motivos expostos, dado o permanente estado de flagrante, razão pela qual se afasta a preliminar.
..
No caso havia denúncia anônima dando conta de que a acusada guardava em sua casa grande quantidade de droga, o que gera fundada suspeita, suficiente para que a busca domiciliar nos crimes permanentes se justifique.
A sentença, por seu turno, assim dispôs (fls. 188-189):
De proêmio, cumpre afastar a preliminar arguida pela combativa defesa referente à invasão de domicílio.
Ora, apesar de a defesa suscitar a ocorrência de transgressão ao direito à inviolabilidade de domicílio, constitucionalmente previsto pelo art. 5º, inciso XI, a entrada dos policiais militares à residência da acusada se justificou em razão de estar configurado o flagrante, uma das modalidades de exceção à imunidade domiciliar estipulada pela própria Constituição Federal.
..
Em casos tais, pela inteligência do art. 303 do Código de Processo Penal, entende-se que o estado de flagrante cessa quando cessa a permanência. Dessa forma, se torna peremptoriamente cabível a violação domiciliar nos casos de flagrante em crime permanente, desde que presentes indícios da prática delitiva.
No caso sob exame, tem-se que esses indícios estavam presentes. Ora, houve denúncia anônima que apontava especificamente a prática do tráfico de drogas pela ré.
Assim, afasto a preliminar arguida pela defesa, já que a entrada à residência foi efetuada em virtude de claros indícios da prática do crime de tráfico de drogas pela acusada, ressaltando que a violação à garantia constitucional ocorreu em respeito a uma das exceções previstas pela Carta Magna, ou seja, a situação flagrancial.
Do Auto de Prisão em Flagrante Delito, por sua vez, extrai-se o seguinte trecho (fl. 16):
Às 21:05 horas do dia 12 do mês de setembro de 2020,na sede do Plantão Policial do DEL.SEC.FRANCA PLANTÃO, presidido pela Autoridade Policial Exmo(a) Sr(a) Dr(a) EDUARDO LOPES BONFIM, comigo, Escrivão(ã) de Polícia, passou-se à inquirição da testemunha LUCIANO AUGUSTO GONCALVES DA SILVA, RG 34032548 - SP, CPF 29112985864, filho de LAZARO GONCALVES DA SILVA e de MARIA APARECIDA DE MACEDO SILVA, natural de FRANCA -SP, nacionalidade BRASILEIRA, sexo Masculino, pele Branca, nascido(a) em 10/07/1982, com 38 anos de idade, estado civil Solteiro, profissão POLICIAL MILITAR, residente a AV. ALFREDO TOZZI, nº. 1200, na cidade FRANCA - SP, CEP 00000-000, telefone(s) (16) 37221988. Compromissada, às de costume nada disse. Indagada, às perguntas respondeu:Que é policial militar e, de serviço na data de hoje, juntamente com o policial militar CBPM Cleber, receberam denúncia de popular dizendo a autuada estaria guardando grande quantidade de droga em sua casa; QUE foram até o local e, em contato com a autuada, indagaram se havia droga na residência e, primeiramente ela informou que não, franqueando a entrada do depoente, do CBPM Cleber e CBPM Robson em sua casa; QUE dentro do imóvel, no quarto da autuada, embaixo de um berço,o CBPM Cleber localizou uma mochila onde estavam acondicionadas várias porções de cocaína, droga essa dividida em invólucros plásticos, sendo 34 transparente e 13 invólucros plásticos verde; QUE em meio a cobertores, ao lado do berço,o CBPM Cleber encontrou uma bolsinha infantil, na qual estavam acondicionadas outros invólucros da mesma droga os quais foram também divididos em 8 invólucros plásticos pretos e 10 azuis, além de uma balança de precisão com resquícios de cocaína; QUE o depoente localizou, na parte superior do guarda roupa, no mesmo quarto, os policiais encontraram r$1150,00 (mil cento e cinquenta reais em dinheiro); QUE, apos a localização do entorpecente, a autuada, assumiu a propriedade da droga, alegando que não iria fornecer mais detalhes sobre o entorpecente, somente informando que foi ela quem fracionou o droga encontrada em sua casa; Que a autuada teria dito que o dinheiro recebeu de um benefício mas não apresentou nenhum comprovante que justificasse o valor; Que o depoente esclarece que , a droga estava escondida em locais de fácil acesso (mochila embaixo do berço e a bolsinha em meio a cobertores, ao lado do berço) , inclusive as filhos da autuada com idades entre 6 e 1 anos de idade, facilmente poderiam manusear o entorpecente; QUE diante do fato foi dada voz de prisão a autuada e ela foi conduzida a delegacia, onde a autoridade policial ratificou a voz de prisão.
Como se vê, as instâncias ordinárias não vislumbraram ilegalidade na conduta policial, ressaltando o caráter permanente do crime de tráfico, além da existência de denúncia anônima.
Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal,não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitira entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, sejademonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementosconcretos que apontem para o caso de flagrante delito.
A propósito: HC 620.515/CE, RelatorMinistro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,DJe 08/02/2021; HC 612.579/BA, RelatorMinistro Reynaldo Soares da Fonseca,Quinta Turma, DJe 12/11/2020.
Bem feitas as contas, não existiram elementos robustos a indicar a existência de tráficode drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas,movimentação de pessoas ou investigações prévias.
A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado. Ainda que, nos crimes permanentes, o estado de flagrância se prolongue no tempo, tal circunstância não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se diante de uma situação de flagrância. Nesse sentido: HC 442.363/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no REsp 1.704.746/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 21/03/2018.
Relativamente ao fundamento de que franqueado o ingresso em domicílio, como já decidido por esta Corte, "as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação de que o genitor do paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/03/2021).
Além disso,"caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
Portanto, deve-se declarar ilegal a apreensão da droga, e, consequentemente,afastar a imputação de tráfico. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
Ante o exposto, concedo ohabeas corpus para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas na ação penal nº 1500188-40.2020.8.26.0608, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º- CPP).
É o voto.
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar, contra acórdão assim ementado (fl. 309):
PRELIMINAR nulidade por adentrarem os policiais na residência da ré sem mandado tráfico na modalidade "guardar" é crime permanente desnecessidade de mandado preliminar rejeitada.
MATERIALIDADE auto de apreensão e laudo toxicológico que restou positivo para a presença do elemento ativo comprovação que o material apreendido é droga (cocaína).
AUTORIA confissão da ré em sintonia com a prova coligida depoimento policial que indica a apreensão de droga validade depoimento policial só deve ser visto com reservas quando a imputação ao réu visa justificar eventual abuso praticado inocorrência no caso em tela.
TRÁFICO destinação a terceiros indícios tais como quantidade incompatível com a figura de usuário; a forma de acondicionamento, própria para a venda a granel, própria para ser dividida e destinada ao tráfico; a confissão judicial da ré; a apreensão da balança de precisão com resquício de cocaína; o encontro do dinheiro com a droga indicando a comercialização de outras porções do entorpecente; a denúncia anônima noticiando que tinha grande quantidade de droga na residência de Sthefanie o que motivou a abordagem policial; e a falta de capacidade econômica para a acusada possuir a droga apreendida para seu uso pessoal.
PENA primeira fase base fixada acima do mínimo legal 1/6 quantidade da droga segunda fase atenuante da confissão retorno ao piso terceira fase não incidência do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 provimento parcial ao recurso ministerial substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não incidência quantum da pena REGIME fechado circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu Beccaria regime fechado provimento ao recurso ministerial.
Consta dos autos que a paciente foi condenada por infração ao art. 33, caput, c/c § 4º da Lei 11.343/06, a 2 anos e 6 meses de reclusão, além de 250 dias-multa, no regime inicial aberto.
Inconformados, defesa e Ministério Público interpuseram apelação, tendo sido o recurso da acusação sido provido para aumentar a pena da paciente para 5 anos de reclusão, e 500 dias-multa, no regime inicial fechado.
No presente writ, o impetrante alega a nulidade das provas produzidas em razão da violação de domicílio, aduzindo que "denúncia anônima não é fundamento para invasão domiciliar sem ordem judicial ou breve investigação."
Indeferida a liminar e prestadas as informações, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ, ou por sua denegação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Acerca do ingresso policial na residência onde foram apreendidas as drogas, consta do acórdão de apelação (fl. 311):
Consoante dispõe o artigo 5º, XI, da Constituição Federal, apenas se pode adentrar na residência de alguém em caso de flagrante delito; desastre, para prestar socorro; durante o dia, com ordem judicial; e por consentimento do morador. Assim, nota-se que obter ordem judicial é apenas uma das formas de se adentrar no domicílio.
Vale lembrar que a ocultação de drogas em seu interior, que caracteriza delito permanente, torna constante o estado de flagrante e possibilita tal conduta pelos policiais.
Portanto, não há necessidade de se obter ordem judicial para se adentrar na residência de acusada, pelos motivos expostos, dado o permanente estado de flagrante, razão pela qual se afasta a preliminar.
..
No caso havia denúncia anônima dando conta de que a acusada guardava em sua casa grande quantidade de droga, o que gera fundada suspeita, suficiente para que a busca domiciliar nos crimes permanentes se justifique.
A sentença, por seu turno, assim dispôs (fls. 188-189):
De proêmio, cumpre afastar a preliminar arguida pela combativa defesa referente à invasão de domicílio.
Ora, apesar de a defesa suscitar a ocorrência de transgressão ao direito à inviolabilidade de domicílio, constitucionalmente previsto pelo art. 5º, inciso XI, a entrada dos policiais militares à residência da acusada se justificou em razão de estar configurado o flagrante, uma das modalidades de exceção à imunidade domiciliar estipulada pela própria Constituição Federal.
..
Em casos tais, pela inteligência do art. 303 do Código de Processo Penal, entende-se que o estado de flagrante cessa quando cessa a permanência. Dessa forma, se torna peremptoriamente cabível a violação domiciliar nos casos de flagrante em crime permanente, desde que presentes indícios da prática delitiva.
No caso sob exame, tem-se que esses indícios estavam presentes. Ora, houve denúncia anônima que apontava especificamente a prática do tráfico de drogas pela ré.
Assim, afasto a preliminar arguida pela defesa, já que a entrada à residência foi efetuada em virtude de claros indícios da prática do crime de tráfico de drogas pela acusada, ressaltando que a violação à garantia constitucional ocorreu em respeito a uma das exceções previstas pela Carta Magna, ou seja, a situação flagrancial.
Do Auto de Prisão em Flagrante Delito, por sua vez, extrai-se o seguinte trecho (fl. 16):
Às 21:05 horas do dia 12 do mês de setembro de 2020,na sede do Plantão Policial do DEL.SEC.FRANCA PLANTÃO, presidido pela Autoridade Policial Exmo(a) Sr(a) Dr(a) EDUARDO LOPES BONFIM, comigo, Escrivão(ã) de Polícia, passou-se à inquirição da testemunha LUCIANO AUGUSTO GONCALVES DA SILVA, RG 34032548 - SP, CPF 29112985864, filho de LAZARO GONCALVES DA SILVA e de MARIA APARECIDA DE MACEDO SILVA, natural de FRANCA -SP, nacionalidade BRASILEIRA, sexo Masculino, pele Branca, nascido(a) em 10/07/1982, com 38 anos de idade, estado civil Solteiro, profissão POLICIAL MILITAR, residente a AV. ALFREDO TOZZI, nº. 1200, na cidade FRANCA - SP, CEP 00000-000, telefone(s) (16) 37221988. Compromissada, às de costume nada disse. Indagada, às perguntas respondeu:Que é policial militar e, de serviço na data de hoje, juntamente com o policial militar CBPM Cleber, receberam denúncia de popular dizendo a autuada estaria guardando grande quantidade de droga em sua casa; QUE foram até o local e, em contato com a autuada, indagaram se havia droga na residência e, primeiramente ela informou que não, franqueando a entrada do depoente, do CBPM Cleber e CBPM Robson em sua casa; QUE dentro do imóvel, no quarto da autuada, embaixo de um berço,o CBPM Cleber localizou uma mochila onde estavam acondicionadas várias porções de cocaína, droga essa dividida em invólucros plásticos, sendo 34 transparente e 13 invólucros plásticos verde; QUE em meio a cobertores, ao lado do berço,o CBPM Cleber encontrou uma bolsinha infantil, na qual estavam acondicionadas outros invólucros da mesma droga os quais foram também divididos em 8 invólucros plásticos pretos e 10 azuis, além de uma balança de precisão com resquícios de cocaína; QUE o depoente localizou, na parte superior do guarda roupa, no mesmo quarto, os policiais encontraram r$1150,00 (mil cento e cinquenta reais em dinheiro); QUE, apos a localização do entorpecente, a autuada, assumiu a propriedade da droga, alegando que não iria fornecer mais detalhes sobre o entorpecente, somente informando que foi ela quem fracionou o droga encontrada em sua casa; Que a autuada teria dito que o dinheiro recebeu de um benefício mas não apresentou nenhum comprovante que justificasse o valor; Que o depoente esclarece que , a droga estava escondida em locais de fácil acesso (mochila embaixo do berço e a bolsinha em meio a cobertores, ao lado do berço) , inclusive as filhos da autuada com idades entre 6 e 1 anos de idade, facilmente poderiam manusear o entorpecente; QUE diante do fato foi dada voz de prisão a autuada e ela foi conduzida a delegacia, onde a autoridade policial ratificou a voz de prisão.
Como se vê, as instâncias ordinárias não vislumbraram ilegalidade na conduta policial, ressaltando o caráter permanente do crime de tráfico, além da existência de denúncia anônima.
Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal,não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitira entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, sejademonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementosconcretos que apontem para o caso de flagrante delito.
A propósito: HC 620.515/CE, RelatorMinistro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,DJe 08/02/2021; HC 612.579/BA, RelatorMinistro Reynaldo Soares da Fonseca,Quinta Turma, DJe 12/11/2020.
Bem feitas as contas, não existiram elementos robustos a indicar a existência de tráficode drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas,movimentação de pessoas ou investigações prévias.
A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado. Ainda que, nos crimes permanentes, o estado de flagrância se prolongue no tempo, tal circunstância não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se diante de uma situação de flagrância. Nesse sentido: HC 442.363/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no REsp 1.704.746/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 21/03/2018.
Relativamente ao fundamento de que franqueado o ingresso em domicílio, como já decidido por esta Corte, "as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação de que o genitor do paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/03/2021).
Além disso,"caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
Portanto, deve-se declarar ilegal a apreensão da droga, e, consequentemente,afastar a imputação de tráfico. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
Ante o exposto, concedo ohabeas corpus para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas na ação penal nº 1500188-40.2020.8.26.0608, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º- CPP).
É o voto.
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EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS.
1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
2. No caso, inexistiram elementos com firmeza a indicar a existência de tráfico de drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas, movimentação de pessoas ou investigações prévias. A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado.
3. Consoante já decidido por esta Corte, "caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva de ingresso no domicílio, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º, CPP).
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HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS.
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1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
2. No caso, inexistiram elementos com firmeza a indicar a existência de tráfico de drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas, movimentação de pessoas ou investigações prévias. A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado.
3. Consoante já decidido por esta Corte, "caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva de ingresso no domicílio, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º, CPP).
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141,146,541 |
EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da natureza e da quantidade das drogas apreendidas.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Destaco, ainda, que o paciente é primário e, apesar de constar duas anotações criminais anteriores, uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido sem violência ou grave ameaça, datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018, e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016.
5. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de WAGNER QUIRINO SANTOS apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (HC n. 5468282-12.2021.8.09.0087).
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) e pelo delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), em razão da apreensão de 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas) maconha (e-STJ fl. 31).
O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus que visava a revogação da prisão preventiva. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 40/41):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA. NÃO CONHECIMENTO. A análise sobre a conduta do réu demanda exame profundo do acervo probatório, inviável na via estreita do writ, devendo a matéria de mérito ficar reservada ao processo de conhecimento. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. Importa salientar que a via estreita do Writ é inconciliável com o exame aprofundado da prova, inadmitindo, assim, a aferição do conteúdo material do processo quanto à alegação do impetrante de que, caso seja o paciente condenado, o regime de cumprimento de pena será mais brando que o fechado, visto que se trata de matéria meritória a ser analisada no juízo de origem e que demanda dilação probatória. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. A necessidade da medida extrema mostra-se amparada na existência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, a saber, a materialidade e indícios de autoria, estando a segregação alicerçada na garantia da ordem pública. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. Afasta-se a alegação de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois impõe-se ao caso a relativização deste preceito em favor da segurança social, ameaçada pela conduta atribuída ao paciente, além do que, a própria Constituição Federal autoriza a prisão provisória em seu artigo 5º, inciso LXI, desde que se enquadre nos casos previstos na lei. PREDICADOS PESSOAIS. Os predicados favoráveis não têm o condão de garantir, por si só, a revogação da prisão preventiva, mormente quando o julgador visualizar a presença de seus requisitos ensejadores. PANDEMIA MUNDIAL. COVID-19. RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 CNJ. RISCO DE CONTÁGIO PELO VÍRUS. O simples risco de contágio pelo COVID-19 não constitui, por si só, motivo para automática revogação ou conversão em domiciliar da prisão, sendo necessária, para tanto, a análise das peculiaridades do pedido concreto. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. Estando presentes motivos autorizadores da decretação da prisão preventiva e comprovada a necessidade da segregação, incabível a substituição pelas medidas cautelares (art. 319 do CPP), não havendo gravame ou constrangimento ilegal a ser reparado pela via mandamental. PARECER ACOLHIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta que "não se encontram presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva" (e-STJ fl. 9). Defende a possibilidade de fixação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a revogação da prisão preventiva.
O pedido liminar foi indeferido.
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem. O parecer foi assim ementado (e-STJ fl. 95):
PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPROCEDÊNCIA - EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DA PRISÃO CAUTELAR DO ARTIGO 312 DO CPP - INSUFICIÊNCIA DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA - FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO IDÔNEA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL .
PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Inicialmente, sobre a alegação de desproporcionalidade da custódia em relação ao regime que porventura vier a ser aplicado, cumpre esclarecer que esta Corte tem jurisprudência pacífica quanto à impossibilidade de se realizar juízo prospectivo da pena a ser aplicada, atribuição exclusiva do magistrado sentenciante quando da prolação da sentença.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. VARIEDADE DE DROGA APREENDIDA. PENA EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA IN CASU. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. .. 3. Não cabe a esta Corte proceder com juízo intuitivo e de probabilidade para aferir eventual pena a ser aplicada, tampouco para concluir pela possibilidade de fixação de regime diverso do fechado e de substituição da reprimenda corporal, tarefas essas próprias do Juízo de primeiro grau por ocasião do julgamento de mérito da ação penal (precedentes). .. (RHC n. 119.600/MG, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 5/5/2020, DJe 11/5/2020.)
Com relação aos fundamentos da prisão preventiva, insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 31/32):
II - Da conversão da prisão em flagrante em preventiva.
Passo, assim, a analisar o que mais dispõe o artigo 310 do Código de Processo Penal.
Da leitura do artigo 321 do Código de Processo Penal, extrai-se que a liberdade provisória somente será concedida se não estiverem presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva.
No caso dos autos, a prisão preventiva é medida que se impõe. Explico.
Nos moldes do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos.
O requisito supramencionado resta satisfeito, pois a pena máxima prevista para o crime imputado ao autuado ultrapassa 04 anos.
Ademais, para a decretação da prisão preventiva, o Código de Processo Penal estabelece que é necessário que fiquem bem demonstrados a presença do "fumus comissi delicti" (pressuposto da prisão preventiva), do "periculum libertatis" (fundamento da prisão preventiva), e das condições de sua admissibilidade, insculpidas no artigo 312 do Ordenamento Jurídico Processual Penal Brasileiro.
O "fumus comissi delicti" está calcado na prova da materialidade e em indícios suficientes de autoria, que neste caso estão demonstrados nos autos através do(a): 1) Auto de Prisão em Flagrante; 2) RAI nº 20955293; 3) Auto de Exibição e Apreensão; 4) Laudo Pericial de Constatação de Drogas; 5) Prova oral produzida nos autos inquisitoriais.
Sinteticamente, em resumo às provas orais, noto que: a) na residência do autuado DENILSON foram encontradas várias porções drogas; balança de precisão; uma arma de fogo e várias munições; b) na residência do autuado WAGNER foram encontrados 02 (dois) tabletes de drogas.
Assim, ao menos nesse momento processual, as provas trazidas demonstram que, na data dos fatos, a autuada praticou o crime imputado.
Presente a fumaça do delito cometido, a lei exige também a demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do agente (periculum libertatis).
Em que pese os autuados serem tecnicamente primários, verifico que respondem a outros processos (evento nº 03), fato que revela o risco de reiteração delitiva.
Ademais, friso que as condutas dos autuados extrapolaram a gravidade comumente constatada na prática de crimes desta espécie, notadamente em razão da quantidade de drogas apreendidas. Note-se que foram apreendidos com o autuado DENILSON, 128 (cento e vinte e oito) pedras de crack de variados tamanhos e 164 (cento e sessenta e quatro) pinos de cocaína.
Já com o autuado WAGNER foram apreendidas uma porção grande de substância semelhante a crack, pesando aproximadamente 520g (quinhentos e vinte gramas) e uma porção de substância semelhante a maconha, pesando aproximadamente 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas).
Portanto, diante das circunstâncias fáticas do caso em exame, resta evidente na necessidade de resguardar a ordem pública; a periculosidade dos autuados; o perigo gerado pelo seu estado de liberdade e o risco de reiteração delitiva (periculum libertatis).
Nesse ínterim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de Goiás:
..
Oportuno consignar que, desde que fundamentada nos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Neste sentido:
..
Por fim, tenho que as medidas cautelares diversas da prisão não são suficientes para garantir a ordem pública, nem tampouco prevenir a reiteração da conduta delituosa, já que há fortes indícios de que os autuados podem reiterar a conduta delitiva. (Grifei.)
Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, não obstante a apreensão de considerável quantidade de drogas - 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489 (quatrocentos e oitenta e nove) gramas de maconha -, o paciente é primário, tendo em vista que não consta condenação definitiva na folha de antecedentes criminais (e-STJ fls. 27/28).
Destaco que, apesar de constar duas anotações criminais anteriores (e-STJ fls. 27/28), uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica), cometido sem violência ou grave ameaça e datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018 (e-STJ fl. 27), e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016 (e-STJ fl. 28).
Dessa forma, nota-se que as circunstâncias do caso justificam, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Existindo medidas alternativas capazes de garantir a ordem pública e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da segregação extrema.
2. Apesar das importantes considerações feitas pela Magistrada singular no decreto prisional a respeito das duas passagens anteriores por delito de mesma natureza e do fato de o paciente ter voltado a delinquir mesmo depois de ter sido colocado em liberdade, existem medidas alternativas à prisão que melhor se adequam à situação do paciente (flagrado com 8,84 g de cocaína) capazes de evitar a repetição do crime.
3. Não obstante a informação transmitida após a decisão liminar de que o paciente permanece preso por outras razões, é caso de, ao menos quanto ao processo atual, substituir a prisão cautelar por medidas menos gravosas.
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, para impor ao paciente: a) comparecimento periódico em juízo, sempre que for intimado para os atos do processo e no prazo e nas condições a serem fixados pelo Juiz, a fim de justificar suas atividades; e b) proibição de frequentar bares, praças, boates ou locais voltados ao consumo ou difusão de droga. Caberá à Magistrada de piso tanto a implementação quanto a fiscalização e a adequação dessas medidas cautelares. (HC 588.803/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. NÃO EXACERBADA. REITERAÇÃO DELITIVA. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. PRIMAZIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade das drogas apreendidas - 93g (noventa e três gramas) de maconha - e da reiteração delitiva.
3. Em razão da atual pandemia de Covid-19 e ante os reiterados esforços do Poder Público para conter a disseminação do novo coronavírus, inclusive nas unidades prisionais, esta Casa e, especialmente, este relator vêm olhando com menor rigor para casos como o presente, flexibilizando, pontualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na hipótese de crimes praticados sem violência ou grave ameaça e/ou que não revelem, ao menos neste momento, uma maior gravidade e uma periculosidade acentuada do agente, como é o caso dos autos, em que se está diante do crime de tráfico de entorpecentes.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
5. Recurso provido para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. (RHC 128.910/MG, minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
|
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de WAGNER QUIRINO SANTOS apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (HC n. 5468282-12.2021.8.09.0087).
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) e pelo delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), em razão da apreensão de 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas) maconha (e-STJ fl. 31).
O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus que visava a revogação da prisão preventiva. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 40/41):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA. NÃO CONHECIMENTO. A análise sobre a conduta do réu demanda exame profundo do acervo probatório, inviável na via estreita do writ, devendo a matéria de mérito ficar reservada ao processo de conhecimento. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. Importa salientar que a via estreita do Writ é inconciliável com o exame aprofundado da prova, inadmitindo, assim, a aferição do conteúdo material do processo quanto à alegação do impetrante de que, caso seja o paciente condenado, o regime de cumprimento de pena será mais brando que o fechado, visto que se trata de matéria meritória a ser analisada no juízo de origem e que demanda dilação probatória. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. A necessidade da medida extrema mostra-se amparada na existência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, a saber, a materialidade e indícios de autoria, estando a segregação alicerçada na garantia da ordem pública. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. Afasta-se a alegação de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois impõe-se ao caso a relativização deste preceito em favor da segurança social, ameaçada pela conduta atribuída ao paciente, além do que, a própria Constituição Federal autoriza a prisão provisória em seu artigo 5º, inciso LXI, desde que se enquadre nos casos previstos na lei. PREDICADOS PESSOAIS. Os predicados favoráveis não têm o condão de garantir, por si só, a revogação da prisão preventiva, mormente quando o julgador visualizar a presença de seus requisitos ensejadores. PANDEMIA MUNDIAL. COVID-19. RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 CNJ. RISCO DE CONTÁGIO PELO VÍRUS. O simples risco de contágio pelo COVID-19 não constitui, por si só, motivo para automática revogação ou conversão em domiciliar da prisão, sendo necessária, para tanto, a análise das peculiaridades do pedido concreto. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. Estando presentes motivos autorizadores da decretação da prisão preventiva e comprovada a necessidade da segregação, incabível a substituição pelas medidas cautelares (art. 319 do CPP), não havendo gravame ou constrangimento ilegal a ser reparado pela via mandamental. PARECER ACOLHIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta que "não se encontram presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva" (e-STJ fl. 9). Defende a possibilidade de fixação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a revogação da prisão preventiva.
O pedido liminar foi indeferido.
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem. O parecer foi assim ementado (e-STJ fl. 95):
PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPROCEDÊNCIA - EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DA PRISÃO CAUTELAR DO ARTIGO 312 DO CPP - INSUFICIÊNCIA DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA - FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO IDÔNEA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL .
PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Inicialmente, sobre a alegação de desproporcionalidade da custódia em relação ao regime que porventura vier a ser aplicado, cumpre esclarecer que esta Corte tem jurisprudência pacífica quanto à impossibilidade de se realizar juízo prospectivo da pena a ser aplicada, atribuição exclusiva do magistrado sentenciante quando da prolação da sentença.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. VARIEDADE DE DROGA APREENDIDA. PENA EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA IN CASU. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. .. 3. Não cabe a esta Corte proceder com juízo intuitivo e de probabilidade para aferir eventual pena a ser aplicada, tampouco para concluir pela possibilidade de fixação de regime diverso do fechado e de substituição da reprimenda corporal, tarefas essas próprias do Juízo de primeiro grau por ocasião do julgamento de mérito da ação penal (precedentes). .. (RHC n. 119.600/MG, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 5/5/2020, DJe 11/5/2020.)
Com relação aos fundamentos da prisão preventiva, insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 31/32):
II - Da conversão da prisão em flagrante em preventiva.
Passo, assim, a analisar o que mais dispõe o artigo 310 do Código de Processo Penal.
Da leitura do artigo 321 do Código de Processo Penal, extrai-se que a liberdade provisória somente será concedida se não estiverem presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva.
No caso dos autos, a prisão preventiva é medida que se impõe. Explico.
Nos moldes do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos.
O requisito supramencionado resta satisfeito, pois a pena máxima prevista para o crime imputado ao autuado ultrapassa 04 anos.
Ademais, para a decretação da prisão preventiva, o Código de Processo Penal estabelece que é necessário que fiquem bem demonstrados a presença do "fumus comissi delicti" (pressuposto da prisão preventiva), do "periculum libertatis" (fundamento da prisão preventiva), e das condições de sua admissibilidade, insculpidas no artigo 312 do Ordenamento Jurídico Processual Penal Brasileiro.
O "fumus comissi delicti" está calcado na prova da materialidade e em indícios suficientes de autoria, que neste caso estão demonstrados nos autos através do(a): 1) Auto de Prisão em Flagrante; 2) RAI nº 20955293; 3) Auto de Exibição e Apreensão; 4) Laudo Pericial de Constatação de Drogas; 5) Prova oral produzida nos autos inquisitoriais.
Sinteticamente, em resumo às provas orais, noto que: a) na residência do autuado DENILSON foram encontradas várias porções drogas; balança de precisão; uma arma de fogo e várias munições; b) na residência do autuado WAGNER foram encontrados 02 (dois) tabletes de drogas.
Assim, ao menos nesse momento processual, as provas trazidas demonstram que, na data dos fatos, a autuada praticou o crime imputado.
Presente a fumaça do delito cometido, a lei exige também a demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do agente (periculum libertatis).
Em que pese os autuados serem tecnicamente primários, verifico que respondem a outros processos (evento nº 03), fato que revela o risco de reiteração delitiva.
Ademais, friso que as condutas dos autuados extrapolaram a gravidade comumente constatada na prática de crimes desta espécie, notadamente em razão da quantidade de drogas apreendidas. Note-se que foram apreendidos com o autuado DENILSON, 128 (cento e vinte e oito) pedras de crack de variados tamanhos e 164 (cento e sessenta e quatro) pinos de cocaína.
Já com o autuado WAGNER foram apreendidas uma porção grande de substância semelhante a crack, pesando aproximadamente 520g (quinhentos e vinte gramas) e uma porção de substância semelhante a maconha, pesando aproximadamente 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas).
Portanto, diante das circunstâncias fáticas do caso em exame, resta evidente na necessidade de resguardar a ordem pública; a periculosidade dos autuados; o perigo gerado pelo seu estado de liberdade e o risco de reiteração delitiva (periculum libertatis).
Nesse ínterim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de Goiás:
..
Oportuno consignar que, desde que fundamentada nos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Neste sentido:
..
Por fim, tenho que as medidas cautelares diversas da prisão não são suficientes para garantir a ordem pública, nem tampouco prevenir a reiteração da conduta delituosa, já que há fortes indícios de que os autuados podem reiterar a conduta delitiva. (Grifei.)
Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, não obstante a apreensão de considerável quantidade de drogas - 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489 (quatrocentos e oitenta e nove) gramas de maconha -, o paciente é primário, tendo em vista que não consta condenação definitiva na folha de antecedentes criminais (e-STJ fls. 27/28).
Destaco que, apesar de constar duas anotações criminais anteriores (e-STJ fls. 27/28), uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica), cometido sem violência ou grave ameaça e datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018 (e-STJ fl. 27), e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016 (e-STJ fl. 28).
Dessa forma, nota-se que as circunstâncias do caso justificam, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Existindo medidas alternativas capazes de garantir a ordem pública e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da segregação extrema.
2. Apesar das importantes considerações feitas pela Magistrada singular no decreto prisional a respeito das duas passagens anteriores por delito de mesma natureza e do fato de o paciente ter voltado a delinquir mesmo depois de ter sido colocado em liberdade, existem medidas alternativas à prisão que melhor se adequam à situação do paciente (flagrado com 8,84 g de cocaína) capazes de evitar a repetição do crime.
3. Não obstante a informação transmitida após a decisão liminar de que o paciente permanece preso por outras razões, é caso de, ao menos quanto ao processo atual, substituir a prisão cautelar por medidas menos gravosas.
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, para impor ao paciente: a) comparecimento periódico em juízo, sempre que for intimado para os atos do processo e no prazo e nas condições a serem fixados pelo Juiz, a fim de justificar suas atividades; e b) proibição de frequentar bares, praças, boates ou locais voltados ao consumo ou difusão de droga. Caberá à Magistrada de piso tanto a implementação quanto a fiscalização e a adequação dessas medidas cautelares. (HC 588.803/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. NÃO EXACERBADA. REITERAÇÃO DELITIVA. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. PRIMAZIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade das drogas apreendidas - 93g (noventa e três gramas) de maconha - e da reiteração delitiva.
3. Em razão da atual pandemia de Covid-19 e ante os reiterados esforços do Poder Público para conter a disseminação do novo coronavírus, inclusive nas unidades prisionais, esta Casa e, especialmente, este relator vêm olhando com menor rigor para casos como o presente, flexibilizando, pontualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na hipótese de crimes praticados sem violência ou grave ameaça e/ou que não revelem, ao menos neste momento, uma maior gravidade e uma periculosidade acentuada do agente, como é o caso dos autos, em que se está diante do crime de tráfico de entorpecentes.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
5. Recurso provido para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. (RHC 128.910/MG, minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator
|
EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da natureza e da quantidade das drogas apreendidas.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Destaco, ainda, que o paciente é primário e, apesar de constar duas anotações criminais anteriores, uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido sem violência ou grave ameaça, datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018, e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016.
5. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
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PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
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A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da natureza e da quantidade das drogas apreendidas.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Destaco, ainda, que o paciente é primário e, apesar de constar duas anotações criminais anteriores, uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido sem violência ou grave ameaça, datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018, e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016.
5. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
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