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alvaresazevedo_cantiga.htm.md
Álvares de Azevedo CANTIGA I Em um castelo doirado Dorme encantada donzela... Nasceu; e vive dormindo — Dorme tudo junto dela. Adormeceu-a, sonhando, Um feiticeiro condao, E dormem no seio dela As rosas do coraçao. Dorme a lampada argentina Defronte do leito seu; Noite a noite a lua triste Vem espreita-la do ceu. Voam os sonhos errantes Do leito sob o dossel E suspiram no alaude As notas do menestrel. E no castelo, sozinha, Dorme encantada donzela... Nasceu; e vive dormindo — Dorme tudo junto dela. Dormem cheirosas, abrindo, As roseiras em botao... E dormem no seio dela As rosas do coraçao. II A donzela adormecida É a tua alma, santinha, Que nao sonha nas saudades E nos amores da minha. — Nos meus amores que velam Debaixo do teu dossel E suspiram no alaude As notas do menestrel. Acorda, minha donzela, Foi-se a lua, eis a manha E nos ceus da primavera É a aurora tua irma. Abriram no vale as flores Sorrindo na fresquidao: Entre as rosas da campina Abram-se as do coraçao. Acorda, minha donzela, Soltemos da infancia o veu... Se nos morrermos num beijo, Acordaremos no ceu.
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alvaresazevedo_cismar.htm.md
Álvares de Azevedo CISMAR _ Fala-me, anjo de luz! es glorioso À minha vista na janela a noite Como divino alado mensageiro Ao ebrioso olhar dos frouxos olhos Do homem, que se ajoelha para ve-lo, Quando resvala em preguiçosas nuvens, Ou navega no seio do ar da noite. ROMEU _Ai! quando de noite, sozinha a janela Co’a face na mao te vejo ao luar, Por que, suspirando, tu sonhas, donzela? A noite vai bela, E a vista desmaia Ao longe na praia Do mar! Por quem essa lagrima orvalha-te os dedos, Como agua da chuva cheiroso jasmim? Na cisma que anjinho te conta segredos? Que palidos medos? Suave morena, Acaso tens pena De mim? Donzela sombria, na brisa nao sentes A dor que um suspiro em meus labios tremeu? E a noite, que inspira no seio dos entes Os sonhos ardentes, Nao diz-te que a voz Que fala-te a sos Sou eu? Acorda! Nao durmas da cisma no veu! Amemos, vivamos, que amor e sonhar! Um beijo, donzela! Nao ouves? no ceu A brisa gemeu... As vagas murmuraram... As folhas sussurram: Amar!
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alvaresazevedo_crepusculodomar.htm.md
Álvares de Azevedo CREPÚSCULO DO MAR _Que r eves-tu plus beau sur ces lointaines plages Que cette chaste mer qui baigne nos rivages? Que ces mornes couverts de bois silencieux, Autels d’ou nos parfurns s'elevent dans les cieux? LAMARTINE _ No ceu brilhante do poente em fogo Com aureola ardente o sol dormia, Do mar doirado nas vermelhas ondas Purpureo se escondia. Como da noite o bafo sobre as aguas Que o reflexo da tarde incendiava, So a ideia de Deus e do infinito No oceano boiava! Como e doce viver nas longas praias Nestas ondas e sol e ventania! Como ao triste cismar encanto aereo Nas sombras preludia! O painel luminoso do horizonte Como as candidas sombras alumia Dos fantasmas de amor que nos amamos Na ventura de um dia! Como voltam gemendo e nebulosas, Brancas as roupas, desmaiado o seio, Inda uma vez a murmurar nos sonhos As palavras do enleio!... Aqui nas praias, onde o mar rebenta E a escuma no morrer os seios rola, Virei sentar-me no silencio puro Que o meu peito consola! Sonharei... la enquanto, no crepusculo, Como um globo de fogo o sol se abisma E o ceu lampeja no clarao medonho De negro cataclisma... Enquanto a ventania se levanta E no ocidente o arrebol se ateia No cinabrio do empireo derramando A nuvem que roxeia... Hora solene das ideias santas Que embala o sonhador nas fantasias, Quando a taça do amor embebe os labios Do anjo das utopias! Oceano de Deus! Que moribundo, A cantiga do nauta mais sentida Tao triste suspirou nas tuas ondas, Como um adeus a vida? Que nau cheia de gloria e d'esperanças, Floreando ao vento a rubida bandeira, Na luz do incendio rebentou bramindo Na vaga sobranceira? Por que ao sol da manha e ao ar da noite Essa triste cançao, eterna, escura, Como um treno de sombra e de agonia, Nos teus labios murmura? É vermelho de sangue o ceu da noite, Que na luz do crepusculo se banha: Que planeta do ceu do roto seio Golfeja luz tamanha? Que mundo em fogo foi bater correndo Ao peito de outro mundo; — e uma torrente De medonho clarao rasgou no eter E jorra sangue ardente? Onde as nuvens do ceu voam dormindo, Que doirada mansao de aves divinas Num veu purpureo se enlutou rolando Ao vento das ruinas?
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AugustodosAnjos_ameretriz.htm.md
A MERETRIZ A rua dos destinos desgraçados Faz medo. O Vicio estruge. Ouvem-se os brados Da danaçao carnal... Lubrica, a lua, Na sodomia das mais negras bodas Desarticula-se, em coreas doudas, Uma mulher completamente nua! É a meretriz que, de cabelos ruivos, Bramando, ebria e lasciva, horridos uivos Na mesma esteira publica, recebe, Entre farraparias e esplendores. O eretismo das classes superiores E o orgasmo bastardissimo da plebe! É ela que, aliando, a luz do olhar protervo, O indumento vilissimo do servo Ao brilho da augustal _toga pretexta, _Sente, alta noite, em contorçoes sombrias, Na vacuidade das entranhas frias O esgotamento intrinseco da besta! E ela que, hirta, a arquivar credos desfeitos, Com as maos chagadas, espremendo os peitos, Reduzidos, por fim, a ambulas moles, Sofre em cada molecula a angustia alta De haver secado, como o estepe, a falta Da agua criadora que alimenta as proles! É ela que, arremessada sobre o rude 'Despenhadeiro da decrepitude, Na vizinhança aziaga dos ossuarios Representa, atraves os meus sentidos, A escuridao dos gineceus falidos E a desgraça de todos os ovarios! Irrita-se-lhe a carne a meia-noite. Espicaça-a a ignominia, excita-a o açoite Do incendio que lhe inflama a lingua espuria. E a mulher, funcionaria dos instintos, Com a roupa amarfanhada e os beiços tintos, Gane instintivamente de luxuria! Navio para o qual todos os portos Estao fechados, urna de ovos mortos, Chao de onde unia so planta nao rebenta, Ei-la, de bruços, bebeda de gozo Saciando o geotropismo pavoroso De unir o corpo a terra famulenta! Nesse espolinhamento repugnante O esqueleto irritado da bacante Estrala... Lembra o ruido harto azorrague A vergastar asperos dorsos grossos. E e aterradora essa alegria de ossos Pedindo ao sensualismo que os esmague! É o pseudo-regozijo dos eunucos Por natureza, dos que sao caducos Desde que a Mae-Comum lhes deu inicio... E a dor profunda da incapacidade Que, pela propria hereditariedade A lei da seleçao disfarça em Vicio! É o jubilo aparente da alma quase A eclipsar-se, no horror da ocidua fase Esterilizadora de orgaos... É o hino Da materia incapaz, filha do inferno, Pagando com volupia o crime eterno De nao ter sido fiel ao seu destino! E o Desespero que se faz bramido De anelo animalissimo incontido, Mais que a vaga incoercivel na agua oceanea... E a Carne que, ja morta essencialmente, Para a Finalidade Transcendente Gera o prodigio animico da Insania! Nas frias antecamaras do Nada O fantasma da femea castigada, Passa agora ao clarao da lua acesa E e seu corpo expiatorio, alvo e desnudo A sintese eucaristica de tudo Que nao se realizou na Natureza! Antigamente, aos tacitos apelos Das suas carnes e dos seus cabelos, Na optica abreviatura de um reflexo, Fulgia, em cada humana nebulosa, Toda a sensualidade tempestuosa Dos apetites barbaros do Sexo! O atavismo das raças sibaritas, Criando concupiscencias infinitas Como eviterno lobo insatisfeito; Na homofagia hedionda que o consome, Vinha saciar a milenaria fome Dentro das abundancias do seu leito! Toda a libidinagem dos mormaços Americanos fluia-lhe dos braços, Irradiava-se-lhe, hircica, das veias E em torrencialidades quentes e umidas, Gorda a escorrer-lhe das arterias tumidas Lembrava um transbordar de anforas cheias. A hora da morte acende-lhe o intelecto E a umida habitaçao do vicio abjecto Afluem milhoes de sois, rubros, radiando... Residuos memoriais tornam-se luzes Fazem-se ideias e ela ve as cruzes Do seu martirologio miserando! Inicios atrofiados de etica, ansia De perfeiçao, sonhos de culminancia, Libertos da ancestral modorra calma, Saem da infancia embrionaria e erguem-se, adultos, Lançando a sombra horrivel dos seus vultos Sobre a noite fechada daquela alma! É o sublevantamento coletivo De um mundo inteiro que aparece vivo, Numa cenografia de diorama, Que, momentaneamente luz fecunda, Brilha na prostituta moribunda Como a fosforescencia sobre a lama! É a visita alarmante do que outrora Na abundancia prosperrima da aurora, Pudera progredir, talvez, decerto, Mas que, adstrito a inferior plasma inconsutil, Ficou rolando, como aborto inutil, Como o ....... do deserto! Vede! _A_ prostituiçao ofidia aziaga Cujo toxico instila a infamia, e a estraga Na delinquencia ....... impune, Agarrou-se-lhe aos seios impudicos Como o abraço mortifero do _Ficus _Sugando a seiva da arvore a que se une! .............................................................. .............................................................. .............................................................. .............................................................. .............................................................. .............................................................. Enroscou-se-lhe aos abraços com tal gosto, Mordeu-lhe a boca e o rosto... .............................................................. .............................................................. .............................................................. .............................................................. Ser meretriz depois do tumulo! A alma Roubada a hirta quietude da urbe calma Onde se extinguem todos os escolhos: E, condenada, ao tragico ditame, Oferecer-se a bicharia infame Com a terra do sepulcro a encher-lhe os olhos! Sentir a lingua aluir-se-lhe na boca E com a cabeça sem cabelos, oca... .............................................................. Na horrorosa avulsao da forma nivea Dizer ainda palavras de lascivia... ..............................................................
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AugustodosAnjos_amesa.htm.md
À MESA Cedo a sofreguidao do estomago. É a hora De comer. Coisa hedionda! Corro. E agora, Antegozando a ensanguentada presa, Rodeado pelas moscas repugnantes, Para comer meus proprios semelhantes Eis-me sentado a mesa! Como porçoes de carne morta... Ai! Como Os que, como eu, tem carne, com este assomo Que a especie humana em comer carne tem!... Como! E pois que a Razao me nao reprime, Possa a terra vingar-se do meu crime Comendo-me tambem.
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AugustodosAnjos_aminhaestrela.htm.md
A MINHA ESTRELA Eu disse - Vai-te, estrela do Passado! Esconde-te no Azul da Imensidade, La onde nunca chegue esta saudade, \- A sombra deste afeto estiolado. Disse, e a estrela foi p'ra o Ceu subindo, Minh'alma que de longe a acompanhava, Viu o adeus que ela do Ceu enviava, E quando ela no Azul foi se sumindo Surgia a Aurora - a magica princesa! E eu vi o Sol do Ceu iluminando A Catedral da Grande Natureza. Mas a noute chegou, triste, com ela Negras sombras tambem foram chegando, E eu nunca mais vi a minha estrela!
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AugustodosAnjos_amorecrenca.htm.md
AMOR E CRENÇA Sabes que e Deus? Esse infinito e santo Ser que preside e rege os outros seres, Que os encantos e a força dos poderes Reune tudo em si, num so encanto? Esse misterio eterno e sacrossanto, Essa sublime adoraçao do crente, Esse manto de amor doce e clemente Que lava as dores e que enxuga o pranto? Ah! Se queres saber a sua grandeza Estende o teu olhar a Natureza, Fita a cup'la do Ceu santa e infinita! Deus e o Templo do Bem. Na altura imensa, O amor e a hostia que bendiz a crença, Ama, pois, cre em Deus e... se bendita!
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AugustodosAnjos_amorereligiao.htm.md
AMOR E RELIGIÃO Conheci-o: era um padre, um desses santos Sacerdotes da Fe de crença pura, Da sua fala na eternal doçura Falava o coraçao. Quantos, oh! Quantos Ouviram dele frases de candura Que d'infelizes enxugavam prantos! E como alegres nao ficaram tantos Coraçoes sem prazer e sem ventura! No entanto dizem que este padre amara. Morrera um dia desvairado, estulto, Su'alma livre para o ceu se alara. E Deus lhe disse: "És duas vezes santo, Pois se da Religiao fizeste culto, Foste do amor o martir sacrossanto".
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AugustodosAnjos_amortedevenus.htm.md
A MORTE DE VÉNUS Velhos berilos, palidas cortinas, Morno frouxel de nardos recendendo Velam-lhe o sono... e Venus vai morrendo No berço azul das nevoas matutinas! Halos de luz de brancas musselinas Vao-lhe do corpo virginal descendo \- Abelha irial que foi adormecendo Sobre um coxim de perolas divinas. E quando o Sol lhe beija a espadua nua, Cai-lhe da carne o resplendor da Lua No reverbero dos deslumbramentos... Enquanto no ar ha sandalos, ha flores E haustos de morte - os ultimos clangores Da musica chorosa dos mementos!
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AugustodosAnjos_anau.htm.md
A NAU A Heitor Lima Sofrega, alçando o hirto esporao guerreiro, Zarpa. A ingreme cordoalha umida fica... Lambe-lhe a quilha a espumea onda impudica E ebrios tritoes, babando, haurem-lhe o cheiro! Na glauca arteria equorea ou no estaleiro Ergue a alta mastreaçao, que o Éter indica, E estende os braços da madeira rica Para as populaçoes do mundo inteiro! Aguarda-a ampla reentrancia de angra horrenda, Para e, a amarra agarrada a ancora, sonha! Magoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as... E nao haver uma alma que lhe entenda A angustia transoceanica medonha No rangido de todas as enxarcias!
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AugustodosAnjos_andrechenier.htm.md
ANDRÉ CHÉNIER Na real magnificencia dos gigantes Grave como um lacedemonio harmoste Andre Chenier ia subir ao poste A que Luis XVI subira dantes! Que a sua morte a homem nenhum desgoste E incite o heroismo das naç5es distantes!... Por isso, ele, a morrer, canta vibrantes Versos divinos que arrebatam a hoste. Nao ha quem nele um so tremor denote! **-** Continua a cantar, a alma serena... Mas, de repente, pressentindo a lousa, Batendo com a cabeça no barrote Da guilhotina, diz ao povo: - "É pena! \- Aqui ainda havia alguma cousa..."
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AugustodosAnjos_anoite.htm.md
A NOITE A nebulosidade ameaçadora Tolda o eter, mancha a gleba, agride os rios E urde amplas teias de carvoes sombrios No ar que alacre e radiante, ha instantes, fora. A agua transubstancia-se. A onda estoura Na negridao do oceano e entre os navios Troa barbara zoada de ais bravios, Extraordinariamente atordoadora. À custodia do animico registro A planetaria escuridao se anexa... Somente, iguais a espioes que acordam cedo, Ficam brilhando com fulgor sinistro Dentro da treva onimoda e complexa Os olhos fundos dos que estao com medo!
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AugustodosAnjos_anseio.htm.md
ANSEIO Quem sou eu, neste ergastulo das vidas Danadamente, a soluçar de dor?! \- Trinta trilhoes de celulas vencidas, Nutrindo uma efemeride interior. Branda, entanto, a afagar tantas feridas, A aurea mao taumaturgica do Amor Traça, nas minhas formas carcomidas, A estrutura de um mundo superior! Alta noite, esse mundo incoerente Essa elementarissima semente Do que hei de ser, tenta transpor o Ideal... Grita em meu grito, alarga-se em meu hausto, E, ai! como eu sinto no esqueleto exausto Nao poder dar-lhe vida material!
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AugustodosAnjos_aobsessaodosangue.htm.md
A OBSESSÃO DO SANGUE Acordou, vendo sangue... Horrivel! O osso Frontal em fogo... Ia talvez morrer, Disse. Olhou-se no espelho. Era tao moço, Ah! Certamente nao podia ser! Levantou-se. **E,** eis que viu, antes do almoço, Na mao dos açougueiros, a escorrer Fita rubra de sangue muito grosso, A carne que ele havia de comer! No inferno da visao alucinada, Viu montanhas de sangue enchendo a estrada, Viu visceras vermelhas pelo chao... E amou, com um berro barbaro de gozo, O monocromatismo monstruoso Daquela universal vermelhidao!
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AugustodosAnjos_aoluar.htm.md
AO LUAR Quando, a noite, o Infinito se levanta À luz do luar, pelos caminhos quedos Minha tatil intensidade e tanta Que eu sinto a alma do Cosmos nos meus dedos! Quebro a custodia dos sentidos tredos E a minha mao, dona, por fim, de quanta Grandeza o Orbe estrangula em seus segredos, Todas as coisas intimas suplanta! Penetro, agarro, ausculto, apreendo, invado Nos paroxismos da hiperestesia, O Infinitesimo e o Indeterminado... Transponho ousadamente o atomo rude E, transmudado em rutilancia fria, Encho o Espaço com a minha plenitude!
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AugustodosAnjos_aosmeusfilhos.htm.md
AOS MEUS FILHOS Na intermitencia da vital canseira. Sois vos que sustentais (Força Alta exige-o...) Com o vosso catalitico prestigio, Meu fantasma de carne passageira! Vulcao da bioquimica fogueira Destruiu-me todo o organico fastigio. Dai-me asas, pois, para o ultimo remigio, Dai-me alma, pois, para a hora derradeira! Culminancias humanas ainda obscuras, Expressoes do universo radioativo, Íons emanados do meu proprio ideal, Benditos vos, que, em epocas futuras, Haveis de ser no mundo subjetivo, Minha continuidade emocional!
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AugustodosAnjos_barcarola.htm.md
BARCAROLA Cantam nautas, choram flautas Pelo mar e pelo mar Uma sereia a cantar Vela o Destino dos nautas. Espelham-se os esplendores Do ceu, em reflexos, nas Águas, fingindo cristais Das mais deslumbrantes cores. Em fulvos filoes doirados Cai a luz dos astros por Sobre o maritimo horror Como globos estrelados. La onde as rochas se assentam Fulguram como outros sois Os flamivomos farois Que os navegantes orientam. Vai uma onda, vem outra onda E nesse eterno vaivem Coitadas! nao acham quem, Quem as esconda, as esconda... Alegoria tristonha Do que pelo Mundo vai! Se um sonha e se ergue, outro cai; Se um cai, outro se ergue e sonha. Mas desgraçado do pobre Que em meio da Vida cai! Esse nao volta, esse vai Para o tumulo que o cobre. Vagueia um poeta num barco. O Ceu, de cima, a luzir Como um diamante de Ofir Imita a curva de um arco. A Lua - globo de louça - Surgiu, em lucido veu. Cantam! Os astros do Ceu Ouçam e a Lua Cheia ouça! Ouça do alto a Lua Cheia Que a sereia vai falar... Haja silencio no mar Para se ouvir a sereia. Que e que ela diz?! Sera uma Historia de amor feliz? Nao! O que a sereia diz Nao e historia nenhuma. E como um requiem profundo De tristissimos bemois... Sua voz e igual a voz Das dores todas do mundo. "Fecha-te nesse medonho "Reduto de Maldiçao, "Viajeiro da Extrema-Unçao, "Sonhador do ultimo sonho! "Numa redoma ilusoria "Cercou-te a gloria falaz, "Mas nunca mais, nunca mais "Ha de cercar-te essa gloria! "Nunca mais! Se, porem, forte. "O poeta e como Jesus! "Abraça-te a tua Cruz "E morre, poeta da Morte!" \- E disse e porque isto disse O luar no Ceu se apagou... Subito o barco tombou Sem que o poeta o pressentisse! Vista de luto o Universo E Deus se enlute no Ceu! Mais um poeta que morreu, Mais um coveiro do Verso! Cantam flautas, choram flautas Pelo mar e pelo mar Uma sereia a cantar Vela o Destino dos nautas!
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AugustodosAnjos_budismomoderno.htm.md
BUDISMO MODERNO Tome, Dr., esta tesoura, e... corte Minha singularissima pessoa. Que importa a mim que a bicharia roa Todo o meu coraçao, depois da morte?! Ah! Um urubu pousou na minha sorte! Tambem, das diatomaceas da lagoa A criptogama capsula se esbroa Ao contato de bronca destra forte! Dissolva-se, portanto, minha vida Igualmente a uma celula caida Na aberraçao de um ovulo infecundo; Mas o agregado abstrato das saudades Fique batendo nas perpetuas grades Do ultimo verso que eu fizer no mundo!
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AugustodosAnjos_cantodeagonia.htm.md
CANTO DE AGONIA Agonia de amor, agonia bendita! \- Misto de infinita magoa e de crença infinita. Nos desertos da Vida uma estrela fulgura E o Viajeiro do Amor, vendo-a, triste, murmura: \- Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como Chorei, ontem, a sos, num volutuoso assomo, Numa prece de amor, numa delicia infinda, Delicia que ainda gozo, oraçao, prece que ainda Entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre Magoas soluço, ate que esta dor se concentre No amago de meu peito e de minha saudade. Amor, escuridao e eterna claridade... \- Calor que hoje me alenta e ha de matar-me em breve, Frio que me assassina, amor e frio, neve, Neve que me embala como um berço divino, Neve da minha dor, neve do meu destino! E eu aqui a chorar nesta noite tao fria! Agonia, agonia, agonia, agonia! \- Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo O Viajeiro vai, e ve a luz e vendo Uma sombra que passa, uma nuvem que corre, Caminha e vai, o louco, abraça a sombra e... morre! E a alma se lhe dilui na amplidao infinita... Agonia de amar, agonia bendita!
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AugustodosAnjos_cantodeonipotencia.htm.md
CANTO DE ONIPOTÊNCIA Cloto, Átropos, Tifon, Laquesis, Siva... E acima deles, como um astro, a arder, Na hiperculminaçao definitiva O meu supremo e extraordinario Ser! Em minha sobre-humana retentiva Brilhavam, como a luz do amanhecer, A perfeiçao virtual tomada viva E o embriao do que podia acontecer! Por antecipaçao divinatoria, Eu, projetado muito alem da Historia, Sentia dos fenomenos o fim... A coisa em si movia-se aos meus brados E os acontecimentos subjugados Olhavam como escravos para mim!
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AugustodosAnjos_cantointimo.htm.md
CANTO ÍNTIMO Meu amor, em sonhos erra, Muito longe, altivo e ufano Do barulho do oceano E do gemido da terra! O Sol esta moribundo. Um grande recolhimento Preside neste momento Todas as forças do Mundo. De la, dos grandes espaços, Onde ha sonhos inefaveis Vejo os vermes miseraveis Que hao de comer os meus braços. Ah! Se me ouvisses falando! (E eu sei que as dores resistes) Dir-te-ia coisas tao tristes Que acabarias chorando. Que mal o amor me tem feito! Duvidas?! Pois, se duvidas, Vem ca, olha estas feridas, Que o amor abriu no meu peito. Passo longos dias, a esmo. Nao me queixo mais da sorte Nem tenho medo da Morte Que eu tenho a Morte em mim mesmo! "Meu amor, em sonhos, erra, Muito longe, altivo e ufano Do barulho do oceano E do gemido da terra!"
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AugustodosAnjos_caputimmortale.htm.md
CAPUT IMMORTALE Ad poetam Na dinamica aziaga das descidas, Aglomeradamente e em turbilhao Solucem dentro do Universo anciao, Todas as urbes siderais vencidas! Morra o eter. Cesse a luz. Parem as vidas. Sobre a pancosmologica exaustao Reste apenas o acervo arido e vao Das muscularidades consumidas! Ainda assim, a animar o cosmos ermo, Morto o comercio fisico nefando, Oh! Nauta aflito do Subliminal, Como a ultima expressao da Dor sem termo, Tua cabeça ha de ficar vibrando Na negatividade universal!
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AugustodosAnjos_ceticismo.htm.md
CETICISMO Desci um dia ao tenebroso abismo, Onde a Duvida ergueu altar profano; Cansado de lutar no mundo insano Fraco que sou volvi ao ceticismo. Da Igreja - a Grande Mae - o exorcismo Terrivel me feriu, e entao sereno De joelhos aos pes do Nazareno Baixo rezei em fundo misticismo: \- Oh! Deus, eu creio em ti, mas me perdoa! Se esta duvida cruel qual me magoa Me torna infimo, desgraçado reu. Ah, entre o medo que o meu ser aterra, Nao sei se viva pra morrer na terra, Nao sei se morra p'ra viver no ceu!
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AugustodosAnjos_citaramistica.htm.md
CÍTARA MISTICA Cantas... E eu ouço eterea cavatina! Ha nos teus labios - dois sangrentos cirios - A gemea florescencia de dois lirios Entrelaçados numa unçao divina. Como o santo levita dos Martirios, Rendo piedosa dulia peregrina À tua doce voz que me fascina, \- Harpa virgem brandindo mil delirios! Quedo-me aos poucos, penseroso e pasmo, E a Noite afeia corno num sarcasmo E agora a sombra vesperal morreu... Chegou a Noite... E para mim, meu anjo, Teu canto agora e um salmodiar de arcanjo, É a musica de Deus que vem do Ceu!
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AugustodosAnjos_contrastes.htm.md
CONTRASTES A antitese do novo e do absoleto, O Amor e a Paz, o Ódio e a Carnificina, O que o homem ama e o que o homem abomina, Tudo convem para o homem ser completo! O angulo obtuso, pois, e o angulo reto, Uma feiçao humana e outra divina Sao como a eximenina e a endimenina Que servem ambas para o mesmo feto! Eu sei tudo isto mais do que o Eclesiastes! Por justaposiçao destes contrastes, Junta-se um hemisferio a outro hemisferio, Às alegrias juntam-se as tristezas, E o carpinteiro que fabrica as mesas Faz tambem os caixoes do cemiterio!...
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AugustodosAnjos_coracaofrio.htm.md
CORAÇÃO FRIO Frio o sagrado coraçao da lua, Teu coraçao rolou da luz serena! E eu tinha ido ver a aurora tua Nos raios d'ouro da celeste arena... E vi-te triste, desvalida e nua! E o olhar perdi, ansiando a luz amena No silencio notivago da rua... \- Sonambulo glacial da estranha pena! Estavas fria! A neve que a alma corta Nao gele talvez mais, nem mais alquebre Um coraçao como a alma que esta morta... E estavas morta, eu vi, eu que te almejo, Sombra de gelo que me apaga a febre, \- Lua que esfria o sol do meu desejo!
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AugustodosAnjos_cravodenoiva.htm.md
CRAVO DE NOIVA Ao Dias Paredes Cravo de noiva. A nivea cor de cera Que o seu seio branqueja, e como os prantos Niveos, que a virgem chora, entre os encantos Dum noivado risonho em primavera. Flor de misterios d'alma, sacrossantos, Guarda segredos divinais que eu dera Duas vidas, se duas eu tivera Pra desvendar os seus segredos santos. E tudo quer que nessa flor se enleve O poeta. E que dessa concha arminea, Da lactescencia angelica da neve, Se evolam castos, virginais aromas De essencia estranha; olencias de virginea Carne fremindo num langor de pomas.
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AugustodosAnjos_debaixodotamarindo.htm.md
DEBAIXO DO TAMARINDO No tempo de meu Pai, sob estes galhos, Como uma vela funebre de cera, Chorei bilhoes de vezes com a canseira De inexorabilissimos trabalhos! Hoje, esta arvore, de amplos agasalhos, Guarda, como uma caixa derradeira, O passado da Flora Brasileira E a paleontologia dos Carvalhos! Quando pararem todos os relogios De minha vida e a voz dos necrologios Gritar nos noticiarios que eu morri, Voltando a patria da homogeneidade, Abraçada com a propria Eternidade A minha sombra ha de ficar aqui!
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AugustodosAnjos_decadencia.htm.md
DECADÊNCIA Iguais as linhas perpendiculares Cairam, como crueis e horridas hastas, Nas suas 33 vertebras gastas Quase todas as pedras tumulares! A frialdade dos circulos polares, Em sucessivas atuaçoes nefastas, Penetrara-lhe os proprios neuroplastas, Estragara-lhe os centros medulares! Como quem quebra o objeto mais querido E começa a apanhar piedosamente Todas as microscopicas particulas, Ele hoje ve que, apos tudo perdido, So lhe restam agora o ultimo dente E a armaçao funeraria das claviculas!
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AugustodosAnjos_depoisdaorgia.htm.md
DEPOIS DA ORGIA O prazer que na orgia a hetaira goza Produz no meu sensorium de bacante O efeito de uma tunica brilhante Cobrindo ampla apostema escrofulosa! Troveja! E anelo ter, sofrega e ansiosa, O sistema nervoso de um gigante Para sofrer na minha carne estuante A dor da força cosmica furiosa. Apraz-me, enfim, despindo a ultima alfaia Que ao comercio dos homens me traz presa, Livre deste cadeado de peçonha, Semelhante a um cachorro de atalaia Às decomposiç5es da Natureza, Ficar latindo minha dor medonha!
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AugustodosAnjos_dolencias.htm.md
DOLÊNCIAS Oh! Lua morta de minha vida, Os sonhos meus Em vao te buscam, andas perdida E eu ando em busca dos rastos teus... Vago sem crenças, vagas sem norte, Cheia de brumas e enegrecida, Ah! Se morreste pra minha vida! Vive, consolo de minha morte! Baixa, portanto, coraçao ermo De lua fria À plaga triste, plaga sombria Dessa dor lenta que nao tem termo. Tu que tombaste no caos extremo Da Noite imensa do meu Passado, Sabes da angustia do torturado... Ah! Tu bem sabes por que e que eu gemo! Instilo magoas saudoso, e enquanto Planto saudades num campo morto, Ninguem ao menos da-me um conforto, Um so ao menos! E no entretanto Ninguem me chora! Ah! Se eu tombar Cedo na lida... Oh! Lua fria vem me chorar Oh! Lua morta da minha vida!
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AugustodosAnjos_duasestrofes.htm.md
DUAS ESTROFES (À memoria de Joao de Deus) Ahi! ciechi! il tanto affaticar che giova? Tutti torniamo alia gran madre antica E ii nostro nome appena si ritrova. Petrarca A queda do teu lirico arrabil De um sentimento portugues ignoto Lembra Lisboa, bela como um brinco, Que um dia no ano tragico de mil E setecentos e cinquenta e cinco, Foi abalada por um terremoto! A agua quieta do Tejo te abençoa. Tu representas toda essa Lisboa De glorias quase sobrenaturais, Apenas com uma diferença triste, Com a diferença que Lisboa existe E tu, amigo, nao existes mais!
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AugustodosAnjos_ecosdalma.htm.md
ECOS D'ALMA Oh! madrugada de ilusoes, santissima, Sombra perdida la do meu Passado, Vinde entornar a clamide purissima Da luz que fulge no ideal sagrado! Longe das tristes noutes tumulares Quem me dera viver entre quimeras, Por entre o resplandor das Primaveras Oh! madrugada azul dos meus sonhares. Mas quando vibrar a ultima balada Da tarde e se calar a passarada Na bruma sepulcral que o ceu embaça Quem me dera morrer entao risonho Fitando a nebulosa do meu sonho E a Via-Latea da Ilusao que passa!
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ESTROFES SENTIDAS Eu sei que o Amor enche o Universo todo E se prende dos poetas a guitarra Como o Polipo que se agarra ao lodo E a ostra que as rochas eternais se agarra. O amor reduz-nos a uniformes placas, Uniformiza todos os anelos E une organizaçoes fortes e fracas Nos mesmos laços e nos mesmos elos. Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma, E, desvairado, sem prever o abismo Fiz desse amor um idolo de Roma, Eleito Deus no altar do fetichismo! Tudo sacrifiquei para adora-lo \- Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços, Tenho vontade de estrangula-lo E reduzi-lo muitas vezes a ossos! Todo o ser que no mundo turbilhona Veja do Amor, a luz das minhas frases, Uma montanha que se desmorona, Estremecendo em suas proprias bases. E em qualquer parte do Universo veja - Sombrias ruinas de um solar egregio E o desmoronamento duma Igreja Despedaçada pelo sacrilegio. A Natureza veste extraordinarias Roupagens de ouro. Alem, nas oliveiras, Aves de varias cores e de varias Especies, cantam operas inteiras. A compreensao da minha niilidade Aumenta a proporçao que aumenta o dia E pouco a pouco o encefalo me invade Numa clareza de fotografia. Na area em que estou, ao matinal assomo, Passa um rebanho de carneiros doceis... E o Sol arranca as minhas crenças como Boucher de Perthes arrancava fosseis. Observo entao a condiçao tristonha Da Humanidade, ebria de fumo e de opio, Tal qual ela e, e nao tal qual a sonha E a ve o Sabio pelo telescopio. O Sabio ve em proporçoes enormes Aquilo que e composto de pequenas Partes, construindo corpos quase informes E aquilo que e uma parcela apenas. Da observaçao nos elevados montes Prefiro, a nitidez real dos aspectos, Ver mastodontes onde ha mastodontes E insetos ver onde ha somente insetos. A inanidade da Ilusao demonstro Mas, demonstrando-a, sinto um violento Rancor da Vida - este maldito monstro Que no meu proprio estomago alimento! Nisto a alma o oficio da Paixao entoa E vai cair, heroicamente, na agua Da misteriosissima lagoa Que a lingua humana denomina Magoa! Dos meus sonhos o exercito desfila E, a frente dele, eu vou cantando a nenia Do Amor que eu tive e que se fez argila, Como Tirteu na guerra de Messenia! Transponho assim toda a sombria escarpa Sinistro como quem medita um crime... E quando a Dor me doi, tanjo minha harpa E a harpa saudosa a minha Dor exprime! Estes versos de amor que agora findo Foram sentidos na solidao de uma horta, À sombra dum verdoengo tamarindo Que representa a minha infancia morta!
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ETERNA MÁGOA O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do Mundo, o homem que e triste Para todos os seculos existe E nunca mais o seu pesar se apaga! Nao cre em nada, pois, nada ha que traga Consolo a Magoa, a que so ele assiste. Quer resistir, e quanto mais resiste Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga. Sabe que sofre, mas o que nao sabe E que essa magoa infinda assim, nao cabe Na sua vida, e que essa magoa infinda Transpoe a vida do seu corpo inerme; E quando esse homem se transforma em verme E essa magoa que o acompanha ainda!
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**EU** **Augusto dos Anjos** _ _ _[Monologo De Uma Sombra](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/monologodeumasombra.htm)_ [Agonia De Um Filosofo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/agoniadeumfilosofo.htm) [O Morcego](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/omorcego.htm) [Psicologia De Um Vencido](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/psicologiadeumvencido.htm) [A Ideia](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/aideia.htm) [O Lazaro Da Patria](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/olazarodapatria.htm) [Idealizaçao Da Humanidade Futura](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/idealizacaodahumanidade.htm) [Soneto (Ao meu primeiro filho nascido morto)](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/sonetomeuprimeiro.htm) [Versos A Um Cao](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/versosaumcao.htm) [O Deus Verme](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/odeusverme.htm) [Debaixo Do Tamarindo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/debaixodotamarindo.htm) [As Cismas do Destino](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/ascismasdodestino.htm) [Budismo Moderno](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/budismomoderno.htm) [Sonho De Um Monista](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/sonhodeummonista.htm) [Solitario](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/solitario.htm) [Mater Originalis](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/materoriginalis.htm) [O Lupanar](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/olupanar.htm) [Idealismo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/idealismo.htm) [Último Credo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/ultimocredo.htm) [O Caixao Fantastico](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/ocaixaofantastico.htm) [Soliloquio De Um Visionario](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/soliloquio.htm) [A Um Carneiro Morto](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/aumcarneiromorto.htm) [Vozes da Morte](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/vozesdamorte.htm) [Insania De Um Simples](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/insaniadeumsimples.htm) [Os Doentes](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/osdoentes.htm) [Asa De Corvo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/asadecorvo.htm) [Uma Noite No Cairo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/umanoitenocairo.htm) [O Martirio Do Artista](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/omartiriodoartista.htm) [Duas Estrofes](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/duasestrofes.htm) [O Mar, A Escada E O Homem](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/omar.htm) [Decadencia](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/decadencia.htm) [Ricordanza Della Mia Gioventu](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/ricordanza.htm) [A Um Mascarado](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/aummascarado.htm) [Vozes De Um Tumulo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/vozesdeumtumulo.htm) [Contrastes](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/contrastes.htm) [Gemidos De Arte](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/gemidosdearte.htm) [Versos De Amor](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/versosdeamor.htm) [Sonetos (A meu pai doente)](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/sonetosameupaidoente.htm) [Depois Da Orgia ](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/depoisdaorgia.htm) [A Árvore Da Serra](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/aarvoredaserra.htm) [Vencido](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/vencido.htm) [O Corrupiao](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/ocorrupiao.htm) [Noite De Um Visionario](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/noitedeumvisionario.htm) [Alucinaçao À Beira-Mar](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/alucinacaoabeira.htm) [Vandalismo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/vandalismo.htm) [Versos Íntimos](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/versosintimos.htm) [Vencedor](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/vencedor.htm) [A Ilha De Cipango](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/ailhadecipango.htm) [Mater](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/mater.htm) [Poema Negro](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/poemanegro.htm) [Eterna Magoa](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/eternamagoa.htm) [Queixas Noturnas](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/queixasnoturnas.htm) [Insonia](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/insonia.htm) [Barcarola](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/barcarola.htm) [Tristezas de Um Quarto Minguante](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/tristezasdeumquarto.htm) [Misterios De Um Fosforo](https://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/misteriosdeumfosforo.htm)
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FESTIVAL Para Jonatas Costa Cimbalos soam no salao. O dia Foge, e ao compasso de arrabis serenos A valsa rompe, em compassados trenos Sobre os veludos da tapeçaria. Estatuetas de marmore de Lemnos Estao dispostas numa simetria Inconfundivel, recordando a estria Dos corpos de Afrodite e Venus. Fulgem por entre mil cristais vermelhos O alvo cristal dos nitidos espelhos E a seda verde dos arbustos glabros. E em meio as refraç5es verdes e hialinas, Vibra, batendo em todas as retinas, A incandescencia irial dos candelabros.
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GEMIDOS DE ARTE I Esta desilusao que me acabrunha E mais traidora do que o foi Pilatos!... Por causa disto, eu vivo pelos matos, Magro, roendo a substancia cornea da unha. Tenho estremecimentos indecisos E sinto, haurindo o tepido ar sereno, O mesmo assombro que sentiu Parfeno Quando arrancou os olhos de Dionisos! Em giro e em redemoinho em mim caminham Rispidas magoas estranguladoras, Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras Bronzeas, tambem giram e redemoinham. Os paes - filhos legitimos dos trigos - Nutrem a geraçao do Ódio e da Guerra. Os cachorros anonimos da terra Sao talvez os meus unicos amigos! Ah! Por que desgraçada contingencia À hispida aresta saxea aspera e abrupta Da rocha brava, numa ininterrupta Adesao, nao aprendi minha existencia?! Por que Jeova, maior do que Laplace, Nao fez cair o tumulo de Plinio Por sobre todo o meu raciocinio Para que eu nunca mais raciocinasse?! Pois minha Mae tao cheia assim daqueles Carinhos, com que guarda meus sapatos, Por que me deu consciencia dos meus atos Para eu me arrepender de todos eles?! Quisera antes, mordendo glabros talos, Nabucodonosor ser do Pau d'Arco, Beber a acre e estagnada agua do charco, Dormir na manjedoura com os cavalos! Mas a carne e que e humana! A alma e divina. Dorme num leito de feridas, goza O lodo, apalpa a ulcera cancerosa, Beija a peçonha, e nao se contamina! Ser homem! escapar de ser aborto! Sair de um ventre inchado que se anoja, Comprar vestidos pretos numa loja E andar de luto pelo pai que e morto! E por trezentos e sessenta dias Trabalhar e comer! Martirios juntos! Alimentar-se dos irmaos defuntos, Chupar os ossos**** das alimarias! Barulho de mandibulas e abdomens! E vem-me com um desprezo por tudo isto Uma vontade absurda de ser Cristo Para sacrificar-me pelos homens! Soberano desejo! Soberana Ambiçao de construir para o homem uma Regiao, onde nao cuspa lingua alguma O oleo rançoso da saliva humana! Uma regiao sem nodoas e sem lixos, Subtraida a hediondez de infimo casco, Onde a forca feroz coma o carrasco E o olho do estuprador se encha de bichos! Outras constelaçoes e outros espaços Em que, no agudo grau da ultima crise, O braço do ladrao se paralise E a mao da meretriz caia aos pedaços! II O sol agora e de um fulgor compacto, E eu vou andando, cheio de chamusco, Com a flexibilidade de um molusco, Úmido, pegajoso e untuoso ao tacto! Reunam-se em rebeliao ardente e acesa Todas as minhas forças emotivas E armem ciladas como cobras vivas Para despedaçar minha tristeza! O sol de cima espiando a flora moça Arda, fustigue, queime, corte, morda!... Deleito a vista na verdura gorda Que nas hastes delgadas se balouça! Avisto o vulto das sombrias granjas Perdidas no alto... Nos terrenos baixos, Das laranjeiras eu admiro os cachos E a ampla circunferencia das laranjas. Ladra furiosa a tribo dos podengos. Olhando para as putridas charnecas Grita o exercito avulso das marrecas Na umida copa dos bambus verdoengos. Um passaro alvo artifice da teia De um ninho, salta, no ardego trabalho, De arvore em arvore e de galho em galho, Com a rapidez duma semicolcheia. Em grandes semicirculos aduncos, Entrançados, pelo ar, largando pelos, Voam a semelhança de cabelos Os chicotes finissimos dos juncos. Os ventos vagabundos batem, bolem Nas arvores. O ar cheira. A terra cheira... E a alma dos vegetais rebenta inteira De todos os corpusculos do polen. A camara nupcial de cada ovario Se abre. No chao coleja a lagartixa. Por toda a parte a seiva bruta esguicha Num extravasamento involuntario. Eu, depois de morrer, depois de tanta Tristeza, quero, em vez do nome - Augusto, Possuir ai o nome dum arbusto Qualquer ou de qualquer obscura planta! III Pelo acidentadissimo caminho Faisca o sol. Nedios, batendo a cauda, Urram os Dois. O ceu lembra uma lauda Do mais incorruptivel pergaminho. Uma atmosfera ma de incomoda hulha Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte Fede. O ardente calor da areia forte Racha-me os pes como se fosse agulha. Nao sei que subterranea e atra voz rouca, Por saibros e por cem concavos vales, Como pela avenida das Mappales, Me arrasta a casa do finado Toca! Todas as tardes a esta casa venho. Aqui, outrora, sem conchego nobre, Viveu, sentiu e amou este homem pobre Que carregava canas para o engenho! Nos outros tempos e nas outras eras, Quantas flores! Agora, em vez de flores, Os musgos, como exoticos pintores, Pintam caretas verdes nas taperas. Na bruta dispersao de vitreos cacos, À dura luz do sol resplandecente, Tropega e antiga, uma parede doente Mostra a cara medonha dos buracos. O cupim negro broca o amago fino Do teto. E traça trombas de elefantes Com as circunvoluçoes extravagantes Do seu complicadissimo intestino. O lodo obscuro trepa-se nas portas. Amontoadas em grossos feixes rijos, As lagartixas, dos esconderijos, Estao olhando aquelas coisas mortas! Fico a pensar no Espirito disperso Que, unindo a pedra ao gneiss e a arvore a criança, Como um anel enorme de aliança, Une todas as coisas do Universo! E assim pensando, com a cabeça em brasas Ante a fatalidade que me oprime, Julgo ver este Espirito sublime, Chamando-me do sol com as suas asas! Gosto do sol ignivomo e iracundo Como o reptil gosta quando se molha E na atra escuridao dos ares, olha Melancolicamente para o mundo! Essa alegria imaterializada, Que por vezes me absorve, e o obolo obscuro, É o pedaço ja podre de pao duro Que o miseravel recebeu na estrada! Nao sao os cinco mil milhoes de francos Que a Memanha pediu a Jules Favre... É o dinheiro coberto de azinhavre Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos! Seja este sol meu ultimo consolo; E o espirito infeliz que em mim se encarna Se alegre ao sol, como quem raspa a sama, So, com a misericordia de um tijolo!... Tudo enfim a mesma orbita percorre E as bocas vao beber o mesmo leite... A lamparina quando falta o azeite Morre, da mesma forma que o homem morre. Subito, arrebentando a horrenda calma, Grito, e se grito e para que meu grito Seja a revelaçao deste Infinito Que eu trago encarcerado na minh'alma! Sol brasileiro! queima-me os destroços! Quero assistir, aqui, sem pai que me ame, De pe, a luz da consciencia infame1 À carbonizaçao dos proprios ossos!
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GOZO INSATISFEITO Entre o gozo que aspiro, e o sofrimento De minha mocidade, experimento O mais profundo e abalador atrito... Queimam-me o peito causticos de fogo Esta ansia de absoluto desafogo Abrange todo o circulo infinito. Na insaciedade desse gozo falho Busco no desespero do trabalho, Sem um domingo ao menos de repouso, Fazer parar a maquina do instinto, Mas, quanto mais me desespero, sinto A insaciabilidade desse gozo!
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GUERRA Guerra e esforço, e inquietude, e ansia, e transporte... E a dramatizaçao sangrenta e dura Da avidez com que o Espirito procura Ser perfeito, ser maximo, ser forte! E a Subconsciencia que se transfigura Em voliçao conflagradora... É a coorte Das raças todas, que se entrega a morte Para a felicidade da Criatura! E a obsessao de ver sangue, e o instinto horrendo De subir, na ordem cosmica, descendo À irracionalidade primitiva. E a Natureza que, no seu arcano, Precisa de encharcar-se em sangue humano Para mostrar aos homens que esta viva!
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HINO À DOR Dor, saude dos seres que se fanam, Riqueza da alma, psiquico tesouro, Alegria das glandulas do choro De onde todas as lagrimas emanam... És suprema! Os meus atomos se ufanam Da pertencer-te, oh! Dor, ancoradouro Dos desgraçados, sol do cerebro, ouro De que as proprias desgraças se engalanam! Sou teu amante! Ardo em teu corpo abstrato. Com os corpusculos magicos do tato Prendo a orquestra de chamas que executas... E, assim, sem convulsao que me alvoroce, Minha maior ventura e estar de posse De tuas claridades absolutas!
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HISTÓRIA DE UM VENCIDO Sol alto. A terra escalda: e um forno. A flama oriunda Da solar refraçao bate no mundo, acende O po, aclara o mar e por tudo se estende E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda. E o Velho veio para o labor cotidiano, Triste, do alegre Sol ao grande globo quente E pos-se para ai, desoladoramente A revolver da terra o atro e infecundo arcano. Por seis horas seu braço empenhado na luta, Fez reboar pelo solo, alta e descompassada A dura vibraçao incomoda da enxada, Rasgando, do agro solo, a superficie bruta. Mas o braço cansou! Trabalhou... e o trabalho \- Do Eterno Bem motor principal e alavanca - Arrancara-lhe a Crença assim como se arranca De um ninho a seda branca e de uma arvore o galho! Sangrou-lhe o coraçao a saudade da Aurora! \- O Hercules que ele fora! O fraco que ele hoje era! E surpreendido viu que um abismo se erguera Entre o fraco que era hoje, e entre o Hercules de outrora! Pois havia de assim, nesta maldita senda De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro Ir caminhando ate tombar sem um amparo No tremendo marneI da Desgraça tremenda?! II Noute! O silencio vinha entrando pelo mundo E ele, lugubre e so, tropego e cambaleando Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando, Para as bordas fatais dum precipicio fundo! Quis um momento ainda olhar para o Passado... E em tudo que o rodeava, oito vezes, funereo Horrorizado viu como num cemiterio Cadaveres de um lado e cinzas de outro lado! De subito, avistando uma frondosa tilia Julgou, louco, avistar a Árvore da Esperança... E bateram-lhe entao de chofre na lembrança A casa que deixara, os filhos, a familia! Nao morreria, pois! Somente morreria Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos... Que mal lhe haviam feito a esposa e a irma e os filhos?! Preciso era viver! Portanto, viveria! Viveria! E a fecunda e deleitosa seara Verde dos campos, onde arde e floresce a Crença, Compensaria toda a sua dor imensa Tal qual o Ceu a dor de Cristo compensara! E aos tropeços, tombando, o Velho caminhava... Caminhava, e a sonhar, bebado de miragem, Nem viu que era chegado o termo da viagem, E amplo, a rugir-lhe aos pes, o precipicio estava. Num instante viu tudo, e compreendendo tudo, Quis fazer um esforço - o ultimo esforço, e o braço Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansaço Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo! Mudo! E a quem contaria agora as suas magoas?! E tragico, no horror bruto da despedida Abraçou-se com a Dor, abraçou-se com a Vida E sepultou-se ali no coraçao das aguas! Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos! Eram tropeiros, era a turba trovadora Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos! E o cadaver, a toa, a flux d'agua, flutua! Ninguem o ve, ninguem o acalenta, o acalenta... Somente entre a negrura atra da terra poenta Alguem beija, alguem vela o cadaver: a Lua!
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HOMO INFIMUS Homem, carne sem luz, criatura cega, Realidade geografica infeliz, O Universo calado te renega E a tua propria boca te maldiz! O noumeno e o fenomeno, o alfa e o omega Amarguram-te. Hebdomadas hostis Passam... Teu coraçao se desagrega, Sangram-te os olhos, e, entretanto, ris! Fruto injustificavel dentre os frutos, Montao de estercoraria argila preta, Excrescencia de terra singular. Deixa a tua alegria aos seres brutos, Porque, na superficie do planeta, Tu so tens um direito: - o de chorar!
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IDEAL Quero-te assim, formosa entre as formosas, No olhar d'amor a mistica fulgencia E o misticismo candido das rosas, Plena de graça, santa de inocencia! Anjo de luz de astral aurifulgencia, Etereo como as Wilis vaporosas, Embaladas no albor da adolescencia, \- Virgens filhas das virgens nebulosas! Quero4e assim, formosa, entre esplendores, Colmado o seio de virentes flores, A alma diluida em eterais cismares... Quero-te assim - e que bendita sejas Como as aras sagradas das igrejas, Como o Cristo sagrado dos altares.
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IDEALISMO Falas de amor, e eu ouço tudo e calo! O amor da Humanidade _e _uma mentira. É. E por isto que na minha lira De amores futeis poucas vezes falo. O amor! Quando virei por fim a ama-lo?! Quando, se o amor que a Humanidade inspira É o amor do sibarita e da hetaira, De Messalina e de Sardanapalo?! Pois e mister que, para o amor sagrado, O mundo fique imaterializado \- Alavanca desviada do seu fulcro - E haja so amizade verdadeira Duma caveira para outra caveira, Do meu sepulcro para o teu sepulcro?!
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IDEALIZAÇÃO DA HUMANIDADE FUTURA Rugia nos meus centros cerebrais A multidao dos seculos futuros \- Homens que a herança de impetos impuros Tomara etnicamente irracionais! Nao sei que livro, em letras garrafais, Meus olhos liam! No humus dos monturos, Realizavam-se os partos mais obscuros, Dentre as genealogias animais! Como quem esmigalha protozoarios Meti todos os dedos mercenarios Na consciencia daquela multidao... E, em vez de achar a luz que os Ceus inflama, Somente achei moleculas de lama E a mosca alegre da putrefaçao!
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IDEALIZAÇÕES A Santos Neto I Em vao flameja, rubro, igneo, sangrento O sol, e, fulvos, aos astrais designios, Raios flamejam e fuzilam igneos, Nas chispas fulvas de um vulcao violento! E tudo em vao! Atras da luz dourada, Negras, pompeiam (triste maldiçao!) \- Asas de corvo pelo coraçao... \- Crepusculo fatal vindo do Nada! Que importa o Sol! A Treva, a Sombra - eis tudo! E no meu peito - condensada treva - A sombra desce, e o meu pesar se eleva E chora e sangra, mudo, mudo, mudo... E ha no meu peito - ocaso nunca visto, Martirizado porque nunca dorme As Sete Chagas dum martirio enorme, E os Sete Passos que magoaram Cristo! II Agora dorme o astro de sangue e de ouro Como um sultao cansado! As nuvens como Odaliscas, da Noite ao negro assomo Beijam-lhe o corpo ensanguentado d'ouro. Legioes de nevoas mortas e finadas Como fragmentaçoes d'ouro e basalto Lembram guirlandas pompeando no Alto Eterizadas, volaterizadas. E a Noite emerge, santa e vitoriosa Dentre um _velarium_ de veludos. Atros, Descem os nimbos... No ar ha malabatros Turiferando a negridao tediosa. Alem, dourando as nevoas dos espaços, Na majestade dum condor bendito, Subindo a majestade do Infinito, A VIa-Lactea vai abrindo os braços! Áureas estrelas, alvas, luminosas, Trazem no peito o branco das manhas E dormem brancas corno leviatas Sobre o oceano astral das nebulosas. Eu amo a noite que este Sol arranca! Namoro estrelas... Sirius me deslumbra, Vesper me encanta, e eu beijo na penumbra A imagem lirial da Noite Branca. III De novo, a Aurora, entre esplendores, ha-de Alva, se erguer, como tombou outrora, E corno a Aurora - o Sol - hostia da Aurora, Abençoada pela Eternidade! E ei-lo de novo, ontem moribundo, Hoje de novo, curvo ao seu destino, Fantastico, ciclopico, assassino Ébrio de fogo, dominando o mundo! Mas de que serve o Sol, se triste em cada Raio que tomba no marnel da terra, Mais em meu peito uma ilusao se enterra, Mais em minh'alma um desespero brada?! De que serve, se, a luz aurea que dele Emana e estua e se refrange e ferve, A Magoa ferve e estua, de que serve Se e desespero e maldiçao todo ele?! Pois, de que serve, se, aclarando os cerros E engalanando os arvoredos gaios, A alma se abate, como se esses raios N'alma caindo, se tornassem ferros?! IV Poeta, em vao na luz do sol te inflamas, E nessa luz queimas4e em vao! És todo Po, e has de ser apos as chamas, lodo, Como Herculanum foi apos as chamas. Ah! Como tu, em lodo tudo acaba, O leao, o tigre, o mastodonte, a lesma, Tudo por fim ha de acabar na mesma Tenebra que hoje sobre ti desaba. Ninguem se exime dessa lei imensa Que, em plena e fulva reverberaçao, Arrasta as almas pela Escuridao, E arrasta os coraç5es pela Descrença. Ergue, pois poeta, um pedestal de tanta Treva e dor tanta, e num supremo e insano E extraordinario e grande e sobre-humano Esforço, sobe ao pedestal, e... canta! Canta a Descrença que passou cortando As tuas ilusoes pelas raizes, E em vez de chagas e de cicatrizes Deixar, foi valas funerais deixando. E foi deixando essas funereas, frias, Medonhas valas, onde, como abutres Medonhos, de ossos, de ilusoes te nutres, Vives de cinzas e de ruinarias! V Agora e noite! E na estelar coorte, Como recordaçao da festa diurna, Geme a pungente orquestraçao noturna E chora a fanfarra triunfal da Morte. Entao, a Lua que no ceu se espalha, Iluminando as serranias, banha As serranias duma luz estranha, Alva corno um pedaço de mortalha! Nessa musica que a alma me ilumina Tento esquecer as minhas pr6prias dores, Canto, e minh'alma cobre-se de flores \- Fera rendida a musica divina. Harpas concertam! Brandas melodias Plangem... Silencio! Mas de novo as harpas Reboam pelo mar, pelas escarpas, Pelos rochedos, pelas penedias... Eu amo a Noite que este Sol arranca! Namoro estrelas... Sirius me deslumbra, Vesper me encanta, e eu beijo na penumbra A imagem lirial da Noite Branca!
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IL TROVATORE Canta da torre o trovador saudoso \- Addio, Eleonora! oh! sonhos meus! E o canto se desprende harmonioso, Na vibraçao final do extremo adeus. Repercute dolente, mavioso, Subindo pelo Azul da Inspiraçao; Assim canta tambem meu coraçao, Trovador torturado e angustioso, Ai! nao, nao acordeis, lembranças minhas! Saudade d'umas noutes em que vinhas Cantar comigo um doce desafio! Mas, pouco a pouco, os sons esmorecendo, Perdem-se as notas pelo Azul morrendo, \- Addio Eleonora, addio, addio!
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ILUSÃO Dizes que sou feliz. Nao mentes. Dizes Tudo que sentes. A infelicidade Parece as vezes com a felicidade E os infelizes mostram ser felizes! Assim, em Tebas - a tumbal cidade, A mumia de um heroi do tempo de Ísis, Ostenta ainda as mesmas cicatrizes Que eternizaram sua heroicidade! Quem ve o her6i, inda com o braço altivo, Diz que ele nao morreu, diz que ele e vivo, E, persuadido fica do que diz... Bem como tu, que nessa crença infinda Feliz me viste no Passado, e ainda Te persuades de que sou feliz!
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AugustodosAnjos_infeliz.htm.md
INFELIZ Alma viuva das paixoes da vida, Tu que, na estrada da existencia em fora, Cantaste e riste, e na existencia agora Triste soluças a ilusao perdida; Oh! tu, que na grinalda emurchecida De teu passado de felicidade Foste juntar os goivos da Saudade Às flores da Esperança enlanguescida; Se nada te aniquila o desalento Que te invade, e pesar negro e profundo, Esconde a Natureza o sofrimento, E fica no teu ermo entristecida, Alma arrancada do prazer do mundo, Alma viuva das paixoes da vida.
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AugustodosAnjos_insania.htm.md
INSÂNIA No mundo vago das idealidades Afundei minha louca fantasia; Cedo atraiu-me a aureola fulgidia Da refulgencia antiga das idades. Mas ao esplendor das velhas majestades Vacila a mente e o seu ardor esfria; Busquei entao na nebulosa fria Das ilusoes, sonhar novas idades. Que desespero insano me apavora! Aqui, chora um ocaso sepultado; Ali, pompeia a luz da branca aurora E eu tremo e hesito entre um misterio escuro \- Quero partir em busca do Passado \- Quero correr em busca do Futuro.
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AugustodosAnjos_insaniadeumsimples.htm.md
INSÂNIA DE UM SIMPLES Em cismas patologicas insanas, É-me grato adstringir-me, na hierarquia Das formas vivas, a categoria Das organizaçoes liliputianas; Ser semelhante aos zoofitos e as lianas, Ter o destino de uma larva fria, Deixar enfim na cloaca mais sombria Este feixe de celulas humanas! E enquanto arremedando Éolo iracundo, Na orgia heliogabalica do mundo, Ganem todos os vicios de uma vez, Apraz-me, adstrito ao triangulo mesquinho De um delta humilde, apodrecer sozinho No silencio de minha pequenez!
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AugustodosAnjos_aesmoladedulce.htm.md
A ESMOLA DE DULCE Ao Alfredo A. E todo o dia eu vou como um perdido De dor, por entre a dolorosa estrada, Pedir a Dulce, a minha bem amada A esmola dum carinho apetecido. E ela fita-me, o olhar enlanguescido, E eu balbucio tremula balada: \- Senhora dai-me u'a esmola - e estertorada A minha voz soluça num gemido. Morre-me a voz, e eu gemo o ultimo harpejo, Estendendo a Dulce a mao, a fe perdida, E dos labios de Dulce cai um beijo. Depois, como este beijo me consola! Bendita seja a Dulce! A minha vida Estava unicamente nessa esmola.
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AugustodosAnjos_aesperanca.htm.md
A ESPERANÇA A Esperança nao murcha, ela nao cansa, Tambem como ela nao sucumbe a Crença. Vao-se sonhos nas asas da Descrença, Voltam sonhos nas asas da Esperança. Muita gente infeliz assim nao pensa; No entanto o mundo e uma ilusao completa, E nao e a Esperança por sentença Este laço que ao mundo nos manieta? Mocidade, portanto, ergue o teu grito, Sirva-te a Crença de fanal bendito, Salve-te a gloria no futuro - avança! E eu, que vivo atrelado ao desalento, Tambem espero o fim do meu tormento, Na voz da Morte a me bradar; descansa!
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AugustodosAnjos_afetos.htm.md
AFETOS Bendito o amor que infiltra n'alma o enleio E santifica da existencia o cardo, \- Amor que e mirra e que e sagrado nardo, Turificando a languidez dum seio! O amor, porem, que da Desgraça veio Maldito seja, seja como o fardo Desta descrença funeral em que ardo E com que o fogo da paixao ateio! Funambulescamente a alma se atira À luta das paixoes, e, como a Aurora Que ao beijo vesperal anseia e expira, Desce para a alma o ocaso da Caricia Ora em sonhos de Dor, supremos, e ora Em contorço es supremas de Delicia!
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AugustodosAnjos_afloresta.htm.md
A FLORESTA Em vao com o mundo da floresta privas!. \- Todas as hermeneuticas sondagens, Ante o hieroglifo e o enigma das folhagens, Sao absolutamente negativas! Araucarias, traçando arcos de ogivas, Bracejamentos de alamos selvagens, Como um convite para estranhas viagens, Tornam todas as almas pensativas! Ha uma força vencida nesse mundo! Todo o organismo florestal profundo E dor viva, trancada num disfarce... Vivem so, nele, os elementos broncos, As ambiçoes que se fizeram troncos, Porque nunca puderam realizar-se!
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AugustodosAnjos_afomeeoamor.htm.md
A FOME E O AMOR A um monstro Fome! E, na ansia voraz que, avida, aumenta, Receando outras mandibulas a esbangem, Os dentes antropofagos que rangem, Antes da refeiçao sanguinolenta! Amor! E a satiriase sedenta, Rugindo, enquanto as almas se confrangem, Todas as danaçoes sexuais que abrangem A apolinica besta famulenta! Ambos assim, tragando a ambiencia vasta, No desembestamento que os arrasta, Superexcitadissimos. os dois Representam. no ardor dos seus assomos A alegoria do que outrora fomos E a imagem bronca do que inda hoje sois!
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AugustodosAnjos_agoniadeumfilosofo.htm.md
AGONIA DE UM FILÓSOFO Consulto o Phtah-Hotep. Leio o obsoleto Rig-Veda. E, ante obras tais, me nao consolo... O Inconsciente me assombra e eu nele rolo Com a eolica furia do harmata inquieto! Assisto agora a morte de um inseto!... Ah! todos os fenomenos do solo Parecem realizar de polo a polo O ideal de Anaximandro de Mileto! No hieratico areopago heterogeneo Das ideias, percorro como um genio Desde a alma de Haeckel a alma cenobial!... Rasgo dos mundos o velario espesso; E em tudo igual a Goethe, reconheço O imperio da _subst ancia universal! _
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AugustodosAnjos_aideia.htm.md
A IDÉIA De onde ela vem?! De que materia bruta Vem essa luz que sobre as nebulosas Cal de incognitas criptas misteriosas Como as estalactites duma gruta? Vem da psicogenetica e alta luta Do feixe de moleculas nervosas, Que, em desintegraçoes maravilhosas, Delibera, e depois, quer e executa! Vem do encefalo absconso que a constringe, Chega em seguida as cordas da laringe, Tisica, tenue, minima, raquitica... Quebra a força centripeta que a amarra, Mas, de repente, e quase morta, esbarra No molambo da lingua paralitica!
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A ILHA DE CIPANGO Estou sozinho! A estrada se desdobra Como uma imensa e rutilante cobra De epiderme finissima de areia... E por essa finissima epiderme Eis-me passeando como um grande verme Que, ao sol, em plena podridao, passeia! A agonia do sol vai ter começo! Caio de joelhos, tremulo... Ofereço Preces a Deus de amor e de respeito E o Ocaso que nas aguas se retrata Nitidamente reproduz, exata, A saudade interior que ha no meu peito... Tenho alucinaçoes de toda a sorte... Impressionado sem cessar com a Morte E sentindo o que um lazaro nao sente, Em negras nuanças lugubres e aziagas Vejo terribilissimas adagas, Atravessando os ares bruscamente. Os olhos volvo para o ceu divino E observo-me pigmeu e pequenino Atraves de minusculos espelhos. Assim, quem diante duma cordilheira, Para, entre assombros, pela vez primeira, Sente vontade de cair de joelhos! Soa o rumor fatidico dos ventos, Anunciando desmoronamentos De mil lajedos sobre mil lajedos... E ao longe soam tragicos fracassos De herois, partindo e fraturando os braços Nas pontas escarpadas dos rochedos! Mas de repente, num enleio doce, Qual se num sonho arrebatado fosse, Na ilha encantada de Cipango tombo, Da qual, no meio, em luz perpetua, brilha A arvore da perpetua maravilha, À cuja sombra descansou Colombo! Foi nessa ilha encantada de Cipango, Verde, afetando a forma de um losango, Rica, ostentando amplo floral risonho, Que Toscaneili viu seu sonho extinto E como sucedeu a Afonso Quinto Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho! Lembro-me bem. Nesse maldito dia O genio singular da Fantasia Convidou-me a sorrir para um passeio... Iriamos a um pais de eternas pazes Onde em cada deserto ha mil oasis E em cada rocha um cristalino veio. Gozei numa hora seculos de afagos, Banhei-me na agua de risonhos lagos, E finalmente me cobri de flores... Mas veio o vento que a Desgraça espalha E cobriu-me com o pano da mortalha, Que estou cosendo para os meus amores! Desde entao para ca fiquei sombrio! Um penetrante e corrosivo frio Anestesiou-me a sensibilidade E a grandes golpes arrancou as raizes Que prendiam meus dias infelizes A um sonho antigo de felicidade! Invoco os Deuses salvadores do erro. A tarde morre. Passa o seu enterro!... A luz descreve ziguezagues tortos Enviando a terra os derradeiros beijos. Pela estrada feral dois realejos Estao chorando meus amores mortos! E a treva ocupa toda a estrada longa... O Firmamento e uma caverna oblonga Em cujo fundo a Via-lactea existe. E corno agora a lua cheia brilha! Ilha maldita vinte vezes a ilha Que para todo o sempre me fez triste!
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AugustodosAnjos_alagrima.htm.md
A LÁGRIMA \- Faça-me o obsequio de trazer reunidos Clorureto de sodio, agua e albumina... Ah! Basta isto, porque isto e que origina A lagrima de todos os vencidos! **-** A farmacologia e a medicina Com a relatividade dos sentidos Desconhecem os mil desconhecidos Segredos dessa secreçao divina. \- O farmaceutico me obtemperou. - Vem-me entao a lembrança o pai Ioio Na ansia psiquica da ultima eficacia! E logo a lagrima em meus olhos cai. Ah! Vale mais lembrar-me eu de meu Pai Do que todas as drogas da farmacia!
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A LOUCA Quando ela passa: - a veste desgrenhada, O cabelo revolto em desalinho, No seu olhar feroz eu adivinho O misterio da dor que a traz penada. Moça, tao moça e ja desventurada; Da desdita ferida pelo espinho, Vai morta em vida assim pelo caminho, No sudario da magoa sepultada. Eu sei a sua historia. - Em seu passado Houve um drama d'amor misterioso \- O segredo d'um peito torturado - E hoje, para guardar a magoa oculta, Canta, soluça - o coraçao saudoso, Chora, gargalha, a desgraçada estulta.
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AugustodosAnjos_alucinacaoabeira.htm.md
ALUCINAÇÃO À BEIRA-MAR Um medo de morrer meus pes esfriava. Noite alta. Ante o telurico recorte, Na diuturna discordia, a equorea coorte Atordoadoramente ribombava! Eu, egolatra ceptico, cismava Em meu destino!...0 vento estava forte E aquela matematica da Morte Com os seus numeros negros, me assombrava! Mas a alga usufrutuaria dos oceanos E os malacopterigios subraquianos Que um castigo de especie emudeceu, No eterno horror das convulsoes maritimas Pareciam tambem corpos de vitimas Condenados a Morte, assim como eu!
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AugustodosAnjos_aluva.htm.md
A LUVA _ Para o Augusto Belmont _ Pensa na gloria! Arfa-lhe o peito, opresso. \- O pensamento e uma locomotiva - Tem a grandeza duma força viva Correndo sem cessar para o Progresso. Que importa que, contra ele, horrendo e preto O aspide abjeto do Pesar se mova!... E so, no quadrilatero da alcova, Vem-lhe a imaginaçao este soneto: "A principio escrevia simplesmente Para entreter o espirito... Escrevia Mais por impulso de idiosincrasia Do que por uma propulsao consciente. Entendi, depois disso, que devia, Como Vulcano, sobre a forja ardente Da ilha de Lemnos, trabalhar contente, Durante as vinte e quatro horas do dia! Riam de mim, os monstros zombeteiros, Trabalharei assim dias inteiros, Sem ter uma alma so que me idolatre... Tenha a sorte de Cicero proscrito Ou morra embora, tragico e maldito, Como Camoes morrendo sobre um catre!" Nisto, abre, em ansias, a tumbal janela E diz, olhando o ceu que alem se expande: "- A maldade do mundo e muito grande, Mas meu orgulho ainda e maior do que ela! Ruja a boca danada da profana Coorte dos homens, com o seu grande grito, Que meu orgulho do alto do Infinito Suplantara a propria especie humana! Quebro montanhas e aos tutoes resisto Numa absolta impassibilidade", E como um desafio a eternidade Atira a luva para o proprio Cristo! Chove. Sobre a cidade geme a chuva, Batem-lhe os nervos, sacudindo-o todo, E na suprema convulsao o doudo Parece aos astros atirar a luva!
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AugustodosAnjos_apocalipse.htm.md
APOCALIPSE Minha divinatoria Arte ultrapassa Os seculos efemeros e nota Diminuiçao dinamica, derrota Na atual força, integerrima, da Massa. É a subversao universal que ameaça A Natureza, e, em noite aziaga e ignota, Destroi a ebuliçao que a agua alvorota E poe todos os astros na desgraça! Sao despedaçamentos, derrubadas, Federaçoes sidericas quebradas... E eu so, o ultimo a ser, pelo orbe adiante, Espiao da cataclismica surpresa, A unica luz tragicamente acesa Na universalidade agonizante!
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AugustodosAnjos_apostrofeacarne.htm.md
APÓSTROFE À CARNE Quando eu pego nas carnes do meu rosto Pressinto o fim da organica batalha: \- Olhos que o humus necrofago estraçalha, Diafragmas, decompondo-se, ao sol posto... E o Homem - negro e heteroclito composto, Onde a alva flama psiquica trabalha. Desagrega-se e deixa na mortalha O tato, a vista, o ouvido, o olfato e o gosto! Carne, feixe de monadas bastardas. Conquanto em flameo fogo efemero ardas, A dardejar relampejantes brilhos. Doi-me ver, muito embora a alma te acenda, Em tua podridao a herança horrenda, Que eu tenho de deixar para os meus filhos!
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AugustodosAnjos_aramaldita.htm.md
ARA MALDITA Como um'ave, cindindo os ceus risonhos, Meiga, tu vinhas a cindir os ares, E, qual hostia, caindo dos altares, Foste caindo n'ara dos meus sonhos. E eu vi os seios teus virem inconhos \- Esses teus seios que os ceruleos lares Branquejaram de eternos nenufares, Para nunca tocarem negros sonhos! Caiste enfim no meu sacrario ardente, Quiseste-me beijar a ara do peito, E eu quis beijar-te o labio redolente. E beijei-te, mas eis que neste enleio, Tocando n'ara negra o niveo seio, Caiste morta ao celestial preceito.
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AugustodosAnjos_ariana.htm.md
ARIANA Ela e o tipo perfeito da ariana. Branca, nevada, pubere, mimosa, A carne exuberante e capitosa Trescala a essencia que de si dimana. As niveas pomas do candor da rosa, Rendilhando-lhe o colo de sultana, Emergem da camisa cetinosa Entre as rendas sutis de filigrana. Dorme talvez. Em flacido abandono Lembra formosa no seu casto sono A languidez dormente da indiana. Enquanto o amante palido, a seu lado, Medita, a fronte triste, o olhar velado, No Misterio da Carne Soberana.
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AugustodosAnjos_asadecorvo.htm.md
ASA DE CORVO Asa de corvos carniceiros, asa De mau agouro que, nos doze meses, Cobre as vezes o espaço e cobre as vezes O telhado de nossa propria casa... Perseguido por todos os reveses, É meu destino viver junto a essa asa, Como a cinza que vive junto a brasa, Como os Goncourts, como os irmaos siameses! E com essa asa que eu faço este soneto E a industria humana faz o pano preto Que as familias de luto martiriza... E ainda com essa asa extraordinaria Que a Morte - a costureira funeraria \- Cose para o homem a ultima camisa!
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AugustodosAnjos_ascismasdodestino.htm.md
AS CISMAS DO DESTINO Recife, Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em direçao a casa do Agra, Assombrado com a minha sombra magra, Pensava no Destino, e tinha medo! Na austera abobada alta o fosforo alvo Das estrelas luzia...0 calçamento Saxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento, Copiava a polidez de um cranio calvo. Lembro-me bem. A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida por toda a minha vida! A noite fecundava o ovo dos vicios Animais. Do carvao da treva imensa Cala um ar danado de doença Sobre a cara geral dos edificios! Tal uma horda feroz de caes famintos, Atravessando uma estaçao deserta, Uivava dentro do eu, com a boca aberta, A matilha espantada dos instintos! Era como se, na alma da cidade, Profundamente lubrica e revolta, Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse o berro da animalidade. E aprofundando o raciocinio obscuro, Eu vi, entao, a luz de aureos reflexos, O trabalho genesico dos sexos, Fazendo a noite os homens do Futuro. Livres de microscopios e escalpelos, Dançavam, parodiando saraus cinicos, Bilhoes de _centrossomas_ apolinicos Na camara promiscua do _vitellus. _Mas, a irritar-me os globos oculares, Apregoando e alardeando a cor nojenta, Fetos magros, ainda na placenta, Estendiam-me as maos rudimentares! Mostravam-me o apriorismo incognoscivel Dessa fatalidade igualitaria, Que fez minha familia originaria Do antro daquela fabrica terrivel! A corrente atmosferica mais forte Zunia. E, na ignea crosta do Cruzeiro, Julgava eu ver o funebre candieiro Que ha de me alumiar na hora da morte. Ninguem compreendia o meu soluço, Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas, O vento bravo me atirava flechas E aplicaçoes hiemais de gelo russo. A vingança dos mundos astronomicos Enviava a terra extraordinaria faca, Posta em rija adesao de goma laca Sobre os meus elementos anatomicos. Ah! Com certeza, Deus me castigava! Por toda a parte, como um reu confesso, Havia um juiz que lia o meu processo E uma forca especial que me esperava! Mas o vento cessara por instantes Ou, pelo menos, o _ignis sapiens_ do Orco Abafava-me o peito arqueado e porco Num nucleo de substancias abrasantes. É bem possivel que eu um dia cegue. No ardor desta letal torrida zona, A cor do sangue e a cor que me impressiona E a que mais neste mundo me persegue! Essa obsessao cromatica me abate. Nao sei por que me vem sempre a lembrança O estomago esfaqueado de uma criança E um pedaço de viscera escarlate. Quisera qualquer coisa provisoria Que a minha cerebral caverna entrasse, E ate ao fim, cortasse e recortasse A faculdade aziaga da memoria. Na ascensao barometrica da calma, Eu bem sabia, ansiado e contrafeito, Que uma populaçao doente do peito Tossia sem remedio na minh'alma! E o cuspo que essa hereditaria tosse Golfava, a guisa de acido residuo, Nao era o cuspo so de um individuo Minado pela tisica precoce. Nao! Nao era o meu cuspo, com certeza Era a expectoraçao putrida e crassa Dos bronquios pulmonares de uma raça Que violou as leis da Natureza! Era antes uma tosse ubiqua, estranha, Igual ao ruido de um calhau redondo Arremessado no apogeu do estrondo, Pelos fundibularios da montanha! E a saliva daqueles infelizes Inchava, em minha boca, de tal arte, Que eu, para nao cuspir por toda a parte, Ia engolindo, aos poucos, a hemoptisis! Na alta alucinaçao de minhas cismas O microcosmos liquido da gota Tinha a abundancia de uma arteria rota, Arrebentada pelos aneurismas. Chegou-me o estado maximo da magoa! Duas, tres, quatro, cinco, seis e sete Vezes que eu me furei com um canivete, A hemoglobina vinha cheia de agua! Cuspo, cujas caudais meus beiços regam, Sob a forma de minimas camandulas, Benditas sejam todas essas glandulas, Que, quotidianamente, te segregam! Escarrar de um abismo noutro abismo, Mandando ao Ceu o fumo de um cigarro, Ha mais filosofia neste escarro Do que em toda a moral do Cristianismo! Porque, se no orbe oval que os meus pes tocam Eu nao deixasse o meu cuspo carrasco, Jamais exprimiria o acerrimo asco Que os canalhas do mundo me provocam! II Foi no horror dessa noite tao funerea Que eu descobri, maior talvez que Vinci, Com a força visualistica do lince, A falta de unidade na materia! Os esqueletos desarticulados, Livres do acre fedor das carnes mortas, Rodopiavam, com as brancas tibias tortas, Numa dança de numeros quebrados! Todas as divindades malfazejas, Siva e Arima, os duendes, o In e os trasgos, Imitando o barulho dos engasgos, Davam pancadas no adro das igrejas. Nessa hora de monologos sublimes, A companhia dos ladroes da noite, Buscando uma taverna que os açoite, Vai pela escuridao pensando crimes. Perpetravam-se os atos mais funestos, E o luar, da cor de um doente de ictericia, Iluminava, a rir, sem pudicicia, A camisa vermelha dos incestos. Ninguem, de certo, estava ali, a espiar-me, Mas um lampiao, lembrava ante o meu rosto, Um sugestionador olho, ali posto De proposito, para hipnotizar-me! Em tudo, entao, meus olhos distinguiram Da miniatura singular de uma aspa, À anatomia minima da caspa, Embrioes de mundos que nao progrediram! Pois quem nao ve ai, em qualquer rua, Com a fina nitidez de um claro jorro, Na paciencia budista do cachorro A alma embrionaria que nao continua?! Ser cachorro! Ganir incompreendidos Verbos! Querer dizer-nos que nao finge, E a palavra embrulhar-se na laringe, Escapando-se apenas em latidos! Despir a putrescivel forma tosca, Na atra dissoluçao que tudo inverte, Deixar cair sobre a barriga inerte O apetite necrofago da mosca! A alma dos animais! Pego-a, distingo-a, Acho-a nesse interior duelo secreto Entre a ansia de um vocabulo completo E uma expressao que nao chegou a lingua! Surpreendo-a em quatrilhoes de corpos vivos, Nos antiperistalticos abalos Que produzem nos bois e nos cavalos A contraçao dos gritos instintivos! Tempo viria, em que, daquele horrendo Caos de corpos organicos disformes Rebentariam cerebros enormes, Como bolhas febris de agua, fervendo! Nessa epoca que os sabios nao ensinam, A pedra dura, os montes argilosos Criariam feixes de cordoes nervosos E o neuroplasma dos que raciocinam! Almas pigmeias! Deus subjuga-as, cinge-as À imperfeiçao! Mas vem o Tempo, e vence-o, E o meu sonho crescia no silencio, Maior que as epopeias carolingias! Era a revolta tragica dos tipos Ontogenicos mais elementares, Desde os foraminiferos dos mares À grei liliputiana dos polipos. Todos os personagens da tragedia, Cansados de viver na paz de Buda, Pareciam pedir com a boca muda A ganglionaria celula intermedia. A planta que a canicula ignea torra, E as coisas inorganicas mais nulas Apregoavam encefalos, medulas Na alegria guerreira da desforra! Os protistas e o obscuro acervo rijo Dos espongiarios e dos infusorios Recebiam com os seus orgaos sensorios O triunfo emocional do regozijo! E apesar de ja ser assim tao tarde, Aquela humanidade parasita, Como um bicho inferior, berrava, aflita, No meu temperamento de covarde! Mas, refletindo, a sos, sobre o meu caso Vi que, igual a um amniota subterraneo, Jazia atravessada no meu cranio A intercessao fatidica do atraso! A hipotese genial do _microzima _Me estrangulava o pensamento guapo, E eu me encolhia todo como um sapo Que tem um peso incomodo por cima! Nas agonias do _delirium-tremens, _Os bebedos alvares que me olhavam, Com os copos cheios esterilizavam A substancia prolifica dos semens! Enterravam as maos dentro das goelas, E sacudidos de um tremor indomito Expeliam, na dor forte do vomito, Um conjunto de gosmas amarelas. Iam depois dormir nos lupanares Onde, na gloria da concupiscencia, Depositavam quase sem consciencia As derradeiras forças musculares. Fabricavam destarte os blastodermas, Em cujo repugnante receptaculo Minha perscrutaçao via o espetaculo De uma progenie idiota de palermas. Prostituiçao ou outro qualquer nome, Por tua causa, embora o homem te aceite, É que as mulheres ruins ficam sem leite E os meninos sem pai morrem de fome! Por que ha de haver aqui tantos enterros? La no "Engenho" tambem, a morte e ingrata... Ha o malvado carbunculo que mata A sociedade infante dos bezerros! Quantas moças que o tumulo reclama! E apos a podridao de tantas moças, Os porcos espojando-se nas poças Da virgindade reduzida a lama! Morte, ponto final da ultima cena, Forma difusa da materia imbele, Minha filosofia te repele, Meu raciocinio enorme te condena! Diante de ti, nas catedrais mais ricas, Rolam sem eficacia os amuletos, Oh! Senhora dos nossos esqueletos E das caveiras diarias que fabricas! E eu desejava ter, numa ansia rara, Ao pensar nas pessoas que perdera, A inconsciencia das mascaras de cera Que a gente prega, com um cordao, na cara! Era um sonho ladrao de submergir-me Na vida universal, e, em tudo imerso, Fazer da parte abstrata do Universo, Minha morada equilibrada e firme! Nisto, pior que o remorso do assassino, Reboou, tal qual, num fundo de caverna, Numa impressionadora voz interna, O eco particular do meu Destino: III "Homem! por mais que a Ideia desintegres, Nessas perquisiçoes que nao tem pausa, Jamais, magro homem, saberas a causa De todos os fenomenos alegres! Em vao, com a bronca enxada ardega, sondas A esteril terra, e a hialina lampada oca, Trazes, por perscrutar (oh! ciencia louca!) O conteudo das lagrimas hediondas. Negro e sem fim e esse em que te mergulhas Lugar do Cosmos, onde a dor infrene É feita como e feito o querosene Nos reconcavos umidos das hulhas! Porque, para que a Dor perscrutes, fora Mister que, nao como es, em sintese, antes Fosses, a refletir teus semelhantes, A propria humanidade sofredora! A universal complexidade e que Ela Compreende. E se, por vezes, se divide, Mesmo ainda assim, seu todo nao reside No quociente isolado da parcela! Ah! Como o ar imortal a Dor nao finda! Das papilas nervosas que ha nos tatos Veio e vai desde os tempos mais transatos Para outros tempos que hao de vir ainda! Como o machucamento das insonias Te estraga, quando toda a estuada Ideia Das ao sofrego estudo da ninfeia E de outras plantas dicotiledoneas! A diafana agua alvissima e a horrida ascua Que da ignea flama bruta, estriada, espirra; A formaçao molecular da mirra, O cordeiro simbolico da Pascoa; As rebeladas coleras que rugem No homem civilizado, e a ele se prendem Como as pulseiras que os mascates vendem A aderencia teimosa da ferrugem; O orbe feraz que bastos tojos acres Produz; a rebeliao que na batalha, Deixa os homens deitados, sem mortalha, Na sangueira concreta dos massacres; Os sanguinolentissimos chicotes Da hemorragia; as nodoas mais espessas, O achatamento ignobil das cabeças, Que ainda degrada os povos hotentotes; O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo Entra, a espera que a mansa vitima o entre, \- Tudo que gera no materno ventre A causa fisiologica do nojo; As palpebras inchadas na vigilia, As aves moças que perderam a asa, O fogao apagado de uma casa, Onde morreu o chefe da familia; O trem particular que um corpo arrasta Sinistramente pela via ferrea, A cristalizaçao da massa terrea, O tecido da roupa que se gasta; A agua arbitraria que hiulcos caules grossos Carrega e come; as negras formas feias Dos aracnideos e das centopeias, O fogo-fatuo que ilumina os ossos; As projeçoes flamivomas que ofuscam, Como uma pincelada rembrandtesca, A sensaçao que uma coalhada fresca Transmite as maos nervosas dos que a buscam; O antagonismo de Tifon e Osiris, O homem grande oprimindo o homem pequeno A lua falsa de um parasseleno, A mentira meteorica do arco-iris; Os terremotos que, abalando os solos, Lembram paiois de polvora explodindo, A rotaçao dos fluidos produzindo A depressao geologica dos polos; O instinto de procriar, a ansia legitima Da alma, afrontando ovante aziagos riscos, O juramento dos guerreiros priscos Metendo as maos nas glandulas da vitima; As diferenciaçoes que o psicoplasma Humano sofre da mania mistica, A pesada opressao caracteristica Dos 10 minutos de um acesso de asma; E, (conquanto contra isto odios regougues) A utilidade funebre da corda Que arrasta a res, depois que a res engorda, À morte desgraçada dos açougues... Tudo isto que o terraqueo abismo encerra Forma a complicaçao desse barulho Travado entre o dragao do humano orgulho E as forças inorganicas da terra! Por descobrir tudo isso, embalde cansas! Ignoto e o germen dessa força ativa Que engendra, em cada celula passiva, A heterogeneidade das mudanças? Poeta, feto malsao, criado com os sucos De um leite mau, carnivoro asqueroso, Gerado no atavismo monstruoso Da alma desordenada dos malucos; Última das criaturas inferiores Governada por atomos mesquinhos, Teu pe mata a uberdade dos caminhos E esteriliza os ventres geradores! O aspero mal que a tudo, em tomo, trazes, Analogo e ao que, negro e a seu turno, Traz o avido filostomo noturno Ao sangue dos mamiferos vorazes! Ah! Por mais que, com o espirito, trabalhes A perfeiçao dos seres existentes, Has de mostrar a carie dos teus dentes Na anatomia horrenda dos detalhes! O Espaço - esta abstraçao spencereana Que abrange as relaçoes de coexistencia E so! Nao tem nenhuma dependencia Com as vertebras mortais da especie humana! As radiantes elipses que as estrelas Traçam, e ao espectador falsas se antolham Sao verdades de luz que os homens olham Sem poder, no entretanto, compreende-las. Em vao, com a mao corrupta, outro eter pedes Que essa mao, de esqueleticas falanges, Dentro dessa agua que com a vista abranges, Tambem prova o principio de Arquimedes! A fadiga feroz que te esbordoa Ha de deixar-te essa medonha marca, Que, nos corpos inchados de anasarca, Deixam os dedos de qualquer pessoa! Nem teras no trabalho que tiveste A misericordiosa toalha amiga, Que afaga os homens doentes de bexiga E enxuga, a noite, as pustulas da peste! Quando chegar depois a hora tranquila, Tu seras arrastado, na carreira, Como um cepo inconsciente de madeira Na evoluçao organica da argila! Um dia comparado com um milenio Seja, pois, o teu ultimo Evangelho... É a evoluçao do novo para o velho E do homogeneo para o heterogeneo! Adeus! Fica-te ai, com o abdomen largo A apodrecer!... És poeira, e embalde vibras! O corvo que comer as tuas fibras Ha de achar nelas um sabor amargo!" IV Calou-se a voz. A noite era funesta. E os queixos, a exibir trismos danados, Eu puxava os cabelos desgrenhados Como o rei Lear, no meio da floresta! Maldizia, com apostrofes veementes, No estentor de mil linguas insurretas, O convencionalismo das Pandetas E os textos maus dos codigos recentes! Minha imaginaçao atormentada Paria absurdos... Como diabos juntos, Perseguiam-me os olhos dos defuntos Com a carne da esclerotica esverdeada. Secara a clorofila das lavouras. Igual aos sustenidos de uma endecha Vinha-me as cordas gloticas a queixa Das coletividades sofredoras. O mundo resignava-se invertido Nas forças principais do seu trabalho... A gravidade era um principio falho, A analise espectral tinha mentido! O Estado, a Associaçao, os Municipios Eram mortos. De todo aquele mundo Restava um mecanismo moribundo E uma teleologia sem principios. Eu queria correr, ir para o inferno, Para que, da psique no oculto jogo, Morressem sufocadas pelo fogo Todas as impressoes do mundo externo! Mas a Terra negava-me o equilibrio... Na Natureza, uma mulher de luto Cantava, espiando as arvores sem fruto. A cançao prostituta do ludibrio!
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AugustodosAnjos_asmontanhas.htm.md
AS MONTANHAS I Das nebulosas em que te emaranhas Levanta-te, alma, e dize-me, afinal, Qual e, na natureza espiritual, A significaçao dessas montanhas! Quem nao ve nas graniticas entranhas A subjetividade ascensional Paralisada e estrangulada, mal Quis erguer-se a cumiadas tamanhas?! Ah! Nesse anelo tragico de altura Nao serao as montanhas, porventura, Estacionadas, ingremes, assim, Por um abortamento de mecanica, A representaçao ainda inorganica De tudo aquilo que parou em mim?! II Agora, oh! deslumbrada alma, perscruta O puerperio geologico interior, De onde rebenta, em contraçoes de dor, Toda a sublevaçao da crusta hirsuta! No curso inquieto da terraquea luta Quantos desejos fervidos de amor Nao dormem, recalcados, sob o horror Dessas agregaçoes de pedra bruta?! Como nesses relevos orograficos, Inacessiveis aos humanos traficos Onde sois, em semente, amam jazer, Quem sabe, alma, se o que ainda nao existe Nao vive em germen no agregado triste Da sintese sombria do meu Ser?!
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AugustodosAnjos_aumamartir.htm.md
A UMA MÁRTIR Alma em cilicio, vem, enrista a dava, Brande no seio o espiculo e o acinace E unjam-te o seio que d'auroras nasce Sangrentas bençaos eclodindo em lava! Nossa Senhora te unge a face escrava, Cristo saudoso te abençoa a face De monja - violeta que do Ceu baixasse À Virgem Santa Natureza brava! Vais caminhando para a terra extrema, Rosa dos Sonhos! e o teu galho trema E a tua crença, o desespero mate-a... E em nuvens d'ouro ascende enfim ao plaustro Da Neve Eterna, estrela azul do claustro, Levada para o Azul da Via-Latea!
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AugustodosAnjos_aumcarneiromorto.htm.md
A UM CARNEIRO MORTO Misericordiosissimo carneiro Esquartejado, a maldiçao de Pio Decimo caia em teu algoz sombrio E em todo aquele que for seu herdeiro! Maldito seja o mercador vadio Que te vender as carnes por dinheiro, Pois, tua la aquece o mundo inteiro E guarda as carnes dos que estao com frio! Quando a faca rangeu no teu pescoço, Ao monstro que espremeu teu sangue grosso Teus olhos - fontes de perdao - perdoaram! Oh! tu que no Perdao eu simbolizo, Se fosses Deus, no Dia de Juizo, Talvez perdoasses os que te mataram!
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AugustodosAnjos_aumepiletico.htm.md
A UM EPILÉPTICO Perguntaras quem sou?! - ao suor que te unta, À dor que os queixos te arrebenta, aos trismos Da epilepsia horrenda, e nos abismos Ninguem respondera tua pergunta! Reclamada por negros magnetismos Tua cabeça ha de cair, defunta Na aterradora operaçao conjunta Da tarefa animal dos organismos! Mas apos o antropofago alambique Em que e mister todo o teu corpo fique Reduzido a excreçoes de sanie e lodo, Como a luz que arde, virgem, num monturo, Tu has de entrar completamente puro Para a circulaçao do Grande Todo!
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AugustodosAnjos_aumgermen.htm.md
A UM GÉRMEN Começaste a existir, geleia crua, E has de crescer, no teu silencio, tanto Que, e natural, ainda algum dia, o pranto Das tuas concreçoes plasmicas flua! A agua, em conjugaçao com a terra nua, Vence o granito, deprimindo-o... O espanto Convulsiona os espiritos, e, entanto, Teu desenvolvimento continua! Antes, geleia humana, nao progridas E em retrogradaçoes indefinidas, Volvas a antiga inexistencia calma!... Antes o Nada, oh! germen, que ainda haveres De atingir, como o germen de outros seres, Ao supremo infortunio de ser alma!
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AugustodosAnjos_aummascarado.htm.md
A UM MASCARADO Rasga essa mascara otima de seda E atira-a a arca ancestral dos palimpsestos.. É noite, e, a noite, a escandalos e incestos É natural que o instinto humano aceda! Sem que te arranquem da garganta queda A interjeiçao danada dos protestos, Has de engolir, igual a um porco, os restos Duma comida horrivelmente azeda! A sucessao de hebdomadas medonhas Reduzira os mundos que tu sonhas Ao microcosmos do ovo primitivo... E tu mesmo, apos a ardua e atra refrega, Teras somente uma vontade cega E uma tendencia obscura de ser vivo!
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AVE DOLOROSA Ave perdida para sempre - crença Perdida - segue a trilha que te traça O Destino, ave negra da Desgraça, Gemea da Magoa e nuncia da Descrença! Dos sonhos meus na Catedral imensa Que nunca pouses. La, na nevoa baça, Onde o teu vulto lurido esvoaça, Seja-te a vida uma agonia intensa! Vives de crenças mortas e te n4tres, Empenhada na sanha dos abutres, Num desespero rabido, assassino... E has de tombar um dia em magoas lentas, Negrejada das asas lutulentas Que te emprestar o corvo do Destino!
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AVE LIBERTAS Ao clarao irial da madrugada, Da liberdade ao toque alvissareiro, Banhou-se o coraçao do Brasileiro Num efluvio de luz auroreada. É que baqueia a vida escravizada! Ja se ouvem os clangores do pregoeiro, Como um Tritao, levando ao mundo inteiro, Da Republica a nova sublimada. E ali do despotismo entre os escombros, Rola um drama que a Patria exalça e doura Numa aureola de paz imorredoura, A Republica rola-lhe nos ombros; Enquanto fora na trevosa agrura Sucumbe o servilismo, e, esplendorosa, A Liberdade assoma majestosa, \- Estrela d'Alva imaculada e pura! É livre a Patria outrora opressa e exangue! Esse labeu que mancha a gloria publica, Que apouca o triunfo e que se chama sangue, Manchar nao pode as aras da Republica. Nao! que esse ideal puro, risonho, Ha de transpor sereno os penetrais Da Patria, e ha de elevar-se neste sonho Ao topo azul das Glorias Imortais! Esplende, pois, oh! Redentora d'alma, Oh! Liberdade, essa bendita e branca Luz que os negrores da opressao espanca, Essa luz etereal bendita e calma. Vos, oh Patria, fazei que destes brilhos, Caia do santuario la da Historia, Fulgente do valor da vossa gloria, A bençao do valor dos vossos filhos!
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LIRIAL Porque choras assim, tristonho lirio, Se eu sou o orvalho eterno que te chora, P'ra que pendes o calice que enflora Teu seio branco do palor do cirio?! Baixa a mim, irma palida da Aurora, Estrela esmaecida do Martirio; Envolto da tristeza no delirio, Deixa beijar-te a face que descora! Fosses antes a rosa purpurina E eu beijaria a petala divina Da rosa onde nao pousa a desventura. Ai! que ao menos talvez na vida escassa Nao chorasses a sombra da desgraça, Para eu sorrir a sombra da ventura!
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LOUVOR À UNIDADE "Escafandros, arpoes, sondas e agulhas "Debalde aplicas aos heterogeneos "Fenomenos, e, ha inumeros milenios, "Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas! "Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas, "Com essa intuiçao monistica dos genios, "A hirta forma falaz do _aere perennius _"A transitoriedade das fagulhas!" \- Era a estrangulaçao, sem retumbancia, Da multimilenaria dissonancia Que as harmonias siderais invade. Era, numa alta aclamaçao, sem gritos, O regresso dos atomos aflitos Ao descanso perpetuo da Unidade!
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MÁGOAS Quando nasci, num mes de tantas flores, Todas murcharam, tristes, langorosas, Tristes fanaram redolentes rosas, Morreram todas, todas sem olores. Mais tarde da existencia nos verdores Da infancia nunca tive as venturosas Alegrias que passam bonançosas, Oh! Minha infancia nunca tive flores! Volvendo a quadra azul da mocidade, Minh'alma levo aflita a Eternidade, Quando a morte matar meus dissabores. Cansado de chorar pelas estradas, Exausto de pisar magoas pisadas, Hoje eu carrego a cruz de minhas dores!
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AugustodosAnjos_maos.htm.md
MÃOS Ha maos que fazem medo Feias agregaçoes pentagonais, Umas, em sangue, a delinquentes natos, Assinalados pelo mancinismo, Pertencentes talvez... Outras, negras, a farpas de rochedo Completamente iguais... Maos de linhas analogas e anfratos Que a Natureza onicriadora fez Em contraposiçao e antagonismo Às da estrela, as da neve, as dos cristais. Maos que adquiriram olhos, pituitarias Olfativas, tentaculos sutis, E a noite, vao cheirar, quebrando portas O azul gasofilaceo silencioso Dos talamos cristaos. Maos adulteras, maos mais sanguinarias E estupradoras do que os bisturis Cortando a carne em flor das crianças mortas. Monstruosissimas maos, Que apalpam e olham com lascfvia e gozo A pureza dos corpos infantis.
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AugustodosAnjos_martirdafome.htm.md
MÁRTIR DA FOME Nesta da vida lugubre caverna De ossos e frios funerais que eu sinto Corno um chacal saciando o eterno instinto Vou saciando a minha Fome Eterna. \- Fome de sangue de um Passado extinto, De extintas crenças - bacanal superna, Horrivel assim como a Hidra de Lema E muda como o bronze de Corinto! Ânsias de sonhos, desespero fundo! E a alma que sonha no marnel do Mundo, Morre de Fome pelas noites belas... E como o Cristo - o Martir do Calvario Morre. E no entanto vai para o estelario Matar a Fome num festim de estrelas!
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AugustodosAnjos_martiriosupremo.htm.md
MARTÍRIO SUPREMO Duma Quimera ao fascinante abraço, Por um Cocito ardente e luxurioso, Onde nunca gemeu o humano passo, Transpus um dia o Inferno Azul do Gozo! O amor em lavas de candencia d'aço, Banhou-me o peito... Em ansia de repouso, Da Messalina fria no regaço, Chora saudades do terreno pouso! Como um martir de estranho sacrificio, Tinha os labios crestados pela ardencia Da luz letal do grande Sol do Vicio! E mergulhei mais fundo no estuario... Mas, no Inferno do Gozo, sem Calvario, Cristo d'amor morri pela inocencia!
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AugustodosAnjos_mater.htm.md
MATER Como a crisalida emergindo do ovo Para que o campo florido a concentre, Assim, oh! Mae, sujo de sangue, um novo Ser, entre dores, te emergiu do ventre! E puseste-lhe, haurindo amplo deleite, No labio roseo a grande teta farta \- Fecunda fonte desse mesmo leite Que amamentou os efebos de Esparta - Com que avidez ele essa fonte suga! Ninguem mais com a Beleza esta de acordo, Do que essa pequenina sanguessuga, Bebendo a vida no teu seio gordo! Pois, quanto a mim, sem pretensoes, comparo, Essas humanas coisas pequeninas A um biscuit de quilate muito raro Exposto ai, a amostra, nas vitrinas. Mas o ramo fragilimo e venusto Que hoje nas debeis gemulas se esboça, Ha de crescer, ha de tornar-se arbusto E alamo altivo de ramagem grossa. Clara, a atmosfera se enchera de aromas, O Sol vira das epocas sadias. E o antigo leao, que te esgotou as pomas, Ha de beijar-te as maos todos os dias! Quando chegar depois tua velhice Batida pelos barbaros invernos, Relembraras chorando o que eu te disse, À sombra dos sicomoros eternos!
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MATER ORIGINALIS Forma vermicular desconhecida Que estacionaste, misera e mofina, Como quase impalpavel gelatina, Nos estados prodromicos da vida; O hierofante que leu a minha sina Ignorante e de que es, talvez, nascida Dessa homogeneidade indefinida Que o insigne Herbert Spencer nos ensina. Nenhuma ignota uniao ou nenhum nexo À contigencia organica do sexo A tua estacionaria alma prendeu... Ah! De ti foi que, autonoma e sem normas, Oh! Mae original das outras formas, A minha forma lugubre nasceu!
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AugustodosAnjos_meditando.htm.md
MEDITANDO Penso em venturas! A alma do homem pensa Sempre em venturas! Sorte do homem! O homem Ha de embalar eternamente a crença Sem ter grilhoes e sem ter leis que o domem! Punjam-no os vermes da Desgraça, assomem Descrenças, surjam tedios na Descrença, Luta, e morrem os vermes que o consomem, Vence, e por fim, nada ha que o abata e o vença! Por isso, poeta, eu penso na Ventura! E o pensamento, na Suprema Altura Sinto, no imenso Azul do Firmamento Ir rolando pelo ouro das estrelas, E esse ouro santo vir rolando pelas Trevas profundas do meu pensamento!
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AugustodosAnjos_minhaarvore.htm.md
MINHA ÁRVORE Olha: E um triangulo esteril de invia estrada! Como que a erva tem dor... Roem-na amarguras Talvez humanas, e entre rochas duras Mostra ao Cosmos a face degradada! Entre os pedrouços maus dessa morada É que, as apalpadelas e as escuras, Hao de encontrar as geraçoes futuras So, minha arvore humana desfolhada! Mulher nenhuma afagara meu tronco! Eu nao me abalarei, nem mesmo ao ronco Do. furacao que, rabido, remoinha... Folhas e frutos, sobre a terra ardente Hao de encher outras arvores! Somente Minha desgraça ha de ficar sozinha!
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AugustodosAnjos_minhafinalidade.htm.md
MINHA FINALIDADE Turbilhao teleologico incoercivel, Que força alguma inibitoria acalma, Levou-me o cranio e pos-lhe dentro a palma Dos que amam apreender o Inapreensivel! Predeterminaçao imprescriptivel Oriunda da infra-astral Substancia calma Plasmou, aparelhou, talhou minha alma Para cantar de preferencia o Horrivel! Na canonizaçao emocionante, Da dor humana, sou maior que Dante, \- A aguia dos latifundios florentinos! Sistematizo, soluçando, o Inferno... E trago em mim, num sincronismo eterno A formula de todos os destinos!
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AugustodosAnjos_misteriosdeumfosforo.htm.md
MISTÉRIOS DE UM FÓSFORO Pego de um fosforo. Olho-o. Olho-o ainda. Risco-o Depois. E o que depois fica e depois Resta e um ou, por outra, e mais de um, sao dois Tumulos dentro de um carvao promiscuo. Dois sao, porque um, certo, e do sonho assiduo Que a individual psique humana tece e O outro e o do sonho altruistico da especie Que e o substractum dos sonhos do individuo! E exclamo, ebrio, a esvaziar baquicos odres: \- "Cinza, sintese ma da podridao, "Miniatura alegorica do chao, "Onde os ventres maternos ficam podres; "Na tua clandestina e erma alma vasta, "Onde nenhuma lampada se acende, "Meu raciocinio sofrego surpreende "Todas as formas da materia gasta!" Raciocinar! Aziaga contingencia! Ser quadrupede! Andar de quatro pes E mais do que ser Cristo e ser Moises Porque e ser animal sem ter consciencia! Bebedo, os beiços na anfora infima, barro, Mergulho, e na infima anfora, harto, sinto O amargor especifico do absinto E o cheiro animalissimo do parto! E afogo mentalmente os olhos fundos Na amorfia da citula inicial, De onde, por epigenese geral, Todos os organismos sao oriundos. Presto, irrupto, atraves ovoide e hialino Vidro, aparece, amorfo e lurido, ante Minha massa encefalica minguante Todo o genero humano intra-uterino! É o caos da avita viscera avarenta \- Mucosa nojentissima de pus, A nutrir diariamente os fetos nus Pelas vilosidades da placenta? - Certo, o arquitetural e integro aspecto Do mundo o mesmo inda e, que, ora, o que nele Morre, sou eu, sois vos, e todo aquele Que vem de um ventre inchado, infimo e infecto! É a flor dos genealogicos abismos \- Zooplasma pequenissimo e plebeu, De onde o desprotegido homem nasceu Para a fatalidade dos tropismos. - Depois, e o ceu abscondito do Nada, E este ato extraordinario de morrer Que ha de na ultima hebdomada, atender Ao pedido da celula cansada! Um dia restara, na terra instavel, De minha antropocentrica materia Numa concava xicara funerea Uma colher de cinza miseravel! Abro na treva os olhos quase cegos. Que mao sinistra e desgraçada encheu Os olhos tristes que meu Pai me deu De alfinetes, de agulhas e de pregos?! Pesam sobre o meu corpo oitenta arrateis! Dentro um dinamo despota, sozinho, Sob a morfologia de um moinho, Move todos os meus nervos vibrateis. Entao, do meu espirito, em segredo, Se escapa, dentre as tenebras, muito alto, Na sintese acrobatica de um salto, O espectro angulosissimo do Medo! Em cismas filosoficas me perco E vejo, como nunca outro homem viu, Na anfigonia que me produziu Nonilhoes de moleculas de esterco. Vida, monada vil, cosmico zero, Migalha de albumina semifluida, Que fez a boca mistica do druida E a lingua revoltada de Lutero; Teus gineceus prolificos envolvem Cinza fetal!... Basta um fosforo so Para mostrar a incognita de po, Em que todos os seres se resolvem! Ah! Maldito o conubio incestuoso Dessas afinidades eletivas, De onde quimicamente tu derivas, Na aclamaçao simbiotica do gozo! O enterro de minha ultima neurona Desfila... E eis-me outro fosforo a riscar. E esse acidente quimico vulgar Extraordinariamente me impressiona! Mas minha crise artritica nao tarda. Adeus! Que eu veio enfim, com a alma vencida Na abjeçao embriologica da vida O futuro de cinza que me aguarda!
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AugustodosAnjos_monologodeumasombra.htm.md
MONÓLOGO DE UMA SOMBRA > "Sou uma Sombra! Venho de outras eras, > Do cosmopolitismo das moneras... > Polipo de reconditas reentrancias, > Larva de caos telurico, procedo > Da escuridao do cosmico segredo, > Da substancia de todas as substancias! > > A simbiose das coisas me equilibra. > Em minha ignota monada, ampla, vibra > A alma dos movimentos rotatorios... > E e de mim que decorrem, simultaneas, > A saude das forças subterraneas > E a morbidez dos seres ilusorios! > > Pairando acima dos mundanos tetos, > Nao conheço o acidente da _Senectus > _\- Esta universitaria sanguessuga > Que produz, sem dispendio algum de virus, > O amarelecimento do papirus > E a miseria anatomica da ruga! > > Na existencia social, possuo uma arma > \- O metafisicismo de Abidarma - > E trago, sem bramanicas tesouras, > Como um dorso de azemola passiva, > A solidariedade subjetiva > De todas as especies sofredoras. > > Como um pouco de saliva quotidiana > Mostro meu nojo a Natureza Humana. > A podridao me serve de Evangelho... > Amo o esterco, os residuos ruins dos quiosques > E o animal inferior que urra nos bosques > E com certeza meu irmao mais velho! > > Tal qual quem para o proprio tumulo olha, > Amarguradamente se me antolha, > À luz do americano plenilunio, > Na alma crepuscular de minha raça > Como urna vocaçao para a Desgraça > E um tropismo ancestral para o Infurtunio. > > Ai vem sujo, a coçar chagas plebeias, > Trazendo no deserto das ideias > O desespero endemico do inferno, > Com a cara hirta, tatuada de fuligens > Esse mineiro doido das origens, > Que se chama o Filosofo Moderno! > > Quis compreender, quebrando estereis normas, > A vida fenomenica das Formas, > Que, iguais a fogos passageiros, luzem... > E apenas encontrou na ideia gasta, > O horror dessa mecanica nefasta, > A que todas as coisas se reduzem! > > E hao de acha-lo, amanha, bestas agrestes, > Sobre a esteira sarcofaga das pestes > A mostrar, ja nos ultimos momentos, > Como quem se submete a uma charqueada, > Ao clarao tropical da luz danada, > O espolio dos seus dedos peçonhentos. > > Tal a finalidade dos estames! > Mas ele vivera, rotos os liames > Dessa estranguladora lei que aperta > Todos os agregados pereciveis, > Nas eterizaçoes indefiniveis > Da energia intra-atomica liberta! > > Sera calor, causa ubiqua de gozo, > Raio X, magnetismo misterioso, > Quimiotaxia, ondulaçao aerea, > Fonte de repulsoes e de prazeres, > Sonoridade potencial dos seres, > Estrangulada dentro da materia! > > E o que ele foi: claviculas, abdomen, > O coraçao, a boca, em sintese, o Homem, > \- Engrenagem de visceras vulgares - > Os dedos carregados de peçonha, > Tudo coube na logica medonha > Dos apodrecimentos musculares! > > A desarrumaçao dos intestinos > Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos > Dentro daquela massa que o humus come, > Numa glutoneria hedionda, brincam, > Como as cadelas que as dentuças trincam > No espasmo fisiologico da fome. > > E unia tragica festa emocionante! > A bacteriologia inventariante > Toma conta do corpo que apodrece... > E ate os membros da familia engulham, > Vendo as larvas malignas que se embrulham > No cadaver malsao, fazendo um s. > > E foi entao para isto que esse doudo > Estragou o vibratil plasma todo, > À guisa de um faquir, pelos cenobios?!... > Num suicidio graduado, consumir-se, > E apos tantas vigilias, reduzir-se > À herança miseravel de microbios! > > Estoutro agora e o satiro peralta > Que o sensualismo sodomista exalta, > Nutrindo sua infamia a leite e a trigo... > Como que, em suas celulas vilissimas, > Ha estratificaçoes requintadissimas > De uma animalidade sem castigo. > > Brancas bacantes bebedas o beijam. > Suas arterias hircicas latejam, > Sentindo o odor das carnaçoes abstemias, > E a noite, vai gozar, ebrio de vicio, > No sombrio bazar do meretricio, > O cuspo afrodisiaco das femeas. > > No horror de sua anomala nevrose, > Toda a sensualidade da simbiose, > Uivando, a noite, em lubricos arroubos, > Como no babilonico sansara, > Lembra a fome incoercivel que escancara > A mucosa carnivora dos lobos. > > Sofrego, o monstro as vitimas aguarda. > Negra paixao congenita, bastarda, > Do seu zooplasma ofidico resulta... > E explode, igual a luz que o ar acomete, > Com a veemencia mavortica do ariete > E os arremessos de uma catapulta. > > Mas muitas vezes, quando a noite avança, > Hirto, observa atraves a tenue trança > Dos filamentos fluidicos de um halo > A destra descamada de um duende, > Que tateando nas tenebras, se estende > Dentro da noite ma, para agarra-lo! > > Cresce-lhe a intracefalica tortura, > E de su'alma na cavema escura, > Fazendo ultra-epileticos esforços, > Acorda, com os candieiros apagados, > Numa coreografia de danados, > A familia alarmada dos remorsos. > > É o despertar de um povo subterraneo! > E a fauna cavernicola do cranio > \- Macbetbs da patologica vigilia, > Mostrando, em rembrandtescas telas varias, > As incestuosidades sanguinarias > Que ele tem praticado na familia. > > As alucinaçoes tacteis pululam. > Sente que megaterios o estrangulam... > A asa negra das moscas o horroriza; > E autopsiando a amarissima existencia > Encontra um cancro assiduo na consciencia > E tres manchas de sangue na camisa! > > Mingua-se o combustivel da lanterna > E a consciencia do satiro se inferna, > Reconhecendo, bebedo de sono, > Na propria ansia dionisica do gozo, > Essa necessidade de _horroroso, > _Que e talvez propriedade do carbono! > > Ah! Dentro de toda a alma existe a prova > De que a dor como um dartro se renova, > Quando o prazer barbaramente a ataca... > Assim tambem, observa a ciencia crua, > Dentro da elipse ignivoma da lua > A realidade de urna esfera opaca. > > Somente a Arte, esculpindo a humana magoa, > Abranda as rochas rigidas, torna agua > Todo o fogo telurico profundo > E reduz, sem que, entanto, a desintegre, > À condiçao de uma planicie alegre, > A aspereza orografica do mundo! > > Provo desta maneira ao mundo odiento > Pelas grandes razoes do sentimento, > Sem os metodos da abstrusa ciencia fria > E os trovoes gritadores da dialetica, > Que a mais alta expressao da dor estetica > Consiste essencialmente na alegria. > > Continua o martirio das criaturas: > \- O homicidio nas vielas mais escuras, > \- O ferido que a hostil gleba atra escarva, > \- O ultimo soliloquio dos suicidas - > E eu sinto a dor de todas essas vidas > Em minha vida anonima de larva!" > > Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocabulos, > Da luz da lua aos palidos venabulos, > Na ansia de um nervosissimo entusiasmo, > Julgava ouvir monotonas corujas, > Executando, entre caveiras sujas, > A orquestra arrepiadora do sarcasmo! > > Era a elegia panteista do Universo, > Na podridao do sangue humano imerso, > Prostituido talvez, em suas bases... > Era a cançao da Natureza exausta, > Chorando e rindo na ironia infausta > Da incoerencia infernal daquelas frases. > > E o turbilhao de tais fonemas acres > Trovejando grandiloquos massacres, > Ha-de ferir-me as auditivas portas, > Ate que minha efemera cabeça > Reverta a quietaçao da treva espessa > E a palidez das fotosferas mortas!
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AugustodosAnjos_ocantodospresos.htm.md
O CANTO DOS PRESOS Troa, a alardear barbaros sons abstrusos, O epitalamio da Suprema Falta, Entoado asperamente, em voz muito alta, Pela promiscuidade dos reclusos! No wagnerismo desses sons confusos, Em que o Mal se engrandece e o Ódio se exalta, Uiva, a luz de fantastica ribalta, A ignominia de todos os abusos! É a prosodia do carcere, e a partenea Aterradoramente heterogenea Dos grandes transviamentos subjetivos... E a saudade dos erros satisfeitos, Que, nao cabendo mais dentro dos peitos, Se escapa pela boca dos cativos!
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AugustodosAnjos_ocondenado.htm.md
O CONDENADO Folga a Justiça e geme a natureza Bocage Alma feita somente de granito, Condenada a sofrer cruel tortura Pela rua sombria d'amargura \- Ei-lo que passa - reprobo maldito. Olhar ao chao cravado e sempre fito, Parece contemplar a sepultura Das suas ilusoes que a desventura Desfez em po no horrido delito. E, a cruz da expiaçao subindo mudo, A vida a lhe fugir ja sente prestes Quando ao golpe do algoz, calou-se tudo. O mundo e um sepulcro de tristeza. Ali, por entre matas de ciprestes, Folga a justiça e geme a natureza.
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AugustodosAnjos_ocorrupiao.htm.md
O CORRUPIÃO Escaveirado corrupiao idiota, Olha a atmosfera livre, o amplo eter belo, E a alga criptogama e a usnea e o cogumelo, Que do fundo do chao todo o ano brota! Mas a ansia de alto voar, de a antiga rota Voar, nao tens mais! E pois, preto e amarelo, Poes-te a assobiar, bruto, sem cerebelo A gargalhada da ultima derrota! A gaiola aboliu tua vontade. Tu nunca mais veras a liberdade!... Ah! Tu somente ainda es igual a mim. Continua a comer teu milho alpiste. Foi este mundo que me fez tao triste, Foi a gaiola que te pos assim!
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O COVEIRO Uma tarde de abril suave e pura Visitava eu somente ao derradeiro Lar; tinha ido ver a sepultura De um ente caro, amigo verdadeiro. La encontrei um palido coveiro Com a cabeça para o chao pendida; Eu senti a minh'alma entristecida E interroguei-o: "Eterno companheiro Da morte, quem matou-te o coraçao?" Ele apontou para uma cruz no chao, Ali jazia o seu amor primeiro! Depois, tomando a enxada, gravemente, Balbuciou, sorrindo tristemente: \- "Ai, foi por isso que me fiz coveiro!"
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ODE AO AMOR Enches o peito de cada homem, medras Nalma de cada virgem, e toda a alma Enches de beijos de infinita calma... E o aroma dos teus beijos infinitos Entra na terra, bate nos granitos E quebra as rochas e arrebenta as pedras! És soberano! Sangras e torturas! Ora, tangendo tiorbas em volatas, Cantas a Vida que sangrando matas, Ora, davas brandindo em seva e insana Furia, lembras, Amor, a soberana Imagem petrea das montanhas duras. Beijam-te o passo multidoes escravas Dos Desgraçados! - Estas multidoes Sonham patrias doiradas de ilusoes Entre os torculos negros da Desgraça \- Flores que tombam quando a neve passa No turbilhao das avalanches bravas! Tudo dominas! Dos vergeis tranquilos Aos Capitolios, e dos Capitolios Aos claros pulcros e brilhantes solios De esplendor pulcro e de fulgencias claras, Rendilhados de fulvas gemas raras E pontilhados de crisoberilos. Sobes ao monte onde o _edelweiss_ pompeia Nalma do que subiu aquele monte! Mas, vezes, desces ao segredo insonte Do mar profundo onde a sereia canta E onde a Alcione tremula se espanta Ouvindo a gusla crebra da sereia! Rompe a manha. Sinos alem bimbalham. Troa o conubio dos amores velhos **-** As borboletas e os escaravelhos Beijam-se no ar. . . Retroa o sino. E, quietos Beijam-se alem os silfos e os insetos Sob a esteira dos campos que se orvalham. E em tudo estruge a tua dulia - dulia Que na fibra mais forte e ate na fibra Mais tenue, chora e se lamenta e vibra... E em cada peito onde um Ocaso chora Levanta a cruz da redençao da Aurora Como a Judite a redimir Betulia! Bem haja, pois, esse poder terrivel, \- Essa dominaçao aterradora \- Enorme força regeneradora Que faz dos homens um leao que dorme E do Amor faz uma potencia enorme Que vela sobre os homens, impassivel! Esta de amor ode queixosa, Irene, Quedo, sonhei-a, aos astros, ontem, quando Entre estrias de estrelas, fosforeando, Egregia estavas no teu plaustro egregio Mais bela do que a Virgem de Corregio E os quadros divinais de Guido Reni! Qual um crente em asiatico pagode, Entre timbales e anafis estridulos, Cativo, beija os aureos pes dos idolos, Assim, Irene, eis-me de ti cativo! Cativaste-me, Irene, e eis o motivo, Eis o motivo porque fiz esta ode.
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O DEUS-VERME Fator universal do transformismo. Filho da teleologica materia, Na superabundancia ou na miseria, _Verme_ \- e o seu nome obscuro de batismo. Jamais emprega o acerrimo exorcismo Em sua diaria ocupaçao funerea, E vive em contubernio com a bacteria, Livre das roupas do antropomorfismo. Almoça a podridao das drupas agras, Janta hidropicos, roi visceras magras E dos defuntos novos incha a mao... Ah! Para ele e que a carne podre fica, E no inventario da materia rica Cabe aos seus filhos a maior porçao!
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O ÉBRIO Bebi! Mas sei porque bebi!... Buscava Em verdes nuanças de miragens, ver Se nesta ansia suprema de beber, Achava a Gloria que ninguem achava! E todo o dia entao eu me embriagava \- Novo Sileno, - em busca de ascender A essa Babel ficticia do Prazer Que procuravam e que eu procurava. Tras de mim, na atra estrada que trilhei, Quantos tambem, quantos tambem deixei, Mas eu nao contarei nunca a ninguem. A ninguem nunca eu contarei a historia Dos que, como eu, foram buscar a Gloria E que, como eu, ira-o morrer tambem.
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O FIM DAS COISAS Pode o homem bruto, adstrito a ciencia grave, Arrancar, num triunfo surpreendente, Das profundezas do Subconsciente O milagre estupendo da aeronave! Rasgue os broncos basaltos negros, cave, Sofrego, o solo saxeo; e, na ansia ardente De perscrutar o intimo do orbe, invente A lampada aflogistica de Davy! Em vao! Contra o poder criador do Sonho O Fim das Coisas mostra-se medonho Como o desaguadouro atro de um rio... E quando, ao cabo do ultimo milenio, A humanidade vai pesar seu genio Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!
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O LAMENTO DAS COISAS Triste, a escutar, pancada por pancada, A sucessividade dos segundos, Ouço, em sons subterraneos, do Orbe oriundos O choro da Energia abandonada! E a dor da Força desaproveitada \- O cantochao dos dinamos profundos, Que, podendo mover milhoes de mundos, Jazem ainda na estatica do Nada! É o soluço da forma ainda imprecisa... Da transcendencia que se nao realiza. Da luz que nao chegou a ser lampejo... E e em suma, o subconsciente ai formidando Da Natureza que parou, chorando, No rudimentarismo do Desejo!