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144,948,780 | EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37 DA CF/88. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, NA VIA RECURSAL ELEITA. ACUMULAÇÃO INCONSTITUCIONAL DE CARGOS PÚBLICOS. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADA, NO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de técnico em laboratório - recebida desde 17/02/2003 -, considerando a cumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de comissário de polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. A sentença de improcedência do pedido foi reformada, pelo Tribunal a quo, em face da existência, na espécie, de decadência administrativa, na forma do art. 54, § 1º, da Lei 9.784/99, ensejando a interposição do presente Recurso Especial, pelas alíneas a e c do permissivo constitucional.
III. Em relação à alegada ofensa ao art. 37 da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais, nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102), não se conhecendo do recurso, quanto ao ponto.
IV. Não se olvida que é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos para anulá-lo, a contar da vigência do aludido diploma legal. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência. A propósito: STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016; AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012.
V. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021).
VI. Além disso, "o termo inicial do prazo de decadência para Administração rever o ato de aposentadoria de servidor se dá com a concessão do próprio ato, estando ela sujeita ao prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, quando a revisão se dá sem determinação do órgão fiscalizador de Contas (TCU)" (STJ, AgInt no REsp 1.591.422/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 1º/10/2021).
VII. Todavia, em hipóteses como a dos autos, esta Corte tem-se posicionado no sentido de que "não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/08/2021). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021; AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020.
VIII. Recurso Especial conhecido, em parte, e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
RELATÓRIO
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Trata-se de Recurso Especial, interposto pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado:
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA.
1. Apelações da parte autora e da UFPE contra sentença que julgou improcedente pedido formulado em ação ordinária, referente à anulação do ato administrativo da UFPE que cassou a aposentadoria do autor no cargo de técnico em laboratório, recebida desde 17/02/2003, considerando a cumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de comissário de polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, §2º, CPC), com exigibilidade suspensa, em face da justiça gratuita.
2. Em suas razões, o autor argumenta sobre a ocorrência da prescrição, dado que a Administração não poderia cassar a sua aposentadoria em novembro de 2018, após o prazo de 5 anos expirar. Ressalta que deve ser observado o limite do prazo quinquenal, para a aplicação da punição de cassação de aposentadoria, requerendo seja concedida a Tutela de Urgência, pois se encontra em precariedade financeira, inclusive cancelando seu plano de saúde, dado que a remuneração oriunda da aposentadoria tem caráter alimentar.
3. Ao seu turno, a UFPE pugna pela revogação do benefício de justiça gratuita, argumentando que, embora a parte autora não tenha acostado remuneração atualizada do cargo de comissário de polícia, a pesquisa no Portal da Transparência de Pernambuco aponta que o valor dos proventos varia em média de R$ 7.000,00 a R$ 9.000,00, invalidando a declaração de hipossuficiência apresentada.
4. A vedação à acumulação de cargos é regra constitucional, excetuada apenas nas hipóteses do art. 37, XVI, da CF/1988, havendo compatibilidade de horário, para: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Ao seu turno, o § 10, do mesmo art. 37, da CF/1988 dispõe que "é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração."
5. In casu, conforme relatado, cuida-se de dois cargos públicos ocupados pelo autor quando em atividade (técnico em laboratório na UFPE e comissário de polícia no Estado), tendo se aposentado no primeiro em 2003 e no segundo em 2010. Consta que a primeira aposentadoria ainda permanece como "não validada" junto ao TCU, o qual, apenas em outubro de 2016 (Ofício 278-142/2016-TCU), informou à UFPE sobre a detectação da dita ilegalidade na acumulação, tendo, por esse motivo, instaurado processo administrativo que culminou, em 2018, com a aplicação da referida penalidade (cassação da aposentadoria concedida pelo Governo Federal em 2003).
6. O col. STF, no RE 636.553 (STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, em 19/02/2020 - Tema 445, repercussão geral), firmou a seguinte tese: "em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas".
7. Sobre o tema, esta eg. 2ª Turma já se pronunciou no sentido de que "O fato de a aposentadoria ser um ato complexo, só se aperfeiçoando com o registro no TCU, não permite concluir que o órgão de controle está autorizado a deixar sem definição por enorme lapso temporal a situação dos servidores que passam para a inatividade." (TRF5, 2ª T., PJE 0807836-20.2018.4.05.8201, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data de Assinatura: 12/12/2019)
8. Em que pese a referida acumulação não se enquadrar em nenhuma das exceções constitucionalmente asseguradas, restando configurada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria advindos de cargos inacumuláveis, exurge o entendimento de que restou extrapolado, e muito, prazo razoável para que ocorresse a formalização do ato complexo da aposentadoria, de maneira que a demora do TCU em se pronunciar sobre a aposentadoria obtida junto à Universidade (13 anos, considerando também documento constante dos autos indicando que o processo de concessão de aposentadoria da autora chegou na Corte de Contas em 2003 - Número de Controle no TCU 1-079290-2-04-2003-000117-1) não tem o condão de lastrear a atuação da Administração (UFPE), que decaiu do direito de rever o ato de aposentadoria, pois concedida desde 2003. No mesmo sentido: PJE 0801209-60.2014.4.05.8000, Rel. Des. Federal Leonardo Carvalho, Data da Assinatura: 26/02/2018.
9 . No tocante ao benefício da justiça gratuita, consta dos autos que o autor recebe mensalmente rendimentos advindos da sua aposentadoria junto à UFPE superiores a 5 (cinco) salários mínimos mensais, e não trouxe elementos (sequer informações) que corroborem o argumento de que se encontra em difícil situação financeira, não tendo em seu favor a presunção de ser desprovido de condições financeiras para arcar com os custos do processo sem prejudicar sua própria manutenção e a de sua família, de modo que não faz jus à concessão da referida benesse da justiça gratuita.
10. Apelação do autor provida, com o deferimento da tutela de urgência (uma vez presentes a plausibilidade do direito e o perigo da demora, diante da natureza alimentar da verba), para determinar a anulação do ato da cassação da aposentadoria e o retorno do requerente ao quadro de inativos do Governo Federal (UFPE). Inversão da sucumbência, com honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa (R$ 79.229,16).
11. Apelação da UFPE provida. Afastada a benesse da justiça gratuita concedida ao autor" (fls. 473/475e).
Ao referido acórdão foram opostos Embargos de Declaração, pela ora recorrente, que foram rejeitados, em acórdão assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIO. INEXISTÊNCIA.
1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que deu provimento à apelação do autor, com o deferimento da tutela de urgência, para determinar a anulação do ato da cassação da aposentadoria e o retorno do requerente ao quadro de inativos do Governo Federal (UFPE), e deu provimento à apelação da UFPE, apenas para afastar a benesse da justiça gratuita concedida ao autor.
2. A UFPE, ora embargante, aduz que o julgado é omisso ao não considerar a não ocorrência da decadência (art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015), sem observar que a Universidade apenas tomou conhecimento da ilegalidade da acumulação de cargos/aposentadoria quando foi instada pelo TCU a apurar a situação de servidores que supostamente estariam em situação irregular de acumulação ilegal de cargos e empregos, com era a situação do investigado, conforme termos contido no Ofício 278-142/2016-TCU/SEFIP/Diaup, de 13/10/2016, tendo o prazo de 5 anos previsto no art. 142, I, da Lei 8.112/1990 sido rigorosamente observado. Aduz que também houve omissão quanto ao disposto no art. 114 da Lei 8.112/1990, dado que não prevalece a regra geral do art. 54, como preceitua o art. 69, da Lei 9.784/1999. Em adição, destaca que ainda não houve o julgamento da aposentadoria da parte autora, descabendo falar em decadência, conforme se verifica em pesquisa eletrônica ao sítio do TCU e que, no presente caso, se está diante de nulidade de ato administrativo, e não anulabilidade, motivo pelo qual não se opera a decadência administrativa, impondo-se a observância da Súmula 473 do STF, sob pena de infringência aos princípios da legalidade e moralidade, insculpidos no art. 37 da CF/1988.
3. O art. 1.022 do NCPC prevê o cabimento dos embargos de declaração para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inc. I); suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento (inc. II) e para corrigir erro material (inc. III).
4. No caso dos autos, não se vislumbra a ocorrência dos vícios apontados pela embargante.
5. Pela simples leitura do acórdão embargado, observa-se que a recorrente não pretende o suprimento de qualquer vício, buscando, sob a alegativa de omissão, apenas a rediscussão do julgado que lhe foi desfavorável.
6. Ademais, a omissão só se caracteriza, no que tange ao enfrentamento dos dispositivos de lei, quando a parte demonstra que, caso tivessem estes sido abordados, o resultado da demanda seria outro, circunstância que, no caso, não ocorreu, limitando-se a embargante a pedir o pronunciamento do julgado.
7. Embargos de declaração desprovidos" (fl. 546e).
Ainda inconformada, nas razões do Recurso Especial, interposto com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal, a UFPE sustenta violação aos arts. 37, XVI, b, da Constituição Federal e 53 e 54 da Lei 9.784/99, consoante os seguintes excertos, in verbis:
"3.1. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. ATO NULO. INAPLICABILIDADE DO ART. 54 DA LEI 9.784/99 AO CASO DOS AUTOS. VIOLAÇÃO AO ART. 53 DA LEI 9.784/99.
Em cumprimento a determinação do TCU de apurar a situação de servidores que supostamente estariam em situação irregular de acumulação ilegal de cargos e empregos, com era a situação do recorrido, a UFPE apenas tomou conhecimento da ilegalidade da acumulação de cargos/aposentadoria quando foi instada pelo mesmo, conforme contido no Ofício 278-142/2016-TCU/SEFIP/Diaup, de 13.10.2016., expedindo a comunicação abaixo:
(..)
Em decorrência, a mesma ajuizou ação visando à continuidade da percepção dos proventos de aposentadoria do cargo de técnico em laboratório e a de comissário de polícia do Estado de Pernambuco.
(..)
Com a devida vênia, tratando-se de acumulação ilegal e inconstitucional de cargos públicos, não se aplica o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, pois se trata de ato nulo.
A decadência exige para sua configuração a pratica de um ato administrativo perfeito e acabado, o que não ocorre no caso dos autos.
Com efeito, o ato nulo é aquele que é incapaz de ser convalidado pelo tempo. Nesse sentido, dispõe o art.169, do Código Civil Brasileiro, que "O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo".
Assim, a nulidade do ato pode ser alegada por qualquer interessado, a qualquer tempo, pois sendo um ato inválido desde a sua constituição, entende-se que o mesmo pode ser questionado a qualquer tempo.
(..)
No caso em tela, como o cargo exercido junto ao Estado de Pernambuco - comissário de polícia não é técnico, inclusive reconhecido pelo acórdão recorrido, tal acumulação fere o art. 37, XVI, b, da Constituição Federal:
(..)
A distinção entre os atos administrativos nulos e anuláveis, cabe lembrar, que quanto aos primeiros, estabelece o art.53 da Lei 9.784/99 que:
"Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Este entendimento, inclusive, está em consonância com a Súmula 473 do STF que estabelece que "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
(..)
Assim sendo, permanecendo a acumulação ilegal e constitucional, pois o cargo de Comissário de Polícia não é passível de acumulação porque não se enquadra na definição de cargo técnico ou científico pois não exige conhecimento específico em área de atuação profissional, não se exigindo do servidor habilitação específica ou profissionalizante. Ao determinar a opção, a Administração está agindo em consonância com o princípio da autotutela, positivado no art. 114 da Lei n.º 8.112/90.
Como se sabe, o ato nulo, ou seja, aquele praticado ao arrepio do que estabelece a legislação, não é convalidável, haja vista que a sua convalidação implicaria em afronta ao princípio da legalidade, positivado no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Frise-se, por oportuno, que a argumentação da parte autora está baseada no que dispõe o art. 54 da Lei nº 9.784/99, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Porém, tal norma não há que ser aplicada ao presente, mas sim o art.53 da Lei 9.784/99 acima citado, bem como o art.114 da Lei 8.112/90, in verbis:
"Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade."
(..)
Depreende-se do exposto, que o legislador não impôs muitas formalidades na revisão de atos eivados de vícios, como ocorre no presente caso, posto que a revisão é uma consequência lógica e inafastável de sua formação ilegítima, até porque qualquer relação estabelecida somente é válida se for lícita, e quando for concretizada em consonância com as normas vigentes, o que não ocorre no caso presente.
(..)
Realmente, a jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de que não há que se falar em direito subjetivo à manutenção dos efeitos de ato administrativo, se praticado em desconformidade com a lei, sendo, para tal, irrelevante ainda o tempo decorrido (RE nº 136.236-SP, rel. Min. ILMAR GALVÃO, in RTJ 146/658).
(..)
Vê-se assim que não há que se falar em decadência, por se tratar de ato nulo, até porque, no âmbito do regime jurídico dos servidores públicos federais, a teor do artigo 114 da Lei nº 8.112/90, regra especial, quer os atos sejam nulos, ou anuláveis, não há que se cogitar de qualquer prazo para o exercício da autotutela administrativa, corolário do princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, do Texto Básico), não incidindo a norma do artigo 54, da Lei nº 9.784/99. O artigo 54 da Lei nº 9.784/99 apenas teria derrogado o artigo 114 da Lei nº 8.112/90, quanto aos atos anuláveis, restando íntegro quanto aos nulos, como reflexo do preceito constitucional epigrafado, bem como do § 5º do art. 37, da Carta Magna, que estatui a imprescritibilidade, quanto às ações envolvendo os atos nulos que vulnerem o patrimônio público (STJ, REsp 328391, DJ 2/12/02; STJ, REsp 403153, DJ 20/10/03).
3.2. DA NÃO INCIDENCIA DA LEI Nº 9.784/1999 SOBRE OS ATOS DE CONTROLE EXTERNO A CARGO DO TCU.
Acerca de eventual discussão sobre a incidência da Lei nº 9.784/1999 sobre os atos de controle externo a cargo do Tribunal de Contas da União, deve-se ressaltar que a natureza do ato de julgamento de contas não é administrativa típica, mas inerente à competência constitucional de controle externo. Portanto, tais atos não se confundem e, por isso, regem-se por institutos distintos.
Por meio da Decisão nº 1.020/2000-TCU-Plenário, firmou-se o entendimento no âmbito da Corte de Contas de que a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal, não tem aplicação obrigatória sobre os processos da competência deste Tribunal de Contas, definida pelo artigo 71 da Constituição Federal, ou seja, nos processos em que o TCU pratica, com exclusividade, atos de controle externo.
De acordo com a tese abraçada na mencionada decisão, a processualística própria de controle externo, que abrange instrumentos como exame de contas, denúncia, representação, auditoria e outras formas de defesa do interesse público, culmina em decisões de controle externo passíveis de recursos especiais, consoante dispõe a Lei n. 8.443/92 no caso do TCU, de modo que, tão-somente por argumentação, ainda que esse processo de natureza especial fosse considerado administrativo - embora não o seja - contaria com a excepcionalidade decretada pelo artigo 69 da Lei n. 9.784/99, segundo o qual "Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei." Convém destacar, nesse sentido, que o Plenário do STF, por unanimidade, prolatou decisão em que reafirmou a inaplicabilidade do instituto da decadência do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 aos processos de controle externo do TCU. Trata-se do MS 24.859-DF, da relatoria do Ministro Carlos Velloso, impetrado contra decisum da Corte de Contas que considerou ilegal ato de concessão de pensão civil em favor da impetrante e determinou ao órgão de origem a suspensão do pagamento do benefício, conforme se depreende da ementa abaixo transcrita, verbis:
(..)
Ademais, convém destacar que, no caso em apresso, o ato analisado foi de aposentadoria, considerado ato administrativo complexo, necessitando, para completude, aprovação do Tribunal de Contas da União.
Deste modo, segundo a interpretação do E. Superior Tribunal de Justiça, o prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 só se inicia após o controle exercido pelo TCU, conforme se extrai dos seguintes julgados:
(..)
No caso dos autos, ainda não houve o julgamento da aposentadoria da parte autora, descabendo falar em decadência, é o que se infere da pesquisa eletrônica ao sítio do TCU, nesses termos:
Verifica-se ainda que, no presente caso, se está diante de nulidade de ato administrativo, e não anulabilidade, motivo pelo qual não se opera a decadência administrativa.
(..)
Com efeito, é isento de dúvidas o direito de a autarquia federal proceder à invalidação, ainda que sem efeitos retroativos, de um ato administrativo fulminado de vício insanável. Não se fala aqui, de direito adquirido. Trata-se, na verdade, de invalidação de ato administrativo praticado em desconformidade com o ordenamento, ou seja, de anulação.
Ademais, verifica-se que se trata do pagamento de prestações contínuas, caracterizando uma relação de trato sucessivo. Assim, não há que se falar em decadência, pois um ato ilícito não pode ser juridicamente perfeito, nem tem o condão de gerar direitos.
(..)
Destarte, a aplicação da teoria da decadência administrativa importa em obrigar a Administração a continuar a efetuar o pagamento sem nenhum suporte em lei, às vezes até indefinidamente, o que, a toda evidência, infringe os princípios da legalidade e moralidade, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal" (fls. 571/585e).
Por fim, requer que o Recurso Especial "seja recebido e devidamente processado, a fim de que lhe seja dado provimento em razão de o acórdão recorrido ter negado vigência a dispositivos de lei federal acima dispostos, determinando- se, por conseguinte, a sua reforma, e inversão do ônus da sucumbência" (fl. 585e).
Contrarrazões, a fls. 592/603e, pelo improvimento do recurso.
O Recurso Especial foi admitido, pelo Tribunal de origem, a fl. 605e.
Parecer do Ministério Público Federal, a fls. 624/633e, pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37 DA CF/88. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, NA VIA RECURSAL ELEITA. ACUMULAÇÃO INCONSTITUCIONAL DE CARGOS PÚBLICOS. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADA, NO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de Técnico em Laboratório, recebida desde 17/02/2003, considerando a acumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de Comissário de Polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. A sentença de improcedência do pedido foi reformada, pelo Tribunal a quo, ao fundamento de existência, na espécie, de decadência administrativa, na forma do art. 54, § 1º, da Lei 9.784/99, ensejando a interposição do presente Recurso Especial.
III. Em relação à alegada ofensa ao art. 37 da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102), não se conhecendo do recurso, quanto ao ponto.
IV. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos para anulá-lo, a contar da vigência do aludido diploma legal. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016; AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012.
V. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021). Ou seja, entendeu o STF que, em regra, aplica-se ao Tribunal de Contas o art. 54 da Lei 9.784/99.
VI. Todavia, na hipótese dos autos trata-se de acumulação inconstitucional de cargos públicos. Em hipóteses tais, isto é, de situações flagrantemente inconstitucionais, o STF já se posicionou no sentido de que não há falar em prazo decadencial, não se aplicando o art. 54 da Lei 9.784/99: "A orientação jurisprudencial desta SUPREMA CORTE firmou-se no sentido de que o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 não alcança situações flagrantemente inconstitucionais, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal" (STF, MS 29.025/DF, Rel. p/ acórdão Ministro ALEXANDRE DE MORAES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/04/2021); "Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a revisão de atos flagrantemente inconstitucionais não está sujeita a prazo decadencial" (STF, AgRg no RE 1.281.817/RJ, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/11/2020); "As situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão dos princípios, das regras e dos preceitos previstos na Constituição Federal de 1988" (STF, RE 817.338/DF - Repercussão Geral, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 31/07/2020).
VII. De igual modo, em hipóteses como a dos autos, esta Corte tem-se posicionado no sentido de que "não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/08/2021). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021; AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020.
VIII. Recurso Especial conhecido, em parte, e, nessa extensão, provido.
VOTO
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES (Relatora): Na origem, trata-se de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de Técnico em Laboratório, recebida desde 17/02/2003, considerando a acumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de Comissário de Polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010.
Para tanto, sustentou que:
"O REQUERENTE é funcionário público da Universidade Federal de Pernambuco, no cargo de Técnico de Laboratório SIAPE nº 1.133.091, aposentado pela portaria de pessoal nº 223 datada de 14 de janeiro de 2003, onde consta a determinação judicial. (Doc. 03). Quando surpreendentemente foi notificado pelo ofício nº 198/2017 da Comissão de Acumulação de Cargos e Empregos, notificando acumulação de empregos Público, gerando o Processo Administrativo Disciplinar Nº 23076.000137/2018-13 (Doc. 04). Instituído pela Portaria de Pessoal de nº 1.260, de 03 de abril de 2018.
O REQUERENTE efetivou a sua defesa prévia em 04 de janeiro de 2018, (Doc. 05), pugnando pela afirmativa que a sua função seria de natureza técnica científica.
O REQUERENTE, em 19 de junho de 2018, requereu outra defesa em PAD, alegando mais uma vez, a Segurança Jurídica contida no art. 2º da Lei 9.784/99. Anexando comprovante de imposto de renda de 2004 e 2017 onde declara as fontes pagadoras UFPE e GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, (Doc. 06 e 07). Comprovando a boa fé. Exigido no art. 54 da Lei 9.784/99, E nos artigos 142 e 143 da Lei 8.112/90. O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. O Delegado da Receita Federal, com a declaração de Imposto de Renda em 2004 do requerente, ficou ciente da acumulação, conforme o art. 142 § 1º da Lei 8.112/90. E consequentemente deveria agir como determina o art. 143 § 3º do mesmo diploma Legal. Não o fazendo, incidiu na Prescrição. Conforme decisão no Mandado de Segurança Nº 20.162 - Distrito Federal (2013/0141114-0). Constante na Defesa Previa. (in verbis).
(..)
O REQUERENTE foi notificado pela Diretoria de Gestão de Pessoal / PROGEPE, através do ofício nº 218/2018-DGP, datado de 29 de agosto de 2018, onde encaminha, para o requerente, relatório final do processo nº 23076.000137/2018-13, onde conclui que seja cassada a aposentadoria, já encaminhado para sustar o salário, conforme despacho da Pro-Reitora de Gestão de Pessoal e Qualidade de Vida a Srª Sônia Maria M. de Menezes. (Doc. 08).
(..)
O REQUERENTE tempestivamente ingressa com um pedido de reconsideração, lastreado no art. 108 da Lei 8.112/90. (Doc. 09). E em 23 de novembro de 2018, o requerente é notificado via postal, comunicando que foi providenciada a suspensão dos proventos de sua aposentadoria na UFPE, a partir de 01/11/2018. (Doc. 10).
O REQUERENTE solicitou consulta a Ouvidoria do Tribunal de Contas da União, na demanda TCU nº 308898, (in verbis), onde foi esclarecido no que concerne o artigo 142 inciso I da Lei 8.112/90, da prescrição, que "é contado da data da prática, em atividade, do ato irregular, e não da concessão do benefício previdenciário". Ou seja, a data de ingresso como servidor no Estado de Pernambuco, em que a sua admissão foi em 05/02/1985. (Doc. 09). A Administração Pública Federal, teria que demitir o servidor até o mês de fevereiro de 1990, e não (28) vinte e oito anos depois, cassar a sua aposentadoria.
(..)
Desta forma, mediante os fatos narrados, o REQUERENTE foi surpreendido com a sua cassação de aposentadoria, sem a observância dos fatos narrados na defesa no devido processo legal e ampla defesa.
As alegações da REQUERIDA justificam, no seu relatório na parte da análise e conclusão, em ignorar o inciso I § Iº do art. 142 e o 143 da Lei 8.112/90, alegando, erroneamente, que o prazo de prescrição ou decadência, começa quando a administração tomou ciência da acumulação, nos termos contido no ofício nº 278-142/2016-TCU/SEFIP/Diaup. de 13/10/2016. Afirmando que não há no que falar em prescrição nas condições apresentada na peça de defesa, motivo pelo qual a comissão não acolhe a tese jurídica do contestante. O REQUERENTE esclarece que os prazos prescricionais e decadenciais começaram em 2004 com a declaração do imposto de renda constante na defesa protocolada em 19/06/18. Não sendo analisado, que a aposentadoria do requerente, foi por uma decisão judicial determinando a sua aposentadoria na Justiça Federal de 1ª Instância, 6ª Vara Processo de nº 99.8145-5. Determinando ao INSS que conceda a Certidão da contagem do tempo de serviço para a aposentadoria, com a conversão insalubre, e determinando a UFPE a devida averbação para a aposentadoria (grifei)" (fls. 6/12e).
Em 1º Grau, o pedido foi julgado improcedente. No que diz respeito à decadência, entendeu o Magistrado "que ela não se aplica ao caso concreto, uma vez que se trata de revisão de aposentadoria (ato complexo) promovida pelo TCU à luz da acumulação indevida de cargos públicos. Com efeito, uma vez que o pedido de aposentadoria do autor ainda não teve seu julgamento concluído pelo TCU, é descabido aplicar a Lei 9.784/99 para contagem do prazo decadencial" (fl. 373e).
A UFPE apelou da sentença, requerendo a revogação do benefício de gratuidade de justiça deferido ao autor, sendo provido o ser recurso.
O autor também recorreu, destacando a impossibilidade de a sua aposentadoria ser cassada em 2018, após o decurso do prazo de cinco anos.
O Tribunal de origem reformou a sentença, dando provimento ao recurso do autor, firme nos seguintes fundamentos:
"O cerne da controvérsia a ser dirimida diz respeito à cassação de aposentadoria (no cargo de técnico em laboratório de Universidade) cuja cumulação com outra aposentadoria (no cargo de comissário de polícia) considera-se indevida.
A vedação à acumulação de cargos é regra constitucional, excetuada apenas nas hipóteses do art. 37, XVI, da CF/1988, havendo compatibilidade de horário, para: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Ao seu turno, o § 10, do mesmo art. 37, da CF/1988 dispõe que "é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração."
In casu, conforme relatado, cuida-se de dois cargos públicos ocupados pelo autor quando em atividade (técnico em laboratório na UFPE e comissário de polícia no Estado), tendo se aposentado no primeiro em 2003 e no segundo em 2010. Consta que a primeira aposentadoria ainda permanece como "não validada" junto ao TCU, o qual, apenas em outubro de 2016 (Ofício 278-142/2016-TCU), informou à UFPE sobre a detectação da dita ilegalidade na acumulação, tendo, por esse motivo, instaurado processo administrativo que culminou, em 2018, com a aplicação da referida penalidade (cassação da aposentadoria concedida pelo Governo Federal em 2003).
O col. STF, no RE 636.553 (STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, em 19/02/2020 - Tema 445, repercussão geral), firmou a seguinte tese: "em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas".
Sobre o tema, esta eg. 2ª Turma já se pronunciou no sentido de que "O fato de a aposentadoria ser um ato complexo, só se aperfeiçoando com o registro no TCU, não permite concluir que o órgão de controle está autorizado a deixar sem definição por enorme lapso temporal a situação dos servidores que passam para a inatividade." (TRF5, 2ª T., PJE 0807836-20.2018.4.05.8201, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data de Assinatura: 12/12/2019).
Em que pese a referida acumulação não se enquadrar em nenhuma das exceções constitucionalmente asseguradas, restando configurada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria advindos de cargos inacumuláveis, exurge o entendimento de que restou extrapolado, e muito, prazo razoável para que ocorresse a formalização do ato complexo da aposentadoria, de maneira que a demora do TCU em se pronunciar sobre a aposentadoria obtida junto à Universidade (13 anos, considerando também documento constante dos autos indicando que o processo de concessão de aposentadoria da autora chegou na Corte de Contas em 2003 - Número de Controle no TCU 1-079290-2-04-2003-000117-1) não tem o condão de lastrear a atuação da Administração (UFPE), que decaiu do direito de rever o ato de aposentadoria, pois concedida desde 2003. No mesmo sentido: PJE 0801209-60.2014.4.05.8000, Rel. Des. Federal Leonardo Carvalho, Data da Assinatura: 26/02/2018" (fls. 471/472e).
De início, em relação à alegada ofensa ao art. 37, XVI, b, da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102).
Por outro lado, a eventual existência, no acórdão recorrido, de fundamentos constitucionais, não é óbice ao conhecimento do presente Recurso Especial, "tendo em vista que a decadência é matéria prejudicial às demais questões de mérito presentes no acórdão regional" (STJ, AgInt no REsp 1.551.126/RN, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/08/2021).
Também não é o caso de revolvimento de provas dos autos e encontra-se prequestionada a tese referente aos dispositivos vinculados ao cerne da controvérsia.
Assim, firmados os limites de conhecimento do apelo nobre, passa-se à análise da questão de fundo.
Com efeito, a questão a ser apreciada gira em torno do prazo decadencial para que a Administração reveja a acumulação irregular de proventos, em face do que prevê o art. 54 da Lei 9.784/99:
"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato."
Em relação à concessão de aposentadoria aos servidores públicos, não se discute que a decisão final deve, necessariamente, por disposição constitucional (art. 71, III, da CF/88), passar pelo crivo do Tribunal de Contas correspondente ao ente federativo ao qual o servidor é vinculado, que decidirá pela legalidade ou não do ato praticado, tanto que este Tribunal perfilha o entendimento de que o ato de concessão de aposentadoria é complexo, que só se perfectibiliza com o exame pelo Tribunal de Contas (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021).
Com efeito, não se discute que a Administração Pública pode e deve utilizar de seu poder de auto-tutela, que lhe possibilita anular seus próprios atos administrativos, quando eivados de nulidades, no zelo pelo erário e pela lisura dos procedimentos administrativos. É nesse sentido o entendimento consagrado na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos: ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todas os casos, a apreciação judicial."
É certo que esta Corte, há tempos, pacificou o entendimento no sentido de que, anteriormente ao advento da Lei 9.784/99, a Administração podia rever, a qualquer tempo, seus próprios atos, quando eivados de nulidade, nos moldes do disposto no art. 114 da Lei 8.112/90 e na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Todavia, com o advento da Lei 9.784/99, o prazo decadencial para tal revisão somente poderia ser contado a partir de janeiro de 1999, para os atos praticados antes da Lei. 9.784/99, sob pena de se conceder efeito retroativo à referida Lei.
A propósito:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. MODIFICAÇÃO DO CÁLCULO DE HORAS-EXTRAS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. TERMO A QUO. VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
I. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos, a contar da vigência do aludido diploma legal, para anulá-lo. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência.
II. Na hipótese dos autos, as horas-extras eram atualizadas com base na aplicação contínua e automática de percentuais incidentes sobre todas as parcelas remuneratórias dos servidores, por força de decisão judicial transitada em julgado em 1995, de modo que o prazo decadencial somente teve início em 29 de janeiro de 1999, encerrando-se em 29 de janeiro de 2004. Todavia, o ato administrativo do Tribunal de Contas da União, que determinou que o pagamento das horas-extras fosse efetuado em valores nominais, decorre do Acórdão TCU 2.161/2005, e o processo de revisão administrativa ocorreu em 2008, ou seja, ambos após o decurso do prazo decadencial de cinco anos, contados da entrada em vigor da mencionada Lei. Assim, é inequívoca a consumação da decadência. Nesse sentido, em casos análogos: STJ, AgRg no REsp 1.551.065/RN, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 29/09/2015; AgRg no REsp 1.499.126/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/02/2015; EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.285.268/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/04/2013.
III. Agravo Regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016).
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. MODIFICAÇÃO DO CÁLCULO DE HORAS EXTRAS. REVISÃO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. TERMO A QUO. VIGÊNCIA DA LEI.
1. Consolidou-se nesta Corte o entendimento de que o prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei 9.784/99, quanto aos atos administrativos anteriores à sua promulgação, inicia-se a partir da data de sua entrada em vigor, ou seja, na data de sua publicação, em 1.2.99. Precedentes: AgRg no REsp. 1.314.843/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 15.6.12; AgRg no REsp. 1.257.473/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 23.3.12; AgRg no REsp. 1.166.120/SC, Rel. Min.Laurita Vaz, DJe 16.8.11; AgRg no Ag.1.116.887/RJ, Rel. Min. Maria Tereza de Assis Moura, DJe 15.8.11; AgRg no Ag 1.342.657/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 18.04.11; AgRg no Ag 1.297.588/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 1.7.10.
2. No caso em análise, a Administração já procedia ao pagamento das horas extras normalmente corrigidas desde, no mínimo, outubro de 1997, de modo que o prazo decadencial somente teve início em 1.2.99 (entrada em vigor da Lei 9.784/99), encerrando-se em 1.2.04. Assim, iniciado o procedimento administrativo e prolatado o Acórdão do TCU em 2005, deve-se reconhecer a ocorrência da decadência.
3. Agravo regimental não provido" (STJ, AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012).
Por sua vez, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021). Ou seja, o STF entendeu que, em regra, aplica-se ao Tribunal de Contas o art. 54 da Lei 9.784/99.
Ou seja, apesar da faculdade que tem a Administração Pública de invalidar as atividades ilegítimas do Poder Público, deve-se preservar a estabilidade das situações jurídicas firmadas, respeitando-se os direitos adquiridos e incorporados ao patrimônio material e moral do particular, princípios que, inclusive, são inerentes ao referido art. 54 da Lei 9.784/99.
Todavia, no caso em comento há particularidade a ser observada.
Com efeito, na hipótese dos autos trata-se de acumulação inconstitucional de cargos públicos. Em hipóteses tais, isto é, de situações flagrantemente inconstitucionais, o STF já se posicionou no sentido de que não há falar em prazo decadencial, não se aplicando o art. 54 da Lei 9.784/99.
A propósito:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. REMOÇÃO DE SERVENTIA SEM CONCURSO PÚBLICO APÓS 1988. DECISÃO DO CNJ INCLUINDO A SERVENTIA INDEVIDAMENTE OCUPADA NA LISTA DE VACÂNCIAS. DECADÊNCIA AFASTADA. SITUAÇÃO INCONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE DIREITO À DELEGAÇÃO VAGA DECIDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA AUTÔNOMO. PERDA DO OBJETO. MANDADO DE SEGURANÇA PREJUDICADO.
1. A orientação jurisprudencial desta SUPREMA CORTE firmou-se no sentido de que o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 não alcança situações flagrantemente inconstitucionais, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. Precedentes.
2. As Serventias envolvidas na controvérsia trazidas nestes autos também foram alvos de discussão no Mandado de Segurança 28.245 (rel. min. MARCO AURÉLIO), de modo que o julgamento definitivo daquele "writ", por esta CORTE, levou à perda do objeto da presente demanda.
3. O trânsito em julgado do MS 28.245 fez com que se estabilizassem as determinações proferidas pelo CNJ no PCA 200910000001130, consubstanciadas no reconhecimento da irregularidade da remoção e na determinação de retorno do ora impetrante à Serventia de origem.
4. Não há mais se discutir, nestes autos, (i) a situação do 3º Tabelionato de Notas de Maringá, porque não guarda mais nenhuma relação com o ora impetrante, diante do reconhecimento da irregularidade na remoção e consequente retorno à serventia de origem; (ii) a inclusão do Cartório de Ivatuba na lista de Serventias vagas, pois o próprio CNJ já determinou a sua ocupação pelo ora impetrante.
5. Mandado de Segurança prejudicado" (STF, MS 29.025/DF, Rel. p/ acórdão Ministro ALEXANDRE DE MORAES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/04/2021).
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA DE TRÊS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REVISAR ATOS FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAIS. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I - Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a revisão de atos flagrantemente inconstitucionais não está sujeita a prazo decadencial.
II - Agravo regimental a que se nega provimento" (STF, AgRg no RE 1.281.817/RJ, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/11/2020).
"Direito Constitucional. Repercussão geral. Direito Administrativo. Anistia política. Revisão. Exercício de autotutela da administração pública. Decadência. Não ocorrência. Procedimento administrativo com devido processo legal. Ato flagrantemente inconstitucional. Violação do art. 8º do ADCT. Não comprovação de ato com motivação exclusivamente política. Inexistência de inobservância do princípio da segurança jurídica. Recursos extraordinários providos, com fixação de tese.
1. A Constituição Federal de 1988, no art. 8º do ADCT, assim como os diplomas que versam sobre a anistia, não contempla aqueles militares que não foram vítimas de punição, demissão, afastamento de suas atividades profissionais por atos de motivação política, a exemplo dos cabos da Aeronáutica que foram licenciados com fundamento na legislação disciplinar ordinária por alcançarem o tempo legal de serviço militar (Portaria nº 1.104-GM3/64).
2. O decurso do lapso temporal de 5 (cinco) anos não é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final da cabeça do art. 54 da Lei nº 9.784/99 autoriza a anulação do ato a qualquer tempo, uma vez demonstrada, no âmbito do procedimento administrativo, com observância do devido processo legal, a má-fé do beneficiário.
3. As situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão dos princípios, das regras e dos preceitos previstos na Constituição Federal de 1988. Precedentes.
4. Recursos extraordinários providos.
5. Fixou-se a seguinte tese: "No exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria nº 1.104, editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica, em 12 de outubro de 1964 quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas"" (STF, RE 817.338/DF - Repercussão Geral, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 31/07/2020).
De igual modo, "esta Corte possui entendimento de que a acumulação ilegal de cargos públicos, expressamente vedada pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, protrai-se no tempo, podendo ser investigada a qualquer época, até porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso temporal, não havendo que se falar em decadência da pretensão da Administração" (STJ, AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020).
A propósito:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE CARGOS. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Não ocorre a decadência do direito da Administração Pública em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, uma vez que os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo.
2. Agravo Interno não provido" (STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021).
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOS. ATO INCONSTITUCIONAL QUE NÃO SE CONVALIDA COM O TEMPO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. VERBA HONORÁRIA EXCESSIVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Inexiste contrariedade ao art. 535 do CPC/1973, quando a Corte local decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu exame. Ademais, não se deve confundir decisão contrária aos interesses da parte com ausência de prestação jurisdicional.
2. O entendimento externado pela Corte de origem está em harmonia com a orientação do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes.
3. Em igual sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no que tange à cumulação dos vencimentos de dois cargos públicos de médico com proventos de aposentadoria de outro cargo da mesma especialidade, firmou a orientação no sentido de que "o art. 11 da EC 20/98 apenas assegura a manutenção do recebimento de um provento com um vencimento de cargos não acumuláveis, no caso em que o servidor tenha retornado ao serviço público antes da sua edição. Ao não mencionar a possibilidade de cumulação de dois proventos de aposentadorias decorrentes dos referidos cargos não acumuláveis, entende-se que o Constituinte manteve a compreensão de que não se podem cumular duas aposentadorias em dois cargos que, de acordo com a Constituição de 1988, não são cumuláveis. Precedentes do STF" (AgInt nos EDcl na AR 6.055/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 14/10/2019). Precedentes.
4. Quanto à alegação do valor excessivo dos honorários de advogados, aplica-se o enunciado de Súmula 7 do STJ, visto que "o Tribunal de origem não deixou delineadas, no acórdão recorrido, especificamente em relação ao caso concreto, todas as circunstâncias previstas nas alíneas a, b e c do § 3º do art. 20 do CPC/1973, ou seja, a) o grau de zelo do profissional; b)o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Por outro lado, não foram opostos Embargos de Declaração, em 2º Grau, para provocar o Tribunal a quo sobre o assunto. Nesse contexto, incidem na espécie as Súmulas 7/STJ e 389/STF" (AgInt no AREsp 1.163.957/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 12/12/2017).
5. Agravo interno a que se nega provimento" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/08/2021).
"ADMINISTRATIVO. CARGOS PÚBLICOS. ACUMULAÇÃO ILEGAL. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. NATUREZA TÉCNICA. COMPROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Esta Corte possui entendimento de que a acumulação ilegal de cargos públicos, expressamente vedada pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, protrai-se no tempo, podendo ser investigada a qualquer época, até porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso temporal, não havendo que se falar em decadência da pretensão da Administração.
2. A Constituição Federal estabelece como regra a impossibilidade da acumulação de cargos públicos, permitindo, excepcionalmente, apenas quando houver compatibilidade de horários, a acumulação de exercício de dois cargos de professor, de um cargo de professor com outro técnico ou científico, e de dois cargos privativos de profissionais de saúde, sendo certo que cargo técnico é aquele que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional. Precedentes.
3. Hipótese em que o impetrante não comprovou a natureza técnica do cargo exercido no Estado de Sergipe, sendo certo que, nas informações prestadas pela autoridade indicada como coatora, houve o registro de que não há na estrutura estatal referido cargo de auxiliar administrativo/jornalista, exercendo o impetrante o cargo de auxiliar administrativo, que não se trata de cargo técnico.
4. Agravo interno desprovido" (STJ, AgInt no RMS 44.511/SE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 30/10/2019).
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR APOSENTADO. REINGRESSO EM CARGO CIVIL. CUMULAÇÃO DE PROVENTOS. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA.
I - É firme o entendimento nesta Corte Superior no sentido de que não ocorre a decadência do direito da Administração Pública em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, uma vez que os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes: AgRg no REsp 1400398/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/02/2015; AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp. 498.224/ES, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 18.2.2015; AgInt no REsp 1344578/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 08/03/2017.
II - A questão controvertida foi decidida sob fundamento constitucional, transbordando os lindes específicos de cabimento do recurso especial.
(..)
V - Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no REsp 1.667.120/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/11/2017).
Ante o exposto, conheço, em parte, do Recurso Especial, e, nessa extensão, dou-lhe provimento, para afastar a decadência e restabelecer a sentença de improcedência da demanda.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.
Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques votaram com a Sra. Ministra Relatora.
RELATÓRIO
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Trata-se de Recurso Especial, interposto pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado:
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA. OCORRÊNCIA. JUSTIÇA GRATUITA. HIPOSSUFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA.
1. Apelações da parte autora e da UFPE contra sentença que julgou improcedente pedido formulado em ação ordinária, referente à anulação do ato administrativo da UFPE que cassou a aposentadoria do autor no cargo de técnico em laboratório, recebida desde 17/02/2003, considerando a cumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de comissário de polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (art. 85, §2º, CPC), com exigibilidade suspensa, em face da justiça gratuita.
2. Em suas razões, o autor argumenta sobre a ocorrência da prescrição, dado que a Administração não poderia cassar a sua aposentadoria em novembro de 2018, após o prazo de 5 anos expirar. Ressalta que deve ser observado o limite do prazo quinquenal, para a aplicação da punição de cassação de aposentadoria, requerendo seja concedida a Tutela de Urgência, pois se encontra em precariedade financeira, inclusive cancelando seu plano de saúde, dado que a remuneração oriunda da aposentadoria tem caráter alimentar.
3. Ao seu turno, a UFPE pugna pela revogação do benefício de justiça gratuita, argumentando que, embora a parte autora não tenha acostado remuneração atualizada do cargo de comissário de polícia, a pesquisa no Portal da Transparência de Pernambuco aponta que o valor dos proventos varia em média de R$ 7.000,00 a R$ 9.000,00, invalidando a declaração de hipossuficiência apresentada.
4. A vedação à acumulação de cargos é regra constitucional, excetuada apenas nas hipóteses do art. 37, XVI, da CF/1988, havendo compatibilidade de horário, para: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas. Ao seu turno, o § 10, do mesmo art. 37, da CF/1988 dispõe que "é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração."
5. In casu, conforme relatado, cuida-se de dois cargos públicos ocupados pelo autor quando em atividade (técnico em laboratório na UFPE e comissário de polícia no Estado), tendo se aposentado no primeiro em 2003 e no segundo em 2010. Consta que a primeira aposentadoria ainda permanece como "não validada" junto ao TCU, o qual, apenas em outubro de 2016 (Ofício 278-142/2016-TCU), informou à UFPE sobre a detectação da dita ilegalidade na acumulação, tendo, por esse motivo, instaurado processo administrativo que culminou, em 2018, com a aplicação da referida penalidade (cassação da aposentadoria concedida pelo Governo Federal em 2003).
6. O col. STF, no RE 636.553 (STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, em 19/02/2020 - Tema 445, repercussão geral), firmou a seguinte tese: "em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas".
7. Sobre o tema, esta eg. 2ª Turma já se pronunciou no sentido de que "O fato de a aposentadoria ser um ato complexo, só se aperfeiçoando com o registro no TCU, não permite concluir que o órgão de controle está autorizado a deixar sem definição por enorme lapso temporal a situação dos servidores que passam para a inatividade." (TRF5, 2ª T., PJE 0807836-20.2018.4.05.8201, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data de Assinatura: 12/12/2019)
8. Em que pese a referida acumulação não se enquadrar em nenhuma das exceções constitucionalmente asseguradas, restando configurada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria advindos de cargos inacumuláveis, exurge o entendimento de que restou extrapolado, e muito, prazo razoável para que ocorresse a formalização do ato complexo da aposentadoria, de maneira que a demora do TCU em se pronunciar sobre a aposentadoria obtida junto à Universidade (13 anos, considerando também documento constante dos autos indicando que o processo de concessão de aposentadoria da autora chegou na Corte de Contas em 2003 - Número de Controle no TCU 1-079290-2-04-2003-000117-1) não tem o condão de lastrear a atuação da Administração (UFPE), que decaiu do direito de rever o ato de aposentadoria, pois concedida desde 2003. No mesmo sentido: PJE 0801209-60.2014.4.05.8000, Rel. Des. Federal Leonardo Carvalho, Data da Assinatura: 26/02/2018.
9 . No tocante ao benefício da justiça gratuita, consta dos autos que o autor recebe mensalmente rendimentos advindos da sua aposentadoria junto à UFPE superiores a 5 (cinco) salários mínimos mensais, e não trouxe elementos (sequer informações) que corroborem o argumento de que se encontra em difícil situação financeira, não tendo em seu favor a presunção de ser desprovido de condições financeiras para arcar com os custos do processo sem prejudicar sua própria manutenção e a de sua família, de modo que não faz jus à concessão da referida benesse da justiça gratuita.
10. Apelação do autor provida, com o deferimento da tutela de urgência (uma vez presentes a plausibilidade do direito e o perigo da demora, diante da natureza alimentar da verba), para determinar a anulação do ato da cassação da aposentadoria e o retorno do requerente ao quadro de inativos do Governo Federal (UFPE). Inversão da sucumbência, com honorários advocatícios sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa (R$ 79.229,16).
11. Apelação da UFPE provida. Afastada a benesse da justiça gratuita concedida ao autor" (fls. 473/475e).
Ao referido acórdão foram opostos Embargos de Declaração, pela ora recorrente, que foram rejeitados, em acórdão assim ementado:
"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. VÍCIO. INEXISTÊNCIA.
1. Embargos de declaração opostos contra acórdão que deu provimento à apelação do autor, com o deferimento da tutela de urgência, para determinar a anulação do ato da cassação da aposentadoria e o retorno do requerente ao quadro de inativos do Governo Federal (UFPE), e deu provimento à apelação da UFPE, apenas para afastar a benesse da justiça gratuita concedida ao autor.
2. A UFPE, ora embargante, aduz que o julgado é omisso ao não considerar a não ocorrência da decadência (art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015), sem observar que a Universidade apenas tomou conhecimento da ilegalidade da acumulação de cargos/aposentadoria quando foi instada pelo TCU a apurar a situação de servidores que supostamente estariam em situação irregular de acumulação ilegal de cargos e empregos, com era a situação do investigado, conforme termos contido no Ofício 278-142/2016-TCU/SEFIP/Diaup, de 13/10/2016, tendo o prazo de 5 anos previsto no art. 142, I, da Lei 8.112/1990 sido rigorosamente observado. Aduz que também houve omissão quanto ao disposto no art. 114 da Lei 8.112/1990, dado que não prevalece a regra geral do art. 54, como preceitua o art. 69, da Lei 9.784/1999. Em adição, destaca que ainda não houve o julgamento da aposentadoria da parte autora, descabendo falar em decadência, conforme se verifica em pesquisa eletrônica ao sítio do TCU e que, no presente caso, se está diante de nulidade de ato administrativo, e não anulabilidade, motivo pelo qual não se opera a decadência administrativa, impondo-se a observância da Súmula 473 do STF, sob pena de infringência aos princípios da legalidade e moralidade, insculpidos no art. 37 da CF/1988.
3. O art. 1.022 do NCPC prevê o cabimento dos embargos de declaração para esclarecer obscuridade ou eliminar contradição (inc. I); suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento (inc. II) e para corrigir erro material (inc. III).
4. No caso dos autos, não se vislumbra a ocorrência dos vícios apontados pela embargante.
5. Pela simples leitura do acórdão embargado, observa-se que a recorrente não pretende o suprimento de qualquer vício, buscando, sob a alegativa de omissão, apenas a rediscussão do julgado que lhe foi desfavorável.
6. Ademais, a omissão só se caracteriza, no que tange ao enfrentamento dos dispositivos de lei, quando a parte demonstra que, caso tivessem estes sido abordados, o resultado da demanda seria outro, circunstância que, no caso, não ocorreu, limitando-se a embargante a pedir o pronunciamento do julgado.
7. Embargos de declaração desprovidos" (fl. 546e).
Ainda inconformada, nas razões do Recurso Especial, interposto com base no art. 105, III, a, da Constituição Federal, a UFPE sustenta violação aos arts. 37, XVI, b, da Constituição Federal e 53 e 54 da Lei 9.784/99, consoante os seguintes excertos, in verbis:
"3.1. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. ATO NULO. INAPLICABILIDADE DO ART. 54 DA LEI 9.784/99 AO CASO DOS AUTOS. VIOLAÇÃO AO ART. 53 DA LEI 9.784/99.
Em cumprimento a determinação do TCU de apurar a situação de servidores que supostamente estariam em situação irregular de acumulação ilegal de cargos e empregos, com era a situação do recorrido, a UFPE apenas tomou conhecimento da ilegalidade da acumulação de cargos/aposentadoria quando foi instada pelo mesmo, conforme contido no Ofício 278-142/2016-TCU/SEFIP/Diaup, de 13.10.2016., expedindo a comunicação abaixo:
(..)
Em decorrência, a mesma ajuizou ação visando à continuidade da percepção dos proventos de aposentadoria do cargo de técnico em laboratório e a de comissário de polícia do Estado de Pernambuco.
(..)
Com a devida vênia, tratando-se de acumulação ilegal e inconstitucional de cargos públicos, não se aplica o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99, pois se trata de ato nulo.
A decadência exige para sua configuração a pratica de um ato administrativo perfeito e acabado, o que não ocorre no caso dos autos.
Com efeito, o ato nulo é aquele que é incapaz de ser convalidado pelo tempo. Nesse sentido, dispõe o art.169, do Código Civil Brasileiro, que "O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo".
Assim, a nulidade do ato pode ser alegada por qualquer interessado, a qualquer tempo, pois sendo um ato inválido desde a sua constituição, entende-se que o mesmo pode ser questionado a qualquer tempo.
(..)
No caso em tela, como o cargo exercido junto ao Estado de Pernambuco - comissário de polícia não é técnico, inclusive reconhecido pelo acórdão recorrido, tal acumulação fere o art. 37, XVI, b, da Constituição Federal:
(..)
A distinção entre os atos administrativos nulos e anuláveis, cabe lembrar, que quanto aos primeiros, estabelece o art.53 da Lei 9.784/99 que:
"Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.
Este entendimento, inclusive, está em consonância com a Súmula 473 do STF que estabelece que "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
(..)
Assim sendo, permanecendo a acumulação ilegal e constitucional, pois o cargo de Comissário de Polícia não é passível de acumulação porque não se enquadra na definição de cargo técnico ou científico pois não exige conhecimento específico em área de atuação profissional, não se exigindo do servidor habilitação específica ou profissionalizante. Ao determinar a opção, a Administração está agindo em consonância com o princípio da autotutela, positivado no art. 114 da Lei n.º 8.112/90.
Como se sabe, o ato nulo, ou seja, aquele praticado ao arrepio do que estabelece a legislação, não é convalidável, haja vista que a sua convalidação implicaria em afronta ao princípio da legalidade, positivado no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Frise-se, por oportuno, que a argumentação da parte autora está baseada no que dispõe o art. 54 da Lei nº 9.784/99, que disciplina o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Porém, tal norma não há que ser aplicada ao presente, mas sim o art.53 da Lei 9.784/99 acima citado, bem como o art.114 da Lei 8.112/90, in verbis:
"Art. 114. A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade."
(..)
Depreende-se do exposto, que o legislador não impôs muitas formalidades na revisão de atos eivados de vícios, como ocorre no presente caso, posto que a revisão é uma consequência lógica e inafastável de sua formação ilegítima, até porque qualquer relação estabelecida somente é válida se for lícita, e quando for concretizada em consonância com as normas vigentes, o que não ocorre no caso presente.
(..)
Realmente, a jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de que não há que se falar em direito subjetivo à manutenção dos efeitos de ato administrativo, se praticado em desconformidade com a lei, sendo, para tal, irrelevante ainda o tempo decorrido (RE nº 136.236-SP, rel. Min. ILMAR GALVÃO, in RTJ 146/658).
(..)
Vê-se assim que não há que se falar em decadência, por se tratar de ato nulo, até porque, no âmbito do regime jurídico dos servidores públicos federais, a teor do artigo 114 da Lei nº 8.112/90, regra especial, quer os atos sejam nulos, ou anuláveis, não há que se cogitar de qualquer prazo para o exercício da autotutela administrativa, corolário do princípio constitucional da legalidade (art. 37, caput, do Texto Básico), não incidindo a norma do artigo 54, da Lei nº 9.784/99. O artigo 54 da Lei nº 9.784/99 apenas teria derrogado o artigo 114 da Lei nº 8.112/90, quanto aos atos anuláveis, restando íntegro quanto aos nulos, como reflexo do preceito constitucional epigrafado, bem como do § 5º do art. 37, da Carta Magna, que estatui a imprescritibilidade, quanto às ações envolvendo os atos nulos que vulnerem o patrimônio público (STJ, REsp 328391, DJ 2/12/02; STJ, REsp 403153, DJ 20/10/03).
3.2. DA NÃO INCIDENCIA DA LEI Nº 9.784/1999 SOBRE OS ATOS DE CONTROLE EXTERNO A CARGO DO TCU.
Acerca de eventual discussão sobre a incidência da Lei nº 9.784/1999 sobre os atos de controle externo a cargo do Tribunal de Contas da União, deve-se ressaltar que a natureza do ato de julgamento de contas não é administrativa típica, mas inerente à competência constitucional de controle externo. Portanto, tais atos não se confundem e, por isso, regem-se por institutos distintos.
Por meio da Decisão nº 1.020/2000-TCU-Plenário, firmou-se o entendimento no âmbito da Corte de Contas de que a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo na esfera da Administração Pública Federal, não tem aplicação obrigatória sobre os processos da competência deste Tribunal de Contas, definida pelo artigo 71 da Constituição Federal, ou seja, nos processos em que o TCU pratica, com exclusividade, atos de controle externo.
De acordo com a tese abraçada na mencionada decisão, a processualística própria de controle externo, que abrange instrumentos como exame de contas, denúncia, representação, auditoria e outras formas de defesa do interesse público, culmina em decisões de controle externo passíveis de recursos especiais, consoante dispõe a Lei n. 8.443/92 no caso do TCU, de modo que, tão-somente por argumentação, ainda que esse processo de natureza especial fosse considerado administrativo - embora não o seja - contaria com a excepcionalidade decretada pelo artigo 69 da Lei n. 9.784/99, segundo o qual "Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei." Convém destacar, nesse sentido, que o Plenário do STF, por unanimidade, prolatou decisão em que reafirmou a inaplicabilidade do instituto da decadência do art. 54 da Lei nº 9.784/1999 aos processos de controle externo do TCU. Trata-se do MS 24.859-DF, da relatoria do Ministro Carlos Velloso, impetrado contra decisum da Corte de Contas que considerou ilegal ato de concessão de pensão civil em favor da impetrante e determinou ao órgão de origem a suspensão do pagamento do benefício, conforme se depreende da ementa abaixo transcrita, verbis:
(..)
Ademais, convém destacar que, no caso em apresso, o ato analisado foi de aposentadoria, considerado ato administrativo complexo, necessitando, para completude, aprovação do Tribunal de Contas da União.
Deste modo, segundo a interpretação do E. Superior Tribunal de Justiça, o prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99 só se inicia após o controle exercido pelo TCU, conforme se extrai dos seguintes julgados:
(..)
No caso dos autos, ainda não houve o julgamento da aposentadoria da parte autora, descabendo falar em decadência, é o que se infere da pesquisa eletrônica ao sítio do TCU, nesses termos:
Verifica-se ainda que, no presente caso, se está diante de nulidade de ato administrativo, e não anulabilidade, motivo pelo qual não se opera a decadência administrativa.
(..)
Com efeito, é isento de dúvidas o direito de a autarquia federal proceder à invalidação, ainda que sem efeitos retroativos, de um ato administrativo fulminado de vício insanável. Não se fala aqui, de direito adquirido. Trata-se, na verdade, de invalidação de ato administrativo praticado em desconformidade com o ordenamento, ou seja, de anulação.
Ademais, verifica-se que se trata do pagamento de prestações contínuas, caracterizando uma relação de trato sucessivo. Assim, não há que se falar em decadência, pois um ato ilícito não pode ser juridicamente perfeito, nem tem o condão de gerar direitos.
(..)
Destarte, a aplicação da teoria da decadência administrativa importa em obrigar a Administração a continuar a efetuar o pagamento sem nenhum suporte em lei, às vezes até indefinidamente, o que, a toda evidência, infringe os princípios da legalidade e moralidade, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal" (fls. 571/585e).
Por fim, requer que o Recurso Especial "seja recebido e devidamente processado, a fim de que lhe seja dado provimento em razão de o acórdão recorrido ter negado vigência a dispositivos de lei federal acima dispostos, determinando- se, por conseguinte, a sua reforma, e inversão do ônus da sucumbência" (fl. 585e).
Contrarrazões, a fls. 592/603e, pelo improvimento do recurso.
O Recurso Especial foi admitido, pelo Tribunal de origem, a fl. 605e.
Parecer do Ministério Público Federal, a fls. 624/633e, pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de Técnico em Laboratório, recebida desde 17/02/2003, considerando a acumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de Comissário de Polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. A sentença de improcedência do pedido foi reformada, pelo Tribunal a quo, ao fundamento de existência, na espécie, de decadência administrativa, na forma do art. 54, § 1º, da Lei 9.784/99, ensejando a interposição do presente Recurso Especial.
III. Em relação à alegada ofensa ao art. 37 da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102), não se conhecendo do recurso, quanto ao ponto.
IV. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos para anulá-lo, a contar da vigência do aludido diploma legal. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência. Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016; AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012.
V. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021). Ou seja, entendeu o STF que, em regra, aplica-se ao Tribunal de Contas o art. 54 da Lei 9.784/99.
VI. Todavia, na hipótese dos autos trata-se de acumulação inconstitucional de cargos públicos. Em hipóteses tais, isto é, de situações flagrantemente inconstitucionais, o STF já se posicionou no sentido de que não há falar em prazo decadencial, não se aplicando o art. 54 da Lei 9.784/99: "A orientação jurisprudencial desta SUPREMA CORTE firmou-se no sentido de que o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 não alcança situações flagrantemente inconstitucionais, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal" (STF, MS 29.025/DF, Rel. p/ acórdão Ministro ALEXANDRE DE MORAES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/04/2021); "Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a revisão de atos flagrantemente inconstitucionais não está sujeita a prazo decadencial" (STF, AgRg no RE 1.281.817/RJ, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/11/2020); "As situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão dos princípios, das regras e dos preceitos previstos na Constituição Federal de 1988" (STF, RE 817.338/DF - Repercussão Geral, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 31/07/2020).
VII. De igual modo, em hipóteses como a dos autos, esta Corte tem-se posicionado no sentido de que "não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/08/2021). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021; AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020.
VIII. Recurso Especial conhecido, em parte, e, nessa extensão, provido.
VOTO
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES (Relatora): Na origem, trata-se de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de Técnico em Laboratório, recebida desde 17/02/2003, considerando a acumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de Comissário de Polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010.
Para tanto, sustentou que:
"O REQUERENTE é funcionário público da Universidade Federal de Pernambuco, no cargo de Técnico de Laboratório SIAPE nº 1.133.091, aposentado pela portaria de pessoal nº 223 datada de 14 de janeiro de 2003, onde consta a determinação judicial. (Doc. 03). Quando surpreendentemente foi notificado pelo ofício nº 198/2017 da Comissão de Acumulação de Cargos e Empregos, notificando acumulação de empregos Público, gerando o Processo Administrativo Disciplinar Nº 23076.000137/2018-13 (Doc. 04). Instituído pela Portaria de Pessoal de nº 1.260, de 03 de abril de 2018.
O REQUERENTE efetivou a sua defesa prévia em 04 de janeiro de 2018, (Doc. 05), pugnando pela afirmativa que a sua função seria de natureza técnica científica.
O REQUERENTE, em 19 de junho de 2018, requereu outra defesa em PAD, alegando mais uma vez, a Segurança Jurídica contida no art. 2º da Lei 9.784/99. Anexando comprovante de imposto de renda de 2004 e 2017 onde declara as fontes pagadoras UFPE e GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO, (Doc. 06 e 07). Comprovando a boa fé. Exigido no art. 54 da Lei 9.784/99, E nos artigos 142 e 143 da Lei 8.112/90. O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido. O Delegado da Receita Federal, com a declaração de Imposto de Renda em 2004 do requerente, ficou ciente da acumulação, conforme o art. 142 § 1º da Lei 8.112/90. E consequentemente deveria agir como determina o art. 143 § 3º do mesmo diploma Legal. Não o fazendo, incidiu na Prescrição. Conforme decisão no Mandado de Segurança Nº 20.162 - Distrito Federal (2013/0141114-0). Constante na Defesa Previa. (in verbis).
(..)
O REQUERENTE foi notificado pela Diretoria de Gestão de Pessoal / PROGEPE, através do ofício nº 218/2018-DGP, datado de 29 de agosto de 2018, onde encaminha, para o requerente, relatório final do processo nº 23076.000137/2018-13, onde conclui que seja cassada a aposentadoria, já encaminhado para sustar o salário, conforme despacho da Pro-Reitora de Gestão de Pessoal e Qualidade de Vida a Srª Sônia Maria M. de Menezes. (Doc. 08).
(..)
O REQUERENTE tempestivamente ingressa com um pedido de reconsideração, lastreado no art. 108 da Lei 8.112/90. (Doc. 09). E em 23 de novembro de 2018, o requerente é notificado via postal, comunicando que foi providenciada a suspensão dos proventos de sua aposentadoria na UFPE, a partir de 01/11/2018. (Doc. 10).
O REQUERENTE solicitou consulta a Ouvidoria do Tribunal de Contas da União, na demanda TCU nº 308898, (in verbis), onde foi esclarecido no que concerne o artigo 142 inciso I da Lei 8.112/90, da prescrição, que "é contado da data da prática, em atividade, do ato irregular, e não da concessão do benefício previdenciário". Ou seja, a data de ingresso como servidor no Estado de Pernambuco, em que a sua admissão foi em 05/02/1985. (Doc. 09). A Administração Pública Federal, teria que demitir o servidor até o mês de fevereiro de 1990, e não (28) vinte e oito anos depois, cassar a sua aposentadoria.
(..)
Desta forma, mediante os fatos narrados, o REQUERENTE foi surpreendido com a sua cassação de aposentadoria, sem a observância dos fatos narrados na defesa no devido processo legal e ampla defesa.
As alegações da REQUERIDA justificam, no seu relatório na parte da análise e conclusão, em ignorar o inciso I § Iº do art. 142 e o 143 da Lei 8.112/90, alegando, erroneamente, que o prazo de prescrição ou decadência, começa quando a administração tomou ciência da acumulação, nos termos contido no ofício nº 278-142/2016-TCU/SEFIP/Diaup. de 13/10/2016. Afirmando que não há no que falar em prescrição nas condições apresentada na peça de defesa, motivo pelo qual a comissão não acolhe a tese jurídica do contestante. O REQUERENTE esclarece que os prazos prescricionais e decadenciais começaram em 2004 com a declaração do imposto de renda constante na defesa protocolada em 19/06/18. Não sendo analisado, que a aposentadoria do requerente, foi por uma decisão judicial determinando a sua aposentadoria na Justiça Federal de 1ª Instância, 6ª Vara Processo de nº 99.8145-5. Determinando ao INSS que conceda a Certidão da contagem do tempo de serviço para a aposentadoria, com a conversão insalubre, e determinando a UFPE a devida averbação para a aposentadoria (grifei)" (fls. 6/12e).
Em 1º Grau, o pedido foi julgado improcedente. No que diz respeito à decadência, entendeu o Magistrado "que ela não se aplica ao caso concreto, uma vez que se trata de revisão de aposentadoria (ato complexo) promovida pelo TCU à luz da acumulação indevida de cargos públicos. Com efeito, uma vez que o pedido de aposentadoria do autor ainda não teve seu julgamento concluído pelo TCU, é descabido aplicar a Lei 9.784/99 para contagem do prazo decadencial" (fl. 373e).
A UFPE apelou da sentença, requerendo a revogação do benefício de gratuidade de justiça deferido ao autor, sendo provido o ser recurso.
O autor também recorreu, destacando a impossibilidade de a sua aposentadoria ser cassada em 2018, após o decurso do prazo de cinco anos.
O Tribunal de origem reformou a sentença, dando provimento ao recurso do autor, firme nos seguintes fundamentos:
"O cerne da controvérsia a ser dirimida diz respeito à cassação de aposentadoria (no cargo de técnico em laboratório de Universidade) cuja cumulação com outra aposentadoria (no cargo de comissário de polícia) considera-se indevida.
A vedação à acumulação de cargos é regra constitucional, excetuada apenas nas hipóteses do art. 37, XVI, da CF/1988, havendo compatibilidade de horário, para: a) dois cargos de professor; b) um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas.
Ao seu turno, o § 10, do mesmo art. 37, da CF/1988 dispõe que "é vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração."
In casu, conforme relatado, cuida-se de dois cargos públicos ocupados pelo autor quando em atividade (técnico em laboratório na UFPE e comissário de polícia no Estado), tendo se aposentado no primeiro em 2003 e no segundo em 2010. Consta que a primeira aposentadoria ainda permanece como "não validada" junto ao TCU, o qual, apenas em outubro de 2016 (Ofício 278-142/2016-TCU), informou à UFPE sobre a detectação da dita ilegalidade na acumulação, tendo, por esse motivo, instaurado processo administrativo que culminou, em 2018, com a aplicação da referida penalidade (cassação da aposentadoria concedida pelo Governo Federal em 2003).
O col. STF, no RE 636.553 (STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Gilmar Mendes, em 19/02/2020 - Tema 445, repercussão geral), firmou a seguinte tese: "em atenção aos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, os Tribunais de Contas estão sujeitos ao prazo de 5 anos para o julgamento da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma ou pensão, a contar da chegada do processo à respectiva Corte de Contas".
Sobre o tema, esta eg. 2ª Turma já se pronunciou no sentido de que "O fato de a aposentadoria ser um ato complexo, só se aperfeiçoando com o registro no TCU, não permite concluir que o órgão de controle está autorizado a deixar sem definição por enorme lapso temporal a situação dos servidores que passam para a inatividade." (TRF5, 2ª T., PJE 0807836-20.2018.4.05.8201, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, Data de Assinatura: 12/12/2019).
Em que pese a referida acumulação não se enquadrar em nenhuma das exceções constitucionalmente asseguradas, restando configurada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria advindos de cargos inacumuláveis, exurge o entendimento de que restou extrapolado, e muito, prazo razoável para que ocorresse a formalização do ato complexo da aposentadoria, de maneira que a demora do TCU em se pronunciar sobre a aposentadoria obtida junto à Universidade (13 anos, considerando também documento constante dos autos indicando que o processo de concessão de aposentadoria da autora chegou na Corte de Contas em 2003 - Número de Controle no TCU 1-079290-2-04-2003-000117-1) não tem o condão de lastrear a atuação da Administração (UFPE), que decaiu do direito de rever o ato de aposentadoria, pois concedida desde 2003. No mesmo sentido: PJE 0801209-60.2014.4.05.8000, Rel. Des. Federal Leonardo Carvalho, Data da Assinatura: 26/02/2018" (fls. 471/472e).
De início, em relação à alegada ofensa ao art. 37, XVI, b, da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102).
Por outro lado, a eventual existência, no acórdão recorrido, de fundamentos constitucionais, não é óbice ao conhecimento do presente Recurso Especial, "tendo em vista que a decadência é matéria prejudicial às demais questões de mérito presentes no acórdão regional" (STJ, AgInt no REsp 1.551.126/RN, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 17/08/2021).
Também não é o caso de revolvimento de provas dos autos e encontra-se prequestionada a tese referente aos dispositivos vinculados ao cerne da controvérsia.
Assim, firmados os limites de conhecimento do apelo nobre, passa-se à análise da questão de fundo.
Com efeito, a questão a ser apreciada gira em torno do prazo decadencial para que a Administração reveja a acumulação irregular de proventos, em face do que prevê o art. 54 da Lei 9.784/99:
"Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1º No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato."
Em relação à concessão de aposentadoria aos servidores públicos, não se discute que a decisão final deve, necessariamente, por disposição constitucional (art. 71, III, da CF/88), passar pelo crivo do Tribunal de Contas correspondente ao ente federativo ao qual o servidor é vinculado, que decidirá pela legalidade ou não do ato praticado, tanto que este Tribunal perfilha o entendimento de que o ato de concessão de aposentadoria é complexo, que só se perfectibiliza com o exame pelo Tribunal de Contas (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021).
Com efeito, não se discute que a Administração Pública pode e deve utilizar de seu poder de auto-tutela, que lhe possibilita anular seus próprios atos administrativos, quando eivados de nulidades, no zelo pelo erário e pela lisura dos procedimentos administrativos. É nesse sentido o entendimento consagrado na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal:
"A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos: ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todas os casos, a apreciação judicial."
É certo que esta Corte, há tempos, pacificou o entendimento no sentido de que, anteriormente ao advento da Lei 9.784/99, a Administração podia rever, a qualquer tempo, seus próprios atos, quando eivados de nulidade, nos moldes do disposto no art. 114 da Lei 8.112/90 e na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal. Todavia, com o advento da Lei 9.784/99, o prazo decadencial para tal revisão somente poderia ser contado a partir de janeiro de 1999, para os atos praticados antes da Lei. 9.784/99, sob pena de se conceder efeito retroativo à referida Lei.
A propósito:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. MODIFICAÇÃO DO CÁLCULO DE HORAS-EXTRAS. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. TERMO A QUO. VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
I. É firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos, a contar da vigência do aludido diploma legal, para anulá-lo. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência.
II. Na hipótese dos autos, as horas-extras eram atualizadas com base na aplicação contínua e automática de percentuais incidentes sobre todas as parcelas remuneratórias dos servidores, por força de decisão judicial transitada em julgado em 1995, de modo que o prazo decadencial somente teve início em 29 de janeiro de 1999, encerrando-se em 29 de janeiro de 2004. Todavia, o ato administrativo do Tribunal de Contas da União, que determinou que o pagamento das horas-extras fosse efetuado em valores nominais, decorre do Acórdão TCU 2.161/2005, e o processo de revisão administrativa ocorreu em 2008, ou seja, ambos após o decurso do prazo decadencial de cinco anos, contados da entrada em vigor da mencionada Lei. Assim, é inequívoca a consumação da decadência. Nesse sentido, em casos análogos: STJ, AgRg no REsp 1.551.065/RN, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 29/09/2015; AgRg no REsp 1.499.126/RN, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 20/02/2015; EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 1.285.268/RN, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/04/2013.
III. Agravo Regimental improvido" (STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016).
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. MODIFICAÇÃO DO CÁLCULO DE HORAS EXTRAS. REVISÃO. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA CONFIGURADA. ART. 54 DA LEI 9.784/99. TERMO A QUO. VIGÊNCIA DA LEI.
1. Consolidou-se nesta Corte o entendimento de que o prazo decadencial previsto no artigo 54 da Lei 9.784/99, quanto aos atos administrativos anteriores à sua promulgação, inicia-se a partir da data de sua entrada em vigor, ou seja, na data de sua publicação, em 1.2.99. Precedentes: AgRg no REsp. 1.314.843/RN, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 15.6.12; AgRg no REsp. 1.257.473/RS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 23.3.12; AgRg no REsp. 1.166.120/SC, Rel. Min.Laurita Vaz, DJe 16.8.11; AgRg no Ag.1.116.887/RJ, Rel. Min. Maria Tereza de Assis Moura, DJe 15.8.11; AgRg no Ag 1.342.657/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 18.04.11; AgRg no Ag 1.297.588/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 1.7.10.
2. No caso em análise, a Administração já procedia ao pagamento das horas extras normalmente corrigidas desde, no mínimo, outubro de 1997, de modo que o prazo decadencial somente teve início em 1.2.99 (entrada em vigor da Lei 9.784/99), encerrando-se em 1.2.04. Assim, iniciado o procedimento administrativo e prolatado o Acórdão do TCU em 2005, deve-se reconhecer a ocorrência da decadência.
3. Agravo regimental não provido" (STJ, AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012).
Por sua vez, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021). Ou seja, o STF entendeu que, em regra, aplica-se ao Tribunal de Contas o art. 54 da Lei 9.784/99.
Ou seja, apesar da faculdade que tem a Administração Pública de invalidar as atividades ilegítimas do Poder Público, deve-se preservar a estabilidade das situações jurídicas firmadas, respeitando-se os direitos adquiridos e incorporados ao patrimônio material e moral do particular, princípios que, inclusive, são inerentes ao referido art. 54 da Lei 9.784/99.
Todavia, no caso em comento há particularidade a ser observada.
Com efeito, na hipótese dos autos trata-se de acumulação inconstitucional de cargos públicos. Em hipóteses tais, isto é, de situações flagrantemente inconstitucionais, o STF já se posicionou no sentido de que não há falar em prazo decadencial, não se aplicando o art. 54 da Lei 9.784/99.
A propósito:
"CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. REMOÇÃO DE SERVENTIA SEM CONCURSO PÚBLICO APÓS 1988. DECISÃO DO CNJ INCLUINDO A SERVENTIA INDEVIDAMENTE OCUPADA NA LISTA DE VACÂNCIAS. DECADÊNCIA AFASTADA. SITUAÇÃO INCONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE DIREITO À DELEGAÇÃO VAGA DECIDIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA AUTÔNOMO. PERDA DO OBJETO. MANDADO DE SEGURANÇA PREJUDICADO.
1. A orientação jurisprudencial desta SUPREMA CORTE firmou-se no sentido de que o prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 não alcança situações flagrantemente inconstitucionais, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. Precedentes.
2. As Serventias envolvidas na controvérsia trazidas nestes autos também foram alvos de discussão no Mandado de Segurança 28.245 (rel. min. MARCO AURÉLIO), de modo que o julgamento definitivo daquele "writ", por esta CORTE, levou à perda do objeto da presente demanda.
3. O trânsito em julgado do MS 28.245 fez com que se estabilizassem as determinações proferidas pelo CNJ no PCA 200910000001130, consubstanciadas no reconhecimento da irregularidade da remoção e na determinação de retorno do ora impetrante à Serventia de origem.
4. Não há mais se discutir, nestes autos, (i) a situação do 3º Tabelionato de Notas de Maringá, porque não guarda mais nenhuma relação com o ora impetrante, diante do reconhecimento da irregularidade na remoção e consequente retorno à serventia de origem; (ii) a inclusão do Cartório de Ivatuba na lista de Serventias vagas, pois o próprio CNJ já determinou a sua ocupação pelo ora impetrante.
5. Mandado de Segurança prejudicado" (STF, MS 29.025/DF, Rel. p/ acórdão Ministro ALEXANDRE DE MORAES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/04/2021).
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. ACUMULAÇÃO DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA DE TRÊS CARGOS PÚBLICOS. INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA REVISAR ATOS FLAGRANTEMENTE INCONSTITUCIONAIS. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I - Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a revisão de atos flagrantemente inconstitucionais não está sujeita a prazo decadencial.
II - Agravo regimental a que se nega provimento" (STF, AgRg no RE 1.281.817/RJ, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/11/2020).
"Direito Constitucional. Repercussão geral. Direito Administrativo. Anistia política. Revisão. Exercício de autotutela da administração pública. Decadência. Não ocorrência. Procedimento administrativo com devido processo legal. Ato flagrantemente inconstitucional. Violação do art. 8º do ADCT. Não comprovação de ato com motivação exclusivamente política. Inexistência de inobservância do princípio da segurança jurídica. Recursos extraordinários providos, com fixação de tese.
1. A Constituição Federal de 1988, no art. 8º do ADCT, assim como os diplomas que versam sobre a anistia, não contempla aqueles militares que não foram vítimas de punição, demissão, afastamento de suas atividades profissionais por atos de motivação política, a exemplo dos cabos da Aeronáutica que foram licenciados com fundamento na legislação disciplinar ordinária por alcançarem o tempo legal de serviço militar (Portaria nº 1.104-GM3/64).
2. O decurso do lapso temporal de 5 (cinco) anos não é causa impeditiva bastante para inibir a Administração Pública de revisar determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final da cabeça do art. 54 da Lei nº 9.784/99 autoriza a anulação do ato a qualquer tempo, uma vez demonstrada, no âmbito do procedimento administrativo, com observância do devido processo legal, a má-fé do beneficiário.
3. As situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão dos princípios, das regras e dos preceitos previstos na Constituição Federal de 1988. Precedentes.
4. Recursos extraordinários providos.
5. Fixou-se a seguinte tese: "No exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria nº 1.104, editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica, em 12 de outubro de 1964 quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas"" (STF, RE 817.338/DF - Repercussão Geral, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 31/07/2020).
De igual modo, "esta Corte possui entendimento de que a acumulação ilegal de cargos públicos, expressamente vedada pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, protrai-se no tempo, podendo ser investigada a qualquer época, até porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso temporal, não havendo que se falar em decadência da pretensão da Administração" (STJ, AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020).
A propósito:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CUMULAÇÃO DE CARGOS. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Não ocorre a decadência do direito da Administração Pública em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, uma vez que os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo.
2. Agravo Interno não provido" (STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021).
"ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA. ACUMULAÇÃO ILEGAL DE CARGOS PÚBLICOS. ATO INCONSTITUCIONAL QUE NÃO SE CONVALIDA COM O TEMPO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. VERBA HONORÁRIA EXCESSIVA. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Inexiste contrariedade ao art. 535 do CPC/1973, quando a Corte local decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu exame. Ademais, não se deve confundir decisão contrária aos interesses da parte com ausência de prestação jurisdicional.
2. O entendimento externado pela Corte de origem está em harmonia com a orientação do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes.
3. Em igual sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, no que tange à cumulação dos vencimentos de dois cargos públicos de médico com proventos de aposentadoria de outro cargo da mesma especialidade, firmou a orientação no sentido de que "o art. 11 da EC 20/98 apenas assegura a manutenção do recebimento de um provento com um vencimento de cargos não acumuláveis, no caso em que o servidor tenha retornado ao serviço público antes da sua edição. Ao não mencionar a possibilidade de cumulação de dois proventos de aposentadorias decorrentes dos referidos cargos não acumuláveis, entende-se que o Constituinte manteve a compreensão de que não se podem cumular duas aposentadorias em dois cargos que, de acordo com a Constituição de 1988, não são cumuláveis. Precedentes do STF" (AgInt nos EDcl na AR 6.055/ES, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 14/10/2019). Precedentes.
4. Quanto à alegação do valor excessivo dos honorários de advogados, aplica-se o enunciado de Súmula 7 do STJ, visto que "o Tribunal de origem não deixou delineadas, no acórdão recorrido, especificamente em relação ao caso concreto, todas as circunstâncias previstas nas alíneas a, b e c do § 3º do art. 20 do CPC/1973, ou seja, a) o grau de zelo do profissional; b)o lugar de prestação do serviço; c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. Por outro lado, não foram opostos Embargos de Declaração, em 2º Grau, para provocar o Tribunal a quo sobre o assunto. Nesse contexto, incidem na espécie as Súmulas 7/STJ e 389/STF" (AgInt no AREsp 1.163.957/SP, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 12/12/2017).
5. Agravo interno a que se nega provimento" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/08/2021).
"ADMINISTRATIVO. CARGOS PÚBLICOS. ACUMULAÇÃO ILEGAL. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. NATUREZA TÉCNICA. COMPROVAÇÃO. INOCORRÊNCIA.
1. Esta Corte possui entendimento de que a acumulação ilegal de cargos públicos, expressamente vedada pelo art. 37, XVI, da Constituição Federal, protrai-se no tempo, podendo ser investigada a qualquer época, até porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso temporal, não havendo que se falar em decadência da pretensão da Administração.
2. A Constituição Federal estabelece como regra a impossibilidade da acumulação de cargos públicos, permitindo, excepcionalmente, apenas quando houver compatibilidade de horários, a acumulação de exercício de dois cargos de professor, de um cargo de professor com outro técnico ou científico, e de dois cargos privativos de profissionais de saúde, sendo certo que cargo técnico é aquele que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional. Precedentes.
3. Hipótese em que o impetrante não comprovou a natureza técnica do cargo exercido no Estado de Sergipe, sendo certo que, nas informações prestadas pela autoridade indicada como coatora, houve o registro de que não há na estrutura estatal referido cargo de auxiliar administrativo/jornalista, exercendo o impetrante o cargo de auxiliar administrativo, que não se trata de cargo técnico.
4. Agravo interno desprovido" (STJ, AgInt no RMS 44.511/SE, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 30/10/2019).
"ADMINISTRATIVO. SERVIDOR APOSENTADO. REINGRESSO EM CARGO CIVIL. CUMULAÇÃO DE PROVENTOS. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA.
I - É firme o entendimento nesta Corte Superior no sentido de que não ocorre a decadência do direito da Administração Pública em adotar procedimento para equacionar ilegal acumulação de cargos públicos, uma vez que os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes: AgRg no REsp 1400398/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/12/2014, DJe 03/02/2015; AgRg nos EDcl no AgRg no AREsp. 498.224/ES, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 18.2.2015; AgInt no REsp 1344578/SE, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/02/2017, DJe 08/03/2017.
II - A questão controvertida foi decidida sob fundamento constitucional, transbordando os lindes específicos de cabimento do recurso especial.
(..)
V - Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no REsp 1.667.120/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 10/11/2017).
Ante o exposto, conheço, em parte, do Recurso Especial, e, nessa extensão, dou-lhe provimento, para afastar a decadência e restabelecer a sentença de improcedência da demanda.
É como voto. | EMENTA
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37 DA CF/88. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, NA VIA RECURSAL ELEITA. ACUMULAÇÃO INCONSTITUCIONAL DE CARGOS PÚBLICOS. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADA, NO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de técnico em laboratório - recebida desde 17/02/2003 -, considerando a cumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de comissário de polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. A sentença de improcedência do pedido foi reformada, pelo Tribunal a quo, em face da existência, na espécie, de decadência administrativa, na forma do art. 54, § 1º, da Lei 9.784/99, ensejando a interposição do presente Recurso Especial, pelas alíneas a e c do permissivo constitucional.
III. Em relação à alegada ofensa ao art. 37 da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais, nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102), não se conhecendo do recurso, quanto ao ponto.
IV. Não se olvida que é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos para anulá-lo, a contar da vigência do aludido diploma legal. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência. A propósito: STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016; AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012.
V. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021).
VI. Além disso, "o termo inicial do prazo de decadência para Administração rever o ato de aposentadoria de servidor se dá com a concessão do próprio ato, estando ela sujeita ao prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, quando a revisão se dá sem determinação do órgão fiscalizador de Contas (TCU)" (STJ, AgInt no REsp 1.591.422/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 1º/10/2021).
VII. Todavia, em hipóteses como a dos autos, esta Corte tem-se posicionado no sentido de que "não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/08/2021). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021; AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020.
VIII. Recurso Especial conhecido, em parte, e, nessa extensão, provido. | ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ART. 37 DA CF/88. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO, NA VIA RECURSAL ELEITA. ACUMULAÇÃO INCONSTITUCIONAL DE CARGOS PÚBLICOS. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. DECADÊNCIA ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADA, NO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO, E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO. | I. Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.
II. Trata-se, na origem, de demanda proposta por Marcos Antônio Alves de Araújo contra a Universidade Federal de Pernambuco, objetivando a anulação do ato administrativo da requerida que cassara sua aposentadoria no cargo de técnico em laboratório - recebida desde 17/02/2003 -, considerando a cumulação indevida com sua aposentadoria no cargo de comissário de polícia do Estado de Pernambuco, recebida desde 29/04/2010. A sentença de improcedência do pedido foi reformada, pelo Tribunal a quo, em face da existência, na espécie, de decadência administrativa, na forma do art. 54, § 1º, da Lei 9.784/99, ensejando a interposição do presente Recurso Especial, pelas alíneas a e c do permissivo constitucional.
III. Em relação à alegada ofensa ao art. 37 da Constituição Federal, descabe a análise de contrariedade a dispositivos constitucionais, nesta via recursal, cuja competência é atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102), não se conhecendo do recurso, quanto ao ponto.
IV. Não se olvida que é firme o entendimento desta Corte no sentido de que, caso o ato administrativo, acoimado de ilegalidade, tenha sido praticado antes da promulgação da Lei 9.784/99, a Administração tem o prazo decadencial de cinco anos para anulá-lo, a contar da vigência do aludido diploma legal. Se o ato tido por ilegal tiver sido executado após a edição da mencionada Lei, o prazo quinquenal da Administração contar-se-á da sua prática, sob pena de decadência. A propósito: STJ, AgRg no REsp 1.563.235/RN, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, DJe de 24/02/2016; AgRg no REsp 1.270.252/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 05/09/2012.
V. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "ao julgar o RE 636.553 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe 25/5/2020), sob o regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal firmou a tese segundo a qual, por ser de natureza complexa, o ato de concessão de aposentadoria de servidor público apenas se perfectibiliza mediante a conjugação das vontades do órgão de origem e do Tribunal de Contas, de modo que a contagem do prazo decadencial de 5 (cinco) anos, previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, somente se inicia com a chegada do processo à respectiva Corte de Contas" (STJ, AgInt no AREsp 1.631.348/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 28/10/2021).
VI. Além disso, "o termo inicial do prazo de decadência para Administração rever o ato de aposentadoria de servidor se dá com a concessão do próprio ato, estando ela sujeita ao prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei 9.784/1999, quando a revisão se dá sem determinação do órgão fiscalizador de Contas (TCU)" (STJ, AgInt no REsp 1.591.422/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 1º/10/2021).
VII. Todavia, em hipóteses como a dos autos, esta Corte tem-se posicionado no sentido de que "não ocorre a decadência do direito da administração pública de adotar procedimentos para verificar a acumulação inconstitucional de cargos públicos, principalmente porque os atos inconstitucionais jamais se convalidam pelo mero decurso do tempo. Precedentes" (STJ, AgInt no REsp 1.522.353/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/08/2021). No mesmo sentido: STJ, AgInt no REsp 1.952.026/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/11/2021; AgInt no REsp 1.442.008/RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/11/2020.
VIII. Recurso Especial conhecido, em parte, e, nessa extensão, provido. | N |
139,579,332 | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 691. SUPERAÇÃO.
1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da variedade e da quantidade das drogas apreendidas, a saber, 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de droga apreendida, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que entendeu desproporcional a segregação cautelar do paciente, uma vez observada "a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade", devendo "ser aplicadas as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva".
6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de LUIS GUSTAVO RAMOS RODRIGUES contra decisão do Desembargador relator indeferindo liminar em writ impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC n. 2216149-24.2021.8.26.0000).
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante - custódia essa convertida em preventiva - pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de entorpecentes), em decorrência da apreensão de cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32).
Impetrado habeas corpus no Tribunal de origem, o pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 12/13).
Irresignada, a defesa impetrou o presente writ sustentando inexistir motivação idônea para a custódia antecipada. Para tanto enfatizou a pequena quantidade de drogas apreendidas e as condições pessoais que militam em favor do paciente.
Busca, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva do paciente.
O remédio constitucional foi indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte Superior (e-STJ fls. 83/84).
Interposto agravo regimental, o habeas corpus foi distribuído à minha relatoria (e-STJ fl. 101). Ao julgar o recurso, reconsiderei a decisão agravada e deferi a liminar "tão somente a fim de assegurar possa o paciente aguardar, em medidas cautelares alternativas, a serem fixadas pelo Juízo de primeiro grau, o julgamento definitivo deste writ" (e-STJ fl. 103).
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem, confirmada a liminar (e-STJ fls. 193/195).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
É bem verdade que o presente writ investe contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntico remédio impetrado perante o Tribunal de origem, o que, nos termos do disposto na Súmula n. 691 do Pretório Excelso, não se admite.
Ocorre que, no caso em exame, a flagrante ilegalidade está demonstrada, haja vista a possibilidade de imposição de medidas cautelares diversas da prisão na hipótese, situação que autoriza a excepcional superação do referido entendimento sumular.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo o enunciado da Súmula n. 691 do STF, plenamente adotada por esta Corte, não é possível a utilização de habeas corpus contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia jurídica da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. O Juiz de primeiro grau, ao converter o flagrante em preventiva, fundamentou a prisão na hediondez do delito supostamente praticado e apontou genericamente a presença dos vetores contidos na lei de regência, sem justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade.
4. Ordem concedida para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a sua prisão preventiva, ressalvada a possibilidade de nova decretação da segregação cautelar, se efetivamente demonstrada sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. (HC n. 334.809/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 2/5/2016.)
Desse modo, passo ao exame da decisão combatida.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 62/64):
No caso destes autos, os elementos até então coligidos apontam a materialidade e indícios de autoria do cometimento do crime de tráfico de drogas, cuja pena privativa de liberdade máxima ultrapassa o patamar de 4 (quatro) anos.
De fato, o laudo de constatação preliminar confere a prova da materialidade.
Há, por outro lado, em exame superficial, próprio desta sede, indícios suficientes de autoria e a indicação de que as drogas apreendidas destinavam-se a entrega e ao consumo de terceiros.
Realmente, conforme consta dos depoimentos dos policiais militares, o autuado encontrava-se no local dos fatos e foram encontradas em suas vestimentas 10 porções de substância entorpecente análogas ao "crack" e mais 03 tabletes aparentando ser maconha.
Após, em novas diligências no terreno do qual saíra o autuado, foram encontrados mais 6 tabletes de substância aparentando ser maconha.
A análise pericial preliminar das substâncias encontradas apresentou resultado positivo para cocaína e maconha, conforme laudos encartados às fls. 20/32.
Assim, como se pode notar, segundo consta deste expediente, as condições em que se desenvolveu a ação, a natureza, a forma de acondicionamento e a quantidade das substâncias entorpecentes apreendidas indicam que a droga apreendida não se destinava apenas ao consumo do seu portador (Lei 11.343/06, art. 28, §2º).
Quanto ao periculum libertatis e à proporcionalidade da medida, cabe assinalar a apreensão de quantidade expressiva de drogas e a prática do tráfico em local conhecido pelos policiais militares, a indicar possível envolvimento mais profundo do autuado com o mundo do crime.
Isso porque, além das drogas encontradas consigo, o cão farejador encontrou mais 6 (seis) tabletes de maconha no terreno baldio onde fora avistado o autuado, o que revela que havia drogas depositadas para a prática criminosa por período mais longo, afastando, em juízo preliminar, o enquadramento do crime como fato isolado.
Assim, no caso dos autos, a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, não apenas para evitar a reprodução de fatos criminosos, mas também para acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e sua repercussão, evitando a odiosa sensação de impunidade que existiria caso o autuado fosse imediatamente colocado em liberdade, logo após exitosa ação policial.
Também não não se pode ignorar que, considerando a quantidade de pena prevista para o crime cuja prática se lhe imputa, e à míngua de ligações concretas com o distrito da culpa, não é desprezível a possibilidade de evasão, o que, inexoravelmente, implicaria no retardamento da marcha processual, obstando a desejável citação pessoal, em evidente prejuízo à aplicação da lei penal.
Por fim, vale destacar que o crime de tráfico está comumente relacionado com a criminalidade organizada e a prisão processual tem se revelado bastante útil para o desmantelamento de quadrilhas e cessação, ao menos temporária, do fornecimento de drogas aos usuários locais, fazendo diminuir, além da própria traficância, também a prática de diversos outros crimes direta ou indiretamente ligados ao uso de drogas.
A periculosidade em concreto, portanto, é real, uma vez que os moradores da Comarca de Itapeva encontram-se, cada vez mais, achacados pela criminalidade crescente, que vê no tráfico de drogas a sua força motriz. Assim, a imediata retirada do suspeito da vida criminosa, além de propalar a mensagem de que a Justiça local não tolera tal tipo de atividade, representa abalo, ainda que indireto, às atividades ilícitas que se desenvolvem na região. contexto do
Nessas condições, em que pese a excepcionalidade da prisão preventiva no sistema jurídico brasileiro, diante da gravidade em concreto do delito supostamente cometido, a sua decretação é a única medida passível de ser adotada no caso sob análise.
Ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, o paciente possui condições pessoais favoráveis, devendo-se destacar, ainda, que a quantidade de droga apreendida - cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32) - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O MESMO FIM. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA DESPROPORCIONAL. SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO DAS CAUTELARES DIVERSAS.
1. Embora as circunstâncias mencionadas pelo Juízo singular - quantidade de drogas apreendidas - revelem a necessidade de algum acautelamento da ordem pública, não se mostram tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o acusado sob o rigor da cautela pessoal mais extremada.(AgRg no RHC n. 148.263/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 16/8/2021).
2. Hipótese em que, diante da primariedade dos acusados, da quantidade não exorbitante de susbstância tóxica apreendida (443 g de maconha) e em observância ao termos da Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ao caso.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 680.451/RN, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SÚMULA N. 691/STF. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. SUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Conforme posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte Superior, não se admite habeas corpus contra decisão negativa de liminar proferida em outro writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância, nos termos da Súmula n. 691/STF. Todavia, a despeito de tal óbice processual, tem-se entendido que, em casos excepcionais, deve preponderar a necessidade de se garantir a efetividade da prestação da tutela jurisdicional de urgência para que flagrante constrangimento ilegal ao direito de liberdade possa ser cessado.
2. No caso em apreço, o direito invocado pela Parte Impetrante é de reconhecimento que se mostra prontamente inequívoco, capaz de autorizar a mitigação da Súmula n. 691/STF, pois o Juízo de origem fundamentou a prisão cautelar apenas nas circunstâncias do crime, as quais não extrapolam aquelas inerentes ao delito de tráfico de drogas, devendo-se destacar que o Réu é primário, não há registro de quaisquer antecedentes penais e a quantidade de droga apreendida não é expressiva.
3. Diante das circunstâncias do caso concreto, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 282, § 6.º, do Código de Processo Penal.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 623.545/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021.)
No mesmo sentido opinou o Ministério Público Federal, de cujo parecer transcrevo excerto, in verbis (e-STJ fl. 194):
Com efeito, a prisão preventiva é medida de caráter excepcional e deve ser imposta fundamentadamente quando não for cabível sua substituição por outras medidas cautelares menos gravosas.
No caso, vê-se que a medida cautelar foi decretada para a garantia da ordem pública, tendo em vista notadamente a quantidade de droga apreendida.
É certo que tal fundamento pode justificar a prisão preventiva.
Contudo, considerando a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade revela-se desproporcional a segregação cautelar do paciente.
Não obstante, entende-se que deve ser aplicada as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva.
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de LUIS GUSTAVO RAMOS RODRIGUES contra decisão do Desembargador relator indeferindo liminar em writ impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC n. 2216149-24.2021.8.26.0000).
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante - custódia essa convertida em preventiva - pela suposta prática do crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de entorpecentes), em decorrência da apreensão de cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32).
Impetrado habeas corpus no Tribunal de origem, o pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 12/13).
Irresignada, a defesa impetrou o presente writ sustentando inexistir motivação idônea para a custódia antecipada. Para tanto enfatizou a pequena quantidade de drogas apreendidas e as condições pessoais que militam em favor do paciente.
Busca, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva do paciente.
O remédio constitucional foi indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte Superior (e-STJ fls. 83/84).
Interposto agravo regimental, o habeas corpus foi distribuído à minha relatoria (e-STJ fl. 101). Ao julgar o recurso, reconsiderei a decisão agravada e deferi a liminar "tão somente a fim de assegurar possa o paciente aguardar, em medidas cautelares alternativas, a serem fixadas pelo Juízo de primeiro grau, o julgamento definitivo deste writ" (e-STJ fl. 103).
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem, confirmada a liminar (e-STJ fls. 193/195).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
É bem verdade que o presente writ investe contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntico remédio impetrado perante o Tribunal de origem, o que, nos termos do disposto na Súmula n. 691 do Pretório Excelso, não se admite.
Ocorre que, no caso em exame, a flagrante ilegalidade está demonstrada, haja vista a possibilidade de imposição de medidas cautelares diversas da prisão na hipótese, situação que autoriza a excepcional superação do referido entendimento sumular.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo o enunciado da Súmula n. 691 do STF, plenamente adotada por esta Corte, não é possível a utilização de habeas corpus contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia jurídica da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. O Juiz de primeiro grau, ao converter o flagrante em preventiva, fundamentou a prisão na hediondez do delito supostamente praticado e apontou genericamente a presença dos vetores contidos na lei de regência, sem justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade.
4. Ordem concedida para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a sua prisão preventiva, ressalvada a possibilidade de nova decretação da segregação cautelar, se efetivamente demonstrada sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. (HC n. 334.809/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 2/5/2016.)
Desse modo, passo ao exame da decisão combatida.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 62/64):
No caso destes autos, os elementos até então coligidos apontam a materialidade e indícios de autoria do cometimento do crime de tráfico de drogas, cuja pena privativa de liberdade máxima ultrapassa o patamar de 4 (quatro) anos.
De fato, o laudo de constatação preliminar confere a prova da materialidade.
Há, por outro lado, em exame superficial, próprio desta sede, indícios suficientes de autoria e a indicação de que as drogas apreendidas destinavam-se a entrega e ao consumo de terceiros.
Realmente, conforme consta dos depoimentos dos policiais militares, o autuado encontrava-se no local dos fatos e foram encontradas em suas vestimentas 10 porções de substância entorpecente análogas ao "crack" e mais 03 tabletes aparentando ser maconha.
Após, em novas diligências no terreno do qual saíra o autuado, foram encontrados mais 6 tabletes de substância aparentando ser maconha.
A análise pericial preliminar das substâncias encontradas apresentou resultado positivo para cocaína e maconha, conforme laudos encartados às fls. 20/32.
Assim, como se pode notar, segundo consta deste expediente, as condições em que se desenvolveu a ação, a natureza, a forma de acondicionamento e a quantidade das substâncias entorpecentes apreendidas indicam que a droga apreendida não se destinava apenas ao consumo do seu portador (Lei 11.343/06, art. 28, §2º).
Quanto ao periculum libertatis e à proporcionalidade da medida, cabe assinalar a apreensão de quantidade expressiva de drogas e a prática do tráfico em local conhecido pelos policiais militares, a indicar possível envolvimento mais profundo do autuado com o mundo do crime.
Isso porque, além das drogas encontradas consigo, o cão farejador encontrou mais 6 (seis) tabletes de maconha no terreno baldio onde fora avistado o autuado, o que revela que havia drogas depositadas para a prática criminosa por período mais longo, afastando, em juízo preliminar, o enquadramento do crime como fato isolado.
Assim, no caso dos autos, a prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública, não apenas para evitar a reprodução de fatos criminosos, mas também para acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, em face da gravidade do crime e sua repercussão, evitando a odiosa sensação de impunidade que existiria caso o autuado fosse imediatamente colocado em liberdade, logo após exitosa ação policial.
Também não não se pode ignorar que, considerando a quantidade de pena prevista para o crime cuja prática se lhe imputa, e à míngua de ligações concretas com o distrito da culpa, não é desprezível a possibilidade de evasão, o que, inexoravelmente, implicaria no retardamento da marcha processual, obstando a desejável citação pessoal, em evidente prejuízo à aplicação da lei penal.
Por fim, vale destacar que o crime de tráfico está comumente relacionado com a criminalidade organizada e a prisão processual tem se revelado bastante útil para o desmantelamento de quadrilhas e cessação, ao menos temporária, do fornecimento de drogas aos usuários locais, fazendo diminuir, além da própria traficância, também a prática de diversos outros crimes direta ou indiretamente ligados ao uso de drogas.
A periculosidade em concreto, portanto, é real, uma vez que os moradores da Comarca de Itapeva encontram-se, cada vez mais, achacados pela criminalidade crescente, que vê no tráfico de drogas a sua força motriz. Assim, a imediata retirada do suspeito da vida criminosa, além de propalar a mensagem de que a Justiça local não tolera tal tipo de atividade, representa abalo, ainda que indireto, às atividades ilícitas que se desenvolvem na região. contexto do
Nessas condições, em que pese a excepcionalidade da prisão preventiva no sistema jurídico brasileiro, diante da gravidade em concreto do delito supostamente cometido, a sua decretação é a única medida passível de ser adotada no caso sob análise.
Ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, o paciente possui condições pessoais favoráveis, devendo-se destacar, ainda, que a quantidade de droga apreendida - cerca de 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack (e-STJ fl. 32) - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O MESMO FIM. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA DESPROPORCIONAL. SUFICIÊNCIA E ADEQUAÇÃO DAS CAUTELARES DIVERSAS.
1. Embora as circunstâncias mencionadas pelo Juízo singular - quantidade de drogas apreendidas - revelem a necessidade de algum acautelamento da ordem pública, não se mostram tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o acusado sob o rigor da cautela pessoal mais extremada.(AgRg no RHC n. 148.263/PR, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 16/8/2021).
2. Hipótese em que, diante da primariedade dos acusados, da quantidade não exorbitante de susbstância tóxica apreendida (443 g de maconha) e em observância ao termos da Recomendação n. 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão ao caso.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 680.451/RN, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021.)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. SÚMULA N. 691/STF. ILEGALIDADE FLAGRANTE. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES. SUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Conforme posicionamento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e por esta Corte Superior, não se admite habeas corpus contra decisão negativa de liminar proferida em outro writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância, nos termos da Súmula n. 691/STF. Todavia, a despeito de tal óbice processual, tem-se entendido que, em casos excepcionais, deve preponderar a necessidade de se garantir a efetividade da prestação da tutela jurisdicional de urgência para que flagrante constrangimento ilegal ao direito de liberdade possa ser cessado.
2. No caso em apreço, o direito invocado pela Parte Impetrante é de reconhecimento que se mostra prontamente inequívoco, capaz de autorizar a mitigação da Súmula n. 691/STF, pois o Juízo de origem fundamentou a prisão cautelar apenas nas circunstâncias do crime, as quais não extrapolam aquelas inerentes ao delito de tráfico de drogas, devendo-se destacar que o Réu é primário, não há registro de quaisquer antecedentes penais e a quantidade de droga apreendida não é expressiva.
3. Diante das circunstâncias do caso concreto, revela-se suficiente e adequada a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, nos termos do art. 282, § 6.º, do Código de Processo Penal.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 623.545/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021.)
No mesmo sentido opinou o Ministério Público Federal, de cujo parecer transcrevo excerto, in verbis (e-STJ fl. 194):
Com efeito, a prisão preventiva é medida de caráter excepcional e deve ser imposta fundamentadamente quando não for cabível sua substituição por outras medidas cautelares menos gravosas.
No caso, vê-se que a medida cautelar foi decretada para a garantia da ordem pública, tendo em vista notadamente a quantidade de droga apreendida.
É certo que tal fundamento pode justificar a prisão preventiva.
Contudo, considerando a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade revela-se desproporcional a segregação cautelar do paciente.
Não obstante, entende-se que deve ser aplicada as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva.
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 691. SUPERAÇÃO.
1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da variedade e da quantidade das drogas apreendidas, a saber, 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de droga apreendida, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que entendeu desproporcional a segregação cautelar do paciente, uma vez observada "a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade", devendo "ser aplicadas as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva".
6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. | PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. SÚMULA N. 691. SUPERAÇÃO. | 1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da variedade e da quantidade das drogas apreendidas, a saber, 165g (cento e sessenta e cinco gramas) de maconha e aproximadamente 1g (um grama) de crack.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal, em razão da quantidade não expressiva de droga apreendida, aliada ao fato de o delito não ter sido cometido mediante emprego de violência ou grave ameaça.
5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, que entendeu desproporcional a segregação cautelar do paciente, uma vez observada "a quantidade de droga apreendida (165g de maconha e 1g de maconha), a menoridade relativa do paciente (19 anos de idade) e, ainda, a sua primariedade", devendo "ser aplicadas as medidas previstas no art. 319 do CPP, menos gravosas ao réu, e cujo descumprimento autoriza a prisão preventiva".
6. Ordem concedida, ratificada a liminar, para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. | N |
141,816,757 | EMENTA
RECLAMAÇÃO. JULGADO DO STJ QUE RECONHECEU A NULIDADE DE BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DA DILIGÊNCIA ILEGAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS AUTORIZADORES DO PROSSEGUIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DECISÃO DE 1º GRAU QUE DESENTRANHA ALGUMAS PROVAS E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO. DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE, E JULGADA PROCEDENTE.
1. Não tendo o julgado apontado como descumprido tratado da restituição de bens apreendidos, não há como se conhecer da reclamação, no ponto.
2. Reconhecida, em acórdão da Quinta Turma desta Corte transitado em julgado, a ilegalidade de busca pessoal e veicular efetuadas pela Guarda Municipal, sem prévia autorização judicial e sem fundadas razões para crer na existência de flagrante delito, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ainda que o julgado não tenha determinado expressamente o trancamento do inquérito policial, uma vez que o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais, não existindo evidências colhidas anteriormente de forma independente, mas apenas denúncia apócrifa de traficância praticada pelo investigado, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável da ordem emanada desta Corte.
3. " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Precedente: AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.
4. Nessa linha de entendimento, descumpre julgado desta Corte a decisão de 1º grau que, após o reconhecimento da nulidade das evidências coletadas em busca veicular ilegal e das provas delas derivadas, não promove o trancamento do inquérito policial.
5. Reclamação conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgar-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ribeiro Dantas.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de reclamação ajuizada por VICTOR HUGO ANUVALE RODRIGUES, com amparo no art. 105, I, "f", da CF/88, nos arts. 988 a 993 do novo CPC (Lei 13.105/2015) e nos arts. 187 a 192 do RISTJ, apontando descumprimento, pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, de julgado desta Corte no Habeas Corpus n. 679.430/SP que concedeu a ordem de ofício, "para reconhecer a nulidade das provas colhidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 (1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP)".
Alega o reclamante que, mesmo após ter sido cientificado da ordem emanada desta Corte, o Juízo de 1º grau "entendeu por não restituir os bens apreendidos, alegando que não ficou demonstrado documentalmente a propriedade dos bens (DESTACA-SE QUE TODOS OS BENS FORAM APREENDIDOS EM PODER DO RECLAMANTE), sendo que esta defesa juntou os documentos comprovando a propriedade dos bens" (e-STJ fl. 5).
Afirma que o Ministério Público insiste em aguardar o trânsito em julgado da decisão proferida por esta Corte e que "parece que o juiz entende da mesma forma que o MP, posto que determinou a continuidade das investigações" (e-STJ fl. 5).
Assevera que a apreensão dos celulares, pen drives e veículos se deu na ilícita ação dos guardas municipais.
Pede, assim, "Seja dado provimento à presente RECLAMAÇÃO, para que, já em sede liminar, seja determinado que o i. Juiz da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, cumpra a ordem emanada nos autos do HC n. 679.430/SP, declarando a nulidade de todas as provas colhidas nos autos n. 1500369-67.2021.8.26.0491, bem como seja suspensa quaisquer investigações, restituindo-se, assim, os bens apreendidos" (e-STJ fl. 7).
Às fls. 210/213, proferi decisão não conhecendo da reclamação.
A defesa do reclamante, entretanto, atravessou pedido de reconsideração (e-STJ fls. 218/220), sustentando que o magistrado de 1º grau determinou "a continuidade das investigações vez que ainda se aguardava o levantamento das informações constantes nos aparelhos celulares dos investigados para constatar a existência de informações de interesse policial" (e-STJ fl. 218). Defendia, no ponto, a impossibilidade de coleta de tais informações após o reconhecimento da nulidade das provas na decisão emanada desta Corte.
Insistia, ainda, em que não existe fundamento para a não devolução dos bens e valores ilegalmente apreendidos no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491, seja porque a demonstração de sua procedência lícita somente seria pertinente se houvesse suspeita de que os bens ou valores possuem origem ilícita ou constituíram meio para a prática de delito, seja porque as coisas apreendidas não mais interessam ao processo, sobretudo porque não há mais o que investigar.
Pedia, assim, "a RECONSIDERAÇÃO de Vossa decisão, a fim de que haja o TRANCAMENTO do Inquérito Policial, cessando toda a investigação e, cassando-se a ordem de serviço emanada pela Autoridade Policial para periciar os aparelhos celulares quando da abordagem ilegal, a saber que a prova pretendida é derivada de ilícito e vedada com fulcro no art. 157, caput e § 1º, do CPP" (e-STJ fl. 220).
Em atenção aos fundamentos postos pelo reclamante em pedido de reconsideração, proferi nova decisão (e-STJ fls. 405/408) conhecendo, em parte, da presente reclamação, apenas no tocante à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491 e indeferi a liminar pleiteada.
Às fls. 419/422, o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP prestou informações, nas quais esclareceu:
Juntada aos autos cópia de pedido de informações datado de 29 de setembro de 2021, referente à Reclamação nº 42334/SP (fls. 204/209); decisão da mesma data determinou o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis, bem como mencionou que, em vista dos termos expressos expressos na ordem de Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, sem expressa determinação de trancamento do procedimento investigatório, os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas, determinando que se consignasse a autorização da continuidade das investigações para apuração de novas provas, nos termos das fls. 187/190 (fls. 210/211);
Certidões datadas de 29 e 30 de setembro de 2021 mencionando que foram realizados os desentranhamentos conforme determinado, bem como que foi enviada cópia do v.
Acórdão à Delegacia de Polícia respectiva (fl. 212); sendo este o último documento que aportou aos autos até a finalização do presente ofício.
(e-STJ fl. 421)
Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o órgão do Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou pela procedência da reclamação, na parte conhecida, em parecer assim ementado:
RECLAMAÇÃO. ALEGADA INOBSERVÂNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL EXARADA NO HC 679.430/SP. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE OBJETOS APREENDIDOS E TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. PARCIAL CONHECIMENTO. DECISÃO DO STJ QUE CONCLUIU PELA ILEGALIDADE DA BUSCA REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL E PELA ILICITUDE DAS PROVAS. NECESSIDADE DE DESENTRANHAMENTO DOS ELEMENTOS REUNIDOS NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO COM CONSEQUENTE TRANCAMENTO. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO NA PARTE CONHECIDA.
1. Não deve ser conhecido o pedido de restituição de coisas apreendidas, uma vez que a matéria não foi objeto da decisão proferida no HC nº 679.430/SP, cuja autoridade ora se pretende preservar.
2. O procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369- 67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
3. Embora não tenha havido determinação expressa na decisão prolatada por essa Corte Superior, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável, visto que, com a declaração de nulidade das provas colhidas em seu bojo, não mais subsistem elementos indiciários mínimos para amparar seu prosseguimento.
4. Parecer pelo parcial conhecimento da reclamação e, na parte conhecida, pela procedência, nos termos da fundamentação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Nos termos do art. 105, I, f, da CF/88, c/c o art. 187 do RISTJ, cabe Reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou para garantir a autoridade das suas decisões.
Por sua vez, o novo CPC legislou exaustivamente sobre o tema nos arts. 988 a 993, definindo, como hipóteses do cabimento da Reclamação, aquelas descritas no art. 988, dentre as quais as que preveem especificamente a Reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça são as seguintes:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(..)
§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
A hipótese dos autos se enquadra no art. 988, II, do CPC.
No mérito, observo, inicialmente, que a decisão de minha lavra apontada como descumprida foi mantida pela Quinta Turma desta Corte em acórdão que transitou em julgado em 26/10/2021 e recebeu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA ILÍCITA. REVISTA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar e veicular executadas por guardas municipais sem a existência de elementos reais e necessários para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP.
2. A busca pessoal e veicular ocorridas apenas com base em denúncia anônima, sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, impõe o reconhecimento da ilicitude das provas.
3. Agravo regimental improvido.
(Agravo regimental no HC n. 679.430/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma do STJ, unânime, julgado em 21/09/2021)
Em tal julgado, salientou-se:
"Não há controvérsia quanto à possibilidade de a guarda municipal realizar a prisão de agente em delito flagrante. Ocorre que a prisão em flagrante, no caso destes autos, aconteceu depois de abordagem irregular, pois destituída de fundada suspeita (apoiada somente em denúncia anônima).
De fato, contornos mínimos do crime só foram constatados depois da abordagem infundada, sem indícios prévios do delito, configurando-se atuação irregular.
Isso porque, baseada somente em denúncia anônima, inexistindo elementos indiciários suficientes do cometimento de delito, ainda que permanente, que justifique a abordagem de pessoa por outra "qualquer do povo", condição à qual equivale o agente público que não se inclui entre os órgãos de segurança pública previstos no art. 144, caput, da CF/88.
(..) No caso destes autos, o crime de tráfico de drogas ilícitas, conquanto permanente (apreensão de 15 gramas de crack), só foi constatado depois de busca em veículo, baseado somente em denúncia anônima anterior, o que justifica o acolhimento do pedido defensivo".
(negritei)
Como já havia afirmado anteriormente, a presente reclamação somente autoriza conhecimento na parte referente à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491. Quanto às alegações do reclamante referentes à restituição dos bens aprendidos no feito originário, o tema jamais chegou a ser objeto de deliberação no Habeas Corpus n. 679.430/SP.
Com efeito, nas informações prestadas a esta Corte, o magistrado de 1º grau esclareceu que, embora tenha determinado "o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis", autorizou o prosseguimento do inquérito, por entender que, como o HC n. 679.430/SP não havia determinado o trancamento do procedimento investigatório, "os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas" (e-STJ fl. 421).
No entanto, como bem ponderou o parecer ministerial, o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
Lembro que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, reconhecida a ilegalidade de busca pessoal e veicular, tanto as provas obtidas na diligência quanto as delas derivadas são contaminadas pela ilicitude, impondo-se o trancamento da ação penal, à míngua de provas independentes que permitam atribuir o cometimento do delito ao paciente.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. Constando do acórdão impugnado que, "Conforme consta dos autos, o paciente foi preso pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, a partir da perseguição efetuada pela autoridade policial a terceira pessoa que se encontrava defronte à residência em que detido, a qual, após esquivar-se da voz de abordagem dos agentes estatais, evadiu-se para o interior do imóvel, local em que foi localizado J.V. e, apreendido, junto a si, 20 (vinte) porções de crack embaladas para venda, além de petrechos destinados ao fracionamento da droga (uma superfície de vidro com resquícios da droga e uma lâmina) e, consigo, outras 3 (três) pedras da mesma substância entorpecente." verifica-se a ocorrência de manifesta ilegalidade.
2. Consoante precedente desta Corte Superior, "As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente" (HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021.)
3. Do contexto fático delineado no acórdão impugnado, não se verifica a existência de elementos concretos que estariam a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não sendo suficiente, ao ingresso em domicílio, sem mandado judicial, a mera suspeita da prática de tráfico de drogas, por ter o réu, ao perceber a presença dos policiais, tentado fugir e entrado no imóvel. Patente a ilegalidade do ingresso dos policiais no imóvel em que estava o paciente.
4. Concessão da ordem de habeas corpus. Reconhecimento da nulidade das provas obtidas nas buscas ilícitas ocorridas no imóvel em que se encontrava o paciente. Trancamento da ação penal, revogando-se, por consequência, as medidas cautelares diversas da prisão decretadas.
(HC 668.329/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Ao que tudo indica, também não houve a realização de nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente.
4. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da noticia criminis anônima. Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
5. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
6. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021), alinhou-se à jurisprudência da Sexta Turma em relação a essa matéria, seguindo, portanto, a compreensão adotada no referido HC n. 598.051/SP.
7. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia dos acusados, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e a própria ação penal - relativa aos delitos descritos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
8. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio dos pacientes, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, determinar o trancamento do Processo n. 5493024-33.2020.8.09.0024.
(HC 665.668/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 21/09/2021)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, NO PERÍODO NOTURNO. AUSÊNCIA DE DENÚNCIA ANÔNIMA. INDIVÍDUO QUE, AO AVISTAR A VIATURA POLICIAL, SE DIRIGE AO QUINTAL DE SUA CASA, ONDE É ABORDADO POR POLICIAL QUE REALIZA BUSCA PESSOAL E, EM SEGUIDA, BUSCA DOMICILIAR. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONCEDIDA À RESIDÊNCIA/DOMICÍLIO QUE ABRANGE O JARDIM E O QUINTAL DA CASA, DESDE QUE CERCADO POR NÍTIDO OBSTÁCULO QUE IMPEÇA A PASSAGEM DE TRANSEUNTES. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. (..)
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte.
3. A Corte Suprema assentou, também, que "o conceito de "casa", para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ de 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade" (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007).
4. Se o agente público não pode, sem o prévio consentimento do proprietário, ingressar durante o dia sem mandado judicial em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, com muito mais razão esse raciocínio permite concluir que o espaço que circunda a residência de um cidadão, é delimitado por muros e contém portão também constitui uma extensão de sua casa e está abrangido na proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI).
5. O mero avistamento de um indivíduo de pé no portão de sua casa que, ao divisar uma viatura policial, se dirige para o quintal ou para o interior de sua residência, sem qualquer denúncia/informação ou investigação prévia, não constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que o cidadão trazia drogas consigo ou as armazenava em sua residência, e tampouco de que naquele momento e local estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não.
6. Situação em que, durante ronda noturna de rotina e sem nenhuma denúncia prévia, após verificar que o paciente, que se encontrava de pé no portão de sua residência, empreendeu fuga para dentro do imóvel ao avistar a viatura policial, policial militar transpôs o portão e seguiu o indivíduo até o quintal, quando, então, teria visto o paciente jogando, na direção de sua casa, um pote plástico branco. Realizada busca pessoal no suspeito ainda no quintal da casa, foram encontrados dois pinos de cocaína em sua bermuda e, já dentro da residência, no interior do pote plástico, outros 32 (trinta e dois) pinos de cocaína.
Muito embora, com efeito, a dispensa repentina e rápida do pote pudesse levantar suspeitas que autorizassem a busca pessoal, o fato é que a visão do ato suspeito somente foi possível porque o policial militar já havia adentrado o portão da casa do paciente e chegado até o quintal, em nítida violação à proteção constitucional garantida ao domicílio.
7. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião deve ser considerada ilícita.
8. Se a denúncia indica como provas da materialidade do crime unicamente aquelas derivadas de busca e apreensão reputada ilícita, deve ser trancada a ação penal.
9. Habeas corpus de que não se conhece. Ordem concedida de ofício, para, confirmando a liminar anteriormente concedida, reconhecer a nulidade das provas de tráfico de entorpecentes derivadas do flagrante na ação penal e, tendo em conta que ditas provas ilícitas constituem a única evidência da materialidade do crime imputado ao paciente, determinar o trancamento da ação penal.
(HC 609.072/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020)
Ainda que a decisão por mim proferida no Habeas Corpus n. 679.430/SP não tenha avançado para determinar, expressamente, o trancamento do inquérito policial, tal conclusão constitui decorrência lógica do reconhecimento da ilicitude do flagrante, já que, não fosse a atuação ilegal dos guardas municipais ao proceder à revista do ora reclamante, a droga em seu veículo não seria encontrada. Maculadas as provas colhidas na diligência ilegal, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada, pelo que não remanescem elementos indiciários mínimos para amparar o prosseguimento do inquérito policial.
De se dar razão, assim, ao Parquet Federal quando afirma que, em que pese a existência de denúncia apócrifa acerca da prática de traficância pelos investigados, é certo que " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO CONFIRMADA POR INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. NECESSÁRIO TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- "O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito" (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014).
- "A notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019).
- Na hipótese, a representação ministerial instruída com delação apócrifa autorizaria a abertura de investigação preliminar para corroborar os fatos nela narrados. Porém, o que a autoridade policial fez foi proceder, desde logo, à instauração do inquérito policial, assim que recebeu a comunicação do Ministério Público.
- Não há que se falar, ao contrário do que entenderam os julgadores da origem, que se tratou de procedimento que não acarretou qualquer constrangimento a pessoa concreta, pois, da própria portaria de instauração do inquérito se verifica que a ora agravada foi suficientemente identificada como suspeita e investigada.
- É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial, que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a narrativa fática da delação apócrifa. Assim, impunha-se a concessão da ordem para trancar o Inquérito Policial (n. 2067076-27.2020.1200501) que tramitava na origem, por falta de justa causa.
- Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021)
Ante o exposto, conheço em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgo-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgar-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Ribeiro Dantas.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de reclamação ajuizada por VICTOR HUGO ANUVALE RODRIGUES, com amparo no art. 105, I, "f", da CF/88, nos arts. 988 a 993 do novo CPC (Lei 13.105/2015) e nos arts. 187 a 192 do RISTJ, apontando descumprimento, pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, de julgado desta Corte no Habeas Corpus n. 679.430/SP que concedeu a ordem de ofício, "para reconhecer a nulidade das provas colhidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 (1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP)".
Alega o reclamante que, mesmo após ter sido cientificado da ordem emanada desta Corte, o Juízo de 1º grau "entendeu por não restituir os bens apreendidos, alegando que não ficou demonstrado documentalmente a propriedade dos bens (DESTACA-SE QUE TODOS OS BENS FORAM APREENDIDOS EM PODER DO RECLAMANTE), sendo que esta defesa juntou os documentos comprovando a propriedade dos bens" (e-STJ fl. 5).
Afirma que o Ministério Público insiste em aguardar o trânsito em julgado da decisão proferida por esta Corte e que "parece que o juiz entende da mesma forma que o MP, posto que determinou a continuidade das investigações" (e-STJ fl. 5).
Assevera que a apreensão dos celulares, pen drives e veículos se deu na ilícita ação dos guardas municipais.
Pede, assim, "Seja dado provimento à presente RECLAMAÇÃO, para que, já em sede liminar, seja determinado que o i. Juiz da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP, cumpra a ordem emanada nos autos do HC n. 679.430/SP, declarando a nulidade de todas as provas colhidas nos autos n. 1500369-67.2021.8.26.0491, bem como seja suspensa quaisquer investigações, restituindo-se, assim, os bens apreendidos" (e-STJ fl. 7).
Às fls. 210/213, proferi decisão não conhecendo da reclamação.
A defesa do reclamante, entretanto, atravessou pedido de reconsideração (e-STJ fls. 218/220), sustentando que o magistrado de 1º grau determinou "a continuidade das investigações vez que ainda se aguardava o levantamento das informações constantes nos aparelhos celulares dos investigados para constatar a existência de informações de interesse policial" (e-STJ fl. 218). Defendia, no ponto, a impossibilidade de coleta de tais informações após o reconhecimento da nulidade das provas na decisão emanada desta Corte.
Insistia, ainda, em que não existe fundamento para a não devolução dos bens e valores ilegalmente apreendidos no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491, seja porque a demonstração de sua procedência lícita somente seria pertinente se houvesse suspeita de que os bens ou valores possuem origem ilícita ou constituíram meio para a prática de delito, seja porque as coisas apreendidas não mais interessam ao processo, sobretudo porque não há mais o que investigar.
Pedia, assim, "a RECONSIDERAÇÃO de Vossa decisão, a fim de que haja o TRANCAMENTO do Inquérito Policial, cessando toda a investigação e, cassando-se a ordem de serviço emanada pela Autoridade Policial para periciar os aparelhos celulares quando da abordagem ilegal, a saber que a prova pretendida é derivada de ilícito e vedada com fulcro no art. 157, caput e § 1º, do CPP" (e-STJ fl. 220).
Em atenção aos fundamentos postos pelo reclamante em pedido de reconsideração, proferi nova decisão (e-STJ fls. 405/408) conhecendo, em parte, da presente reclamação, apenas no tocante à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491 e indeferi a liminar pleiteada.
Às fls. 419/422, o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Rancharia/SP prestou informações, nas quais esclareceu:
Juntada aos autos cópia de pedido de informações datado de 29 de setembro de 2021, referente à Reclamação nº 42334/SP (fls. 204/209); decisão da mesma data determinou o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis, bem como mencionou que, em vista dos termos expressos expressos na ordem de Habeas Corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, sem expressa determinação de trancamento do procedimento investigatório, os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas, determinando que se consignasse a autorização da continuidade das investigações para apuração de novas provas, nos termos das fls. 187/190 (fls. 210/211);
Certidões datadas de 29 e 30 de setembro de 2021 mencionando que foram realizados os desentranhamentos conforme determinado, bem como que foi enviada cópia do v.
Acórdão à Delegacia de Polícia respectiva (fl. 212); sendo este o último documento que aportou aos autos até a finalização do presente ofício.
(e-STJ fl. 421)
Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o órgão do Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou pela procedência da reclamação, na parte conhecida, em parecer assim ementado:
RECLAMAÇÃO. ALEGADA INOBSERVÂNCIA À DETERMINAÇÃO JUDICIAL EXARADA NO HC 679.430/SP. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE OBJETOS APREENDIDOS E TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. PARCIAL CONHECIMENTO. DECISÃO DO STJ QUE CONCLUIU PELA ILEGALIDADE DA BUSCA REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL E PELA ILICITUDE DAS PROVAS. NECESSIDADE DE DESENTRANHAMENTO DOS ELEMENTOS REUNIDOS NO PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO COM CONSEQUENTE TRANCAMENTO. PROCEDÊNCIA DA RECLAMAÇÃO NA PARTE CONHECIDA.
1. Não deve ser conhecido o pedido de restituição de coisas apreendidas, uma vez que a matéria não foi objeto da decisão proferida no HC nº 679.430/SP, cuja autoridade ora se pretende preservar.
2. O procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369- 67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
3. Embora não tenha havido determinação expressa na decisão prolatada por essa Corte Superior, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável, visto que, com a declaração de nulidade das provas colhidas em seu bojo, não mais subsistem elementos indiciários mínimos para amparar seu prosseguimento.
4. Parecer pelo parcial conhecimento da reclamação e, na parte conhecida, pela procedência, nos termos da fundamentação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Nos termos do art. 105, I, f, da CF/88, c/c o art. 187 do RISTJ, cabe Reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou para garantir a autoridade das suas decisões.
Por sua vez, o novo CPC legislou exaustivamente sobre o tema nos arts. 988 a 993, definindo, como hipóteses do cabimento da Reclamação, aquelas descritas no art. 988, dentre as quais as que preveem especificamente a Reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça são as seguintes:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(..)
§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
A hipótese dos autos se enquadra no art. 988, II, do CPC.
No mérito, observo, inicialmente, que a decisão de minha lavra apontada como descumprida foi mantida pela Quinta Turma desta Corte em acórdão que transitou em julgado em 26/10/2021 e recebeu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. PROVA ILÍCITA. REVISTA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA POR GUARDA MUNICIPAL. SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Considera-se ilícita a busca pessoal, domiciliar e veicular executadas por guardas municipais sem a existência de elementos reais e necessários para a efetivação da medida invasiva, nos termos do art. § 2º do art. 240 do CPP.
2. A busca pessoal e veicular ocorridas apenas com base em denúncia anônima, sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva, impõe o reconhecimento da ilicitude das provas.
3. Agravo regimental improvido.
(Agravo regimental no HC n. 679.430/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma do STJ, unânime, julgado em 21/09/2021)
Em tal julgado, salientou-se:
"Não há controvérsia quanto à possibilidade de a guarda municipal realizar a prisão de agente em delito flagrante. Ocorre que a prisão em flagrante, no caso destes autos, aconteceu depois de abordagem irregular, pois destituída de fundada suspeita (apoiada somente em denúncia anônima).
De fato, contornos mínimos do crime só foram constatados depois da abordagem infundada, sem indícios prévios do delito, configurando-se atuação irregular.
Isso porque, baseada somente em denúncia anônima, inexistindo elementos indiciários suficientes do cometimento de delito, ainda que permanente, que justifique a abordagem de pessoa por outra "qualquer do povo", condição à qual equivale o agente público que não se inclui entre os órgãos de segurança pública previstos no art. 144, caput, da CF/88.
(..) No caso destes autos, o crime de tráfico de drogas ilícitas, conquanto permanente (apreensão de 15 gramas de crack), só foi constatado depois de busca em veículo, baseado somente em denúncia anônima anterior, o que justifica o acolhimento do pedido defensivo".
(negritei)
Como já havia afirmado anteriormente, a presente reclamação somente autoriza conhecimento na parte referente à alegação de que não teriam sido suspensas as investigações promovidas no Inquérito Policial n. 1500369-67.2021.8.26.0491. Quanto às alegações do reclamante referentes à restituição dos bens aprendidos no feito originário, o tema jamais chegou a ser objeto de deliberação no Habeas Corpus n. 679.430/SP.
Com efeito, nas informações prestadas a esta Corte, o magistrado de 1º grau esclareceu que, embora tenha determinado "o desentranhamento das provas eivadas de vícios insanáveis", autorizou o prosseguimento do inquérito, por entender que, como o HC n. 679.430/SP não havia determinado o trancamento do procedimento investigatório, "os órgãos de acusação não podem ser impedidos de eventuais procedimentos investigativos visando à colheita de novas provas" (e-STJ fl. 421).
No entanto, como bem ponderou o parecer ministerial, o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais em 17/4/2021 (e-STJ fls. 9). Portanto, todas as provas que instruem os autos do inquérito decorreram da busca pessoal reputada ilegal pelo STJ, de modo que, pela teoria dos frutos da árvore envenenada, era de rigor a extração da totalidade das provas - tanto aquelas arrecadadas durante a diligência quanto as derivadas.
Todavia, uma consulta aos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491 revela que apenas foi certificado o desentranhamento de um laudo pericial e do relatório de investigação (fls. 212 e 213), permanecendo incólumes os demais elementos reunidos no inquérito policial (incluindo termos de depoimentos), em evidente afronta ao comando judicial exarado no HC nº 679.430/SP.
Lembro que a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de que, reconhecida a ilegalidade de busca pessoal e veicular, tanto as provas obtidas na diligência quanto as delas derivadas são contaminadas pela ilicitude, impondo-se o trancamento da ação penal, à míngua de provas independentes que permitam atribuir o cometimento do delito ao paciente.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA. INEXISTÊNCIA. MANIFESTA ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. Constando do acórdão impugnado que, "Conforme consta dos autos, o paciente foi preso pela prática, em tese, do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/06, a partir da perseguição efetuada pela autoridade policial a terceira pessoa que se encontrava defronte à residência em que detido, a qual, após esquivar-se da voz de abordagem dos agentes estatais, evadiu-se para o interior do imóvel, local em que foi localizado J.V. e, apreendido, junto a si, 20 (vinte) porções de crack embaladas para venda, além de petrechos destinados ao fracionamento da droga (uma superfície de vidro com resquícios da droga e uma lâmina) e, consigo, outras 3 (três) pedras da mesma substância entorpecente." verifica-se a ocorrência de manifesta ilegalidade.
2. Consoante precedente desta Corte Superior, "As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente" (HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021.)
3. Do contexto fático delineado no acórdão impugnado, não se verifica a existência de elementos concretos que estariam a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não sendo suficiente, ao ingresso em domicílio, sem mandado judicial, a mera suspeita da prática de tráfico de drogas, por ter o réu, ao perceber a presença dos policiais, tentado fugir e entrado no imóvel. Patente a ilegalidade do ingresso dos policiais no imóvel em que estava o paciente.
4. Concessão da ordem de habeas corpus. Reconhecimento da nulidade das provas obtidas nas buscas ilícitas ocorridas no imóvel em que se encontrava o paciente. Trancamento da ação penal, revogando-se, por consequência, as medidas cautelares diversas da prisão decretadas.
(HC 668.329/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. TRANCAMENTO DO PROCESSO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, externalizada em atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Ao que tudo indica, também não houve a realização de nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente.
4. Consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da noticia criminis anônima. Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
5. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
6. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021), alinhou-se à jurisprudência da Sexta Turma em relação a essa matéria, seguindo, portanto, a compreensão adotada no referido HC n. 598.051/SP.
7. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia dos acusados, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e a própria ação penal - relativa aos delitos descritos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
8. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para o ingresso no domicílio dos pacientes, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, determinar o trancamento do Processo n. 5493024-33.2020.8.09.0024.
(HC 665.668/GO, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 21/09/2021)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INVASÃO DOMICILIAR EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, NO PERÍODO NOTURNO. AUSÊNCIA DE DENÚNCIA ANÔNIMA. INDIVÍDUO QUE, AO AVISTAR A VIATURA POLICIAL, SE DIRIGE AO QUINTAL DE SUA CASA, ONDE É ABORDADO POR POLICIAL QUE REALIZA BUSCA PESSOAL E, EM SEGUIDA, BUSCA DOMICILIAR. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL CONCEDIDA À RESIDÊNCIA/DOMICÍLIO QUE ABRANGE O JARDIM E O QUINTAL DA CASA, DESDE QUE CERCADO POR NÍTIDO OBSTÁCULO QUE IMPEÇA A PASSAGEM DE TRANSEUNTES. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS NA BUSCA E APREENSÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. (..)
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. Precedentes desta Corte.
3. A Corte Suprema assentou, também, que "o conceito de "casa", para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 12/04/2005, DJe de 02/06/2006; RE 251.445/GO, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão monocrática publicada no DJ de 03/08/2000), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade" (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007).
4. Se o agente público não pode, sem o prévio consentimento do proprietário, ingressar durante o dia sem mandado judicial em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, com muito mais razão esse raciocínio permite concluir que o espaço que circunda a residência de um cidadão, é delimitado por muros e contém portão também constitui uma extensão de sua casa e está abrangido na proteção constitucional da inviolabilidade domiciliar (CF, art. 5º, XI).
5. O mero avistamento de um indivíduo de pé no portão de sua casa que, ao divisar uma viatura policial, se dirige para o quintal ou para o interior de sua residência, sem qualquer denúncia/informação ou investigação prévia, não constitui fundamento suficiente para autorizar a conclusão de que o cidadão trazia drogas consigo ou as armazenava em sua residência, e tampouco de que naquele momento e local estava sendo cometido algum tipo de delito, permanente ou não.
6. Situação em que, durante ronda noturna de rotina e sem nenhuma denúncia prévia, após verificar que o paciente, que se encontrava de pé no portão de sua residência, empreendeu fuga para dentro do imóvel ao avistar a viatura policial, policial militar transpôs o portão e seguiu o indivíduo até o quintal, quando, então, teria visto o paciente jogando, na direção de sua casa, um pote plástico branco. Realizada busca pessoal no suspeito ainda no quintal da casa, foram encontrados dois pinos de cocaína em sua bermuda e, já dentro da residência, no interior do pote plástico, outros 32 (trinta e dois) pinos de cocaína.
Muito embora, com efeito, a dispensa repentina e rápida do pote pudesse levantar suspeitas que autorizassem a busca pessoal, o fato é que a visão do ato suspeito somente foi possível porque o policial militar já havia adentrado o portão da casa do paciente e chegado até o quintal, em nítida violação à proteção constitucional garantida ao domicílio.
7. Reconhecida a ilegalidade da entrada da autoridade policial no domicílio do paciente sem prévia autorização judicial, a prova colhida na ocasião deve ser considerada ilícita.
8. Se a denúncia indica como provas da materialidade do crime unicamente aquelas derivadas de busca e apreensão reputada ilícita, deve ser trancada a ação penal.
9. Habeas corpus de que não se conhece. Ordem concedida de ofício, para, confirmando a liminar anteriormente concedida, reconhecer a nulidade das provas de tráfico de entorpecentes derivadas do flagrante na ação penal e, tendo em conta que ditas provas ilícitas constituem a única evidência da materialidade do crime imputado ao paciente, determinar o trancamento da ação penal.
(HC 609.072/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 15/10/2020)
Ainda que a decisão por mim proferida no Habeas Corpus n. 679.430/SP não tenha avançado para determinar, expressamente, o trancamento do inquérito policial, tal conclusão constitui decorrência lógica do reconhecimento da ilicitude do flagrante, já que, não fosse a atuação ilegal dos guardas municipais ao proceder à revista do ora reclamante, a droga em seu veículo não seria encontrada. Maculadas as provas colhidas na diligência ilegal, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada, pelo que não remanescem elementos indiciários mínimos para amparar o prosseguimento do inquérito policial.
De se dar razão, assim, ao Parquet Federal quando afirma que, em que pese a existência de denúncia apócrifa acerca da prática de traficância pelos investigados, é certo que " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Nesse sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ECONOMIA POPULAR. TRANCAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. DENÚNCIA ANÔNIMA NÃO CONFIRMADA POR INVESTIGAÇÕES PRELIMINARES À INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. NULIDADE. NECESSÁRIO TRANCAMENTO DO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- "O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça entendem que o trancamento de inquérito policial ou de ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, só admitida quando restar provada, inequivocamente, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade, ou, ainda, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito" (RHC n. 43.659/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 4/12/2014, DJe 15/12/2014).
- "A notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019).
- Na hipótese, a representação ministerial instruída com delação apócrifa autorizaria a abertura de investigação preliminar para corroborar os fatos nela narrados. Porém, o que a autoridade policial fez foi proceder, desde logo, à instauração do inquérito policial, assim que recebeu a comunicação do Ministério Público.
- Não há que se falar, ao contrário do que entenderam os julgadores da origem, que se tratou de procedimento que não acarretou qualquer constrangimento a pessoa concreta, pois, da própria portaria de instauração do inquérito se verifica que a ora agravada foi suficientemente identificada como suspeita e investigada.
- É firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que há ilegalidade flagrante na instauração de inquérito policial, que não foi precedida de qualquer investigação preliminar para subsidiar a narrativa fática da delação apócrifa. Assim, impunha-se a concessão da ordem para trancar o Inquérito Policial (n. 2067076-27.2020.1200501) que tramitava na origem, por falta de justa causa.
- Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021)
Ante o exposto, conheço em parte a reclamação e, na parte conhecida, julgo-a procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial.
É como voto. | EMENTA
RECLAMAÇÃO. JULGADO DO STJ QUE RECONHECEU A NULIDADE DE BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DA DILIGÊNCIA ILEGAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS AUTORIZADORES DO PROSSEGUIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DECISÃO DE 1º GRAU QUE DESENTRANHA ALGUMAS PROVAS E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO. DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE, E JULGADA PROCEDENTE.
1. Não tendo o julgado apontado como descumprido tratado da restituição de bens apreendidos, não há como se conhecer da reclamação, no ponto.
2. Reconhecida, em acórdão da Quinta Turma desta Corte transitado em julgado, a ilegalidade de busca pessoal e veicular efetuadas pela Guarda Municipal, sem prévia autorização judicial e sem fundadas razões para crer na existência de flagrante delito, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ainda que o julgado não tenha determinado expressamente o trancamento do inquérito policial, uma vez que o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais, não existindo evidências colhidas anteriormente de forma independente, mas apenas denúncia apócrifa de traficância praticada pelo investigado, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável da ordem emanada desta Corte.
3. " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Precedente: AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.
4. Nessa linha de entendimento, descumpre julgado desta Corte a decisão de 1º grau que, após o reconhecimento da nulidade das evidências coletadas em busca veicular ilegal e das provas delas derivadas, não promove o trancamento do inquérito policial.
5. Reclamação conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial. | RECLAMAÇÃO. JULGADO DO STJ QUE RECONHECEU A NULIDADE DE BUSCA PESSOAL E VEICULAR REALIZADA PELA GUARDA MUNICIPAL. CONSEQUENTE NULIDADE DAS PROVAS DERIVADAS DA DILIGÊNCIA ILEGAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS MÍNIMOS AUTORIZADORES DO PROSSEGUIMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DECISÃO DE 1º GRAU QUE DESENTRANHA ALGUMAS PROVAS E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DO INQUÉRITO. DESCUMPRIMENTO DE JULGADO DESTA CORTE. RECLAMAÇÃO CONHECIDA EM PARTE, E JULGADA PROCEDENTE. | 1. Não tendo o julgado apontado como descumprido tratado da restituição de bens apreendidos, não há como se conhecer da reclamação, no ponto.
2. Reconhecida, em acórdão da Quinta Turma desta Corte transitado em julgado, a ilegalidade de busca pessoal e veicular efetuadas pela Guarda Municipal, sem prévia autorização judicial e sem fundadas razões para crer na existência de flagrante delito, nulas também serão as provas delas derivadas, em atenção à teoria dos frutos da árvore envenenada.
Ainda que o julgado não tenha determinado expressamente o trancamento do inquérito policial, uma vez que o procedimento investigatório foi deflagrado, exclusivamente, a partir dos elementos colhidos durante a busca realizada pelos guardas municipais, não existindo evidências colhidas anteriormente de forma independente, mas apenas denúncia apócrifa de traficância praticada pelo investigado, o trancamento do inquérito policial é consequência inexorável da ordem emanada desta Corte.
3. " a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, devendo ser embasada por procedimentos investigativos preliminares em busca de indícios que corroborem as informações" (RHC 107.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 19/3/2019). Cabe à autoridade policial, portanto, realizar investigações preliminares e, havendo êxito na reunião de indícios mínimos, deflagrar novo inquérito policial. Precedente: AgRg no RHC 139.242/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/10/2021, DJe 08/10/2021.
4. Nessa linha de entendimento, descumpre julgado desta Corte a decisão de 1º grau que, após o reconhecimento da nulidade das evidências coletadas em busca veicular ilegal e das provas delas derivadas, não promove o trancamento do inquérito policial.
5. Reclamação conhecida em parte e, na parte conhecida, julgada procedente, para determinar o desentranhamento de todas as provas reunidas nos autos nº 1500369-67.2021.8.26.0491, com consequente trancamento do inquérito policial. | N |
144,148,942 | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS.
1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
2. No caso, inexistiram elementos com firmeza a indicar a existência de tráfico de drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas, movimentação de pessoas ou investigações prévias. A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado.
3. Consoante já decidido por esta Corte, "caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva de ingresso no domicílio, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º, CPP).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar, contra acórdão assim ementado (fl. 309):
PRELIMINAR nulidade por adentrarem os policiais na residência da ré sem mandado tráfico na modalidade "guardar" é crime permanente desnecessidade de mandado preliminar rejeitada.
MATERIALIDADE auto de apreensão e laudo toxicológico que restou positivo para a presença do elemento ativo comprovação que o material apreendido é droga (cocaína).
AUTORIA confissão da ré em sintonia com a prova coligida depoimento policial que indica a apreensão de droga validade depoimento policial só deve ser visto com reservas quando a imputação ao réu visa justificar eventual abuso praticado inocorrência no caso em tela.
TRÁFICO destinação a terceiros indícios tais como quantidade incompatível com a figura de usuário; a forma de acondicionamento, própria para a venda a granel, própria para ser dividida e destinada ao tráfico; a confissão judicial da ré; a apreensão da balança de precisão com resquício de cocaína; o encontro do dinheiro com a droga indicando a comercialização de outras porções do entorpecente; a denúncia anônima noticiando que tinha grande quantidade de droga na residência de Sthefanie o que motivou a abordagem policial; e a falta de capacidade econômica para a acusada possuir a droga apreendida para seu uso pessoal.
PENA primeira fase base fixada acima do mínimo legal 1/6 quantidade da droga segunda fase atenuante da confissão retorno ao piso terceira fase não incidência do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 provimento parcial ao recurso ministerial substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não incidência quantum da pena REGIME fechado circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu Beccaria regime fechado provimento ao recurso ministerial.
Consta dos autos que a paciente foi condenada por infração ao art. 33, caput, c/c § 4º da Lei 11.343/06, a 2 anos e 6 meses de reclusão, além de 250 dias-multa, no regime inicial aberto.
Inconformados, defesa e Ministério Público interpuseram apelação, tendo sido o recurso da acusação sido provido para aumentar a pena da paciente para 5 anos de reclusão, e 500 dias-multa, no regime inicial fechado.
No presente writ, o impetrante alega a nulidade das provas produzidas em razão da violação de domicílio, aduzindo que "denúncia anônima não é fundamento para invasão domiciliar sem ordem judicial ou breve investigação."
Indeferida a liminar e prestadas as informações, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ, ou por sua denegação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Acerca do ingresso policial na residência onde foram apreendidas as drogas, consta do acórdão de apelação (fl. 311):
Consoante dispõe o artigo 5º, XI, da Constituição Federal, apenas se pode adentrar na residência de alguém em caso de flagrante delito; desastre, para prestar socorro; durante o dia, com ordem judicial; e por consentimento do morador. Assim, nota-se que obter ordem judicial é apenas uma das formas de se adentrar no domicílio.
Vale lembrar que a ocultação de drogas em seu interior, que caracteriza delito permanente, torna constante o estado de flagrante e possibilita tal conduta pelos policiais.
Portanto, não há necessidade de se obter ordem judicial para se adentrar na residência de acusada, pelos motivos expostos, dado o permanente estado de flagrante, razão pela qual se afasta a preliminar.
..
No caso havia denúncia anônima dando conta de que a acusada guardava em sua casa grande quantidade de droga, o que gera fundada suspeita, suficiente para que a busca domiciliar nos crimes permanentes se justifique.
A sentença, por seu turno, assim dispôs (fls. 188-189):
De proêmio, cumpre afastar a preliminar arguida pela combativa defesa referente à invasão de domicílio.
Ora, apesar de a defesa suscitar a ocorrência de transgressão ao direito à inviolabilidade de domicílio, constitucionalmente previsto pelo art. 5º, inciso XI, a entrada dos policiais militares à residência da acusada se justificou em razão de estar configurado o flagrante, uma das modalidades de exceção à imunidade domiciliar estipulada pela própria Constituição Federal.
..
Em casos tais, pela inteligência do art. 303 do Código de Processo Penal, entende-se que o estado de flagrante cessa quando cessa a permanência. Dessa forma, se torna peremptoriamente cabível a violação domiciliar nos casos de flagrante em crime permanente, desde que presentes indícios da prática delitiva.
No caso sob exame, tem-se que esses indícios estavam presentes. Ora, houve denúncia anônima que apontava especificamente a prática do tráfico de drogas pela ré.
Assim, afasto a preliminar arguida pela defesa, já que a entrada à residência foi efetuada em virtude de claros indícios da prática do crime de tráfico de drogas pela acusada, ressaltando que a violação à garantia constitucional ocorreu em respeito a uma das exceções previstas pela Carta Magna, ou seja, a situação flagrancial.
Do Auto de Prisão em Flagrante Delito, por sua vez, extrai-se o seguinte trecho (fl. 16):
Às 21:05 horas do dia 12 do mês de setembro de 2020,na sede do Plantão Policial do DEL.SEC.FRANCA PLANTÃO, presidido pela Autoridade Policial Exmo(a) Sr(a) Dr(a) EDUARDO LOPES BONFIM, comigo, Escrivão(ã) de Polícia, passou-se à inquirição da testemunha LUCIANO AUGUSTO GONCALVES DA SILVA, RG 34032548 - SP, CPF 29112985864, filho de LAZARO GONCALVES DA SILVA e de MARIA APARECIDA DE MACEDO SILVA, natural de FRANCA -SP, nacionalidade BRASILEIRA, sexo Masculino, pele Branca, nascido(a) em 10/07/1982, com 38 anos de idade, estado civil Solteiro, profissão POLICIAL MILITAR, residente a AV. ALFREDO TOZZI, nº. 1200, na cidade FRANCA - SP, CEP 00000-000, telefone(s) (16) 37221988. Compromissada, às de costume nada disse. Indagada, às perguntas respondeu:Que é policial militar e, de serviço na data de hoje, juntamente com o policial militar CBPM Cleber, receberam denúncia de popular dizendo a autuada estaria guardando grande quantidade de droga em sua casa; QUE foram até o local e, em contato com a autuada, indagaram se havia droga na residência e, primeiramente ela informou que não, franqueando a entrada do depoente, do CBPM Cleber e CBPM Robson em sua casa; QUE dentro do imóvel, no quarto da autuada, embaixo de um berço,o CBPM Cleber localizou uma mochila onde estavam acondicionadas várias porções de cocaína, droga essa dividida em invólucros plásticos, sendo 34 transparente e 13 invólucros plásticos verde; QUE em meio a cobertores, ao lado do berço,o CBPM Cleber encontrou uma bolsinha infantil, na qual estavam acondicionadas outros invólucros da mesma droga os quais foram também divididos em 8 invólucros plásticos pretos e 10 azuis, além de uma balança de precisão com resquícios de cocaína; QUE o depoente localizou, na parte superior do guarda roupa, no mesmo quarto, os policiais encontraram r$1150,00 (mil cento e cinquenta reais em dinheiro); QUE, apos a localização do entorpecente, a autuada, assumiu a propriedade da droga, alegando que não iria fornecer mais detalhes sobre o entorpecente, somente informando que foi ela quem fracionou o droga encontrada em sua casa; Que a autuada teria dito que o dinheiro recebeu de um benefício mas não apresentou nenhum comprovante que justificasse o valor; Que o depoente esclarece que , a droga estava escondida em locais de fácil acesso (mochila embaixo do berço e a bolsinha em meio a cobertores, ao lado do berço) , inclusive as filhos da autuada com idades entre 6 e 1 anos de idade, facilmente poderiam manusear o entorpecente; QUE diante do fato foi dada voz de prisão a autuada e ela foi conduzida a delegacia, onde a autoridade policial ratificou a voz de prisão.
Como se vê, as instâncias ordinárias não vislumbraram ilegalidade na conduta policial, ressaltando o caráter permanente do crime de tráfico, além da existência de denúncia anônima.
Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal,não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitira entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, sejademonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementosconcretos que apontem para o caso de flagrante delito.
A propósito: HC 620.515/CE, RelatorMinistro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,DJe 08/02/2021; HC 612.579/BA, RelatorMinistro Reynaldo Soares da Fonseca,Quinta Turma, DJe 12/11/2020.
Bem feitas as contas, não existiram elementos robustos a indicar a existência de tráficode drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas,movimentação de pessoas ou investigações prévias.
A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado. Ainda que, nos crimes permanentes, o estado de flagrância se prolongue no tempo, tal circunstância não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se diante de uma situação de flagrância. Nesse sentido: HC 442.363/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no REsp 1.704.746/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 21/03/2018.
Relativamente ao fundamento de que franqueado o ingresso em domicílio, como já decidido por esta Corte, "as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação de que o genitor do paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/03/2021).
Além disso,"caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
Portanto, deve-se declarar ilegal a apreensão da droga, e, consequentemente,afastar a imputação de tráfico. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
Ante o exposto, concedo ohabeas corpus para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas na ação penal nº 1500188-40.2020.8.26.0608, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º- CPP).
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar, contra acórdão assim ementado (fl. 309):
PRELIMINAR nulidade por adentrarem os policiais na residência da ré sem mandado tráfico na modalidade "guardar" é crime permanente desnecessidade de mandado preliminar rejeitada.
MATERIALIDADE auto de apreensão e laudo toxicológico que restou positivo para a presença do elemento ativo comprovação que o material apreendido é droga (cocaína).
AUTORIA confissão da ré em sintonia com a prova coligida depoimento policial que indica a apreensão de droga validade depoimento policial só deve ser visto com reservas quando a imputação ao réu visa justificar eventual abuso praticado inocorrência no caso em tela.
TRÁFICO destinação a terceiros indícios tais como quantidade incompatível com a figura de usuário; a forma de acondicionamento, própria para a venda a granel, própria para ser dividida e destinada ao tráfico; a confissão judicial da ré; a apreensão da balança de precisão com resquício de cocaína; o encontro do dinheiro com a droga indicando a comercialização de outras porções do entorpecente; a denúncia anônima noticiando que tinha grande quantidade de droga na residência de Sthefanie o que motivou a abordagem policial; e a falta de capacidade econômica para a acusada possuir a droga apreendida para seu uso pessoal.
PENA primeira fase base fixada acima do mínimo legal 1/6 quantidade da droga segunda fase atenuante da confissão retorno ao piso terceira fase não incidência do redutor previsto no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 provimento parcial ao recurso ministerial substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não incidência quantum da pena REGIME fechado circunstâncias judiciais desfavoráveis ao réu Beccaria regime fechado provimento ao recurso ministerial.
Consta dos autos que a paciente foi condenada por infração ao art. 33, caput, c/c § 4º da Lei 11.343/06, a 2 anos e 6 meses de reclusão, além de 250 dias-multa, no regime inicial aberto.
Inconformados, defesa e Ministério Público interpuseram apelação, tendo sido o recurso da acusação sido provido para aumentar a pena da paciente para 5 anos de reclusão, e 500 dias-multa, no regime inicial fechado.
No presente writ, o impetrante alega a nulidade das provas produzidas em razão da violação de domicílio, aduzindo que "denúncia anônima não é fundamento para invasão domiciliar sem ordem judicial ou breve investigação."
Indeferida a liminar e prestadas as informações, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ, ou por sua denegação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Acerca do ingresso policial na residência onde foram apreendidas as drogas, consta do acórdão de apelação (fl. 311):
Consoante dispõe o artigo 5º, XI, da Constituição Federal, apenas se pode adentrar na residência de alguém em caso de flagrante delito; desastre, para prestar socorro; durante o dia, com ordem judicial; e por consentimento do morador. Assim, nota-se que obter ordem judicial é apenas uma das formas de se adentrar no domicílio.
Vale lembrar que a ocultação de drogas em seu interior, que caracteriza delito permanente, torna constante o estado de flagrante e possibilita tal conduta pelos policiais.
Portanto, não há necessidade de se obter ordem judicial para se adentrar na residência de acusada, pelos motivos expostos, dado o permanente estado de flagrante, razão pela qual se afasta a preliminar.
..
No caso havia denúncia anônima dando conta de que a acusada guardava em sua casa grande quantidade de droga, o que gera fundada suspeita, suficiente para que a busca domiciliar nos crimes permanentes se justifique.
A sentença, por seu turno, assim dispôs (fls. 188-189):
De proêmio, cumpre afastar a preliminar arguida pela combativa defesa referente à invasão de domicílio.
Ora, apesar de a defesa suscitar a ocorrência de transgressão ao direito à inviolabilidade de domicílio, constitucionalmente previsto pelo art. 5º, inciso XI, a entrada dos policiais militares à residência da acusada se justificou em razão de estar configurado o flagrante, uma das modalidades de exceção à imunidade domiciliar estipulada pela própria Constituição Federal.
..
Em casos tais, pela inteligência do art. 303 do Código de Processo Penal, entende-se que o estado de flagrante cessa quando cessa a permanência. Dessa forma, se torna peremptoriamente cabível a violação domiciliar nos casos de flagrante em crime permanente, desde que presentes indícios da prática delitiva.
No caso sob exame, tem-se que esses indícios estavam presentes. Ora, houve denúncia anônima que apontava especificamente a prática do tráfico de drogas pela ré.
Assim, afasto a preliminar arguida pela defesa, já que a entrada à residência foi efetuada em virtude de claros indícios da prática do crime de tráfico de drogas pela acusada, ressaltando que a violação à garantia constitucional ocorreu em respeito a uma das exceções previstas pela Carta Magna, ou seja, a situação flagrancial.
Do Auto de Prisão em Flagrante Delito, por sua vez, extrai-se o seguinte trecho (fl. 16):
Às 21:05 horas do dia 12 do mês de setembro de 2020,na sede do Plantão Policial do DEL.SEC.FRANCA PLANTÃO, presidido pela Autoridade Policial Exmo(a) Sr(a) Dr(a) EDUARDO LOPES BONFIM, comigo, Escrivão(ã) de Polícia, passou-se à inquirição da testemunha LUCIANO AUGUSTO GONCALVES DA SILVA, RG 34032548 - SP, CPF 29112985864, filho de LAZARO GONCALVES DA SILVA e de MARIA APARECIDA DE MACEDO SILVA, natural de FRANCA -SP, nacionalidade BRASILEIRA, sexo Masculino, pele Branca, nascido(a) em 10/07/1982, com 38 anos de idade, estado civil Solteiro, profissão POLICIAL MILITAR, residente a AV. ALFREDO TOZZI, nº. 1200, na cidade FRANCA - SP, CEP 00000-000, telefone(s) (16) 37221988. Compromissada, às de costume nada disse. Indagada, às perguntas respondeu:Que é policial militar e, de serviço na data de hoje, juntamente com o policial militar CBPM Cleber, receberam denúncia de popular dizendo a autuada estaria guardando grande quantidade de droga em sua casa; QUE foram até o local e, em contato com a autuada, indagaram se havia droga na residência e, primeiramente ela informou que não, franqueando a entrada do depoente, do CBPM Cleber e CBPM Robson em sua casa; QUE dentro do imóvel, no quarto da autuada, embaixo de um berço,o CBPM Cleber localizou uma mochila onde estavam acondicionadas várias porções de cocaína, droga essa dividida em invólucros plásticos, sendo 34 transparente e 13 invólucros plásticos verde; QUE em meio a cobertores, ao lado do berço,o CBPM Cleber encontrou uma bolsinha infantil, na qual estavam acondicionadas outros invólucros da mesma droga os quais foram também divididos em 8 invólucros plásticos pretos e 10 azuis, além de uma balança de precisão com resquícios de cocaína; QUE o depoente localizou, na parte superior do guarda roupa, no mesmo quarto, os policiais encontraram r$1150,00 (mil cento e cinquenta reais em dinheiro); QUE, apos a localização do entorpecente, a autuada, assumiu a propriedade da droga, alegando que não iria fornecer mais detalhes sobre o entorpecente, somente informando que foi ela quem fracionou o droga encontrada em sua casa; Que a autuada teria dito que o dinheiro recebeu de um benefício mas não apresentou nenhum comprovante que justificasse o valor; Que o depoente esclarece que , a droga estava escondida em locais de fácil acesso (mochila embaixo do berço e a bolsinha em meio a cobertores, ao lado do berço) , inclusive as filhos da autuada com idades entre 6 e 1 anos de idade, facilmente poderiam manusear o entorpecente; QUE diante do fato foi dada voz de prisão a autuada e ela foi conduzida a delegacia, onde a autoridade policial ratificou a voz de prisão.
Como se vê, as instâncias ordinárias não vislumbraram ilegalidade na conduta policial, ressaltando o caráter permanente do crime de tráfico, além da existência de denúncia anônima.
Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal,não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitira entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, sejademonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementosconcretos que apontem para o caso de flagrante delito.
A propósito: HC 620.515/CE, RelatorMinistro Nefi Cordeiro, Sexta Turma,DJe 08/02/2021; HC 612.579/BA, RelatorMinistro Reynaldo Soares da Fonseca,Quinta Turma, DJe 12/11/2020.
Bem feitas as contas, não existiram elementos robustos a indicar a existência de tráficode drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas,movimentação de pessoas ou investigações prévias.
A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado. Ainda que, nos crimes permanentes, o estado de flagrância se prolongue no tempo, tal circunstância não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se diante de uma situação de flagrância. Nesse sentido: HC 442.363/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 05/09/2018; AgRg no REsp 1.704.746/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 21/03/2018.
Relativamente ao fundamento de que franqueado o ingresso em domicílio, como já decidido por esta Corte, "as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação de que o genitor do paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/03/2021).
Além disso,"caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
Portanto, deve-se declarar ilegal a apreensão da droga, e, consequentemente,afastar a imputação de tráfico. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
Ante o exposto, concedo ohabeas corpus para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas na ação penal nº 1500188-40.2020.8.26.0608, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º- CPP).
É o voto. | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS.
1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
2. No caso, inexistiram elementos com firmeza a indicar a existência de tráfico de drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas, movimentação de pessoas ou investigações prévias. A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado.
3. Consoante já decidido por esta Corte, "caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva de ingresso no domicílio, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º, CPP). | HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. JUSTA CAUSA NÃO VERIFICADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA PARA ABSOLVER O PACIENTE DO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. | 1. Consoante decidido no RE 603.616/RO, pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção da medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
2. No caso, inexistiram elementos com firmeza a indicar a existência de tráfico de drogas no interior da residência, tais como monitoramento ou campanas, movimentação de pessoas ou investigações prévias. A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado.
3. Consoante já decidido por esta Corte, "caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modoinequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, naespécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio dedroga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento domorador. Não houve, para tanto, preocupação em documentar esse consentimento,quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro deáudio-vídeo" (HC 598.051/SP, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, SextaTurma, DJe 15/03/2021).
4. Sem a indicação de dado concreto sobre a existência de justa causa para autorizar a medida invasiva de ingresso no domicílio, deve ser reconhecida a ilegalidade por ilicitude da prova, bem como das provas dela derivadas, nos termos do art. 157, caput e § 1º, do CPP. A boa intenção dos milicianos e a apreensão da droganão justificam o descumprimento da Constituição quando protege a casa como asiloinviolável da pessoa (art. 5º, XI).
5. Habeas corpus concedido para absolver a paciente do delito de tráfico de drogas, diante da nulidade das provas obtidas por meio de medida de busca e apreensão ilegal (art. 157 e § 1º, CPP). | N |
141,146,541 | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da natureza e da quantidade das drogas apreendidas.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Destaco, ainda, que o paciente é primário e, apesar de constar duas anotações criminais anteriores, uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido sem violência ou grave ameaça, datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018, e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016.
5. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de WAGNER QUIRINO SANTOS apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (HC n. 5468282-12.2021.8.09.0087).
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) e pelo delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), em razão da apreensão de 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas) maconha (e-STJ fl. 31).
O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus que visava a revogação da prisão preventiva. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 40/41):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA. NÃO CONHECIMENTO. A análise sobre a conduta do réu demanda exame profundo do acervo probatório, inviável na via estreita do writ, devendo a matéria de mérito ficar reservada ao processo de conhecimento. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. Importa salientar que a via estreita do Writ é inconciliável com o exame aprofundado da prova, inadmitindo, assim, a aferição do conteúdo material do processo quanto à alegação do impetrante de que, caso seja o paciente condenado, o regime de cumprimento de pena será mais brando que o fechado, visto que se trata de matéria meritória a ser analisada no juízo de origem e que demanda dilação probatória. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. A necessidade da medida extrema mostra-se amparada na existência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, a saber, a materialidade e indícios de autoria, estando a segregação alicerçada na garantia da ordem pública. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. Afasta-se a alegação de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois impõe-se ao caso a relativização deste preceito em favor da segurança social, ameaçada pela conduta atribuída ao paciente, além do que, a própria Constituição Federal autoriza a prisão provisória em seu artigo 5º, inciso LXI, desde que se enquadre nos casos previstos na lei. PREDICADOS PESSOAIS. Os predicados favoráveis não têm o condão de garantir, por si só, a revogação da prisão preventiva, mormente quando o julgador visualizar a presença de seus requisitos ensejadores. PANDEMIA MUNDIAL. COVID-19. RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 CNJ. RISCO DE CONTÁGIO PELO VÍRUS. O simples risco de contágio pelo COVID-19 não constitui, por si só, motivo para automática revogação ou conversão em domiciliar da prisão, sendo necessária, para tanto, a análise das peculiaridades do pedido concreto. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. Estando presentes motivos autorizadores da decretação da prisão preventiva e comprovada a necessidade da segregação, incabível a substituição pelas medidas cautelares (art. 319 do CPP), não havendo gravame ou constrangimento ilegal a ser reparado pela via mandamental. PARECER ACOLHIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta que "não se encontram presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva" (e-STJ fl. 9). Defende a possibilidade de fixação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a revogação da prisão preventiva.
O pedido liminar foi indeferido.
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem. O parecer foi assim ementado (e-STJ fl. 95):
PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPROCEDÊNCIA - EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DA PRISÃO CAUTELAR DO ARTIGO 312 DO CPP - INSUFICIÊNCIA DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA - FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO IDÔNEA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL .
PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Inicialmente, sobre a alegação de desproporcionalidade da custódia em relação ao regime que porventura vier a ser aplicado, cumpre esclarecer que esta Corte tem jurisprudência pacífica quanto à impossibilidade de se realizar juízo prospectivo da pena a ser aplicada, atribuição exclusiva do magistrado sentenciante quando da prolação da sentença.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. VARIEDADE DE DROGA APREENDIDA. PENA EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA IN CASU. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. .. 3. Não cabe a esta Corte proceder com juízo intuitivo e de probabilidade para aferir eventual pena a ser aplicada, tampouco para concluir pela possibilidade de fixação de regime diverso do fechado e de substituição da reprimenda corporal, tarefas essas próprias do Juízo de primeiro grau por ocasião do julgamento de mérito da ação penal (precedentes). .. (RHC n. 119.600/MG, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 5/5/2020, DJe 11/5/2020.)
Com relação aos fundamentos da prisão preventiva, insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 31/32):
II - Da conversão da prisão em flagrante em preventiva.
Passo, assim, a analisar o que mais dispõe o artigo 310 do Código de Processo Penal.
Da leitura do artigo 321 do Código de Processo Penal, extrai-se que a liberdade provisória somente será concedida se não estiverem presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva.
No caso dos autos, a prisão preventiva é medida que se impõe. Explico.
Nos moldes do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos.
O requisito supramencionado resta satisfeito, pois a pena máxima prevista para o crime imputado ao autuado ultrapassa 04 anos.
Ademais, para a decretação da prisão preventiva, o Código de Processo Penal estabelece que é necessário que fiquem bem demonstrados a presença do "fumus comissi delicti" (pressuposto da prisão preventiva), do "periculum libertatis" (fundamento da prisão preventiva), e das condições de sua admissibilidade, insculpidas no artigo 312 do Ordenamento Jurídico Processual Penal Brasileiro.
O "fumus comissi delicti" está calcado na prova da materialidade e em indícios suficientes de autoria, que neste caso estão demonstrados nos autos através do(a): 1) Auto de Prisão em Flagrante; 2) RAI nº 20955293; 3) Auto de Exibição e Apreensão; 4) Laudo Pericial de Constatação de Drogas; 5) Prova oral produzida nos autos inquisitoriais.
Sinteticamente, em resumo às provas orais, noto que: a) na residência do autuado DENILSON foram encontradas várias porções drogas; balança de precisão; uma arma de fogo e várias munições; b) na residência do autuado WAGNER foram encontrados 02 (dois) tabletes de drogas.
Assim, ao menos nesse momento processual, as provas trazidas demonstram que, na data dos fatos, a autuada praticou o crime imputado.
Presente a fumaça do delito cometido, a lei exige também a demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do agente (periculum libertatis).
Em que pese os autuados serem tecnicamente primários, verifico que respondem a outros processos (evento nº 03), fato que revela o risco de reiteração delitiva.
Ademais, friso que as condutas dos autuados extrapolaram a gravidade comumente constatada na prática de crimes desta espécie, notadamente em razão da quantidade de drogas apreendidas. Note-se que foram apreendidos com o autuado DENILSON, 128 (cento e vinte e oito) pedras de crack de variados tamanhos e 164 (cento e sessenta e quatro) pinos de cocaína.
Já com o autuado WAGNER foram apreendidas uma porção grande de substância semelhante a crack, pesando aproximadamente 520g (quinhentos e vinte gramas) e uma porção de substância semelhante a maconha, pesando aproximadamente 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas).
Portanto, diante das circunstâncias fáticas do caso em exame, resta evidente na necessidade de resguardar a ordem pública; a periculosidade dos autuados; o perigo gerado pelo seu estado de liberdade e o risco de reiteração delitiva (periculum libertatis).
Nesse ínterim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de Goiás:
..
Oportuno consignar que, desde que fundamentada nos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Neste sentido:
..
Por fim, tenho que as medidas cautelares diversas da prisão não são suficientes para garantir a ordem pública, nem tampouco prevenir a reiteração da conduta delituosa, já que há fortes indícios de que os autuados podem reiterar a conduta delitiva. (Grifei.)
Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, não obstante a apreensão de considerável quantidade de drogas - 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489 (quatrocentos e oitenta e nove) gramas de maconha -, o paciente é primário, tendo em vista que não consta condenação definitiva na folha de antecedentes criminais (e-STJ fls. 27/28).
Destaco que, apesar de constar duas anotações criminais anteriores (e-STJ fls. 27/28), uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica), cometido sem violência ou grave ameaça e datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018 (e-STJ fl. 27), e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016 (e-STJ fl. 28).
Dessa forma, nota-se que as circunstâncias do caso justificam, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Existindo medidas alternativas capazes de garantir a ordem pública e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da segregação extrema.
2. Apesar das importantes considerações feitas pela Magistrada singular no decreto prisional a respeito das duas passagens anteriores por delito de mesma natureza e do fato de o paciente ter voltado a delinquir mesmo depois de ter sido colocado em liberdade, existem medidas alternativas à prisão que melhor se adequam à situação do paciente (flagrado com 8,84 g de cocaína) capazes de evitar a repetição do crime.
3. Não obstante a informação transmitida após a decisão liminar de que o paciente permanece preso por outras razões, é caso de, ao menos quanto ao processo atual, substituir a prisão cautelar por medidas menos gravosas.
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, para impor ao paciente: a) comparecimento periódico em juízo, sempre que for intimado para os atos do processo e no prazo e nas condições a serem fixados pelo Juiz, a fim de justificar suas atividades; e b) proibição de frequentar bares, praças, boates ou locais voltados ao consumo ou difusão de droga. Caberá à Magistrada de piso tanto a implementação quanto a fiscalização e a adequação dessas medidas cautelares. (HC 588.803/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. NÃO EXACERBADA. REITERAÇÃO DELITIVA. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. PRIMAZIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade das drogas apreendidas - 93g (noventa e três gramas) de maconha - e da reiteração delitiva.
3. Em razão da atual pandemia de Covid-19 e ante os reiterados esforços do Poder Público para conter a disseminação do novo coronavírus, inclusive nas unidades prisionais, esta Casa e, especialmente, este relator vêm olhando com menor rigor para casos como o presente, flexibilizando, pontualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na hipótese de crimes praticados sem violência ou grave ameaça e/ou que não revelem, ao menos neste momento, uma maior gravidade e uma periculosidade acentuada do agente, como é o caso dos autos, em que se está diante do crime de tráfico de entorpecentes.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
5. Recurso provido para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. (RHC 128.910/MG, minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de WAGNER QUIRINO SANTOS apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (HC n. 5468282-12.2021.8.09.0087).
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006) e pelo delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), em razão da apreensão de 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas) maconha (e-STJ fl. 31).
O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus que visava a revogação da prisão preventiva. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 40/41):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA. NÃO CONHECIMENTO. A análise sobre a conduta do réu demanda exame profundo do acervo probatório, inviável na via estreita do writ, devendo a matéria de mérito ficar reservada ao processo de conhecimento. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO CONHECIMENTO. Importa salientar que a via estreita do Writ é inconciliável com o exame aprofundado da prova, inadmitindo, assim, a aferição do conteúdo material do processo quanto à alegação do impetrante de que, caso seja o paciente condenado, o regime de cumprimento de pena será mais brando que o fechado, visto que se trata de matéria meritória a ser analisada no juízo de origem e que demanda dilação probatória. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO FUNDAMENTADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. A necessidade da medida extrema mostra-se amparada na existência dos requisitos autorizadores da prisão preventiva, a saber, a materialidade e indícios de autoria, estando a segregação alicerçada na garantia da ordem pública. OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. Afasta-se a alegação de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois impõe-se ao caso a relativização deste preceito em favor da segurança social, ameaçada pela conduta atribuída ao paciente, além do que, a própria Constituição Federal autoriza a prisão provisória em seu artigo 5º, inciso LXI, desde que se enquadre nos casos previstos na lei. PREDICADOS PESSOAIS. Os predicados favoráveis não têm o condão de garantir, por si só, a revogação da prisão preventiva, mormente quando o julgador visualizar a presença de seus requisitos ensejadores. PANDEMIA MUNDIAL. COVID-19. RECOMENDAÇÃO Nº 62/2020 CNJ. RISCO DE CONTÁGIO PELO VÍRUS. O simples risco de contágio pelo COVID-19 não constitui, por si só, motivo para automática revogação ou conversão em domiciliar da prisão, sendo necessária, para tanto, a análise das peculiaridades do pedido concreto. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. Estando presentes motivos autorizadores da decretação da prisão preventiva e comprovada a necessidade da segregação, incabível a substituição pelas medidas cautelares (art. 319 do CPP), não havendo gravame ou constrangimento ilegal a ser reparado pela via mandamental. PARECER ACOLHIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta que "não se encontram presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva" (e-STJ fl. 9). Defende a possibilidade de fixação de medidas cautelares diversas. Ao final, requer a revogação da prisão preventiva.
O pedido liminar foi indeferido.
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem. O parecer foi assim ementado (e-STJ fl. 95):
PENAL - PROCESSUAL PENAL - HABEAS CORPUS - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPROCEDÊNCIA - EXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS E REQUISITOS DA PRISÃO CAUTELAR DO ARTIGO 312 DO CPP - INSUFICIÊNCIA DE MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA - FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO IDÔNEA - PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS - INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL .
PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Inicialmente, sobre a alegação de desproporcionalidade da custódia em relação ao regime que porventura vier a ser aplicado, cumpre esclarecer que esta Corte tem jurisprudência pacífica quanto à impossibilidade de se realizar juízo prospectivo da pena a ser aplicada, atribuição exclusiva do magistrado sentenciante quando da prolação da sentença.
Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. VARIEDADE DE DROGA APREENDIDA. PENA EM PERSPECTIVA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. CONDIÇÕES FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA IN CASU. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. .. 3. Não cabe a esta Corte proceder com juízo intuitivo e de probabilidade para aferir eventual pena a ser aplicada, tampouco para concluir pela possibilidade de fixação de regime diverso do fechado e de substituição da reprimenda corporal, tarefas essas próprias do Juízo de primeiro grau por ocasião do julgamento de mérito da ação penal (precedentes). .. (RHC n. 119.600/MG, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 5/5/2020, DJe 11/5/2020.)
Com relação aos fundamentos da prisão preventiva, insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 31/32):
II - Da conversão da prisão em flagrante em preventiva.
Passo, assim, a analisar o que mais dispõe o artigo 310 do Código de Processo Penal.
Da leitura do artigo 321 do Código de Processo Penal, extrai-se que a liberdade provisória somente será concedida se não estiverem presentes os motivos autorizadores da prisão preventiva.
No caso dos autos, a prisão preventiva é medida que se impõe. Explico.
Nos moldes do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos.
O requisito supramencionado resta satisfeito, pois a pena máxima prevista para o crime imputado ao autuado ultrapassa 04 anos.
Ademais, para a decretação da prisão preventiva, o Código de Processo Penal estabelece que é necessário que fiquem bem demonstrados a presença do "fumus comissi delicti" (pressuposto da prisão preventiva), do "periculum libertatis" (fundamento da prisão preventiva), e das condições de sua admissibilidade, insculpidas no artigo 312 do Ordenamento Jurídico Processual Penal Brasileiro.
O "fumus comissi delicti" está calcado na prova da materialidade e em indícios suficientes de autoria, que neste caso estão demonstrados nos autos através do(a): 1) Auto de Prisão em Flagrante; 2) RAI nº 20955293; 3) Auto de Exibição e Apreensão; 4) Laudo Pericial de Constatação de Drogas; 5) Prova oral produzida nos autos inquisitoriais.
Sinteticamente, em resumo às provas orais, noto que: a) na residência do autuado DENILSON foram encontradas várias porções drogas; balança de precisão; uma arma de fogo e várias munições; b) na residência do autuado WAGNER foram encontrados 02 (dois) tabletes de drogas.
Assim, ao menos nesse momento processual, as provas trazidas demonstram que, na data dos fatos, a autuada praticou o crime imputado.
Presente a fumaça do delito cometido, a lei exige também a demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do agente (periculum libertatis).
Em que pese os autuados serem tecnicamente primários, verifico que respondem a outros processos (evento nº 03), fato que revela o risco de reiteração delitiva.
Ademais, friso que as condutas dos autuados extrapolaram a gravidade comumente constatada na prática de crimes desta espécie, notadamente em razão da quantidade de drogas apreendidas. Note-se que foram apreendidos com o autuado DENILSON, 128 (cento e vinte e oito) pedras de crack de variados tamanhos e 164 (cento e sessenta e quatro) pinos de cocaína.
Já com o autuado WAGNER foram apreendidas uma porção grande de substância semelhante a crack, pesando aproximadamente 520g (quinhentos e vinte gramas) e uma porção de substância semelhante a maconha, pesando aproximadamente 489g (quatrocentos e oitenta e nove gramas).
Portanto, diante das circunstâncias fáticas do caso em exame, resta evidente na necessidade de resguardar a ordem pública; a periculosidade dos autuados; o perigo gerado pelo seu estado de liberdade e o risco de reiteração delitiva (periculum libertatis).
Nesse ínterim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça de Goiás:
..
Oportuno consignar que, desde que fundamentada nos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Neste sentido:
..
Por fim, tenho que as medidas cautelares diversas da prisão não são suficientes para garantir a ordem pública, nem tampouco prevenir a reiteração da conduta delituosa, já que há fortes indícios de que os autuados podem reiterar a conduta delitiva. (Grifei.)
Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, não obstante a apreensão de considerável quantidade de drogas - 520g (quinhentos e vinte gramas) de crack e 489 (quatrocentos e oitenta e nove) gramas de maconha -, o paciente é primário, tendo em vista que não consta condenação definitiva na folha de antecedentes criminais (e-STJ fls. 27/28).
Destaco que, apesar de constar duas anotações criminais anteriores (e-STJ fls. 27/28), uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica), cometido sem violência ou grave ameaça e datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018 (e-STJ fl. 27), e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016 (e-STJ fl. 28).
Dessa forma, nota-se que as circunstâncias do caso justificam, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Existindo medidas alternativas capazes de garantir a ordem pública e evitar reiteração delitiva, deve-se preferir a aplicação dessas em detrimento da segregação extrema.
2. Apesar das importantes considerações feitas pela Magistrada singular no decreto prisional a respeito das duas passagens anteriores por delito de mesma natureza e do fato de o paciente ter voltado a delinquir mesmo depois de ter sido colocado em liberdade, existem medidas alternativas à prisão que melhor se adequam à situação do paciente (flagrado com 8,84 g de cocaína) capazes de evitar a repetição do crime.
3. Não obstante a informação transmitida após a decisão liminar de que o paciente permanece preso por outras razões, é caso de, ao menos quanto ao processo atual, substituir a prisão cautelar por medidas menos gravosas.
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar anteriormente deferida, para impor ao paciente: a) comparecimento periódico em juízo, sempre que for intimado para os atos do processo e no prazo e nas condições a serem fixados pelo Juiz, a fim de justificar suas atividades; e b) proibição de frequentar bares, praças, boates ou locais voltados ao consumo ou difusão de droga. Caberá à Magistrada de piso tanto a implementação quanto a fiscalização e a adequação dessas medidas cautelares. (HC 588.803/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. MODUS OPERANDI. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. NÃO EXACERBADA. REITERAÇÃO DELITIVA. PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. PRIMAZIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade das drogas apreendidas - 93g (noventa e três gramas) de maconha - e da reiteração delitiva.
3. Em razão da atual pandemia de Covid-19 e ante os reiterados esforços do Poder Público para conter a disseminação do novo coronavírus, inclusive nas unidades prisionais, esta Casa e, especialmente, este relator vêm olhando com menor rigor para casos como o presente, flexibilizando, pontualmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na hipótese de crimes praticados sem violência ou grave ameaça e/ou que não revelem, ao menos neste momento, uma maior gravidade e uma periculosidade acentuada do agente, como é o caso dos autos, em que se está diante do crime de tráfico de entorpecentes.
4. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
5. Recurso provido para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. (RHC 128.910/MG, minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020)
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da natureza e da quantidade das drogas apreendidas.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Destaco, ainda, que o paciente é primário e, apesar de constar duas anotações criminais anteriores, uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido sem violência ou grave ameaça, datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018, e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016.
5. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. | PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. PACIENTE PRIMÁRIO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. | A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, realizada a prisão em flagrante, a prisão preventiva foi decretada em razão da natureza e da quantidade das drogas apreendidas.
3. Não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo.
4. Destaco, ainda, que o paciente é primário e, apesar de constar duas anotações criminais anteriores, uma refere-se ao delito previsto no art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente, cometido sem violência ou grave ameaça, datado do ano de 2013 e arquivado definitivamente em 2/4/2018, e a outra teve a punibilidade extinta em 10/11/2016.
5. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelas disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
6. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. | N |
145,729,863 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
PATRICIA BEZERRA DE SOUZA DIAS BRANCO e ANNA CLAUDIA NERY DA SILVA alegam sofrer constrangimento ilegal em decorrência de decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que indeferiu a medida liminar no HC n. 0634420-08.2021.8.06.0000.
Consta dos autos que a paciente Anna Cláudia Nery da Silva foi denunciada no âmbito da Operação Vereda Sombria pela prática, em tese, dos delitos tipificados nos arts. 1º, § 2º, da Lei n. 9.455/1997, 2º da Lei n. 12.850/2013, 319, 339, caput, e 299, todos do Código Penal. A paciente Patrícia Bezerra de Souza Dias Branco, por sua vez, foi acusada dos crimes capitulados nos arts. 1º, § 2º, da Lei 9.455/1997, 2º, § 3º, da Lei 12.850/2013, 345, 148 e 319 (três vezes), 347, parágrafo único, 317, § 2º e 320, todos do Código Penal.
Nesta Corte, a defesa postula a revogação das medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV, V e IX impostas às pacientes, sob os argumentos de que não foram devidamente fundamentadas e de que são inadequadas e desnecessárias.
As instâncias ordinárias prestaram informações às fls. 700-702.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ ou, caso conhecido, pela denegação da ordem (fls. 707-712).
Às fls. 714-733 a defesa peticionou nos autos e informou a superveniência de acórdão que concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus. Insistiu no julgamento do writ por esta Corte para revogação das demais cautelas.
EMENTA
HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO VEREDA SOMBRIA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, TORTURA, CORRUPÇÃO PASSIVA, PREVARICAÇÃO, DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA, FALSIDADE IDEOLÓGICA. CÁRCERE PRIVADO, FRAUDE PROCESSUAL, EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES, CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Tanto a prisão preventiva (stricto sensu) quanto as demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do processo penal (a realização da justiça, com a restauração da ordem jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena a quem for comprovadamente culpado) ou, ainda, a própria comunidade social, ameaçada ante a perspectiva de abalo à ordem pública pela provável prática de novas infrações penais. O que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final das diversas cautelas (inclusive a mais extrema, a prisão preventiva), mas a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.
2. Vale dizer, a imposição de qualquer providência cautelar, sobretudo as de natureza pessoal, exige demonstração de sua necessidade, hajavista o risco que a liberdade plena do acusado representa para algum bem ou interesse relativo aos meios ou aos fins do processo.
3. A decisão combatidanão evidenciou motivos concretos que lastreassem a fixação das medidas previstas no art. 319, I, IV, V e IX em relação às pacientes. A ausência de fundamentação, aliás, foi expressamente destacada pelo Tribunal de origem por ocasião do julgamento do habeas corpus. No entanto, mesmo reconhecendo a ausência de fundamentação das medidas, a Corte local revogou apenas o monitoramento eletrônico (art. 319, IX, do CPP), mas manteve o recolhimento domiciliar noturno, a proibição de sair da cidade e o comparecimento mensal em juízo; não justificou, contudo, o porquê da manutenção de tais cautelas, a despeito da falta de motivação do decisum de primeiro grau.
4. Ordem concedida para cassar as medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV e V em relação às pacientes, ressalvada a possibilidade de nova imposição de tais medidas ou de outras que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa entender cabíveis e adequadas, mediante a devida fundamentação.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
De acordo com o explicitado na Constituição Federal (art. 105, I, "c"), não compete a este Superior Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar, por desembargador, antes de prévio pronunciamento do órgão colegiado de segundo grau.
Em verdade, o remédio heroico, em que pesem sua altivez e sua grandeza como garantia constitucional de proteção da liberdade humana, não deve servir de instrumento para que se afastem as regras de competência e se submetam à apreciação das mais altas Cortes do país decisões de primeiro grau às quais se atribui suposta ilegalidade, salvo se evidenciada, sem necessidade de exame mais vertical, a apontada violação ao direito de liberdade do paciente.
Somente em tal hipótese a jurisprudência, tanto do STJ quanto do STF, admite o excepcional afastamento do rigor da Súmula n. 691 do STF (aplicável ao STJ), expressa nos seguintes termos: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
Por meio das petições de fls. 714-733, as impetrantes trouxeram aos autos cópia do acórdão proferido no habeas corpus originário, que concedeu parcialmente a ordem para revogar a medida de monitoração eletrônica, mas manteve as demais medidas cautelares do art. 319, I, IV e V.
Assim, em homenagem ao princípio da economia processual, entendo que o acórdão proferido nos autos do HC n. 0634420-08.2021.8.06.0000, em contraposição ao exposto na impetração, fará as vezes de ato coator.
Passo a examinar a impetração.
O Juízo de primeiro grau, ao indeferir o pedido de prisão preventiva e fixar as medidas cautelares alternativas ora questionadas, ofereceu os seguintes fundamentos (fls. 337-339, destaquei):
In casu, o fumus comissi delicti encontra-se sobejamente demonstrado através da apresentação de vasto material probatório que fora colhido em exaustiva investigação. Os doutos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas - GAECO, ao oferecerem a Denúncia, lograram êxito em transcrever algumas das principais conversas contidas nos aparelhos analisados, demonstrando que cada um dos representados denunciados por integrar organização criminosa nesta ação penal era integrante de grupo criminoso bem estruturado, o qual atuava em conjunto, de forma permanente e habitual para o exercício desembaraçado de diversos crimes graves no âmbito da DCTD, praticando, inclusive, crimes de tráfico, torturas, corrupção passiva, entre outros.
Da mesma forma, se vislumbra a presença do periculum in libertatis, eis que os fatos que lhes foram atribuídos revelam-se especialmente graves, praticados no âmbito de organização criminosa complexa, bem estruturada, com divisão de tarefas e atuante em diversas frentes. Ao compulsar os autos, observa-se que os fatos não são contemporâneos, uma vez que a investigação decorreu da análise de material apreendido no cumprimento da operação Vereda Sombria, a qual foi deflagrada em sua primeira fase no ano de 2017, sendo as interceptações telefônicas constantes, datadas do mesmo ano, tendo nesse tempo sido produzidas diversas provas, mas somente em agosto de 2021 é que foi requerida a preventiva dos supostos integrantes do grupo criminoso sob competência deste colegiado, fato esse que demonstra a falta de contemporaneidade entre o início dos fatos descobertos e o pedido de preventiva, em razão do lapso temporal. É bem verdade que os acusados que exercem cargos públicos continuam atuando e/ou tendo influência nos órgãos públicos, pelo que oferecem perigo real ao cumprimento da lei penal no exercício de tais funções, no entanto, tal possibilidade jaz devidamente afastado com o deferimento da medida de afastamento de função pública, no tópico específico tratado anteriormente. Com relação aos não apontados como integrantes da suposta ORCRIM, alguns por serem já denunciados em outras ações penais e outros pelo órgão acusador não vislumbrar motivos suficientes para lhes imputar o ato delituoso, ainda mais injustificada a decretação da prisão. Os primeiros porque, a despeito de supostamente integrarem o grupo, respondem pelo crime em outras ações penais, não podem este juízo decretar a custódia preventiva baseada em crime que é processado em outro feito. Os demais em razão de que o Ministério Público quedou-se inerte em demonstrar como poderia oferecer risco à ordem pública ou ao cumprimento da lei penal se sequer existem elementos suficientes para denuncia-los por integrar o grupo. A existência de gravidade concreta, por si só, não pode determinar o estabelecimento da constrição, sem que fatos hodiernos sejam balizadores e demonstrem a necessidade da medida. Diante desse contexto e considerando que o decorrer do tempo tornou menos relevante os riscos arguidos, entendo suficiente a fixação de medidas cautelares menos gravosas do que a prisão, conforme a jurisprudência: .. Sendo assim, fixo, de acordo com os fundamentos expostos, as seguintes medidas cautelares para serem cumpridas pelos acusados:
- Comparecimento mensal, durante a tramitação do feito, na sede da Central de Alternativas Penais, estabelecida no Complexo da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso - CISPE, situada na avenida Heráclito Graça, n.º 600, bairro Centro, Fortaleza/CE, CEP 60.140-060, telefone (85)3101-7723, para informar e justificar suas atividades, além de orientação psicossocial voltada à prevenção de prática delitiva, devendo o primeiro comparecimento ocorrer no ato da soltura, perante o Núcleo da Central de Alternativas Penais - CAP ou na sede do fórum da Comarca onde reside, devendo a secretaria expedir Carta Precatória para tal, se for o caso;
- Proibição de ausentar-se da Comarca onde mantém residência, salvo se autorizado por este Juízo e com a declaração do local onde poderá ser encontrado;
- Recolhimento domiciliar no período noturno, das 20h às 6h, e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
- Uso de tornozeleira eletrônica para monitoração e fiscalização do cumprimento desta medida cautelar ..
O Tribunal a quo, por sua vez, ao denegar a ordem no HC lá impetrado, assim argumentou (fls. 729-730, grifei):
Analisando atentamente os argumentos utilizados pelo colegiados de juízes da Vara Especializada, constata-se que o pedido de prisão preventiva das pacientes foi rejeitado devido a ausência de contemporaneidade da medida com os fatos em apuração, uma vez que a investigação decorreu da análise de material apreendido no cumprimento da operação Vereda Sombria, a qual foi deflagrada em sua primeira fase no ano de 2017, sendo as interceptações telefônicas constantes nos autos datadas do mesmo ano, tendo nesse tempo sido produzidas diversas provas, mas somente em agosto de 2021 é que foi requerida a preventiva dos supostos integrantes do grupo criminoso pelo Ministério Público. Além disso, consignou-se que os acusados que exercem cargos públicos (caso das pacientes) continuavam atuando e/ou tendo influência nos órgãos públicos, circunstância oferecia perigo real ao cumprimento da lei penal no exercício de tais funções, no entanto, tal possibilidade seria mitigada com o deferimento da medida de afastamento de função pública. Todavia, observa-se que o colegiado de magistrados não fundamentou adequadamente sua decisão na parte que impôs as demais medidas cautelares diversas da prisão às pacientes, mormente a de monitoração eletrônica, a qual, quando cumulada com a cautelar do inciso V do artigo 319 do Código de Processo Penal, como na hipótese que se cuida, impõe sérias restrições à liberdade e causam bastante constrangimento, devido ao estigma social sofrido pelas pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica. Com efeito, o recolhimento domiciliar noturno visa impor ao réu a permanência em sua residência durante os períodos indicados, numa demonstração de que não possui intenção de fugir ou, ainda, de praticar delitos nos referidos períodos. Por sua vez, a monitoração eletrônica busca propiciar a fiscalização da medida imposta. No entanto, diante do transcurso do tempo desde o início das investigações e agora do afastamento das pacientes do exercício de suas funções públicas, a medida cautelar do inciso IX do art. 319 do CPP não se mostra mais necessária, seja para a garantia da ordem pública ou para assegurar a aplicação da lei penal. Por fim, impende esclarecer que, ao proferir meu voto oralmente por ocasião da sessão de julgamento, adotei, inicialmente, o entendimento de que também deveria ser afastada a medida cautelar do recolhimento domiciliar noturno (art. 319, V, CP). No entanto, após o voto do eminente Des. Francisco Carneiro Lima, restou decidido, por maioria, que somente a cautelar da monitoração deveria ser afastada, diante de sua desnecessidade.
A nova realidade normativa introduzida pelas Leis n. 12.403/2011 e 13.964/2019 exige dos profissionais do direito, sobretudo dos magistrados, uma diferente compreensão sobre o tema das cautelas pessoais no processo penal. É descabido o apego a doutrinas e a convicções ideológicas não mais sustentáveis à luz da novel legislação.
Por conseguinte, na estrutura do processo penal cautelar vigente, o intérprete e aplicador do Direito há de voltar seus olhos, de modo muito atento, ao que dispõe o art. 282 do CPP, particularmente os seus dois incisos do caput, que evidenciam a necessidade de que se levem em consideração, para a tomada de decisão sobre uma cautelar de natureza pessoal, interesses tanto processuais quanto sociais, e também as circunstâncias relacionadas ao sujeito passivo da medida e ao crime cometido.
Refiro-me, quando aludo a interesses processuais e sociais, àqueles fatores que legitimam qualquer medida cautelar de natureza pessoal, ou seja, os motivos que consubstanciam a necessidade de sacrificar a liberdade do investigado ou do acusado, por representar ela um perigo (periculum libertatis) à investigação ou à instrução do processo, à aplicação da lei penal ou à ordem pública ou econômica. Observe-se que, no tocante às cautelas em geral, a diferença da redação quanto a esses motivos se dá tão somente na terceira hipótese configuradora da exigência cautelar a que remete o art. 282, I, do CPP ("para evitar a prática de infrações penais"), opção de texto que deu um sentido mais concreto e técnico à vaga expressão "garantia da ordem pública", ainda referida no art. 312 do CPP como justificativa para a prisão preventiva.
Assim, tanto a prisão preventiva (stricto sensu) quanto as demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do processo penal (a realização da justiça, com a restauração da ordem jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena a quem for comprovadamente culpado), ou, ainda, a própria comunidade social, ameaçada ante a perspectiva de abalo à ordem pública pela provável prática de novas infrações penais. O que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final das diversas cautelas (inclusive a mais extrema, a prisão preventiva), mas a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.
Vale dizer, a imposição de qualquer providência cautelar, sobretudo as de natureza pessoal, exige demonstração de sua necessidade, haja vista o risco que a liberdade plena do acusado representa para algum bem ou interesse relativo aos meios ou aos fins do processo.
Na hipótese dos autos, embora o Juízo de primeiro grau haja fundamentado especificamente a imposição da medida cautelar de afastamento do cargo público em tópico próprio (art. 319, VI, do CPP) - tanto que nem sequer questionada pela defesa -, não o fez em relação às demais providências alternativas impostas às pacientes, porquanto, ao indeferir o pedido de prisão preventiva por falta de contemporaneidade, não esclareceu por que seriam necessárias as medidas do art. 319, I, IV, V e IX, do CPP.
A ausência de fundamentação, aliás, foi expressamente destacada pelo Tribunal de origem por ocasião do julgamento do habeas corpus. Senão vejamos (fl. 729, destaquei):
.. observa-se que o colegiado de magistrados não fundamentou adequadamente sua decisão na parte que impôs as demais medidas cautelares diversas da prisão às pacientes, mormente a de monitoração eletrônica, a qual, quando cumulada com a cautelar do inciso V do artigo 319 do Código de Processo Penal, como na hipótese que se cuida, impõe sérias restrições à liberdade e causam bastante constrangimento, devido ao estigma social sofrido pelas pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica.
No entanto, mesmo reconhecendo a ausência de fundamentação das medidas, a Corte local revogou apenas o monitoramento eletrônico (art. 319, IX, do CPP), mas manteve o recolhimento domiciliar noturno, a proibição de se ausentar da comarca e o comparecimento mensal em juízo; não justificou, contudo, o porquê da manutenção de tais cautelas, a despeito da falta de motivação do decisum de primeiro grau.
Verifico, portanto, que o Juízo de primeiro grau não realizou a devida análise da cautelaridade das medidas aplicadas, a evidenciar a necessidade de que sejam cassadas. Ilustrativamente:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO (..) 2. Para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, exige-se fundamentação específica que demonstre a necessidade e adequação de cada medida imposta no caso concreto.3. Tendo sido tão somente listadas as cautelares fixadas, sem justificativa de sua pertinência aos riscos que se pretendia evitar, tem-se a falta de suficiente fundamento e decorrente ilegalidade.4. Habeas corpus concedido para cassar as medidas cautelares impostas ao paciente JAIME LUCAS DOS SANTOS RODRIGUES, o que não impede a fixação de novas medidas pelo Juízo de piso, por decisão fundamentada.
(HC n. 480.001/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 7/3/2019)
À vista do exposto, concedo a ordem para cassar as medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV e V em relação às pacientes, ressalvada a possibilidade de nova imposição de tais medidas ou de outras que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa entender cabíveis e adequadas, mediante a devida fundamentação.
Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias para as providências cabíveis. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
PATRICIA BEZERRA DE SOUZA DIAS BRANCO e ANNA CLAUDIA NERY DA SILVA alegam sofrer constrangimento ilegal em decorrência de decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que indeferiu a medida liminar no HC n. 0634420-08.2021.8.06.0000.
Consta dos autos que a paciente Anna Cláudia Nery da Silva foi denunciada no âmbito da Operação Vereda Sombria pela prática, em tese, dos delitos tipificados nos arts. 1º, § 2º, da Lei n. 9.455/1997, 2º da Lei n. 12.850/2013, 319, 339, caput, e 299, todos do Código Penal. A paciente Patrícia Bezerra de Souza Dias Branco, por sua vez, foi acusada dos crimes capitulados nos arts. 1º, § 2º, da Lei 9.455/1997, 2º, § 3º, da Lei 12.850/2013, 345, 148 e 319 (três vezes), 347, parágrafo único, 317, § 2º e 320, todos do Código Penal.
Nesta Corte, a defesa postula a revogação das medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV, V e IX impostas às pacientes, sob os argumentos de que não foram devidamente fundamentadas e de que são inadequadas e desnecessárias.
As instâncias ordinárias prestaram informações às fls. 700-702.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ ou, caso conhecido, pela denegação da ordem (fls. 707-712).
Às fls. 714-733 a defesa peticionou nos autos e informou a superveniência de acórdão que concedeu parcialmente a ordem de habeas corpus. Insistiu no julgamento do writ por esta Corte para revogação das demais cautelas.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
De acordo com o explicitado na Constituição Federal (art. 105, I, "c"), não compete a este Superior Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar, por desembargador, antes de prévio pronunciamento do órgão colegiado de segundo grau.
Em verdade, o remédio heroico, em que pesem sua altivez e sua grandeza como garantia constitucional de proteção da liberdade humana, não deve servir de instrumento para que se afastem as regras de competência e se submetam à apreciação das mais altas Cortes do país decisões de primeiro grau às quais se atribui suposta ilegalidade, salvo se evidenciada, sem necessidade de exame mais vertical, a apontada violação ao direito de liberdade do paciente.
Somente em tal hipótese a jurisprudência, tanto do STJ quanto do STF, admite o excepcional afastamento do rigor da Súmula n. 691 do STF (aplicável ao STJ), expressa nos seguintes termos: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
Por meio das petições de fls. 714-733, as impetrantes trouxeram aos autos cópia do acórdão proferido no habeas corpus originário, que concedeu parcialmente a ordem para revogar a medida de monitoração eletrônica, mas manteve as demais medidas cautelares do art. 319, I, IV e V.
Assim, em homenagem ao princípio da economia processual, entendo que o acórdão proferido nos autos do HC n. 0634420-08.2021.8.06.0000, em contraposição ao exposto na impetração, fará as vezes de ato coator.
Passo a examinar a impetração.
O Juízo de primeiro grau, ao indeferir o pedido de prisão preventiva e fixar as medidas cautelares alternativas ora questionadas, ofereceu os seguintes fundamentos (fls. 337-339, destaquei):
In casu, o fumus comissi delicti encontra-se sobejamente demonstrado através da apresentação de vasto material probatório que fora colhido em exaustiva investigação. Os doutos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate às Organizações Criminosas - GAECO, ao oferecerem a Denúncia, lograram êxito em transcrever algumas das principais conversas contidas nos aparelhos analisados, demonstrando que cada um dos representados denunciados por integrar organização criminosa nesta ação penal era integrante de grupo criminoso bem estruturado, o qual atuava em conjunto, de forma permanente e habitual para o exercício desembaraçado de diversos crimes graves no âmbito da DCTD, praticando, inclusive, crimes de tráfico, torturas, corrupção passiva, entre outros.
Da mesma forma, se vislumbra a presença do periculum in libertatis, eis que os fatos que lhes foram atribuídos revelam-se especialmente graves, praticados no âmbito de organização criminosa complexa, bem estruturada, com divisão de tarefas e atuante em diversas frentes. Ao compulsar os autos, observa-se que os fatos não são contemporâneos, uma vez que a investigação decorreu da análise de material apreendido no cumprimento da operação Vereda Sombria, a qual foi deflagrada em sua primeira fase no ano de 2017, sendo as interceptações telefônicas constantes, datadas do mesmo ano, tendo nesse tempo sido produzidas diversas provas, mas somente em agosto de 2021 é que foi requerida a preventiva dos supostos integrantes do grupo criminoso sob competência deste colegiado, fato esse que demonstra a falta de contemporaneidade entre o início dos fatos descobertos e o pedido de preventiva, em razão do lapso temporal. É bem verdade que os acusados que exercem cargos públicos continuam atuando e/ou tendo influência nos órgãos públicos, pelo que oferecem perigo real ao cumprimento da lei penal no exercício de tais funções, no entanto, tal possibilidade jaz devidamente afastado com o deferimento da medida de afastamento de função pública, no tópico específico tratado anteriormente. Com relação aos não apontados como integrantes da suposta ORCRIM, alguns por serem já denunciados em outras ações penais e outros pelo órgão acusador não vislumbrar motivos suficientes para lhes imputar o ato delituoso, ainda mais injustificada a decretação da prisão. Os primeiros porque, a despeito de supostamente integrarem o grupo, respondem pelo crime em outras ações penais, não podem este juízo decretar a custódia preventiva baseada em crime que é processado em outro feito. Os demais em razão de que o Ministério Público quedou-se inerte em demonstrar como poderia oferecer risco à ordem pública ou ao cumprimento da lei penal se sequer existem elementos suficientes para denuncia-los por integrar o grupo. A existência de gravidade concreta, por si só, não pode determinar o estabelecimento da constrição, sem que fatos hodiernos sejam balizadores e demonstrem a necessidade da medida. Diante desse contexto e considerando que o decorrer do tempo tornou menos relevante os riscos arguidos, entendo suficiente a fixação de medidas cautelares menos gravosas do que a prisão, conforme a jurisprudência: .. Sendo assim, fixo, de acordo com os fundamentos expostos, as seguintes medidas cautelares para serem cumpridas pelos acusados:
- Comparecimento mensal, durante a tramitação do feito, na sede da Central de Alternativas Penais, estabelecida no Complexo da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso - CISPE, situada na avenida Heráclito Graça, n.º 600, bairro Centro, Fortaleza/CE, CEP 60.140-060, telefone (85)3101-7723, para informar e justificar suas atividades, além de orientação psicossocial voltada à prevenção de prática delitiva, devendo o primeiro comparecimento ocorrer no ato da soltura, perante o Núcleo da Central de Alternativas Penais - CAP ou na sede do fórum da Comarca onde reside, devendo a secretaria expedir Carta Precatória para tal, se for o caso;
- Proibição de ausentar-se da Comarca onde mantém residência, salvo se autorizado por este Juízo e com a declaração do local onde poderá ser encontrado;
- Recolhimento domiciliar no período noturno, das 20h às 6h, e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
- Uso de tornozeleira eletrônica para monitoração e fiscalização do cumprimento desta medida cautelar ..
O Tribunal a quo, por sua vez, ao denegar a ordem no HC lá impetrado, assim argumentou (fls. 729-730, grifei):
Analisando atentamente os argumentos utilizados pelo colegiados de juízes da Vara Especializada, constata-se que o pedido de prisão preventiva das pacientes foi rejeitado devido a ausência de contemporaneidade da medida com os fatos em apuração, uma vez que a investigação decorreu da análise de material apreendido no cumprimento da operação Vereda Sombria, a qual foi deflagrada em sua primeira fase no ano de 2017, sendo as interceptações telefônicas constantes nos autos datadas do mesmo ano, tendo nesse tempo sido produzidas diversas provas, mas somente em agosto de 2021 é que foi requerida a preventiva dos supostos integrantes do grupo criminoso pelo Ministério Público. Além disso, consignou-se que os acusados que exercem cargos públicos (caso das pacientes) continuavam atuando e/ou tendo influência nos órgãos públicos, circunstância oferecia perigo real ao cumprimento da lei penal no exercício de tais funções, no entanto, tal possibilidade seria mitigada com o deferimento da medida de afastamento de função pública. Todavia, observa-se que o colegiado de magistrados não fundamentou adequadamente sua decisão na parte que impôs as demais medidas cautelares diversas da prisão às pacientes, mormente a de monitoração eletrônica, a qual, quando cumulada com a cautelar do inciso V do artigo 319 do Código de Processo Penal, como na hipótese que se cuida, impõe sérias restrições à liberdade e causam bastante constrangimento, devido ao estigma social sofrido pelas pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica. Com efeito, o recolhimento domiciliar noturno visa impor ao réu a permanência em sua residência durante os períodos indicados, numa demonstração de que não possui intenção de fugir ou, ainda, de praticar delitos nos referidos períodos. Por sua vez, a monitoração eletrônica busca propiciar a fiscalização da medida imposta. No entanto, diante do transcurso do tempo desde o início das investigações e agora do afastamento das pacientes do exercício de suas funções públicas, a medida cautelar do inciso IX do art. 319 do CPP não se mostra mais necessária, seja para a garantia da ordem pública ou para assegurar a aplicação da lei penal. Por fim, impende esclarecer que, ao proferir meu voto oralmente por ocasião da sessão de julgamento, adotei, inicialmente, o entendimento de que também deveria ser afastada a medida cautelar do recolhimento domiciliar noturno (art. 319, V, CP). No entanto, após o voto do eminente Des. Francisco Carneiro Lima, restou decidido, por maioria, que somente a cautelar da monitoração deveria ser afastada, diante de sua desnecessidade.
A nova realidade normativa introduzida pelas Leis n. 12.403/2011 e 13.964/2019 exige dos profissionais do direito, sobretudo dos magistrados, uma diferente compreensão sobre o tema das cautelas pessoais no processo penal. É descabido o apego a doutrinas e a convicções ideológicas não mais sustentáveis à luz da novel legislação.
Por conseguinte, na estrutura do processo penal cautelar vigente, o intérprete e aplicador do Direito há de voltar seus olhos, de modo muito atento, ao que dispõe o art. 282 do CPP, particularmente os seus dois incisos do caput, que evidenciam a necessidade de que se levem em consideração, para a tomada de decisão sobre uma cautelar de natureza pessoal, interesses tanto processuais quanto sociais, e também as circunstâncias relacionadas ao sujeito passivo da medida e ao crime cometido.
Refiro-me, quando aludo a interesses processuais e sociais, àqueles fatores que legitimam qualquer medida cautelar de natureza pessoal, ou seja, os motivos que consubstanciam a necessidade de sacrificar a liberdade do investigado ou do acusado, por representar ela um perigo (periculum libertatis) à investigação ou à instrução do processo, à aplicação da lei penal ou à ordem pública ou econômica. Observe-se que, no tocante às cautelas em geral, a diferença da redação quanto a esses motivos se dá tão somente na terceira hipótese configuradora da exigência cautelar a que remete o art. 282, I, do CPP ("para evitar a prática de infrações penais"), opção de texto que deu um sentido mais concreto e técnico à vaga expressão "garantia da ordem pública", ainda referida no art. 312 do CPP como justificativa para a prisão preventiva.
Assim, tanto a prisão preventiva (stricto sensu) quanto as demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do processo penal (a realização da justiça, com a restauração da ordem jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena a quem for comprovadamente culpado), ou, ainda, a própria comunidade social, ameaçada ante a perspectiva de abalo à ordem pública pela provável prática de novas infrações penais. O que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final das diversas cautelas (inclusive a mais extrema, a prisão preventiva), mas a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.
Vale dizer, a imposição de qualquer providência cautelar, sobretudo as de natureza pessoal, exige demonstração de sua necessidade, haja vista o risco que a liberdade plena do acusado representa para algum bem ou interesse relativo aos meios ou aos fins do processo.
Na hipótese dos autos, embora o Juízo de primeiro grau haja fundamentado especificamente a imposição da medida cautelar de afastamento do cargo público em tópico próprio (art. 319, VI, do CPP) - tanto que nem sequer questionada pela defesa -, não o fez em relação às demais providências alternativas impostas às pacientes, porquanto, ao indeferir o pedido de prisão preventiva por falta de contemporaneidade, não esclareceu por que seriam necessárias as medidas do art. 319, I, IV, V e IX, do CPP.
A ausência de fundamentação, aliás, foi expressamente destacada pelo Tribunal de origem por ocasião do julgamento do habeas corpus. Senão vejamos (fl. 729, destaquei):
.. observa-se que o colegiado de magistrados não fundamentou adequadamente sua decisão na parte que impôs as demais medidas cautelares diversas da prisão às pacientes, mormente a de monitoração eletrônica, a qual, quando cumulada com a cautelar do inciso V do artigo 319 do Código de Processo Penal, como na hipótese que se cuida, impõe sérias restrições à liberdade e causam bastante constrangimento, devido ao estigma social sofrido pelas pessoas monitoradas por tornozeleira eletrônica.
No entanto, mesmo reconhecendo a ausência de fundamentação das medidas, a Corte local revogou apenas o monitoramento eletrônico (art. 319, IX, do CPP), mas manteve o recolhimento domiciliar noturno, a proibição de se ausentar da comarca e o comparecimento mensal em juízo; não justificou, contudo, o porquê da manutenção de tais cautelas, a despeito da falta de motivação do decisum de primeiro grau.
Verifico, portanto, que o Juízo de primeiro grau não realizou a devida análise da cautelaridade das medidas aplicadas, a evidenciar a necessidade de que sejam cassadas. Ilustrativamente:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO (..) 2. Para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, exige-se fundamentação específica que demonstre a necessidade e adequação de cada medida imposta no caso concreto.3. Tendo sido tão somente listadas as cautelares fixadas, sem justificativa de sua pertinência aos riscos que se pretendia evitar, tem-se a falta de suficiente fundamento e decorrente ilegalidade.4. Habeas corpus concedido para cassar as medidas cautelares impostas ao paciente JAIME LUCAS DOS SANTOS RODRIGUES, o que não impede a fixação de novas medidas pelo Juízo de piso, por decisão fundamentada.
(HC n. 480.001/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 7/3/2019)
À vista do exposto, concedo a ordem para cassar as medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV e V em relação às pacientes, ressalvada a possibilidade de nova imposição de tais medidas ou de outras que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa entender cabíveis e adequadas, mediante a devida fundamentação.
Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias para as providências cabíveis. | EMENTA
HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO VEREDA SOMBRIA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, TORTURA, CORRUPÇÃO PASSIVA, PREVARICAÇÃO, DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA, FALSIDADE IDEOLÓGICA. CÁRCERE PRIVADO, FRAUDE PROCESSUAL, EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES, CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Tanto a prisão preventiva (stricto sensu) quanto as demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do processo penal (a realização da justiça, com a restauração da ordem jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena a quem for comprovadamente culpado) ou, ainda, a própria comunidade social, ameaçada ante a perspectiva de abalo à ordem pública pela provável prática de novas infrações penais. O que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final das diversas cautelas (inclusive a mais extrema, a prisão preventiva), mas a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.
2. Vale dizer, a imposição de qualquer providência cautelar, sobretudo as de natureza pessoal, exige demonstração de sua necessidade, hajavista o risco que a liberdade plena do acusado representa para algum bem ou interesse relativo aos meios ou aos fins do processo.
3. A decisão combatidanão evidenciou motivos concretos que lastreassem a fixação das medidas previstas no art. 319, I, IV, V e IX em relação às pacientes. A ausência de fundamentação, aliás, foi expressamente destacada pelo Tribunal de origem por ocasião do julgamento do habeas corpus. No entanto, mesmo reconhecendo a ausência de fundamentação das medidas, a Corte local revogou apenas o monitoramento eletrônico (art. 319, IX, do CPP), mas manteve o recolhimento domiciliar noturno, a proibição de sair da cidade e o comparecimento mensal em juízo; não justificou, contudo, o porquê da manutenção de tais cautelas, a despeito da falta de motivação do decisum de primeiro grau.
4. Ordem concedida para cassar as medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV e V em relação às pacientes, ressalvada a possibilidade de nova imposição de tais medidas ou de outras que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa entender cabíveis e adequadas, mediante a devida fundamentação. | HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO VEREDA SOMBRIA. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, TORTURA, CORRUPÇÃO PASSIVA, PREVARICAÇÃO, DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA, FALSIDADE IDEOLÓGICA. CÁRCERE PRIVADO, FRAUDE PROCESSUAL, EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES, CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. | 1. Tanto a prisão preventiva (stricto sensu) quanto as demais medidas cautelares pessoais introduzidas pela Lei n. 12.403/2011 destinam-se a proteger os meios (a atividade probatória) e os fins do processo penal (a realização da justiça, com a restauração da ordem jurídica e da paz pública e, eventualmente, a imposição de pena a quem for comprovadamente culpado) ou, ainda, a própria comunidade social, ameaçada ante a perspectiva de abalo à ordem pública pela provável prática de novas infrações penais. O que varia, portanto, não é a justificativa ou a razão final das diversas cautelas (inclusive a mais extrema, a prisão preventiva), mas a dose de sacrifício pessoal decorrente de cada uma delas.
2. Vale dizer, a imposição de qualquer providência cautelar, sobretudo as de natureza pessoal, exige demonstração de sua necessidade, hajavista o risco que a liberdade plena do acusado representa para algum bem ou interesse relativo aos meios ou aos fins do processo.
3. A decisão combatidanão evidenciou motivos concretos que lastreassem a fixação das medidas previstas no art. 319, I, IV, V e IX em relação às pacientes. A ausência de fundamentação, aliás, foi expressamente destacada pelo Tribunal de origem por ocasião do julgamento do habeas corpus. No entanto, mesmo reconhecendo a ausência de fundamentação das medidas, a Corte local revogou apenas o monitoramento eletrônico (art. 319, IX, do CPP), mas manteve o recolhimento domiciliar noturno, a proibição de sair da cidade e o comparecimento mensal em juízo; não justificou, contudo, o porquê da manutenção de tais cautelas, a despeito da falta de motivação do decisum de primeiro grau.
4. Ordem concedida para cassar as medidas cautelares previstas no art. 319, I, IV e V em relação às pacientes, ressalvada a possibilidade de nova imposição de tais medidas ou de outras que o prudente arbítrio do Juízo natural da causa entender cabíveis e adequadas, mediante a devida fundamentação. | N |
140,420,607 | EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE/PORTE DE ARMA DE FOGO. NULIDADE. DILIGÊNCIA REALIZADA NO DOMICÍLIO DO RÉU SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADAS RAZÕES NÃO VERIFICADAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO HC N. 598.051/SP. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Sexta Turma, ao revisitar o tema referente à violação de domicílio, no Habeas Corpus n. 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, fixou as teses de que "as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente", e de que até mesmo o consentimento, registrado nos autos, para o ingresso das autoridades públicas sem mandado deve ser comprovado pelo Estado.
2. No presente caso, os policiais tinham informações da existência de drogas na residência (denúncia anônima), e um dos pacientes empreendeu fuga para dentro da residência ao avistar a guarnição policial. Tais circunstâncias não trazem contexto fático que justifique a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial.
3. Habeas corpus concedido para anular a prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LUCIANO HENRIQUE MARQUES OMENA GOMES e JOAO PEDRO SOUZA DA SILVA no qual se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (HC n. 0806701-78.2021.8.02.0000).
Depreende-se dos autos que os pacientes foram presos em flagrante pela prática dos delitos de tráfico de drogas e posse/porte ilegal de arma de fogo.
Narram os autos que (e-STJ fls. 45/46):
Consta no Inquérito Policial, instaurado mediante Auto de Prisão em Flagrante de nº 3313/2021, oriundo da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico de Rio Largo, que no dia 01/04/2021, por volta das 11h40min, na residência localizada no Conjunto Mário Mafra, Quadra 5, Cruzeiro do Sul, nesta cidade, os denunciados, associadoS para o fim de praticar o tráfico de drogas, foram presos em flagrante por guardarem 0,03 kg de maconha/tetraidrocanabinol, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, bem como por possuir, o primeiro denunciado, no interior de sua residência, 01(um) revolver calibre 38, marca Taurus, nº 4172423, municiado com 03 munições, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, e o segundo denunciado por portar, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 01 (uma) pistola, marca Taurus, calibre 380, com numeração suprimida, com 02 (dois) carregadores de 15 (quinze) munições cada, praticando, com isso, o primeiro denunciado, a conduta típica do art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei 11.343/2006, c/c art. 12 da Lei 10.826/20 03, em concurso material de crimes, e o segundo denunciado a conduta típica do art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei 11.343/2006, c/c art. 16, §1º, inciso IV, da Lei 10.826/2003, em concurso material de crimes.
A defesa impetrou habeas corpus perante a Corte de origem pleiteando o reconhecimento de nulidade pela invasão de domicílio e a revogação da prisão preventiva, contudo a ordem foi denegada. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 123/124):
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CONCRETOS QUE JUSTIFIQUEM A PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO JUDICIAL QUE APONTA A NECESSIDADE DE MANTER OS PACIENTES PROVISORIAMENTE CUSTODIADOS. PRESENTES OS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A PRISÃO. PACIENTES QUE JÁ RESPONDIAM A OUTRAS AÇÕES CRIMINAIS. ALEGAÇÃO DA ILEGALIDADE PRISIONAL EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE. DENÚNCIA ANÔNIMA. FUNDADAS RAZÕES. ELEMENTOS CONCRETOS DA AUTORIA. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE PERMITEM A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DA ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. ANÁLISE QUE DEMANDA REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INAPLICABILIDADE DE OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES. ORDEM DENEGADA. UNANIMIDADE.
1.Nos autos originais, observa-se que o magistrado reconheceu os pressupostos da prisão preventiva por existirem os indicios de autoria e a prova da materialidade delitiva em desfavor dos pacientes, sendo necessária a manutenção das preventivas, sobretudo para garantir a ordem pública. De acordo com os autos, a guarnição da Polícia Militar recebeu informações da ocorrência de tráfico de drogas em uma residência localizada no bairro do Cruzeiro do Sul, nesta capital, dirigindo-se até a localidade indicada, momento em que avistou o denunciado J. P. S da S. na porta da referida residência. Ele, em tese, ao perceber a aproximação da viatura, empreendeu fuga para o interior da residência, enquanto os policiais teriam capturado o acusado já dentro do imóvel e ele estaria com uma pistola calibre 380 em sua cintura. Consta, ainda, que, posteriormente, capturaram o outro denunciado L. H. M. O. G. na área de sua residência, na posse de 01 (um) revolver calibre 38 e, após realizarem buscas no local foram encontrados 01 (uma) balança de precisão e 300g (trezentos gramas) de maconha embaixo de um colchão.
Destaque-se, ainda, que o Magistrado ressaltou na decisão que decretou a preventiva que o acusado L. H. M. O. G. responde a dois processos criminais, pela suposta prática de homicídio qualificado e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, enquanto o acusado J. P. S. da S. responde a dois processos criminais por homicídio qualificado, tendo mandado de prisão em aberto no primeiro processo.
2. Sobre o asilo inviolável do indivíduo, o Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, submetido à sistemática da repercussão geral, fixou a tese de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados (RE n. 603.616/TO, Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 10/5/2016).
Indicada a denúncia anônima e a atitude suspeita do acusado, além de se tratar de crime permanente, que autoriza a entrada no imóvel.
3.Outrossim, o entendimento dos Tribunais Superiores se dá no sentido de que o trancamento da persecução penal somente se dá em situações excepcionalíssimas, somente se justificando se carente de justa causa para a deflagração da ação penal, o que não se verifica na espécie. Para o oferecimento da denúncia basta que existam nos autos provas de materialidade do delito e indícios de autoria, e, in casu, estes restaram devidamente preenchidos.
4. Inviável, in casu, o reconhecimento da ilicitude das provas nesta via estreita do habeas corpus, tendo em vista a discussão da matéria em questão demandar análise aprofundada do conjunto fático-probatório.
5.Ordem denegada.
Daí o presente writ, no qual sustenta a defesa nulidade em razão da violação de domicílio.
Aduz, ainda, que, reconhecida a nulidade, deveria ser determinado o trancamento da ação penal.
Diante dessas considerações, pede "o desentranhamento da prova ilícita e o trancamento da ação penal por inépcia da denúncia, falta de justa causa" (e-STJ fl. 19).
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem. O parecer foi assim ementado (e-STJ fl. 160):
Habeas Corpus. Tráfico de drogas, associação ao tráfico e porte de arma. Violação de domicílio. Ausência de justa causa. Fuga do suspeito para o interior da residência. Provas ilícitas. Trancamento da ação penal.
Parecer pela concessão do writ, a fim de determinar o trancamento do processo penal, dada a ilicitude na obtenção dos elementos informativos que possibilitaram a persecução criminal.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
No tocante à invasão de domicílio, cumpre asseverar que o art. 33 da Lei n. 11.343/2006 consubstancia tipo penal de ação múltipla. O dispositivo desse artigo traz em seu bojo dezoito modalidades de ações que se subsomem à incidência do referido tipo, entre as quais estão inseridos "ter em depósito" ou "guardar" drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Essas duas modalidades, consoante a jurisprudência dos tribunais superiores, traduzem hipóteses de crime permanente, significando que o momento de consumação do crime de tráfico de entorpecentes se prolonga no tempo, permitindo a conclusão de que o agente estará em flagrante delito até a cessação da permanência.
Aliás, essa é a inteligência do art. 303 do Código de Processo Penal, segundo o qual, "nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência".
Apreciando o tema, tanto o Superior Tribunal de Justiça como o Supremo Tribunal Federal pacificaram a orientação de que, tratando-se o delito de tráfico de entorpecentes nas modalidades "guardar" ou "ter em depósito" de crime permanente, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão em caso de flagrante delito.
Nesse sentido:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
..
2. O delito de tráfico de drogas é crime de natureza permanente, de forma que é despiciendo o mandado de busca e apreensão para que a autoridade policial adentre o domicílio do acusado, porquanto configurada a situação de flagrância, exceção contemplada pelo art. 5º, XI, da Constituição da República de 1988.
..
5. Recurso não provido.(RHC 75.397/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 27/10/2016.)
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. ART. 12 DA LEI N.º 10.826/03. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. CRIMES PERMANENTES. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. COLHEITA DA PROVA PELA MAGISTRADA TITULAR, À ÉPOCA. SENTENÇA PROLATADA, EM RAZÃO DE AFASTAMENTO MOTIVADO POR DESIGNAÇÃO PARA OUTRO JUÍZO, PELO SUCESSOR. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. NÃO INCIDÊNCIA. CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICAVA-SE AO TRÁFICO DE DROGAS. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. NÃO CONHECIMENTO.
1. "Tratando-se de crimes de natureza permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão para que os policiais adentrem o domicílio do acusado, não havendo se falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida (precedentes)" (HC 306.560/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 01/09/2015).
2. Para se concluir que não havia situação de flagrância, seria necessário reexaminar o contexto fático-probatório dos autos, o que se afigura inviável na estreita via eleita
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5. Habeas corpus não conhecido.(HC 359.420/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/8/2016, DJe 26/8/2016.)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006 E ART. 12, CAPUT, DA LEI 10.826/2003. BUSCA DOMICILIAR E PESSOAL. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE NA EFETIVAÇÃO DA PRISÃO. INOCORRÊNCIA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DELITO PERMANENTE. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DIVERSIDADE E QUANTIDADE DE DROGAS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
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V - Tratando-se de tráfico ilícito de substância entorpecente, crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a busca domiciliar e pessoal que culminou com prisão da paciente, mantendo em depósito drogas e na posse de arma de fogo, não constitui prova ilícita, pois ficou evidenciada a figura do flagrante delito, o que, a teor do disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, autoriza o ingresso, ainda que sem mandado judicial, no domicílio alheio (Precedentes).
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Habeas corpus não conhecido.(HC 290.619/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 12/12/2014.)
Sobre o tema, ainda, cumpre frisar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou o entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados". Confira-se, oportunamente, a ementa do acórdão proferido no referido processo:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE n. 603616/RO, relator Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 5/11/2015, DJe 10/5/2016.)
O Ministro Rogerio Schietti Cruz, ao discorrer acerca da controvérsia objeto desta irresignação no REsp n. 1.574.681/RS, bem destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar" (SEXTA TURMA, julgado em 20/4/2017, DJe 30/5/2017).
Pontuou o Ministro que "tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade", mas que "há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo".
Cinge-se a controvérsia, portanto, a verificar a existência de "fundadas razões" que, consoante o entendimento da Suprema Corte, autorizem a entrada forçada em domicílio, prescindindo-se de mandado de busca e apreensão.
Colaciono, oportunamente, este trecho do acórdão atacado (e-STJ fls. 129/130):
No que toca à alegação da ilegalidade da prisão em decorrência da suposta violação de domicílio, analisando a documentação acostada aos autos, observa-se que, conforme depoimentos prestados na fase inquisitorial (fls. 119/120 e 121/122), os policiais se dirigiram ao local a fim de averiguar denúncia anônima que informava que, naquele local, estaria ocorrendo comercialização de drogas.
Nesse aspecto, vale frisar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, tratando-se o tráfico de drogas de crime permanente, é dispensável a expedição de mandado de busca e apreensão para que haja o ingresso no domicílio do suspeito, diante do objetivo de cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal. (HC 549.276/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020) Outrossim, importa ressaltar que, na espécie, houve justificativa a demandar a ação policial, sem, com isso, invadir as atribuições da Polícia Judiciária, baseada em elementos suficientes a legitimar a ação dos agentes públicos, principalmente a informação de que foram averiguar denúncia anônima e também de que um dos pacientes, ao avistar os agentes policiais, teria se evadido e ingressado na residência, oferecendo resistência quando de sua abordagem. Portanto, há justificativa e elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência do delito em questão. (Grifei.)
No caso em exame, verifica-se violação ao art. 157 do Código de Processo Penal, observado que o ingresso na casa onde foram apreendidas as drogas não se sustenta em fundadas razões extraídas da leitura dos documentos dos autos. Isso, porque a informação (denúncia anônima) de que na residência do paciente havia drogas e o fato de um dos réus empreender fuga para o interior da residência não justificam, por si só, a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para ingressar na residência do paciente Luciano. Assim sendo, o contexto fático narrado não corrobora a conclusão inarredável de que na residência praticava-se o crime de tráfico de drogas.
Nesse contexto, é importante destacar que a Sexta Turma desta Corte, em recentíssimo entendimento firmado nos autos do HC n. 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, firmou as teses de que "as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente", e de que até mesmo o consentimento, registrado nos autos, para o ingresso das autoridades públicas sem mandado deve ser comprovado pelo Estado.
Eis a íntegra da ementa do mencionado julgado:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.
1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1).
2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação - e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio - justificam o retardo da cessação da prática delitiva.
2.2. A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação - amiúde irreversível - de todo o processo, em prejuízo da sociedade.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori" (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado.
4. As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente.
5. Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
5.1. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc.
5.2. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos - diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas - pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas todos os moradores do local.
5.3. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial - meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada - legitimar a entrada em residência ou local de abrigo.
6. Já no que toca ao consentimento do morador para o ingresso em sua residência - uma das hipóteses autorizadas pela Constituição da República para o afastamento da inviolabilidade do domicílio - outros países trilharam caminho judicial mais assertivo, ainda que, como aqui, não haja normatização detalhada nas respectivas Constituições e leis, geralmente limitadas a anunciar o direito à inviolabilidade da intimidade domiciliar e as possíveis autorizações para o ingresso alheio.
6.1. Nos Estados Unidos, por exemplo, a par da necessidade do exame da causa provável para a entrada de policiais em domicílio de suspeitos de crimes, não pode haver dúvidas sobre a voluntariedade da autorização do morador (in dubio libertas). O consentimento "deve ser inequívoco, específico e conscientemente dado, não contaminado por qualquer truculência ou coerção ("consent, to be valid, "must be unequivocal, specific and intelligently given, uncontaminated by any duress or coercion""). (United States v McCaleb, 552 F2d 717, 721 (6th Cir 1977), citando Simmons v Bomar, 349 F2d 365, 366 (6th Cir 1965). Além disso, ao Estado cabe o ônus de provar que o consentimento foi, de fato, livre e voluntariamente dado, isento de qualquer forma, direta ou indireta, de coação, o que é aferível pelo teste da totalidade das circunstâncias (totality of circumstances).
6.2. No direito espanhol, por sua vez, o Tribunal Supremo destaca, entre outros, os seguintes requisitos para o consentimento do morador: a) deve ser prestado por pessoa capaz, maior de idade e no exercício de seus direitos; b) deve ser consciente e livre; c) deve ser documentado; d) deve ser expresso, não servindo o silêncio como consentimento tácito.
6.3. Outrossim, a documentação comprobatória do assentimento do morador é exigida, na França, de modo expresso e mediante declaração escrita à mão do morador, conforme norma positivada no art. 76 do Código de Processo Penal; nos EUA, também é usual a necessidade de assinatura de um formulário pela pessoa que consentiu com o ingresso em seu domicílio (North Carolina v. Butler (1979) 441 U.S. 369, 373; People v. Ramirez (1997) 59 Cal.App.4th 1548, 1558; U.S. v. Castillo (9a Cir. 1989) 866 F.2d 1071, 1082), declaração que, todavia, será desconsiderada se as circunstâncias indicarem ter sido obtida de forma coercitiva ou houver dúvidas sobre a voluntariedade do consentimento (Haley v. Ohio (1947) 332 U.S. 596, 601; People v. Andersen (1980) 101 Cal.App.3d 563, 579.
6.4. Se para simplesmente algemar uma pessoa, já presa - ostentando, portanto, alguma verossimilhança do fato delituoso que deu origem a sua detenção -, exige-se a indicação, por escrito, da justificativa para o uso de tal medida acautelatória, seria então, no tocante ao ingresso domiciliar, "necessário que nós estabeleçamos, desde logo, como fizemos na Súmula 11, alguma formalidade para que essa razão excepcional seja justificada por escrito, sob pena das sanções cabíveis" (voto do Min. Ricardo Lewandowski, no RE n. 603.616/TO).
6.5. Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do Código de Processo Penal - analogicamente aplicável para busca e apreensão também sem mandado judicial - ao dispor que, " f inda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º".
7. São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias - não apenas históricas, mas atuais -, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça.
7.1. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu no caso ora em julgamento - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e dúvidas sobre sua legalidade.
7.2. Por isso, avulta de importância que, além da documentação escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar. Semelhante providência resultará na diminuição da criminalidade em geral - pela maior eficácia probatória, bem como pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra policiais, por outro - e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento do morador, se foi ele livremente prestado.
8. Ao Poder Judiciário, ante a lacuna da lei para melhor regulamentação do tema, cabe responder, na moldura do Direito, às situações que, trazidas por provocação do interessado, se mostrem violadoras de direitos fundamentais do indivíduo. E, especialmente, ao Superior Tribunal de Justiça compete, na sua função judicante, buscar a melhor interpretação possível da lei federal, de sorte a não apenas responder ao pedido da parte, mas também formar precedentes que orientem o julgamento de casos futuros similares.
8.1. As decisões do Poder Judiciário - mormente dos Tribunais incumbidos de interpretar, em última instância, as leis federais e a Constituição - servem para dar resposta ao pedido no caso concreto e também para "enriquecer o estoque das regras jurídicas" (Melvin Eisenberg. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. p. 4) e assegurar, no plano concreto, a realização dos valores, princípios e objetivos definidos na Constituição de cada país. Para tanto, não podem, em nome da maior eficiência punitiva, tolerar práticas que se divorciam do modelo civilizatório que deve orientar a construção de uma sociedade mais igualitária, fraterna, pluralista e sem preconceitos.
8.2. Como assentado em conhecido debate na Suprema Corte dos EUA sobre a admissibilidade das provas ilícitas (Weeks v. United States, 232 U.S. 383,1914), se os tribunais permitem o uso de provas obtidas em buscas ilegais, tal procedimento representa uma afirmação judicial de manifesta negligência, se não um aberto desafio, às proibições da Constituição, direcionadas à proteção das pessoas contra esse tipo de ação não autorizada ("such proceeding would be to affirm by judicial decision a manifest neglect, if not an open defiance, of the prohibitions of the Constitution, intended for the protection of the people against such unauthorized action").
8.3. A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam a esta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social e econômico, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança.
9. Na espécie, não havia elementos objetivos, seguros e racionais que justificassem a invasão de domicílio do suspeito, porquanto a simples avaliação subjetiva dos policiais era insuficiente para conduzir a diligência de ingresso na residência, visto que não foi encontrado nenhum entorpecente na busca pessoa realizada em via pública.
10. A seu turno, as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes castrenses de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.
11. Assim, como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada da residência do paciente, de 109 g de maconha -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.
12. Habeas Corpus concedido, com a anulação da prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio e consequente absolvição do paciente, dando-se ciência do inteiro teor do acórdão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como às Defensorias Públicas dos Estados e da União, ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais dos Estados, aos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que deem conhecimento do teor do julgado a todos os órgãos e agentes da segurança pública federal, estadual e distrital.
13. Estabelece-se o prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências necessárias para a adaptação às diretrizes da presente decisão, de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros, evitar situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do agente estatal.
(HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021, grifei.)
Nesse sentido, confiram-se, ainda:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NO DOMICÍLIO DO RÉU. FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE MANDADO. DENÚNCIA ANÔNIMA/COMUNICAÇÃO APÓCRIFA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.
1. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito.
2. Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida.
3. Não havendo, como na hipótese, outros elementos preliminares indicativos de crime que acompanhem a denúncia anônima, inexiste justa causa a autorizar o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador, o que nulifica a prova produzida.
4. Habeas corpus concedido para reconhecer a nulidade das provas colhidas mediante violação domiciliar.
(HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 03/12/2019.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. PROVA ILÍCITA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em situação de flagrante quem estiver cometendo uma infração penal; quem tenha acabado de cometê-la; quem tiver sido perseguido após a prática delitiva ou encontrado, logo depois, com objetos, instrumentos ou papéis que façam presumir ser o autor do crime. E, de acordo com o art. 303 do CPP, nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Com efeito, a posse ilegal de arma é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência. Em regra, é absolutamente legítima a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente, portanto, de mandado judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não se serem identificadas), por exemplo, e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo, não servem para demonstrar a justa causa.
3. Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. No presente caso, em momento algum, foi explicitado, com dados objetivos e concretos, em que consistiria eventual atitude suspeita por parte do acusado. Há uma denúncia anônima e o fato de o acusado ter adentrado rapidamente no hotel em que estava hospedado quando avistou a viatura. Não existe qualquer referência a prévia investigação, a monitoramento ou a campanas no local. Os policiais, portanto, não estavam autorizados a ingressar na residência sem o devido mandado judicial.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 1.466.216/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 27/05/2019.)
Por fim, considerando a nulidade ora reconhecida, cabe ao Juízo de primeiro grau analisar a subsistência de elementos para a continuidade da persecução penal.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para anular a prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio.
É o voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LUCIANO HENRIQUE MARQUES OMENA GOMES e JOAO PEDRO SOUZA DA SILVA no qual se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas (HC n. 0806701-78.2021.8.02.0000).
Depreende-se dos autos que os pacientes foram presos em flagrante pela prática dos delitos de tráfico de drogas e posse/porte ilegal de arma de fogo.
Narram os autos que (e-STJ fls. 45/46):
Consta no Inquérito Policial, instaurado mediante Auto de Prisão em Flagrante de nº 3313/2021, oriundo da Delegacia de Repressão ao Narcotráfico de Rio Largo, que no dia 01/04/2021, por volta das 11h40min, na residência localizada no Conjunto Mário Mafra, Quadra 5, Cruzeiro do Sul, nesta cidade, os denunciados, associadoS para o fim de praticar o tráfico de drogas, foram presos em flagrante por guardarem 0,03 kg de maconha/tetraidrocanabinol, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, bem como por possuir, o primeiro denunciado, no interior de sua residência, 01(um) revolver calibre 38, marca Taurus, nº 4172423, municiado com 03 munições, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, e o segundo denunciado por portar, em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 01 (uma) pistola, marca Taurus, calibre 380, com numeração suprimida, com 02 (dois) carregadores de 15 (quinze) munições cada, praticando, com isso, o primeiro denunciado, a conduta típica do art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei 11.343/2006, c/c art. 12 da Lei 10.826/20 03, em concurso material de crimes, e o segundo denunciado a conduta típica do art. 33, caput, c/c art. 35, ambos da Lei 11.343/2006, c/c art. 16, §1º, inciso IV, da Lei 10.826/2003, em concurso material de crimes.
A defesa impetrou habeas corpus perante a Corte de origem pleiteando o reconhecimento de nulidade pela invasão de domicílio e a revogação da prisão preventiva, contudo a ordem foi denegada. O acórdão foi assim ementado (e-STJ fls. 123/124):
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CONCRETOS QUE JUSTIFIQUEM A PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO JUDICIAL QUE APONTA A NECESSIDADE DE MANTER OS PACIENTES PROVISORIAMENTE CUSTODIADOS. PRESENTES OS REQUISITOS QUE AUTORIZAM A PRISÃO. PACIENTES QUE JÁ RESPONDIAM A OUTRAS AÇÕES CRIMINAIS. ALEGAÇÃO DA ILEGALIDADE PRISIONAL EM RAZÃO DA VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. CRIME PERMANENTE. DENÚNCIA ANÔNIMA. FUNDADAS RAZÕES. ELEMENTOS CONCRETOS DA AUTORIA. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. PLEITO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE PERMITEM A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DA ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. ANÁLISE QUE DEMANDA REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INAPLICABILIDADE DE OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES. ORDEM DENEGADA. UNANIMIDADE.
1.Nos autos originais, observa-se que o magistrado reconheceu os pressupostos da prisão preventiva por existirem os indicios de autoria e a prova da materialidade delitiva em desfavor dos pacientes, sendo necessária a manutenção das preventivas, sobretudo para garantir a ordem pública. De acordo com os autos, a guarnição da Polícia Militar recebeu informações da ocorrência de tráfico de drogas em uma residência localizada no bairro do Cruzeiro do Sul, nesta capital, dirigindo-se até a localidade indicada, momento em que avistou o denunciado J. P. S da S. na porta da referida residência. Ele, em tese, ao perceber a aproximação da viatura, empreendeu fuga para o interior da residência, enquanto os policiais teriam capturado o acusado já dentro do imóvel e ele estaria com uma pistola calibre 380 em sua cintura. Consta, ainda, que, posteriormente, capturaram o outro denunciado L. H. M. O. G. na área de sua residência, na posse de 01 (um) revolver calibre 38 e, após realizarem buscas no local foram encontrados 01 (uma) balança de precisão e 300g (trezentos gramas) de maconha embaixo de um colchão.
Destaque-se, ainda, que o Magistrado ressaltou na decisão que decretou a preventiva que o acusado L. H. M. O. G. responde a dois processos criminais, pela suposta prática de homicídio qualificado e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, enquanto o acusado J. P. S. da S. responde a dois processos criminais por homicídio qualificado, tendo mandado de prisão em aberto no primeiro processo.
2. Sobre o asilo inviolável do indivíduo, o Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário, submetido à sistemática da repercussão geral, fixou a tese de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados (RE n. 603.616/TO, Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 10/5/2016).
Indicada a denúncia anônima e a atitude suspeita do acusado, além de se tratar de crime permanente, que autoriza a entrada no imóvel.
3.Outrossim, o entendimento dos Tribunais Superiores se dá no sentido de que o trancamento da persecução penal somente se dá em situações excepcionalíssimas, somente se justificando se carente de justa causa para a deflagração da ação penal, o que não se verifica na espécie. Para o oferecimento da denúncia basta que existam nos autos provas de materialidade do delito e indícios de autoria, e, in casu, estes restaram devidamente preenchidos.
4. Inviável, in casu, o reconhecimento da ilicitude das provas nesta via estreita do habeas corpus, tendo em vista a discussão da matéria em questão demandar análise aprofundada do conjunto fático-probatório.
5.Ordem denegada.
Daí o presente writ, no qual sustenta a defesa nulidade em razão da violação de domicílio.
Aduz, ainda, que, reconhecida a nulidade, deveria ser determinado o trancamento da ação penal.
Diante dessas considerações, pede "o desentranhamento da prova ilícita e o trancamento da ação penal por inépcia da denúncia, falta de justa causa" (e-STJ fl. 19).
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem. O parecer foi assim ementado (e-STJ fl. 160):
Habeas Corpus. Tráfico de drogas, associação ao tráfico e porte de arma. Violação de domicílio. Ausência de justa causa. Fuga do suspeito para o interior da residência. Provas ilícitas. Trancamento da ação penal.
Parecer pela concessão do writ, a fim de determinar o trancamento do processo penal, dada a ilicitude na obtenção dos elementos informativos que possibilitaram a persecução criminal.
É, em síntese, o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
No tocante à invasão de domicílio, cumpre asseverar que o art. 33 da Lei n. 11.343/2006 consubstancia tipo penal de ação múltipla. O dispositivo desse artigo traz em seu bojo dezoito modalidades de ações que se subsomem à incidência do referido tipo, entre as quais estão inseridos "ter em depósito" ou "guardar" drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
Essas duas modalidades, consoante a jurisprudência dos tribunais superiores, traduzem hipóteses de crime permanente, significando que o momento de consumação do crime de tráfico de entorpecentes se prolonga no tempo, permitindo a conclusão de que o agente estará em flagrante delito até a cessação da permanência.
Aliás, essa é a inteligência do art. 303 do Código de Processo Penal, segundo o qual, "nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência".
Apreciando o tema, tanto o Superior Tribunal de Justiça como o Supremo Tribunal Federal pacificaram a orientação de que, tratando-se o delito de tráfico de entorpecentes nas modalidades "guardar" ou "ter em depósito" de crime permanente, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão em caso de flagrante delito.
Nesse sentido:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
..
2. O delito de tráfico de drogas é crime de natureza permanente, de forma que é despiciendo o mandado de busca e apreensão para que a autoridade policial adentre o domicílio do acusado, porquanto configurada a situação de flagrância, exceção contemplada pelo art. 5º, XI, da Constituição da República de 1988.
..
5. Recurso não provido.(RHC 75.397/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 27/10/2016.)
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/2006. ART. 12 DA LEI N.º 10.826/03. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE SITUAÇÃO DE FLAGRÂNCIA. CRIMES PERMANENTES. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONDENAÇÃO. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. COLHEITA DA PROVA PELA MAGISTRADA TITULAR, À ÉPOCA. SENTENÇA PROLATADA, EM RAZÃO DE AFASTAMENTO MOTIVADO POR DESIGNAÇÃO PARA OUTRO JUÍZO, PELO SUCESSOR. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ARTIGO 132 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DE PENA. NÃO INCIDÊNCIA. CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICAVA-SE AO TRÁFICO DE DROGAS. AFERIÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. NÃO CONHECIMENTO.
1. "Tratando-se de crimes de natureza permanente, como é o caso do tráfico ilícito de entorpecentes, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão para que os policiais adentrem o domicílio do acusado, não havendo se falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida (precedentes)" (HC 306.560/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2015, DJe 01/09/2015).
2. Para se concluir que não havia situação de flagrância, seria necessário reexaminar o contexto fático-probatório dos autos, o que se afigura inviável na estreita via eleita
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5. Habeas corpus não conhecido.(HC 359.420/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/8/2016, DJe 26/8/2016.)
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. NOVA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. ART. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/2006 E ART. 12, CAPUT, DA LEI 10.826/2003. BUSCA DOMICILIAR E PESSOAL. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE NA EFETIVAÇÃO DA PRISÃO. INOCORRÊNCIA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DELITO PERMANENTE. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DIVERSIDADE E QUANTIDADE DE DROGAS. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
..
V - Tratando-se de tráfico ilícito de substância entorpecente, crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a busca domiciliar e pessoal que culminou com prisão da paciente, mantendo em depósito drogas e na posse de arma de fogo, não constitui prova ilícita, pois ficou evidenciada a figura do flagrante delito, o que, a teor do disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, autoriza o ingresso, ainda que sem mandado judicial, no domicílio alheio (Precedentes).
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Habeas corpus não conhecido.(HC 290.619/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 12/12/2014.)
Sobre o tema, ainda, cumpre frisar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou o entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados". Confira-se, oportunamente, a ementa do acórdão proferido no referido processo:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE n. 603616/RO, relator Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 5/11/2015, DJe 10/5/2016.)
O Ministro Rogerio Schietti Cruz, ao discorrer acerca da controvérsia objeto desta irresignação no REsp n. 1.574.681/RS, bem destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar" (SEXTA TURMA, julgado em 20/4/2017, DJe 30/5/2017).
Pontuou o Ministro que "tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade", mas que "há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo".
Cinge-se a controvérsia, portanto, a verificar a existência de "fundadas razões" que, consoante o entendimento da Suprema Corte, autorizem a entrada forçada em domicílio, prescindindo-se de mandado de busca e apreensão.
Colaciono, oportunamente, este trecho do acórdão atacado (e-STJ fls. 129/130):
No que toca à alegação da ilegalidade da prisão em decorrência da suposta violação de domicílio, analisando a documentação acostada aos autos, observa-se que, conforme depoimentos prestados na fase inquisitorial (fls. 119/120 e 121/122), os policiais se dirigiram ao local a fim de averiguar denúncia anônima que informava que, naquele local, estaria ocorrendo comercialização de drogas.
Nesse aspecto, vale frisar que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que, tratando-se o tráfico de drogas de crime permanente, é dispensável a expedição de mandado de busca e apreensão para que haja o ingresso no domicílio do suspeito, diante do objetivo de cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal. (HC 549.276/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020) Outrossim, importa ressaltar que, na espécie, houve justificativa a demandar a ação policial, sem, com isso, invadir as atribuições da Polícia Judiciária, baseada em elementos suficientes a legitimar a ação dos agentes públicos, principalmente a informação de que foram averiguar denúncia anônima e também de que um dos pacientes, ao avistar os agentes policiais, teria se evadido e ingressado na residência, oferecendo resistência quando de sua abordagem. Portanto, há justificativa e elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência do delito em questão. (Grifei.)
No caso em exame, verifica-se violação ao art. 157 do Código de Processo Penal, observado que o ingresso na casa onde foram apreendidas as drogas não se sustenta em fundadas razões extraídas da leitura dos documentos dos autos. Isso, porque a informação (denúncia anônima) de que na residência do paciente havia drogas e o fato de um dos réus empreender fuga para o interior da residência não justificam, por si só, a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para ingressar na residência do paciente Luciano. Assim sendo, o contexto fático narrado não corrobora a conclusão inarredável de que na residência praticava-se o crime de tráfico de drogas.
Nesse contexto, é importante destacar que a Sexta Turma desta Corte, em recentíssimo entendimento firmado nos autos do HC n. 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti Cruz, firmou as teses de que "as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente", e de que até mesmo o consentimento, registrado nos autos, para o ingresso das autoridades públicas sem mandado deve ser comprovado pelo Estado.
Eis a íntegra da ementa do mencionado julgado:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.
1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: "O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1).
2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência - cuja urgência em sua cessação demande ação imediata - é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação - e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio - justificam o retardo da cessação da prática delitiva.
2.2. A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação - amiúde irreversível - de todo o processo, em prejuízo da sociedade.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: "A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori" (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado.
4. As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente.
5. Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
5.1. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc.
5.2. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos - diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas - pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas todos os moradores do local.
5.3. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial - meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada - legitimar a entrada em residência ou local de abrigo.
6. Já no que toca ao consentimento do morador para o ingresso em sua residência - uma das hipóteses autorizadas pela Constituição da República para o afastamento da inviolabilidade do domicílio - outros países trilharam caminho judicial mais assertivo, ainda que, como aqui, não haja normatização detalhada nas respectivas Constituições e leis, geralmente limitadas a anunciar o direito à inviolabilidade da intimidade domiciliar e as possíveis autorizações para o ingresso alheio.
6.1. Nos Estados Unidos, por exemplo, a par da necessidade do exame da causa provável para a entrada de policiais em domicílio de suspeitos de crimes, não pode haver dúvidas sobre a voluntariedade da autorização do morador (in dubio libertas). O consentimento "deve ser inequívoco, específico e conscientemente dado, não contaminado por qualquer truculência ou coerção ("consent, to be valid, "must be unequivocal, specific and intelligently given, uncontaminated by any duress or coercion""). (United States v McCaleb, 552 F2d 717, 721 (6th Cir 1977), citando Simmons v Bomar, 349 F2d 365, 366 (6th Cir 1965). Além disso, ao Estado cabe o ônus de provar que o consentimento foi, de fato, livre e voluntariamente dado, isento de qualquer forma, direta ou indireta, de coação, o que é aferível pelo teste da totalidade das circunstâncias (totality of circumstances).
6.2. No direito espanhol, por sua vez, o Tribunal Supremo destaca, entre outros, os seguintes requisitos para o consentimento do morador: a) deve ser prestado por pessoa capaz, maior de idade e no exercício de seus direitos; b) deve ser consciente e livre; c) deve ser documentado; d) deve ser expresso, não servindo o silêncio como consentimento tácito.
6.3. Outrossim, a documentação comprobatória do assentimento do morador é exigida, na França, de modo expresso e mediante declaração escrita à mão do morador, conforme norma positivada no art. 76 do Código de Processo Penal; nos EUA, também é usual a necessidade de assinatura de um formulário pela pessoa que consentiu com o ingresso em seu domicílio (North Carolina v. Butler (1979) 441 U.S. 369, 373; People v. Ramirez (1997) 59 Cal.App.4th 1548, 1558; U.S. v. Castillo (9a Cir. 1989) 866 F.2d 1071, 1082), declaração que, todavia, será desconsiderada se as circunstâncias indicarem ter sido obtida de forma coercitiva ou houver dúvidas sobre a voluntariedade do consentimento (Haley v. Ohio (1947) 332 U.S. 596, 601; People v. Andersen (1980) 101 Cal.App.3d 563, 579.
6.4. Se para simplesmente algemar uma pessoa, já presa - ostentando, portanto, alguma verossimilhança do fato delituoso que deu origem a sua detenção -, exige-se a indicação, por escrito, da justificativa para o uso de tal medida acautelatória, seria então, no tocante ao ingresso domiciliar, "necessário que nós estabeleçamos, desde logo, como fizemos na Súmula 11, alguma formalidade para que essa razão excepcional seja justificada por escrito, sob pena das sanções cabíveis" (voto do Min. Ricardo Lewandowski, no RE n. 603.616/TO).
6.5. Tal providência, aliás, já é determinada pelo art. 245, § 7º, do Código de Processo Penal - analogicamente aplicável para busca e apreensão também sem mandado judicial - ao dispor que, " f inda a diligência, os executores lavrarão auto circunstanciado, assinando-o com duas testemunhas presenciais, sem prejuízo do disposto no § 4º".
7. São frequentes e notórias as notícias de abusos cometidos em operações e diligências policiais, quer em abordagens individuais, quer em intervenções realizadas em comunidades dos grandes centros urbanos. É, portanto, ingenuidade, academicismo e desconexão com a realidade conferir, em tais situações, valor absoluto ao depoimento daqueles que são, precisamente, os apontados responsáveis pelos atos abusivos. E, em um país conhecido por suas práticas autoritárias - não apenas históricas, mas atuais -, a aceitação desse comportamento compromete a necessária aquisição de uma cultura democrática de respeito aos direitos fundamentais de todos, independentemente de posição social, condição financeira, profissão, local da moradia, cor da pele ou raça.
7.1. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu no caso ora em julgamento - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de documentação que a imunize contra suspeitas e dúvidas sobre sua legalidade.
7.2. Por isso, avulta de importância que, além da documentação escrita da diligência policial (relatório circunstanciado), seja ela totalmente registrada em vídeo e áudio, de maneira a não deixar dúvidas quanto à legalidade da ação estatal como um todo e, particularmente, quanto ao livre consentimento do morador para o ingresso domiciliar. Semelhante providência resultará na diminuição da criminalidade em geral - pela maior eficácia probatória, bem como pela intimidação a abusos, de um lado, e falsas acusações contra policiais, por outro - e permitirá avaliar se houve, efetivamente, justa causa para o ingresso e, quando indicado ter havido consentimento do morador, se foi ele livremente prestado.
8. Ao Poder Judiciário, ante a lacuna da lei para melhor regulamentação do tema, cabe responder, na moldura do Direito, às situações que, trazidas por provocação do interessado, se mostrem violadoras de direitos fundamentais do indivíduo. E, especialmente, ao Superior Tribunal de Justiça compete, na sua função judicante, buscar a melhor interpretação possível da lei federal, de sorte a não apenas responder ao pedido da parte, mas também formar precedentes que orientem o julgamento de casos futuros similares.
8.1. As decisões do Poder Judiciário - mormente dos Tribunais incumbidos de interpretar, em última instância, as leis federais e a Constituição - servem para dar resposta ao pedido no caso concreto e também para "enriquecer o estoque das regras jurídicas" (Melvin Eisenberg. The nature of the common law. Cambridge: Harvard University Press, 1998. p. 4) e assegurar, no plano concreto, a realização dos valores, princípios e objetivos definidos na Constituição de cada país. Para tanto, não podem, em nome da maior eficiência punitiva, tolerar práticas que se divorciam do modelo civilizatório que deve orientar a construção de uma sociedade mais igualitária, fraterna, pluralista e sem preconceitos.
8.2. Como assentado em conhecido debate na Suprema Corte dos EUA sobre a admissibilidade das provas ilícitas (Weeks v. United States, 232 U.S. 383,1914), se os tribunais permitem o uso de provas obtidas em buscas ilegais, tal procedimento representa uma afirmação judicial de manifesta negligência, se não um aberto desafio, às proibições da Constituição, direcionadas à proteção das pessoas contra esse tipo de ação não autorizada ("such proceeding would be to affirm by judicial decision a manifest neglect, if not an open defiance, of the prohibitions of the Constitution, intended for the protection of the people against such unauthorized action").
8.3. A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam a esta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social e econômico, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança.
9. Na espécie, não havia elementos objetivos, seguros e racionais que justificassem a invasão de domicílio do suspeito, porquanto a simples avaliação subjetiva dos policiais era insuficiente para conduzir a diligência de ingresso na residência, visto que não foi encontrado nenhum entorpecente na busca pessoa realizada em via pública.
10. A seu turno, as regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes castrenses de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, franqueando àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.
11. Assim, como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada da residência do paciente, de 109 g de maconha -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.
12. Habeas Corpus concedido, com a anulação da prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio e consequente absolvição do paciente, dando-se ciência do inteiro teor do acórdão aos Presidentes dos Tribunais de Justiça dos Estados e aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais, bem como às Defensorias Públicas dos Estados e da União, ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais dos Estados, aos Conselhos Nacionais da Justiça e do Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil, ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Ministro da Justiça e Segurança Pública e aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal, encarecendo a estes últimos que deem conhecimento do teor do julgado a todos os órgãos e agentes da segurança pública federal, estadual e distrital.
13. Estabelece-se o prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias, treinamento e demais providências necessárias para a adaptação às diretrizes da presente decisão, de modo a, sem prejuízo do exame singular de casos futuros, evitar situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, implicar responsabilidade administrativa, civil e/ou penal do agente estatal.
(HC 598.051/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 15/03/2021, grifei.)
Nesse sentido, confiram-se, ainda:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NO DOMICÍLIO DO RÉU. FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE MANDADO. DENÚNCIA ANÔNIMA/COMUNICAÇÃO APÓCRIFA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.
1. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito.
2. Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida.
3. Não havendo, como na hipótese, outros elementos preliminares indicativos de crime que acompanhem a denúncia anônima, inexiste justa causa a autorizar o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador, o que nulifica a prova produzida.
4. Habeas corpus concedido para reconhecer a nulidade das provas colhidas mediante violação domiciliar.
(HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 03/12/2019.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. PROVA ILÍCITA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em situação de flagrante quem estiver cometendo uma infração penal; quem tenha acabado de cometê-la; quem tiver sido perseguido após a prática delitiva ou encontrado, logo depois, com objetos, instrumentos ou papéis que façam presumir ser o autor do crime. E, de acordo com o art. 303 do CPP, nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Com efeito, a posse ilegal de arma é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência. Em regra, é absolutamente legítima a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente, portanto, de mandado judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não se serem identificadas), por exemplo, e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo, não servem para demonstrar a justa causa.
3. Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. No presente caso, em momento algum, foi explicitado, com dados objetivos e concretos, em que consistiria eventual atitude suspeita por parte do acusado. Há uma denúncia anônima e o fato de o acusado ter adentrado rapidamente no hotel em que estava hospedado quando avistou a viatura. Não existe qualquer referência a prévia investigação, a monitoramento ou a campanas no local. Os policiais, portanto, não estavam autorizados a ingressar na residência sem o devido mandado judicial.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 1.466.216/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2019, DJe 27/05/2019.)
Por fim, considerando a nulidade ora reconhecida, cabe ao Juízo de primeiro grau analisar a subsistência de elementos para a continuidade da persecução penal.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para anular a prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio.
É o voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE/PORTE DE ARMA DE FOGO. NULIDADE. DILIGÊNCIA REALIZADA NO DOMICÍLIO DO RÉU SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADAS RAZÕES NÃO VERIFICADAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO HC N. 598.051/SP. ORDEM CONCEDIDA.
1. A Sexta Turma, ao revisitar o tema referente à violação de domicílio, no Habeas Corpus n. 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, fixou as teses de que "as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente", e de que até mesmo o consentimento, registrado nos autos, para o ingresso das autoridades públicas sem mandado deve ser comprovado pelo Estado.
2. No presente caso, os policiais tinham informações da existência de drogas na residência (denúncia anônima), e um dos pacientes empreendeu fuga para dentro da residência ao avistar a guarnição policial. Tais circunstâncias não trazem contexto fático que justifique a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial.
3. Habeas corpus concedido para anular a prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio. | PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. POSSE/PORTE DE ARMA DE FOGO. NULIDADE. DILIGÊNCIA REALIZADA NO DOMICÍLIO DO RÉU SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADAS RAZÕES NÃO VERIFICADAS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO HC N. 598.051/SP. ORDEM CONCEDIDA. | 1. A Sexta Turma, ao revisitar o tema referente à violação de domicílio, no Habeas Corpus n. 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogerio Schietti, fixou as teses de que "as circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude "suspeita", ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente", e de que até mesmo o consentimento, registrado nos autos, para o ingresso das autoridades públicas sem mandado deve ser comprovado pelo Estado.
2. No presente caso, os policiais tinham informações da existência de drogas na residência (denúncia anônima), e um dos pacientes empreendeu fuga para dentro da residência ao avistar a guarnição policial. Tais circunstâncias não trazem contexto fático que justifique a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial.
3. Habeas corpus concedido para anular a prova decorrente do ingresso desautorizado no domicílio. | N |
141,047,357 | EMENTA
RECLAMAÇÃO. DECISÃO DO STJ QUE CONCEDE ORDEM DE OFÍCIO, EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS, PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONHEÇA DE HABEAS CORPUS ALI IMPETRADO, JULGANDO O MÉRITO COMO ENTENDER DE DIREITO. ARQUIVAMENTO DO HABEAS CORPUS NA ORIGEM, SEM O ATENDIMENTO DA ORDEM EMANADA DESTA CORTE SUPERIOR. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1. A Terceira Seção desta Corte tem entendido admissível o manejo concomitante de habeas corpus e de apelação criminal perante os Tribunais de segundo grau, desde que o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente. Precedentes: AgRg no HC 548.976/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020; HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020.
2. Se julgado desta Corte reconheceu que o habeas corpus impetrado pela defesa perante Tribunal de Justiça formula questionamentos não postos em apelação criminal já decidida na Corte de origem e determina o retorno dos autos à Corte de origem, para que seja conhecida a impetração e julgado seu mérito, a decisão do Relator do habeas corpus que determina o arquivamento do feito sem proceder a novo reexame da controvérsia descumpre flagrantemente ordem emanada deste Tribunal Superior.
3. Reclamação julgada procedente, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ribeiro Dantas.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro.
O Dr. Davi Vieira Coelho de Albuquerque sustentou oralmente pela parte reclamante.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de reclamação ajuizada por AIRTON RIBEIRO DA SILVA, com amparo no art. 105, I, "f", da CF/88 e no art. 988 do CPC/2015, apontando descumprimento de decisão desta Corte no RHC n. 152.778/DF, de minha relatoria, no qual neguei provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, mas concedi a ordem de ofício, para cassar o acórdão proferido pela 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000, para determinar que o Tribunal examinasse de ofício, a suposta ilegalidade apontada pela defesa na impetração originária, julgando o mérito do habeas corpus como entender de direito.
Afirma o reclamante que, mesmo tendo sido comunicado da decisão emanada desta Corte (DJe de 27/08/2021, transitada em julgado em 29/09/2021), o Relator do habeas corpus no Tribunal de Justiça quedou-se inerte, deixou de proferir novo julgamento, limitando-se a prestar informações a este Tribunal Superior, esclarecendo o andamento do feito na origem e colocando-se à disposição para prestar eventuais esclarecimentos considerados ainda necessários.
Argumenta que, no RHC examinado por esta Corte, a defesa do ora reclamante demonstrou que o conhecimento do habeas corpus na origem era viável, pois as teses nele apresentadas eram novas e não tinham ainda sido apreciadas pelo TJDFT, em sede de apelação criminal.
Pede, assim, liminarmente, a suspensão do processo de execução do reclamante, em trâmite na Vara de Execuções Penais do TJDFT, assim como a determinação de que seja realizado novo julgamento imediato da impetração.
No mérito, requer "a ANULAÇÃO do Acórdão proferido pela c. Turma Criminal do TJDFT, em sede de habeas corpus, pugnando por novo julgamento imediato, diante dos prejuízos causados ao impetrante, pela mora no julgamento/anulação, diante da impossibilidade de "supressão de instância" mencionada, a situação do paciente resta consideravelmente prejudicada para novos recursos e possibilidades legais, diante do descumprimento de ordem judicial superior hierarquicamente pela c. 1ª Turma Criminal do Eg. TJDFT" (e-STJ fl. 14).
Às fls. 1.897/1.902, indeferi o pedido liminar.
Foram prestadas informações pelo Juízo de Direito da Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Núcleo Bandeirante/DF (e-STJ fls. 1.909/1.910).
Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o órgão do Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou pela procedência da reclamação, em parecer assim ementado:
RECLAMAÇÃO. CABIMENTO. GARANTIA DA AUTORIDADE DAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INÉRCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM. PARECER PELA PROCEDÊNCIA DO PLEITO RECLAMATÓRIO.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Nos termos do art. 105, I, f, da CF/88, c/c o art. 187 do RISTJ, cabe Reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou para garantir a autoridade das suas decisões.
Por sua vez, o novo CPC legislou exaustivamente sobre o tema nos arts. 988 a 993, definindo, como hipóteses do cabimento da Reclamação, aquelas descritas no art. 988, dentre as quais as que preveem especificamente a Reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça são as seguintes:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(..)
§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
A hipótese dos autos se enquadra no art. 988, II, do CPC, pelo que autoriza conhecimento.
Como já havia salientado na decisão em que examinei o pedido de liminar, revestem-se de plausibilidade as alegações postas na presente reclamação.
Isso porque, muito embora a 1ª Turma Criminal do TJDFT tenha entendido por manter decisão do Relator que não conhecera do Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000, ao fundamento de que as questões nele ventiladas já teriam sido decididas pela Turma Criminal no julgamento de apelação criminal, não tendo a mesma Turma competência para rever seus próprios julgados, após o esgotamento de sua prestação jurisdicional, na realidade, o que se vê é que o novo writ impetrado pela defesa do reclamante traz efetivamente alegações novas que não chegaram a ser objeto de debate pelo Tribunal de Justiça no julgamento da apelação criminal.
Com efeito, no acórdão que julgou a Apelação Criminal n. 2011.11.1.005630-3, em sessão de 28/03/2019 (e-STJ fls. 993/1.004), a 1ª Turma Criminal do TJDFT deliberou sobre (1) a presença dos requisitos de materialidade e autoria dos delitos imputados aos réus, amparados em depoimentos de policiais, testemunha, confissão do ora reclamante e laudo de perícia criminal; (2) a credibilidade dos testemunhos prestados pelos policiais; (3) a dosimetria da pena; (4) a aplicabilidade, ao caso do reclamante, da continuidade delitiva, com a majoração da pena mais grave em 2/3, tendo em conta o número de delitos cometidos e (5) a manutenção do regime inicial fechado.
Referido acórdão transitou em julgado em 17/11/2020, conforme certidão vista à e-STJ fl. 1.308.
Por sua vez, o novo habeas corpus impetrado pela defesa, em petição datada de 30/06/2021 (e-STJ fls. 49/68), muito embora reavive questões atinentes à dosimetria da pena e à necessidade de absolvição do ora reclamante por ausência de apreensão de armas e munições, questões essas que efetivamente já foram decididas pela Turma julgadora na Apelação Criminal e somente podem ser reformadas, no Tribunal de Justiça, por meio de revisão criminal, apresenta novas alegações que não chegaram a ser objeto de debate na apelação criminal e, portanto, são passíveis de apreciação pelo Tribunal de Justiça que possui competência constitucional para examiná-las, no mínimo para deliberar sobre a existência de possível constrangimento ilegal, ainda que a impetração tenha sido manejada como sucedâneo de revisão criminal.
Lembro que a Terceira Seção desta Corte tem entendido admissível o manejo concomitante de habeas corpus e de apelação criminal perante os Tribunais de segundo grau, desde que o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME TIPIFICADO NO ART. 33, CAPUT, C/C O ART. 40, INCISOS IV E VI, AMBOS DA LEI N. 11.343/2006. CONDENAÇÃO. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NA ORIGEM JUNTAMENTE COM O RECURSO DE APELAÇÃO. MESMO OBJETO. NÃO CABIMENTO. RECENTE ORIENTAÇÃO DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A Terceira Seção desta Corte Superior, por votação majoritária no julgamento do Habeas Corpus n. 482.549/SP, de Relatoria do E. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, firmou entendimento no sentido de que "O habeas corpus, quando impetrado de forma concomitante com o recurso cabível contra o ato impugnado, será admissível apenas se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso do objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente".
2. Na espécie, considerando que a tese trazida no habeas corpus impetrado em segundo grau, e repetida neste mandamus, não reflete diretamente na liberdade de locomoção do agravante (nulidades na sentença por cerceamento de defesa), torna-se inviável o habeas corpus manejado como sucedâneo recursal, em substituição ao que será ainda decidido no recurso apelatório.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 548.976/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020) - negritei.
HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADES. HABEAS CORPUS IMPETRADO NA ORIGEM DE FORMA CONTEMPORÂNEA À APELAÇÃO, AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. MESMO OBJETO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COGNIÇÃO MAIS AMPLA E PROFUNDA DA APELAÇÃO. RACIONALIDADE DO SISTEMA RECURSAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A existência de um complexo sistema recursal no processo penal brasileiro permite à parte prejudicada por decisão judicial submeter ao órgão colegiado competente a revisão do ato jurisdicional, na forma e no prazo previsto em lei. Eventual manejo de habeas corpus, ação constitucional voltada à proteção da liberdade humana, constitui estratégia defensiva válida, sopesadas as vantagens e também os ônus de tal opção.
2. A tutela constitucional e legal da liberdade humana justifica algum temperamento aos rigores formais inerentes aos recursos em geral, mas não dispensa a racionalidade no uso dos instrumentos postos à disposição do acusado ao longo da persecução penal, dada a necessidade de também preservar a funcionalidade do sistema de justiça criminal, cujo poder de julgar de maneira organizada, acurada e correta, permeado pelas limitações materiais e humanas dos órgãos de jurisdição, se vê comprometido - em prejuízo da sociedade e dos jurisdicionados em geral - com o concomitante emprego de dois meios de impugnação com igual pretensão.
3. Sob essa perspectiva, a interposição do recurso cabível contra o ato impugnado e a contemporânea impetração de habeas corpus para igual pretensão somente permitirá o exame do writ se for este destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso em relação ao que é objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente. Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual.
4. A solução deriva da percepção de que o recurso de apelação detém efeito devolutivo amplo e graus de cognição - horizontal e vertical - mais amplo e aprofundado, de modo a permitir que o tribunal a quem se dirige a impugnação examinar, mais acuradamente, todos os aspectos relevantes que subjazem à ação penal. Assim, em princípio, a apelação é a via processual mais adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível, pois é esse o recurso que devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria versada nos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas, com todas as suas nuanças, sem a limitação cognitiva da via mandamental. Igual raciocínio, mutatis mutandis, há de valer para a interposição de habeas corpus juntamente com o manejo de agravo em execução, recurso em sentido estrito, recurso especial e revisão criminal.
5. Quando o recurso de apelação, por qualquer motivo, não for conhecido, a utilização de habeas corpus, de caráter subsidiário, somente será possível depois de proferido o juízo negativo de admissibilidade da apelação pelo Tribunal ad quem, porquanto é indevida a subversão do sistema recursal e a avaliação, enquanto não exaurida a prestação jurisdicional pela instância de origem, de tese defensiva na via estreita do habeas corpus.
6. Na espécie, houve, por esta Corte Superior de Justiça, anterior concessão de habeas corpus em favor do paciente, para o fim de substituir a custódia preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão, de sorte que remanesce a discussão - a desenvolver-se perante o órgão colegiado da instância de origem - somente em relação à pretendida desclassificação da conduta imputada ao acusado, tema que coincide com o pedido formulado no writ.
7. Embora fosse, em tese, possível a análise, em habeas corpus, das matérias aventadas no writ originário e aqui reiteradas - almejada desclassificação da conduta imputada ao paciente para o crime descrito no art. 93 da Lei n. 8.666/1993 (falsidade no curso de procedimento licitatório), com a consequente extinção da sua punibilidade -, mostram-se corretas as ponderações feitas pela Corte de origem, de que a apreciação dessas questões implica considerações que, em razão da sua amplitude, devem ser examinadas em apelação (já interposta).
8. Uma vez que a pretendida desclassificação da conduta imputada ao réu ainda não foi analisada pelo Tribunal de origem, fica impossibilitada a apreciação dessa matéria diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de, se o fizer, suprimir a instância ordinária.
9. Não há, no ato impugnado neste writ, manifesta ilegalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem de habeas corpus, sobretudo porque, à primeira vista, o Juiz sentenciante teria analisado todas as questões processuais e materiais necessárias para a solução da lide.
10. Habeas corpus não conhecido.
(HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020) - negritei.
Mutatis mutandis, é de se concluir que, se o habeas corpus é impetrado após o julgamento da apelação, mas traz questionamentos que não haviam sido postos previamente ao Tribunal, no recurso próprio, a impetração é passível de conhecimento.
Exemplos dos questionamentos novos postos no Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000 são: (1) a superveniência de Portaria do Ministério da Defesa (n. 1.222/2019) que teria excluído do rol de armas de uso restrito algumas das armas supostamente comercializadas ilegalmente pelo reclamante, fato que poderia retroagir para gerar a atipicidade dos crimes descritos no art. 19 da Lei 10.826/2003 a ele imputados; e (2) ausência de fundamentos idôneos a justificar a autorização de interceptação telefônica.
Diante desse contexto, é de se reconhecer que, ao determinar o arquivamento definitivo do Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000, em decisão de 14/10/2021, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios descumpriu a ordem emanada desta Corte no RHC n. 152.778/DF, no qual foi concedida ordem de ofício, para cassar o acórdão proferido pela 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000 e determinar que o Tribunal examinasse de ofício, a suposta ilegalidade apontada pela defesa na impetração originária, julgando o mérito do habeas corpus como entender de direito.
Ante o exposto, julgo procedente a presente reclamação, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, julgar procedente a reclamação, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Ribeiro Dantas.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Antonio Saldanha Palheiro.
O Dr. Davi Vieira Coelho de Albuquerque sustentou oralmente pela parte reclamante.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de reclamação ajuizada por AIRTON RIBEIRO DA SILVA, com amparo no art. 105, I, "f", da CF/88 e no art. 988 do CPC/2015, apontando descumprimento de decisão desta Corte no RHC n. 152.778/DF, de minha relatoria, no qual neguei provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, mas concedi a ordem de ofício, para cassar o acórdão proferido pela 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000, para determinar que o Tribunal examinasse de ofício, a suposta ilegalidade apontada pela defesa na impetração originária, julgando o mérito do habeas corpus como entender de direito.
Afirma o reclamante que, mesmo tendo sido comunicado da decisão emanada desta Corte (DJe de 27/08/2021, transitada em julgado em 29/09/2021), o Relator do habeas corpus no Tribunal de Justiça quedou-se inerte, deixou de proferir novo julgamento, limitando-se a prestar informações a este Tribunal Superior, esclarecendo o andamento do feito na origem e colocando-se à disposição para prestar eventuais esclarecimentos considerados ainda necessários.
Argumenta que, no RHC examinado por esta Corte, a defesa do ora reclamante demonstrou que o conhecimento do habeas corpus na origem era viável, pois as teses nele apresentadas eram novas e não tinham ainda sido apreciadas pelo TJDFT, em sede de apelação criminal.
Pede, assim, liminarmente, a suspensão do processo de execução do reclamante, em trâmite na Vara de Execuções Penais do TJDFT, assim como a determinação de que seja realizado novo julgamento imediato da impetração.
No mérito, requer "a ANULAÇÃO do Acórdão proferido pela c. Turma Criminal do TJDFT, em sede de habeas corpus, pugnando por novo julgamento imediato, diante dos prejuízos causados ao impetrante, pela mora no julgamento/anulação, diante da impossibilidade de "supressão de instância" mencionada, a situação do paciente resta consideravelmente prejudicada para novos recursos e possibilidades legais, diante do descumprimento de ordem judicial superior hierarquicamente pela c. 1ª Turma Criminal do Eg. TJDFT" (e-STJ fl. 14).
Às fls. 1.897/1.902, indeferi o pedido liminar.
Foram prestadas informações pelo Juízo de Direito da Vara Criminal e do Tribunal do Júri do Núcleo Bandeirante/DF (e-STJ fls. 1.909/1.910).
Instado a se manifestar sobre a controvérsia, o órgão do Ministério Público Federal que atua perante esta Corte opinou pela procedência da reclamação, em parecer assim ementado:
RECLAMAÇÃO. CABIMENTO. GARANTIA DA AUTORIDADE DAS DECISÕES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. INÉRCIA DO TRIBUNAL DE ORIGEM. PARECER PELA PROCEDÊNCIA DO PLEITO RECLAMATÓRIO.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Nos termos do art. 105, I, f, da CF/88, c/c o art. 187 do RISTJ, cabe Reclamação da parte interessada ou do Ministério Público, para preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça ou para garantir a autoridade das suas decisões.
Por sua vez, o novo CPC legislou exaustivamente sobre o tema nos arts. 988 a 993, definindo, como hipóteses do cabimento da Reclamação, aquelas descritas no art. 988, dentre as quais as que preveem especificamente a Reclamação dirigida ao Superior Tribunal de Justiça são as seguintes:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I - preservar a competência do tribunal;
II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;
(..)
§ 5º É inadmissível a reclamação: (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
I - proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; (Incluído pela Lei nº 13.256, de 2016)
II - proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias.
A hipótese dos autos se enquadra no art. 988, II, do CPC, pelo que autoriza conhecimento.
Como já havia salientado na decisão em que examinei o pedido de liminar, revestem-se de plausibilidade as alegações postas na presente reclamação.
Isso porque, muito embora a 1ª Turma Criminal do TJDFT tenha entendido por manter decisão do Relator que não conhecera do Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000, ao fundamento de que as questões nele ventiladas já teriam sido decididas pela Turma Criminal no julgamento de apelação criminal, não tendo a mesma Turma competência para rever seus próprios julgados, após o esgotamento de sua prestação jurisdicional, na realidade, o que se vê é que o novo writ impetrado pela defesa do reclamante traz efetivamente alegações novas que não chegaram a ser objeto de debate pelo Tribunal de Justiça no julgamento da apelação criminal.
Com efeito, no acórdão que julgou a Apelação Criminal n. 2011.11.1.005630-3, em sessão de 28/03/2019 (e-STJ fls. 993/1.004), a 1ª Turma Criminal do TJDFT deliberou sobre (1) a presença dos requisitos de materialidade e autoria dos delitos imputados aos réus, amparados em depoimentos de policiais, testemunha, confissão do ora reclamante e laudo de perícia criminal; (2) a credibilidade dos testemunhos prestados pelos policiais; (3) a dosimetria da pena; (4) a aplicabilidade, ao caso do reclamante, da continuidade delitiva, com a majoração da pena mais grave em 2/3, tendo em conta o número de delitos cometidos e (5) a manutenção do regime inicial fechado.
Referido acórdão transitou em julgado em 17/11/2020, conforme certidão vista à e-STJ fl. 1.308.
Por sua vez, o novo habeas corpus impetrado pela defesa, em petição datada de 30/06/2021 (e-STJ fls. 49/68), muito embora reavive questões atinentes à dosimetria da pena e à necessidade de absolvição do ora reclamante por ausência de apreensão de armas e munições, questões essas que efetivamente já foram decididas pela Turma julgadora na Apelação Criminal e somente podem ser reformadas, no Tribunal de Justiça, por meio de revisão criminal, apresenta novas alegações que não chegaram a ser objeto de debate na apelação criminal e, portanto, são passíveis de apreciação pelo Tribunal de Justiça que possui competência constitucional para examiná-las, no mínimo para deliberar sobre a existência de possível constrangimento ilegal, ainda que a impetração tenha sido manejada como sucedâneo de revisão criminal.
Lembro que a Terceira Seção desta Corte tem entendido admissível o manejo concomitante de habeas corpus e de apelação criminal perante os Tribunais de segundo grau, desde que o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME TIPIFICADO NO ART. 33, CAPUT, C/C O ART. 40, INCISOS IV E VI, AMBOS DA LEI N. 11.343/2006. CONDENAÇÃO. IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NA ORIGEM JUNTAMENTE COM O RECURSO DE APELAÇÃO. MESMO OBJETO. NÃO CABIMENTO. RECENTE ORIENTAÇÃO DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A Terceira Seção desta Corte Superior, por votação majoritária no julgamento do Habeas Corpus n. 482.549/SP, de Relatoria do E. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, firmou entendimento no sentido de que "O habeas corpus, quando impetrado de forma concomitante com o recurso cabível contra o ato impugnado, será admissível apenas se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso do objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente".
2. Na espécie, considerando que a tese trazida no habeas corpus impetrado em segundo grau, e repetida neste mandamus, não reflete diretamente na liberdade de locomoção do agravante (nulidades na sentença por cerceamento de defesa), torna-se inviável o habeas corpus manejado como sucedâneo recursal, em substituição ao que será ainda decidido no recurso apelatório.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 548.976/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020) - negritei.
HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADES. HABEAS CORPUS IMPETRADO NA ORIGEM DE FORMA CONTEMPORÂNEA À APELAÇÃO, AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. MESMO OBJETO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COGNIÇÃO MAIS AMPLA E PROFUNDA DA APELAÇÃO. RACIONALIDADE DO SISTEMA RECURSAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A existência de um complexo sistema recursal no processo penal brasileiro permite à parte prejudicada por decisão judicial submeter ao órgão colegiado competente a revisão do ato jurisdicional, na forma e no prazo previsto em lei. Eventual manejo de habeas corpus, ação constitucional voltada à proteção da liberdade humana, constitui estratégia defensiva válida, sopesadas as vantagens e também os ônus de tal opção.
2. A tutela constitucional e legal da liberdade humana justifica algum temperamento aos rigores formais inerentes aos recursos em geral, mas não dispensa a racionalidade no uso dos instrumentos postos à disposição do acusado ao longo da persecução penal, dada a necessidade de também preservar a funcionalidade do sistema de justiça criminal, cujo poder de julgar de maneira organizada, acurada e correta, permeado pelas limitações materiais e humanas dos órgãos de jurisdição, se vê comprometido - em prejuízo da sociedade e dos jurisdicionados em geral - com o concomitante emprego de dois meios de impugnação com igual pretensão.
3. Sob essa perspectiva, a interposição do recurso cabível contra o ato impugnado e a contemporânea impetração de habeas corpus para igual pretensão somente permitirá o exame do writ se for este destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso em relação ao que é objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente. Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual.
4. A solução deriva da percepção de que o recurso de apelação detém efeito devolutivo amplo e graus de cognição - horizontal e vertical - mais amplo e aprofundado, de modo a permitir que o tribunal a quem se dirige a impugnação examinar, mais acuradamente, todos os aspectos relevantes que subjazem à ação penal. Assim, em princípio, a apelação é a via processual mais adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível, pois é esse o recurso que devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria versada nos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas, com todas as suas nuanças, sem a limitação cognitiva da via mandamental. Igual raciocínio, mutatis mutandis, há de valer para a interposição de habeas corpus juntamente com o manejo de agravo em execução, recurso em sentido estrito, recurso especial e revisão criminal.
5. Quando o recurso de apelação, por qualquer motivo, não for conhecido, a utilização de habeas corpus, de caráter subsidiário, somente será possível depois de proferido o juízo negativo de admissibilidade da apelação pelo Tribunal ad quem, porquanto é indevida a subversão do sistema recursal e a avaliação, enquanto não exaurida a prestação jurisdicional pela instância de origem, de tese defensiva na via estreita do habeas corpus.
6. Na espécie, houve, por esta Corte Superior de Justiça, anterior concessão de habeas corpus em favor do paciente, para o fim de substituir a custódia preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão, de sorte que remanesce a discussão - a desenvolver-se perante o órgão colegiado da instância de origem - somente em relação à pretendida desclassificação da conduta imputada ao acusado, tema que coincide com o pedido formulado no writ.
7. Embora fosse, em tese, possível a análise, em habeas corpus, das matérias aventadas no writ originário e aqui reiteradas - almejada desclassificação da conduta imputada ao paciente para o crime descrito no art. 93 da Lei n. 8.666/1993 (falsidade no curso de procedimento licitatório), com a consequente extinção da sua punibilidade -, mostram-se corretas as ponderações feitas pela Corte de origem, de que a apreciação dessas questões implica considerações que, em razão da sua amplitude, devem ser examinadas em apelação (já interposta).
8. Uma vez que a pretendida desclassificação da conduta imputada ao réu ainda não foi analisada pelo Tribunal de origem, fica impossibilitada a apreciação dessa matéria diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de, se o fizer, suprimir a instância ordinária.
9. Não há, no ato impugnado neste writ, manifesta ilegalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem de habeas corpus, sobretudo porque, à primeira vista, o Juiz sentenciante teria analisado todas as questões processuais e materiais necessárias para a solução da lide.
10. Habeas corpus não conhecido.
(HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020) - negritei.
Mutatis mutandis, é de se concluir que, se o habeas corpus é impetrado após o julgamento da apelação, mas traz questionamentos que não haviam sido postos previamente ao Tribunal, no recurso próprio, a impetração é passível de conhecimento.
Exemplos dos questionamentos novos postos no Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000 são: (1) a superveniência de Portaria do Ministério da Defesa (n. 1.222/2019) que teria excluído do rol de armas de uso restrito algumas das armas supostamente comercializadas ilegalmente pelo reclamante, fato que poderia retroagir para gerar a atipicidade dos crimes descritos no art. 19 da Lei 10.826/2003 a ele imputados; e (2) ausência de fundamentos idôneos a justificar a autorização de interceptação telefônica.
Diante desse contexto, é de se reconhecer que, ao determinar o arquivamento definitivo do Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000, em decisão de 14/10/2021, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios descumpriu a ordem emanada desta Corte no RHC n. 152.778/DF, no qual foi concedida ordem de ofício, para cassar o acórdão proferido pela 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios no Habeas Corpus n. 0721507-72.2021.8.07.0000 e determinar que o Tribunal examinasse de ofício, a suposta ilegalidade apontada pela defesa na impetração originária, julgando o mérito do habeas corpus como entender de direito.
Ante o exposto, julgo procedente a presente reclamação, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF.
É como voto. | EMENTA
RECLAMAÇÃO. DECISÃO DO STJ QUE CONCEDE ORDEM DE OFÍCIO, EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS, PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONHEÇA DE HABEAS CORPUS ALI IMPETRADO, JULGANDO O MÉRITO COMO ENTENDER DE DIREITO. ARQUIVAMENTO DO HABEAS CORPUS NA ORIGEM, SEM O ATENDIMENTO DA ORDEM EMANADA DESTA CORTE SUPERIOR. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.
1. A Terceira Seção desta Corte tem entendido admissível o manejo concomitante de habeas corpus e de apelação criminal perante os Tribunais de segundo grau, desde que o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente. Precedentes: AgRg no HC 548.976/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020; HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020.
2. Se julgado desta Corte reconheceu que o habeas corpus impetrado pela defesa perante Tribunal de Justiça formula questionamentos não postos em apelação criminal já decidida na Corte de origem e determina o retorno dos autos à Corte de origem, para que seja conhecida a impetração e julgado seu mérito, a decisão do Relator do habeas corpus que determina o arquivamento do feito sem proceder a novo reexame da controvérsia descumpre flagrantemente ordem emanada deste Tribunal Superior.
3. Reclamação julgada procedente, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF. | RECLAMAÇÃO. DECISÃO DO STJ QUE CONCEDE ORDEM DE OFÍCIO, EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS, PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA CONHEÇA DE HABEAS CORPUS ALI IMPETRADO, JULGANDO O MÉRITO COMO ENTENDER DE DIREITO. ARQUIVAMENTO DO HABEAS CORPUS NA ORIGEM, SEM O ATENDIMENTO DA ORDEM EMANADA DESTA CORTE SUPERIOR. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE. | 1. A Terceira Seção desta Corte tem entendido admissível o manejo concomitante de habeas corpus e de apelação criminal perante os Tribunais de segundo grau, desde que o pedido formulado no writ seja diverso do objeto do recurso próprio e reflita mediatamente na liberdade do paciente. Precedentes: AgRg no HC 548.976/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 15/06/2020; HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020.
2. Se julgado desta Corte reconheceu que o habeas corpus impetrado pela defesa perante Tribunal de Justiça formula questionamentos não postos em apelação criminal já decidida na Corte de origem e determina o retorno dos autos à Corte de origem, para que seja conhecida a impetração e julgado seu mérito, a decisão do Relator do habeas corpus que determina o arquivamento do feito sem proceder a novo reexame da controvérsia descumpre flagrantemente ordem emanada deste Tribunal Superior.
3. Reclamação julgada procedente, para determinar seja cumprida a ordem constante no RHC n. 152.778/DF. | N |
145,049,821 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FALTA GRAVE. PERDA DE 1/3 (UM TERÇO) DOS DIAS REMIDOS. FUNDAMENTAÇÃO INADEQUADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Na hipótese, a perda dos dias remidos fundamentou-se em argumentação inidônea, estando o v. acórdão em desacordo com a jurisprudência desta eg. Corte Superior e a lei vigente.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em benefício de JONATHAN ALMEIDA MARANGONI, contra julgado proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 7-14):
"AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA OPATRIMÔNIO. FURTO. INSURGÊNCIAMINISTERIAL. NÃO RECONHECIMENTO DE FALTAGRAVE (NOVO CRIME). AUSÊNCIA DEDECRETAÇÃO DE PERDA DE DIAS REMIDOS(FUGA).
Prática de novo crime doloso no curso da execução penal. Reconhecimento da falta grave. Conforme assentado pelos Tribunais Superiores, e nesta trilha esta Corte, a prática de novo fato definido como crime doloso no curso da execução penal consubstancia falta grave, independentemente de trânsito em julgado da condenação relativa ao novo crime. Aplicação do Art. 52 da Lei de Execução Penal. Não há violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (Art. 5, inc. LVII, da Lei Magna) quando do reconhecimento da falta grave pela notícia da prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal. Fuga. Reconhecida a falta grave consistente em fuga, deve ser declarada a perda de 1/3 dos dias remidos, considerando a gravidade e a qualidade da falta grave.
AGRAVO EM EXECUÇÃO PROVIDO."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa invoca a falta de fundamentação na decisão homologatória da falta grave, em relação à perda dos dias remidos.
Requer, inclusive LIMINARMENTE, o afastamento/redução das sanções aplicadas, em especial quanto aos dias remidos perdidos. No mérito, a confirmação da liminar, com a ordem definitiva.
O pedido liminar foi indeferido, às fls. 280-282.
Informações prestadas, às fls. 286-325.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 330-333, manifestou-se em r. parecer com a seguinte ementa:
"Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio. Execução penal. Falta grave. Prática de novo crime doloso no curso da execução da pena. Trânsito em julgado. Prescindibilidade. Perda de 1/3 dos dias remidos: decisão fundamentada.- Promoção pelo não conhecimento do writ, ou, caso conhecido, pela denegação da ordem."
É o relatório.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FALTA GRAVE. PERDA DE 1/3 (UM TERÇO) DOS DIAS REMIDOS. FUNDAMENTAÇÃO INADEQUADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Na hipótese, a perda dos dias remidos fundamentou-se em argumentação inidônea, estando o v. acórdão em desacordo com a jurisprudência desta eg. Corte Superior e a lei vigente.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, colaciono os seguintes trechos do v. acórdão vergastado (fls. 7-14):
"Trata-se de agravo em execução pena interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, contra decisão de fls. 86/88 que não decretou a perda dos dias remidos relativos a fuga, quando do reconhecimento da falta grave, assim como não reconheceu a falta grave decorrente do cometimento de novo crime perpetrado por JONATHAN ALMEIDA MARANGONI (PEC nº 0897379-91.2009.8.21.0078).
(..)
No caso dos autos, não há dúvida de que ficou configurada a falta grave, nos termos do Art. 52 da Lei de Execução Penal, motivo pelo qual, deve ser reconhecida a falta grave consistente em cometimento de novo crime doloso no curso da execução penal.
(..)
Ainda, considerando que o apenado empreendeu fuga, é necessário determinar a perda dos dias remidos com base no Art. 127 da Lei de Execução Penal e, considerando a gravidade e a qualidade da falta grave, entendo ser necessário a decretação da perda de 1/3 dos dias remidos.
(..)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso do Ministério Público para reconhecer a prática da falta grave consistente em cometimento de novo crie no curso da execução da pena, bem ainda declarar a perda de 1/3 dos dias remidos em face das faltas."
Pois bem.
Inicialmente, verifica-se que o eg. Tribunal de origem, ao analisar as provas produzidas nos autos, entendeu por aplicável a falta grave imputada.
No que concerne à sanção aplicada, quanto à alegada ausência de fundamentação para a perda de 1/3 (um terço) dos dias remidos, trago o art. 127 da Lei de Execução Penal, que assim dispõe:
"Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar."
O art. 57 da LEP, por sua vez, prevê que: "Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão" (grifei).
Já, este eg. Superior Tribunal de Justiça entende que "a perda dos dias remidos deve respeitar o limite de 1/3, cabendo ao Juízo da Execução fundamentar a fração a ser aplicada em cada caso, com base na natureza, nos motivos, nas circunstâncias e nas consequências do fato, bem como na pessoa do faltoso e em seu tempo de prisão (art. 57 da LEP)" (HC n. 354.145/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 26/8/2016, grifei).
Para melhor esclarecimento da questão, transcrevo trecho do v. acórdão(fl. 12):
"(..)No caso dos autos, não há dúvida de que ficou configurada a falta grave, nos termos do Art. 52 da Lei de Execução Penal, motivo pelo qual, deve ser reconhecida a falta grave consistente em cometimento de novo crime doloso no curso da execução penal. Deixo de aplicar os consectários legais relativos à regressão de regime e alteração da data-base, considerando que a decisão agravada, quando reconheceu a falta grave consistente em fuga, já determinou a regressão de regime para o fechado, bem como a alteração da data-base para o dia da recaptura, sendo a mesma data do cometimento de novo crime. Ainda, considerando que o apenado empreendeu fuga, é necessário determinar a perda dos dias remidos com base no Art. 127 da Lei de Execução Penal e, considerando a gravidade e a qualidade da falta grave, entendo ser necessário a decretação da perda de 1/3 dos dias remidos."
Do excerto acima transcrito, contudo, observa-se que não foram apresentados fundamentos idôneos para determinar a perda máxima de 1/3 dos dias remidos, estando o v. acórdão calcado em fundamentação inidônea, precária e abstrata, em desacordo com a jurisprudência desta eg. Corte Superior.
Nesse sentido oseguintejulgado, a contrario sensu:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. PRAZO DE PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 109, INCISO VI, DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NÃO EVIDENCIADA. PERDA DOS DIAS REMIDOS NA FRAÇÃO DE 1/3. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONHECIDA DE OFÍCIO.
(..)
3. O art. 127 da Lei n. 7.210/84 - Lei de Execução Penal - LEP, com a nova redação dada pela Lei n. 12.433/11, determina que a perda dos dias remidos deve respeitar o limite de 1/3, cabendo ao Juízo da Execução fundamentar a fração a ser aplicada em cada caso, com base na natureza, nos motivos, nas circunstâncias e nas consequências do fato, bem como na pessoa do faltoso e em seu tempo de prisão (art. 57 da LEP), o que não ocorreu na hipótese dos autos.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar que o Juízo da Execução fundamente, de maneira concreta, a fração da perda dos dias remidos aplicável ao caso, respeitando o limite de 1/3" (HC n. 300.530/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 18/5/2016, grifei).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem,de ofício, para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução, no que tange à perda dos dias remidos.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
acórdão em desacordo com a jurisprudência desta eg. Corte Superior e a lei vigente.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em benefício de JONATHAN ALMEIDA MARANGONI, contra julgado proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 7-14):
"AGRAVO EM EXECUÇÃO. CRIMES CONTRA OPATRIMÔNIO. FURTO. INSURGÊNCIAMINISTERIAL. NÃO RECONHECIMENTO DE FALTAGRAVE (NOVO CRIME). AUSÊNCIA DEDECRETAÇÃO DE PERDA DE DIAS REMIDOS(FUGA).
Prática de novo crime doloso no curso da execução penal. Reconhecimento da falta grave. Conforme assentado pelos Tribunais Superiores, e nesta trilha esta Corte, a prática de novo fato definido como crime doloso no curso da execução penal consubstancia falta grave, independentemente de trânsito em julgado da condenação relativa ao novo crime. Aplicação do Art. 52 da Lei de Execução Penal. Não há violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (Art. 5, inc. LVII, da Lei Magna) quando do reconhecimento da falta grave pela notícia da prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal. Fuga. Reconhecida a falta grave consistente em fuga, deve ser declarada a perda de 1/3 dos dias remidos, considerando a gravidade e a qualidade da falta grave.
AGRAVO EM EXECUÇÃO PROVIDO."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa invoca a falta de fundamentação na decisão homologatória da falta grave, em relação à perda dos dias remidos.
Requer, inclusive LIMINARMENTE, o afastamento/redução das sanções aplicadas, em especial quanto aos dias remidos perdidos. No mérito, a confirmação da liminar, com a ordem definitiva.
O pedido liminar foi indeferido, às fls. 280-282.
Informações prestadas, às fls. 286-325.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 330-333, manifestou-se em r. parecer com a seguinte ementa:
"Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio. Execução penal. Falta grave. Prática de novo crime doloso no curso da execução da pena. Trânsito em julgado. Prescindibilidade. Perda de 1/3 dos dias remidos: decisão fundamentada.- Promoção pelo não conhecimento do writ, ou, caso conhecido, pela denegação da ordem."
É o relatório.
acórdão em desacordo com a jurisprudência desta eg. Corte Superior e a lei vigente.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, colaciono os seguintes trechos do v. acórdão vergastado (fls. 7-14):
"Trata-se de agravo em execução pena interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, contra decisão de fls. 86/88 que não decretou a perda dos dias remidos relativos a fuga, quando do reconhecimento da falta grave, assim como não reconheceu a falta grave decorrente do cometimento de novo crime perpetrado por JONATHAN ALMEIDA MARANGONI (PEC nº 0897379-91.2009.8.21.0078).
(..)
No caso dos autos, não há dúvida de que ficou configurada a falta grave, nos termos do Art. 52 da Lei de Execução Penal, motivo pelo qual, deve ser reconhecida a falta grave consistente em cometimento de novo crime doloso no curso da execução penal.
(..)
Ainda, considerando que o apenado empreendeu fuga, é necessário determinar a perda dos dias remidos com base no Art. 127 da Lei de Execução Penal e, considerando a gravidade e a qualidade da falta grave, entendo ser necessário a decretação da perda de 1/3 dos dias remidos.
(..)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso do Ministério Público para reconhecer a prática da falta grave consistente em cometimento de novo crie no curso da execução da pena, bem ainda declarar a perda de 1/3 dos dias remidos em face das faltas."
Pois bem.
Inicialmente, verifica-se que o eg. Tribunal de origem, ao analisar as provas produzidas nos autos, entendeu por aplicável a falta grave imputada.
No que concerne à sanção aplicada, quanto à alegada ausência de fundamentação para a perda de 1/3 (um terço) dos dias remidos, trago o art. 127 da Lei de Execução Penal, que assim dispõe:
"Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar."
O art. 57 da LEP, por sua vez, prevê que: "Na aplicação das sanções disciplinares, levar-se-ão em conta a natureza, os motivos, as circunstâncias e as consequências do fato, bem como a pessoa do faltoso e seu tempo de prisão" (grifei).
Já, este eg. Superior Tribunal de Justiça entende que "a perda dos dias remidos deve respeitar o limite de 1/3, cabendo ao Juízo da Execução fundamentar a fração a ser aplicada em cada caso, com base na natureza, nos motivos, nas circunstâncias e nas consequências do fato, bem como na pessoa do faltoso e em seu tempo de prisão (art. 57 da LEP)" (HC n. 354.145/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 26/8/2016, grifei).
Para melhor esclarecimento da questão, transcrevo trecho do v. acórdão(fl. 12):
"(..)No caso dos autos, não há dúvida de que ficou configurada a falta grave, nos termos do Art. 52 da Lei de Execução Penal, motivo pelo qual, deve ser reconhecida a falta grave consistente em cometimento de novo crime doloso no curso da execução penal. Deixo de aplicar os consectários legais relativos à regressão de regime e alteração da data-base, considerando que a decisão agravada, quando reconheceu a falta grave consistente em fuga, já determinou a regressão de regime para o fechado, bem como a alteração da data-base para o dia da recaptura, sendo a mesma data do cometimento de novo crime. Ainda, considerando que o apenado empreendeu fuga, é necessário determinar a perda dos dias remidos com base no Art. 127 da Lei de Execução Penal e, considerando a gravidade e a qualidade da falta grave, entendo ser necessário a decretação da perda de 1/3 dos dias remidos."
Do excerto acima transcrito, contudo, observa-se que não foram apresentados fundamentos idôneos para determinar a perda máxima de 1/3 dos dias remidos, estando o v. acórdão calcado em fundamentação inidônea, precária e abstrata, em desacordo com a jurisprudência desta eg. Corte Superior.
Nesse sentido oseguintejulgado, a contrario sensu:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO. FALTA GRAVE. PRAZO DE PRESCRIÇÃO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 109, INCISO VI, DO CÓDIGO PENAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NÃO EVIDENCIADA. PERDA DOS DIAS REMIDOS NA FRAÇÃO DE 1/3. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. FLAGRANTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONHECIDA DE OFÍCIO.
(..)
3. O art. 127 da Lei n. 7.210/84 - Lei de Execução Penal - LEP, com a nova redação dada pela Lei n. 12.433/11, determina que a perda dos dias remidos deve respeitar o limite de 1/3, cabendo ao Juízo da Execução fundamentar a fração a ser aplicada em cada caso, com base na natureza, nos motivos, nas circunstâncias e nas consequências do fato, bem como na pessoa do faltoso e em seu tempo de prisão (art. 57 da LEP), o que não ocorreu na hipótese dos autos.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar que o Juízo da Execução fundamente, de maneira concreta, a fração da perda dos dias remidos aplicável ao caso, respeitando o limite de 1/3" (HC n. 300.530/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 18/5/2016, grifei).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem,de ofício, para restabelecer a r. decisão do d. Juízo da Execução, no que tange à perda dos dias remidos.
É o voto. | EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FALTA GRAVE. PERDA DE 1/3 (UM TERÇO) DOS DIAS REMIDOS. FUNDAMENTAÇÃO INADEQUADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Na hipótese, a perda dos dias remidos fundamentou-se em argumentação inidônea, estando o v. | EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. FALTA GRAVE. PERDA DE 1/3 (UM TERÇO) DOS DIAS REMIDOS. FUNDAMENTAÇÃO INADEQUADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Na hipótese, a perda dos dias remidos fundamentou-se em argumentação inidônea, estando o v. | N |
142,079,128 | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ILEGALIDADE. ILICITUDE DAS PROVAS. ATUAÇÃO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA E FUGA. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRÉVIAS DE FUNDADAS RAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se situação de flagrante delito.
2. Consoante julgamento do RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito, o que não se tem no presente caso.
3. A entrada em domicílio ocorreu após uma pessoa correr para dentro da casa ao avistar a aproximação da viatura, que estava indo verificar denúncia anônima a respeito de tráfico de drogas no local. Todavia, a fuga, de forma escoteira, não autorizaria presumir armazenamento de drogas no imóvel, não havendo a demonstração de elementos indicativos de fundada suspeita sobre a ocorrência de crime, o que não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado sem mandado judicial.
4. Habeas corpus concedido reconhecer a ilicitude da apreensão da droga pela violação de domicílio e, consequentemente, absolver o paciente Marcos Ricardo Ferreira Lima dos Santos nos autos da ação penal n. 0013453-82.2018.8.26.0050 (art. 386,VII - CPP).
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão assim ementado (fl. 1.108):
TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO - PROCESSO NULIDADE - AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO - CRIME PERMANENTE - HIPÓTESE EM QUE O AGENTE PERMANECE EM ESTADO DE FLAGRANTE ENQUANTO NÃO CESSAR A PERMANÊNCIA - AÇÃO JUSTIFICADA PELA APREENSÃO DE QUANTIDADE DE DROGAS NA MORADIA - PRELIMINAR REJEITADA.TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - ABSOLVIÇÃO - INADMISSIBILIDADE - PALAVRAS DOS POLICIAIS CORROBORADAS PELOS DEMAIS ELEMENTOSACOSTADOSAOSAUTOS- MATERIALIDADEE AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado, com confirmação em grau de apelação, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 35, da Lei 11.343/2006, às penas de 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.400 dias-multa.
Daí advém o presente writ, em que sustenta a defesa nulidade processual decorrente da invasão de domicílio, destacando a ausência de qualquer ato suspeito de natureza criminosa anterior ao ingresso dos policiais na residência.
Requer, liminarmente e no mérito, o reconhecimento da nulidade do flagrante delito e das provas dele decorrentes, com a imediata soltura do paciente.
A liminar foi indeferida. Prestadas informações, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ ou, caso conhecido, pela sua denegação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Como relatado, busca o impetrante o reconhecimento da nulidade do flagrante delito em razão da invasão de domicílio, assim se manifestando a sentença sobre a controvérsia (fl. 74):
No tocante as preliminares arguidas, são repelidas, isto porque não se pode afirmar que tratando-se de crime permanente inexiste, em especial, frente a denuncia anônima, por telefone recebida pelo policial, aliada à conduta daquele que veio a correr para o interior do imóvel, e portanto, a legitimar o ingresso, uma vez que não havia qualquer rompimento de obstáculo. E, por fim, que tenha ocorrido qualquer nulidade a macular a situação em flagrante que se viram envolvidos. A ação penal deve ser julgada procedente. A materialidade do delito encontra-se demonstrada pelo auto de exibição e apreensão de pgs. 31/338, laudo de constatação de pgs. 39/46, laudo de exame químico toxicológico de pgs. 387/389 e todos os demais laudos de pgs. 390/436 e 511/515. Os réus vieram a admitir que estavam no interior do imóvel quando da prisão em flagrante, sendo certo que Marcos nega qualquer envolvimento com o tráfico e que para lá rumou com o fim de se encontrar com pessoa de "tatu", uma vez que veio a ser perquirido por este a respeito de eventual valor que estaria em poder de seu filho (morto), provavelmente a indicar oriundo do tráfico. No entanto, os corréus, vieram a querer fazer crer, por primeiro Danilo, que ali estava para auxiliar Marcos, seu cunhado, e por fim, admitiu que estaria ali para embalar a droga, justamente porque não queria ver sua familia envolvida com o tráfico; enquanto o réu Maurício que apenas ali fora, para moralmente ajudar antigo conhecido. No entanto, os policiais, pessoas que não conheciam os réus e, portanto, não tinham qualquer interesse em imputar a pessoas inocentes a prática dos delitos, confirmaram que realmente, após recebimento de denuncia, e quando já estavam na rua dos fatos, é que, vieram notar que, pessoa que nenhum dos réus, fugiu para o interior do imóvel, e que então, ao perseguirem estes se depararam com os réus, todos ocupando um único cômodo do imóvel e embalando entorpecente. Por fim, é certo que a grande quantidade não só de drogas ali apreendidas, como ainda, de insumos e produtos ali apreendidos, temos que, na realidade, ali não eram apenas embaladas drogas, como se apresentavam os réus a fazer, como ainda, sendo industrializados os entorpecentes, até mesmo com substancias para "lança perfume" dentre outras. Note-se, ainda, que a forma como foram os réus surpreendidos levam à conclusão da associação para os fins de trafico, isto porque seria pueril admitir-se que pessoa não autoriza pelos agentes criminosos, tivessem acesso ao imóvel, e que pudessem ter contato, portanto, com tao grande quantidade de drogas, e petrechos utilizados para o tráfico, aliado, ainda, a apreensão de valor em dinheiro notadamente dezoito mil reais, e até mesmo placas de veículo. Portanto, a despeito do alegado pelas combativas defesas as provas produzidas são seguras quanto ao dolo atribuído à espécie, e que levam à certeza de autoria e sua atribuição aos réus, com franca procedência da denúncia.
Por sua vez, o acórdão impugnado assim afastou a preliminar de nulidade (fls.1.111-1.112):
A preliminar não merece acolhida.
A suposta invasão de domicílio, que resultou na descoberta das drogas no interior da residência, não se afigura ilegal ou abusiva, conquanto a hipótese configura crime permanente e, nesse caso, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência:
Violação de domicílio Inocorrência Ação policial intentada com o objetivo de efetuar prisão no interior de residência, em que se realizava comércio ilícito de entorpecente Garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio que é inaplicável nos casos de flagrante delito Inteligência do art. 5º, XI da CF. A garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio cede espaço nos casos de flagrante delito (CF, art. 5º, XI), não merecendo censura a ação policial intentada com o objetivo de efetuar prisão no interior de residência em que se realizava comércio ilícito de entorpecente, em especial quando a entrada ocorreu sem arrombamento (STJ - RT 771/565).
E mais:
A guarda de maconha é delito permanente. Em face disso, é possível a prisão em flagrante enquanto não cessar a permanência (STF RHC 53.659).
Também não é demais lembrar que eventual nulidade ocorrida na fase investigatória não macula e nem contamina o processo, o qual transcorreu de forma regular e sem vícios.
Conforme o entendimento desta Corte Superior, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se situação de flagrante delito.
Ademais, consoante julgamento do RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito, o que não se tem no presente caso.
Extrai-se do contexto fático delineado no Auto de Prisão em Flagrante, na sentença e no aresto a inexistência de elementos concretos que estariam a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não tendo sido demonstrada a existência de investigações prévias e de fundadas razões para o ingresso no imóvel sem mandado judicial.
Conforme informado pelo condutor do flagrante, a entrada em domicílio se deu após um indivíduo correr para dentro da casa ao avistar a aproximação da viatura. Confira-se (fl. 92):
Que o depoente recebeu uma denúncia em seu telefone de pessoa que não quis se identificar, narrando sobre tráfico de drogas na Rua Imperatriz, nº: 140. Na denúncia, foi informado que o traficante dono das drogas seria conhecido pela alcunha "TATU", e se chamaria "MARCOS". Ao chegarem neste local, visualizaram um indivíduo em frente a tal imóvel, o qual, ao perceber a aproximação da viatura, correu para dentro da casa. De imediato entraram naquele imóvel e, no terceiro piso, encontraram três indivíduos que se identificaram como MAURICIO DE JESUS MIRANDA, MARCOS RICARDO FERREIRA LIMA DOS SANTOS e DANILO MOURA DE ANDRADE. Em revista pessoal, com tais indivíduos nada foi localizado. Todavia, naquele cômodo, constataram grande quantidade de substâncias semelhantes a drogas, diversos petrechos para o tráfico, bem como a quantia de R$ 18.010,75 (dezoito mil e dez reais e setenta e cinco centavos). Apuraram que havia 5840 (cinco mil oitocentos e quarenta) eppendorfs com substância em pó semelhante a cocaína; 06 (seis ) tijolos com substância semelhante a crack; 46 (quarenta e seis) tijolos de substância semelhante a maconha; 01 (um) tijolo de substância semelhante a cocaína; 07 (sete) sacos plásticos com substância em pó branca semelhante a cocaína. Além destas substâncias, havia 10 (dez) frascos de substância da marca "Removex"; 04 (quatro) frascos antirrespingo de solda; 02 (dois) frascos de essência de morango; 04 (quatro) frascos de corante para vela vermelho; 01 (um) frasco de Trissódico; 01 (um) frasco de acetona; 01 (um) frasco de aromatizante; 02 (duas) balanças digitais. Também havia diversos sacos com embalagens vazias e caderno com anotações diversas. Além destes objetos, foram encontrados com os autores 07 (sete) aparelhos de celular. Que também havia duas placas veiculares no interior daquele imóvel, com a numeração EYX9501 - Bragança Paulista/SP. Havia também dois veículos que seriam utilizados pelos autores, um Fiat/Palio de placas OLP3094 e um VW/Fox de placas ET01662. Nada de ilícito constava para tais veiculos. Uma cédula de RG de nº: 19.772.944, em nome de EVANDRO TOME SABINO foi encontrada. Indagados no local, DANILO disse que seu apelido era "TATU" e que seri a o dono das drogas. Os demais permaneceram em silêncio, sendo conduzidos a esta distrital.
Como visto, após denúncia anônima a respeito da prática de tráfico de drogas em determinado endereço, os policiais para lá se dirigiram e se depararam com um dos corréus na frente do local, o qual correu para o interior do imóvel ao notar a aproximação da viatura, o que motivou o ingresso dos policiais e a apreensão de 5.163,g de crack, 1.525,30g de cocaína em pó e 25.295,10g de maconha, além da quantia de R$ 18.010,75.
Nesse contexto, e a despeito das boas intenções dos policiais, deve prevalecer o direito constitucional do imputado, da inviolabilidade do domicilio (art. 5º, XI), de maior expressão em face dos itens apreendidos.
A fuga do paciente não autorizaria presumir armazenamento de drogas no imóvel, não havendo, no caso, a demonstração de elementos indicativos de fundada suspeita sobre a ocorrência de crime, o que não legitimaria o ingresso de policiais no domicílio indicado sem mandado judicial. A propósito:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO.AUSÊNCIADE INVESTIGAÇÕESPRÉVIASE DEFUNDADASRAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se em situação de flagrante delito.
2. A informação por usuários de que o paciente seria traficante e sua fuga para dentro do imóvel, ao avistar patrulhamento, dispensando uma pedra de crack, não autorizam presumir armazenamento de drogas na residência nem o ingresso nela sem mandado pelos policiais.
3. Habeas corpus concedido para reconhecer a ilicitude da apreensão da droga, pela violação de domicílio, e, consequentemente, absolver o paciente MIKE FELIPE GOULART. (HC 609.955/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 08/02/2021.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO POLICIAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL EM DOMICÍLIO. ATUAÇÃO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS INDICATIVOS DO CRIME. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR ANULADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio, sem autorização judicial, assim, ausente, nessas situações, justa causa para a medida. Precedentes.
2. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito.
3. Consoante decidido no RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
4. Na hipótese em exame, a delação anônima que ensejou a ação policial foi desacompanhada de elementos preliminares indicativos de crime, não bastando a versão de serem reconhecidos pelos policiais como traficantes ou a fuga para o interior da residência, sob pena de justificar-se a invasão generalizada de domicílios de ex-condenados ou suspeitos. Ausentes indicadores da prática de crime em desenvolvimento no interior da residência, inválida é a prova obtida com sua violação.
5. Habeas corpus concedido para anular as provas obtidas mediante busca e apreensão domiciliar, bem como as dela decorrentes a serem aferidas pelo magistrado na origem, devendo o material ser extraído dos autos, procedendo-se à prolação de nova sentença com base nas provas remanescentes.(HC 591.741/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 02/09/2020)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE 41G (QUARENTA E UM GRAMAS) DE COCAÍNA E 129G (CENTO E VINTE E NOVE GRAMAS) DE MACONHA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INGRESSO POLICIAL APOIADO EM ATITUDE SUSPEITA DO ACUSADO. FUGA NO MOMENTO DA ABORDAGEM. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO HC N. 598.051/SP. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Tendo como referência o recente entendimento firmado por esta Corte, nos autos do HC n. 598.051/SP,o ingresso policial forçado em domicílio, resultando na apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas - 41g (quarenta e um gramas) de cocaína e 129g (cento e vinte e nove gramas) de maconha -, quando apoiado no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não traz contexto fático que justifica a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial, como no caso dos autos.
2. Agravo regimental improvido.(AgRg no AREsp 1784518/MS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 29/06/2021)
Desse modo, deve ser reconhecida a ilegalidade na apreensão das drogas, por invasão de domicílio, absolvendo-se o paciente da imputação constante da denúncia, nos termos do art. 386, II, do CPP.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para reconhecer a ilicitude da apreensão da droga pela violação de domicílio e, consequentemente, absolver o paciente MARCOS RICARDO FERREIRA LIMA DOS SANTOS nos autos da ação penal n. 0013453-82.2018.8.26.0050.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão assim ementado (fl. 1.108):
TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO NARCOTRÁFICO - PROCESSO NULIDADE - AUSÊNCIA DE MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO - CRIME PERMANENTE - HIPÓTESE EM QUE O AGENTE PERMANECE EM ESTADO DE FLAGRANTE ENQUANTO NÃO CESSAR A PERMANÊNCIA - AÇÃO JUSTIFICADA PELA APREENSÃO DE QUANTIDADE DE DROGAS NA MORADIA - PRELIMINAR REJEITADA.TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO - INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA - ABSOLVIÇÃO - INADMISSIBILIDADE - PALAVRAS DOS POLICIAIS CORROBORADAS PELOS DEMAIS ELEMENTOSACOSTADOSAOSAUTOS- MATERIALIDADEE AUTORIA SUFICIENTEMENTE DEMONSTRADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO.
Colhe-se dos autos que o paciente foi condenado, com confirmação em grau de apelação, pela prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput e 35, da Lei 11.343/2006, às penas de 10 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.400 dias-multa.
Daí advém o presente writ, em que sustenta a defesa nulidade processual decorrente da invasão de domicílio, destacando a ausência de qualquer ato suspeito de natureza criminosa anterior ao ingresso dos policiais na residência.
Requer, liminarmente e no mérito, o reconhecimento da nulidade do flagrante delito e das provas dele decorrentes, com a imediata soltura do paciente.
A liminar foi indeferida. Prestadas informações, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ ou, caso conhecido, pela sua denegação.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO) (Relator): Como relatado, busca o impetrante o reconhecimento da nulidade do flagrante delito em razão da invasão de domicílio, assim se manifestando a sentença sobre a controvérsia (fl. 74):
No tocante as preliminares arguidas, são repelidas, isto porque não se pode afirmar que tratando-se de crime permanente inexiste, em especial, frente a denuncia anônima, por telefone recebida pelo policial, aliada à conduta daquele que veio a correr para o interior do imóvel, e portanto, a legitimar o ingresso, uma vez que não havia qualquer rompimento de obstáculo. E, por fim, que tenha ocorrido qualquer nulidade a macular a situação em flagrante que se viram envolvidos. A ação penal deve ser julgada procedente. A materialidade do delito encontra-se demonstrada pelo auto de exibição e apreensão de pgs. 31/338, laudo de constatação de pgs. 39/46, laudo de exame químico toxicológico de pgs. 387/389 e todos os demais laudos de pgs. 390/436 e 511/515. Os réus vieram a admitir que estavam no interior do imóvel quando da prisão em flagrante, sendo certo que Marcos nega qualquer envolvimento com o tráfico e que para lá rumou com o fim de se encontrar com pessoa de "tatu", uma vez que veio a ser perquirido por este a respeito de eventual valor que estaria em poder de seu filho (morto), provavelmente a indicar oriundo do tráfico. No entanto, os corréus, vieram a querer fazer crer, por primeiro Danilo, que ali estava para auxiliar Marcos, seu cunhado, e por fim, admitiu que estaria ali para embalar a droga, justamente porque não queria ver sua familia envolvida com o tráfico; enquanto o réu Maurício que apenas ali fora, para moralmente ajudar antigo conhecido. No entanto, os policiais, pessoas que não conheciam os réus e, portanto, não tinham qualquer interesse em imputar a pessoas inocentes a prática dos delitos, confirmaram que realmente, após recebimento de denuncia, e quando já estavam na rua dos fatos, é que, vieram notar que, pessoa que nenhum dos réus, fugiu para o interior do imóvel, e que então, ao perseguirem estes se depararam com os réus, todos ocupando um único cômodo do imóvel e embalando entorpecente. Por fim, é certo que a grande quantidade não só de drogas ali apreendidas, como ainda, de insumos e produtos ali apreendidos, temos que, na realidade, ali não eram apenas embaladas drogas, como se apresentavam os réus a fazer, como ainda, sendo industrializados os entorpecentes, até mesmo com substancias para "lança perfume" dentre outras. Note-se, ainda, que a forma como foram os réus surpreendidos levam à conclusão da associação para os fins de trafico, isto porque seria pueril admitir-se que pessoa não autoriza pelos agentes criminosos, tivessem acesso ao imóvel, e que pudessem ter contato, portanto, com tao grande quantidade de drogas, e petrechos utilizados para o tráfico, aliado, ainda, a apreensão de valor em dinheiro notadamente dezoito mil reais, e até mesmo placas de veículo. Portanto, a despeito do alegado pelas combativas defesas as provas produzidas são seguras quanto ao dolo atribuído à espécie, e que levam à certeza de autoria e sua atribuição aos réus, com franca procedência da denúncia.
Por sua vez, o acórdão impugnado assim afastou a preliminar de nulidade (fls.1.111-1.112):
A preliminar não merece acolhida.
A suposta invasão de domicílio, que resultou na descoberta das drogas no interior da residência, não se afigura ilegal ou abusiva, conquanto a hipótese configura crime permanente e, nesse caso, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência:
Violação de domicílio Inocorrência Ação policial intentada com o objetivo de efetuar prisão no interior de residência, em que se realizava comércio ilícito de entorpecente Garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio que é inaplicável nos casos de flagrante delito Inteligência do art. 5º, XI da CF. A garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio cede espaço nos casos de flagrante delito (CF, art. 5º, XI), não merecendo censura a ação policial intentada com o objetivo de efetuar prisão no interior de residência em que se realizava comércio ilícito de entorpecente, em especial quando a entrada ocorreu sem arrombamento (STJ - RT 771/565).
E mais:
A guarda de maconha é delito permanente. Em face disso, é possível a prisão em flagrante enquanto não cessar a permanência (STF RHC 53.659).
Também não é demais lembrar que eventual nulidade ocorrida na fase investigatória não macula e nem contamina o processo, o qual transcorreu de forma regular e sem vícios.
Conforme o entendimento desta Corte Superior, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se situação de flagrante delito.
Ademais, consoante julgamento do RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito, o que não se tem no presente caso.
Extrai-se do contexto fático delineado no Auto de Prisão em Flagrante, na sentença e no aresto a inexistência de elementos concretos que estariam a evidenciar a ocorrência de flagrante delito, não tendo sido demonstrada a existência de investigações prévias e de fundadas razões para o ingresso no imóvel sem mandado judicial.
Conforme informado pelo condutor do flagrante, a entrada em domicílio se deu após um indivíduo correr para dentro da casa ao avistar a aproximação da viatura. Confira-se (fl. 92):
Que o depoente recebeu uma denúncia em seu telefone de pessoa que não quis se identificar, narrando sobre tráfico de drogas na Rua Imperatriz, nº: 140. Na denúncia, foi informado que o traficante dono das drogas seria conhecido pela alcunha "TATU", e se chamaria "MARCOS". Ao chegarem neste local, visualizaram um indivíduo em frente a tal imóvel, o qual, ao perceber a aproximação da viatura, correu para dentro da casa. De imediato entraram naquele imóvel e, no terceiro piso, encontraram três indivíduos que se identificaram como MAURICIO DE JESUS MIRANDA, MARCOS RICARDO FERREIRA LIMA DOS SANTOS e DANILO MOURA DE ANDRADE. Em revista pessoal, com tais indivíduos nada foi localizado. Todavia, naquele cômodo, constataram grande quantidade de substâncias semelhantes a drogas, diversos petrechos para o tráfico, bem como a quantia de R$ 18.010,75 (dezoito mil e dez reais e setenta e cinco centavos). Apuraram que havia 5840 (cinco mil oitocentos e quarenta) eppendorfs com substância em pó semelhante a cocaína; 06 (seis ) tijolos com substância semelhante a crack; 46 (quarenta e seis) tijolos de substância semelhante a maconha; 01 (um) tijolo de substância semelhante a cocaína; 07 (sete) sacos plásticos com substância em pó branca semelhante a cocaína. Além destas substâncias, havia 10 (dez) frascos de substância da marca "Removex"; 04 (quatro) frascos antirrespingo de solda; 02 (dois) frascos de essência de morango; 04 (quatro) frascos de corante para vela vermelho; 01 (um) frasco de Trissódico; 01 (um) frasco de acetona; 01 (um) frasco de aromatizante; 02 (duas) balanças digitais. Também havia diversos sacos com embalagens vazias e caderno com anotações diversas. Além destes objetos, foram encontrados com os autores 07 (sete) aparelhos de celular. Que também havia duas placas veiculares no interior daquele imóvel, com a numeração EYX9501 - Bragança Paulista/SP. Havia também dois veículos que seriam utilizados pelos autores, um Fiat/Palio de placas OLP3094 e um VW/Fox de placas ET01662. Nada de ilícito constava para tais veiculos. Uma cédula de RG de nº: 19.772.944, em nome de EVANDRO TOME SABINO foi encontrada. Indagados no local, DANILO disse que seu apelido era "TATU" e que seri a o dono das drogas. Os demais permaneceram em silêncio, sendo conduzidos a esta distrital.
Como visto, após denúncia anônima a respeito da prática de tráfico de drogas em determinado endereço, os policiais para lá se dirigiram e se depararam com um dos corréus na frente do local, o qual correu para o interior do imóvel ao notar a aproximação da viatura, o que motivou o ingresso dos policiais e a apreensão de 5.163,g de crack, 1.525,30g de cocaína em pó e 25.295,10g de maconha, além da quantia de R$ 18.010,75.
Nesse contexto, e a despeito das boas intenções dos policiais, deve prevalecer o direito constitucional do imputado, da inviolabilidade do domicilio (art. 5º, XI), de maior expressão em face dos itens apreendidos.
A fuga do paciente não autorizaria presumir armazenamento de drogas no imóvel, não havendo, no caso, a demonstração de elementos indicativos de fundada suspeita sobre a ocorrência de crime, o que não legitimaria o ingresso de policiais no domicílio indicado sem mandado judicial. A propósito:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE. ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO.AUSÊNCIADE INVESTIGAÇÕESPRÉVIASE DEFUNDADASRAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se em situação de flagrante delito.
2. A informação por usuários de que o paciente seria traficante e sua fuga para dentro do imóvel, ao avistar patrulhamento, dispensando uma pedra de crack, não autorizam presumir armazenamento de drogas na residência nem o ingresso nela sem mandado pelos policiais.
3. Habeas corpus concedido para reconhecer a ilicitude da apreensão da droga, pela violação de domicílio, e, consequentemente, absolver o paciente MIKE FELIPE GOULART. (HC 609.955/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/02/2021, DJe 08/02/2021.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO POLICIAL SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL EM DOMICÍLIO. ATUAÇÃO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OUTROS ELEMENTOS INDICATIVOS DO CRIME. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR ANULADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio, sem autorização judicial, assim, ausente, nessas situações, justa causa para a medida. Precedentes.
2. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito.
3. Consoante decidido no RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária a certeza em relação à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o caso de flagrante delito.
4. Na hipótese em exame, a delação anônima que ensejou a ação policial foi desacompanhada de elementos preliminares indicativos de crime, não bastando a versão de serem reconhecidos pelos policiais como traficantes ou a fuga para o interior da residência, sob pena de justificar-se a invasão generalizada de domicílios de ex-condenados ou suspeitos. Ausentes indicadores da prática de crime em desenvolvimento no interior da residência, inválida é a prova obtida com sua violação.
5. Habeas corpus concedido para anular as provas obtidas mediante busca e apreensão domiciliar, bem como as dela decorrentes a serem aferidas pelo magistrado na origem, devendo o material ser extraído dos autos, procedendo-se à prolação de nova sentença com base nas provas remanescentes.(HC 591.741/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 02/09/2020)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE 41G (QUARENTA E UM GRAMAS) DE COCAÍNA E 129G (CENTO E VINTE E NOVE GRAMAS) DE MACONHA. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. INGRESSO POLICIAL APOIADO EM ATITUDE SUSPEITA DO ACUSADO. FUGA NO MOMENTO DA ABORDAGEM. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. APLICAÇÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO HC N. 598.051/SP. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Tendo como referência o recente entendimento firmado por esta Corte, nos autos do HC n. 598.051/SP,o ingresso policial forçado em domicílio, resultando na apreensão de material apto a configurar o crime de tráfico de drogas - 41g (quarenta e um gramas) de cocaína e 129g (cento e vinte e nove gramas) de maconha -, quando apoiado no comportamento suspeito do acusado, que empreendeu fuga ao ver a viatura policial, não traz contexto fático que justifica a dispensa de investigações prévias ou do mandado judicial para a entrada dos agentes públicos na residência, acarretando a nulidade da diligência policial, como no caso dos autos.
2. Agravo regimental improvido.(AgRg no AREsp 1784518/MS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 29/06/2021)
Desse modo, deve ser reconhecida a ilegalidade na apreensão das drogas, por invasão de domicílio, absolvendo-se o paciente da imputação constante da denúncia, nos termos do art. 386, II, do CPP.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para reconhecer a ilicitude da apreensão da droga pela violação de domicílio e, consequentemente, absolver o paciente MARCOS RICARDO FERREIRA LIMA DOS SANTOS nos autos da ação penal n. 0013453-82.2018.8.26.0050.
É o voto. | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ILEGALIDADE. ILICITUDE DAS PROVAS. ATUAÇÃO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA E FUGA. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRÉVIAS DE FUNDADAS RAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se situação de flagrante delito.
2. Consoante julgamento do RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito, o que não se tem no presente caso.
3. A entrada em domicílio ocorreu após uma pessoa correr para dentro da casa ao avistar a aproximação da viatura, que estava indo verificar denúncia anônima a respeito de tráfico de drogas no local. Todavia, a fuga, de forma escoteira, não autorizaria presumir armazenamento de drogas no imóvel, não havendo a demonstração de elementos indicativos de fundada suspeita sobre a ocorrência de crime, o que não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado sem mandado judicial.
4. Habeas corpus concedido reconhecer a ilicitude da apreensão da droga pela violação de domicílio e, consequentemente, absolver o paciente Marcos Ricardo Ferreira Lima dos Santos nos autos da ação penal n. 0013453-82.2018.8.26.0050 (art. 386,VII - CPP). | HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ILEGALIDADE. ILICITUDE DAS PROVAS. ATUAÇÃO COM BASE EM DENÚNCIA ANÔNIMA E FUGA. INVASÃO DE DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÕES PRÉVIAS DE FUNDADAS RAZÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. | 1. É pacífico, nesta Corte, o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância protrai-se no tempo, o que não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, encontra-se situação de flagrante delito.
2. Consoante julgamento do RE 603.616/RO pelo Supremo Tribunal Federal, não é necessária certeza quanto à ocorrência da prática delitiva para se admitir a entrada em domicílio, bastando que, em compasso com as provas produzidas, seja demonstrada a justa causa na adoção medida, ante a existência de elementos concretos que apontem para o flagrante delito, o que não se tem no presente caso.
3. A entrada em domicílio ocorreu após uma pessoa correr para dentro da casa ao avistar a aproximação da viatura, que estava indo verificar denúncia anônima a respeito de tráfico de drogas no local. Todavia, a fuga, de forma escoteira, não autorizaria presumir armazenamento de drogas no imóvel, não havendo a demonstração de elementos indicativos de fundada suspeita sobre a ocorrência de crime, o que não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado sem mandado judicial.
4. Habeas corpus concedido reconhecer a ilicitude da apreensão da droga pela violação de domicílio e, consequentemente, absolver o paciente Marcos Ricardo Ferreira Lima dos Santos nos autos da ação penal n. 0013453-82.2018.8.26.0050 (art. 386,VII - CPP). | N |
140,023,292 | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUERIMENTO MINISTERIAL OU REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 691/STF. SUPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. GRAVIDADE ABSTRATA. ORDEM CONCEDIDA. RATIFICADA A LIMINAR.
1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado ante decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
3. No caso, o decreto de prisão preventiva é genérico, nele não havendo nenhuma menção a fatos que justifiquem a imposição da prisão cautelar. Carece, portanto, de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída ao paciente.
4. Ademais, "a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que é vedada a conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo juiz. À luz das inovações trazidas pela Lei n. 13.694/2019, o magistrado não poderá decretar a custódia cautelar sem que haja prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial" (AgRg no HC n. 652.886/MT, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021), representação que, ao que tudo indica, não ocorreu na espécie.
5. Ordem concedida, ratificada a liminar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de DENILSON VIEIRA DA SILVA apontando como autoridade coatora Desembargador do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO que, no HC n. 0017966-59.2021.8.17.9000, indeferiu a medida de urgência.
Depreende-se dos autos que o paciente encontra-se preso preventivamente pela prática, em tese, do delito de tráfico de drogas por haver sido flagrado em posse de aproximadamente 56g (cinquenta e seis gramas) de cocaína e 1,165kg (um quilo, cento e sessenta e cinco gramas) de maconha (e-STJ fls. 23 e 35/36).
Irresignada, a defesa impetrou prévio writ no Tribunal de origem, tendo sido indeferida a liminar (e-STJ fls. 31/32).
Daí o presente habeas corpus, no qual alega a defesa que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal, tendo em vista que a prisão em flagrante foi convertida em preventiva sem requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial.
Requer, ao final, a superação do óbice contido na Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, concedendo-se a ordem para relaxar a prisão preventiva do paciente.
O pleito liminar foi deferido (e-STJ fls. 45/49).
Prestadas as informações, opinou o Ministério Público Federal pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O objeto da presente impetração cinge-se à verificação da existência de fundamentação no decreto que impôs a segregação cautelar ao paciente.
É bem verdade que o presente writ investe contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntico remédio impetrado perante o Tribunal de origem, o que, nos termos do disposto na Súmula n. 691 do Pretório Excelso, não se admite.
Ocorre que, no caso em exame, a flagrante ilegalidade está demonstrada, assim como já havia anotado ao deferir o pedido liminar, haja vista a ausência de fundamentação válida do decreto prisional, situação que autoriza a excepcional superação do referido entendimento sumular.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo o enunciado da Súmula n. 691 do STF, plenamente adotada por esta Corte, não é possível a utilização de habeas corpus contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia jurídica da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. O Juiz de primeiro grau, ao converter o flagrante em preventiva, fundamentou a prisão na hediondez do delito supostamente praticado e apontou genericamente a presença dos vetores contidos na lei de regência, sem justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade.
4. Ordem concedida para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a sua prisão preventiva, ressalvada a possibilidade de nova decretação da segregação cautelar, se efetivamente demonstrada sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
(HC 334.809/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 2/5/2016.)
Desse modo, passo ao exame da decisão combatida.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus comissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, inciso LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, estes foram os fundamentos invocados para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, in verbis (e-STJ fl. 35):
O flagrante está formalmente em ordem, por observância dos requisitos legais (arts. 302 a 306 do CPP), não havendo nenhum constrangimento ilegal, sendo, pois, legal.
Cabe-me, agora, analisar acerca da possibilidade de concessão de liberdade provisória ou da sua conversão em prisão preventiva. Entendo que, no caso em tela, não é possível a concessão da liberdade provisória. Inicialmente, cabe lembrar que, a primariedade, por si só, não é suficiente para a concessão de liberdade, quando presentes os demais requisitos para a prisão preventiva. O autuado praticara um crime de natureza grave, cuja pena máxima aplicável supera, e muito, o limite de quatro anos de reclusão.
A conduta dele revela destemor e audácia e põe em risco a segurança e ordem públicas. Induvidosamente presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, não se mostrando suficientes, neste momento, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Ante o exposto, pelos motivos acima expostos, nos termos dos arts. 310, 312 e 313, do Código de Processo Penal, CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE de DENILSON VIEIRA DA SILVA em PRISÃO PREVENTIVA, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
Expeça o mandado de prisão.
Ao examinar os fundamentos declinados no decisum acima transcrito, constato, assim como já havia feito por ocasião da concessão da liminar, a ausência de fundamentação concreta, pois foi invocada tão somente a gravidade abstrata do crime de tráfico, o que, na linha da orientação firmada no âmbito desta Corte, não constitui motivação suficiente para a segregação antecipada.
Logo, vislumbro o constrangimento ilegal sustentado.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUISITOS. GRAVIDADE ABSTRATA DOS FATOS. ELEMENTOS INERENTES AO PRÓPRIO TIPO PENAL. MERAS CONJECTURAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme jurisprudência assentada desta Corte Superior de Justiça, a prisão, antes do trânsito em julgado da condenação, revela-se cabível tão somente quando estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, sendo impossível o recolhimento de alguém ao cárcere caso mostrem-se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
2. O decreto que impôs a prisão preventiva ao paciente não apresentou motivação concreta, apta a justificar a segregação provisória, tendo-se valido de argumentos genéricos e da repetição de elementos inerentes ao próprio tipo penal.
3. A ausência de elementos concretos e individualizados que indiquem a necessidade da rigorosa providência cautelar configura constrangimento ilegal (Precedentes).
4. Embora não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, condições subjetivas favoráveis do paciente merecem ser devidamente valoradas, caso não tenha sido demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva (Precedentes).
5. Ordem de habeas corpus concedida, para determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo da imposição pelo Juízo local de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso demonstrada sua necessidade. (HC 350.191/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 3/5/2016.)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea, eis que decretada com base na suposta gravidade abstrata do delito de tráfico de entorpecentes.
2. Habeas corpus concedido a fim de determinar a soltura da paciente, se por outro motivo não estiver presa, sem prejuízo de se aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.
(HC 343.630/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/4/2016, DJe 22/4/2016.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. NÃO ACOLHIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ILEGALIDADE E EXCESSO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO PROBATÓRIO PARA INFIRMAR A CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
..
4. O Juízo singular entendeu devida a prisão preventiva do paciente com base tão somente em elementos inerentes ao próprio tipo penal em tese violado (como a gravidade abstrata do delito e a longa pena cominada), sem, no entanto, ter apontado nenhum elemento concreto que, efetivamente, evidenciasse que o paciente, solto, pudesse colocar em risco a ordem pública ou a ordem econômica, ou mesmo se furtar à aplicação da lei penal.
5. A prevalecer a argumentação dessa decisão, todos os crimes de tráfico ensejariam a prisão cautelar de seus respectivos autores, o que não se coaduna com a excepcionalidade da prisão preventiva, princípio que há de ser observado para a convivência harmônica da cautela pessoal extrema com a presunção de não culpabilidade.
6. Habeas corpus concedido para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a prisão preventiva no Processo n. 0004162-12.2015.8.01.0001, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar se efetivamente demonstrada a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. (HC 338.553/AC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/4/2016, DJe 28/4/2016.)
Não se pode olvidar, ainda, que "a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que é vedada a conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo juiz. À luz das inovações trazidas pela Lei n. 13.694/2019, o magistrado não poderá decretar a custódia cautelar sem que haja prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial" (AgRg no HC n. 652.886/MT, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021), representação que, ao que tudo indica, não ocorreu na espécie.
Assim, não obstante a gravidade da conduta evidenciada pela grande quantidade de drogas apreendida, vislumbro ilegalidade no decreto constritivo, uma vez que desprovido de fundamentação.
Ante o exposto, concedo a ordem para, ratificando a liminar, determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta, bem como de que sejam impostas as medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal pelo Juízo local, caso demonstrada sua necessidade.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de DENILSON VIEIRA DA SILVA apontando como autoridade coatora Desembargador do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE PERNAMBUCO que, no HC n. 0017966-59.2021.8.17.9000, indeferiu a medida de urgência.
Depreende-se dos autos que o paciente encontra-se preso preventivamente pela prática, em tese, do delito de tráfico de drogas por haver sido flagrado em posse de aproximadamente 56g (cinquenta e seis gramas) de cocaína e 1,165kg (um quilo, cento e sessenta e cinco gramas) de maconha (e-STJ fls. 23 e 35/36).
Irresignada, a defesa impetrou prévio writ no Tribunal de origem, tendo sido indeferida a liminar (e-STJ fls. 31/32).
Daí o presente habeas corpus, no qual alega a defesa que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal, tendo em vista que a prisão em flagrante foi convertida em preventiva sem requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial.
Requer, ao final, a superação do óbice contido na Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, concedendo-se a ordem para relaxar a prisão preventiva do paciente.
O pleito liminar foi deferido (e-STJ fls. 45/49).
Prestadas as informações, opinou o Ministério Público Federal pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O objeto da presente impetração cinge-se à verificação da existência de fundamentação no decreto que impôs a segregação cautelar ao paciente.
É bem verdade que o presente writ investe contra decisão que indeferiu medida liminar em idêntico remédio impetrado perante o Tribunal de origem, o que, nos termos do disposto na Súmula n. 691 do Pretório Excelso, não se admite.
Ocorre que, no caso em exame, a flagrante ilegalidade está demonstrada, assim como já havia anotado ao deferir o pedido liminar, haja vista a ausência de fundamentação válida do decreto prisional, situação que autoriza a excepcional superação do referido entendimento sumular.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Segundo o enunciado da Súmula n. 691 do STF, plenamente adotada por esta Corte, não é possível a utilização de habeas corpus contra decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia jurídica da decisão impugnada, sob pena de supressão de instância.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
3. O Juiz de primeiro grau, ao converter o flagrante em preventiva, fundamentou a prisão na hediondez do delito supostamente praticado e apontou genericamente a presença dos vetores contidos na lei de regência, sem justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade.
4. Ordem concedida para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a sua prisão preventiva, ressalvada a possibilidade de nova decretação da segregação cautelar, se efetivamente demonstrada sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
(HC 334.809/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 2/5/2016.)
Desse modo, passo ao exame da decisão combatida.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus comissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, inciso LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, estes foram os fundamentos invocados para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, in verbis (e-STJ fl. 35):
O flagrante está formalmente em ordem, por observância dos requisitos legais (arts. 302 a 306 do CPP), não havendo nenhum constrangimento ilegal, sendo, pois, legal.
Cabe-me, agora, analisar acerca da possibilidade de concessão de liberdade provisória ou da sua conversão em prisão preventiva. Entendo que, no caso em tela, não é possível a concessão da liberdade provisória. Inicialmente, cabe lembrar que, a primariedade, por si só, não é suficiente para a concessão de liberdade, quando presentes os demais requisitos para a prisão preventiva. O autuado praticara um crime de natureza grave, cuja pena máxima aplicável supera, e muito, o limite de quatro anos de reclusão.
A conduta dele revela destemor e audácia e põe em risco a segurança e ordem públicas. Induvidosamente presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, não se mostrando suficientes, neste momento, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Ante o exposto, pelos motivos acima expostos, nos termos dos arts. 310, 312 e 313, do Código de Processo Penal, CONVERTO A PRISÃO EM FLAGRANTE de DENILSON VIEIRA DA SILVA em PRISÃO PREVENTIVA, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal.
Expeça o mandado de prisão.
Ao examinar os fundamentos declinados no decisum acima transcrito, constato, assim como já havia feito por ocasião da concessão da liminar, a ausência de fundamentação concreta, pois foi invocada tão somente a gravidade abstrata do crime de tráfico, o que, na linha da orientação firmada no âmbito desta Corte, não constitui motivação suficiente para a segregação antecipada.
Logo, vislumbro o constrangimento ilegal sustentado.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUISITOS. GRAVIDADE ABSTRATA DOS FATOS. ELEMENTOS INERENTES AO PRÓPRIO TIPO PENAL. MERAS CONJECTURAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme jurisprudência assentada desta Corte Superior de Justiça, a prisão, antes do trânsito em julgado da condenação, revela-se cabível tão somente quando estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, sendo impossível o recolhimento de alguém ao cárcere caso mostrem-se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
2. O decreto que impôs a prisão preventiva ao paciente não apresentou motivação concreta, apta a justificar a segregação provisória, tendo-se valido de argumentos genéricos e da repetição de elementos inerentes ao próprio tipo penal.
3. A ausência de elementos concretos e individualizados que indiquem a necessidade da rigorosa providência cautelar configura constrangimento ilegal (Precedentes).
4. Embora não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, condições subjetivas favoráveis do paciente merecem ser devidamente valoradas, caso não tenha sido demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva (Precedentes).
5. Ordem de habeas corpus concedida, para determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo da imposição pelo Juízo local de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso demonstrada sua necessidade. (HC 350.191/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 26/4/2016, DJe 3/5/2016.)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. FALTA DE INDICAÇÃO DE ELEMENTOS CONCRETOS A JUSTIFICAR A MEDIDA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A prisão processual deve ser configurada no caso de situações extremas, em meio a dados sopesados da experiência concreta, porquanto o instrumento posto a cargo da jurisdição reclama, antes de tudo, o respeito à liberdade. In casu, prisão provisória que não se justifica ante a fundamentação inidônea, eis que decretada com base na suposta gravidade abstrata do delito de tráfico de entorpecentes.
2. Habeas corpus concedido a fim de determinar a soltura da paciente, se por outro motivo não estiver presa, sem prejuízo de se aplicar uma das medidas cautelares implementadas pela Lei n.º 12.403/11, ressalvada, inclusive, a possibilidade de decretação de nova prisão, caso demonstrada sua necessidade.
(HC 343.630/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 12/4/2016, DJe 22/4/2016.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. NÃO ACOLHIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ILEGALIDADE E EXCESSO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO PROBATÓRIO PARA INFIRMAR A CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
..
4. O Juízo singular entendeu devida a prisão preventiva do paciente com base tão somente em elementos inerentes ao próprio tipo penal em tese violado (como a gravidade abstrata do delito e a longa pena cominada), sem, no entanto, ter apontado nenhum elemento concreto que, efetivamente, evidenciasse que o paciente, solto, pudesse colocar em risco a ordem pública ou a ordem econômica, ou mesmo se furtar à aplicação da lei penal.
5. A prevalecer a argumentação dessa decisão, todos os crimes de tráfico ensejariam a prisão cautelar de seus respectivos autores, o que não se coaduna com a excepcionalidade da prisão preventiva, princípio que há de ser observado para a convivência harmônica da cautela pessoal extrema com a presunção de não culpabilidade.
6. Habeas corpus concedido para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a prisão preventiva no Processo n. 0004162-12.2015.8.01.0001, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar se efetivamente demonstrada a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP. (HC 338.553/AC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/4/2016, DJe 28/4/2016.)
Não se pode olvidar, ainda, que "a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que é vedada a conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo juiz. À luz das inovações trazidas pela Lei n. 13.694/2019, o magistrado não poderá decretar a custódia cautelar sem que haja prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial" (AgRg no HC n. 652.886/MT, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021), representação que, ao que tudo indica, não ocorreu na espécie.
Assim, não obstante a gravidade da conduta evidenciada pela grande quantidade de drogas apreendida, vislumbro ilegalidade no decreto constritivo, uma vez que desprovido de fundamentação.
Ante o exposto, concedo a ordem para, ratificando a liminar, determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta, bem como de que sejam impostas as medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal pelo Juízo local, caso demonstrada sua necessidade.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUERIMENTO MINISTERIAL OU REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 691/STF. SUPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. GRAVIDADE ABSTRATA. ORDEM CONCEDIDA. RATIFICADA A LIMINAR.
1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado ante decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
3. No caso, o decreto de prisão preventiva é genérico, nele não havendo nenhuma menção a fatos que justifiquem a imposição da prisão cautelar. Carece, portanto, de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída ao paciente.
4. Ademais, "a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que é vedada a conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo juiz. À luz das inovações trazidas pela Lei n. 13.694/2019, o magistrado não poderá decretar a custódia cautelar sem que haja prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial" (AgRg no HC n. 652.886/MT, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021), representação que, ao que tudo indica, não ocorreu na espécie.
5. Ordem concedida, ratificada a liminar. | PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUERIMENTO MINISTERIAL OU REPRESENTAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL. AUSÊNCIA. SÚMULA N. 691/STF. SUPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. GRAVIDADE ABSTRATA. ORDEM CONCEDIDA. RATIFICADA A LIMINAR. | 1. Embora a Súmula n. 691 do STF vede a utilização de habeas corpus impetrado ante decisão de relator que, em writ impetrado perante o Tribunal de origem, indefere o pedido liminar, admite-se, em casos excepcionais, configurada flagrante ilegalidade, a superação do entendimento firmado no referido enunciado sumular.
2. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
3. No caso, o decreto de prisão preventiva é genérico, nele não havendo nenhuma menção a fatos que justifiquem a imposição da prisão cautelar. Carece, portanto, de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída ao paciente.
4. Ademais, "a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que é vedada a conversão da prisão em flagrante em preventiva de ofício pelo juiz. À luz das inovações trazidas pela Lei n. 13.694/2019, o magistrado não poderá decretar a custódia cautelar sem que haja prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial" (AgRg no HC n. 652.886/MT, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021), representação que, ao que tudo indica, não ocorreu na espécie.
5. Ordem concedida, ratificada a liminar. | N |
146,136,272 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTOS INERENTES AO DELITO VIOLADO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGALEVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II -O juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006.No presente caso, há desproporção no aumento da pena-base, pois, os fundamentos exarados, quais sejam, a natureza dos entorpecentes, considerando a pouca quantidade apreendidos, refletem elementos ínsitos ao crime, existindo, portanto, flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal, não servem para a exasperação da pena.
III -A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que "a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC n. 664.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
IV- Na espécie, embora o paciente seja primário e possua bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso. Entretanto, embora esta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.Desse modo, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar de 2/3, diante da inexpressiva quantidade de drogas apreendidas.
V - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
VI - In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VII - Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de LEONARDO VINICIUS BATISTA contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado por infração ao art. 33, capute § 1º, inc. II, da Lei nº 11.343/06, às penas de 05 anos de reclusão, em regime semiaberto, e 600dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que deu parcial provimento ao apelo, para reduzir a fração utilizada em relação ao vetor da "quantidade e natureza da droga" para o patamar de 1/6 (um sexto), sem efeitos infringentes quanto a quantidade da pena, reduzindo, tão somente, a multa para 500 (quinhentos) dias-multa, nos termos do acórdão juntado às fls. 415-427, com a seguinte ementa:
"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, E §1º, II DA LEI N.11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PRETÉRITAS INFORMAÇÕES INDICANDO O COMÉRCIO DE ENTORPECENTES REALIZADO PELO APELANTE EM SUA RESIDÊNCIA. ACUSADO AVISTADO EM FRENTE AO IMÓVEL E, AO PERCEBER A PRESENÇA DA GUARNIÇÃO, DISPENSA UM INVÓLUCRO CONTENDO 11 (ONZE) PORÇÕES DE MACONHA E FOGE PARA O INTERIOR DA HABITAÇÃO. BUSCAS NA CASA QUERESULTARAM NA APREENSÃO DE OUTRAS 15 (QUINZE) PORÇÕESDA MESMA DROGA, ALÉM DE 4 (QUATRO) PETECAS DE COCAÍNA, E DIVERSOS PINOS PARA O SEU ACONDICIONAMENTO INDIVIDUAL. ADEMAIS, PRESENÇA DE BALANÇA DE PRECISÃO, CADERNO COM A CONTABILIDADE DAS VENDAS E R$3.746,95 (TRÊS MIL SETECENTOS E QUARENTA E SEIS REAIS E NOVENTA E CINCO CENTAVOS). DEPOIMENTOS UNÍSSONOS DOS AGENTES PÚBLICOS. CRIME DEMERA CONDUTA, CONFIGURADO COM A PRÁTICA DE QUALQUER DAS CONDUTAS DESCRITAS NO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. ALMEJADA A MITIGAÇÃO DA PENA BASE AO MÍNIMOLEGAL. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE MITIGAÇÃO DO ACRÉSCIMO DECORRENTE DO ART. 42 DA LEI DE DROGAS À FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO). NATUREZA DO NARCÓTICO (COCAÍNA) QUE JUSTIFICA O ACRÉSCIMO. TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006). INVIABILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO RECONHECIMENTO DO BENEFÍCIO. ACUSADO DEDICADO AO COMÉRCIO ODIOSO. CIRCUNSTÂNCIA VERIFICADA ATRAVÉS DA VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS, DA QUANTIDADE, DAS PRÉVIAS INFORMAÇÕES DAPOLÍCIA, DOS APETRECHOS COMUNS À PRÁTICA DO DELITO, ALÉM DO ALTO VALOR APREENDIDO, BEM COMO POR ESTAR SENDO PROCESSADO POR CRIMES DA MESMA NATUREZA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO."
No presente writ, o impetrante sustenta a violação ao princípio da proporcionalidade na primeira etapa da dosimetria da pena, ao argumento de que não houve fundamentação idônea a justificar a exasperação da pena-base
Além disso, sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que o paciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para reduzir a pena-base e para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-17).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 437-438).
As informações foram prestadas às fls. 441-475.
O Ministério Público Federal, às fls. 477-488, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"PENAL e PROCESSUAL PENAL. Habeas corpus substitutivo de REsp. Não admissão. Tráfico de drogas. Dosimetria. Primeira fase. Aumento inidôneo da pena-base. Quantidade não exacerbada de entorpecentes. Terceira fase. Minorante do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Não incidência. Dedicação do réu às atividades criminosas evidenciada não apenas pelo fato de ele responder a outras duas ações penais, mas também pelas circunstâncias do flagrante que denotam sua dedicação ao tráfico de drogas. Pleitos de alteração para o regime aberto e de substituição da pena corporal por restritivas de direitos. Impossibilidade. Não preenchimento do requisito objetivo. Presença de constrangimento ilegal. Não admissão do writ, mas com a concessão de um habeas corpus ex officio."
É o relatório.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTOS INERENTES AO DELITO VIOLADO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGALEVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II -O juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006.No presente caso, há desproporção no aumento da pena-base, pois, os fundamentos exarados, quais sejam, a natureza dos entorpecentes, considerando a pouca quantidade apreendidos, refletem elementos ínsitos ao crime, existindo, portanto, flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal, não servem para a exasperação da pena.
III -A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que "a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC n. 664.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
IV- Na espécie, embora o paciente seja primário e possua bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso. Entretanto, embora esta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.Desse modo, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar de 2/3, diante da inexpressiva quantidade de drogas apreendidas.
V - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
VI - In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VII - Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta a violação ao princípio da proporcionalidade na primeira etapa da dosimetria da pena, ao argumento de que não houve fundamentação idônea a justificar a exasperação da pena-base
Além disso, sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que o paciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"No que tange à primeira fase da dosimetria, a defesa aponta que a Magistrada valorou negativamente a natureza e a quantidade das drogas sem qualquer embasamento.
Sustentou que o ato careceu de qualquer fundamento jurídico e/ou digressões sobre o caso concreto, limitando-se à indicação das drogas.
Como dito no início do voto, o comprimido apreendido tratava-se, na verdade, de "substância utilizada em disfunções sexuais masculinas e não consta atualmente na Portaria n. 344/98 da Anvisa" (ev. 23).
Nessa senda, ressalto que para a fixação da pena base do crime de tráfico ilícito de drogas não se exige, concomitantemente, a apreensão de significativa quantidade de drogas com considerável potencial lesivo, pois é possível valorar isoladamente tais circunstâncias a fim de individualizar efetivamente a pena do agente envolvido com a narcotraficância com base nas circunstâncias do caso concreto (TJSC, Apelação Criminal n. 0001102-71.2016.8.24.0028, de Içara, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 11-05-2017).
Assim, o aumento do art. 42 da Lei de Drogas deve ser mantido em razão da apreensão de cocaína. Por outro lado, reduz-se-o à fração de 1/6 (um sexto), em razão da pequena quantidade apreendida.
..
Com a devida vênia, no caso presente, embora primário (ev. 4 e 5) e, ao que se sabe, não integrante de organização criminosa, o acusado praticava o ilícito de forma habitual, circunstância que não permite a aplicação da benesse.
Tal conclusão é facilmente obtida em virtude da variedade de substâncias entorpecentes apreendidas, além de petrechos destinados ao seu fracionamento e embalagem.
Além disso, com o apelante foi apreendida expressiva quantia em dinheiro, bem como um caderno de anotações que, conforme demonstrado alhures, tratava-se da contabilidade do comércio espúrio.
Ademais, verifica-se que está respondendo a outros processos por crimes de tráfico de narcóticos (autos n. 0022945-91.2018.8.24.0038 e 0006799-38.2019.8.24.0038).
Logo, tais fatores indicam claramente não se tratar de fato único, não merecendo, por isso, ser agraciado com a benesse do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, que deve ser concedida apenas àquele que se valeu da conduta criminosa de formais isolada em sua vida."
O juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006.
No presente caso, há desproporção no aumento da pena-base, pois, os fundamentos exarados, quais sejam, a natureza dos entorpecentes, considerando a pouca quantidadeapreendidos, refletem elementos ínsitos ao crime, existindo, portanto, flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal, não servem para a exasperação da pena.
Sobre o tema, "Em apreensões de não relevante quantidade isolada de maconha, cocaína ou crack, embora não excluída a tipicidade do crime de tráfico de drogas, tampouco pode ser esse fato justificador de tratamento anormalmente gravoso - seja como critério da pena definitiva (na valoração da pena-base, na incidência da minorante do tráfico eventual, na fixação do regime prisional ou na definição de penas substitutivas), seja como valor para a prisão processual, então desnecessária. 3. Agravo Regimental provido para redimensionar a pena do paciente para 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, mantidos os demais termos do édito condenatório" (AgRg no HC 372.899/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 15/03/2017).
Assim, fixo a pena-base no mínimo legal.
No tocante ao tráfico privilegiado, oparágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Extrai-se das transcrições supra que, embora o paciente seja primário e possua bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso. Entretanto, embora esta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (EREsp 1.431.091/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe de 1º/2/2017), o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado pela impossibilidade de serem utilizadas ações penais em curso, isoladamente, para afastar o benefício.
A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DO REDUTOR DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
..
4. À luz do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade, a existência de inquéritos ou ações penais em curso não constitui fundamento válido para afastar a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas.
5. Agravo regimental desprovido"(HC 193457 AgR, Segunda Turma, Rel. Min.Edson Fachin, DJe de 7/6/2021).
"PENA - FIXAÇÃO - ANTECEDENTES - INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO - DESINFLUÊNCIA. O Pleno do Supremo, por ocasião do julgamento do recurso extraordinário nº 591.054, de minha relatoria, assentou a neutralidade, na definição dos antecedentes, de inquéritos ou processos em tramitação, considerado o princípio constitucional da não culpabilidade. PENA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 - CONDENAÇÕES NÃO DEFINITIVAS. Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior" (HC 166.385, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 13/5/2020).
A posteriori a Sexta Turma desta Corte passou a considerar tal fundamento insuficiente para a negativa de aplicação do redutor, conforme os seguintes julgados:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33. § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AFASTAMENTO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. AÇÃO PENAL EM CURSO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PATAMAR MÁXIMO (2/3). POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NÃO PREPONDERANTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Para aplicação da minorante prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas, o condenado deve preencher, cumulativamente, os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a pena ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
..
3. O mais recente posicionamento de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, em regra, inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem fundamentação idônea apta a respaldar a não aplicação do redutor especial de redução de pena relativa ao reconhecimento da figura privilegiada do crime de tráfico de drogas.
..
8. Agravo regimental desprovido" (AgRg no REsp 1.936.058/SP, Sexta Turma, Relª. Minª.Laurita Vaz, DJe de 24/9/2021).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE E CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. EXPRESSIVA QUANTIDADE. IDENTIDADE DE FUNDAMENTOS NAS DUAS ETAPAS DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM. AÇÕES PENAIS EM CURSO. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA AFASTAR A MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO.
..
2. O Supremo Tribunal Federal, em recentes precedentes, consignou que, na ausência das demais situações impeditivas da causa de diminuição da pena, a existência de ações penais sem trânsito em julgado não pode justificar a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, na esteira do entendimento firmado sob a sistemática da repercussão geral, de que "ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais" (RE 591.054, Tema 129, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Pleno, DJe 26/2/2015).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento"(EDcl no HC 648.275/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Olindo Menezes, DJe de 20/8/2021).
Na mesma esteira, a Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que "a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC 6644.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
Desse modo, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar de 2/3, diante da inexpressiva quantidade de drogas apreendidas.
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
..
7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente" (HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
..
3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY" (HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do writ. Todavia, concedo a ordem de ofício, para aplicar a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 e estabelecer a sanção em 01 ano e 08 meses de reclusão, e 166 dias-multa, bem como fixar o regime prisional aberto, para o início do cumprimento da penae determinar a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes do artigo 44 do Código Penal, a ser estabelecida pelo Juízo a quo.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de LEONARDO VINICIUS BATISTA contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina.
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado por infração ao art. 33, capute § 1º, inc. II, da Lei nº 11.343/06, às penas de 05 anos de reclusão, em regime semiaberto, e 600dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que deu parcial provimento ao apelo, para reduzir a fração utilizada em relação ao vetor da "quantidade e natureza da droga" para o patamar de 1/6 (um sexto), sem efeitos infringentes quanto a quantidade da pena, reduzindo, tão somente, a multa para 500 (quinhentos) dias-multa, nos termos do acórdão juntado às fls. 415-427, com a seguinte ementa:
"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A SAÚDE PÚBLICA. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33, CAPUT, E §1º, II DA LEI N.11.343/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. NÃO ACOLHIMENTO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. PRETÉRITAS INFORMAÇÕES INDICANDO O COMÉRCIO DE ENTORPECENTES REALIZADO PELO APELANTE EM SUA RESIDÊNCIA. ACUSADO AVISTADO EM FRENTE AO IMÓVEL E, AO PERCEBER A PRESENÇA DA GUARNIÇÃO, DISPENSA UM INVÓLUCRO CONTENDO 11 (ONZE) PORÇÕES DE MACONHA E FOGE PARA O INTERIOR DA HABITAÇÃO. BUSCAS NA CASA QUERESULTARAM NA APREENSÃO DE OUTRAS 15 (QUINZE) PORÇÕESDA MESMA DROGA, ALÉM DE 4 (QUATRO) PETECAS DE COCAÍNA, E DIVERSOS PINOS PARA O SEU ACONDICIONAMENTO INDIVIDUAL. ADEMAIS, PRESENÇA DE BALANÇA DE PRECISÃO, CADERNO COM A CONTABILIDADE DAS VENDAS E R$3.746,95 (TRÊS MIL SETECENTOS E QUARENTA E SEIS REAIS E NOVENTA E CINCO CENTAVOS). DEPOIMENTOS UNÍSSONOS DOS AGENTES PÚBLICOS. CRIME DEMERA CONDUTA, CONFIGURADO COM A PRÁTICA DE QUALQUER DAS CONDUTAS DESCRITAS NO ART. 33 DA LEI DE DROGAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. ALMEJADA A MITIGAÇÃO DA PENA BASE AO MÍNIMOLEGAL. INVIABILIDADE. POSSIBILIDADE, CONTUDO, DE MITIGAÇÃO DO ACRÉSCIMO DECORRENTE DO ART. 42 DA LEI DE DROGAS À FRAÇÃO DE 1/6 (UM SEXTO). NATUREZA DO NARCÓTICO (COCAÍNA) QUE JUSTIFICA O ACRÉSCIMO. TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006). INVIABILIDADE. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS AO RECONHECIMENTO DO BENEFÍCIO. ACUSADO DEDICADO AO COMÉRCIO ODIOSO. CIRCUNSTÂNCIA VERIFICADA ATRAVÉS DA VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS, DA QUANTIDADE, DAS PRÉVIAS INFORMAÇÕES DAPOLÍCIA, DOS APETRECHOS COMUNS À PRÁTICA DO DELITO, ALÉM DO ALTO VALOR APREENDIDO, BEM COMO POR ESTAR SENDO PROCESSADO POR CRIMES DA MESMA NATUREZA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO."
No presente writ, o impetrante sustenta a violação ao princípio da proporcionalidade na primeira etapa da dosimetria da pena, ao argumento de que não houve fundamentação idônea a justificar a exasperação da pena-base
Além disso, sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que o paciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para reduzir a pena-base e para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-17).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 437-438).
As informações foram prestadas às fls. 441-475.
O Ministério Público Federal, às fls. 477-488, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"PENAL e PROCESSUAL PENAL. Habeas corpus substitutivo de REsp. Não admissão. Tráfico de drogas. Dosimetria. Primeira fase. Aumento inidôneo da pena-base. Quantidade não exacerbada de entorpecentes. Terceira fase. Minorante do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Não incidência. Dedicação do réu às atividades criminosas evidenciada não apenas pelo fato de ele responder a outras duas ações penais, mas também pelas circunstâncias do flagrante que denotam sua dedicação ao tráfico de drogas. Pleitos de alteração para o regime aberto e de substituição da pena corporal por restritivas de direitos. Impossibilidade. Não preenchimento do requisito objetivo. Presença de constrangimento ilegal. Não admissão do writ, mas com a concessão de um habeas corpus ex officio."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta a violação ao princípio da proporcionalidade na primeira etapa da dosimetria da pena, ao argumento de que não houve fundamentação idônea a justificar a exasperação da pena-base
Além disso, sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que o paciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"No que tange à primeira fase da dosimetria, a defesa aponta que a Magistrada valorou negativamente a natureza e a quantidade das drogas sem qualquer embasamento.
Sustentou que o ato careceu de qualquer fundamento jurídico e/ou digressões sobre o caso concreto, limitando-se à indicação das drogas.
Como dito no início do voto, o comprimido apreendido tratava-se, na verdade, de "substância utilizada em disfunções sexuais masculinas e não consta atualmente na Portaria n. 344/98 da Anvisa" (ev. 23).
Nessa senda, ressalto que para a fixação da pena base do crime de tráfico ilícito de drogas não se exige, concomitantemente, a apreensão de significativa quantidade de drogas com considerável potencial lesivo, pois é possível valorar isoladamente tais circunstâncias a fim de individualizar efetivamente a pena do agente envolvido com a narcotraficância com base nas circunstâncias do caso concreto (TJSC, Apelação Criminal n. 0001102-71.2016.8.24.0028, de Içara, rel. Des. Carlos Alberto Civinski, Primeira Câmara Criminal, j. 11-05-2017).
Assim, o aumento do art. 42 da Lei de Drogas deve ser mantido em razão da apreensão de cocaína. Por outro lado, reduz-se-o à fração de 1/6 (um sexto), em razão da pequena quantidade apreendida.
..
Com a devida vênia, no caso presente, embora primário (ev. 4 e 5) e, ao que se sabe, não integrante de organização criminosa, o acusado praticava o ilícito de forma habitual, circunstância que não permite a aplicação da benesse.
Tal conclusão é facilmente obtida em virtude da variedade de substâncias entorpecentes apreendidas, além de petrechos destinados ao seu fracionamento e embalagem.
Além disso, com o apelante foi apreendida expressiva quantia em dinheiro, bem como um caderno de anotações que, conforme demonstrado alhures, tratava-se da contabilidade do comércio espúrio.
Ademais, verifica-se que está respondendo a outros processos por crimes de tráfico de narcóticos (autos n. 0022945-91.2018.8.24.0038 e 0006799-38.2019.8.24.0038).
Logo, tais fatores indicam claramente não se tratar de fato único, não merecendo, por isso, ser agraciado com a benesse do § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, que deve ser concedida apenas àquele que se valeu da conduta criminosa de formais isolada em sua vida."
O juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006.
No presente caso, há desproporção no aumento da pena-base, pois, os fundamentos exarados, quais sejam, a natureza dos entorpecentes, considerando a pouca quantidadeapreendidos, refletem elementos ínsitos ao crime, existindo, portanto, flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.
A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal, não servem para a exasperação da pena.
Sobre o tema, "Em apreensões de não relevante quantidade isolada de maconha, cocaína ou crack, embora não excluída a tipicidade do crime de tráfico de drogas, tampouco pode ser esse fato justificador de tratamento anormalmente gravoso - seja como critério da pena definitiva (na valoração da pena-base, na incidência da minorante do tráfico eventual, na fixação do regime prisional ou na definição de penas substitutivas), seja como valor para a prisão processual, então desnecessária. 3. Agravo Regimental provido para redimensionar a pena do paciente para 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, mantidos os demais termos do édito condenatório" (AgRg no HC 372.899/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe 15/03/2017).
Assim, fixo a pena-base no mínimo legal.
No tocante ao tráfico privilegiado, oparágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Extrai-se das transcrições supra que, embora o paciente seja primário e possua bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso. Entretanto, embora esta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 (EREsp 1.431.091/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe de 1º/2/2017), o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado pela impossibilidade de serem utilizadas ações penais em curso, isoladamente, para afastar o benefício.
A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DO REDUTOR DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
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4. À luz do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade, a existência de inquéritos ou ações penais em curso não constitui fundamento válido para afastar a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, §4º, da Lei de Drogas.
5. Agravo regimental desprovido"(HC 193457 AgR, Segunda Turma, Rel. Min.Edson Fachin, DJe de 7/6/2021).
"PENA - FIXAÇÃO - ANTECEDENTES - INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO - DESINFLUÊNCIA. O Pleno do Supremo, por ocasião do julgamento do recurso extraordinário nº 591.054, de minha relatoria, assentou a neutralidade, na definição dos antecedentes, de inquéritos ou processos em tramitação, considerado o princípio constitucional da não culpabilidade. PENA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 - CONDENAÇÕES NÃO DEFINITIVAS. Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior" (HC 166.385, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 13/5/2020).
A posteriori a Sexta Turma desta Corte passou a considerar tal fundamento insuficiente para a negativa de aplicação do redutor, conforme os seguintes julgados:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33. § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AFASTAMENTO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. AÇÃO PENAL EM CURSO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PATAMAR MÁXIMO (2/3). POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NÃO PREPONDERANTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Para aplicação da minorante prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas, o condenado deve preencher, cumulativamente, os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a pena ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
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3. O mais recente posicionamento de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, em regra, inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem fundamentação idônea apta a respaldar a não aplicação do redutor especial de redução de pena relativa ao reconhecimento da figura privilegiada do crime de tráfico de drogas.
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8. Agravo regimental desprovido" (AgRg no REsp 1.936.058/SP, Sexta Turma, Relª. Minª.Laurita Vaz, DJe de 24/9/2021).
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE E CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. EXPRESSIVA QUANTIDADE. IDENTIDADE DE FUNDAMENTOS NAS DUAS ETAPAS DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM. AÇÕES PENAIS EM CURSO. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA AFASTAR A MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO.
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2. O Supremo Tribunal Federal, em recentes precedentes, consignou que, na ausência das demais situações impeditivas da causa de diminuição da pena, a existência de ações penais sem trânsito em julgado não pode justificar a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, na esteira do entendimento firmado sob a sistemática da repercussão geral, de que "ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais" (RE 591.054, Tema 129, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Pleno, DJe 26/2/2015).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento"(EDcl no HC 648.275/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Olindo Menezes, DJe de 20/8/2021).
Na mesma esteira, a Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que "a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC 6644.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
Desse modo, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar de 2/3, diante da inexpressiva quantidade de drogas apreendidas.
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
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7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente" (HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
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3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY" (HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do writ. Todavia, concedo a ordem de ofício, para aplicar a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 e estabelecer a sanção em 01 ano e 08 meses de reclusão, e 166 dias-multa, bem como fixar o regime prisional aberto, para o início do cumprimento da penae determinar a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes do artigo 44 do Código Penal, a ser estabelecida pelo Juízo a quo.
É o voto. | EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTOS INERENTES AO DELITO VIOLADO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGALEVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II -O juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006.No presente caso, há desproporção no aumento da pena-base, pois, os fundamentos exarados, quais sejam, a natureza dos entorpecentes, considerando a pouca quantidade apreendidos, refletem elementos ínsitos ao crime, existindo, portanto, flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal, não servem para a exasperação da pena.
III -A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que "a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC n. 664.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
IV- Na espécie, embora o paciente seja primário e possua bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso. Entretanto, embora esta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.Desse modo, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar de 2/3, diante da inexpressiva quantidade de drogas apreendidas.
V - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
VI - In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VII - Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PENA-BASE. FUNDAMENTOS INERENTES AO DELITO VIOLADO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGALEVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II -O juiz deve considerar, com preponderância sobre o previsto no artigo 59 do Estatuto Repressivo, a natureza e a quantidade da substância entorpecente, consoante o disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006.No presente caso, há desproporção no aumento da pena-base, pois, os fundamentos exarados, quais sejam, a natureza dos entorpecentes, considerando a pouca quantidade apreendidos, refletem elementos ínsitos ao crime, existindo, portanto, flagrante ilegalidade a justificar a concessão da ordem de ofício.A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que considerações genéricas e desvinculadas do contexto fático dos autos, assim como elementos inerentes ao próprio tipo penal, não servem para a exasperação da pena.
III -A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que "a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC n. 664.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
IV- Na espécie, embora o paciente seja primário e possua bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso. Entretanto, embora esta Corte tenha firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/2006.Desse modo, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar de 2/3, diante da inexpressiva quantidade de drogas apreendidas.
V - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
VI - In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VII - Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | N |
145,049,828 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder PARCIALMENTE a ordem" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE DELITO. ABORDAGEM EM VIA PÚBLICA. FUNDADAS SUSPEITAS IN CASU. AMPLO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO PARA AFASTAR AS CONCLUSÕES DA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. PRIVILÉGIO. REDUTORA DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE IN CASU. REGIME PRISIONAL INICIAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - No caso vertente, aabordagem pela Guarda Municipal se deu emveículo, não havendo falar em invasão de domicílio. Ressalte-se que o paciente confessou a prática do tráfico de drogas.
III - Com efeito, assente na jurisprudência deste Tribunal Superior que, "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (HC n. 421.954/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 2/4/2018).
IV - Afastada qualquer flagrante ilegalidade, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
V - Na dosimetria, as instâncias ordinárias se utilizaram apenas da natureza e da quantidade da droga apreendida para afastar a minorante do privilégio, bem como da gravidade abstrata do delito para fixar o regime fechado ao paciente, o que se revelou inidôneo.
Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 4 anos de reclusão e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima, em regime inicial aberto, determinando aod. Juízo das Execuções Penais que aplique, como entender de direito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mantidos os demais termos da condenação.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em benefício de MATHEUS MATHIAS DE OLIVEIRA FERREIRA, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 35-48):
"Apelação criminal Tráfico de drogas Sentença condenatória pelo art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 Recurso defensivo buscando, preliminarmente, o reconhecimento da nulidade em razão de atuação de Guardas Municipais.
No mérito, pleiteia a absolvição, ou a aplicação do redutor de pena, fixação de penas restritivas de direitos, regime aberto, e direito de recorrer em liberdade. Recurso em liberdade não cabimento.
Prisão preventiva bem fundamentada. Ilegalidade na atuação dos Guardas Municipais. Inocorrência Crime de tráfico de drogas que, por ser delito permanente, tem a sua consumação protraída no tempo, permitindo a prisão em flagrante a qualquer momento. Neste caso, o estado de flagrância se mostrou aparente, de modo que lícita foi a atuação dos Guardas Municipais, os quais, inclusive, devem zelar pela segurança social. Ademais, qualquer pessoa do povo pode realizar prisões em flagrante (art. 301, do CPP). Mérito Autoria e materialidade comprovadas prisão em flagrante. Réu confesso em ambas as fases da persecução penal. Apreensão de 28 porções de cocaína, mais 39 porções de cocaína e 09 porções de maconha. Guardas Municipais que relataram como se deu a prisão em flagrante e a apreensão das drogas, dinheiro e anotações referentes ao tráfico. Manutenção da condenação que se impõe. Dosimetria Pena-base fixada no mínimo legal. Na segunda fase, consideração da circunstância atenuante da confissão, sem reflexo na pena-base mínima (súmula 231,STJ). Na derradeira etapa, a causa de diminuição de pena prevista no §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06 foi bem afastada, por ausência de requisitos legais. Regime inicial fechado mantido, eis que justificado e por ser o mais adequado. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Não preenchimento dos requisitos legais. Preliminares rejeitadas.
Recurso defensivo improvido."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa busca a anulação das provas que considera ilícitas, em decorrência de suposta violação do dever funcional da Guarda Municipal, que realizou a abordagem.
Afirma que o privilégio no crime de tráfico de drogas deveria ser reconhecido, haja vista a pequena quantidade de droga apreendida (4,96g de cocaína,18,1g de cocaína e 10,88g de maconha), a ocupação lícita comprovada e porque o paciente seria, no máximo, pequeno traficante.
Por fim, a aplicação de regime inicial menos gravoso, por invocar as Súmulas n. 718/STF ("A OPINIÃO DO JULGADOR SOBRE A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS SEVERO DO QUE O PERMITIDO SEGUNDO A PENA APLICADA"), n. 719/STF ("A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO MAIS SEVERO DO QUE A PENA APLICADA PERMITIR EXIGE MOTIVAÇÃO IDÔNEA") e n. 440/STJ (" FIXADA A PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL, É VEDADO O ESTABELECIMENTO DE REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO DO QUE O CABÍVEL EM RAZÃO DA SANÇÃO IMPOSTA, COM BASE APENAS NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO ").
Requer, inclusive LIMINARMENTE, "Absolver o PACIENTE, ou subsidiariamente; b) Reconhecer a incidência da causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06; c) Com redimensionamento da pena, fixar o regime inicial aberto (enunciados de Súmula 440, deste E. Superior Tribunal de Justiça e 718 e 719, do E. Supremo Tribunal Federal e artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal) e converter a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (Resolução nº 5 de 2012, do Senado Federal e artigo 44, do Código Penal). Subsidiariamente, aplicar o regime inicial semiaberto" (fl. 34).
Pedido liminar indeferido, às fls. 71-74.
Informações, às fls. 79-81 e 82-113.
O d. Ministério Público Federal oficiou pela parcial concessão da ordem, em r. parecer, nestes termos (fls. 117-126):
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO INADEQUADA DO HC. NÃO CONHECIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE ENTORPECENTES REALIZADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. LEGALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS INDICATIVAS DE DEDICAÇÃO DO PACIENTE ÀS ATIVIDADES DELITIVAS. RECUSA INJUSTIFICADA. REGIME INICIAL FECHADO. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO. REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS E, CASO CONHECIDO, PELA PARCIAL CONCESSÃO DA ORDEM."
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE DELITO. ABORDAGEM EM VIA PÚBLICA. FUNDADAS SUSPEITAS IN CASU. AMPLO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO PARA AFASTAR AS CONCLUSÕES DA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. PRIVILÉGIO. REDUTORA DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE IN CASU. REGIME PRISIONAL INICIAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - No caso vertente, aabordagem pela Guarda Municipal se deu emveículo, não havendo falar em invasão de domicílio. Ressalte-se que o paciente confessou a prática do tráfico de drogas.
III - Com efeito, assente na jurisprudência deste Tribunal Superior que, "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (HC n. 421.954/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 2/4/2018).
IV - Afastada qualquer flagrante ilegalidade, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
V - Na dosimetria, as instâncias ordinárias se utilizaram apenas da natureza e da quantidade da droga apreendida para afastar a minorante do privilégio, bem como da gravidade abstrata do delito para fixar o regime fechado ao paciente, o que se revelou inidôneo.
Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 4 anos de reclusão e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima, em regime inicial aberto, determinando aod. Juízo das Execuções Penais que aplique, como entender de direito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mantidos os demais termos da condenação.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão combatido (fls. 35-48):
"Ao relatório da r. sentença 1 de fls. 300/313, prolatada pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Paulo Antonio Canali Campanella, ora adotado, acrescento que Matheus Mathias de Oliveira Ferreira foi condenado à pena de 05 anos de reclusão, em regime inicial fechado, mais o pagamento de 500 dias-multa, no mínimo legal, como incursa no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Vedado o direito de recorrer em liberdade.
Não houve recurso Ministerial.
Inconformada, apelou a Defesa. Busca, preliminarmente, o reconhecimento da ilegalidade da apreensão feita pelos Guardas Municipais. No mérito pleiteia a absolvição, ou a aplicação do redutor de pena, fixação de penas restritivas de direitos, regime aberto, e o direito de recorrer em liberdade (fls. 325/353).
Processado o recurso, com contrarrazões do Ministério Público às fls. 189/193, os autos subiram a esta E. Corte de Justiça.
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 209/213).
É o relatório.
Preliminares A ilustre Defesa sustenta a ilegalidade da apreensão, sob o argumento de que os Guardas Municipais agiram fora de suas atribuições constitucionais. Sem razão, contudo.
A r. sentença bem afastou tal arguição às fls. 301/302, lembrando que a abordagem realizada por Guardas Municipais encontra respaldo no artigo 5º, da Lei n. 13022/2014, que regulamentou o §8º, do artigo 144, da Constituição Federal e permite o patrulhamento preventivo a fim de "colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social" (inciso IV), e "encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário" (inciso XIV).
Ademais, a r. sentença trouxe à colação entendimentos jurisprudenciais dos C. STJ e STF, e também deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido da validade da prisão efetuada por Guardas Municipais (fls. 302/304), que peço vênia para que façam parte de voto.
De fato, o crime de tráfico de drogas é um delito permanente, cuja consumação se protrai no tempo, permitindo a prisão do agente a qualquer momento.
Estando em estado de flagrância, o art. 301 do Código de Processo Penal é firme ao prever que qualquer um do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. O Guarda Municipal está incluído neste rol.
Neste caso, o estado de flagrância se mostrou aparente, uma vez que a ré se encontrava em atitude suspeita em via pública.
Registre-se, desde logo, que o C. STF julgou o RE 846854 de repercussão geral, reconhecendo que as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade, e a Lei n. 13.675/2018 inseriu as Guardas Municipais como integrantes operacionais do Sistema único de Segurança Pública.
Ademais, cabe aos Guardas Municipais zelarem pela segurança social, ainda que tal atribuição não esteja inserida dentre as previstas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal (..).
É firme a jurisprudência no sentido de que a Guarda Municipal, a teor do disposto no §8º, do art. 144, da Constituição Federal, tem como tarefa precípua a proteção do patrimônio do município, limitação que não exclui nem retira de seus integrantes a condição de agentes da autoridade, legitimados, dentro do princípio de autodefesa da sociedade, a fazer cessar eventual prática criminosa, prendendo quem se encontra em flagrante delito. A legalidade da abordagem e diligências realizadas pelos guardas municipais é assegurada pela Lei nº 13.022/14, que atribuiu aos guardas municipais o patrulhamento preventivo, bem como o dever de encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração.
Desse modo, não havendo que se falar na atuação ilegal dos Guardas Municipais, a preliminar arguida fica rejeitada.
A Defesa busca o direito de recurso em liberdade. Sem razão.
A r. sentença manteve a segregação cautelar do réu de forma suficientemente fundamentada, ressaltando, em síntese, a subsistência dos motivos autorizadores da custódia cautelar.
Com efeito, não faria sentido que o réu, que respondeu ao processo preso fosse colocado em liberdade neste momento processual, em que está mais evidenciada a sua culpabilidade. Ressalta-se, outrossim, que inexiste direito adquirido ao réu, ora apelante, em lhe ser concedido o direito de recorrer em liberdade, sobretudo quando a necessidade da custódia cautelar estiver devidamente justificada, tal como ocorreu no caso em comento(..).
Assim, presentes os requisitos legais, deve ser mantida a custódia cautelar do réu, rejeitando-se a preliminar arguida.
Mérito
Consta da denúncia que, no dia 05 de fevereiro de 2020, por volta de 9:20 horas, na Rua Antonio Ambrosio, 91, Vila Feital, comarca de Mauá, o denunciado transportava, para fins de tráfico, 28 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 4,96gramas), 39 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 18,1 gramas), 09 invólucros plásticos contendo maconha (massa líquida 10,88 gramas), sem autorização legal ou regulamentar, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 25/26, laudo de constatação às fls. 33/35, e laudo de exame químico-toxicológico.
Segundo o apurado, Guardas Municipais em patrulhamento pelo local dos fatos, avistaram o auto GM/Corsa, placas CKT-7633, quando notaram que seu condutor esboçou nervosismo ao serem percebidos, razão pela qual decidiram abordá-lo.
Após a identificação do denunciado, localizaram em suas vestes, R$ 37,00 em dinheiro e anotações de contabilidade de venda de drogas.
Sobre o assento do veículo localizaram um estojo contendo as drogas discriminadas acima, caneta e mais anotações de venda de drogas.
As circunstâncias da prisão, a quantidade e a forma como estavam acondicionadas as drogas apreendidas, bem como o dinheiro apreendido, e a confissão, indicam a traficância.
A exordial acusatória foi recebida aos 11.02.2020 (fls. 85/86).
O conjunto probatório deixou fora de dúvidas de que o réu praticou o crime de tráfico de drogas, conforme a narrativa acusatória, o que afasta a possibilidade de absolvição.
A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelos: Auto de Prisão em Flagrante, Boletim de Ocorrência (fls. 03/06), Auto de Exibição e Apreensão (fls. 25/26) 3 , fotografias das anotações apreendidas (fls. 29/32), Laudo de Constatação (fls. 33/35), laudo de Exame Químico Toxicológico (fls. 229/231), laudo pericial das anotações (fls. 98-104), em consonância com as demais provas amealhadas aos autos.
A autoria também é certa.
Preso em flagrante, na delegacia, o acusado confessou espontaneamente que estava no local pra vender drogas. Disse que começou essa atividade nesta manhã, e que ganha 10% do total das vendas, e que não sabe quem é o responsável pela "biqueira", e que há diversos indivíduos responsáveis por abastecer a "biqueira" e recolher o dinheiro das vendas. Sobre a abordagem, disse que estava dentro do carro de um conhecido, cujos dados não sabe, e que chegou ao local para visitar uma garota, quando foi abordado pelos Guardas Municipais. Não ofereceu resistência na abordagem. Recusa-se a fornecer material grafotécnico para fins de exame pericial (fls. 09).
Narra, em resumo, o histórico do boletim de ocorrência que Guardas Municipais apresentaram o acusado, as drogas, e demais itens em delegacia. Relataram que estavam em patrulhamento no local dos fatos, conhecido ponto de venda de drogas, avistaram um auto GM/Corsa, verde, placas CKT-7633, com vidros abaixados, estacionado, e no banco do motorista, o ora indiciado, que ficou bastante assustado ao perceber a presença da guarnição. O ora indiciado se identificou como Matheus Mathias de Oliveira Ferreira, maior de idade, e na revista pessoal, encontraram R$ 37,00 e anotações típicas de tráfico. Na busca veicular, encontraram sobre o banco do passageiro, um pequeno estojo contendo 67 porções de cocaína, 09 porções de maconha, mais papéis com anotações de tráfico e duas canetas. Questionado, o acusado confessou espontaneamente que estava ali para vender as drogas, e que o veículo seria de um colega, cujas dados qualificativos não soube fornecer. O último licenciamento do carro é referente ao exercício de 2015, não havendo restrição (fls. 04/05).
Em juízo, o réu ratificou a confissão que apresentara na fase extrajudicial, dizendo ser a primeira vez em que estava traficando drogas.
Em juízo, o Guarda Municipal Guilherme Maioni do Nascimento relatou, resumidamente, ratificando o quanto narrou na fase extrajudicial, que patrulhavam pelo local, conhecido ponto de tráfico, quando avistaram o acusado dentro de um veículo, tendo ele ficado nervoso quando foi abordado. Na busca pessoal encontraram dinheiro e anotações, e dentro do carro, no banco traseiro, as drogas. O réu admitiu a prática do tráfico de drogas.
Ouvido apenas na fase extrajudicial, o Guarda Municipal Oguimar Cortonesi prestou declarações no mesmo sentido. Narrou como se deu a visualização do acusado, dentro do veículo, bem como a apreensão das drogas, dinheiro e anotações.
Inquestionável a validade do depoimento prestado por Guardas Municipais. É mais do que remansosa a jurisprudência no sentido de que os agentes públicos, tais como guardas municipais, não são suspeitos apenas pela função que ocupam, podendo ser testemunhas em processo criminal.
Pelo contrário, por serem agentes públicos investidos em cargos cujas atribuições se ligam umbilical e essencialmente à segurança pública, não tem qualquer interesse em prejudicar inocentes, principalmente quando os relatos apresentados são coerentes e seguros, de maneira que, não havendo absolutamente nada no conjunto probatório que desabone seus testemunhos, a estes deve ser conferida relevante força probante.
E de acordo com tais declarações, restou evidente que o réu tinha consigo e transportava as drogas apreendidas, as quais se destinavam ao tráfico.
A prisão em flagrante, que é a certeza visual do fato, a expressiva quantidade de entorpecentes apreendidos, a forma de acondicionamento destas drogas, o relato dos Guardas Municipais, enfim, as circunstâncias todas em que ocorreram os fatos deixam evidente a prática da traficância.
Para a configuração do delito de tráfico de drogas, não é necessária prova da mercancia, pois o simples fato de, com essa finalidade, guardar, manter em depósito, trazer consigo, fornecer, ainda que gratuitamente, a substância, também caracteriza o crime em questão.
Ressalta-se, ainda, o ensinamento de Fernando de Almeida Pedroso:
"em sede de tráfico de substância entorpecente, constituem prova indiciária do malsinado e vil comércio, exemplificativamente, a quantidade apreendida de estupefacientes, denotando sua incompatibilidade com a destinação para o próprio uso; a forma de fragmentação e acondicionamento do tóxico, confeccionado em diversas embalagens ou unidades distintas e individuais, indicando o propósito de venda a varejo".
Desse modo, o convencimento firmado a partir das provas é no sentido de que o réu praticou o delito de tráfico de drogas, conforme a r. narrativa acusatória. Os elementos probatórios trazidos aos autos são mais que suficientes para incutir no Julgador o juízo de certeza necessário à condenação.
Passo então à análise da dosimetria da pena.
Na primeira fase, atentando-se aos critérios do art. 59, do Código Penal, bem como aos do art. 42, da Lei de Drogas, a pena-base foi fixada em 05 anos de reclusão, e 500 dias-multa.
Na fase intermediária, foi consignada a circunstância atenuante da confissão, porém, sem reflexo na pena-base mínima (Súmula 231, STJ).
Na derradeira etapa, a r. sentença bem afastou a concessão da causa de diminuição de pena, prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, por falta de amparo legal. Ponderou que todas as circunstâncias do caso concreto indicam a não ocasionalidade da conduta neste caso concreto, consignando r. decisões do C. STF nesse sentido, no julgamento do HC 121.057/SP, Relator Min. Luiz Fux, j. 25.02.2014, DJU 18.03.2014: ".. 3. A conduta social do réu, o concurso de agentes, a quantidade e a natureza do entorpecente, os apetrechos utilizados e as circunstâncias em que a droga foi apreendida podem constituir o amparo probatório para o magistrado reconhecer a dedicação do réu à atividade criminosa. Precedentes: RHC 94.806/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 16.04.2010; HC 116.541/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06.06.2013; HC98;366/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 05.02.2010..". No mesmo sentido, no julgamento do HC 111.666/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08.05.2012, DJU 23.05.2012: ".. O juízo de origem procedeu à atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante. (..)" De fato, bem fundamentada a r. sentença, é incabível a concessão do redutor de pena neste caso.
Dessa forma, a pena final fica mantida em 05 anos de reclusão, e 500 dias-multa, no mínimo legal.
Quanto ao regime prisional, foi fixado o inicial fechado, o que não comporta reparos.
É indiscutível que, para o delito de tráfico de drogas, o regime inicial é o fechado. Todo indivíduo que participa de narcotráfico revela extrema periculosidade.
No caso em tela, além das circunstâncias denotarem a dedicação do réu às atividades criminosas, o crime em tela intranquiliza a população e vem crescendo, causando problemas gravíssimos ao bom convívio familiar. Essa difusão há de ser coibida pelo Estado-Juiz, o qual, ao impor regime mais rigoroso, não só retirará o malfeitor perigoso do convívio social, mas também evitará que ele continue a exercer suas atividades ilícitas, viciando pessoas e destruindo famílias.
Incabível, portanto, a fixação de regime mais brando.
Do mesmo modo, não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por falta de amparo legal.
O quantum da pena imposta (art. 44-I, do CP), as circunstâncias já mencionadas (dedicação do réu às atividades criminosas) e o tratamento mais rigoroso estabelecido na Lei nº 11.343/06 demonstram a inviabilidade da medida (art. 44-III, do Código Penal).
Ante o exposto, pelo meu voto, afastada a matéria preliminar, nego provimento ao apelo, mantendo a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos" (grifei).
Pois bem.
I - Abordagem pela Guarda Municipal
Primeiramente, no que tange à suposta nulidade absoluta, tratando-se de crime de tráfico ilícito de substância entorpecente, de natureza permanente, a ação se prolonga no tempo, de modo que, enquanto não cessada a permanência, haverá o estado de flagrância, o que possibilita a prisão por qualquer do povo.
Não obstante, a realização de prisão em flagrante e revista pessoal por guardas municipais não encontra óbice na legislação e jurisprudência.
Explico.
Esta eg. Corte, há muito, firmou o entendimento de que, "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (RHC 94.061/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 30/4/2018).
Saliente-se, ademais, que, enquanto não cessada a permanência, haverá o estado de flagrância, o que possibilita a prisão, diga-se novamente, por qualquer do povo.
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS. IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DOS GUARDAS MUNICIPAIS PARA EFETUAR PRISÃO EM FLAGRANTE. PERMISSIVO DO ART. 301 DO CPP. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE TER SIDO VÍTIMA DE TORTURA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RISCO DE REITERAÇÃO. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal.
2. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes.
(..)
6. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 421.954/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 2/4/2018, grifei).
"PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. UM DOS RÉUS BENEFICIADO COM INDULTO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. NULIDADE. ABORDAGEM REALIZADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. PACIENTES EM ESTADO DE FLAGRÂNCIA. LEGALIDADE DO ATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 301 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. É manifesta a ausência de interesse de agir em relação a um dos réus, em razão de ele ter sido beneficiado com o indulto, com fundamento no Decreto n. 8.615/2015, tendo sido julgada extinta sua punibilidade e expedido alvará de soltura em seu favor.
3. Hipótese na qual os réus foram abordados por Guardas Municipais que os avistaram saindo de um matagal, portando os objetos provenientes do furto que haviam acabado de praticar, ou seja, em estado de flagrância, razão pela qual foram conduzidos à delegacia.
4. O Superior Tribunal de Justiça possui firme entendimento no sentido de que não há óbice à ação dos guardas municipais em casos de flagrante delito, pois, consoante o disposto no art. 301 do CPP, "qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito". Precedentes.
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 371.494/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/12/2017).
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. NULIDADE DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR. PROVA ILÍCITA. INEXISTÊNCIA. CRIME PERMANENTE. PARECER ACOLHIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais.
2. Na hipótese dos autos, não há falar em nulidade da sentença e do acórdão sob a alegação de irregularidade na prisão em flagrante, visto que os integrantes da Guarda Municipal flagraram o paciente, em via pública, na posse de entorpecentes destinados à mercancia, estando suas condutas amparadas pelo art. 301 do Código de Processo Penal, segundo o qual qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
3. Apesar das atribuições previstas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, se qualquer pessoa do povo pode prender quem quer que esteja em situação de flagrância, não se pode proibir o guarda municipal de efetuar tal prisão.
4. Em razão do caráter permanente do tráfico de drogas, cuja consumação se prolonga no tempo, a revista pessoal ou domiciliar que ocasionou a prisão em flagrante, não representa prova ilícita (Precedente).
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 286.546/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15/10/2015, grifei).
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. NULIDADE. PRISÃO EM FLAGRANTE REALIZADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES E PELO DELITO DE CORRUPÇÃO DE MENORES. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. TERCEIRA FASE. MAJORANTES. QUANTUM DE ACRÉSCIMO. SÚMULA N.º 443 DESTA CORTE. ILEGALIDADE MANIFESTA. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.
1. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer um do povo pode prender aquele que estiver em flagrante delito. O fato da prisão em flagrante do ora paciente ter sido realizada por Guarda Municipal não revela ilegalidade.
(..)" (HC n. 394.112/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 14/8/2017).
Ainda, tem-se que, o art. 144, § 8º, da Constituição Federal prevê, como órgão componente do sistema de segurança pública, a Guarda Municipal.
Verbis:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(..)
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei."
Apesar de a função constitucional das Guardas Municipais ser restrita à proteção dos bens, serviços e instalações dos Entes Municipais, não se verifica, in casu, qualquer ilegalidade ou abuso de poder na sua atuação, tendo em vista que a prisão efetuada foi em típico flagrante, cuja atuação poderia ter sido ser realizada até mesmo por qualquer do povo e sem mandado, na forma do art. 301, do Código de Processo Penal, verbis:
"Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito."
No caso vertente, a abordagem pela Guarda Municipal se deu em veículo, não havendo falar em invasão de domicílio.
Ressalte-se que o paciente confessou a prática do tráfico de drogas.
Neste ponto, o v. acórdão, verbis (fls. 41-42):
"(..) Consta da denúncia que, no dia 05 de fevereiro de 2020, por volta de 9:20 horas, na Rua Antonio Ambrosio, 91, Vila Feital, comarca de Mauá, o denunciado transportava, para fins de tráfico, 28 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 4,96gramas), 39 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 18,1 gramas), 09 invólucros plásticos contendo maconha (massa líquida 10,88 gramas), sem autorização legal ou regulamentar, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 25/26, laudo de constatação às fls. 33/35, e laudo de exame químico-toxicológico.
Segundo o apurado, Guardas Municipais em patrulhamento pelo local dos fatos, avistaram o auto GM/Corsa, placas CKT-7633, quando notaram que seu condutor esboçou nervosismo ao serem percebidos, razão pela qual decidiram abordá-lo.
Após a identificação do denunciado, localizaram em suas vestes, R$ 37,00 em dinheiro e anotações de contabilidade de venda de drogas.
Sobre o assento do veículo localizaram um estojo contendo as drogas discriminadas acima, caneta e mais anotações de venda de drogas(..)" (grifei).
Ainda (fls. 43-44):
"(..) Em juízo, o Guarda Municipal Guilherme Maioni do Nascimento relatou, resumidamente, ratificando o quanto narrou na fase extrajudicial, que patrulhavam pelo local, conhecido ponto de tráfico, quando avistaram o acusado dentro de um veículo, tendo ele ficado nervoso quando foi abordado. Na busca pessoal encontraram dinheiro e anotações, e dentro do carro, no banco traseiro, as drogas. O réu admitiu a prática do tráfico de drogas(..)" (grifei).
Ademais, todo o material efetivamente apreendido, somado ao dinheiro e aos petrechos encontrados, somente reforçou a necessidade da atuação estatal para conter o flagrante delito.
Conforme aqui antes delineado, autorizada a prisão em flagrante pela legislação e jurisprudência pátria, não há falar, no caso concreto, em situação ilegal.
Nesse sentido, autorizada estava a prisão em flagrante.
Outrossim, no que atine à questão da validade dos depoimentos policiais em geral, esta eg. Corte também é pacífica no sentido de que eles merecem a credibilidade e a fé pública inerente ao depoimento de qualquer funcionário estatal no exercício de suas funções, principalmente, quando corroborados pelos demais elementos de provas nos autos - e isso foi bem destacado e analisado no v. acórdão acima citado - e ausentes indícios de que houvesse motivos pessoais para a incriminação injustificada dos investigados.
Nestes termos:
"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PLEITO ABSOLUTÓRIO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
1. Concluindo as instâncias de origem, de forma fundamentada, acerca da autoria e materialidade delitiva assestadas ao agravante, considerando especialmente o flagrante efetivado e os depoimentos prestados em juízo, inviável a desconstituição do raciocínio com vistas a absolvição por insuficiência probatória, pois exigiria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, esbarrando no óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal.
(..)
3. Agravo improvido" (AgRg no AREsp n. 1.281.468/BA, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 14/12/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTRAS PROVAS SUFICIENTES. TESTEMUNHO POLICIAL INDIRETO DE QUE O CORRÉU AFIRMA PARTICIPAÇÃO DO AGRAVANTE. PROVA ACESSÓRIA. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS QUE SUSTENTAM A CONDENAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA NÃO RECONHECIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Indicando a Corte local dar-se a condenação não apenas pelo depoimento de policial, mas por outras provas também valoradas, não cabe a pretensão de nulidade da condenação.
2. Inexistindo impedimento legal ao depoimento de policiais e presentes outras provas que sustentem a condenação, não há falar em nulidade.
3. Agravo regimental improvido" (AgRg nos EDcl no HC n. 446.151/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 27/2/2019, grifei).
Ademais, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
Sobre o tema, confiram-se os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEPOIMENTO DA VÍTIMA E OUTRAS PROVAS TESTEMUNHAIS. AUTORIA DELITIVA E MATERIALIDADE CONFIRMADAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
(..)
4. A pretendida absolvição do paciente ante a alegada ausência de prova da autoria delitiva e da materialidade é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido na ação penal, providência vedada na via estreita do remédio constitucional do habeas corpus, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória.
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 475.442/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 22/11/2018, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP. ART. 217-A). ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE NA VIA ELEITA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO PENAL. CRIME CONFIGURADO. MAIORES INCURSÕES SOBRE O TEMA QUE DEMANDARIAM REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do ilícito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
(..)
6. Writ não conhecido" (HC n. 431.708/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 30/5/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. ABSOLVIÇÃO. EXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESES SUPERADAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PEDIDO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. RECURSO NÃO ACOLHIDO.
1. Mostra-se adequada a decisão que indefere liminarmente, de forma monocrática, o habeas corpus manifestamente incabível, nos termos do art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
2. Não é possível, na via estreita do mandamus, analisar profundamente as provas para se concluir pela inocência do acusado.
3. Prolatada sentença condenatória, ficam superadas as alegações de inépcia da denúncia e de falta de justa causa para a ação penal.
4. Inviável avaliar a alegação de nulidade por cerceamento de defesa se ela não foi levada a exame do Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
5. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no HC n. 428.336/SP, Sexta Turma, Relª. Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 15/2/2018, grifei).
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. ABSOLVIÇÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE ESTUDO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E SOCIAL DA VÍTIMA. IRRELEVANTE AO DESLINDE DO FEITO. DECISÃO PROFERIDA COM BASE NO ACERVO PROBATÓRIO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. REEXAME PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE PENA VIA DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. Além de restar prejudicada a realização do estudo psicológico e social por não ter sido localizada a vítima, ressaltou o Tribunal de origem que, da leitura da prova amealhada sob o crivo do contraditório, verifica-se que a submissão da vítima a nova perícia revela-se patentemente desnecessária, valoração de desnecessidade que não se revela desarrazoada.
2. Não há preclusão judicial no deferimento ou determinação de provas, que pode ter reconsiderada a necessidade de sua realização.
3. Tendo as instâncias ordinárias indicado os elementos de prova que levaram ao reconhecimento da autoria e da materialidade e, por consequência, à condenação, não cabe a esta Corte Superior, em habeas corpus, desconstituir o afirmado, pois demandaria profunda incursão na seara fático-probatória, inviável nessa via processual.
4. Habeas corpus denegado" (HC n. 376.672/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 31/8/2017, grifei).
Diante do contexto aqui apresentado, assim como da inexistência de qualquer indício de que a palavra dos guardas municipais não mereça guarida, não se vislumbra o alegado constrangimento ilegal.
II - Dosimetria
Cumpre asseverar que a via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena se não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e caso se trate de flagrante ilegalidade.
Vale dizer, o entendimento deste eg. Tribunal Superior firmou-se no sentido de que a "dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade" (HC n. 400.119/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/8/2017).
Aqui, as instâncias ordinárias se utilizaram apenas da natureza e da quantidade da droga apreendida para afastar a minorante do privilégio, bem como da gravidade abstrata do delito para fixar o regime fechado ao paciente, o que se revelou inidôneo.
Nesse sentido, a r. manifestação do d. Ministério Público Federal, a qual adoto como razões de decidir.
Veja-se os termos do r. parecer de lavra do Dr. José Adonis Callou de Araújo Sá, Subprocurador-Geral da República (fls. 117-126):
"(..) Da minorante do artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas.
O Juízo de primeira instância afastou a aplicação minorante descrita no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, pelos seguintes fundamentos (fl. 57 - grifos nossos):
"Registre-se que não deve incidir, no caso concreto, a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Restou demonstrado que o réu transportava considerável quantidade e variedade de entorpecentes, bem como diversas anotações de contabilidade do narcotráfico, em local conhecido como ponto de tráfico, além de não ter comprovado de forma idônea o exercício de atividade lícita, a indicar um acentuado envolvimento no comércio de entorpecentes, ou seja, a não ocasionalidade da conduta."
O Tribunal de origem reputou fundamentada a sentença no ponto. Vejamos (fls. 46/47 - grifos nossos):
"Na derradeira etapa, a r. sentença bem afastou a concessão da causa de diminuição de pena, prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, por falta de amparo legal. Ponderou que todas as circunstâncias do caso concreto indicam a não ocasionalidade da conduta neste caso concreto, consignando r. decisões do C. STF nesse sentido, no julgamento do HC 121.057/SP, Relator Min. Luiz Fux, j. 25.02.2014, DJU 18.03.2014: ".. 3. A conduta social do réu, o concurso de agentes, a quantidade e a natureza do entorpecente, os apetrechos utilizados e as circunstâncias em que a droga foi apreendida podem constituir o amparo probatório para o magistrado reconhecer a dedicação do réu à atividade criminosa. Precedentes: RHC 94.806/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 16.04.2010; HC 116.541/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06.06.2013; HC98;366/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 05.02.2010..". No mesmo sentido, no julgamento do HC 111.666/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08.05.2012, DJU 23.05.2012: ".. O juízo de origem procedeu à atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante.(..)" De fato, bem fundamentada a r. sentença, é incabível a concessão do redutor de pena neste caso.
A aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 está condicionada ao preenchimento concomitante dos seguintes requisitos legais: primariedade, bons antecedentes e agente que não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O acórdão não apresenta fundamentação suficiente para negar a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. A apreensão de entorpecentes em local conhecido como ponto de drogas não é suficiente para demonstrar a dedicação do paciente às atividades criminosas. No caso, foi apreendida pequena quantidade de drogas (23,06 gramas de cocaína e 10,88 gramas de maconha) e a pena restou fixada no mínimo legal em razão da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis(..).
Regime inicial de cumprimento de pena.
O Tribunal de origem reputou adequada a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena, diante das circunstâncias demonstrarem a dedicação do paciente às atividades criminosas (fl. 47).
Todavia, no caso, reconhecida a necessidade de aplicação do redutor do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 e fixada a pena abaixo de 04 anos de reclusão, o artigo 33, § 2º, c, do CP admite o regime inicial aberto, devendo a pena privativa de liberdade ser substituída por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal(..).
Em face do exposto, o parecer do Ministério Público Federal é pelo não conhecimento do habeas corpus e, caso conhecido, pela parcial concessão da ordem, para aplicar o benefício do tráfico privilegiado, redimensionando a pena e o regime inicial, com consequente substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos" (grifei).
Nesse contexto, cumpre registrar que a pena definitiva foi fixada nomínimo legal (5 anos de reclusão e 500 dias-multa), pelas instâncias ordinárias, entretanto, deve ser reduzida no patamar de 1/5, na forma do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, diante da variedade de drogas (maconha e cocaína) e dospetrechos (anotações de contabilidade do tráfico) encontrados com o paciente.
Apesar de a quantidade de droga apreendida não ser exatamente pequena ou irrisória(4,96g de cocaína,18,1g de cocaína e 10,88g de maconha), não se mostra apta no caso concreto a afastar a redutora.
Desta feita, proporcionalmente, deve a pena definitiva ser fixada em 4 anos de reclusão, e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima.
Em razão do próprio quantum de pena fixado, deve o regime inicial de pena ser o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, verbis:
"Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
(..)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
(..)
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto" (grifei).
Autorizada, igualmente,a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (art. 44 do Código Penal).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo PARCIALMENTE a ordem, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 4 anos de reclusão e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima, em regime inicial aberto, determinando ao d. Juízo das Execuções Penais que aplique, como entender de direito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mantidos os demais termos da condenação.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder PARCIALMENTE a ordem" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em benefício de MATHEUS MATHIAS DE OLIVEIRA FERREIRA, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (fls. 35-48):
"Apelação criminal Tráfico de drogas Sentença condenatória pelo art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 Recurso defensivo buscando, preliminarmente, o reconhecimento da nulidade em razão de atuação de Guardas Municipais.
No mérito, pleiteia a absolvição, ou a aplicação do redutor de pena, fixação de penas restritivas de direitos, regime aberto, e direito de recorrer em liberdade. Recurso em liberdade não cabimento.
Prisão preventiva bem fundamentada. Ilegalidade na atuação dos Guardas Municipais. Inocorrência Crime de tráfico de drogas que, por ser delito permanente, tem a sua consumação protraída no tempo, permitindo a prisão em flagrante a qualquer momento. Neste caso, o estado de flagrância se mostrou aparente, de modo que lícita foi a atuação dos Guardas Municipais, os quais, inclusive, devem zelar pela segurança social. Ademais, qualquer pessoa do povo pode realizar prisões em flagrante (art. 301, do CPP). Mérito Autoria e materialidade comprovadas prisão em flagrante. Réu confesso em ambas as fases da persecução penal. Apreensão de 28 porções de cocaína, mais 39 porções de cocaína e 09 porções de maconha. Guardas Municipais que relataram como se deu a prisão em flagrante e a apreensão das drogas, dinheiro e anotações referentes ao tráfico. Manutenção da condenação que se impõe. Dosimetria Pena-base fixada no mínimo legal. Na segunda fase, consideração da circunstância atenuante da confissão, sem reflexo na pena-base mínima (súmula 231,STJ). Na derradeira etapa, a causa de diminuição de pena prevista no §4º, do art. 33, da Lei 11.343/06 foi bem afastada, por ausência de requisitos legais. Regime inicial fechado mantido, eis que justificado e por ser o mais adequado. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Não preenchimento dos requisitos legais. Preliminares rejeitadas.
Recurso defensivo improvido."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa busca a anulação das provas que considera ilícitas, em decorrência de suposta violação do dever funcional da Guarda Municipal, que realizou a abordagem.
Afirma que o privilégio no crime de tráfico de drogas deveria ser reconhecido, haja vista a pequena quantidade de droga apreendida (4,96g de cocaína,18,1g de cocaína e 10,88g de maconha), a ocupação lícita comprovada e porque o paciente seria, no máximo, pequeno traficante.
Por fim, a aplicação de regime inicial menos gravoso, por invocar as Súmulas n. 718/STF ("A OPINIÃO DO JULGADOR SOBRE A GRAVIDADE EM ABSTRATO DO CRIME NÃO CONSTITUI MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DE REGIME MAIS SEVERO DO QUE O PERMITIDO SEGUNDO A PENA APLICADA"), n. 719/STF ("A IMPOSIÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO MAIS SEVERO DO QUE A PENA APLICADA PERMITIR EXIGE MOTIVAÇÃO IDÔNEA") e n. 440/STJ (" FIXADA A PENA-BASE NO MÍNIMO LEGAL, É VEDADO O ESTABELECIMENTO DE REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO DO QUE O CABÍVEL EM RAZÃO DA SANÇÃO IMPOSTA, COM BASE APENAS NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO ").
Requer, inclusive LIMINARMENTE, "Absolver o PACIENTE, ou subsidiariamente; b) Reconhecer a incidência da causa de diminuição do art. 33, §4º, da Lei 11.343/06; c) Com redimensionamento da pena, fixar o regime inicial aberto (enunciados de Súmula 440, deste E. Superior Tribunal de Justiça e 718 e 719, do E. Supremo Tribunal Federal e artigo 33, §2º, alínea "c", do Código Penal) e converter a pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (Resolução nº 5 de 2012, do Senado Federal e artigo 44, do Código Penal). Subsidiariamente, aplicar o regime inicial semiaberto" (fl. 34).
Pedido liminar indeferido, às fls. 71-74.
Informações, às fls. 79-81 e 82-113.
O d. Ministério Público Federal oficiou pela parcial concessão da ordem, em r. parecer, nestes termos (fls. 117-126):
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO INADEQUADA DO HC. NÃO CONHECIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE ENTORPECENTES REALIZADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO. LEGALIDADE. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS INDICATIVAS DE DEDICAÇÃO DO PACIENTE ÀS ATIVIDADES DELITIVAS. RECUSA INJUSTIFICADA. REGIME INICIAL FECHADO. INCIDÊNCIA DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO. REGIME INICIAL ABERTO E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS E, CASO CONHECIDO, PELA PARCIAL CONCESSÃO DA ORDEM."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão combatido (fls. 35-48):
"Ao relatório da r. sentença 1 de fls. 300/313, prolatada pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Paulo Antonio Canali Campanella, ora adotado, acrescento que Matheus Mathias de Oliveira Ferreira foi condenado à pena de 05 anos de reclusão, em regime inicial fechado, mais o pagamento de 500 dias-multa, no mínimo legal, como incursa no art. 33, caput, da Lei 11.343/06. Vedado o direito de recorrer em liberdade.
Não houve recurso Ministerial.
Inconformada, apelou a Defesa. Busca, preliminarmente, o reconhecimento da ilegalidade da apreensão feita pelos Guardas Municipais. No mérito pleiteia a absolvição, ou a aplicação do redutor de pena, fixação de penas restritivas de direitos, regime aberto, e o direito de recorrer em liberdade (fls. 325/353).
Processado o recurso, com contrarrazões do Ministério Público às fls. 189/193, os autos subiram a esta E. Corte de Justiça.
A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do apelo defensivo (fls. 209/213).
É o relatório.
Preliminares A ilustre Defesa sustenta a ilegalidade da apreensão, sob o argumento de que os Guardas Municipais agiram fora de suas atribuições constitucionais. Sem razão, contudo.
A r. sentença bem afastou tal arguição às fls. 301/302, lembrando que a abordagem realizada por Guardas Municipais encontra respaldo no artigo 5º, da Lei n. 13022/2014, que regulamentou o §8º, do artigo 144, da Constituição Federal e permite o patrulhamento preventivo a fim de "colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social" (inciso IV), e "encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração, preservando o local do crime, quando possível e sempre que necessário" (inciso XIV).
Ademais, a r. sentença trouxe à colação entendimentos jurisprudenciais dos C. STJ e STF, e também deste E. Tribunal de Justiça de São Paulo, no sentido da validade da prisão efetuada por Guardas Municipais (fls. 302/304), que peço vênia para que façam parte de voto.
De fato, o crime de tráfico de drogas é um delito permanente, cuja consumação se protrai no tempo, permitindo a prisão do agente a qualquer momento.
Estando em estado de flagrância, o art. 301 do Código de Processo Penal é firme ao prever que qualquer um do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. O Guarda Municipal está incluído neste rol.
Neste caso, o estado de flagrância se mostrou aparente, uma vez que a ré se encontrava em atitude suspeita em via pública.
Registre-se, desde logo, que o C. STF julgou o RE 846854 de repercussão geral, reconhecendo que as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública essencial ao atendimento de necessidades inadiáveis da comunidade, e a Lei n. 13.675/2018 inseriu as Guardas Municipais como integrantes operacionais do Sistema único de Segurança Pública.
Ademais, cabe aos Guardas Municipais zelarem pela segurança social, ainda que tal atribuição não esteja inserida dentre as previstas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal (..).
É firme a jurisprudência no sentido de que a Guarda Municipal, a teor do disposto no §8º, do art. 144, da Constituição Federal, tem como tarefa precípua a proteção do patrimônio do município, limitação que não exclui nem retira de seus integrantes a condição de agentes da autoridade, legitimados, dentro do princípio de autodefesa da sociedade, a fazer cessar eventual prática criminosa, prendendo quem se encontra em flagrante delito. A legalidade da abordagem e diligências realizadas pelos guardas municipais é assegurada pela Lei nº 13.022/14, que atribuiu aos guardas municipais o patrulhamento preventivo, bem como o dever de encaminhar ao delegado de polícia, diante de flagrante delito, o autor da infração.
Desse modo, não havendo que se falar na atuação ilegal dos Guardas Municipais, a preliminar arguida fica rejeitada.
A Defesa busca o direito de recurso em liberdade. Sem razão.
A r. sentença manteve a segregação cautelar do réu de forma suficientemente fundamentada, ressaltando, em síntese, a subsistência dos motivos autorizadores da custódia cautelar.
Com efeito, não faria sentido que o réu, que respondeu ao processo preso fosse colocado em liberdade neste momento processual, em que está mais evidenciada a sua culpabilidade. Ressalta-se, outrossim, que inexiste direito adquirido ao réu, ora apelante, em lhe ser concedido o direito de recorrer em liberdade, sobretudo quando a necessidade da custódia cautelar estiver devidamente justificada, tal como ocorreu no caso em comento(..).
Assim, presentes os requisitos legais, deve ser mantida a custódia cautelar do réu, rejeitando-se a preliminar arguida.
Mérito
Consta da denúncia que, no dia 05 de fevereiro de 2020, por volta de 9:20 horas, na Rua Antonio Ambrosio, 91, Vila Feital, comarca de Mauá, o denunciado transportava, para fins de tráfico, 28 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 4,96gramas), 39 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 18,1 gramas), 09 invólucros plásticos contendo maconha (massa líquida 10,88 gramas), sem autorização legal ou regulamentar, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 25/26, laudo de constatação às fls. 33/35, e laudo de exame químico-toxicológico.
Segundo o apurado, Guardas Municipais em patrulhamento pelo local dos fatos, avistaram o auto GM/Corsa, placas CKT-7633, quando notaram que seu condutor esboçou nervosismo ao serem percebidos, razão pela qual decidiram abordá-lo.
Após a identificação do denunciado, localizaram em suas vestes, R$ 37,00 em dinheiro e anotações de contabilidade de venda de drogas.
Sobre o assento do veículo localizaram um estojo contendo as drogas discriminadas acima, caneta e mais anotações de venda de drogas.
As circunstâncias da prisão, a quantidade e a forma como estavam acondicionadas as drogas apreendidas, bem como o dinheiro apreendido, e a confissão, indicam a traficância.
A exordial acusatória foi recebida aos 11.02.2020 (fls. 85/86).
O conjunto probatório deixou fora de dúvidas de que o réu praticou o crime de tráfico de drogas, conforme a narrativa acusatória, o que afasta a possibilidade de absolvição.
A materialidade delitiva restou devidamente comprovada pelos: Auto de Prisão em Flagrante, Boletim de Ocorrência (fls. 03/06), Auto de Exibição e Apreensão (fls. 25/26) 3 , fotografias das anotações apreendidas (fls. 29/32), Laudo de Constatação (fls. 33/35), laudo de Exame Químico Toxicológico (fls. 229/231), laudo pericial das anotações (fls. 98-104), em consonância com as demais provas amealhadas aos autos.
A autoria também é certa.
Preso em flagrante, na delegacia, o acusado confessou espontaneamente que estava no local pra vender drogas. Disse que começou essa atividade nesta manhã, e que ganha 10% do total das vendas, e que não sabe quem é o responsável pela "biqueira", e que há diversos indivíduos responsáveis por abastecer a "biqueira" e recolher o dinheiro das vendas. Sobre a abordagem, disse que estava dentro do carro de um conhecido, cujos dados não sabe, e que chegou ao local para visitar uma garota, quando foi abordado pelos Guardas Municipais. Não ofereceu resistência na abordagem. Recusa-se a fornecer material grafotécnico para fins de exame pericial (fls. 09).
Narra, em resumo, o histórico do boletim de ocorrência que Guardas Municipais apresentaram o acusado, as drogas, e demais itens em delegacia. Relataram que estavam em patrulhamento no local dos fatos, conhecido ponto de venda de drogas, avistaram um auto GM/Corsa, verde, placas CKT-7633, com vidros abaixados, estacionado, e no banco do motorista, o ora indiciado, que ficou bastante assustado ao perceber a presença da guarnição. O ora indiciado se identificou como Matheus Mathias de Oliveira Ferreira, maior de idade, e na revista pessoal, encontraram R$ 37,00 e anotações típicas de tráfico. Na busca veicular, encontraram sobre o banco do passageiro, um pequeno estojo contendo 67 porções de cocaína, 09 porções de maconha, mais papéis com anotações de tráfico e duas canetas. Questionado, o acusado confessou espontaneamente que estava ali para vender as drogas, e que o veículo seria de um colega, cujas dados qualificativos não soube fornecer. O último licenciamento do carro é referente ao exercício de 2015, não havendo restrição (fls. 04/05).
Em juízo, o réu ratificou a confissão que apresentara na fase extrajudicial, dizendo ser a primeira vez em que estava traficando drogas.
Em juízo, o Guarda Municipal Guilherme Maioni do Nascimento relatou, resumidamente, ratificando o quanto narrou na fase extrajudicial, que patrulhavam pelo local, conhecido ponto de tráfico, quando avistaram o acusado dentro de um veículo, tendo ele ficado nervoso quando foi abordado. Na busca pessoal encontraram dinheiro e anotações, e dentro do carro, no banco traseiro, as drogas. O réu admitiu a prática do tráfico de drogas.
Ouvido apenas na fase extrajudicial, o Guarda Municipal Oguimar Cortonesi prestou declarações no mesmo sentido. Narrou como se deu a visualização do acusado, dentro do veículo, bem como a apreensão das drogas, dinheiro e anotações.
Inquestionável a validade do depoimento prestado por Guardas Municipais. É mais do que remansosa a jurisprudência no sentido de que os agentes públicos, tais como guardas municipais, não são suspeitos apenas pela função que ocupam, podendo ser testemunhas em processo criminal.
Pelo contrário, por serem agentes públicos investidos em cargos cujas atribuições se ligam umbilical e essencialmente à segurança pública, não tem qualquer interesse em prejudicar inocentes, principalmente quando os relatos apresentados são coerentes e seguros, de maneira que, não havendo absolutamente nada no conjunto probatório que desabone seus testemunhos, a estes deve ser conferida relevante força probante.
E de acordo com tais declarações, restou evidente que o réu tinha consigo e transportava as drogas apreendidas, as quais se destinavam ao tráfico.
A prisão em flagrante, que é a certeza visual do fato, a expressiva quantidade de entorpecentes apreendidos, a forma de acondicionamento destas drogas, o relato dos Guardas Municipais, enfim, as circunstâncias todas em que ocorreram os fatos deixam evidente a prática da traficância.
Para a configuração do delito de tráfico de drogas, não é necessária prova da mercancia, pois o simples fato de, com essa finalidade, guardar, manter em depósito, trazer consigo, fornecer, ainda que gratuitamente, a substância, também caracteriza o crime em questão.
Ressalta-se, ainda, o ensinamento de Fernando de Almeida Pedroso:
"em sede de tráfico de substância entorpecente, constituem prova indiciária do malsinado e vil comércio, exemplificativamente, a quantidade apreendida de estupefacientes, denotando sua incompatibilidade com a destinação para o próprio uso; a forma de fragmentação e acondicionamento do tóxico, confeccionado em diversas embalagens ou unidades distintas e individuais, indicando o propósito de venda a varejo".
Desse modo, o convencimento firmado a partir das provas é no sentido de que o réu praticou o delito de tráfico de drogas, conforme a r. narrativa acusatória. Os elementos probatórios trazidos aos autos são mais que suficientes para incutir no Julgador o juízo de certeza necessário à condenação.
Passo então à análise da dosimetria da pena.
Na primeira fase, atentando-se aos critérios do art. 59, do Código Penal, bem como aos do art. 42, da Lei de Drogas, a pena-base foi fixada em 05 anos de reclusão, e 500 dias-multa.
Na fase intermediária, foi consignada a circunstância atenuante da confissão, porém, sem reflexo na pena-base mínima (Súmula 231, STJ).
Na derradeira etapa, a r. sentença bem afastou a concessão da causa de diminuição de pena, prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, por falta de amparo legal. Ponderou que todas as circunstâncias do caso concreto indicam a não ocasionalidade da conduta neste caso concreto, consignando r. decisões do C. STF nesse sentido, no julgamento do HC 121.057/SP, Relator Min. Luiz Fux, j. 25.02.2014, DJU 18.03.2014: ".. 3. A conduta social do réu, o concurso de agentes, a quantidade e a natureza do entorpecente, os apetrechos utilizados e as circunstâncias em que a droga foi apreendida podem constituir o amparo probatório para o magistrado reconhecer a dedicação do réu à atividade criminosa. Precedentes: RHC 94.806/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 16.04.2010; HC 116.541/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06.06.2013; HC98;366/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 05.02.2010..". No mesmo sentido, no julgamento do HC 111.666/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08.05.2012, DJU 23.05.2012: ".. O juízo de origem procedeu à atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante. (..)" De fato, bem fundamentada a r. sentença, é incabível a concessão do redutor de pena neste caso.
Dessa forma, a pena final fica mantida em 05 anos de reclusão, e 500 dias-multa, no mínimo legal.
Quanto ao regime prisional, foi fixado o inicial fechado, o que não comporta reparos.
É indiscutível que, para o delito de tráfico de drogas, o regime inicial é o fechado. Todo indivíduo que participa de narcotráfico revela extrema periculosidade.
No caso em tela, além das circunstâncias denotarem a dedicação do réu às atividades criminosas, o crime em tela intranquiliza a população e vem crescendo, causando problemas gravíssimos ao bom convívio familiar. Essa difusão há de ser coibida pelo Estado-Juiz, o qual, ao impor regime mais rigoroso, não só retirará o malfeitor perigoso do convívio social, mas também evitará que ele continue a exercer suas atividades ilícitas, viciando pessoas e destruindo famílias.
Incabível, portanto, a fixação de regime mais brando.
Do mesmo modo, não há que se falar em substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por falta de amparo legal.
O quantum da pena imposta (art. 44-I, do CP), as circunstâncias já mencionadas (dedicação do réu às atividades criminosas) e o tratamento mais rigoroso estabelecido na Lei nº 11.343/06 demonstram a inviabilidade da medida (art. 44-III, do Código Penal).
Ante o exposto, pelo meu voto, afastada a matéria preliminar, nego provimento ao apelo, mantendo a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos" (grifei).
Pois bem.
I - Abordagem pela Guarda Municipal
Primeiramente, no que tange à suposta nulidade absoluta, tratando-se de crime de tráfico ilícito de substância entorpecente, de natureza permanente, a ação se prolonga no tempo, de modo que, enquanto não cessada a permanência, haverá o estado de flagrância, o que possibilita a prisão por qualquer do povo.
Não obstante, a realização de prisão em flagrante e revista pessoal por guardas municipais não encontra óbice na legislação e jurisprudência.
Explico.
Esta eg. Corte, há muito, firmou o entendimento de que, "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (RHC 94.061/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 30/4/2018).
Saliente-se, ademais, que, enquanto não cessada a permanência, haverá o estado de flagrância, o que possibilita a prisão, diga-se novamente, por qualquer do povo.
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS. IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DOS GUARDAS MUNICIPAIS PARA EFETUAR PRISÃO EM FLAGRANTE. PERMISSIVO DO ART. 301 DO CPP. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE TER SIDO VÍTIMA DE TORTURA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RISCO DE REITERAÇÃO. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal.
2. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes.
(..)
6. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 421.954/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 2/4/2018, grifei).
"PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. UM DOS RÉUS BENEFICIADO COM INDULTO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. NULIDADE. ABORDAGEM REALIZADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. PACIENTES EM ESTADO DE FLAGRÂNCIA. LEGALIDADE DO ATO. INTELIGÊNCIA DO ART. 301 DO CPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. É manifesta a ausência de interesse de agir em relação a um dos réus, em razão de ele ter sido beneficiado com o indulto, com fundamento no Decreto n. 8.615/2015, tendo sido julgada extinta sua punibilidade e expedido alvará de soltura em seu favor.
3. Hipótese na qual os réus foram abordados por Guardas Municipais que os avistaram saindo de um matagal, portando os objetos provenientes do furto que haviam acabado de praticar, ou seja, em estado de flagrância, razão pela qual foram conduzidos à delegacia.
4. O Superior Tribunal de Justiça possui firme entendimento no sentido de que não há óbice à ação dos guardas municipais em casos de flagrante delito, pois, consoante o disposto no art. 301 do CPP, "qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito". Precedentes.
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 371.494/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/12/2017).
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. INADMISSIBILIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. GUARDA MUNICIPAL. NULIDADE DA SENTENÇA E DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. BUSCA PESSOAL E DOMICILIAR. PROVA ILÍCITA. INEXISTÊNCIA. CRIME PERMANENTE. PARECER ACOLHIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça não têm mais admitido o habeas corpus como sucedâneo do meio processual adequado, seja o recurso ou a revisão criminal, salvo em situações excepcionais.
2. Na hipótese dos autos, não há falar em nulidade da sentença e do acórdão sob a alegação de irregularidade na prisão em flagrante, visto que os integrantes da Guarda Municipal flagraram o paciente, em via pública, na posse de entorpecentes destinados à mercancia, estando suas condutas amparadas pelo art. 301 do Código de Processo Penal, segundo o qual qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito.
3. Apesar das atribuições previstas no art. 144, § 8º, da Constituição Federal, se qualquer pessoa do povo pode prender quem quer que esteja em situação de flagrância, não se pode proibir o guarda municipal de efetuar tal prisão.
4. Em razão do caráter permanente do tráfico de drogas, cuja consumação se prolonga no tempo, a revista pessoal ou domiciliar que ocasionou a prisão em flagrante, não representa prova ilícita (Precedente).
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 286.546/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15/10/2015, grifei).
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. NULIDADE. PRISÃO EM FLAGRANTE REALIZADA POR GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. CONDENAÇÃO PELO CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE AGENTES E PELO DELITO DE CORRUPÇÃO DE MENORES. BIS IN IDEM. NÃO OCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. TERCEIRA FASE. MAJORANTES. QUANTUM DE ACRÉSCIMO. SÚMULA N.º 443 DESTA CORTE. ILEGALIDADE MANIFESTA. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.
1. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer um do povo pode prender aquele que estiver em flagrante delito. O fato da prisão em flagrante do ora paciente ter sido realizada por Guarda Municipal não revela ilegalidade.
(..)" (HC n. 394.112/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 14/8/2017).
Ainda, tem-se que, o art. 144, § 8º, da Constituição Federal prevê, como órgão componente do sistema de segurança pública, a Guarda Municipal.
Verbis:
"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(..)
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei."
Apesar de a função constitucional das Guardas Municipais ser restrita à proteção dos bens, serviços e instalações dos Entes Municipais, não se verifica, in casu, qualquer ilegalidade ou abuso de poder na sua atuação, tendo em vista que a prisão efetuada foi em típico flagrante, cuja atuação poderia ter sido ser realizada até mesmo por qualquer do povo e sem mandado, na forma do art. 301, do Código de Processo Penal, verbis:
"Art. 301. Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito."
No caso vertente, a abordagem pela Guarda Municipal se deu em veículo, não havendo falar em invasão de domicílio.
Ressalte-se que o paciente confessou a prática do tráfico de drogas.
Neste ponto, o v. acórdão, verbis (fls. 41-42):
"(..) Consta da denúncia que, no dia 05 de fevereiro de 2020, por volta de 9:20 horas, na Rua Antonio Ambrosio, 91, Vila Feital, comarca de Mauá, o denunciado transportava, para fins de tráfico, 28 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 4,96gramas), 39 invólucros plásticos contendo cocaína (massa líquida 18,1 gramas), 09 invólucros plásticos contendo maconha (massa líquida 10,88 gramas), sem autorização legal ou regulamentar, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 25/26, laudo de constatação às fls. 33/35, e laudo de exame químico-toxicológico.
Segundo o apurado, Guardas Municipais em patrulhamento pelo local dos fatos, avistaram o auto GM/Corsa, placas CKT-7633, quando notaram que seu condutor esboçou nervosismo ao serem percebidos, razão pela qual decidiram abordá-lo.
Após a identificação do denunciado, localizaram em suas vestes, R$ 37,00 em dinheiro e anotações de contabilidade de venda de drogas.
Sobre o assento do veículo localizaram um estojo contendo as drogas discriminadas acima, caneta e mais anotações de venda de drogas(..)" (grifei).
Ainda (fls. 43-44):
"(..) Em juízo, o Guarda Municipal Guilherme Maioni do Nascimento relatou, resumidamente, ratificando o quanto narrou na fase extrajudicial, que patrulhavam pelo local, conhecido ponto de tráfico, quando avistaram o acusado dentro de um veículo, tendo ele ficado nervoso quando foi abordado. Na busca pessoal encontraram dinheiro e anotações, e dentro do carro, no banco traseiro, as drogas. O réu admitiu a prática do tráfico de drogas(..)" (grifei).
Ademais, todo o material efetivamente apreendido, somado ao dinheiro e aos petrechos encontrados, somente reforçou a necessidade da atuação estatal para conter o flagrante delito.
Conforme aqui antes delineado, autorizada a prisão em flagrante pela legislação e jurisprudência pátria, não há falar, no caso concreto, em situação ilegal.
Nesse sentido, autorizada estava a prisão em flagrante.
Outrossim, no que atine à questão da validade dos depoimentos policiais em geral, esta eg. Corte também é pacífica no sentido de que eles merecem a credibilidade e a fé pública inerente ao depoimento de qualquer funcionário estatal no exercício de suas funções, principalmente, quando corroborados pelos demais elementos de provas nos autos - e isso foi bem destacado e analisado no v. acórdão acima citado - e ausentes indícios de que houvesse motivos pessoais para a incriminação injustificada dos investigados.
Nestes termos:
"AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PLEITO ABSOLUTÓRIO. NECESSIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ.
1. Concluindo as instâncias de origem, de forma fundamentada, acerca da autoria e materialidade delitiva assestadas ao agravante, considerando especialmente o flagrante efetivado e os depoimentos prestados em juízo, inviável a desconstituição do raciocínio com vistas a absolvição por insuficiência probatória, pois exigiria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, esbarrando no óbice da Súmula n. 7/STJ.
2. Conforme entendimento desta Corte, o depoimento de policiais responsáveis pela prisão em flagrante do acusado constitui meio de prova idôneo a embasar o édito condenatório, mormente quando corroborado em Juízo, no âmbito do devido processo legal.
(..)
3. Agravo improvido" (AgRg no AREsp n. 1.281.468/BA, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 14/12/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTRAS PROVAS SUFICIENTES. TESTEMUNHO POLICIAL INDIRETO DE QUE O CORRÉU AFIRMA PARTICIPAÇÃO DO AGRAVANTE. PROVA ACESSÓRIA. EXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS QUE SUSTENTAM A CONDENAÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA NÃO RECONHECIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Indicando a Corte local dar-se a condenação não apenas pelo depoimento de policial, mas por outras provas também valoradas, não cabe a pretensão de nulidade da condenação.
2. Inexistindo impedimento legal ao depoimento de policiais e presentes outras provas que sustentem a condenação, não há falar em nulidade.
3. Agravo regimental improvido" (AgRg nos EDcl no HC n. 446.151/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 27/2/2019, grifei).
Ademais, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
Sobre o tema, confiram-se os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEPOIMENTO DA VÍTIMA E OUTRAS PROVAS TESTEMUNHAIS. AUTORIA DELITIVA E MATERIALIDADE CONFIRMADAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
(..)
4. A pretendida absolvição do paciente ante a alegada ausência de prova da autoria delitiva e da materialidade é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido na ação penal, providência vedada na via estreita do remédio constitucional do habeas corpus, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória.
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 475.442/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 22/11/2018, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP. ART. 217-A). ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE NA VIA ELEITA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO PENAL. CRIME CONFIGURADO. MAIORES INCURSÕES SOBRE O TEMA QUE DEMANDARIAM REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do ilícito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
(..)
6. Writ não conhecido" (HC n. 431.708/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 30/5/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO. ABSOLVIÇÃO. EXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDAÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA E FALTA DE JUSTA CAUSA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESES SUPERADAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PEDIDO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL. RECURSO NÃO ACOLHIDO.
1. Mostra-se adequada a decisão que indefere liminarmente, de forma monocrática, o habeas corpus manifestamente incabível, nos termos do art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça.
2. Não é possível, na via estreita do mandamus, analisar profundamente as provas para se concluir pela inocência do acusado.
3. Prolatada sentença condenatória, ficam superadas as alegações de inépcia da denúncia e de falta de justa causa para a ação penal.
4. Inviável avaliar a alegação de nulidade por cerceamento de defesa se ela não foi levada a exame do Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
5. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no HC n. 428.336/SP, Sexta Turma, Relª. Min.ª Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 15/2/2018, grifei).
"PENAL. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. ABSOLVIÇÃO. NULIDADE. AUSÊNCIA DE ESTUDO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E SOCIAL DA VÍTIMA. IRRELEVANTE AO DESLINDE DO FEITO. DECISÃO PROFERIDA COM BASE NO ACERVO PROBATÓRIO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. REEXAME PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE PENA VIA DO WRIT. ORDEM DENEGADA.
1. Além de restar prejudicada a realização do estudo psicológico e social por não ter sido localizada a vítima, ressaltou o Tribunal de origem que, da leitura da prova amealhada sob o crivo do contraditório, verifica-se que a submissão da vítima a nova perícia revela-se patentemente desnecessária, valoração de desnecessidade que não se revela desarrazoada.
2. Não há preclusão judicial no deferimento ou determinação de provas, que pode ter reconsiderada a necessidade de sua realização.
3. Tendo as instâncias ordinárias indicado os elementos de prova que levaram ao reconhecimento da autoria e da materialidade e, por consequência, à condenação, não cabe a esta Corte Superior, em habeas corpus, desconstituir o afirmado, pois demandaria profunda incursão na seara fático-probatória, inviável nessa via processual.
4. Habeas corpus denegado" (HC n. 376.672/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 31/8/2017, grifei).
Diante do contexto aqui apresentado, assim como da inexistência de qualquer indício de que a palavra dos guardas municipais não mereça guarida, não se vislumbra o alegado constrangimento ilegal.
II - Dosimetria
Cumpre asseverar que a via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena se não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e caso se trate de flagrante ilegalidade.
Vale dizer, o entendimento deste eg. Tribunal Superior firmou-se no sentido de que a "dosimetria da pena insere-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade" (HC n. 400.119/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 1º/8/2017).
Aqui, as instâncias ordinárias se utilizaram apenas da natureza e da quantidade da droga apreendida para afastar a minorante do privilégio, bem como da gravidade abstrata do delito para fixar o regime fechado ao paciente, o que se revelou inidôneo.
Nesse sentido, a r. manifestação do d. Ministério Público Federal, a qual adoto como razões de decidir.
Veja-se os termos do r. parecer de lavra do Dr. José Adonis Callou de Araújo Sá, Subprocurador-Geral da República (fls. 117-126):
"(..) Da minorante do artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas.
O Juízo de primeira instância afastou a aplicação minorante descrita no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/06, pelos seguintes fundamentos (fl. 57 - grifos nossos):
"Registre-se que não deve incidir, no caso concreto, a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06.
Restou demonstrado que o réu transportava considerável quantidade e variedade de entorpecentes, bem como diversas anotações de contabilidade do narcotráfico, em local conhecido como ponto de tráfico, além de não ter comprovado de forma idônea o exercício de atividade lícita, a indicar um acentuado envolvimento no comércio de entorpecentes, ou seja, a não ocasionalidade da conduta."
O Tribunal de origem reputou fundamentada a sentença no ponto. Vejamos (fls. 46/47 - grifos nossos):
"Na derradeira etapa, a r. sentença bem afastou a concessão da causa de diminuição de pena, prevista no § 4º, do art. 33, da Lei nº 11.343/06, por falta de amparo legal. Ponderou que todas as circunstâncias do caso concreto indicam a não ocasionalidade da conduta neste caso concreto, consignando r. decisões do C. STF nesse sentido, no julgamento do HC 121.057/SP, Relator Min. Luiz Fux, j. 25.02.2014, DJU 18.03.2014: ".. 3. A conduta social do réu, o concurso de agentes, a quantidade e a natureza do entorpecente, os apetrechos utilizados e as circunstâncias em que a droga foi apreendida podem constituir o amparo probatório para o magistrado reconhecer a dedicação do réu à atividade criminosa. Precedentes: RHC 94.806/PR, Primeira Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 16.04.2010; HC 116.541/ES, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 06.06.2013; HC98;366/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe 05.02.2010..". No mesmo sentido, no julgamento do HC 111.666/MG, Rel. Min. Luiz Fux, j. 08.05.2012, DJU 23.05.2012: ".. O juízo de origem procedeu à atividade intelectiva irrepreensível, porquanto a apreensão de grande quantidade de droga é fato que permite concluir, mediante raciocínio dedutivo, pela dedicação do agente a atividades delitivas, sendo certo que, além disso, outras circunstâncias motivaram o afastamento da minorante.(..)" De fato, bem fundamentada a r. sentença, é incabível a concessão do redutor de pena neste caso.
A aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, §4º, da Lei 11.343/06 está condicionada ao preenchimento concomitante dos seguintes requisitos legais: primariedade, bons antecedentes e agente que não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O acórdão não apresenta fundamentação suficiente para negar a aplicação da causa de diminuição de pena do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. A apreensão de entorpecentes em local conhecido como ponto de drogas não é suficiente para demonstrar a dedicação do paciente às atividades criminosas. No caso, foi apreendida pequena quantidade de drogas (23,06 gramas de cocaína e 10,88 gramas de maconha) e a pena restou fixada no mínimo legal em razão da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis(..).
Regime inicial de cumprimento de pena.
O Tribunal de origem reputou adequada a fixação do regime inicial fechado para o cumprimento da pena, diante das circunstâncias demonstrarem a dedicação do paciente às atividades criminosas (fl. 47).
Todavia, no caso, reconhecida a necessidade de aplicação do redutor do artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 e fixada a pena abaixo de 04 anos de reclusão, o artigo 33, § 2º, c, do CP admite o regime inicial aberto, devendo a pena privativa de liberdade ser substituída por restritivas de direitos, nos termos do artigo 44 do Código Penal(..).
Em face do exposto, o parecer do Ministério Público Federal é pelo não conhecimento do habeas corpus e, caso conhecido, pela parcial concessão da ordem, para aplicar o benefício do tráfico privilegiado, redimensionando a pena e o regime inicial, com consequente substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos" (grifei).
Nesse contexto, cumpre registrar que a pena definitiva foi fixada nomínimo legal (5 anos de reclusão e 500 dias-multa), pelas instâncias ordinárias, entretanto, deve ser reduzida no patamar de 1/5, na forma do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, diante da variedade de drogas (maconha e cocaína) e dospetrechos (anotações de contabilidade do tráfico) encontrados com o paciente.
Apesar de a quantidade de droga apreendida não ser exatamente pequena ou irrisória(4,96g de cocaína,18,1g de cocaína e 10,88g de maconha), não se mostra apta no caso concreto a afastar a redutora.
Desta feita, proporcionalmente, deve a pena definitiva ser fixada em 4 anos de reclusão, e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima.
Em razão do próprio quantum de pena fixado, deve o regime inicial de pena ser o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, "c", do Código Penal, verbis:
"Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto. A de detenção, em regime semiaberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
(..)
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
(..)
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto" (grifei).
Autorizada, igualmente,a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito (art. 44 do Código Penal).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo PARCIALMENTE a ordem, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 4 anos de reclusão e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima, em regime inicial aberto, determinando ao d. Juízo das Execuções Penais que aplique, como entender de direito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mantidos os demais termos da condenação.
É o voto. | EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE DELITO. ABORDAGEM EM VIA PÚBLICA. FUNDADAS SUSPEITAS IN CASU. AMPLO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO PARA AFASTAR AS CONCLUSÕES DA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. PRIVILÉGIO. REDUTORA DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE IN CASU. REGIME PRISIONAL INICIAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - No caso vertente, aabordagem pela Guarda Municipal se deu emveículo, não havendo falar em invasão de domicílio. Ressalte-se que o paciente confessou a prática do tráfico de drogas.
III - Com efeito, assente na jurisprudência deste Tribunal Superior que, "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (HC n. 421.954/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 2/4/2018).
IV - Afastada qualquer flagrante ilegalidade, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
V - Na dosimetria, as instâncias ordinárias se utilizaram apenas da natureza e da quantidade da droga apreendida para afastar a minorante do privilégio, bem como da gravidade abstrata do delito para fixar o regime fechado ao paciente, o que se revelou inidôneo.
Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 4 anos de reclusão e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima, em regime inicial aberto, determinando aod. Juízo das Execuções Penais que aplique, como entender de direito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mantidos os demais termos da condenação. | HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ATUAÇÃO DE GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE DELITO. ABORDAGEM EM VIA PÚBLICA. FUNDADAS SUSPEITAS IN CASU. AMPLO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO PARA AFASTAR AS CONCLUSÕES DA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. PRIVILÉGIO. REDUTORA DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. APLICABILIDADE IN CASU. REGIME PRISIONAL INICIAL. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - No caso vertente, aabordagem pela Guarda Municipal se deu emveículo, não havendo falar em invasão de domicílio. Ressalte-se que o paciente confessou a prática do tráfico de drogas.
III - Com efeito, assente na jurisprudência deste Tribunal Superior que, "Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes" (HC n. 421.954/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 2/4/2018).
IV - Afastada qualquer flagrante ilegalidade, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
V - Na dosimetria, as instâncias ordinárias se utilizaram apenas da natureza e da quantidade da droga apreendida para afastar a minorante do privilégio, bem como da gravidade abstrata do delito para fixar o regime fechado ao paciente, o que se revelou inidôneo.
Habeas corpus não conhecido. Ordem parcialmente concedida, de ofício, para redimensionar a pena do paciente para 4 anos de reclusão e pagamento de 400 dias-multa, à razão unitária mínima, em regime inicial aberto, determinando aod. Juízo das Execuções Penais que aplique, como entender de direito, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, mantidos os demais termos da condenação. | N |
143,486,995 | EMENTA
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A sabida permanência do delito de tráfico de drogas ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. 5º, XI, da CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
3. Neste caso, a moldura fática extraída dos autos não permite que se conclua pela presença de elementos de suporte suficientes para justificar a decisão de ingressar na residência do paciente.
4. Esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima desacompanhada de medidas investigativas preliminares que indiquem a presença de fundadas razões para não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, reconhecendo a nulidade das provas obtidas mediante ingresso forçado no domicílio do paciente, absolvê-lo das imputações, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de FLÁVIO DO NASCIMENTO, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no julgamento da Apelação Criminal n. 0046376-52.2014.8.08.0035.
O paciente foi condenado a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 597 (quinhentos e noventa e sete) dias-multa em razão da prática do crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003.
A sentença condenatória foi parcialmente reformada pelo Colegiado estadual, que reduziu a sanção para 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão mantido o regime inicial fechado, além de 544 (quinhentos e quarenta e quatro) dias-multa pelo crime de tráfico de drogas. Além disso, a conduta do art. 16 do Estatuto do Desarmamento passou por readequação típica, passando a ser tipificado como sendo o do art. 12 daquele diploma legal. A pena correspondente a esse delito passou a ser de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção. O acórdão recebeu a seguinte ementa (e-STJ, fls. 59-60):
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. ARTIGO ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06.1. PRELIMINAR. 1.1. PRELIMINAR DE NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO E SEGUINTES ATOS: VIOLAÇÃO AO ART. 400 DO CPP E AO PRECEDENTE DO HC 127.900/AM. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PRELIMINAR REJEITADA. 2. MÉRITO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS PARA O CRIME DE USO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. 3. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO PELO ART. 16 PARA O ART. 12, AMBOS DA LEI Nº 10.826/03. POSSIBILIDADE. 4. REDUÇÃO DA PENA-BASE. PARCIAL PROVIMENTO. 5. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Preliminar. Conforme o precedente do Supremo Tribunal Federal, qual seja, HC 127.900/AM, os ditames dispostos no art. 400 do CPP passaram a incidir em todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, por se mostrar mais benéfico ao réu, de modo que a orientação passou a ser no sentido de que também nos processos de tráfico de drogas deve ser observada a regra do presente artigo do Código de Processo Penal Pátrio. Todavia, a nulidade do interrogatório realizado no início da audiência está sujeita à preclusão quando a defesa não alegou oportunamente, além de depender da demonstração de efetivo prejuízo ao agente, por se tratar de nulidade relativa. Precedentes. No vertente caso, a defesa não se desincumbiu do ônus de demonstrar a ocorrência do efetivo prejuízo ao apelante, limitando-se a sustentar que seria mais benéfico para o réu o seu interrogatório ocorrer depois das declarações das testemunhas, sem justificar o porquê. Preliminar rejeitada.
2. Mérito . Os elementos fáticos probatórios constantes na instrução criminal, consubstanciados nas provas testemunhais e periciais, demonstram a presença de elementos de autoria e de materialidade do delito exposto no artigo 33, caput , da Lei nº. 11.343/06. Desta forma, além da quantidade de droga apreendida, deve-se levar em consideração o local e as circunstâncias da apreensão, que no caso em exame indicam que os entorpecentes apreendidos eram destinados à traficância. Destaca-se, ainda, que os depoimentos dos policiais que diligenciaram no caso, quando colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ganham especial importância, principalmente no crime de tráfico de drogas, porque, muitas vezes, são os únicos presentes na cena do crime.
3. Em detida análise da Portaria nº 1.222/2019, constata-se que os materiais apreendidos na residência do apelante passaram a ser classificadas como de uso permitido, logo, a sua posse, tal como ocorrido no caso em apreço, enquadra-se no crime tipificado no art. 12, da Lei nº 10.826/03, e não mais no art. 16, caput, do mesmo Diploma Legal. Desta feita, ainda que o citado Decreto tenha entrado em vigor na data de 25/06/2019, posteriormente à prática delitiva in casu (12/11/2014), tratando-se de matéria penal, a lei nova deverá retroagir em benefício do réu, enquanto novatio legis in mellius , conforme dispõe o art. 5º, inciso XL, da Constituição da República. Com efeito, diante da alteração introduzida pelo Decreto Presidencial nº 9.847/2019, deve incidir a retroatividade da regulamentação mais benéfica, a fim de reclassificar a conduta do acusado/apelante para o crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.
4. No tocante à dosimetria do crime de tráfico de entorpecentes, verifica-se que as circunstâncias e os motivos do crime, da maneira como foram abordadas na sentença, não merecem ser negativamente valoradas, na medida em que trazem elementos inerentes ao tipo penal sob exame. Contudo, mantém-se a valoração negativa da culpabilidade, que foi devidamente fundamentada com base nas circunstâncias da apreensão e na quantidade de droga encontrada. Dessa forma, faz-se necessário reformar a pena-base proposta pelo magistrado a quo , considerando em desfavor do réu apenas a circunstância judicial referente à culpabilidade.
5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJES. Apelação Criminal n. 046376-52.2014.8.08.0035. Rel. Des. GETÚLIO MARCOS PEREIRA NEVES. Segunda Câmara Criminal. Julgado em 15 de setembro de 2021).
Nas razões deste habeas corpus (e-STJ, fls. 3-14), a Defensoria Pública se insurge contra o fato de rito processual ter deixado de observar o art. 400 do Código de Processo Penal. A defesa informa que o interrogatório do acusado ocorreu antes da inquirição das testemunhas, deixando, portanto, de ser o último ato da instrução criminal.
Além disso, argumenta que as provas que dão amparo à pretensão acusatória foram obtidas de maneira ilícita, tendo em vista que o ingresso dos policiais na residência do paciente não foi precedido de fundadas razões nem de autorização judicial ou de morador do imóvel.
Diante do exposto, requer, liminarmente, o reconhecimento da nulidade apontada e, no mérito, que seja reformada a sentença condenatória em razão da nulidade das provas obtidas mediante ingresso forçado em domicílio.
Após o indeferimento da liminar (e-STJ, fls. 110-113), os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal, que opinou pela concessão da ordem para reconhecer a nulidade das provas obtidas mediante a entrada forçada de policiais na casa do acusado (e-STJ, fls. 119-134).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação, recurso em sentido estrito ou agravo em execução, como é o caso, é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, na medida em que o referido dispositivo faz menção expressa a causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais (..).
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 27/5/2015.
Cito, ainda, os seguintes precedentes:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS E COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. MODUS OPERANDI. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).
II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.
.. Habeas corpus não conhecido. (HC 320.818/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 27/5/2015).
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS.
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional. Igualmente, contra o improvimento de recurso ordinário contra a denegação do habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, não cabe novo writ ao Supremo Tribunal Federal, o que implicaria retorno à fase anterior. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte. .. . (STF, HC n. 113890, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJ 28/2/2014).
Neste caso, muito embora tenha sido usado como substitutivo de recurso ordinário, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar.
De acordo com os autos, em 12 de novembro de 2014, policiais civis cumpriram mandado de busca e apreensão em um imóvel situado na cidade de Vila Velha, no Espírito Santo, localizando, na posse do ora paciente, uma munição calibre .40, um carregador de pistola 380 e três porções de maconha, além de uma balança de precisão e embalagens vazias frequentemente associadas ao comércio de entorpecentes. No quintal da residência foram encontrados três pés de maconha, três pedras de crack, um tablete de maconha, duas pistolas com carregador e 262 papelotes de cocaína.
Este habeas corpus se sustenta na suposta nulidade do interrogatório ocorrido em desacordo com o art. 400 do Código de Processo Penal, cuja exigibilidade foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 127.900/AM. Além disso, a defesa sustenta que as provas colhidas pelos policiais civis são ilícitas, pois foram obtidas mediante ingresso forçado sem prévia autorização judicial e sem justo motivo apto a justificar a providência.
Quanto ao primeiro aspecto, sabe-se que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência, ainda que na modalidade de guardar ou ter em depósito. Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva.
Necessário, assim, compatibilizar os direitos de liberdade com os interesses da segurança pública, por meio do controle judicial das investigações criminais, que pode ser feito antes da adoção da medida - com a expedição prévia de ordem judicial -, ou, posteriormente, quando, após a prática da medida invasiva, analisa-se a presença dos pressupostos legais e se a execução se deu conforme determina a lei.
Nas hipóteses de prisão em flagrante, o controle feito a posteriori pressupõe a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa, ou seja, que existiam elementos a caracterizar a suspeita de situação apta a autorizar o ingresso em domicílio.
O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não serem identificadas), por exemplo - e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para demonstrar a justa causa.
O acórdão está assim ementado:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-093 Divulg 9/5/2016 Public 10/5/2016).
Nessa linha, a jurisprudência tem sido aperfeiçoada no sentido de delimitar ainda mais as hipóteses em que o ingresso forçado se justifica, exigindo a comprovação de fundadas razões previamente constatáveis e que sinalizem de forma clara a ocorrência de crime ou, ainda, comprovem a prévia autorização do morador.
Neste caso, os policiais civis se dirigiram ao imóvel para cumprir mandado de busca e apreensão expedido contra Weverton Deivison Rodrigues, que não foi encontrado em sua residência. Os policiais, ao constatarem que o local se tratava de um prédio composto por diversas quitinetes, dentre as quais a residência do paciente.
Neste caso, não é possível extrair quais os motivos que levaram os policiais a decidirem entrar na casa do paciente. Não há qualquer elemento indiciário previamente obtido nem há informações a respeito de investigações mínimas para constatar a prática do crime de tráfico de drogas.
Diante disso, constata-se que deve prevalecer, neste caso, o entendimento no sentido de que o ingresso de policiais na residência é permitido apenas quando os agentes tiverem, antes de qualquer providência, a certeza da presença de causa provável que autorize a medida, o que não se verifica no caso.
A mera suspeita autoriza, em linhas gerais, a observação do local, como forma de recolher outros elementos sobre a existência do delito ali apurado. Nesse caso, se demonstrada a existência de fundadas razões acerca da situação de flagrante, autorizados estão os policiais a ingressar no imóvel.
No ponto, destaco os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INGRESSO FORÇADO NA RESIDÊNCIA A PARTIR DE DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSÍVEL ILEGALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS ILÍCITAS. QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS COMO ÚNICO ELEMENTO ADOTADO PARA AFERIR O PERICULUM LIBERTATIS. INIDONEIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DO MPF NÃO PROVIDO.
1. Conforme registrado na decisão ora impugnada, que nesta oportunidade se confirma, estava configurada a ilegalidade flagrante que autoriza a excepcional cognição de ofício da matéria posta nestes autos.
2. Consta que policiais ingressaram na residência do ora paciente depois de receberem denúncia anônima de que ali haveria drogas ilícitas; e constatarem que uma pessoa teria entrado correndo na casa depois de avistar a viatura.
3. Não se extrai informação de outros indícios de traficância além da denúncia anônima ou anteriores à apreensão das drogas, nem de que a entrada no imóvel tenha acontecido sob a égide de mandado judicial.
4. Em casos análogos, esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima e o fato de alguém "correr depois de avistar policiais" não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.
5. Isso porque a sabida permanência do delito de tráfico de drogas ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. 5º, XI, da CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
6. Ainda que assim não fosse, o único indício de periculum libertatis apontado pelas instâncias ordinárias foi a quantidade de substâncias apreendidas.
7. Na esteira de incontáveis precedentes desta Corte, a prisão cautelar é invariavelmente excepcional, subordinando-se à demonstração de sua criteriosa imprescindibilidade, à luz dos fatos concretos da causa, e não em relação à percepção do julgador a respeito da gravidade abstrata do tipo penal.
8. Desse modo, o cometimento do delito, por si só, não evidencia "periculosidade" exacerbada do agente ou "abalo da ordem pública", a demandar a sua segregação antes de qualquer condenação definitiva.
9. Sobre o reflexo da quantidade de substâncias apreendidas na prisão preventiva, colhem-se diversos julgados, de ambas as turmas especializadas em Direito Penal, dos quais se depreende que determinadas porções de tóxicos ilegais, ainda que não possam ser consideradas insignificantes, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que o réu apresenta periculum libertatis.
10. A rigor, a quantidade de drogas ilícitas, por si só, não inviabiliza sequer a configuração do tráfico privilegiado, aquele em que, segundo a dicção legal, não há dedicação a atividades criminosas.
11. Com efeito, não há notícia de vínculo com organização criminosa nos autos, tratando-se ainda de réu primário, menor de 21 anos e com carteira de trabalho assinada, tudo a evidenciar a desproporcionalidade do cárcere.
12. Por fim, a teor do art. 8º, § 1º, I, "c", e mais explicitamente do art. 4º, I, "c", ambos da Recomendação/CNJ n.º 62, de 17/3/2020 - a qual foi editada em resposta à pandemia da COVID-19 -, o reconhecimento de que o suposto crime em tela não envolve violência ou grave ameaça, associado ao fato de que a prisão processual dura mais de 90 dias, reforça a necessidade de relaxamento desta custódia cautelar.
13. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n.º 606.221/MG, de minha Relatoria, Quinta Turma, DJe de 15/10/2020)
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. TEMA 280/STF. FUGA ISOLADA DO SUSPEITO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DE PROVAS CONFIGURADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. No RE n.º 603.616/Tema 280/STF, a Suprema Corte asseverou que a flagrância posterior, sem demonstração de justa causa, não legitima o ingresso dos agentes do Estado em domicílio sem autorização judicial e fora das hipóteses constitucionalmente previstas (art. 5º, XI, da CF).
2. Apesar de se verificar precedentes desta Quinta Turma em sentido contrário, entende-se mais adequado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o entendimento que exige a prévia realização de diligências policiais para verificar a veracidade das informações recebidas (ex: "campana que ateste movimentação atípica na residência").
4. Recurso em habeas corpus provido para que sejam declaradas ilícitas as provas derivadas do flagrante na ação penal n.º 0006327-46.2015.8.26.0224, em trâmite no Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP. (RHC n.º 89.853/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe de 2/3/2020).
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n.º 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ, REsp n.º 1.574.681/RS.
2. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Não houve, da mesma forma, menção a eventual movimentação de pessoas na residência típica de comercialização de drogas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Há apenas a descrição de que, em razão de o réu não portar nenhum documento de identificação, o policial militar o acompanhou até a sua residência e nela ingressou. Aliás, antes disso, o policial, ao se dirigir até o bar, deparou-se com o paciente, o qual "possuía as mesmas características passadas pelo informante", de maneira que, até aquele momento, não havia, portanto, nem sequer certeza de quem era, efetivamente, o indivíduo denunciado anonimamente - se o paciente ou se terceira pessoa.
3. Uma vez que não há nem sequer como inferir - de fatores outros que não a simples notícia anônima de que um indivíduo, procurado pela justiça, mantinha drogas depositadas em sua casa - que o paciente, de fato, estivesse praticando delito de tráfico de drogas, ou mesmo outro ato de caráter permanente, no interior da residência, não há razão séria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha havido posterior descoberta e apreensão, em sua residência (mais especificamente dentro de um guarda-roupas), de 108 porções de maconha, uma balança de precisão, duas facas utilizadas para fracionar entorpecentes e quantia de dinheiro em espécie.
4. Uma vez reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da medida invasiva, bem como de todas as que delas decorreram, fica prejudicada a análise das demais matérias aventadas na impetração.
5. Ordem concedida, para reconhecer a ilicitude das provas obtidas por meio de invasão de domicílio, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o paciente, com fulcro no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (HC n.º 502.470/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe de 23/9/2019)
Por conseguinte, não obstante a apreensão de entorpecentes na residência da agravante, a denúncia anônima não permite inferir, por si só, a existência de fundadas razões para o ingresso domiciliar e que o local fosse utilizado para o armazenamento de drogas, de modo que a prova do crime em apreço fora obtida de forma ilícita, o que justifica o trancamento da ação penal.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. PROVA ILÍCITA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em situação de flagrante quem estiver cometendo uma infração penal; quem tenha acabado de cometê-la; quem tiver sido perseguido após a prática delitiva ou encontrado, logo depois, com objetos, instrumentos ou papéis que façam presumir ser o autor do crime. E, de acordo com o art. 303 do CPP, nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Com efeito, a posse ilegal de arma é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência. Em regra, é absolutamente legítima a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente, portanto, de mandado judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n.º 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n.º 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais mediante compromisso de não se serem identificadas), por exemplo, e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo, não servem para demonstrar a justa causa.
3. Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. No presente caso, em momento algum, foi explicitado, com dados objetivos e concretos, em que consistiria eventual atitude suspeita por parte do acusado. Há uma denúncia anônima e o fato de o acusado ter adentrado rapidamente no hotel em que estava hospedado quando avistou a viatura. Não existe qualquer referência a prévia investigação, a monitoramento ou a campanas no local. Os policiais, portanto, não estavam autorizados a ingressar na residência sem o devido mandado judicial.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1466216/RS, de minha relatoria, Quinta turma, DJe 27/5/2019).
Conforme noticiado no informativo n.º 666 do STJ, entendeu-se que a existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial (RHC n.º 89.853/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 2/3/2020).
No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CORRUPÇÃO DE MENORES. ENTRADA EM DOMICÍLIO SEM ORDEM JUDICIAL E SEM ELEMENTOS MÍNIMOS DE TRAFICÂNCIA NO LOCAL. PRISÃO PREVENTIVA ILEGAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Ainda que esta Sexta Turma tenha admitido como fundamento para a prisão preventiva a relevante quantidade entorpecentes apreendidos em poder da paciente, tratando-se de 132 pedras de crack, 84 papelotes de cocaína e ainda 26 trouxinhas de maconha, não foi apontado nenhum elemento idôneo para justificar a entrada dos policiais na residência da paciente, citando-se apenas a verificação de denúncias de tráfico de drogas que receberam através do "Disque Denúncia", e a fuga do adolescente. 2. Verifica-se ofensa ao direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, determinado no art. 5º, inc. XI, da Constituição da República, quando não há referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas, não se tratando de averiguação de informações concretas e robustas acerca da traficância no domicilio violado. 3. Recurso em habeas corpus provido, para a soltura da recorrente, TEREZA RODRIGUES, e de ofício determinar o trancamento da Ação Penal n.º 0001783-23.2016.8.26.0695. (RHC n.º 83.501/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe de 5/4/2018)
Por conseguinte, configura-se a ilegalidade da entrada dos policiais no domicílio do paciente, sem mandado judicial, sem a prévia anuência do morador e sem qualquer indício de que ali estivesse sendo cometido crime permanente. Assim, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão em questão, provas essas que, pelo que se depreende da leitura dos autos, constituem o único indício de materialidade do crime imputado.
Diante do exposto, não conheço deste habeas corpus. De ofício, concedo a ordem para reconhecer a nulidade das provas obtidas mediante a invasão do domicílio do paciente, absolvendo-o dos delitos imputados, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, prejudicadas as demais questões
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de FLÁVIO DO NASCIMENTO, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, no julgamento da Apelação Criminal n. 0046376-52.2014.8.08.0035.
O paciente foi condenado a 8 (oito) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 597 (quinhentos e noventa e sete) dias-multa em razão da prática do crime previsto no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e art. 16, caput, da Lei n. 10.826/2003.
A sentença condenatória foi parcialmente reformada pelo Colegiado estadual, que reduziu a sanção para 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão mantido o regime inicial fechado, além de 544 (quinhentos e quarenta e quatro) dias-multa pelo crime de tráfico de drogas. Além disso, a conduta do art. 16 do Estatuto do Desarmamento passou por readequação típica, passando a ser tipificado como sendo o do art. 12 daquele diploma legal. A pena correspondente a esse delito passou a ser de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção. O acórdão recebeu a seguinte ementa (e-STJ, fls. 59-60):
: APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. ARTIGO ART. 33, CAPUT, DA LEI Nº 11.343/06.1. PRELIMINAR. 1.1. PRELIMINAR DE NULIDADE DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO E SEGUINTES ATOS: VIOLAÇÃO AO ART. 400 DO CPP E AO PRECEDENTE DO HC 127.900/AM. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. PRELIMINAR REJEITADA. 2. MÉRITO. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS PARA O CRIME DE USO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS. 3. DESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO PREVISTO PELO ART. 16 PARA O ART. 12, AMBOS DA LEI Nº 10.826/03. POSSIBILIDADE. 4. REDUÇÃO DA PENA-BASE. PARCIAL PROVIMENTO. 5. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Preliminar. Conforme o precedente do Supremo Tribunal Federal, qual seja, HC 127.900/AM, os ditames dispostos no art. 400 do CPP passaram a incidir em todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, por se mostrar mais benéfico ao réu, de modo que a orientação passou a ser no sentido de que também nos processos de tráfico de drogas deve ser observada a regra do presente artigo do Código de Processo Penal Pátrio. Todavia, a nulidade do interrogatório realizado no início da audiência está sujeita à preclusão quando a defesa não alegou oportunamente, além de depender da demonstração de efetivo prejuízo ao agente, por se tratar de nulidade relativa. Precedentes. No vertente caso, a defesa não se desincumbiu do ônus de demonstrar a ocorrência do efetivo prejuízo ao apelante, limitando-se a sustentar que seria mais benéfico para o réu o seu interrogatório ocorrer depois das declarações das testemunhas, sem justificar o porquê. Preliminar rejeitada.
2. Mérito . Os elementos fáticos probatórios constantes na instrução criminal, consubstanciados nas provas testemunhais e periciais, demonstram a presença de elementos de autoria e de materialidade do delito exposto no artigo 33, caput , da Lei nº. 11.343/06. Desta forma, além da quantidade de droga apreendida, deve-se levar em consideração o local e as circunstâncias da apreensão, que no caso em exame indicam que os entorpecentes apreendidos eram destinados à traficância. Destaca-se, ainda, que os depoimentos dos policiais que diligenciaram no caso, quando colhidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, ganham especial importância, principalmente no crime de tráfico de drogas, porque, muitas vezes, são os únicos presentes na cena do crime.
3. Em detida análise da Portaria nº 1.222/2019, constata-se que os materiais apreendidos na residência do apelante passaram a ser classificadas como de uso permitido, logo, a sua posse, tal como ocorrido no caso em apreço, enquadra-se no crime tipificado no art. 12, da Lei nº 10.826/03, e não mais no art. 16, caput, do mesmo Diploma Legal. Desta feita, ainda que o citado Decreto tenha entrado em vigor na data de 25/06/2019, posteriormente à prática delitiva in casu (12/11/2014), tratando-se de matéria penal, a lei nova deverá retroagir em benefício do réu, enquanto novatio legis in mellius , conforme dispõe o art. 5º, inciso XL, da Constituição da República. Com efeito, diante da alteração introduzida pelo Decreto Presidencial nº 9.847/2019, deve incidir a retroatividade da regulamentação mais benéfica, a fim de reclassificar a conduta do acusado/apelante para o crime previsto no artigo 12 da Lei nº 10.826/2003.
4. No tocante à dosimetria do crime de tráfico de entorpecentes, verifica-se que as circunstâncias e os motivos do crime, da maneira como foram abordadas na sentença, não merecem ser negativamente valoradas, na medida em que trazem elementos inerentes ao tipo penal sob exame. Contudo, mantém-se a valoração negativa da culpabilidade, que foi devidamente fundamentada com base nas circunstâncias da apreensão e na quantidade de droga encontrada. Dessa forma, faz-se necessário reformar a pena-base proposta pelo magistrado a quo , considerando em desfavor do réu apenas a circunstância judicial referente à culpabilidade.
5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJES. Apelação Criminal n. 046376-52.2014.8.08.0035. Rel. Des. GETÚLIO MARCOS PEREIRA NEVES. Segunda Câmara Criminal. Julgado em 15 de setembro de 2021).
Nas razões deste habeas corpus (e-STJ, fls. 3-14), a Defensoria Pública se insurge contra o fato de rito processual ter deixado de observar o art. 400 do Código de Processo Penal. A defesa informa que o interrogatório do acusado ocorreu antes da inquirição das testemunhas, deixando, portanto, de ser o último ato da instrução criminal.
Além disso, argumenta que as provas que dão amparo à pretensão acusatória foram obtidas de maneira ilícita, tendo em vista que o ingresso dos policiais na residência do paciente não foi precedido de fundadas razões nem de autorização judicial ou de morador do imóvel.
Diante do exposto, requer, liminarmente, o reconhecimento da nulidade apontada e, no mérito, que seja reformada a sentença condenatória em razão da nulidade das provas obtidas mediante ingresso forçado em domicílio.
Após o indeferimento da liminar (e-STJ, fls. 110-113), os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal, que opinou pela concessão da ordem para reconhecer a nulidade das provas obtidas mediante a entrada forçada de policiais na casa do acusado (e-STJ, fls. 119-134).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação, recurso em sentido estrito ou agravo em execução, como é o caso, é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal, na medida em que o referido dispositivo faz menção expressa a causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais (..).
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJ de 27/5/2015.
Cito, ainda, os seguintes precedentes:
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CABIMENTO. ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS E COM EMPREGO DE ARMA DE FOGO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO PACIENTE. MODUS OPERANDI. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - A Primeira Turma do col. Pretório Excelso firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus substitutivo ante a previsão legal de cabimento de recurso ordinário (v.g.: HC 109.956/PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11/9/2012; RHC 121.399/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 1º/8/2014 e RHC 117.268/SP, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 13/5/2014). As Turmas que integram a Terceira Seção desta Corte alinharam-se a esta dicção, e, desse modo, também passaram a repudiar a utilização desmedida do writ substitutivo em detrimento do recurso adequado (v.g.: HC 284.176/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 2/9/2014; HC 297.931/MG, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 28/8/2014; HC 293.528/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 4/9/2014 e HC 253.802/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/6/2014).
II - Portanto, não se admite mais, perfilhando esse entendimento, a utilização de habeas corpus substitutivo quando cabível o recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração. Contudo, no caso de se verificar configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, recomenda a jurisprudência a concessão da ordem de ofício.
.. Habeas corpus não conhecido. (HC 320.818/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 27/5/2015).
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DO RECURSO CONSTITUCIONAL. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REGIME INICIAL FECHADO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS.
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser o writ amesquinhado, mas também não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário. Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal próprio, em manifesta burla do preceito constitucional. Igualmente, contra o improvimento de recurso ordinário contra a denegação do habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça, não cabe novo writ ao Supremo Tribunal Federal, o que implicaria retorno à fase anterior. Precedente da Primeira Turma desta Suprema Corte. .. . (STF, HC n. 113890, Rel. Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJ 28/2/2014).
Neste caso, muito embora tenha sido usado como substitutivo de recurso ordinário, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar.
De acordo com os autos, em 12 de novembro de 2014, policiais civis cumpriram mandado de busca e apreensão em um imóvel situado na cidade de Vila Velha, no Espírito Santo, localizando, na posse do ora paciente, uma munição calibre .40, um carregador de pistola 380 e três porções de maconha, além de uma balança de precisão e embalagens vazias frequentemente associadas ao comércio de entorpecentes. No quintal da residência foram encontrados três pés de maconha, três pedras de crack, um tablete de maconha, duas pistolas com carregador e 262 papelotes de cocaína.
Este habeas corpus se sustenta na suposta nulidade do interrogatório ocorrido em desacordo com o art. 400 do Código de Processo Penal, cuja exigibilidade foi reforçada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 127.900/AM. Além disso, a defesa sustenta que as provas colhidas pelos policiais civis são ilícitas, pois foram obtidas mediante ingresso forçado sem prévia autorização judicial e sem justo motivo apto a justificar a providência.
Quanto ao primeiro aspecto, sabe-se que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência, ainda que na modalidade de guardar ou ter em depósito. Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva.
Necessário, assim, compatibilizar os direitos de liberdade com os interesses da segurança pública, por meio do controle judicial das investigações criminais, que pode ser feito antes da adoção da medida - com a expedição prévia de ordem judicial -, ou, posteriormente, quando, após a prática da medida invasiva, analisa-se a presença dos pressupostos legais e se a execução se deu conforme determina a lei.
Nas hipóteses de prisão em flagrante, o controle feito a posteriori pressupõe a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa, ou seja, que existiam elementos a caracterizar a suspeita de situação apta a autorizar o ingresso em domicílio.
O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não serem identificadas), por exemplo - e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para demonstrar a justa causa.
O acórdão está assim ementado:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-093 Divulg 9/5/2016 Public 10/5/2016).
Nessa linha, a jurisprudência tem sido aperfeiçoada no sentido de delimitar ainda mais as hipóteses em que o ingresso forçado se justifica, exigindo a comprovação de fundadas razões previamente constatáveis e que sinalizem de forma clara a ocorrência de crime ou, ainda, comprovem a prévia autorização do morador.
Neste caso, os policiais civis se dirigiram ao imóvel para cumprir mandado de busca e apreensão expedido contra Weverton Deivison Rodrigues, que não foi encontrado em sua residência. Os policiais, ao constatarem que o local se tratava de um prédio composto por diversas quitinetes, dentre as quais a residência do paciente.
Neste caso, não é possível extrair quais os motivos que levaram os policiais a decidirem entrar na casa do paciente. Não há qualquer elemento indiciário previamente obtido nem há informações a respeito de investigações mínimas para constatar a prática do crime de tráfico de drogas.
Diante disso, constata-se que deve prevalecer, neste caso, o entendimento no sentido de que o ingresso de policiais na residência é permitido apenas quando os agentes tiverem, antes de qualquer providência, a certeza da presença de causa provável que autorize a medida, o que não se verifica no caso.
A mera suspeita autoriza, em linhas gerais, a observação do local, como forma de recolher outros elementos sobre a existência do delito ali apurado. Nesse caso, se demonstrada a existência de fundadas razões acerca da situação de flagrante, autorizados estão os policiais a ingressar no imóvel.
No ponto, destaco os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INGRESSO FORÇADO NA RESIDÊNCIA A PARTIR DE DENÚNCIA ANÔNIMA. POSSÍVEL ILEGALIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS ILÍCITAS. QUANTIDADE DE SUBSTÂNCIAS APREENDIDAS COMO ÚNICO ELEMENTO ADOTADO PARA AFERIR O PERICULUM LIBERTATIS. INIDONEIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DO MPF NÃO PROVIDO.
1. Conforme registrado na decisão ora impugnada, que nesta oportunidade se confirma, estava configurada a ilegalidade flagrante que autoriza a excepcional cognição de ofício da matéria posta nestes autos.
2. Consta que policiais ingressaram na residência do ora paciente depois de receberem denúncia anônima de que ali haveria drogas ilícitas; e constatarem que uma pessoa teria entrado correndo na casa depois de avistar a viatura.
3. Não se extrai informação de outros indícios de traficância além da denúncia anônima ou anteriores à apreensão das drogas, nem de que a entrada no imóvel tenha acontecido sob a égide de mandado judicial.
4. Em casos análogos, esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima e o fato de alguém "correr depois de avistar policiais" não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.
5. Isso porque a sabida permanência do delito de tráfico de drogas ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. 5º, XI, da CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
6. Ainda que assim não fosse, o único indício de periculum libertatis apontado pelas instâncias ordinárias foi a quantidade de substâncias apreendidas.
7. Na esteira de incontáveis precedentes desta Corte, a prisão cautelar é invariavelmente excepcional, subordinando-se à demonstração de sua criteriosa imprescindibilidade, à luz dos fatos concretos da causa, e não em relação à percepção do julgador a respeito da gravidade abstrata do tipo penal.
8. Desse modo, o cometimento do delito, por si só, não evidencia "periculosidade" exacerbada do agente ou "abalo da ordem pública", a demandar a sua segregação antes de qualquer condenação definitiva.
9. Sobre o reflexo da quantidade de substâncias apreendidas na prisão preventiva, colhem-se diversos julgados, de ambas as turmas especializadas em Direito Penal, dos quais se depreende que determinadas porções de tóxicos ilegais, ainda que não possam ser consideradas insignificantes, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que o réu apresenta periculum libertatis.
10. A rigor, a quantidade de drogas ilícitas, por si só, não inviabiliza sequer a configuração do tráfico privilegiado, aquele em que, segundo a dicção legal, não há dedicação a atividades criminosas.
11. Com efeito, não há notícia de vínculo com organização criminosa nos autos, tratando-se ainda de réu primário, menor de 21 anos e com carteira de trabalho assinada, tudo a evidenciar a desproporcionalidade do cárcere.
12. Por fim, a teor do art. 8º, § 1º, I, "c", e mais explicitamente do art. 4º, I, "c", ambos da Recomendação/CNJ n.º 62, de 17/3/2020 - a qual foi editada em resposta à pandemia da COVID-19 -, o reconhecimento de que o suposto crime em tela não envolve violência ou grave ameaça, associado ao fato de que a prisão processual dura mais de 90 dias, reforça a necessidade de relaxamento desta custódia cautelar.
13. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n.º 606.221/MG, de minha Relatoria, Quinta Turma, DJe de 15/10/2020)
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO. TEMA 280/STF. FUGA ISOLADA DO SUSPEITO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DE PROVAS CONFIGURADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. No RE n.º 603.616/Tema 280/STF, a Suprema Corte asseverou que a flagrância posterior, sem demonstração de justa causa, não legitima o ingresso dos agentes do Estado em domicílio sem autorização judicial e fora das hipóteses constitucionalmente previstas (art. 5º, XI, da CF).
2. Apesar de se verificar precedentes desta Quinta Turma em sentido contrário, entende-se mais adequado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal o entendimento que exige a prévia realização de diligências policiais para verificar a veracidade das informações recebidas (ex: "campana que ateste movimentação atípica na residência").
4. Recurso em habeas corpus provido para que sejam declaradas ilícitas as provas derivadas do flagrante na ação penal n.º 0006327-46.2015.8.26.0224, em trâmite no Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Guarulhos/SP. (RHC n.º 89.853/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe de 2/3/2020).
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n.º 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ, REsp n.º 1.574.681/RS.
2. Não houve, no caso, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local. Não houve, da mesma forma, menção a eventual movimentação de pessoas na residência típica de comercialização de drogas. Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Há apenas a descrição de que, em razão de o réu não portar nenhum documento de identificação, o policial militar o acompanhou até a sua residência e nela ingressou. Aliás, antes disso, o policial, ao se dirigir até o bar, deparou-se com o paciente, o qual "possuía as mesmas características passadas pelo informante", de maneira que, até aquele momento, não havia, portanto, nem sequer certeza de quem era, efetivamente, o indivíduo denunciado anonimamente - se o paciente ou se terceira pessoa.
3. Uma vez que não há nem sequer como inferir - de fatores outros que não a simples notícia anônima de que um indivíduo, procurado pela justiça, mantinha drogas depositadas em sua casa - que o paciente, de fato, estivesse praticando delito de tráfico de drogas, ou mesmo outro ato de caráter permanente, no interior da residência, não há razão séria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha havido posterior descoberta e apreensão, em sua residência (mais especificamente dentro de um guarda-roupas), de 108 porções de maconha, uma balança de precisão, duas facas utilizadas para fracionar entorpecentes e quantia de dinheiro em espécie.
4. Uma vez reconhecida a ilicitude das provas obtidas por meio da medida invasiva, bem como de todas as que delas decorreram, fica prejudicada a análise das demais matérias aventadas na impetração.
5. Ordem concedida, para reconhecer a ilicitude das provas obtidas por meio de invasão de domicílio, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o paciente, com fulcro no art. 386, II, do Código de Processo Penal. (HC n.º 502.470/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe de 23/9/2019)
Por conseguinte, não obstante a apreensão de entorpecentes na residência da agravante, a denúncia anônima não permite inferir, por si só, a existência de fundadas razões para o ingresso domiciliar e que o local fosse utilizado para o armazenamento de drogas, de modo que a prova do crime em apreço fora obtida de forma ilícita, o que justifica o trancamento da ação penal.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO COM NUMERAÇÃO SUPRIMIDA. CRIME PERMANENTE. FLAGRANTE DELITO. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. ILEGALIDADE DA MEDIDA. PROVA ILÍCITA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do art. 302 do CPP, considera-se em situação de flagrante quem estiver cometendo uma infração penal; quem tenha acabado de cometê-la; quem tiver sido perseguido após a prática delitiva ou encontrado, logo depois, com objetos, instrumentos ou papéis que façam presumir ser o autor do crime. E, de acordo com o art. 303 do CPP, nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência. Com efeito, a posse ilegal de arma é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência. Em regra, é absolutamente legítima a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente, portanto, de mandado judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n.º 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n.º 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais mediante compromisso de não se serem identificadas), por exemplo, e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo, não servem para demonstrar a justa causa.
3. Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência, é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. No presente caso, em momento algum, foi explicitado, com dados objetivos e concretos, em que consistiria eventual atitude suspeita por parte do acusado. Há uma denúncia anônima e o fato de o acusado ter adentrado rapidamente no hotel em que estava hospedado quando avistou a viatura. Não existe qualquer referência a prévia investigação, a monitoramento ou a campanas no local. Os policiais, portanto, não estavam autorizados a ingressar na residência sem o devido mandado judicial.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1466216/RS, de minha relatoria, Quinta turma, DJe 27/5/2019).
Conforme noticiado no informativo n.º 666 do STJ, entendeu-se que a existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial (RHC n.º 89.853/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 2/3/2020).
No mesmo sentido, destaco o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CORRUPÇÃO DE MENORES. ENTRADA EM DOMICÍLIO SEM ORDEM JUDICIAL E SEM ELEMENTOS MÍNIMOS DE TRAFICÂNCIA NO LOCAL. PRISÃO PREVENTIVA ILEGAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS PROVIDO. 1. Ainda que esta Sexta Turma tenha admitido como fundamento para a prisão preventiva a relevante quantidade entorpecentes apreendidos em poder da paciente, tratando-se de 132 pedras de crack, 84 papelotes de cocaína e ainda 26 trouxinhas de maconha, não foi apontado nenhum elemento idôneo para justificar a entrada dos policiais na residência da paciente, citando-se apenas a verificação de denúncias de tráfico de drogas que receberam através do "Disque Denúncia", e a fuga do adolescente. 2. Verifica-se ofensa ao direito fundamental da inviolabilidade do domicílio, determinado no art. 5º, inc. XI, da Constituição da República, quando não há referência a prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas, não se tratando de averiguação de informações concretas e robustas acerca da traficância no domicilio violado. 3. Recurso em habeas corpus provido, para a soltura da recorrente, TEREZA RODRIGUES, e de ofício determinar o trancamento da Ação Penal n.º 0001783-23.2016.8.26.0695. (RHC n.º 83.501/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe de 5/4/2018)
Por conseguinte, configura-se a ilegalidade da entrada dos policiais no domicílio do paciente, sem mandado judicial, sem a prévia anuência do morador e sem qualquer indício de que ali estivesse sendo cometido crime permanente. Assim, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão em questão, provas essas que, pelo que se depreende da leitura dos autos, constituem o único indício de materialidade do crime imputado.
Diante do exposto, não conheço deste habeas corpus. De ofício, concedo a ordem para reconhecer a nulidade das provas obtidas mediante a invasão do domicílio do paciente, absolvendo-o dos delitos imputados, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, prejudicadas as demais questões
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A sabida permanência do delito de tráfico de drogas ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. 5º, XI, da CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
3. Neste caso, a moldura fática extraída dos autos não permite que se conclua pela presença de elementos de suporte suficientes para justificar a decisão de ingressar na residência do paciente.
4. Esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima desacompanhada de medidas investigativas preliminares que indiquem a presença de fundadas razões para não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, reconhecendo a nulidade das provas obtidas mediante ingresso forçado no domicílio do paciente, absolvê-lo das imputações, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. | HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO FORÇADO EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. | 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A sabida permanência do delito de tráfico de drogas ilícitas, cuja execução se protrai no tempo, não torna justo o ingresso forçado no domicílio fora das hipóteses registradas no art. 5º, XI, da CF/88: a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
3. Neste caso, a moldura fática extraída dos autos não permite que se conclua pela presença de elementos de suporte suficientes para justificar a decisão de ingressar na residência do paciente.
4. Esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima desacompanhada de medidas investigativas preliminares que indiquem a presença de fundadas razões para não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para, reconhecendo a nulidade das provas obtidas mediante ingresso forçado no domicílio do paciente, absolvê-lo das imputações, nos termos do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. | N |
141,842,062 | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDAS CAUTELARES. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. No caso, o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída ao paciente, o que não justifica a medida extrema de prisão ou a imposição de cautelares diversas. Ademais, além de o acusado ser primário, a quantidade de droga apreendida - 14g (quatorze gramas) de cocaína, 4g (quatro gramas) de crack e 5g (cinco gramas) de maconha -, por sua vez, não denota a periculosidade do paciente, por não ser de grande monta.
3. Habeas corpus concedido, ratificada a liminar.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de EZEQUIEL GALDINO MAURICIO DE LIMA apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - RUA DA GLÓRIA (HC n. 2240497-09.2021.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que o paciente encontra-se preso preventivamente pela prática, em tese, de tráfico de drogas, por haver sido flagrado com "14 porções de cocaína (14g), 11 "pedras" de crack (4g) e mais 1 invólucro contendo maconha (5g), além de R$ 466,00 (quatrocentos e sessenta e seis reais) em pecúnia" (e-STJ fl. 118).
O Tribunal de origem denegou a ordem (e-STJ fls. 108/118).
Daí o presente writ, no qual alega a defesa que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea.
Acrescenta ser desnecessária a custódia cautelar, já que se revelariam adequadas e suficientes medidas diversas da prisão.
Aduz a presença de condições pessoais favoráveis.
Argumenta que a "prisão preventiva deve ser imediatamente relaxada, pois homologou auto de prisão em flagrante maculado com nulidade absoluta decorrente da violação à Súmula Vinculante 14 do Colendo Supremo Tribunal Federal e ao disposto no artigo 7º, XXI da Lei nº. 8.906/94" (e-STJ fl. 7).
Requer, liminarmente e no mérito, a expedição de alvará de soltura.
Subsidiariamente, pleiteia a substituição da prisão preventiva por medida cautelar diversa.
O pleito liminar foi deferido.
Prestadas as informações, opinou o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
A irresignação merece prosperar.
No caso, a segregação cautelar foi imposta nos seguintes termos, no que interessa (e-STJ fls. 83/84):
No mais, é o caso de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, pois presentes os requisitos legais previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
A materialidade está demonstrada pelo boletim de ocorrência e auto de exibição e apreensão e existem indícios suficientes de autoria, posto que o custodiado foi preso em flagrante.
Trata-se de crime grave, tráfico de drogas, equiparado a hediondo, cuja pena máxima ultrapassa 4 anos, que merece repressão imediata, a fim de evitar manter a ordem pública incólume.
O artigo 282 do Código de Processo Penal impõe a aplicação de medidas cautelares, como regra, excepcionando a sua incidência em crimes certos ou hipóteses igualmente previstas (artigo 323, I a III; 324, I, II e IV; 313, I, II, III e parágrafo único, todos do Código de Processo Penal).
Visa a legislação processual, para atingir aos seus objetivos, a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (artigo 282, I e II do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, embora ausentes notícias das condições pessoais do indiciado, certo é que foi preso em flagrante na posse de 14 microtubos de Cocaína, 11 pedras de crack e maconha, além de R$ 466,00 (quatrocentos e sessenta e seis reais) em espécie.
Certo, portanto, que a segregação cautelar do indiciado é fundamental, quer para acautelar a sociedade, quer para garantia da ordem pública, bem como para a garantia da instrução processual, posto que sua ausência impede a realização da instrução e a imposição da lei penal, em caso de condenação.
Ademais, o estado de liberdade do indiciado gera perigo à sociedade, especialmente à saúde pública, já que a venda de drogas favorece o aumento do número de usuários, vulneráveis em razão da dependência, degradando lares e famílias, enchendo os hospitais e sobrecarregando o sistema de saúde, quer com internações de urgência por overdoses, quer por internações para tratamento.
Ante o exposto, e em estrito cumprimento às regras processuais vigentes, converto a prisão em flagrante de EZEQUIEL GALDINO MAURICIO DE LIMA em prisão preventiva, o que faço com fundamento no artigo 312, c. c. artigo 313, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.
Ao examinar os fundamentos declinados na decisão que decretou a prisão preventiva, constato a ausência de fundamentação concreta, pois, além de reconhecida a presença de materialidade e indícios da prática delitiva, foi invocada tão somente a gravidade abstrata da conduta em tese praticada, com mera descrição das elementares inerentes ao próprio tipo penal, o que, na linha da orientação firmada no âmbito desta Corte, não se admite.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUISITOS. GRAVIDADE ABSTRATA DOS FATOS. ELEMENTOS INERENTES AO PRÓPRIO TIPO PENAL. MERAS CONJECTURAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme jurisprudência assentada desta Corte Superior de Justiça, a prisão, antes do trânsito em julgado da condenação, revela-se cabível tão somente quando estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, sendo impossível o recolhimento de alguém ao cárcere caso mostrem-se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
2. O decreto que impôs a prisão preventiva ao paciente não apresentou motivação concreta, apta a justificar a segregação provisória, tendo-se valido de argumentos genéricos e da repetição de elementos inerentes ao próprio tipo penal.
3. A ausência de elementos concretos e individualizados que indiquem a necessidade da rigorosa providência cautelar configura constrangimento ilegal (Precedentes).
4. Embora não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, condições subjetivas favoráveis do paciente merecem ser devidamente valoradas, caso não tenha sido demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva (Precedentes).
5. Ordem de habeas corpus concedida, para determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo da imposição pelo Juízo local de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso demonstrada sua necessidade.
(HC 350.191/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 03/05/2016.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. NÃO ACOLHIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ILEGALIDADE E EXCESSO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO PROBATÓRIO PARA INFIRMAR A CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
..
4. O Juízo singular entendeu devida a prisão preventiva do paciente com base tão somente em elementos inerentes ao próprio tipo penal em tese violado (como a gravidade abstrata do delito e a longa pena cominada), sem, no entanto, ter apontado nenhum elemento concreto que, efetivamente, evidenciasse que o paciente, solto, pudesse colocar em risco a ordem pública ou a ordem econômica, ou mesmo se furtar à aplicação da lei penal.
5. A prevalecer a argumentação dessa decisão, todos os crimes de tráfico ensejariam a prisão cautelar de seus respectivos autores, o que não se coaduna com a excepcionalidade da prisão preventiva, princípio que há de ser observado para a convivência harmônica da cautela pessoal extrema com a presunção de não culpabilidade.
6. Habeas corpus concedido para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a prisão preventiva no Processo n. 0004162-12.2015.8.01.0001, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar se efetivamente demonstrada a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
(HC 338.553/AC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 28/04/2016.)
Ademais, além de o acusado ser primário, a quantidade de droga apreendida - 14g (quatorze gramas) de cocaína, 4g (quatro gramas) de crack e 5g (cinco gramas) de maconha -, por sua vez, não denota a periculosidade do paciente, por não ser de grande monta.
Dessarte, era necessário que fossem apontados dados concretos, extraídos de elementos obtidos nos autos, que demonstrassem a necessidade de imposição da prisão provisória ou de medida cautelar diversa.
Ante o exposto, ratificada a liminar, concedo a ordem para determinar que EZEQUIEL GALDINO MAURICIO DE LIMA responda solto ao processo (Ação Penal n. 1500319-09.2021.8.26.0631, da 2ª Vara da Comarca de Pedreira/SP), salvo se por outro motivo estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta, bem como de que sejam impostas outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal pelo Juízo local, caso demonstrada sua necessidade.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de EZEQUIEL GALDINO MAURICIO DE LIMA apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - RUA DA GLÓRIA (HC n. 2240497-09.2021.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que o paciente encontra-se preso preventivamente pela prática, em tese, de tráfico de drogas, por haver sido flagrado com "14 porções de cocaína (14g), 11 "pedras" de crack (4g) e mais 1 invólucro contendo maconha (5g), além de R$ 466,00 (quatrocentos e sessenta e seis reais) em pecúnia" (e-STJ fl. 118).
O Tribunal de origem denegou a ordem (e-STJ fls. 108/118).
Daí o presente writ, no qual alega a defesa que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea.
Acrescenta ser desnecessária a custódia cautelar, já que se revelariam adequadas e suficientes medidas diversas da prisão.
Aduz a presença de condições pessoais favoráveis.
Argumenta que a "prisão preventiva deve ser imediatamente relaxada, pois homologou auto de prisão em flagrante maculado com nulidade absoluta decorrente da violação à Súmula Vinculante 14 do Colendo Supremo Tribunal Federal e ao disposto no artigo 7º, XXI da Lei nº. 8.906/94" (e-STJ fl. 7).
Requer, liminarmente e no mérito, a expedição de alvará de soltura.
Subsidiariamente, pleiteia a substituição da prisão preventiva por medida cautelar diversa.
O pleito liminar foi deferido.
Prestadas as informações, opinou o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
A irresignação merece prosperar.
No caso, a segregação cautelar foi imposta nos seguintes termos, no que interessa (e-STJ fls. 83/84):
No mais, é o caso de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, pois presentes os requisitos legais previstos nos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
A materialidade está demonstrada pelo boletim de ocorrência e auto de exibição e apreensão e existem indícios suficientes de autoria, posto que o custodiado foi preso em flagrante.
Trata-se de crime grave, tráfico de drogas, equiparado a hediondo, cuja pena máxima ultrapassa 4 anos, que merece repressão imediata, a fim de evitar manter a ordem pública incólume.
O artigo 282 do Código de Processo Penal impõe a aplicação de medidas cautelares, como regra, excepcionando a sua incidência em crimes certos ou hipóteses igualmente previstas (artigo 323, I a III; 324, I, II e IV; 313, I, II, III e parágrafo único, todos do Código de Processo Penal).
Visa a legislação processual, para atingir aos seus objetivos, a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado (artigo 282, I e II do Código de Processo Penal).
No caso em apreço, embora ausentes notícias das condições pessoais do indiciado, certo é que foi preso em flagrante na posse de 14 microtubos de Cocaína, 11 pedras de crack e maconha, além de R$ 466,00 (quatrocentos e sessenta e seis reais) em espécie.
Certo, portanto, que a segregação cautelar do indiciado é fundamental, quer para acautelar a sociedade, quer para garantia da ordem pública, bem como para a garantia da instrução processual, posto que sua ausência impede a realização da instrução e a imposição da lei penal, em caso de condenação.
Ademais, o estado de liberdade do indiciado gera perigo à sociedade, especialmente à saúde pública, já que a venda de drogas favorece o aumento do número de usuários, vulneráveis em razão da dependência, degradando lares e famílias, enchendo os hospitais e sobrecarregando o sistema de saúde, quer com internações de urgência por overdoses, quer por internações para tratamento.
Ante o exposto, e em estrito cumprimento às regras processuais vigentes, converto a prisão em flagrante de EZEQUIEL GALDINO MAURICIO DE LIMA em prisão preventiva, o que faço com fundamento no artigo 312, c. c. artigo 313, inciso I, ambos do Código de Processo Penal.
Ao examinar os fundamentos declinados na decisão que decretou a prisão preventiva, constato a ausência de fundamentação concreta, pois, além de reconhecida a presença de materialidade e indícios da prática delitiva, foi invocada tão somente a gravidade abstrata da conduta em tese praticada, com mera descrição das elementares inerentes ao próprio tipo penal, o que, na linha da orientação firmada no âmbito desta Corte, não se admite.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. REQUISITOS. GRAVIDADE ABSTRATA DOS FATOS. ELEMENTOS INERENTES AO PRÓPRIO TIPO PENAL. MERAS CONJECTURAS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Conforme jurisprudência assentada desta Corte Superior de Justiça, a prisão, antes do trânsito em julgado da condenação, revela-se cabível tão somente quando estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, sendo impossível o recolhimento de alguém ao cárcere caso mostrem-se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
2. O decreto que impôs a prisão preventiva ao paciente não apresentou motivação concreta, apta a justificar a segregação provisória, tendo-se valido de argumentos genéricos e da repetição de elementos inerentes ao próprio tipo penal.
3. A ausência de elementos concretos e individualizados que indiquem a necessidade da rigorosa providência cautelar configura constrangimento ilegal (Precedentes).
4. Embora não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, condições subjetivas favoráveis do paciente merecem ser devidamente valoradas, caso não tenha sido demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva (Precedentes).
5. Ordem de habeas corpus concedida, para determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo da imposição pelo Juízo local de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, caso demonstrada sua necessidade.
(HC 350.191/SP, de minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 26/04/2016, DJe 03/05/2016.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. NÃO ACOLHIMENTO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ILEGALIDADE E EXCESSO DAS ESCUTAS TELEFÔNICAS. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO ACERVO PROBATÓRIO PARA INFIRMAR A CONCLUSÃO DA CORTE DE ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. INDICAÇÃO NECESSÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar cautelarmente o réu deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
..
4. O Juízo singular entendeu devida a prisão preventiva do paciente com base tão somente em elementos inerentes ao próprio tipo penal em tese violado (como a gravidade abstrata do delito e a longa pena cominada), sem, no entanto, ter apontado nenhum elemento concreto que, efetivamente, evidenciasse que o paciente, solto, pudesse colocar em risco a ordem pública ou a ordem econômica, ou mesmo se furtar à aplicação da lei penal.
5. A prevalecer a argumentação dessa decisão, todos os crimes de tráfico ensejariam a prisão cautelar de seus respectivos autores, o que não se coaduna com a excepcionalidade da prisão preventiva, princípio que há de ser observado para a convivência harmônica da cautela pessoal extrema com a presunção de não culpabilidade.
6. Habeas corpus concedido para, confirmada a liminar que determinou a soltura do paciente, cassar a decisão que decretou a prisão preventiva no Processo n. 0004162-12.2015.8.01.0001, ressalvada a possibilidade de nova decretação da custódia cautelar se efetivamente demonstrada a sua necessidade, sem prejuízo de fixação de medida cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP.
(HC 338.553/AC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/04/2016, DJe 28/04/2016.)
Ademais, além de o acusado ser primário, a quantidade de droga apreendida - 14g (quatorze gramas) de cocaína, 4g (quatro gramas) de crack e 5g (cinco gramas) de maconha -, por sua vez, não denota a periculosidade do paciente, por não ser de grande monta.
Dessarte, era necessário que fossem apontados dados concretos, extraídos de elementos obtidos nos autos, que demonstrassem a necessidade de imposição da prisão provisória ou de medida cautelar diversa.
Ante o exposto, ratificada a liminar, concedo a ordem para determinar que EZEQUIEL GALDINO MAURICIO DE LIMA responda solto ao processo (Ação Penal n. 1500319-09.2021.8.26.0631, da 2ª Vara da Comarca de Pedreira/SP), salvo se por outro motivo estiver preso, sem prejuízo de que seja decretada nova custódia, com base em fundamentação concreta, bem como de que sejam impostas outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal pelo Juízo local, caso demonstrada sua necessidade.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDAS CAUTELARES. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. No caso, o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída ao paciente, o que não justifica a medida extrema de prisão ou a imposição de cautelares diversas. Ademais, além de o acusado ser primário, a quantidade de droga apreendida - 14g (quatorze gramas) de cocaína, 4g (quatro gramas) de crack e 5g (cinco gramas) de maconha -, por sua vez, não denota a periculosidade do paciente, por não ser de grande monta.
3. Habeas corpus concedido, ratificada a liminar. | PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDAS CAUTELARES. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ORDEM CONCEDIDA. | 1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. No caso, o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação concreta, pois se limita a invocar a gravidade abstrata da conduta atribuída ao paciente, o que não justifica a medida extrema de prisão ou a imposição de cautelares diversas. Ademais, além de o acusado ser primário, a quantidade de droga apreendida - 14g (quatorze gramas) de cocaína, 4g (quatro gramas) de crack e 5g (cinco gramas) de maconha -, por sua vez, não denota a periculosidade do paciente, por não ser de grande monta.
3. Habeas corpus concedido, ratificada a liminar. | N |
146,136,290 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR GRAVE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A AQUISIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA SAÍDA TEMPORÁRIA E DO TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I -A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - Assente nesta Corte que"A prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo. Precedentes" (AgInt no REsp 1713617/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018)" (AgRg no REsp n. 1.755.701/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/11/2018).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de JACY LUIS OLIVEIRA DA VEIGA, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fls. 8-9):
"AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTAS GRAVES. COMETIMENTO DE FATOS DEFINIDOS COMO CRIMES DOLOSOS, DURANTE A EXECUÇÃO DA PENA. RECONHECIMENTO DAS FALTAS GRAVES, INDEPENDENTEMENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO. (..) CONSECTÁRIOS DA FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA DATA BASE PARA FUTUROS BENEFÍCIOS. PERDA DOS DIAS REMIDOS. MANUTENÇÃO.
Cometendo falta grave, o agravante, tal como a prática de fato definido como crime doloso, no curso da execução penal, é de ser mantida a regressão de seu regime carcerário, a alteração da data base e a perda de 1/3 dos dias remidos, devidamente fundamentada na gravidade das faltas, consequências legais e lógicas de seu procedimento.
AGRAVO DESPROVIDO."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa alega que a fixação de nova data-base para a concessão de benefícios, após a prática de falta grave, não possui disposição expressa prevista em lei, de modo também que fere a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça e desconsidera parcela de pena já cumprida.
Requer a concessão da ordem, inclusive LIMINARMENTE, para determinar que a alteração da data-base do benefício da saída temporária e do trabalho externo não integre os consectários estabelecidos em razão do reconhecimento de falta grave.
Liminar deferida (fls. 147-150).
Informações, às fls. 154-195.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 200-204, oficiounos termos do r. parecer apresentado.
É o relatório.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR GRAVE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A AQUISIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA SAÍDA TEMPORÁRIA E DO TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I -A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - Assente nesta Corte que"A prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo. Precedentes" (AgInt no REsp 1713617/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018)" (AgRg no REsp n. 1.755.701/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/11/2018).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo de recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão combatido (fls. 8-9 e 121-127):
"J. L. O. D. V. interpôs agravo em execução penal da decisão que reconheceu o cometimento de faltas graves, de sua parte, determinando a regressão de seu regime carcerário, a alteração da data base para a concessão de futuros benefícios e a perda de 1/3 de eventuais dias remidos.
(..)
A data base é o marco estabelecido para o preso obter benefícios.
Se pratica falta grave, o marco será alterado, como está na jurisprudência, interrompendo-se a contagem com esta finalidade, com o recálculo da pena. (..)".
Pois bem.
Conforme se apreende, o paciente foi incurso em falta grave - o que foi constatado mediante regular procedimento, aqui não questionado.
No presente caso, porém, em dissonância, o eg. Tribunal de origem determinou a alteração da data-base para as saídas temporárias e o trabalho externo.
Ora, consolidou-se, neste eg. Tribunal Superior, o entendimento no sentido de que, a teor do art. 118, caput, I, e art. 127 da Lei de Execução Penal, o reeducando que comete falta grave, no curso d a sua pena, fica submetido às sanções de regressão do regime prisional, de alteração da data-base para a concessão de benefícios - exceto livramento condicional, comutação, indulto, saída temporária e trabalho externo - e de perda dos dias remidos - tão somente.
In verbis:
"Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
(..)
Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar."
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR GRAVE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA AQUISIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA SAÍDA TEMPORÁRIA E DO TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. "A prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo. Precedentes" (AgInt no REsp 1713617/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018).
2. Agravo regimental desprovido" (AgRg no REsp n. 1.755.701/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/11/2018, grifei).
Assim, a falta disciplinar de natureza grave determina a alteração da data-base apenas para a progressão de regime, estabelecida a data da infração/recaptura, não se aplicando ao livramento condicional, à comutação, ao indulto, à saída temporária e ao trabalho externo.
Ante o exposto, não conheço do writ. Concedo a ordem, de ofício, para, confirmando a liminar, cassar o v. acórdão a quo e determinar que o d. Juízo das Execuções considere, como data-base para a saída temporária e o trabalho externo, o dia de início da pena.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de JACY LUIS OLIVEIRA DA VEIGA, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, assim ementado (fls. 8-9):
"AGRAVO EM EXECUÇÃO. FALTAS GRAVES. COMETIMENTO DE FATOS DEFINIDOS COMO CRIMES DOLOSOS, DURANTE A EXECUÇÃO DA PENA. RECONHECIMENTO DAS FALTAS GRAVES, INDEPENDENTEMENTE DE SENTENÇA CONDENATÓRIA COM TRÂNSITO EM JULGADO. (..) CONSECTÁRIOS DA FALTA GRAVE. REGRESSÃO DE REGIME. ALTERAÇÃO DA DATA BASE PARA FUTUROS BENEFÍCIOS. PERDA DOS DIAS REMIDOS. MANUTENÇÃO.
Cometendo falta grave, o agravante, tal como a prática de fato definido como crime doloso, no curso da execução penal, é de ser mantida a regressão de seu regime carcerário, a alteração da data base e a perda de 1/3 dos dias remidos, devidamente fundamentada na gravidade das faltas, consequências legais e lógicas de seu procedimento.
AGRAVO DESPROVIDO."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa alega que a fixação de nova data-base para a concessão de benefícios, após a prática de falta grave, não possui disposição expressa prevista em lei, de modo também que fere a jurisprudência do eg. Superior Tribunal de Justiça e desconsidera parcela de pena já cumprida.
Requer a concessão da ordem, inclusive LIMINARMENTE, para determinar que a alteração da data-base do benefício da saída temporária e do trabalho externo não integre os consectários estabelecidos em razão do reconhecimento de falta grave.
Liminar deferida (fls. 147-150).
Informações, às fls. 154-195.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 200-204, oficiounos termos do r. parecer apresentado.
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo de recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão combatido (fls. 8-9 e 121-127):
"J. L. O. D. V. interpôs agravo em execução penal da decisão que reconheceu o cometimento de faltas graves, de sua parte, determinando a regressão de seu regime carcerário, a alteração da data base para a concessão de futuros benefícios e a perda de 1/3 de eventuais dias remidos.
(..)
A data base é o marco estabelecido para o preso obter benefícios.
Se pratica falta grave, o marco será alterado, como está na jurisprudência, interrompendo-se a contagem com esta finalidade, com o recálculo da pena. (..)".
Pois bem.
Conforme se apreende, o paciente foi incurso em falta grave - o que foi constatado mediante regular procedimento, aqui não questionado.
No presente caso, porém, em dissonância, o eg. Tribunal de origem determinou a alteração da data-base para as saídas temporárias e o trabalho externo.
Ora, consolidou-se, neste eg. Tribunal Superior, o entendimento no sentido de que, a teor do art. 118, caput, I, e art. 127 da Lei de Execução Penal, o reeducando que comete falta grave, no curso d a sua pena, fica submetido às sanções de regressão do regime prisional, de alteração da data-base para a concessão de benefícios - exceto livramento condicional, comutação, indulto, saída temporária e trabalho externo - e de perda dos dias remidos - tão somente.
In verbis:
"Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
(..)
Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar."
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR GRAVE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA AQUISIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA SAÍDA TEMPORÁRIA E DO TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. "A prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo. Precedentes" (AgInt no REsp 1713617/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018).
2. Agravo regimental desprovido" (AgRg no REsp n. 1.755.701/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/11/2018, grifei).
Assim, a falta disciplinar de natureza grave determina a alteração da data-base apenas para a progressão de regime, estabelecida a data da infração/recaptura, não se aplicando ao livramento condicional, à comutação, ao indulto, à saída temporária e ao trabalho externo.
Ante o exposto, não conheço do writ. Concedo a ordem, de ofício, para, confirmando a liminar, cassar o v. acórdão a quo e determinar que o d. Juízo das Execuções considere, como data-base para a saída temporária e o trabalho externo, o dia de início da pena.
É o voto. | EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR GRAVE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A AQUISIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA SAÍDA TEMPORÁRIA E DO TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I -A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - Assente nesta Corte que"A prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo. Precedentes" (AgInt no REsp 1713617/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018)" (AgRg no REsp n. 1.755.701/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/11/2018).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PRÁTICA DE FALTA DISCIPLINAR GRAVE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA A AQUISIÇÃO DOS BENEFÍCIOS DA SAÍDA TEMPORÁRIA E DO TRABALHO EXTERNO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I -A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - Assente nesta Corte que"A prática de falta grave durante o cumprimento da pena não acarreta a alteração da data-base para fins de saída temporária e trabalho externo. Precedentes" (AgInt no REsp 1713617/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/03/2018, DJe 12/03/2018)" (AgRg no REsp n. 1.755.701/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 14/11/2018).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | N |
145,716,661 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder Habeas Corpus,de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CAUSAS DE AUMENTO. FRAÇÃO DE 3/8. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 443 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, como no caso dos autos, ressalvando-se, porém, a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, se constatada a existência de flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. Na terceira fase da dosimetria, apenafoiaumentadaem 3/8, exclusivamente com fundamento no número de majorantes (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - CP), em desrespeito ao disposto no enunciado n. 443 da Súmula do STJ.
3. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para reduzir a fração de aumento da pena na terceira fase da dosimetria.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em favor próprio por RAFAEL ALBINO DA SILVA contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido na Revisão Criminaln. 0007030-28.2019.8.26.0000, assim ementado:
"Revisão Criminal Art. 157, par. 2º, I e II, do Código Penal - Ausência dos requisitos dos incisos do art. 621 e seguintes do CPP.
Revisão Criminal indeferida."(fl. 23)
Infere-se dos autos que o paciente foi condenado, em segundo grau, a 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, pela prática do crime de roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - CP).
No presente writ, oimpetrantealegaque apenafoi indevidamente aumentada em 3/8, na terceira fase da dosimetria, com base apenas no número de majorantes, em desrespeito ao disposto no enunciado n. 443 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça - STJ.
Requer, assim, a aplicação da fração mínima de 1/3.
Indeferido o pedido de liminar e dispensadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem (fls. 37/40).
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CAUSAS DE AUMENTO. FRAÇÃO DE 3/8. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 443 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, como no caso dos autos, ressalvando-se, porém, a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, se constatada a existência de flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. Na terceira fase da dosimetria, apenafoiaumentadaem 3/8, exclusivamente com fundamento no número de majorantes (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - CP), em desrespeito ao disposto no enunciado n. 443 da Súmula do STJ.
3. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para reduzir a fração de aumento da pena na terceira fase da dosimetria.
VOTO
Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, como no caso dos autos, ressalvando-se, porém, a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, se constatada a existência de flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
Conforme relatado, a controvérsia refere-se ao quantum de aumento da pena em razão da incidência das majorantes previstas nos incisos I e II do § 2º do art. 157 do Código Penal - CP, os quais, ao tempo do crime, assim dispunham:
"Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - ..
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
.. "
Segundo o enunciado n. 443 da Súmula do STJ, "o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes".
Na hipótese dos autos, a pena foi aumentada em 3/8, exclusivamente com fundamento no número de majorantes, em desrespeito ao referido enunciado, conforme se constata dos seguintes trechos do acórdão impugnado:
" ..
Com efeito, na terceira fase, a presença de duas qualificadoras justifica o aumento da reprimenda em mais 3/8, como estabelecido no v.acórdão de fls. 337/349." (fl. 27)
Deve-se, portanto, ser aplicada a fração mínima de 1/3, reduzindo-se apenadopacientepara 5 anos e 4 meses de reclusão. Mantenho os demais termos estabelecidos pelo Tribunal a quo.
Ante o exposto, voto pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para reduzirà fração de1/3, o aumento dapenadopaciente, decorrente das majorantes do art. 157, § 2º, I e II, do CP. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder Habeas Corpus,de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em favor próprio por RAFAEL ALBINO DA SILVA contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido na Revisão Criminaln. 0007030-28.2019.8.26.0000, assim ementado:
"Revisão Criminal Art. 157, par. 2º, I e II, do Código Penal - Ausência dos requisitos dos incisos do art. 621 e seguintes do CPP.
Revisão Criminal indeferida."(fl. 23)
Infere-se dos autos que o paciente foi condenado, em segundo grau, a 5 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicialmente fechado, pela prática do crime de roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - CP).
No presente writ, oimpetrantealegaque apenafoi indevidamente aumentada em 3/8, na terceira fase da dosimetria, com base apenas no número de majorantes, em desrespeito ao disposto no enunciado n. 443 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça - STJ.
Requer, assim, a aplicação da fração mínima de 1/3.
Indeferido o pedido de liminar e dispensadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessão da ordem (fls. 37/40).
É o relatório.
VOTO
Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, como no caso dos autos, ressalvando-se, porém, a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, se constatada a existência de flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
Conforme relatado, a controvérsia refere-se ao quantum de aumento da pena em razão da incidência das majorantes previstas nos incisos I e II do § 2º do art. 157 do Código Penal - CP, os quais, ao tempo do crime, assim dispunham:
"Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - ..
§ 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade:
I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
.. "
Segundo o enunciado n. 443 da Súmula do STJ, "o aumento na terceira fase de aplicação da pena no crime de roubo circunstanciado exige fundamentação concreta, não sendo suficiente para a sua exasperação a mera indicação do número de majorantes".
Na hipótese dos autos, a pena foi aumentada em 3/8, exclusivamente com fundamento no número de majorantes, em desrespeito ao referido enunciado, conforme se constata dos seguintes trechos do acórdão impugnado:
" ..
Com efeito, na terceira fase, a presença de duas qualificadoras justifica o aumento da reprimenda em mais 3/8, como estabelecido no v.acórdão de fls. 337/349." (fl. 27)
Deve-se, portanto, ser aplicada a fração mínima de 1/3, reduzindo-se apenadopacientepara 5 anos e 4 meses de reclusão. Mantenho os demais termos estabelecidos pelo Tribunal a quo.
Ante o exposto, voto pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para reduzirà fração de1/3, o aumento dapenadopaciente, decorrente das majorantes do art. 157, § 2º, I e II, do CP. | EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CAUSAS DE AUMENTO. FRAÇÃO DE 3/8. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 443 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, como no caso dos autos, ressalvando-se, porém, a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, se constatada a existência de flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. Na terceira fase da dosimetria, apenafoiaumentadaem 3/8, exclusivamente com fundamento no número de majorantes (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - CP), em desrespeito ao disposto no enunciado n. 443 da Súmula do STJ.
3. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para reduzir a fração de aumento da pena na terceira fase da dosimetria. | HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. CAUSAS DE AUMENTO. FRAÇÃO DE 3/8. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA N. 443 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | 1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, como no caso dos autos, ressalvando-se, porém, a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, se constatada a existência de flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. Na terceira fase da dosimetria, apenafoiaumentadaem 3/8, exclusivamente com fundamento no número de majorantes (art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal - CP), em desrespeito ao disposto no enunciado n. 443 da Súmula do STJ.
3. Habeas corpus não conhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para reduzir a fração de aumento da pena na terceira fase da dosimetria. | N |
145,049,802 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PENAL. LAPSO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME NA REINCIDÊNCIA. NOVO PACOTE ANTICRIME (LEI N. 13.964/19). PRECEDENTES DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ E DO STF. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CONSTATADA IN CASU. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. COMRECOMENDAÇÃO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - In casu, tem-se que aTerceira Seção desta eg. Corte pacificou a matéria posta nesta impetração (Tema nº 1084), nos seguintes termos: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp n. 1.910.240/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 31/5/2021). Este foi o tema do Informativo de Jurisprudência n. 699/STJ, de 7/6/2021.
III - Consoante o entendimento desta eg. Corte Superior, também entende o col. Supremo Tribunal Federal: "A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII). O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogia in malam partem. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogia in malam partem e do favor rei. Doutrina" (RHC n. 200.879, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14/6/2021) - assunto, inclusive, constante do Informativo de Jurisprudência n. 1032/STF, de 8/10/2021.
IV - Não constatada, pois, a concreta reincidência específicaem crimes hediondos ou equiparados, necessário se mostra determinar a retificação dos cálculos da execução penal do paciente.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício.Recomenda-se celeridade na retificação dos cálculos.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de DENIS WELTON DE ANDRADE, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nestes termos ementado (fls. 69-73):
"AGRAVO EM EXECUÇÃO.
Pretendida retificação do cálculo de pena para constar 60% (3/5) como lapso temporal para progressão de regime. Possibilidade. Agravado reincidente, o quanto basta. Inteligência da LEP, art. 127, VII. Inexigibilidade de reincidência específica.
PROVIMENTO."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa sustenta que o lapso imposto pelo eg. Tribunal de origem para a progressão de regime dependeria de reincidência específica em crime hediondo.
Alega que a Lei nº 13.964/2019 é norma penal posterior mais benéfica.
Requer a concessão da ordem, inclusive LIMINARMENTE, com a retificação dos cálculos da execução penal, para a progressão de regime. No mérito, a confirmação da liminar, com a ordem definitiva.
Liminar indeferida (fls. 76-78).
Informações, às fls. 82-96.
O d. Ministério Público Federal oficiou, em r. parecer de fls. 98-104, de seguinte ementa:
"Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio.
I - Inadequação da via eleita. Execução penal.
II - Progressão de regime. Requisito objetivo: 60%(3/5). Crime hediondo e réu reincidente. Fundamentação idônea para o indeferimento de retificação de cálculo de pena.
- Promoção pelo não conhecimento do writ, ou, caso conhecido, pela denegação da ordem."
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PENAL. LAPSO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME NA REINCIDÊNCIA. NOVO PACOTE ANTICRIME (LEI N. 13.964/19). PRECEDENTES DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ E DO STF. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CONSTATADA IN CASU. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. COMRECOMENDAÇÃO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - In casu, tem-se que aTerceira Seção desta eg. Corte pacificou a matéria posta nesta impetração (Tema nº 1084), nos seguintes termos: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp n. 1.910.240/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 31/5/2021). Este foi o tema do Informativo de Jurisprudência n. 699/STJ, de 7/6/2021.
III - Consoante o entendimento desta eg. Corte Superior, também entende o col. Supremo Tribunal Federal: "A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII). O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogia in malam partem. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogia in malam partem e do favor rei. Doutrina" (RHC n. 200.879, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14/6/2021) - assunto, inclusive, constante do Informativo de Jurisprudência n. 1032/STF, de 8/10/2021.
IV - Não constatada, pois, a concreta reincidência específicaem crimes hediondos ou equiparados, necessário se mostra determinar a retificação dos cálculos da execução penal do paciente.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício.Recomenda-se celeridade na retificação dos cálculos.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo de recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para delimitar a quaestio, o v. acórdão vergastado (fls. 69-73):
"Trata-se de AGRAVO EM EXECUÇÃO interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a decisão proferida pelo JUÍZO DO DEECRIM - 4ª RAJ, Comarca de Campinas, que determinou a retificação do cálculo de pena, considerando o lapso temporal de 40% (2/5), para obtenção da progressão, cuja reversão pretende, observando-se 60% (3/5), por se tratar de reincidente, pouco importando não específico.
(..)
O Juízo singular homologou a retificação do cálculo, para aplicar o percentual de 40% (2/5) como lapso temporal necessário para progressão.
(..)
Não se há de descurar, outrossim, que o "Pacote Anticrime" trouxe modificações voltadas justamente ao enrijecimento da legislação penal, sendo ilógico ou irracional que o legislador passasse a exigir, do condenado reincidente, o cumprimento de lapso idêntico ao observado diante de sentenciado primário.
(..)
Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso, para determinar a retificação do cálculo de pena para constar 60% (3/5) como lapso temporal para progressão."
Pois bem.
No presente caso, verifica-se que o eg. Tribunal de origem determinou fosse observada a fração própria à reincidência dos crimes hediondos em geral, com a aplicação do atual art. 112, VII, da Lei de Execução Penal.
Verbis:
"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
(..)
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
(..)
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado (..)" (grifei).
Na hipótese vertente, explicou-se que (fls. 70-71): "O agravado foi condenado como incurso na Lei nº 11.343/06, art. 33, caput, c. c. o art. 40, caput, VI, e art. 35, à pena privativa de 12 anos, 6 meses e 26 dias de reclusão, possuindo condenação pretérita por crime considerado comum."
Ora, em Sessão de 9/12/2020, esta Quinta Turma, em alinhamento ao que já vinha sendo determinado pela Sexta Turma desta eg. Corte Superior, passou a decidir em sentido diametralmente oposto ao seu entendimento anterior, pelo reconhecimento da necessidade de reincidência específica em casos como o presente.
Não se olvide que, mais recentemente, a Terceira Seção desta eg. Corte pacificou a matéria (Tema nº 1084), nos mesmos moldes do acima julgado.
Veja-se: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp n. 1.910.240/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 31/5/2021).
Este foi o tema do Informativo de Jurisprudência n. 699/STJ, de 7/6/2021.
Consoante o entendimento desta eg. Corte Superior, também entende o col. Supremo Tribunal Federal:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. CONDENADO POR CRIME HEDIONDO OU EQUIPARADO REINCIDENTE POR CRIME COMUM. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. LEI 13.964/2019. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A PROGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR AO REINCIDENTE NÃO ESPECÍFICO O PATAMAR DO ART. 112, VII DA LEP. PROSCRIÇÃO À ANALOGIA IN MALAM PARTEM. PRINCÍPIO DO FAVOR REI. ANTE À LACUNA LEGAL INCIDE A NORMA MAIS FAVORÁVEL AO APENADO. ART. 112, V, DA LEP. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO A FIM DE ESTABELECER O PATAMAR MAIS BENÉFICO À PROGRESSÃO DE REGIME DO RECORRENTE.
1. A Constituição da República (art. 5º, XXXIX) assegura que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", postulado que exige a subsunção estrita das condutas e das sanções criminais à moldura normativa.
2. A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII).
3. O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogia in malam partem.
4. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogia in malam partem e do favor rei. Doutrina.
5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento a fim restabelecer a decisão de 1º grau, que aplicou ao apenado o patamar mais benéfico para a progressão de regime (art. 112, inciso V, da LEP)" (RHC n. 200.879, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14/6/2021).
Aliás, a matéria foi assunto do Informativo de Jurisprudência n. 1032/STF, de 8/10/2021, verbis:"Tese fixada: "Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF) (1), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP (2) não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico(..). "
Diante disso, tenho que o v. acórdão a quo configura flagrante ilegalidade, passível de concessão da ordem nesta impetração, ainda que de ofício.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para que o d. Juízo da Execução, em nova análise atualizada da situação do apenado, observe os termos desta decisão, de forma a aplicar o percentual de 40% na progressão de regime ao não reincidente específico em crimes hediondos SEM resultado morte.
Tudo a ser confirmado pelo d. Juízo da Execução, em nova análise do caso concreto, tendo em vista a instrução restrita da presente impetração.
Recomenda-se celeridade na retificação dos cálculos da folha penal.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de DENIS WELTON DE ANDRADE, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nestes termos ementado (fls. 69-73):
"AGRAVO EM EXECUÇÃO.
Pretendida retificação do cálculo de pena para constar 60% (3/5) como lapso temporal para progressão de regime. Possibilidade. Agravado reincidente, o quanto basta. Inteligência da LEP, art. 127, VII. Inexigibilidade de reincidência específica.
PROVIMENTO."
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa sustenta que o lapso imposto pelo eg. Tribunal de origem para a progressão de regime dependeria de reincidência específica em crime hediondo.
Alega que a Lei nº 13.964/2019 é norma penal posterior mais benéfica.
Requer a concessão da ordem, inclusive LIMINARMENTE, com a retificação dos cálculos da execução penal, para a progressão de regime. No mérito, a confirmação da liminar, com a ordem definitiva.
Liminar indeferida (fls. 76-78).
Informações, às fls. 82-96.
O d. Ministério Público Federal oficiou, em r. parecer de fls. 98-104, de seguinte ementa:
"Habeas Corpus substitutivo de recurso próprio.
I - Inadequação da via eleita. Execução penal.
II - Progressão de regime. Requisito objetivo: 60%(3/5). Crime hediondo e réu reincidente. Fundamentação idônea para o indeferimento de retificação de cálculo de pena.
- Promoção pelo não conhecimento do writ, ou, caso conhecido, pela denegação da ordem."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo de recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para delimitar a quaestio, o v. acórdão vergastado (fls. 69-73):
"Trata-se de AGRAVO EM EXECUÇÃO interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra a decisão proferida pelo JUÍZO DO DEECRIM - 4ª RAJ, Comarca de Campinas, que determinou a retificação do cálculo de pena, considerando o lapso temporal de 40% (2/5), para obtenção da progressão, cuja reversão pretende, observando-se 60% (3/5), por se tratar de reincidente, pouco importando não específico.
(..)
O Juízo singular homologou a retificação do cálculo, para aplicar o percentual de 40% (2/5) como lapso temporal necessário para progressão.
(..)
Não se há de descurar, outrossim, que o "Pacote Anticrime" trouxe modificações voltadas justamente ao enrijecimento da legislação penal, sendo ilógico ou irracional que o legislador passasse a exigir, do condenado reincidente, o cumprimento de lapso idêntico ao observado diante de sentenciado primário.
(..)
Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso, para determinar a retificação do cálculo de pena para constar 60% (3/5) como lapso temporal para progressão."
Pois bem.
No presente caso, verifica-se que o eg. Tribunal de origem determinou fosse observada a fração própria à reincidência dos crimes hediondos em geral, com a aplicação do atual art. 112, VII, da Lei de Execução Penal.
Verbis:
"Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
(..)
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
(..)
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado (..)" (grifei).
Na hipótese vertente, explicou-se que (fls. 70-71): "O agravado foi condenado como incurso na Lei nº 11.343/06, art. 33, caput, c. c. o art. 40, caput, VI, e art. 35, à pena privativa de 12 anos, 6 meses e 26 dias de reclusão, possuindo condenação pretérita por crime considerado comum."
Ora, em Sessão de 9/12/2020, esta Quinta Turma, em alinhamento ao que já vinha sendo determinado pela Sexta Turma desta eg. Corte Superior, passou a decidir em sentido diametralmente oposto ao seu entendimento anterior, pelo reconhecimento da necessidade de reincidência específica em casos como o presente.
Não se olvide que, mais recentemente, a Terceira Seção desta eg. Corte pacificou a matéria (Tema nº 1084), nos mesmos moldes do acima julgado.
Veja-se: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp n. 1.910.240/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 31/5/2021).
Este foi o tema do Informativo de Jurisprudência n. 699/STJ, de 7/6/2021.
Consoante o entendimento desta eg. Corte Superior, também entende o col. Supremo Tribunal Federal:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. CONDENADO POR CRIME HEDIONDO OU EQUIPARADO REINCIDENTE POR CRIME COMUM. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. LEI 13.964/2019. ALTERAÇÃO DOS CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA A PROGRESSÃO DE REGIME. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR AO REINCIDENTE NÃO ESPECÍFICO O PATAMAR DO ART. 112, VII DA LEP. PROSCRIÇÃO À ANALOGIA IN MALAM PARTEM. PRINCÍPIO DO FAVOR REI. ANTE À LACUNA LEGAL INCIDE A NORMA MAIS FAVORÁVEL AO APENADO. ART. 112, V, DA LEP. ANALOGIA IN BONAM PARTEM. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO DO RECURSO A FIM DE ESTABELECER O PATAMAR MAIS BENÉFICO À PROGRESSÃO DE REGIME DO RECORRENTE.
1. A Constituição da República (art. 5º, XXXIX) assegura que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal", postulado que exige a subsunção estrita das condutas e das sanções criminais à moldura normativa.
2. A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII).
3. O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogia in malam partem.
4. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogia in malam partem e do favor rei. Doutrina.
5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento a fim restabelecer a decisão de 1º grau, que aplicou ao apenado o patamar mais benéfico para a progressão de regime (art. 112, inciso V, da LEP)" (RHC n. 200.879, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14/6/2021).
Aliás, a matéria foi assunto do Informativo de Jurisprudência n. 1032/STF, de 8/10/2021, verbis:"Tese fixada: "Tendo em vista a legalidade e a taxatividade da norma penal (art. 5º, XXXIX, CF) (1), a alteração promovida pela Lei 13.964/2019 no art. 112 da LEP (2) não autoriza a incidência do percentual de 60% (inc. VII) aos condenados reincidentes não específicos para o fim de progressão de regime. Diante da omissão legislativa, impõe-se a analogia in bonam partem, para aplicação, inclusive retroativa, do inciso V do artigo 112 da LEP (lapso temporal de 40%) ao condenado por crime hediondo ou equiparado sem resultado morte reincidente não específico(..). "
Diante disso, tenho que o v. acórdão a quo configura flagrante ilegalidade, passível de concessão da ordem nesta impetração, ainda que de ofício.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para que o d. Juízo da Execução, em nova análise atualizada da situação do apenado, observe os termos desta decisão, de forma a aplicar o percentual de 40% na progressão de regime ao não reincidente específico em crimes hediondos SEM resultado morte.
Tudo a ser confirmado pelo d. Juízo da Execução, em nova análise do caso concreto, tendo em vista a instrução restrita da presente impetração.
Recomenda-se celeridade na retificação dos cálculos da folha penal.
É o voto. | EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PENAL. LAPSO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME NA REINCIDÊNCIA. NOVO PACOTE ANTICRIME (LEI N. 13.964/19). PRECEDENTES DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ E DO STF. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CONSTATADA IN CASU. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. COMRECOMENDAÇÃO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - In casu, tem-se que aTerceira Seção desta eg. Corte pacificou a matéria posta nesta impetração (Tema nº 1084), nos seguintes termos: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp n. 1.910.240/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 31/5/2021). Este foi o tema do Informativo de Jurisprudência n. 699/STJ, de 7/6/2021.
III - Consoante o entendimento desta eg. Corte Superior, também entende o col. Supremo Tribunal Federal: "A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII). O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogia in malam partem. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogia in malam partem e do favor rei. Doutrina" (RHC n. 200.879, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14/6/2021) - assunto, inclusive, constante do Informativo de Jurisprudência n. 1032/STF, de 8/10/2021.
IV - Não constatada, pois, a concreta reincidência específicaem crimes hediondos ou equiparados, necessário se mostra determinar a retificação dos cálculos da execução penal do paciente.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício.Recomenda-se celeridade na retificação dos cálculos. | HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PENAL. LAPSO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME NA REINCIDÊNCIA. NOVO PACOTE ANTICRIME (LEI N. 13.964/19). PRECEDENTES DA TERCEIRA SEÇÃO DO STJ E DO STF. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CONSTATADA IN CASU. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. COMRECOMENDAÇÃO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - In casu, tem-se que aTerceira Seção desta eg. Corte pacificou a matéria posta nesta impetração (Tema nº 1084), nos seguintes termos: "É reconhecida a retroatividade do patamar estabelecido no art. 112, V, da Lei n. 13.964/2019, àqueles apenados que, embora tenham cometido crime hediondo ou equiparado sem resultado morte, não sejam reincidentes em delito de natureza semelhante" (REsp n. 1.910.240/MG, Terceira Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe de 31/5/2021). Este foi o tema do Informativo de Jurisprudência n. 699/STJ, de 7/6/2021.
III - Consoante o entendimento desta eg. Corte Superior, também entende o col. Supremo Tribunal Federal: "A Lei 13.964/2019, ao alterar o art. 112 da LEP, não tratou, de forma expressa, das condições para progressão de regime do condenado por crime hediondo ou equiparado reincidente em crime comum, somente disciplinando a gradação da reprimenda do apenado primário (inciso V) e do reincidente específico (inciso VII). O silêncio normativo, contudo, deve ser saneado em atenção aos princípios norteadores da hermenêutica penal, cumprindo observar a proscrição à analogia in malam partem. Havendo dois incisos que, por analogia, poderiam ser aplicados ao apenado (no caso, o inciso V e o inciso VII), o dispositivo mais benéfico ao acusado (inciso V) é a única solução possível, pois a adoção do critério mais gravoso inevitavelmente importaria afronta ao princípio da vedação à analogia in malam partem e do favor rei. Doutrina" (RHC n. 200.879, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJe de 14/6/2021) - assunto, inclusive, constante do Informativo de Jurisprudência n. 1032/STF, de 8/10/2021.
IV - Não constatada, pois, a concreta reincidência específicaem crimes hediondos ou equiparados, necessário se mostra determinar a retificação dos cálculos da execução penal do paciente.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício.Recomenda-se celeridade na retificação dos cálculos. | N |
145,049,781 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA.FUNDAMENTAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Assente que esta eg. Corte,"em recentes julgados, vem flexibilizando as regras previstas do art. 126, da LEP, para admitir a remição da pena pela atividade laboral de auxiliar de "plantão de galeria", como forma de possibilitar aos apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo estabelecimento prisional. Precedentes"(AgRg no REsp n. 1.935.335/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 8/6/2021).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao d. Juízo da Execução que reconheça os dias trabalhados e proceda à respectiva remição de pena aqui almejada.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, sem pedido liminar, impetrado em benefício de PEDRO RAMÃO, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul(fls. 185-188).
Daí o presente mandamus, no qual a d. Defesa alega que o paciente faz jus a dias/horas de trabalho correspondentes a período de trabalho.
Aduz que "No dia 15/07/2020, aportou aos autos o Atestado de Efetivo Trabalho - AET nº 0235758 (seq.57.1 do processo de execução-SEEU), dando conta que PEDRO exerceu trabalho interno de galeria durante 115 dias, nos períodos de 18/09/2019 a 21/02/2020 e de 27/05/2020 a 30/05/2020. Ato contínuo, o juízo da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre proferiu decisão declarando remidos 39 dias da pena em razão do trabalho interno exercido pelo paciente (..)" (fl. 4).
Requer a concessão da ordem, com a remição do total de dias/horas pleiteadas. No mérito, a confirmação da liminar.
Informações, às fls. 209-236.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 283-243,oficiou em r. parecer de seguinte ementa:
"HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO RECURSAL DE REVISÃO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. PARECER PELA EXTINÇÃO DO WRIT SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO OU PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA.FUNDAMENTAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Assente que esta eg. Corte,"em recentes julgados, vem flexibilizando as regras previstas do art. 126, da LEP, para admitir a remição da pena pela atividade laboral de auxiliar de "plantão de galeria", como forma de possibilitar aos apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo estabelecimento prisional. Precedentes"(AgRg no REsp n. 1.935.335/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 8/6/2021).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao d. Juízo da Execução que reconheça os dias trabalhados e proceda à respectiva remição de pena aqui almejada.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, nos termos do entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para delimitar a quaestio, o v. acórdão, na parte em que importa (fls. 185-188):
"1. A Promotora de Justiça agravou da decisão que concedeu ao apenado Pedro Ramão a remição de pena por trabalho feito como auxiliar de Plantão de Galeria. Requereu a cassação desta remição.
(..)
2. O agravo procede. Ocorre que o "trabalho", que teria realizado o apenado, não atende aos propósitos de reinserção social do preso e, portanto, a função desempenhada não pode ser considerada para fins de remição.
(..)
3. Assim, nos termos supra, voto por dar provimento ao agravo, para cassar a remição concedida ao agravado referente às atividades de "Plantão de Galeria"."
Pois bem.
Nesse aspecto, a despeito de o trabalho por parte dos apenados dever ser fomentado de forma geral, fato é que, para a remição da pena, devem ser observados os ditames legais, sob pena de, à míngua de observância de regras mínimas à efetivação da benesse, não se respeitem as condições básicas de qualidade e quantidade das tarefas realizadas.
Para efeitos de remição por trabalho, a Lei de Execução Penal dispõe:
"Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
(..)
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
(..)
Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles" (grifei).
Nesse sentido:
"EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA. ATIVIDADE EXERCIDA SOB FISCALIZAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício.
2. O art. 126 da Lei de Execução Penal determina que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
3. In casu, a remição da pena do sentenciado pelo trabalho intramuros na função de "plantão de galeria" foi cassada pelo eg. Tribunal a quo, fundamentalmente, por não haver comprovação de que a atividade tenha sido desenvolvida de maneira supervisionada, sob fiscalização do órgão de execução.
4. O entendimento nesta Quinta Turma está a se delinear no sentido de que não havendo comprovação de que a atividade laboral do apenado foi desenvolvida de maneira supervisionada, sob fiscalização do estabelecimento prisional, não é possível aferir se foi atendido o caráter ressocializador da atividade.
5. Não basta a apresentação do atestado de efetivo trabalho para que o apenado obtenha o direito à remição, sendo fundamental que a atividade atenda às exigências de jornada mínima, bem como atenda à finalidade educativa e produtiva.
6. Habeas corpus não conhecido" (HC 499.465/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/5/2019, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE A ATIVIDADE TENHA SIDO FISCALIZADA. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - A remição da pena do sentenciado pelo trabalho intramuros na função de "plantão de galeria" foi cassada pelo eg. Tribunal a quo, que entendeu não haver comprovação de que a atividade tenha sido desenvolvida de maneira supervisionada, sob fiscalização do órgão de execução.
II - Não basta a apresentação do atestado de efetivo trabalho para que o apenado obtenha o direito à remição, sendo fundamental que a atividade atenda as exigências de jornada mínima, bem como de finalidade educativa e produtiva.
III - Neste agravo regimental não foram apresentados argumentos novos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, devendo ser mantida a r. decisão impugnada por seus próprios fundamentos.
Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC 485.537/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJe de 3/4/2019).
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. ART. 126 DA LEI N. 7.210/1984. REMIÇÃO DE PENA. ARTESANATO DE TAPETES. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REMIÇÃO FICTA. NÃO SE COMPROVOU A REALIZAÇÃO EFETIVA DO TRABALHO ARTESANAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Em se tratando de remição da pena, é, sim, possível proceder à interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma vez que o aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da execução.
2. Este Superior Tribunal também considera que a Lei de Execução Penal exige, para fins de remição da pena pelo trabalho, a prova da atividade laboral e da carga horária efetivamente desenvolvidas pelo preso (AgRg no HC n. 351.918/SC, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 22/8/2016).
3. As instâncias ordinárias, soberanas em matéria de fatos e provas, concluíram que não houve comprovação idônea da carga horária cumprida pelo reeducando (Súmula 7/STJ).
4. A solução adotada pela Instância a quo está em harmonia com a jurisprudência deste Sodalício, no sentido de que a efetiva consideração da atividade laboral para fins de remição de pena requer a comprovação do exercício do trabalho, realizada através da fiscalização direta por parte da administração penitenciária (AgRg no REsp n. 1.640.145/RO, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 26/5/2017).
5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
6. Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp 1.720.628/RO, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15/10/2018).
Entretanto, não se pode ignorar que o paciente, no caso concreto, empreendeu esforço, ao trabalhar licitamente em regime de cumprimento de pena que não desautoriza o trabalho nas condições empreendidas.
No mesmo sentido:
"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL COMPATÍVEL COM O REGIME SEMIABERTO. APENADO USUFRUINDO PRISÃO DOMICILIAR. REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. POSSIBILIDADE. ART. 126 DALEP. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que os sentenciados que cumprem pena no regime semiaberto ou fechado têm direito à remição da pena pelo trabalho, consoante a previsão legal do art. 126 da Lei de Execução Penal. Precedentes.
2. In casu, o apenado faz jus ao beneficio da remição, pois, apesar de cumprir pena no regime intermediário, encontra-se em prisão domiciliar em decorrência única e exclusiva da ausência de vagas adequadas e compatíveis com o regime semiaberto, ou seja, em razão da falência do próprio sistema carcerário.
3. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 1.505.182/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 11/5/2018, grifei).
"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO NO REGIME SEMIABERTO. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. ORDEMNÃO CONHECIDA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos deflagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. A Jurisprudência desta Corte Superior já firmou entendimento de que, "nos termos do art. 126 da Lei de Execuções Penais, inexiste qualquer vedação ou impedimento para que a remição seja concedida aos apenados que exercerem trabalho externo no cumprimento da pena no regime semiaberto" (HC 184.501/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 25/05/2012).
3. Ordem não conhecida. Concessão de habeas corpus de ofício para determinar ao Juízo das Execuções Criminais que reaprecie o pedido de remição da pena formulado pelo paciente, afastando o entendimento de que não é possível, no regime semiaberto, a remição pelo trabalho realizado fora do estabelecimento prisional" (HC 239.028/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, DJe de 16/8/2016, grifei).
Acerca da situação concreta aqui posta, esta eg. Quinta Turma, mais recentemente, asseverou que:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA NOS TERMOS LEGAIS. POSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO PELO ÓRGÃO COLEGIADO. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. ART. 126 DA LEP. AUXILIAR DE PLANTÃO DE GALERIA. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA INIDONEIDADE DA COMPROVAÇÃO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(..)
5. Nessa esteira, este Superior Tribunal, em recentes julgados, vem flexibilizando as regras previstas do art. 126, da LEP, para admitir a remição da pena pela atividade laboral de auxiliar de "plantão de galeria", como forma de possibilitar aos apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo estabelecimento prisional. Precedentes.
6. Agravo regimental não provido"(AgRg no REsp 1.935.335/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 8/6/2021, grifei).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para anular o v. acórdão de origem e determinar ao d. Juízo da Execução que reconheça os dias trabalhados e proceda à respectiva remição de pena aqui almejada.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, sem pedido liminar, impetrado em benefício de PEDRO RAMÃO, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul(fls. 185-188).
Daí o presente mandamus, no qual a d. Defesa alega que o paciente faz jus a dias/horas de trabalho correspondentes a período de trabalho.
Aduz que "No dia 15/07/2020, aportou aos autos o Atestado de Efetivo Trabalho - AET nº 0235758 (seq.57.1 do processo de execução-SEEU), dando conta que PEDRO exerceu trabalho interno de galeria durante 115 dias, nos períodos de 18/09/2019 a 21/02/2020 e de 27/05/2020 a 30/05/2020. Ato contínuo, o juízo da 1ª Vara de Execuções Criminais da Comarca de Porto Alegre proferiu decisão declarando remidos 39 dias da pena em razão do trabalho interno exercido pelo paciente (..)" (fl. 4).
Requer a concessão da ordem, com a remição do total de dias/horas pleiteadas. No mérito, a confirmação da liminar.
Informações, às fls. 209-236.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 283-243,oficiou em r. parecer de seguinte ementa:
"HABEAS CORPUS. SUCEDÂNEO RECURSAL DE REVISÃO CRIMINAL. INADEQUAÇÃO. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO. IMPRESCINDIBILIDADE. PARECER PELA EXTINÇÃO DO WRIT SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO OU PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, nos termos do entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para delimitar a quaestio, o v. acórdão, na parte em que importa (fls. 185-188):
"1. A Promotora de Justiça agravou da decisão que concedeu ao apenado Pedro Ramão a remição de pena por trabalho feito como auxiliar de Plantão de Galeria. Requereu a cassação desta remição.
(..)
2. O agravo procede. Ocorre que o "trabalho", que teria realizado o apenado, não atende aos propósitos de reinserção social do preso e, portanto, a função desempenhada não pode ser considerada para fins de remição.
(..)
3. Assim, nos termos supra, voto por dar provimento ao agravo, para cassar a remição concedida ao agravado referente às atividades de "Plantão de Galeria"."
Pois bem.
Nesse aspecto, a despeito de o trabalho por parte dos apenados dever ser fomentado de forma geral, fato é que, para a remição da pena, devem ser observados os ditames legais, sob pena de, à míngua de observância de regras mínimas à efetivação da benesse, não se respeitem as condições básicas de qualidade e quantidade das tarefas realizadas.
Para efeitos de remição por trabalho, a Lei de Execução Penal dispõe:
"Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1º A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
(..)
II - 1 (um) dia de pena a cada 3 (três) dias de trabalho.
(..)
Art. 128. O tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos.
Art. 129. A autoridade administrativa encaminhará mensalmente ao juízo da execução cópia do registro de todos os condenados que estejam trabalhando ou estudando, com informação dos dias de trabalho ou das horas de frequência escolar ou de atividades de ensino de cada um deles" (grifei).
Nesse sentido:
"EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA. ATIVIDADE EXERCIDA SOB FISCALIZAÇÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado a justificar a concessão da ordem, de ofício.
2. O art. 126 da Lei de Execução Penal determina que o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
3. In casu, a remição da pena do sentenciado pelo trabalho intramuros na função de "plantão de galeria" foi cassada pelo eg. Tribunal a quo, fundamentalmente, por não haver comprovação de que a atividade tenha sido desenvolvida de maneira supervisionada, sob fiscalização do órgão de execução.
4. O entendimento nesta Quinta Turma está a se delinear no sentido de que não havendo comprovação de que a atividade laboral do apenado foi desenvolvida de maneira supervisionada, sob fiscalização do estabelecimento prisional, não é possível aferir se foi atendido o caráter ressocializador da atividade.
5. Não basta a apresentação do atestado de efetivo trabalho para que o apenado obtenha o direito à remição, sendo fundamental que a atividade atenda às exigências de jornada mínima, bem como atenda à finalidade educativa e produtiva.
6. Habeas corpus não conhecido" (HC 499.465/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/5/2019, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA. NÃO COMPROVAÇÃO DE QUE A ATIVIDADE TENHA SIDO FISCALIZADA. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - A remição da pena do sentenciado pelo trabalho intramuros na função de "plantão de galeria" foi cassada pelo eg. Tribunal a quo, que entendeu não haver comprovação de que a atividade tenha sido desenvolvida de maneira supervisionada, sob fiscalização do órgão de execução.
II - Não basta a apresentação do atestado de efetivo trabalho para que o apenado obtenha o direito à remição, sendo fundamental que a atividade atenda as exigências de jornada mínima, bem como de finalidade educativa e produtiva.
III - Neste agravo regimental não foram apresentados argumentos novos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, devendo ser mantida a r. decisão impugnada por seus próprios fundamentos.
Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC 485.537/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, DJe de 3/4/2019).
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. ART. 126 DA LEI N. 7.210/1984. REMIÇÃO DE PENA. ARTESANATO DE TAPETES. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. REMIÇÃO FICTA. NÃO SE COMPROVOU A REALIZAÇÃO EFETIVA DO TRABALHO ARTESANAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Em se tratando de remição da pena, é, sim, possível proceder à interpretação extensiva em prol do preso e da sociedade, uma vez que o aprimoramento dele contribui decisivamente para os destinos da execução.
2. Este Superior Tribunal também considera que a Lei de Execução Penal exige, para fins de remição da pena pelo trabalho, a prova da atividade laboral e da carga horária efetivamente desenvolvidas pelo preso (AgRg no HC n. 351.918/SC, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 22/8/2016).
3. As instâncias ordinárias, soberanas em matéria de fatos e provas, concluíram que não houve comprovação idônea da carga horária cumprida pelo reeducando (Súmula 7/STJ).
4. A solução adotada pela Instância a quo está em harmonia com a jurisprudência deste Sodalício, no sentido de que a efetiva consideração da atividade laboral para fins de remição de pena requer a comprovação do exercício do trabalho, realizada através da fiscalização direta por parte da administração penitenciária (AgRg no REsp n. 1.640.145/RO, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 26/5/2017).
5. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada.
6. Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp 1.720.628/RO, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 15/10/2018).
Entretanto, não se pode ignorar que o paciente, no caso concreto, empreendeu esforço, ao trabalhar licitamente em regime de cumprimento de pena que não desautoriza o trabalho nas condições empreendidas.
No mesmo sentido:
"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL COMPATÍVEL COM O REGIME SEMIABERTO. APENADO USUFRUINDO PRISÃO DOMICILIAR. REMIÇÃO DA PENA PELO TRABALHO. POSSIBILIDADE. ART. 126 DALEP. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que os sentenciados que cumprem pena no regime semiaberto ou fechado têm direito à remição da pena pelo trabalho, consoante a previsão legal do art. 126 da Lei de Execução Penal. Precedentes.
2. In casu, o apenado faz jus ao beneficio da remição, pois, apesar de cumprir pena no regime intermediário, encontra-se em prisão domiciliar em decorrência única e exclusiva da ausência de vagas adequadas e compatíveis com o regime semiaberto, ou seja, em razão da falência do próprio sistema carcerário.
3. Agravo regimental não provido" (AgRg no REsp 1.505.182/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 11/5/2018, grifei).
"HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO NO REGIME SEMIABERTO. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. ORDEMNÃO CONHECIDA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos deflagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. A Jurisprudência desta Corte Superior já firmou entendimento de que, "nos termos do art. 126 da Lei de Execuções Penais, inexiste qualquer vedação ou impedimento para que a remição seja concedida aos apenados que exercerem trabalho externo no cumprimento da pena no regime semiaberto" (HC 184.501/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe de 25/05/2012).
3. Ordem não conhecida. Concessão de habeas corpus de ofício para determinar ao Juízo das Execuções Criminais que reaprecie o pedido de remição da pena formulado pelo paciente, afastando o entendimento de que não é possível, no regime semiaberto, a remição pelo trabalho realizado fora do estabelecimento prisional" (HC 239.028/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, DJe de 16/8/2016, grifei).
Acerca da situação concreta aqui posta, esta eg. Quinta Turma, mais recentemente, asseverou que:
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA NOS TERMOS LEGAIS. POSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO PELO ÓRGÃO COLEGIADO. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO PELO TRABALHO. ART. 126 DA LEP. AUXILIAR DE PLANTÃO DE GALERIA. COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA INIDONEIDADE DA COMPROVAÇÃO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. SÚMULA N. 7/STJ. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
(..)
5. Nessa esteira, este Superior Tribunal, em recentes julgados, vem flexibilizando as regras previstas do art. 126, da LEP, para admitir a remição da pena pela atividade laboral de auxiliar de "plantão de galeria", como forma de possibilitar aos apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo estabelecimento prisional. Precedentes.
6. Agravo regimental não provido"(AgRg no REsp 1.935.335/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 8/6/2021, grifei).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para anular o v. acórdão de origem e determinar ao d. Juízo da Execução que reconheça os dias trabalhados e proceda à respectiva remição de pena aqui almejada.
É o voto. | EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA.FUNDAMENTAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Assente que esta eg. Corte,"em recentes julgados, vem flexibilizando as regras previstas do art. 126, da LEP, para admitir a remição da pena pela atividade laboral de auxiliar de "plantão de galeria", como forma de possibilitar aos apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo estabelecimento prisional. Precedentes"(AgRg no REsp n. 1.935.335/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 8/6/2021).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao d. Juízo da Execução que reconheça os dias trabalhados e proceda à respectiva remição de pena aqui almejada. | EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO PELO TRABALHO. PLANTÃO DE GALERIA.FUNDAMENTAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Assente que esta eg. Corte,"em recentes julgados, vem flexibilizando as regras previstas do art. 126, da LEP, para admitir a remição da pena pela atividade laboral de auxiliar de "plantão de galeria", como forma de possibilitar aos apenados encarcerados em unidades sem outras atividades laborais receberem o benefício, desde que devidamente reconhecida pelo estabelecimento prisional. Precedentes"(AgRg no REsp n. 1.935.335/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 8/6/2021).
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao d. Juízo da Execução que reconheça os dias trabalhados e proceda à respectiva remição de pena aqui almejada. | N |
146,136,286 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO DE PENA. ART. 126 DA LEP. RECOMENDAÇÃO N. 44 DO CNJ. REPROVAÇÃOPARCIAL NO ENEM. ENSINO MÉDIO. CASO CONCRETO. ESTUDO POR CONTA PRÓPRIA COM APROVAÇÃO EM UMA MATÉRIA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. RECOMENDAÇÃO DE CELERIDADE.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo do recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Esta Corte Superior firmou orientação no sentido de que é "viável a concessão da remição por atividades não expressas na lei, diante de uma interpretação extensiva in bonam partem do artigo 126 da Lei de Execução Penal" (AgRg no AREsp n. 696.637/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4/3/2016). Assim está autorizada a concessão da remição pelo estudo nas hipóteses previstas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ. Precedentes.
III - In casu, não comprovada a aprovação total do paciente noEnsino Médio (ENEM), estima-se, porém, que tenha realizado estudos por conta própria, já que obteve êxitoem uma das matérias.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer o direito do paciente a 20 (vinte) dias de remição pelo estudo. Recomenda-se celeridade.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de JOSE HENRIQUE DOS SANTOS CAMARGO, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sem ementa (fls. 20-24).
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa alega que o paciente sofre constrangimento ilegal, porquanto estão atendidos os requisitos legais para a remição de pena pelo estudo, mesmo que tenha sido realizado por conta própria, em consonância com a Resolução n. 391/2021 e a Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça, pela aprovação no ENEM - Ensino Médio.
Assevera que "Em conclusão, a realização do ENEM pelo paciente demonstra que ele estudou por conta própria e tem interesse no estudo e na autoavaliação do seu processo educativo. Os resultados mais (ou menos) exitosos estão ligados à falta de oportunidade de ensino de qualidade ou outras barreiras inerentes ao encarceramento. A remição é contrapartida estatal de reconhecimento e incentivo ao estudo no contexto carcerário. Assim, o paciente preencheu os requisitos legais para remir a pena por estudo, ou seja, não estando vinculado a atividades regulares de ensino no interior da unidade, estudou por conta própria e realizou a prova do ENEM (não havendo, nos termos da Portaria nº 458 do Ministério da Educação, previsão de nota mínima)" (fl. 14).
Requer a concessão da ordem, inclusive LIMINARMENTE, a fim de que seja imediatamente reconhecido o direito à remição pela aprovação do paciente no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. No mérito, confirmada a liminar, com a ordem definitiva.
O pedido liminar foi indeferido, às fls. 41-42, pela Presidência desta eg. Corte.
Informações, às fls. 46-56.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 58-60, manifestou-se pelo não conhecimento do writ ou denegação da ordem, nos termos do r. parecer, com a seguinte ementa:
"CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO. REMIÇÃO DE PENA. ESTUDO POR CONTA PRÓPRIA, ENEM. NÃO APROVAÇÃO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO WRIT E, NO MÉRITO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO DE PENA. ART. 126 DA LEP. RECOMENDAÇÃO N. 44 DO CNJ. REPROVAÇÃOPARCIAL NO ENEM. ENSINO MÉDIO. CASO CONCRETO. ESTUDO POR CONTA PRÓPRIA COM APROVAÇÃO EM UMA MATÉRIA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. RECOMENDAÇÃO DE CELERIDADE.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo do recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Esta Corte Superior firmou orientação no sentido de que é "viável a concessão da remição por atividades não expressas na lei, diante de uma interpretação extensiva in bonam partem do artigo 126 da Lei de Execução Penal" (AgRg no AREsp n. 696.637/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4/3/2016). Assim está autorizada a concessão da remição pelo estudo nas hipóteses previstas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ. Precedentes.
III - In casu, não comprovada a aprovação total do paciente noEnsino Médio (ENEM), estima-se, porém, que tenha realizado estudos por conta própria, já que obteve êxitoem uma das matérias.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer o direito do paciente a 20 (vinte) dias de remição pelo estudo. Recomenda-se celeridade.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo trechos do v. acórdão combatido (fls. 20-24):
"Trata-se de agravo em execução interposto contra r. decisão do Juízo da Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal (DEECRIM) 3ª RAJ Bauru, que indeferiu o pedido de remição de penas em razão da realização da prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).
Alega o digno agravante, em síntese, que, independentemente de sua aprovação, a realização da prova do ENEM lhe dá direito à remição de pena, nos termos do art. 126d da LEP e das Recomendações nº 44/2013 e Resolução nº 391/21, ambas do CNJ.
Regularmente processado, decisão mantida, o parecer da Procuradoria Geral de Justiça é pelo desprovimento.
É o relatório.
O agravo não comporta provimento.
De fato, os Tribunais Superiores, de forma pacífica, seguem o disposto na Recomendação nº 44/2013, do CNJ, que assim dispõe em seu artigo 1º, inc. IV:
"IV - na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino fundamental ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE , isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio" (grifei).
Da mesma forma, a Resolução nº 391/2021, do CNJ, em seu art. 3º, parágrafo único, dispõe que:
"Em caso de a pessoa privada de liberdade não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e realizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar, logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio (Encceja ou outros) e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, será considerada como base de cálculo para fins de cômputo das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, conforme o art. 4º da Resolução nº 03/2010 do Conselho Nacional de Educação, acrescida de 1/3 (um terço) por conclusão de nível de educação, a fim de se dar plena aplicação ao disposto no art. 126, § 5º , da LEP" (grifei).
Assim, considerando a recomendação e a resolução editadas pelo Conselho Nacional de Justiça, em que pese a ausência de previsão expressa no art. 126 da Lei de Execuções Penais, o Colendo STJ tem admitido a remição de penas pela aprovação nos exames nacionais, interpretando extensivamente o mencionado dispositivo da LEP.
Contudo, no caso sob análise, conforme cópia de fl. 13, o agravante não logrou aprovação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), obtendo a nota mínima somente em uma das cinco áreas de conhecimento, não preenchendo, portanto, os requisitos previstos nas normas editadas pelo Conselho Nacional de Justiça(..).
Desse modo, ausente aprovação no referido exame, acertada a r. decisão agravada.
Por tais motivos, meu voto nega provimento ao agravo"(grifei).
Pois bem.
Sobre o tema em análise, o art. 126 da Lei de Execuções Penais traz a seguinte disposição:
"Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
(..)
§ 5º O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação" (grifei).
O Conselho Nacional de Justiça - CNJ - editou a Recomendação n. 44 de 26/11/2013, que, em seu art. 1º, IV, dispõe sobre a possibilidade de remição por aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão de ensino médio e fundamental, verbis:
"RECOMENDAÇÃO Nº 44 DE 26/11/2013
Dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura.
(..)
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
RESOLVE:
Art. 1º Recomendar aos Tribunais que:
(..)
IV - na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino fundamental ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE , isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio" (grifei).
Mais recentemente, foi publicada também a Resolução n. 391 de 10/5/2021 pelo Conselho Nacional de Justiça, que, sobre o assunto, dispõe igualmente que:
"Art. 3º O reconhecimento do direito à remição de pena pela participação em atividades de educação escolar considerará o número de horas correspondente à efetiva participação da pessoa privada de liberdade nas atividades educacionais, independentemente de aproveitamento, exceto, quanto ao último aspecto, quando a pessoa tiver sido autorizada a estudar fora da unidade de privação de liberdade, hipótese em que terá de comprovar, mensalmente, por meio da autoridade educacional competente, a frequência e o aproveitamento escolar.
Parágrafo único. Em caso de a pessoa privada de liberdade não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e realizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar, logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio (Encceja ou outros) e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, será considerada como base de cálculo para fins de cômputo das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, conforme o art. 4o da Resolução no 03/2010 do Conselho Nacional de Educação, acrescida de 1/3 (um terço) por conclusão de nível de educação, a fim de se dar plena aplicação ao disposto no art. 126, § 5o, da LEP." (grifei)
Trata-se, inclusive, de tema já consolidado na Terceira Seção desta eg. Corte Superior, nestes moldes:
"PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. MANDAMUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO DE GARANTIA CONSTITUCIONAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA PELO ESTUDO. APROVAÇÃO NO EXAME NACIONAL PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE JOVENS E ADULTOS - ENCCEJA. RECOMENDAÇÃO 44/2013 DO CNJ. CÁLCULO DA CARGA HORÁRIA. 3. ARTS. 24, I, E 32 DA LEI 9.394/1996. ART. 4º, II, DA RES. 03/2010 DO CNE. INDICAÇÃO DE CARGAS MÍNIMAS. 4. INTERPRETAÇÃO MAIS BENÉFICA. FUNDAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CIDADANIA E DIGNIDADE. RESSOCIALIZAÇÃO. RESGATE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE. SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: ADPF 347 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, RELATOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016. PRECEDENTES DAS TURMAS QUE COMPÕEM A TERCEIRA SEÇÃO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DE UM ÓRGÃO FRACIONÁRIO POR DECISÃO MAJORITÁRIA. AFETAÇÃO DO TEMA PARA DELIBERAÇÃO DAS TURMAS REUNIDAS. REAFIRMAÇÃO DA JUSRISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DA TERCEIRA SEÇÃO SOBRE O ASSUNTO. 5. 50% DA CARGA HORÁRIA. PATAMAR EQUIVALENTE A 1.600 HORAS. REMIÇÃO DE 133 DIAS. 26 DIAS PARA CADA ÁREA DO CONHECIMENTO. 6. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A controvérsia diz respeito à remição da pena no patamar de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental, em virtude da aprovação no ENCCEJA. Questiona-se se as 1.200/1.600h dispostas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ já equivalem aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino ou se os 50% incidirão sobre essas 1.200/1.600h.
3. Com o intuito de "fechar esse espaço deixado pelo CNJ" fez-se uso da LDB, na qual consta que a carga anual mínima para o ensino fundamental é de 800 horas, sendo natural que ela seja menor no início e maior no final. Relevante consignar, ademais, que o art. 4º., II, da Res. 03/2010 do CNE, não impede esta interpretação. Pelo contrário, a referida norma menciona que 1600 horas equivalem apenas à duração mínima para os anos finais do Ensino Fundamental.
4. Nessa linha de intelecção, interpretar que as 1.600 horas mencionadas na Recomendação 44/2013 do CNJ correspondem a 50% da carga horária definida é justamente cumprir o dispositivo, porquanto o CNE não estabeleceu 1600 horas anuais como o máximo possível. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei " é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais: Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como "fraterna"". (HC 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe 22/10/2009 P. 23/10/2009). Sistema penitenciário Brasileiro. Estado de Coisas inconstitucional. ADPF 347 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016. - A propósito, recorde-se: a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento (REsp n. 744.032/SP, Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 5/6/2006). - PRECEDENTES DO STJ: AgRg no HC 643.709/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021; AgRg no HC 631.550/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 11/02/2021; AgRg no HC 533.513/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020; HC 541.321/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 17/12/2019; AgRg no HC 522.090/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 12/12/2019, entre outros. - Decisões do STF que recomendam a manutenção da diretriz do STJ pelo menos até decisão plenária do STF sobre o tema: RHC 190155 / SC - SANTA CATARINA, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, DJe-241 DIVULG 01/10/2020 PUBLIC 02/10/2020 e RHC 165084 / SC - SANTA CATARINA, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, DJe-105 DIVULG 20/05/2019 PUBLIC 21/05/2019.
5. Assim, a base de cálculo de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental deve ser considerada 1.600 horas, a qual, dividida por doze, resulta em 133 dias de remição em caso de aprovação em todos os campos de conhecimento do ENCCEJA. Serão devidos, portanto, 26 dias de remição para cada uma das cinco áreas de conhecimento. Logo, como o paciente obteve aprovação integral, ou seja, nas cinco áreas de conhecimento, a remição deve corresponder a 133 dias, acrescido de 1/3, que totaliza 177 dias remidos.
6. Não conhecimento do mandamus. Porém, concedida a ordem de ofício para reconhecer o direito do paciente à remição de 133 dias de pena, com o acréscimo de 1/3, totalizando 177 dias, considerando sua aprovação em todas as áreas de conhecimento do ENCCEJA" (HC 602.425/SC, Terceira Seção, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 6/4/2021).
Não há dúvida, portanto, de que o benefício da remição deve ser aplicado no caso dos autos, tendo em vista a aprovação parcial do paciente no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM.
Outrossim, passo à revisão do cálculo apresentado.
Observando a quantidade considerada na Recomendação n. 44/2013 do CNJ, já de 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino como base de cálculo para fins de cômputo das horas, tem-se que deve ser considerado, em favor do paciente, o montante de 1.200 horas.
Tendo em vista que o apenado não realizava estudo de maneira formal, restando aprovado em1 (uma) áreade conhecimento, cujas horas ainda devem ser divididas por 12 (doze), conforme preceitua o inciso I do § 1º do art. 126 da LEP, isso totaliza 100 (cem) dias de estudo (vinte por matéria).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para reconhecer o direito do paciente a 20 (vinte) dias de remição pelo estudo e determinar, ao d. Juízo da Execução Penal, a realização de novos cálculos para benefícios, com recomendação de celeridade.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de JOSE HENRIQUE DOS SANTOS CAMARGO, contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sem ementa (fls. 20-24).
Daí o presente habeas corpus, no qual a d. Defesa alega que o paciente sofre constrangimento ilegal, porquanto estão atendidos os requisitos legais para a remição de pena pelo estudo, mesmo que tenha sido realizado por conta própria, em consonância com a Resolução n. 391/2021 e a Recomendação nº 44/2013 do Conselho Nacional de Justiça, pela aprovação no ENEM - Ensino Médio.
Assevera que "Em conclusão, a realização do ENEM pelo paciente demonstra que ele estudou por conta própria e tem interesse no estudo e na autoavaliação do seu processo educativo. Os resultados mais (ou menos) exitosos estão ligados à falta de oportunidade de ensino de qualidade ou outras barreiras inerentes ao encarceramento. A remição é contrapartida estatal de reconhecimento e incentivo ao estudo no contexto carcerário. Assim, o paciente preencheu os requisitos legais para remir a pena por estudo, ou seja, não estando vinculado a atividades regulares de ensino no interior da unidade, estudou por conta própria e realizou a prova do ENEM (não havendo, nos termos da Portaria nº 458 do Ministério da Educação, previsão de nota mínima)" (fl. 14).
Requer a concessão da ordem, inclusive LIMINARMENTE, a fim de que seja imediatamente reconhecido o direito à remição pela aprovação do paciente no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM. No mérito, confirmada a liminar, com a ordem definitiva.
O pedido liminar foi indeferido, às fls. 41-42, pela Presidência desta eg. Corte.
Informações, às fls. 46-56.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 58-60, manifestou-se pelo não conhecimento do writ ou denegação da ordem, nos termos do r. parecer, com a seguinte ementa:
"CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO. REMIÇÃO DE PENA. ESTUDO POR CONTA PRÓPRIA, ENEM. NÃO APROVAÇÃO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO WRIT E, NO MÉRITO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Desta forma, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso especial.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, no entanto, passa-se ao exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo trechos do v. acórdão combatido (fls. 20-24):
"Trata-se de agravo em execução interposto contra r. decisão do Juízo da Unidade Regional de Departamento Estadual de Execução Criminal (DEECRIM) 3ª RAJ Bauru, que indeferiu o pedido de remição de penas em razão da realização da prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).
Alega o digno agravante, em síntese, que, independentemente de sua aprovação, a realização da prova do ENEM lhe dá direito à remição de pena, nos termos do art. 126d da LEP e das Recomendações nº 44/2013 e Resolução nº 391/21, ambas do CNJ.
Regularmente processado, decisão mantida, o parecer da Procuradoria Geral de Justiça é pelo desprovimento.
É o relatório.
O agravo não comporta provimento.
De fato, os Tribunais Superiores, de forma pacífica, seguem o disposto na Recomendação nº 44/2013, do CNJ, que assim dispõe em seu artigo 1º, inc. IV:
"IV - na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino fundamental ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE , isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio" (grifei).
Da mesma forma, a Resolução nº 391/2021, do CNJ, em seu art. 3º, parágrafo único, dispõe que:
"Em caso de a pessoa privada de liberdade não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e realizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar, logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio (Encceja ou outros) e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, será considerada como base de cálculo para fins de cômputo das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, conforme o art. 4º da Resolução nº 03/2010 do Conselho Nacional de Educação, acrescida de 1/3 (um terço) por conclusão de nível de educação, a fim de se dar plena aplicação ao disposto no art. 126, § 5º , da LEP" (grifei).
Assim, considerando a recomendação e a resolução editadas pelo Conselho Nacional de Justiça, em que pese a ausência de previsão expressa no art. 126 da Lei de Execuções Penais, o Colendo STJ tem admitido a remição de penas pela aprovação nos exames nacionais, interpretando extensivamente o mencionado dispositivo da LEP.
Contudo, no caso sob análise, conforme cópia de fl. 13, o agravante não logrou aprovação no ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), obtendo a nota mínima somente em uma das cinco áreas de conhecimento, não preenchendo, portanto, os requisitos previstos nas normas editadas pelo Conselho Nacional de Justiça(..).
Desse modo, ausente aprovação no referido exame, acertada a r. decisão agravada.
Por tais motivos, meu voto nega provimento ao agravo"(grifei).
Pois bem.
Sobre o tema em análise, o art. 126 da Lei de Execuções Penais traz a seguinte disposição:
"Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias;
(..)
§ 5º O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação" (grifei).
O Conselho Nacional de Justiça - CNJ - editou a Recomendação n. 44 de 26/11/2013, que, em seu art. 1º, IV, dispõe sobre a possibilidade de remição por aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão de ensino médio e fundamental, verbis:
"RECOMENDAÇÃO Nº 44 DE 26/11/2013
Dispõe sobre atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelece critérios para a admissão pela leitura.
(..)
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
RESOLVE:
Art. 1º Recomendar aos Tribunais que:
(..)
IV - na hipótese de o apenado não estar, circunstancialmente, vinculado a atividades regulares de ensino no interior do estabelecimento penal e realizar estudos por conta própria, ou com simples acompanhamento pedagógico, logrando, com isso, obter aprovação nos exames nacionais que certificam a conclusão do ensino fundamental Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) ou médio Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), a fim de se dar plena aplicação ao disposto no § 5º do art. 126 da LEP (Lei n. 7.210/84), considerar, como base de cálculo para fins de cômputo das horas, visando à remição da pena pelo estudo, 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino fundamental ou médio - art. 4º, incisos II, III e seu parágrafo único, todos da Resolução n. 03/2010, do CNE , isto é, 1600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio" (grifei).
Mais recentemente, foi publicada também a Resolução n. 391 de 10/5/2021 pelo Conselho Nacional de Justiça, que, sobre o assunto, dispõe igualmente que:
"Art. 3º O reconhecimento do direito à remição de pena pela participação em atividades de educação escolar considerará o número de horas correspondente à efetiva participação da pessoa privada de liberdade nas atividades educacionais, independentemente de aproveitamento, exceto, quanto ao último aspecto, quando a pessoa tiver sido autorizada a estudar fora da unidade de privação de liberdade, hipótese em que terá de comprovar, mensalmente, por meio da autoridade educacional competente, a frequência e o aproveitamento escolar.
Parágrafo único. Em caso de a pessoa privada de liberdade não estar vinculada a atividades regulares de ensino no interior da unidade e realizar estudos por conta própria, ou com acompanhamento pedagógico não-escolar, logrando, com isso, obter aprovação nos exames que certificam a conclusão do ensino fundamental ou médio (Encceja ou outros) e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio - Enem, será considerada como base de cálculo para fins de cômputo das horas visando à remição da pena 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino, fundamental ou médio, no montante de 1.600 (mil e seiscentas) horas para os anos finais do ensino fundamental e 1.200 (mil e duzentas) horas para o ensino médio ou educação profissional técnica de nível médio, conforme o art. 4o da Resolução no 03/2010 do Conselho Nacional de Educação, acrescida de 1/3 (um terço) por conclusão de nível de educação, a fim de se dar plena aplicação ao disposto no art. 126, § 5o, da LEP." (grifei)
Trata-se, inclusive, de tema já consolidado na Terceira Seção desta eg. Corte Superior, nestes moldes:
"PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. MANDAMUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. DESVIRTUAMENTO DE GARANTIA CONSTITUCIONAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. REMIÇÃO DA PENA PELO ESTUDO. APROVAÇÃO NO EXAME NACIONAL PARA CERTIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA DE JOVENS E ADULTOS - ENCCEJA. RECOMENDAÇÃO 44/2013 DO CNJ. CÁLCULO DA CARGA HORÁRIA. 3. ARTS. 24, I, E 32 DA LEI 9.394/1996. ART. 4º, II, DA RES. 03/2010 DO CNE. INDICAÇÃO DE CARGAS MÍNIMAS. 4. INTERPRETAÇÃO MAIS BENÉFICA. FUNDAMENTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CIDADANIA E DIGNIDADE. RESSOCIALIZAÇÃO. RESGATE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE. SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL: ADPF 347 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, RELATOR MINISTRO MARCO AURÉLIO, DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016. PRECEDENTES DAS TURMAS QUE COMPÕEM A TERCEIRA SEÇÃO. ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO DE UM ÓRGÃO FRACIONÁRIO POR DECISÃO MAJORITÁRIA. AFETAÇÃO DO TEMA PARA DELIBERAÇÃO DAS TURMAS REUNIDAS. REAFIRMAÇÃO DA JUSRISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DA TERCEIRA SEÇÃO SOBRE O ASSUNTO. 5. 50% DA CARGA HORÁRIA. PATAMAR EQUIVALENTE A 1.600 HORAS. REMIÇÃO DE 133 DIAS. 26 DIAS PARA CADA ÁREA DO CONHECIMENTO. 6. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A controvérsia diz respeito à remição da pena no patamar de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental, em virtude da aprovação no ENCCEJA. Questiona-se se as 1.200/1.600h dispostas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ já equivalem aos 50% da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino ou se os 50% incidirão sobre essas 1.200/1.600h.
3. Com o intuito de "fechar esse espaço deixado pelo CNJ" fez-se uso da LDB, na qual consta que a carga anual mínima para o ensino fundamental é de 800 horas, sendo natural que ela seja menor no início e maior no final. Relevante consignar, ademais, que o art. 4º., II, da Res. 03/2010 do CNE, não impede esta interpretação. Pelo contrário, a referida norma menciona que 1600 horas equivalem apenas à duração mínima para os anos finais do Ensino Fundamental.
4. Nessa linha de intelecção, interpretar que as 1.600 horas mencionadas na Recomendação 44/2013 do CNJ correspondem a 50% da carga horária definida é justamente cumprir o dispositivo, porquanto o CNE não estabeleceu 1600 horas anuais como o máximo possível. Essa particular forma de parametrar a interpretação da lei " é a que mais se aproxima da Constituição Federal, que faz da cidadania e da dignidade da pessoa humana dois de seus fundamentos (incisos II e III do art. 1º). Mais: Constituição que tem por objetivos fundamentais erradicar a marginalização e construir uma sociedade livre, justa e solidária (incisos I e III do art. 3º). Tudo na perspectiva da construção do tipo ideal de sociedade que o preâmbulo de nossa Constituição caracteriza como "fraterna"". (HC 94163, Relator Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma do STF, julgado em 2/12/2008, DJe 22/10/2009 P. 23/10/2009). Sistema penitenciário Brasileiro. Estado de Coisas inconstitucional. ADPF 347 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016. - A propósito, recorde-se: a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento (REsp n. 744.032/SP, Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 5/6/2006). - PRECEDENTES DO STJ: AgRg no HC 643.709/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe 26/02/2021; AgRg no HC 631.550/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe 11/02/2021; AgRg no HC 533.513/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020; HC 541.321/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 17/12/2019; AgRg no HC 522.090/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 12/12/2019, entre outros. - Decisões do STF que recomendam a manutenção da diretriz do STJ pelo menos até decisão plenária do STF sobre o tema: RHC 190155 / SC - SANTA CATARINA, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, DJe-241 DIVULG 01/10/2020 PUBLIC 02/10/2020 e RHC 165084 / SC - SANTA CATARINA, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, DJe-105 DIVULG 20/05/2019 PUBLIC 21/05/2019.
5. Assim, a base de cálculo de 50% da carga horária definida legalmente para o ensino fundamental deve ser considerada 1.600 horas, a qual, dividida por doze, resulta em 133 dias de remição em caso de aprovação em todos os campos de conhecimento do ENCCEJA. Serão devidos, portanto, 26 dias de remição para cada uma das cinco áreas de conhecimento. Logo, como o paciente obteve aprovação integral, ou seja, nas cinco áreas de conhecimento, a remição deve corresponder a 133 dias, acrescido de 1/3, que totaliza 177 dias remidos.
6. Não conhecimento do mandamus. Porém, concedida a ordem de ofício para reconhecer o direito do paciente à remição de 133 dias de pena, com o acréscimo de 1/3, totalizando 177 dias, considerando sua aprovação em todas as áreas de conhecimento do ENCCEJA" (HC 602.425/SC, Terceira Seção, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 6/4/2021).
Não há dúvida, portanto, de que o benefício da remição deve ser aplicado no caso dos autos, tendo em vista a aprovação parcial do paciente no Exame Nacional do Ensino Médio - ENEM.
Outrossim, passo à revisão do cálculo apresentado.
Observando a quantidade considerada na Recomendação n. 44/2013 do CNJ, já de 50% (cinquenta por cento) da carga horária definida legalmente para cada nível de ensino como base de cálculo para fins de cômputo das horas, tem-se que deve ser considerado, em favor do paciente, o montante de 1.200 horas.
Tendo em vista que o apenado não realizava estudo de maneira formal, restando aprovado em1 (uma) áreade conhecimento, cujas horas ainda devem ser divididas por 12 (doze), conforme preceitua o inciso I do § 1º do art. 126 da LEP, isso totaliza 100 (cem) dias de estudo (vinte por matéria).
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para reconhecer o direito do paciente a 20 (vinte) dias de remição pelo estudo e determinar, ao d. Juízo da Execução Penal, a realização de novos cálculos para benefícios, com recomendação de celeridade.
É o voto. | EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO DE PENA. ART. 126 DA LEP. RECOMENDAÇÃO N. 44 DO CNJ. REPROVAÇÃOPARCIAL NO ENEM. ENSINO MÉDIO. CASO CONCRETO. ESTUDO POR CONTA PRÓPRIA COM APROVAÇÃO EM UMA MATÉRIA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. RECOMENDAÇÃO DE CELERIDADE.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo do recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Esta Corte Superior firmou orientação no sentido de que é "viável a concessão da remição por atividades não expressas na lei, diante de uma interpretação extensiva in bonam partem do artigo 126 da Lei de Execução Penal" (AgRg no AREsp n. 696.637/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4/3/2016). Assim está autorizada a concessão da remição pelo estudo nas hipóteses previstas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ. Precedentes.
III - In casu, não comprovada a aprovação total do paciente noEnsino Médio (ENEM), estima-se, porém, que tenha realizado estudos por conta própria, já que obteve êxitoem uma das matérias.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer o direito do paciente a 20 (vinte) dias de remição pelo estudo. Recomenda-se celeridade. | EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. REMIÇÃO DE PENA. ART. 126 DA LEP. RECOMENDAÇÃO N. 44 DO CNJ. REPROVAÇÃOPARCIAL NO ENEM. ENSINO MÉDIO. CASO CONCRETO. ESTUDO POR CONTA PRÓPRIA COM APROVAÇÃO EM UMA MATÉRIA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. RECOMENDAÇÃO DE CELERIDADE. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus substitutivo do recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - Esta Corte Superior firmou orientação no sentido de que é "viável a concessão da remição por atividades não expressas na lei, diante de uma interpretação extensiva in bonam partem do artigo 126 da Lei de Execução Penal" (AgRg no AREsp n. 696.637/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 4/3/2016). Assim está autorizada a concessão da remição pelo estudo nas hipóteses previstas na Recomendação n. 44/2013 do CNJ. Precedentes.
III - In casu, não comprovada a aprovação total do paciente noEnsino Médio (ENEM), estima-se, porém, que tenha realizado estudos por conta própria, já que obteve êxitoem uma das matérias.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer o direito do paciente a 20 (vinte) dias de remição pelo estudo. Recomenda-se celeridade. | N |
144,978,242 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Alexandre Cruz Ribeiro, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Criminal n. 0006876-15.2020.8.26.0278).
Segundo se depreende da análise dos autos, o paciente foi denunciado, juntamente com outro corréu, pela suposta prática do delito de tráfico de drogas. Em primeira instância, foi absolvido da imputação, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (Processo n. 0006876-15.2020.8.26.0278 da 1ª Vara Criminal da comarca de Itaquaquecetuba/SP).
Dessa decisão, o Ministério Público recorreu, tendo o Tribunal local dado provimento ao apelo ministerial para condenar o ora paciente como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 à pena de 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 680 dias-multa (fls. 99/108).
Na presente impetração, a defesa alegaqueo Tribunal Local, ao condenar o acusado, baseou-se exclusivamente no depoimento dos milicianos (..), Assim, temos que o paciente foi condenado com fundamentação oposta ao mandamento Constitucional da presunção de inocência. (fls. 4/5).
Contesta, ainda, a dosimetria da pena, em especial a majoração da pena-base, bem como o afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogase a incidência da agravante do art. 61, II, j, do Código Penal (fls. 8/10).
Requer, em liminar e no mérito, a concessão de ordem liminar do presente writ, expedindo-se salvo-conduto, sobrestando os efeitos do aludido Acórdão combatido, até decisão derradeira da Nobre Turma (fl. 10).
Liminar indeferida (fls. 113/114).
Informações prestadas (fls. 119/136), o Ministério Público Federal ofereceu parecer pela concessão da ordem de ofíciopara afastar a agravante do art. 61, II, j, do Código Penal (fls. 138/146).
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU.AUSÊNCIA DE PROVAS CONCLUSIVAS ACERCA DO NARCOTRÁFICO. SENTENÇA REFORMADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONDENAÇÃO COM BASE APENAS EM CONFISSÃO INFORMAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1.A confissão informal, isoladamente, não pode servir de arrimo à condenação, pois, inclusive, por ser tomada "sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito" (HC n. 22.371/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª T., DJe 31/3/2003). (AgRg no AREsp 1369120/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 21/09/2020).
2. Ordem concedidapara restabelecer a sentença de absolvição do ora paciente.
VOTO
Busca a impetrante o restabelecimento da sentença que absolveu o paciente da prática do crime de tráfico de drogas, pelo reconhecimento da insuficiência probatória quanto à autoria delitiva, e, subsidiariamente, o afastamento da majoração da pena e aplicação de minorante do tráfico privilegiado.
Eis o que disse o Juiz sentenciante (fls. 82/84 - grifo nosso):
..
A autoria é certa tão somente em relação ao réu Jefferson.
A testemunha MARCELLO DE JESUS SIQUEIRA, policial militar, relata que estava em patrulhamento de rotina em local conhecido como de intenso tráfico de drogas. Avistaram um veículo que trafegava em alta velocidade na via pública. Foi realizado o acompanhamento do veículo, por cerca de cem metros, visto que este teria estacionado inicialmente ao receber sinal de parada. Após o veículo parar, os dois ocupantes do carro foram abordados.
Em busca pessoal de Jefferson, foi encontrado em seu o bolso a quantia de R$ 1500,00 em cédulas diversas. Ao ser questionado, Jefferson disse que o dinheiro seria do tráfico e que as drogas que estavam no veículo, lhe pertenciam. Realizada a busca no veículo, de fato foram encontrados, debaixo do banco do passageiro, uma sacola plástica contendo a droga descrita na denúncia. Em busca pessoal, tendo este respondido que seria Uber. Entretanto, ao ser questionado sobre o aplicativo que não estava ligado, Alexandre respondeu que prestava serviço particular para Jefferson que é seu vizinho. Disse que o levava pelo valor fixo de trezentos reais a corrida. Alexandre afirmou ainda que sabia que estava transportando drogas.
Inicialmente, o réu Alexandre disse que era motorista de aplicativo. Indagado porque não havia registro da corrida em seu telefone celular, disse que a corrida era particular e que recebia por tais corridas a quantia de R$ 300,00. Disse que não era a primeira vez que fazia esse serviço.
RODRIGO DE SANTANA MACEDO, policial militar, corroborou os relatos prestados por seu colega miliciano.
Interrogado, o acusado JEFERSON NEVES ROSA tem 32 anos. Já este preso antes. Estava em liberdade desde julho de 2020. Confessa os fatos. Pediu auxílio para que Alexandre o levasse porque no dia anterior já havia utilizado os serviços de Alexandre. Disse que não se certificou do que tinha dentro da sacola.
Interrogado, o acusado ALEXANDRE CRUZ RIBEIRO tem 43 anos. Nunca foi preso. Tem dois filhos, ambos maiores de idade. Conhece Jefferson que mora perto de sua casa. Trabalha como motorista de aplicativo. No mesmo dia, fez a corrida para Jefferson. Fazia corridas para conhecidos e cobrava valor diferente do aplicativo. Não recebia a quantia de R$ 300,00 por corrida. Essa era a quantia que estava em sua carteira.A corrida custaria R$ 30,00. Não correu da polícia. Não havia registro da corrida no aplicativo porque, como se tratava de corrida particular, não registrava e, dessa forma, não dividia os lucros. Disse que não parou porque não fazia nada de errado. Não se preocupou com a Polícia atrás de seu carro. Não viu qualquer comando de parada porque, realmente, não prestava atenção na viatura policial. Não fugiu dos milicianos.
Passo a valorar a prova.
O réu Jeferson que já cumprira pena por tráfico de drogas, afirmou que recebeu a quantia de R$ 300,00 para levar sacola cujo conteúdo desconhecia. Ainda assim, quando abordados por policiais militares, cuidou de informar imediatamente aos policiais que o réu Alexandre não tinha qualquer relação com o que transportava, mesmo não sabendo do conteúdo ilícito como por ele informado. Nessa linha de ideias, não se pode crer na versão por ele apresentada, já que tratam-se de atitudes paradoxais entre si. Ressalte-se por fim, em se tratando de réu que já cumpriu pena, por mais de uma vez, pelo delito de tráfico de drogas, é ainda menos crível que aceitasse sacola sem saber de conteúdo para entregar a pessoa estranha, como ele mesmo narrou.
Perfeitamente comprovado, portanto, a imputação feita ao réu Jefferson sobretudo porque o depoimentos dos policiais militares é uníssono nesse sentido e a forma como a droga foi encontrada não traz dúvida acerca da finalidade comercial a que se destinava, dada a quantidade e a forma como estava acondicionada.
..
O mesmo não ocorre em relação ao réu Alexandre que negou saber da existência de drogas em seu veículo a todo tempo.
Considerando que, segundo os policiais militares, o réu Jefferson afirmou, a todo tempo, durante a prisão em flagrante, que o entorpecente e o dinheiro encontrados no interior do veículo eram de sua responsabilidade e que o réu Alexandre apenas lhe prestava o serviço de transporte, não há qualquer prova que autorize convicção no sentido de sua atuação no tráfico de entorpecentes.
Relatou o próprio policial que o veículo chamou a atenção dos milicianos porque trafegava em alta velocidade e que ainda acompanharam o veículo por 100 metros após a ordem de parada.
Não há, portanto, que se falar em fuga que pudesse ser empreendida pelo réu Alexandre, já que se trata de distância razoável para que um veículo que trafegue em alta velocidade consiga efetivamente colocar-se em repouso.
Não se pode olvidar que o réu conta com 43 anos e possui incólume folha de antecedentes, o que contribui com a situação de incerteza diante de frágil contexto probatório.
A dúvida paira nos autos em relação à autoria de tráfico de drogas que se imputa ao réu Alexandre sendo medida de rigor a absolvição do acusado, portanto.
..
O Tribunal a quo deu provimento ao recurso ministerial para afastar a absolvição e condenar o paciente pelo delito de tráfico de drogas, afirmando que (fls. 103/104):
.. O motorista Alexandre a princípio asseverou que trabalhava com aplicativo de corridas. Contudo, indagado sobre o motivo de não estar conectado a um aplicativo, disse que fazia corridas particulares para Jefferson, o qual mora próximo de si. Afirmou, ainda, que recebia R$ 300,00 por cada corrida efetuada ao corréu e que tinha conhecimento de que ele transportava entorpecentes. Conduzia-o até um local próximo ao da venda das drogas aonde ocorréu desembarcava do veículo com as drogas e recolhia o dinheiro arrecadado com o comércio espúrio e depois o transportava até o próximo destino. Prestava rotineiramente esse serviço para Jefferson (mídias disponíveis no saj).
Está pacificado na jurisprudência, que a condição de policial seja militar ou civil, estadual ou federal por si só, não invalida os seus testemunhos, porquanto eles não estão impedidos de depor e se sujeitam a compromisso como outra testemunha qualquer.
..
Consolidadas no caso, à saciedade, as relevantes circunstâncias indicativas do tráfico, ou seja, os elementos da prova testemunhal e a considerável quantidade e variedade de entorpecentes aliada à forma profissional como eles estavam acondicionados (175 porções de cocaína, sob a forma de crack, com peso líquido de 43,1 gramas; 90 porções de cocaína, com massa líquida de 73,35 gramas; e 15 porções de maconha, pesando 35,1 gramas cf. laudo de fls.193/195).
Portanto, a prova colhida é suficiente e segura para demonstrar a responsabilidade penal de Jefferson e Alexandre pelo crime do artigo 33,caput, da Lei nº 11.343/06.
..
Pois bem, conforme consta dos autos, o paciente negou a prática delituosa no interrogatório perante a autoridade policial (fl. 16) e durante a ação judicial. Assim,dos trechos acima transcritos, pode-se inferir que o paciente foi condenado pelo Tribunal o quo, tendo como base a confissão informal, relatada pelos policiais militares que realizaram a abordagem.
Com efeito, o acórdão não apresentou qualquercomprovaçãodo vínculo do ora paciente com a droga apreendida ou mesmo de qualquer conduta de traficância.
Ora,nada foi encontrado com o paciente, e a droga estava em uma sacola embaixo do banco do passageiro, não tendo sido relatado sequer que no interior do automóvel havia algo que caracterizasse a presença da drogae a existência de dados no celular que pudessem indicar a conduta delituosa.
É cediço quea confissão informal, isoladamente, não pode servir de arrimo à condenação, pois, inclusive, por ser tomada "sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito" (HC n. 22.371/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª T., DJe 31/3/2003). (AgRg no AREsp 1369120/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 21/09/2020).
Assim,éde se reconhecer a insuficiência probatória em relação ao ora paciente,tal como afirmado pelo Juízo sentenciante, devendo, assim, ser a sentença absolutória restabelecida neste ponto.
Ante o exposto, concedo a ordem pararestabelecer a sentença de absolvição do orapaciente. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de Alexandre Cruz Ribeiro, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Criminal n. 0006876-15.2020.8.26.0278).
Segundo se depreende da análise dos autos, o paciente foi denunciado, juntamente com outro corréu, pela suposta prática do delito de tráfico de drogas. Em primeira instância, foi absolvido da imputação, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal (Processo n. 0006876-15.2020.8.26.0278 da 1ª Vara Criminal da comarca de Itaquaquecetuba/SP).
Dessa decisão, o Ministério Público recorreu, tendo o Tribunal local dado provimento ao apelo ministerial para condenar o ora paciente como incurso no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 à pena de 6 anos, 9 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado, e ao pagamento de 680 dias-multa (fls. 99/108).
Na presente impetração, a defesa alegaqueo Tribunal Local, ao condenar o acusado, baseou-se exclusivamente no depoimento dos milicianos (..), Assim, temos que o paciente foi condenado com fundamentação oposta ao mandamento Constitucional da presunção de inocência. (fls. 4/5).
Contesta, ainda, a dosimetria da pena, em especial a majoração da pena-base, bem como o afastamento da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogase a incidência da agravante do art. 61, II, j, do Código Penal (fls. 8/10).
Requer, em liminar e no mérito, a concessão de ordem liminar do presente writ, expedindo-se salvo-conduto, sobrestando os efeitos do aludido Acórdão combatido, até decisão derradeira da Nobre Turma (fl. 10).
Liminar indeferida (fls. 113/114).
Informações prestadas (fls. 119/136), o Ministério Público Federal ofereceu parecer pela concessão da ordem de ofíciopara afastar a agravante do art. 61, II, j, do Código Penal (fls. 138/146).
É o relatório.
VOTO
Busca a impetrante o restabelecimento da sentença que absolveu o paciente da prática do crime de tráfico de drogas, pelo reconhecimento da insuficiência probatória quanto à autoria delitiva, e, subsidiariamente, o afastamento da majoração da pena e aplicação de minorante do tráfico privilegiado.
Eis o que disse o Juiz sentenciante (fls. 82/84 - grifo nosso):
..
A autoria é certa tão somente em relação ao réu Jefferson.
A testemunha MARCELLO DE JESUS SIQUEIRA, policial militar, relata que estava em patrulhamento de rotina em local conhecido como de intenso tráfico de drogas. Avistaram um veículo que trafegava em alta velocidade na via pública. Foi realizado o acompanhamento do veículo, por cerca de cem metros, visto que este teria estacionado inicialmente ao receber sinal de parada. Após o veículo parar, os dois ocupantes do carro foram abordados.
Em busca pessoal de Jefferson, foi encontrado em seu o bolso a quantia de R$ 1500,00 em cédulas diversas. Ao ser questionado, Jefferson disse que o dinheiro seria do tráfico e que as drogas que estavam no veículo, lhe pertenciam. Realizada a busca no veículo, de fato foram encontrados, debaixo do banco do passageiro, uma sacola plástica contendo a droga descrita na denúncia. Em busca pessoal, tendo este respondido que seria Uber. Entretanto, ao ser questionado sobre o aplicativo que não estava ligado, Alexandre respondeu que prestava serviço particular para Jefferson que é seu vizinho. Disse que o levava pelo valor fixo de trezentos reais a corrida. Alexandre afirmou ainda que sabia que estava transportando drogas.
Inicialmente, o réu Alexandre disse que era motorista de aplicativo. Indagado porque não havia registro da corrida em seu telefone celular, disse que a corrida era particular e que recebia por tais corridas a quantia de R$ 300,00. Disse que não era a primeira vez que fazia esse serviço.
RODRIGO DE SANTANA MACEDO, policial militar, corroborou os relatos prestados por seu colega miliciano.
Interrogado, o acusado JEFERSON NEVES ROSA tem 32 anos. Já este preso antes. Estava em liberdade desde julho de 2020. Confessa os fatos. Pediu auxílio para que Alexandre o levasse porque no dia anterior já havia utilizado os serviços de Alexandre. Disse que não se certificou do que tinha dentro da sacola.
Interrogado, o acusado ALEXANDRE CRUZ RIBEIRO tem 43 anos. Nunca foi preso. Tem dois filhos, ambos maiores de idade. Conhece Jefferson que mora perto de sua casa. Trabalha como motorista de aplicativo. No mesmo dia, fez a corrida para Jefferson. Fazia corridas para conhecidos e cobrava valor diferente do aplicativo. Não recebia a quantia de R$ 300,00 por corrida. Essa era a quantia que estava em sua carteira.A corrida custaria R$ 30,00. Não correu da polícia. Não havia registro da corrida no aplicativo porque, como se tratava de corrida particular, não registrava e, dessa forma, não dividia os lucros. Disse que não parou porque não fazia nada de errado. Não se preocupou com a Polícia atrás de seu carro. Não viu qualquer comando de parada porque, realmente, não prestava atenção na viatura policial. Não fugiu dos milicianos.
Passo a valorar a prova.
O réu Jeferson que já cumprira pena por tráfico de drogas, afirmou que recebeu a quantia de R$ 300,00 para levar sacola cujo conteúdo desconhecia. Ainda assim, quando abordados por policiais militares, cuidou de informar imediatamente aos policiais que o réu Alexandre não tinha qualquer relação com o que transportava, mesmo não sabendo do conteúdo ilícito como por ele informado. Nessa linha de ideias, não se pode crer na versão por ele apresentada, já que tratam-se de atitudes paradoxais entre si. Ressalte-se por fim, em se tratando de réu que já cumpriu pena, por mais de uma vez, pelo delito de tráfico de drogas, é ainda menos crível que aceitasse sacola sem saber de conteúdo para entregar a pessoa estranha, como ele mesmo narrou.
Perfeitamente comprovado, portanto, a imputação feita ao réu Jefferson sobretudo porque o depoimentos dos policiais militares é uníssono nesse sentido e a forma como a droga foi encontrada não traz dúvida acerca da finalidade comercial a que se destinava, dada a quantidade e a forma como estava acondicionada.
..
O mesmo não ocorre em relação ao réu Alexandre que negou saber da existência de drogas em seu veículo a todo tempo.
Considerando que, segundo os policiais militares, o réu Jefferson afirmou, a todo tempo, durante a prisão em flagrante, que o entorpecente e o dinheiro encontrados no interior do veículo eram de sua responsabilidade e que o réu Alexandre apenas lhe prestava o serviço de transporte, não há qualquer prova que autorize convicção no sentido de sua atuação no tráfico de entorpecentes.
Relatou o próprio policial que o veículo chamou a atenção dos milicianos porque trafegava em alta velocidade e que ainda acompanharam o veículo por 100 metros após a ordem de parada.
Não há, portanto, que se falar em fuga que pudesse ser empreendida pelo réu Alexandre, já que se trata de distância razoável para que um veículo que trafegue em alta velocidade consiga efetivamente colocar-se em repouso.
Não se pode olvidar que o réu conta com 43 anos e possui incólume folha de antecedentes, o que contribui com a situação de incerteza diante de frágil contexto probatório.
A dúvida paira nos autos em relação à autoria de tráfico de drogas que se imputa ao réu Alexandre sendo medida de rigor a absolvição do acusado, portanto.
..
O Tribunal a quo deu provimento ao recurso ministerial para afastar a absolvição e condenar o paciente pelo delito de tráfico de drogas, afirmando que (fls. 103/104):
.. O motorista Alexandre a princípio asseverou que trabalhava com aplicativo de corridas. Contudo, indagado sobre o motivo de não estar conectado a um aplicativo, disse que fazia corridas particulares para Jefferson, o qual mora próximo de si. Afirmou, ainda, que recebia R$ 300,00 por cada corrida efetuada ao corréu e que tinha conhecimento de que ele transportava entorpecentes. Conduzia-o até um local próximo ao da venda das drogas aonde ocorréu desembarcava do veículo com as drogas e recolhia o dinheiro arrecadado com o comércio espúrio e depois o transportava até o próximo destino. Prestava rotineiramente esse serviço para Jefferson (mídias disponíveis no saj).
Está pacificado na jurisprudência, que a condição de policial seja militar ou civil, estadual ou federal por si só, não invalida os seus testemunhos, porquanto eles não estão impedidos de depor e se sujeitam a compromisso como outra testemunha qualquer.
..
Consolidadas no caso, à saciedade, as relevantes circunstâncias indicativas do tráfico, ou seja, os elementos da prova testemunhal e a considerável quantidade e variedade de entorpecentes aliada à forma profissional como eles estavam acondicionados (175 porções de cocaína, sob a forma de crack, com peso líquido de 43,1 gramas; 90 porções de cocaína, com massa líquida de 73,35 gramas; e 15 porções de maconha, pesando 35,1 gramas cf. laudo de fls.193/195).
Portanto, a prova colhida é suficiente e segura para demonstrar a responsabilidade penal de Jefferson e Alexandre pelo crime do artigo 33,caput, da Lei nº 11.343/06.
..
Pois bem, conforme consta dos autos, o paciente negou a prática delituosa no interrogatório perante a autoridade policial (fl. 16) e durante a ação judicial. Assim,dos trechos acima transcritos, pode-se inferir que o paciente foi condenado pelo Tribunal o quo, tendo como base a confissão informal, relatada pelos policiais militares que realizaram a abordagem.
Com efeito, o acórdão não apresentou qualquercomprovaçãodo vínculo do ora paciente com a droga apreendida ou mesmo de qualquer conduta de traficância.
Ora,nada foi encontrado com o paciente, e a droga estava em uma sacola embaixo do banco do passageiro, não tendo sido relatado sequer que no interior do automóvel havia algo que caracterizasse a presença da drogae a existência de dados no celular que pudessem indicar a conduta delituosa.
É cediço quea confissão informal, isoladamente, não pode servir de arrimo à condenação, pois, inclusive, por ser tomada "sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito" (HC n. 22.371/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª T., DJe 31/3/2003). (AgRg no AREsp 1369120/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 21/09/2020).
Assim,éde se reconhecer a insuficiência probatória em relação ao ora paciente,tal como afirmado pelo Juízo sentenciante, devendo, assim, ser a sentença absolutória restabelecida neste ponto.
Ante o exposto, concedo a ordem pararestabelecer a sentença de absolvição do orapaciente. | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU.AUSÊNCIA DE PROVAS CONCLUSIVAS ACERCA DO NARCOTRÁFICO. SENTENÇA REFORMADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONDENAÇÃO COM BASE APENAS EM CONFISSÃO INFORMAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1.A confissão informal, isoladamente, não pode servir de arrimo à condenação, pois, inclusive, por ser tomada "sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito" (HC n. 22.371/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª T., DJe 31/3/2003). (AgRg no AREsp 1369120/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 21/09/2020).
2. Ordem concedidapara restabelecer a sentença de absolvição do ora paciente. | HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO EM PRIMEIRO GRAU.AUSÊNCIA DE PROVAS CONCLUSIVAS ACERCA DO NARCOTRÁFICO. SENTENÇA REFORMADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. CONDENAÇÃO COM BASE APENAS EM CONFISSÃO INFORMAL. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. | 1.A confissão informal, isoladamente, não pode servir de arrimo à condenação, pois, inclusive, por ser tomada "sem a observância do disposto no inciso LXIII, do artigo 5º, da Constituição Federal, constitui prova obtida por meio ilícito, cuja produção é inadmissível nos termos do inciso LVI, do mencionado preceito" (HC n. 22.371/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 6ª T., DJe 31/3/2003). (AgRg no AREsp 1369120/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 21/09/2020).
2. Ordem concedidapara restabelecer a sentença de absolvição do ora paciente. | N |
144,978,249 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, com extensão de seu efeitos ao corréu José Ailton Aparecido da Silva, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar,impetrado em nome deFábio Júnior da Silva, autuado em flagrante delito pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico, ante a apreensão de12,46 gde maconha e 2,11 gdecrack.
Ataca-se o acórdão proferido peloTribunaldeJustiça de São Paulono HC n. 2239164-22.2021.8.26.0000, que manteve a conversão da prisão em flagrante em preventiva no Processo n. 1503522-93.2021.8.26.0302, da 1ª Vara Criminal da comarca de Jaú/SP.
Alega-se a falta dos requisitos e a ausência de fundamentação ensejadores da prisão preventiva, a possibilidade de aplicação de medida cautelar diversa da prisão, bem como ilegalidade na quebra da cadeia de custódia das provas apreendidas.
Requer-se a concessão da ordem, inclusive em caráter liminar, a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se necessário com cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.
A liminar foi deferida,a fim de, até o julgamento do mérito deste writ ou de supervenientes razões que a justifique, substituir a prisão preventiva pelas medidas cautelares previstas no art. 319, I, II e IV, do Código de Processo Penal (apresentação periódica ao Juízo para informar endereço e atividades; proibição de frequentar bares, praças, boates ou locais voltados ao consumo ou difusão de droga; proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial), salvo se por outro motivo o paciente estiver preso, cabendo ao Magistrado de primeiro grau o estabelecimento das condições, a adequação e a fiscalização das cautelas, bem como a imposição de outras que entender necessárias(fl. 106).
Sobreveio pedido de extensão dos efeitos da liminar formulado pelo corréuJosé Ailton Aparecido da Silva, isso com suporte no art. 580 do Código de Processo Penal, o qual foi deferido às fls. 133/134.
Solicitadas informações, estas foram devidamente prestadas (fls. 157e 159).
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinoupela não admissão do writ, com a concessão de um habeas corpus ex officio(fl. 177).
O feito encontra-se tramitando normalmente e rigorosamente dentro do prazo.
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS.TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRÁTICA ANTERIOR DE ATOS INFRACIONAIS. APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA(12,46 G DE MACONHA E 2,11 G DE CRACK). MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA.EXTENSÃO DA ORDEM AO CORRÉU (ART. 580 DO CPP).PARECER ACOLHIDO.
1.Na espécie, mesmo que esteja indicada a eventual reiteração delitiva mencionada nos autos, a quantidade das drogas apreendidas não é considerável ou tão relevante - 12,46 g de maconha e 2,11 g de crack -, fato que não revela tráfico de grandes proporções nem mesmo indicativo de envolvimento de organização criminosa, tampouco de uso de arma de fogo no comércio ilícito (fls. 80/83 e 90/102).
2. Além disso, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).
3. Salienta-se, ainda, que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade. A autoridade judicial há sempre de verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto, ainda mais no contexto atual de pandemia e considerando que o Conselho Nacional de Justiça, na Recomendação n. 62/2020, salientou a necessidade de utilização da prisão preventiva com máxima excepcionalidade
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar, para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem fixadas pelo juiz da causa, de forma fundamentada,com extensão da ordem ao corréu José Ailton Aparecido da Silva.
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VOTO
Busca a presente impetração a revogação da prisão preventiva do paciente.
De início, verifica-sedos autos que o paciente foi preso em flagrante, no dia 6/7/2021, pela suposta prática do crime do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (apreensão de12,46 g de maconha e 2,11 g de crack, além de quantia em dinheiro), custódia posteriormente convertida em preventiva, nestes termos(fls. 80/83- grifo nosso):
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2. Em sede de análise cognitiva superficial fundada em juízo de probabilidade, denota-se a presença dos requisitos genéricos 2 e específicos 3 , pressupostos 4 e fundamentos 5 legais para a conversão 6 da prisão em flagrante-delito em prisão preventiva (CPP, arts. 310, II, 312 e 313), não sendo o caso, portanto, de concessão de liberdade provisória (CPP, art. 310, III). De fato, há nos autos prova da materialidade delitiva e indício de autoria suficiente (fumus comissi delicti) para o enquadramento provisório nos delitos de tráfico e associação para o tráfico de drogas 7 , inclusive pela visibilidade que emerge da situação de flagrante-delito (cuja legalidade ora é afirmada). Consta a apreensão, em poder dos autuados, durante cumprimento de mandado de busca domiciliar (judicialmente autorizada), de dez porções de crack e uma de maconha, além de um aparelho de telefone celular e importância em dinheiro. De suas negativas, não se dessume, por ora, um desdobramento lógico e racional dos fatos, estando justificada, pois, a linha de intelecção ora adotada, nem se podendo afirmar, neste exame estreito afeto ao momento procedimental, que as circunstâncias apontem (acima de qualquer dúvida razoável) para o acolhimento da alegação de posse para consumo pessoal deles. Ainda, asmensagens extraídas do smartphone de Fábio corroborariam a informação (págs. 55/8) da comercialização de drogas e os demais elementos e circunstâncias apurados externamente (que, por ora, atendem à lógica do razoável), donde se infere, também, em análise perfunctória, o aparente vínculo associativo (dada a natural impossibilidade de aferição no foro íntimo dos agentes). Além da fundada suspeita da prática dos crimes, vê-se presente, igualmente, o periculum libertatis, este consubstanciado não apenas na periculosidade e nos riscos sociais inerentes à perniciosa e deletéria conduta (ressaltando-se que a difusão de drogas no seio da comunidade constitui potencial reflexo para outros e sucessivos crimes), mas também nas circunstâncias da hipótese e nos indicativos de traficância habitual e permanente, tudo, assim, a entremostrar não ter se tratado, neste caso, de conduta isolada, episódica ou meramente incipiente, o que reclama, portanto, o devido e proporcional trato para o resguardo, dentre o mais, da ordem pública, ressaltando-se o alto poder persuasivo e econômico que a traficância exerce, inclusive, em relação aos microtraficantes.
Estabelecida, então, a concreta probabilidade de reincidência (dentro do contexto indicativo de que a comercialização das drogas não se exauriria em apenas um ato, mas na habitualidade), a primariedade técnica deles (conquanto Fábio esteja em liberdade provisória por crime da espécie e José Ailton possua passagem pelo Juízo da Infância e da Juventude, tendo cumprido medida socioeducativa de internação pela prática de ato infracional equiparado ao crime de roubo), por si só, não afasta a possibilidade da prisão preventiva (STF, HC nº 98.113/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 12.3.2010; HC nº96.235/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 5.3.2010; HC nº 98.331/SP, rel. Min.Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.12.2009), sendo essa condição, assim, irrelevante para afastar a gravidade concreta do fato e o perigo que eles, dentro desse contexto prévio todo, indicam que representam para a sociedade, decorrendo mais de suas poucas idades apenas 18 e 20 anos de idade do que de suas vidas pregressas. Por fim, em atenção à Recomendação nº 62/2020 do CNJ, anote-se que a pandemia não criou imunidade processual penal à prisão. Ademais, os fundamentos que justificam a segregação cautelar preponderam sobre o possível risco de contaminação no cárcere, sendo certo que, como a todas as pessoas é assegurado o direito à saúde, numa eventual disseminação do vírus em estabelecimentos prisionais deverão ser adotadas providências imediatas pelo Poder Público. Nesse contexto, patente o não cabimento da substituição da prisão preventiva poroutra medida cautelar 8 ou concessão de prisão domiciliar, indefiro o pedido da Defesa e, destacada ainda a provocação do Ministério Público, converto em preventivas as prisões em flagrante-delito de JOSÉ AILTON APARECIDO DA SILVA e FÁBIO JÚNIOR DA SILVA, nos termos dos arts. 282, § 6º, 310, II, e 312, "caput", todos do Código de Processo Penal. Expeçam-se mandados de prisão.
Por sua vez, o acórdão do Tribunal de origem, ao denegar a ordem lá postulada, consignou (fls. 90/102):
2. Consta dos autos do processo-crime terem sido os pacientes detidos no dia 06 de outubro de 2021 por suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes e a prisão em flagrante deles convertida em preventiva no dia seguinte. A denúncia foi oferecida no dia 05 de novembro de 2021 e os autos estão conclusos ao magistrado.
Narra a denúncia que no dia 06 de outubro de 2021, por volta das 15h, na Rua Antônio Gigliotti, nº 47, Jardim Flamboyant, Distrito de Potunduva, naquela cidade, os pacientes José Ailton e Fábio, vulgo "Beto", agindo em concurso e com unidade de propósitos, traziam com eles, para tráfico, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, dez porções de "crack", com peso de 2,11g, e uma porção bruta de maconha, com peso de 12,46g, substâncias entorpecentes causadoras de dependência física e psíquica, quando se viram surpreendidos e presos por policiais civis.
Consoante se apurou, chegou ao conhecimento da DISE de Jaú a informação de que "Beto", proprietário do "Bar do Beto", estavautilizando o seu estabelecimento comercial para vender drogas.
Por isso, foi pedida e autorizada judicialmente uma busca domiciliar no local. Dando cumprimento ao mandado, policiais civis foram até o local e se depararam com os pacientes na porta do estabelecimento. Ao notarem a chegada dos policiais, eles saíram correndo. Durante a fuga, o paciente José caiu no solo; ele foi detido e com ele foi encontrada uma trouxinha com dez porções de "crack" e a quantia de R$.32,00. O paciente Fábio, por sua vez, durante a fuga dispensou um objeto. Ele também foi detido e, em seguida, ficou apurado que o objeto dispensado era uma porção bruta de maconha. Foi então acessado o conteúdo do telefone celular do paciente Fábio, pois havia prévia autorização judicial para tanto, e se constatou a existência de conversas dele com um usuário de drogas, nas quais este último quer comprar maconha dele. Os pacientes foram presos em flagrante. Formalmente interrogado, o paciente Fábio disse que não tinha conhecimento de que o paciente José estava na posse de drogas e não estava na posse de qualquer entorpecente no momento da abordagem; saiu correndo porque avistou pessoas armadas descendo de veículoscomuns e não sabia que eram policiais; é usuário de maconha e não sabe dizer quem é o proprietário da maconha encontrada pelos policiais. O paciente José, por sua vez, disse que o "crack" encontrado na sua posse se destinava ao seu uso; ressaltou, contudo, que se alguma pessoa quisesse comprar alguma pedra, também venderia; o dinheiro apreendido é oriundo da venda de peças de roupa; não está associado ao paciente Fábio para a venda de drogas, sendo ele apenas seu amigo. As informações que apontavam que no bar de Fábio estava ocorrendo o tráfico de drogas, a conduta furtiva de ambos ao avistarem os policiais civis, a apreensão de drogas com eles, a existência de conversa no telefone de Fábio tratando da venda de maconha, o fato de Fábio ter sido preso em flagrante no dia 30 de agosto de 2021, também pela prática do crime de tráfico de drogas, ocasião em que saiu emliberdade provisória com medidas cautelares e de José estar sendo investigado pela prática de roubo recente nesta comarca (dezembro/2020), evidenciam que a hipótese é mesmo de tráfico (fls. 125/127 do processo-crime).
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De início, no que é dado avaliar nos limites estreitos do remédio heroico, não se vislumbra a ocorrência de manifesta ilegalidade na prisão em flagrante do paciente Fábio, sob o argumento de que teria sido agredido pelos policiais no momento da abordagem, até mesmo porque, como bem observou a digna autoridade impetrada, as agressões alegadas pelo paciente não encontram proporcional correspondência com o consignado no exame de corpo de delito, mas sim com a dinâmica da ocorrência e a noticiada tentativa de fuga dele. Aliás, cumpre frisar que a alegação de agressão só veio por ocasião da audiência de custódia, pois em seu interrogatório no auto de prisão em flagranteaquele réu afirmou "Que não foi agredido nem ameaçado por Policiais Civis" (fl. 9 e mídia digital do processo-crime).
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Ainda que se considere entendimento atual dos Tribunais Superiores no sentido de ser possível, em tese, a revogação da prisão preventiva ou a substituição dela por medidas cautelares alternativas para os casos em que o réu tenha sido preso por delito de tráfico de entorpecentes, revela-se necessária a manutenção da custódia cautelar quando, como no caso, estiverem presentes razões a justificar a decretação da prisão preventiva do acusado, sem que isso viole, sob qualquer aspecto, o princípio constitucional da presunção de inocência, desaconselhando-se a imposição de medida cautelar diversa da prisão, pois insuficiente e ineficaz na hipótese vertente.
Com efeito, em que pese ter sido o suposto delito praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, é inegável a gravidade concreta da conduta imputada aos pacientes, em função da enorme nocividade para o meio social que o delito de porte de entorpecentes para tráfico acarreta, gerando expressiva repercussão na saúde pública e atingindo uma infinidade de pessoas, além de ser mola propulsora da prática de outras diversas infrações penais.
Cumpre anotar, ainda, haver prova da materialidade da infração e indícios suficientes de autoria por parte dos pacientes, presos por ocasião de cumprimento de mandado de busca e apreensão, expedido em razão de investigações policiais que apuraram estar o paciente Fábio a realizar o tráfico de tóxicos em seu estabelecimento comercial, quando os pacientes adotaram a sintomática conduta de tentar se evadir do local assim que visualizaram os agentes públicos, cada qual dispensando quantidade de tóxicos, quais sejam, dez porções de "crack" e uma porção bruta de maconha, a issose acrescendo a apreensão de R$ 32,00 com o paciente José Ailton e o conteúdo dos mensagens extraídas do celular do réu Fábio, nas quais ele conversa com usuário de drogas que pretende comprar maconha, o que indica, ao menos em princípio, o envolvimento deles com a criminalidade relativa ao comércio ilícito de droga e a dedicação deles a essa atividade, a bem evidenciar a conduta altamente censurável e a periculosidade dos agentes. Essas circunstâncias revelam ser de fato imprescindível a manutenção da prisão cautelar para garantir a ordem pública, acautelando-se o meio social, a fim de cessar essa perniciosa atividade criminosa.
Não bastasse, bem observou a ilustre autoridade impetrada que, embora sejam tecnicamente primários, o paciente Fábio gozava de liberdade provisória, por estar respondendo por outro delito de tráfico de drogas, e o paciente José Ailton possui passagem pelo Juízo da Infância e da Juventude por ato infracional equiparado ao delito de roubo.
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No mais, justificada a necessidade da custódia preventiva, inviável a sua revogação sob o argumento de que, na hipótese de condenação, poderá ser reconhecido o tráfico privilegiado e impostas penas restritivas de direitos e regime prisional diverso do fechado, porque esse cenário mais favorável aos pacientes não passa de mera conjectura, sem maior concretude, e depende de análise ampla de provas, que refoge aos estreitos limites do "habeas corpus", não sendo capaz, pois, de ensejar a imediata soltura pretendida. Nesse aspecto o egrégio Superior Tribunal de Justiça assentou que "Não é possível a realização de uma prognose em relação ao futuro regime de cumprimento de pena aplicado ao réu, no caso de eventual condenação, mormente quando a sua primariedade não é o único requisito a ser examinado na fixação da reprimenda e na imposição do modo inicial documprimento da sanção, visto que a orientação desta Corte Superior é firme em asseverar que a análise desfavorável de outras circunstâncias judiciais ou, até mesmo, a menção a elementos concretos dos autos, indicativos do risco de reiteração criminosa e da acentuada reprovabilidade da conduta delitiva, são idôneos para estabelecer regime mais gravoso." (HC nº 561520, 6ª Turma, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 23.06.2020, DJe 1º.07.2020).
Portanto, inexistindo submissão dos pacientes a qualquer constrangimento ilegal, porque a prisão cautelar deles está assentada em elementos concretos extraídos dos autos, a denegação da ordem se impõe.
Na espécie, mesmoque esteja indicada a eventual reiteração delitiva mencionada nos autos, a quantidade das drogas apreendidas não é considerável ou tão relevante -12,46 g de maconha e 2,11 g de crack -, fatoque não revela tráfico de grandes proporções nem mesmoindicativode envolvimento de organização criminosa, tampouco de uso de arma de fogo no comércio ilícito(fls. 80/83e 90/102).
Além disso, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art.282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art.319).
Importante salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade. A autoridade judicial há sempre de verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto, ainda mais no contexto atual de pandemia e considerando que o Conselho Nacional de Justiça, na Recomendação n. 62/2020, salientou a necessidade de utilização da prisão preventiva com máxima excepcionalidade
A propósito, confiram-se o AgRg no HC n. 583.013/MG, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 10/8/2020; e o HC n. 584.947/RO, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 19/8/2020.
Não éoutra aopinião daSubprocuradora-Geral da República Eliane de Albuquerque Oliveira Recena às fls. 177/185.
Assim, a prisão preventiva mostra-se desproporcional, e a imposição de medidas cautelares alternativas é devida, suficiente e adequada ao caso em apreço.
Em face do exposto,confirmando a liminar,concedoa ordem para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem fixadas pelo Juiz do feito, de forma fundamentada,comextensão da ordem ao corréuJosé Ailton Aparecido da Silva. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, com extensão de seu efeitos ao corréu José Ailton Aparecido da Silva, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar,impetrado em nome deFábio Júnior da Silva, autuado em flagrante delito pela prática de tráfico de drogas e associação para o tráfico, ante a apreensão de12,46 gde maconha e 2,11 gdecrack.
Ataca-se o acórdão proferido peloTribunaldeJustiça de São Paulono HC n. 2239164-22.2021.8.26.0000, que manteve a conversão da prisão em flagrante em preventiva no Processo n. 1503522-93.2021.8.26.0302, da 1ª Vara Criminal da comarca de Jaú/SP.
Alega-se a falta dos requisitos e a ausência de fundamentação ensejadores da prisão preventiva, a possibilidade de aplicação de medida cautelar diversa da prisão, bem como ilegalidade na quebra da cadeia de custódia das provas apreendidas.
Requer-se a concessão da ordem, inclusive em caráter liminar, a fim de que o paciente seja posto em liberdade, se necessário com cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do Código de Processo Penal.
A liminar foi deferida,a fim de, até o julgamento do mérito deste writ ou de supervenientes razões que a justifique, substituir a prisão preventiva pelas medidas cautelares previstas no art. 319, I, II e IV, do Código de Processo Penal (apresentação periódica ao Juízo para informar endereço e atividades; proibição de frequentar bares, praças, boates ou locais voltados ao consumo ou difusão de droga; proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial), salvo se por outro motivo o paciente estiver preso, cabendo ao Magistrado de primeiro grau o estabelecimento das condições, a adequação e a fiscalização das cautelas, bem como a imposição de outras que entender necessárias(fl. 106).
Sobreveio pedido de extensão dos efeitos da liminar formulado pelo corréuJosé Ailton Aparecido da Silva, isso com suporte no art. 580 do Código de Processo Penal, o qual foi deferido às fls. 133/134.
Solicitadas informações, estas foram devidamente prestadas (fls. 157e 159).
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinoupela não admissão do writ, com a concessão de um habeas corpus ex officio(fl. 177).
O feito encontra-se tramitando normalmente e rigorosamente dentro do prazo.
É o relatório.
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VOTO
Busca a presente impetração a revogação da prisão preventiva do paciente.
De início, verifica-sedos autos que o paciente foi preso em flagrante, no dia 6/7/2021, pela suposta prática do crime do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (apreensão de12,46 g de maconha e 2,11 g de crack, além de quantia em dinheiro), custódia posteriormente convertida em preventiva, nestes termos(fls. 80/83- grifo nosso):
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2. Em sede de análise cognitiva superficial fundada em juízo de probabilidade, denota-se a presença dos requisitos genéricos 2 e específicos 3 , pressupostos 4 e fundamentos 5 legais para a conversão 6 da prisão em flagrante-delito em prisão preventiva (CPP, arts. 310, II, 312 e 313), não sendo o caso, portanto, de concessão de liberdade provisória (CPP, art. 310, III). De fato, há nos autos prova da materialidade delitiva e indício de autoria suficiente (fumus comissi delicti) para o enquadramento provisório nos delitos de tráfico e associação para o tráfico de drogas 7 , inclusive pela visibilidade que emerge da situação de flagrante-delito (cuja legalidade ora é afirmada). Consta a apreensão, em poder dos autuados, durante cumprimento de mandado de busca domiciliar (judicialmente autorizada), de dez porções de crack e uma de maconha, além de um aparelho de telefone celular e importância em dinheiro. De suas negativas, não se dessume, por ora, um desdobramento lógico e racional dos fatos, estando justificada, pois, a linha de intelecção ora adotada, nem se podendo afirmar, neste exame estreito afeto ao momento procedimental, que as circunstâncias apontem (acima de qualquer dúvida razoável) para o acolhimento da alegação de posse para consumo pessoal deles. Ainda, asmensagens extraídas do smartphone de Fábio corroborariam a informação (págs. 55/8) da comercialização de drogas e os demais elementos e circunstâncias apurados externamente (que, por ora, atendem à lógica do razoável), donde se infere, também, em análise perfunctória, o aparente vínculo associativo (dada a natural impossibilidade de aferição no foro íntimo dos agentes). Além da fundada suspeita da prática dos crimes, vê-se presente, igualmente, o periculum libertatis, este consubstanciado não apenas na periculosidade e nos riscos sociais inerentes à perniciosa e deletéria conduta (ressaltando-se que a difusão de drogas no seio da comunidade constitui potencial reflexo para outros e sucessivos crimes), mas também nas circunstâncias da hipótese e nos indicativos de traficância habitual e permanente, tudo, assim, a entremostrar não ter se tratado, neste caso, de conduta isolada, episódica ou meramente incipiente, o que reclama, portanto, o devido e proporcional trato para o resguardo, dentre o mais, da ordem pública, ressaltando-se o alto poder persuasivo e econômico que a traficância exerce, inclusive, em relação aos microtraficantes.
Estabelecida, então, a concreta probabilidade de reincidência (dentro do contexto indicativo de que a comercialização das drogas não se exauriria em apenas um ato, mas na habitualidade), a primariedade técnica deles (conquanto Fábio esteja em liberdade provisória por crime da espécie e José Ailton possua passagem pelo Juízo da Infância e da Juventude, tendo cumprido medida socioeducativa de internação pela prática de ato infracional equiparado ao crime de roubo), por si só, não afasta a possibilidade da prisão preventiva (STF, HC nº 98.113/RJ, rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 12.3.2010; HC nº96.235/SP, rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 5.3.2010; HC nº 98.331/SP, rel. Min.Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 11.12.2009), sendo essa condição, assim, irrelevante para afastar a gravidade concreta do fato e o perigo que eles, dentro desse contexto prévio todo, indicam que representam para a sociedade, decorrendo mais de suas poucas idades apenas 18 e 20 anos de idade do que de suas vidas pregressas. Por fim, em atenção à Recomendação nº 62/2020 do CNJ, anote-se que a pandemia não criou imunidade processual penal à prisão. Ademais, os fundamentos que justificam a segregação cautelar preponderam sobre o possível risco de contaminação no cárcere, sendo certo que, como a todas as pessoas é assegurado o direito à saúde, numa eventual disseminação do vírus em estabelecimentos prisionais deverão ser adotadas providências imediatas pelo Poder Público. Nesse contexto, patente o não cabimento da substituição da prisão preventiva poroutra medida cautelar 8 ou concessão de prisão domiciliar, indefiro o pedido da Defesa e, destacada ainda a provocação do Ministério Público, converto em preventivas as prisões em flagrante-delito de JOSÉ AILTON APARECIDO DA SILVA e FÁBIO JÚNIOR DA SILVA, nos termos dos arts. 282, § 6º, 310, II, e 312, "caput", todos do Código de Processo Penal. Expeçam-se mandados de prisão.
Por sua vez, o acórdão do Tribunal de origem, ao denegar a ordem lá postulada, consignou (fls. 90/102):
2. Consta dos autos do processo-crime terem sido os pacientes detidos no dia 06 de outubro de 2021 por suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes e a prisão em flagrante deles convertida em preventiva no dia seguinte. A denúncia foi oferecida no dia 05 de novembro de 2021 e os autos estão conclusos ao magistrado.
Narra a denúncia que no dia 06 de outubro de 2021, por volta das 15h, na Rua Antônio Gigliotti, nº 47, Jardim Flamboyant, Distrito de Potunduva, naquela cidade, os pacientes José Ailton e Fábio, vulgo "Beto", agindo em concurso e com unidade de propósitos, traziam com eles, para tráfico, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, dez porções de "crack", com peso de 2,11g, e uma porção bruta de maconha, com peso de 12,46g, substâncias entorpecentes causadoras de dependência física e psíquica, quando se viram surpreendidos e presos por policiais civis.
Consoante se apurou, chegou ao conhecimento da DISE de Jaú a informação de que "Beto", proprietário do "Bar do Beto", estavautilizando o seu estabelecimento comercial para vender drogas.
Por isso, foi pedida e autorizada judicialmente uma busca domiciliar no local. Dando cumprimento ao mandado, policiais civis foram até o local e se depararam com os pacientes na porta do estabelecimento. Ao notarem a chegada dos policiais, eles saíram correndo. Durante a fuga, o paciente José caiu no solo; ele foi detido e com ele foi encontrada uma trouxinha com dez porções de "crack" e a quantia de R$.32,00. O paciente Fábio, por sua vez, durante a fuga dispensou um objeto. Ele também foi detido e, em seguida, ficou apurado que o objeto dispensado era uma porção bruta de maconha. Foi então acessado o conteúdo do telefone celular do paciente Fábio, pois havia prévia autorização judicial para tanto, e se constatou a existência de conversas dele com um usuário de drogas, nas quais este último quer comprar maconha dele. Os pacientes foram presos em flagrante. Formalmente interrogado, o paciente Fábio disse que não tinha conhecimento de que o paciente José estava na posse de drogas e não estava na posse de qualquer entorpecente no momento da abordagem; saiu correndo porque avistou pessoas armadas descendo de veículoscomuns e não sabia que eram policiais; é usuário de maconha e não sabe dizer quem é o proprietário da maconha encontrada pelos policiais. O paciente José, por sua vez, disse que o "crack" encontrado na sua posse se destinava ao seu uso; ressaltou, contudo, que se alguma pessoa quisesse comprar alguma pedra, também venderia; o dinheiro apreendido é oriundo da venda de peças de roupa; não está associado ao paciente Fábio para a venda de drogas, sendo ele apenas seu amigo. As informações que apontavam que no bar de Fábio estava ocorrendo o tráfico de drogas, a conduta furtiva de ambos ao avistarem os policiais civis, a apreensão de drogas com eles, a existência de conversa no telefone de Fábio tratando da venda de maconha, o fato de Fábio ter sido preso em flagrante no dia 30 de agosto de 2021, também pela prática do crime de tráfico de drogas, ocasião em que saiu emliberdade provisória com medidas cautelares e de José estar sendo investigado pela prática de roubo recente nesta comarca (dezembro/2020), evidenciam que a hipótese é mesmo de tráfico (fls. 125/127 do processo-crime).
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De início, no que é dado avaliar nos limites estreitos do remédio heroico, não se vislumbra a ocorrência de manifesta ilegalidade na prisão em flagrante do paciente Fábio, sob o argumento de que teria sido agredido pelos policiais no momento da abordagem, até mesmo porque, como bem observou a digna autoridade impetrada, as agressões alegadas pelo paciente não encontram proporcional correspondência com o consignado no exame de corpo de delito, mas sim com a dinâmica da ocorrência e a noticiada tentativa de fuga dele. Aliás, cumpre frisar que a alegação de agressão só veio por ocasião da audiência de custódia, pois em seu interrogatório no auto de prisão em flagranteaquele réu afirmou "Que não foi agredido nem ameaçado por Policiais Civis" (fl. 9 e mídia digital do processo-crime).
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Ainda que se considere entendimento atual dos Tribunais Superiores no sentido de ser possível, em tese, a revogação da prisão preventiva ou a substituição dela por medidas cautelares alternativas para os casos em que o réu tenha sido preso por delito de tráfico de entorpecentes, revela-se necessária a manutenção da custódia cautelar quando, como no caso, estiverem presentes razões a justificar a decretação da prisão preventiva do acusado, sem que isso viole, sob qualquer aspecto, o princípio constitucional da presunção de inocência, desaconselhando-se a imposição de medida cautelar diversa da prisão, pois insuficiente e ineficaz na hipótese vertente.
Com efeito, em que pese ter sido o suposto delito praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa, é inegável a gravidade concreta da conduta imputada aos pacientes, em função da enorme nocividade para o meio social que o delito de porte de entorpecentes para tráfico acarreta, gerando expressiva repercussão na saúde pública e atingindo uma infinidade de pessoas, além de ser mola propulsora da prática de outras diversas infrações penais.
Cumpre anotar, ainda, haver prova da materialidade da infração e indícios suficientes de autoria por parte dos pacientes, presos por ocasião de cumprimento de mandado de busca e apreensão, expedido em razão de investigações policiais que apuraram estar o paciente Fábio a realizar o tráfico de tóxicos em seu estabelecimento comercial, quando os pacientes adotaram a sintomática conduta de tentar se evadir do local assim que visualizaram os agentes públicos, cada qual dispensando quantidade de tóxicos, quais sejam, dez porções de "crack" e uma porção bruta de maconha, a issose acrescendo a apreensão de R$ 32,00 com o paciente José Ailton e o conteúdo dos mensagens extraídas do celular do réu Fábio, nas quais ele conversa com usuário de drogas que pretende comprar maconha, o que indica, ao menos em princípio, o envolvimento deles com a criminalidade relativa ao comércio ilícito de droga e a dedicação deles a essa atividade, a bem evidenciar a conduta altamente censurável e a periculosidade dos agentes. Essas circunstâncias revelam ser de fato imprescindível a manutenção da prisão cautelar para garantir a ordem pública, acautelando-se o meio social, a fim de cessar essa perniciosa atividade criminosa.
Não bastasse, bem observou a ilustre autoridade impetrada que, embora sejam tecnicamente primários, o paciente Fábio gozava de liberdade provisória, por estar respondendo por outro delito de tráfico de drogas, e o paciente José Ailton possui passagem pelo Juízo da Infância e da Juventude por ato infracional equiparado ao delito de roubo.
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No mais, justificada a necessidade da custódia preventiva, inviável a sua revogação sob o argumento de que, na hipótese de condenação, poderá ser reconhecido o tráfico privilegiado e impostas penas restritivas de direitos e regime prisional diverso do fechado, porque esse cenário mais favorável aos pacientes não passa de mera conjectura, sem maior concretude, e depende de análise ampla de provas, que refoge aos estreitos limites do "habeas corpus", não sendo capaz, pois, de ensejar a imediata soltura pretendida. Nesse aspecto o egrégio Superior Tribunal de Justiça assentou que "Não é possível a realização de uma prognose em relação ao futuro regime de cumprimento de pena aplicado ao réu, no caso de eventual condenação, mormente quando a sua primariedade não é o único requisito a ser examinado na fixação da reprimenda e na imposição do modo inicial documprimento da sanção, visto que a orientação desta Corte Superior é firme em asseverar que a análise desfavorável de outras circunstâncias judiciais ou, até mesmo, a menção a elementos concretos dos autos, indicativos do risco de reiteração criminosa e da acentuada reprovabilidade da conduta delitiva, são idôneos para estabelecer regime mais gravoso." (HC nº 561520, 6ª Turma, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado em 23.06.2020, DJe 1º.07.2020).
Portanto, inexistindo submissão dos pacientes a qualquer constrangimento ilegal, porque a prisão cautelar deles está assentada em elementos concretos extraídos dos autos, a denegação da ordem se impõe.
Na espécie, mesmoque esteja indicada a eventual reiteração delitiva mencionada nos autos, a quantidade das drogas apreendidas não é considerável ou tão relevante -12,46 g de maconha e 2,11 g de crack -, fatoque não revela tráfico de grandes proporções nem mesmoindicativode envolvimento de organização criminosa, tampouco de uso de arma de fogo no comércio ilícito(fls. 80/83e 90/102).
Além disso, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art.282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art.319).
Importante salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade. A autoridade judicial há sempre de verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto, ainda mais no contexto atual de pandemia e considerando que o Conselho Nacional de Justiça, na Recomendação n. 62/2020, salientou a necessidade de utilização da prisão preventiva com máxima excepcionalidade
A propósito, confiram-se o AgRg no HC n. 583.013/MG, Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, DJe 10/8/2020; e o HC n. 584.947/RO, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 19/8/2020.
Não éoutra aopinião daSubprocuradora-Geral da República Eliane de Albuquerque Oliveira Recena às fls. 177/185.
Assim, a prisão preventiva mostra-se desproporcional, e a imposição de medidas cautelares alternativas é devida, suficiente e adequada ao caso em apreço.
Em face do exposto,confirmando a liminar,concedoa ordem para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem fixadas pelo Juiz do feito, de forma fundamentada,comextensão da ordem ao corréuJosé Ailton Aparecido da Silva. | EMENTA
HABEAS CORPUS.TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRÁTICA ANTERIOR DE ATOS INFRACIONAIS. APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA(12,46 G DE MACONHA E 2,11 G DE CRACK). MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA.EXTENSÃO DA ORDEM AO CORRÉU (ART. 580 DO CPP).PARECER ACOLHIDO.
1.Na espécie, mesmo que esteja indicada a eventual reiteração delitiva mencionada nos autos, a quantidade das drogas apreendidas não é considerável ou tão relevante - 12,46 g de maconha e 2,11 g de crack -, fato que não revela tráfico de grandes proporções nem mesmo indicativo de envolvimento de organização criminosa, tampouco de uso de arma de fogo no comércio ilícito (fls. 80/83 e 90/102).
2. Além disso, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).
3. Salienta-se, ainda, que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade. A autoridade judicial há sempre de verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto, ainda mais no contexto atual de pandemia e considerando que o Conselho Nacional de Justiça, na Recomendação n. 62/2020, salientou a necessidade de utilização da prisão preventiva com máxima excepcionalidade
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar, para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem fixadas pelo juiz da causa, de forma fundamentada,com extensão da ordem ao corréu José Ailton Aparecido da Silva. | HABEAS CORPUS.TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRÁTICA ANTERIOR DE ATOS INFRACIONAIS. APREENSÃO DE PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA(12,46 G DE MACONHA E 2,11 G DE CRACK). MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA.EXTENSÃO DA ORDEM AO CORRÉU (ART. 580 DO CPP).PARECER ACOLHIDO. | 1.Na espécie, mesmo que esteja indicada a eventual reiteração delitiva mencionada nos autos, a quantidade das drogas apreendidas não é considerável ou tão relevante - 12,46 g de maconha e 2,11 g de crack -, fato que não revela tráfico de grandes proporções nem mesmo indicativo de envolvimento de organização criminosa, tampouco de uso de arma de fogo no comércio ilícito (fls. 80/83 e 90/102).
2. Além disso, a custódia cautelar é providência extrema que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).
3. Salienta-se, ainda, que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade. A autoridade judicial há sempre de verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto, ainda mais no contexto atual de pandemia e considerando que o Conselho Nacional de Justiça, na Recomendação n. 62/2020, salientou a necessidade de utilização da prisão preventiva com máxima excepcionalidade
4. Ordem concedida, confirmando-se a liminar, para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem fixadas pelo juiz da causa, de forma fundamentada,com extensão da ordem ao corréu José Ailton Aparecido da Silva. | N |
143,075,799 | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE MÃE DE CRIANÇA MENOR DE 12 ANOS. SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE.
1. O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).
2. Ademais, a partir da Lei n. 13.769, de 19/12/2018, dispõe o Código de Processo Penal em seu art. 318-A, caput e incisos, que, em não havendo emprego de violência ou grave ameaça nem prática do delito contra os seus descendentes, a mãe fará jus à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
3. No presente caso, a prisão preventiva está justificada pois, segundo a decisão que a impôs, a paciente foi flagrada na posse de elevada quantidade de substância entorpecente, qual seja, cerca de 3kg (três quilos) de cocaína. Dessarte, evidenciada a sua periculosidade e a necessidade da segregação como forma de acautelar a ordem pública.
4. Contudo, a paciente é mãe de criança menor de 12 anos de idade, não praticou delito contra sua descendência e o crime a ela imputado não foi perpetrado mediante emprego de violência ou grave ameaça. Nessa linha, o indeferimento do pleito de substituição da preventiva pela prisão domiciliar, com base no fato de a paciente ter sido apreendida com vultosa quantidade de drogas, não possui o condão de afastar o atual entendimento, uma vez que não se apresenta como hábil, por si só, a indicar a existência de situação excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.641/SP, além de não configurar nenhum dos requisitos expressos nos dispositivos legais pertinentes.
5. Habeas corpus concedido para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares que o Juízo sentenciante entenda cabíveis, bem como de nova decretação de prisão preventiva em caso de superveniência de novos fatos.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de GLEICY MENDES FERREIRA DA SILVA apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (HC n. 2239582-57.2021.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que, no dia 8/10/2021, a paciente foi presa em flagrante, prisão posteriormente convertida em preventiva, pela suposta prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas), em decorrência da apreensão de aproximadamente 3kg (três quilos) de cocaína.
Impetrado habeas corpus na origem, o Tribunal de Justiça denegou a ordem, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 45):
Habeas Corpus Revogação da prisão preventiva - Paciente presa em flagrante por suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes.
Decisão Fundamentada - Desde que a permanência da ré em liberdade possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão danosa no meio social, cabe ao Juiz manter a custódia cautelar como garantia da ordem pública - Indícios de autoria e prova da materialidade.
Primariedade, residência fixa e trabalho lícito são circunstâncias que não impedem a medida constritiva.
Inexistência de constrangimento ilegal.
Ordem denegada.
Daí o presente writ, no qual alega a defesa que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea.
Sustenta que a paciente é mãe de filho menor de 12 anos e aponta, ainda, para as suas condições pessoais favoráveis.
Requer, inclusive liminarmente, "a concessão da ordem de habeas corpus, expedindo-se o competente alvará de soltura em favor da ora PACIENTE". Subsidiariamente, pede para que a paciente "possa ter sua prisão convertida para prisão em regime de albergue domiciliar, conforme lei 13.769/2018 - e entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto" (e-STJ fl. 6).
O pedido liminar foi indeferido.
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem para que a prisão preventiva seja substituída por prisão domiciliar.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O objeto do presente pleito cinge-se à verificação da existência de fundamentação idônea no decreto que impôs a segregação cautelar à paciente, bem como à análise da possibilidade de substituir a prisão preventiva por domiciliar em razão de a paciente ser mãe de criança menor de 12 anos.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 28/29):
Verifico que a Defesa da corré Gleicy pleiteou a concessão de prisão domiciliar, sob o fundamento de que se trata de ré primária, com bons antecedentes e tem um filhos que mora sob seus cuidados.
O Ministério Público, às fls. 171/172, requereu o indeferimento do pedido, tendo em vista a suposta gravidade concreta do delito praticado, estando presentes os requisitos da custódia cautelar, em que pese a primariedade.
É caso de indeferimento do pedido formulado pela Defesa.
De acordo com a denúncia, a acusada, na companhia dos corréus, "visando ao lucro, ingressaram na posse da indicada droga, com o fim de entregá-la a terceira pessoa nesta Cidade. Para a realização do transporte, o trio fazia uso do veículo GM-Prisma, cor cinza, placas FMX6D76. Durante a ilícita atividade, no entanto, Carlos, Leandro e Gleicy foram abordados por policiais militares. Em revista no porta-malas, os policiais encontraram uma mochila infantil e, em seu interior, a indicada droga. Desse modo, foram eles presos em flagrante delito. Tendo em vista a grande quantidade de droga apreendida, verifica-se que ela era destinada ao tráfico ilícito."
No Plantão Judiciário, o Magistrado fez menção ao requerimento da Defesa e menciono, n verbis: "saliento que a existência de prole incapaz relativa a Gleicy (fls. 97) não impede o encarceramento, máxime por ela mesma afirmar que a responsável pelos cuidados de seu filho é sua genitora, avó do menor (fls. 31), e por ser admissível o zelo ser exercido pelo genitor; assim, não haverá prejuízo irreparável à criança" (grifos meus)
Como bem destacado pelo MM. Juiz à ocasião, a genitora informou que sua genitora, avó materna do menor, é responsável pelos cuidados.
Além disso, é certo que circunstâncias como bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita são irrelevantes para a revogação da prisão cautelar, desde que esteja presente alguma das hipóteses previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Saliento que a acusada, na companhia dos corréus, estaria praticando o tráfico e foram presos na posse de grande quantidade de drogas, 3 kg de cocaína, o que indica, em tese, envolvimento com o meio criminoso. (Grifei.)
Ademais, consta dos elementos informativos dos autos que a ora paciente pleiteou a substituição da prisão preventiva por domiciliar em razão de ser mãe de criança menor de 12 anos, e a Corte de origem manteve a negativa do pedido nos seguintes termos (e-STJ fls. 47/48):
Assim, inexistindo nulidade a ser sanada, não há que se falar em revogação da prisão preventiva, pois havendo indícios suficientes de autoria e prova da materialidade e desde que a permanência da ré em liberdade possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão danosa no meio social, cabe ao Juiz manter a custódia cautelar como garantia da ordem pública, constituindo em verdadeira medida de segurança.
Ora, o crime de tráfico de entorpecentes é muito grave porque destrói a vida dos jovens e suas respectivas famílias. O traficante, visando auferir lucro, não se importa com seus semelhantes, preferindo praticar o nefasto comércio a qualquer outra atividade lícita, que não prejudique as pessoas.
Tampouco há que se falar em insuficiência de fundamentação da decisão guerreada, eis que fundamentada nos contundentes indícios de autoria e prova de materialidade. Tal decisão está amplamente motivada e não padece de quaisquer vícios formais que porventura a invalide, eis que o magistrado singular justificou tal medida não só diante da gravidade do delito imputado à paciente, como também na presença incólume dos requisitos justificadores da custódia cautelar..
Afora isso, primariedade e outros atributos pessoais são circunstâncias que não obstam a segregação cautelar, quando ocorrentes motivos a legitimar a constrição do acusado.
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Por fim, não vislumbro que seja caso de concessão das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código Processo Penal, conforme o conjunto probatório acostado aos autos, tendo em vista que, se em liberdade, a paciente poderá continuar a praticar delito de tráfico de entorpecentes ou, então, já prevendo uma possível condenação, fugir do distrito da culpa, prejudicando a correta aplicação da Justiça.
Tampouco vislumbro ser caso de Prisão Domiciliar, pois conforme informações prestadas: "No Plantão Judiciário, o Magistrado fez menção ao requerimento da Defesa e menciono, in verbis: "saliento que a existência de prole incapaz relativa a Gleicy (fls. 97) não impede o encarceramento, máxime por ela mesma afirmar que a responsável pelos cuidados de seu filho é sua genitora, avó do menor (fls. 31), e por ser admissível o zelo ser exercido pelo genitor; assim, não haverá prejuízo irreparável à criança".
Assim sendo, como a paciente não está sofrendo qualquer constrangimento ilegal, o writ deve ser repelido. (Grifei.)
Preliminarmente, cumpre asseverar que não vislumbro, in casu, nenhuma ilegalidade em relação à decretação da prisão preventiva, uma vez que estão presentes os requisitos para a segregação cautelar, em especial a gravidade concreta da conduta, consistente na prática, em tese, de tráfico de drogas.
Entretanto, a meu ver, está patente a ilegalidade da negativa da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, sendo o caso de se superar o referido óbice a fim de cessar a manifesta ilegalidade.
Isso, porque ambas as Turmas criminais desta Corte já firmaram o entendimento, por unanimidade, de que o afastamento da referida benesse para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, conforme se extrai dos julgados a seguir colacionados:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PROCESSUAL. FILHO EM PRIMEIRA INFÂNCIA. PROTEÇÃO DIFERENCIADA À MÃE. PRESUNÇÃO LEGAL DA NECESSIDADE DE PROTEÇÃO E CUIDADOS. MOTIVAÇÃO DE EXCEPCIONAMENTO NÃO RAZOÁVEL. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. O Estatuto da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), a partir das Regras de Bangkok, normatizou diferenciado tratamento cautelar em proteção à gestante e à criança (a mãe com legalmente presumida necessidade de cuidar do filho, o pai mediante casuística comprovação - art. 318, IV, V e VI do Código de Processo Penal), cabendo ao magistrado justificar a excepcional não incidência da prisão domiciliar - por situações onde os riscos sociais ou ao processo exijam cautelares outras, cumuladas ou não, como o monitoramento eletrônico, a apresentação judicial, ou mesmo o cumprimento em estabelecimento prisional.
2. Decisão atacada que exige descabida prova da necessidade dos cuidados maternos, condição que é legalmente presumida, e não justifica concretamente a insuficiência da cautelar de prisão domiciliar.
3. Paciente que é mãe de duas crianças, com dois e seis anos de idade, de modo que o excepcionamento à regra geral de proteção à primeira infância pela presença materna exigiria específica fundamentação concreta, o que não se verifica na espécie, evidenciando-se a ocorrência de constrangimento ilegal.
4. Concedido o habeas corpus para fixar a prisão domiciliar à paciente, ressalvada a sempre cabível revisão judicial períodica de necessidade e adequação, inclusive para incidência de cautelares mais gravosas.
(HC 362.922/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 20/04/2017.)
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIMENTO. ANÁLISE DO MÉRITO. PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. MÃE DE 3 FILHOS MENORES DE 12 ANOS. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. PRIMARIEDADE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS CRIANÇAS. HC COLETIVO Nº 143.641/SP (STF). ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
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2. A questão jurídica limita-se então a verificar a possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar. Nesse contexto, o inciso V do art. 318 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.257/2016, determina que Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
3. O artigo 318 do Código de Processo Penal (que permite a prisão domiciliar da mulher gestante ou mãe de filhos com até 12 anos incompletos) foi instituído para adequar a legislação brasileira a um compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil nas Regras de Bangkok. "Todas essas circunstâncias devem constituir objeto de adequada ponderação, em ordem a que a adoção da medida excepcional da prisão domiciliar efetivamente satisfaça o princípio da proporcionalidade e respeite o interesse maior da criança. Esses vetores, por isso mesmo, hão de orientar o magistrado na concessão da prisão domiciliar" (STF, HC n. 134.734/SP, relator Ministro Celso de Melo).
4. Aliás, em uma guinada jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir até mesmo o Habeas Corpus coletivo (Lei 13.300/2016) e concedeu comando geral para fins de cumprimento do art. 318, V, do Código de Processo Penal, em sua redação atual. No ponto, a orientação da Suprema Corte, no Habeas Corpus nº 143.641/SP, da relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 20/02/2018, é no sentido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), salvo as seguintes situações: crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o beneficio.
5. Na hipótese dos autos, a paciente é mãe de três filhos menores de 12 (doze) anos (com 10, 7 e 4 anos), é primária, e o crime imputado não envolveu violência ou grave ameaça (tráfico de drogas). Reputa-se legítimo, em respeito, inclusive, ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus coletivo n. 143.641/SP, substituir a segregação da paciente pela prisão domiciliar, com espeque no art. 318, V, do Código de Processo Penal. Adequação legal, reforçada pela necessidade de preservação da integridade física e emocional dos infantes. Precedentes do STF e do STJ.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, confirmando a medida liminar, substituir a segregação da paciente pela prisão domiciliar, com a imposição da medida cautelar de proibição de acesso ou comparecimento a estabelecimentos prisionais, especialmente àquele no qual o seu marido se encontrar segregado, sem prejuízo da fixação de outras medidas cautelares, a critério do Juízo a quo.
(HC 455.259/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 29/08/2018.)
De mais a mais, não bastasse referida compreensão já sedimentada no âmbito desta Casa, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 143.641/SP, concedeu habeas corpus coletivo cujo teor, publicado no Informativo n. 891/STF, passo a colacionar:
A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem em "habeas corpus" coletivo, impetrado em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade. Determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP (1) de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA (2) e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas nesse processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Estendeu a ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas acima. Quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, mas sempre tendo por norte os princípios e as regras acima enunciadas, observando, ademais, a diretriz de excepcionalidade da prisão. Se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas alternativas arroladas no já mencionado art. 319 do CPP. Para apurar a situação de guardiã dos filhos da mulher presa, dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe. Faculta-se ao juiz, sem prejuízo de cumprir, desde logo, a presente determinação, requisitar a elaboração de laudo social para eventual reanálise do benefício. Caso se constate a suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão, a presente ordem não se aplicará. .. (HC 143.641/SP. relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgamento em 20/2/2018, processo eletrônico DJe-215 divulg. 8/10/2018, public. 9/10/2018, grifei.)
Por fim, cumpre esclarecer que, cristalizando o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal nos trechos acima colacionados, sobreveio a Lei n. 13.769, de 19/12/2018, que acrescentou os seguintes dispositivos ao Código de Processo Penal:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Nessa linha, o indeferimento do pleito de substituição da preventiva pela prisão domiciliar com base no fato de a paciente ter sido apreendida com vultosa quantidade de drogas não possui o condão de afastar o atual entendimento, uma vez que não se apresenta como hábil, por si só, a indicar a existência de situação excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.641/SP, além de não configurar nenhum dos requisitos expressos nos dispositivos legais acima referidos.
A propósito, mutatis mutandis:
..
2. Deve-se atentar para o perigo de utilização do art. 318-A do CPP para, ao contrário da vontade clara da lei, manter a segregação cautelar de mulheres pela sua condição própria de mãe, sem observar se ela teria o direito à liberdade direta ante a ausência do preenchimento dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, ou, se presentes, ante a possibilidade de substituição da cautela extrema por alguma das providências indicadas no art. 319 do CPP.
3. Embora hajam sido indicados elementos concretos para justificar a imposição da cautela extrema à paciente - descumprimento de medidas cautelares anteriormente impostas e o risco de reiteração delitiva, visto que, após haver sido beneficiada com a concessão de liberdade provisória, a paciente foi novamente presa em flagrante, na posse de grande quantidade de droga, elevado valor em dinheiro e diversas embalagens vazias, utilizadas no comércio de drogas -, tais circunstâncias não são suficientes para negar à acusada a concessão da prisão domiciliar, pois não foram referidos dados que pudessem evidenciar que a conduta supostamente perpetrada pela acusada oferecesse riscos à prole, como, por exemplo, a menção à venda de entorpecentes na residência em que reside com os filhos ou à intensa movimentação de pessoas naquele local.
4. A paciente é mãe de cinco crianças e não foi acusada de cometer condutas criminosas que envolvam violência ou grave ameaça contra pessoa nem contra seus filhos.
5. É cabível a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP, para toda mulher presa, gestante, puérpera, ou mãe de criança e deficientes sob sua guarda, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício, conforme dispõe os arts. 318-A e 318-B do CPP.
6. Ordem concedida para assegurar à acusada que, com a comprovação de residência fixa ao Juízo natural da causa, aguarde em prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico, o esgotamento da jurisdição ordinária se não estiver presa por outro motivo. Devem ser aplicadas, ainda, as medidas cautelares dos incisos I, IV do art. 319 do Código de Processo Penal. Fica a cargo do Juízo monocrático, ou ao que ele deprecar, a fiscalização do cumprimento do benefício. (HC n. 519.018/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)
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1. Apresentada fundamentação concreta pelo decreto prisional, evidenciada no fato da recorrente possuir passagens anteriores pelo delito de tráfico de drogas, conforme folha de antecedentes criminais. Ainda, cabendo ressaltar a participação desta em grupo criminoso voltado ao tráfico de entorpecentes.
2. Havendo a indicação de dados concretos para justificar a custódia cautelar, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, visto que insuficientes para resguardar a ordem pública.
3. Examinando a decisão judicial atacada, vê-se como descabida a discussão de necessidade dos cuidados maternos à criança, pois condição legalmente presumida, e não devidamente justificada a insuficiência da cautelar de prisão domiciliar. Ao contrário, consta dos autos que a paciente é mãe de filho menor de 12 anos de idade, de modo que, conforme entendimento pessoal, o excepcionamento à regra geral de proteção da primeira infância pela presença materna exigiria específica fundamentação concreta, o que não se verifica na espécie, evidenciando-se a ocorrência de constrangimento ilegal.
4. Recurso em habeas corpus provido para a substituição da prisão preventiva da paciente KATIA SILVA por prisão domiciliar, sem prejuízo de determinação de outras medidas diversas de prisão, por decisão fundamentada. (RHC n. 103.051/MG, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 5/12/2018)
Portanto, a paciente faz jus à prisão domiciliar, pois, conforme visto acima, não há fundamento suficientemente apto a afastar o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 143.641/SP e as disposições do Código de Processo Penal a partir da publicação da Lei n. 13.769/2018, uma vez que não há notícia de emprego de violência ou grave ameaça nem prática do delito pela ora paciente contra a sua descendência.
Ante todo o exposto, concedo o habeas corpus para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares que o Juízo sentenciante entenda cabíveis, bem como de nova decretação de prisão preventiva em caso de superveniência de novos fatos.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de GLEICY MENDES FERREIRA DA SILVA apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (HC n. 2239582-57.2021.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que, no dia 8/10/2021, a paciente foi presa em flagrante, prisão posteriormente convertida em preventiva, pela suposta prática do delito tipificado no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas), em decorrência da apreensão de aproximadamente 3kg (três quilos) de cocaína.
Impetrado habeas corpus na origem, o Tribunal de Justiça denegou a ordem, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 45):
Habeas Corpus Revogação da prisão preventiva - Paciente presa em flagrante por suposta prática do crime de tráfico de entorpecentes.
Decisão Fundamentada - Desde que a permanência da ré em liberdade possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão danosa no meio social, cabe ao Juiz manter a custódia cautelar como garantia da ordem pública - Indícios de autoria e prova da materialidade.
Primariedade, residência fixa e trabalho lícito são circunstâncias que não impedem a medida constritiva.
Inexistência de constrangimento ilegal.
Ordem denegada.
Daí o presente writ, no qual alega a defesa que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea.
Sustenta que a paciente é mãe de filho menor de 12 anos e aponta, ainda, para as suas condições pessoais favoráveis.
Requer, inclusive liminarmente, "a concessão da ordem de habeas corpus, expedindo-se o competente alvará de soltura em favor da ora PACIENTE". Subsidiariamente, pede para que a paciente "possa ter sua prisão convertida para prisão em regime de albergue domiciliar, conforme lei 13.769/2018 - e entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto" (e-STJ fl. 6).
O pedido liminar foi indeferido.
Informações prestadas.
O Ministério Público Federal manifestou-se pela concessão da ordem para que a prisão preventiva seja substituída por prisão domiciliar.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O objeto do presente pleito cinge-se à verificação da existência de fundamentação idônea no decreto que impôs a segregação cautelar à paciente, bem como à análise da possibilidade de substituir a prisão preventiva por domiciliar em razão de a paciente ser mãe de criança menor de 12 anos.
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
No caso, são estes os fundamentos invocados para a decretação da prisão preventiva, in verbis (e-STJ fls. 28/29):
Verifico que a Defesa da corré Gleicy pleiteou a concessão de prisão domiciliar, sob o fundamento de que se trata de ré primária, com bons antecedentes e tem um filhos que mora sob seus cuidados.
O Ministério Público, às fls. 171/172, requereu o indeferimento do pedido, tendo em vista a suposta gravidade concreta do delito praticado, estando presentes os requisitos da custódia cautelar, em que pese a primariedade.
É caso de indeferimento do pedido formulado pela Defesa.
De acordo com a denúncia, a acusada, na companhia dos corréus, "visando ao lucro, ingressaram na posse da indicada droga, com o fim de entregá-la a terceira pessoa nesta Cidade. Para a realização do transporte, o trio fazia uso do veículo GM-Prisma, cor cinza, placas FMX6D76. Durante a ilícita atividade, no entanto, Carlos, Leandro e Gleicy foram abordados por policiais militares. Em revista no porta-malas, os policiais encontraram uma mochila infantil e, em seu interior, a indicada droga. Desse modo, foram eles presos em flagrante delito. Tendo em vista a grande quantidade de droga apreendida, verifica-se que ela era destinada ao tráfico ilícito."
No Plantão Judiciário, o Magistrado fez menção ao requerimento da Defesa e menciono, n verbis: "saliento que a existência de prole incapaz relativa a Gleicy (fls. 97) não impede o encarceramento, máxime por ela mesma afirmar que a responsável pelos cuidados de seu filho é sua genitora, avó do menor (fls. 31), e por ser admissível o zelo ser exercido pelo genitor; assim, não haverá prejuízo irreparável à criança" (grifos meus)
Como bem destacado pelo MM. Juiz à ocasião, a genitora informou que sua genitora, avó materna do menor, é responsável pelos cuidados.
Além disso, é certo que circunstâncias como bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita são irrelevantes para a revogação da prisão cautelar, desde que esteja presente alguma das hipóteses previstas no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Saliento que a acusada, na companhia dos corréus, estaria praticando o tráfico e foram presos na posse de grande quantidade de drogas, 3 kg de cocaína, o que indica, em tese, envolvimento com o meio criminoso. (Grifei.)
Ademais, consta dos elementos informativos dos autos que a ora paciente pleiteou a substituição da prisão preventiva por domiciliar em razão de ser mãe de criança menor de 12 anos, e a Corte de origem manteve a negativa do pedido nos seguintes termos (e-STJ fls. 47/48):
Assim, inexistindo nulidade a ser sanada, não há que se falar em revogação da prisão preventiva, pois havendo indícios suficientes de autoria e prova da materialidade e desde que a permanência da ré em liberdade possa dar motivo a novos crimes ou cause repercussão danosa no meio social, cabe ao Juiz manter a custódia cautelar como garantia da ordem pública, constituindo em verdadeira medida de segurança.
Ora, o crime de tráfico de entorpecentes é muito grave porque destrói a vida dos jovens e suas respectivas famílias. O traficante, visando auferir lucro, não se importa com seus semelhantes, preferindo praticar o nefasto comércio a qualquer outra atividade lícita, que não prejudique as pessoas.
Tampouco há que se falar em insuficiência de fundamentação da decisão guerreada, eis que fundamentada nos contundentes indícios de autoria e prova de materialidade. Tal decisão está amplamente motivada e não padece de quaisquer vícios formais que porventura a invalide, eis que o magistrado singular justificou tal medida não só diante da gravidade do delito imputado à paciente, como também na presença incólume dos requisitos justificadores da custódia cautelar..
Afora isso, primariedade e outros atributos pessoais são circunstâncias que não obstam a segregação cautelar, quando ocorrentes motivos a legitimar a constrição do acusado.
..
Por fim, não vislumbro que seja caso de concessão das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código Processo Penal, conforme o conjunto probatório acostado aos autos, tendo em vista que, se em liberdade, a paciente poderá continuar a praticar delito de tráfico de entorpecentes ou, então, já prevendo uma possível condenação, fugir do distrito da culpa, prejudicando a correta aplicação da Justiça.
Tampouco vislumbro ser caso de Prisão Domiciliar, pois conforme informações prestadas: "No Plantão Judiciário, o Magistrado fez menção ao requerimento da Defesa e menciono, in verbis: "saliento que a existência de prole incapaz relativa a Gleicy (fls. 97) não impede o encarceramento, máxime por ela mesma afirmar que a responsável pelos cuidados de seu filho é sua genitora, avó do menor (fls. 31), e por ser admissível o zelo ser exercido pelo genitor; assim, não haverá prejuízo irreparável à criança".
Assim sendo, como a paciente não está sofrendo qualquer constrangimento ilegal, o writ deve ser repelido. (Grifei.)
Preliminarmente, cumpre asseverar que não vislumbro, in casu, nenhuma ilegalidade em relação à decretação da prisão preventiva, uma vez que estão presentes os requisitos para a segregação cautelar, em especial a gravidade concreta da conduta, consistente na prática, em tese, de tráfico de drogas.
Entretanto, a meu ver, está patente a ilegalidade da negativa da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, sendo o caso de se superar o referido óbice a fim de cessar a manifesta ilegalidade.
Isso, porque ambas as Turmas criminais desta Corte já firmaram o entendimento, por unanimidade, de que o afastamento da referida benesse para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, conforme se extrai dos julgados a seguir colacionados:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PROCESSUAL. FILHO EM PRIMEIRA INFÂNCIA. PROTEÇÃO DIFERENCIADA À MÃE. PRESUNÇÃO LEGAL DA NECESSIDADE DE PROTEÇÃO E CUIDADOS. MOTIVAÇÃO DE EXCEPCIONAMENTO NÃO RAZOÁVEL. ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. O Estatuto da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), a partir das Regras de Bangkok, normatizou diferenciado tratamento cautelar em proteção à gestante e à criança (a mãe com legalmente presumida necessidade de cuidar do filho, o pai mediante casuística comprovação - art. 318, IV, V e VI do Código de Processo Penal), cabendo ao magistrado justificar a excepcional não incidência da prisão domiciliar - por situações onde os riscos sociais ou ao processo exijam cautelares outras, cumuladas ou não, como o monitoramento eletrônico, a apresentação judicial, ou mesmo o cumprimento em estabelecimento prisional.
2. Decisão atacada que exige descabida prova da necessidade dos cuidados maternos, condição que é legalmente presumida, e não justifica concretamente a insuficiência da cautelar de prisão domiciliar.
3. Paciente que é mãe de duas crianças, com dois e seis anos de idade, de modo que o excepcionamento à regra geral de proteção à primeira infância pela presença materna exigiria específica fundamentação concreta, o que não se verifica na espécie, evidenciando-se a ocorrência de constrangimento ilegal.
4. Concedido o habeas corpus para fixar a prisão domiciliar à paciente, ressalvada a sempre cabível revisão judicial períodica de necessidade e adequação, inclusive para incidência de cautelares mais gravosas.
(HC 362.922/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/04/2017, DJe 20/04/2017.)
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIMENTO. ANÁLISE DO MÉRITO. PRINCÍPIO DA OFICIALIDADE. TRÁFICO DE DROGAS. CONCESSÃO DE PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. MÃE DE 3 FILHOS MENORES DE 12 ANOS. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. PRIMARIEDADE. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL ÀS CRIANÇAS. HC COLETIVO Nº 143.641/SP (STF). ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
2. A questão jurídica limita-se então a verificar a possibilidade de substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar. Nesse contexto, o inciso V do art. 318 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.257/2016, determina que Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
3. O artigo 318 do Código de Processo Penal (que permite a prisão domiciliar da mulher gestante ou mãe de filhos com até 12 anos incompletos) foi instituído para adequar a legislação brasileira a um compromisso assumido internacionalmente pelo Brasil nas Regras de Bangkok. "Todas essas circunstâncias devem constituir objeto de adequada ponderação, em ordem a que a adoção da medida excepcional da prisão domiciliar efetivamente satisfaça o princípio da proporcionalidade e respeite o interesse maior da criança. Esses vetores, por isso mesmo, hão de orientar o magistrado na concessão da prisão domiciliar" (STF, HC n. 134.734/SP, relator Ministro Celso de Melo).
4. Aliás, em uma guinada jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir até mesmo o Habeas Corpus coletivo (Lei 13.300/2016) e concedeu comando geral para fins de cumprimento do art. 318, V, do Código de Processo Penal, em sua redação atual. No ponto, a orientação da Suprema Corte, no Habeas Corpus nº 143.641/SP, da relatoria do Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgado em 20/02/2018, é no sentido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, nos termos do art. 2º do ECA e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiências (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), salvo as seguintes situações: crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o beneficio.
5. Na hipótese dos autos, a paciente é mãe de três filhos menores de 12 (doze) anos (com 10, 7 e 4 anos), é primária, e o crime imputado não envolveu violência ou grave ameaça (tráfico de drogas). Reputa-se legítimo, em respeito, inclusive, ao que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do habeas corpus coletivo n. 143.641/SP, substituir a segregação da paciente pela prisão domiciliar, com espeque no art. 318, V, do Código de Processo Penal. Adequação legal, reforçada pela necessidade de preservação da integridade física e emocional dos infantes. Precedentes do STF e do STJ.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, confirmando a medida liminar, substituir a segregação da paciente pela prisão domiciliar, com a imposição da medida cautelar de proibição de acesso ou comparecimento a estabelecimentos prisionais, especialmente àquele no qual o seu marido se encontrar segregado, sem prejuízo da fixação de outras medidas cautelares, a critério do Juízo a quo.
(HC 455.259/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 29/08/2018.)
De mais a mais, não bastasse referida compreensão já sedimentada no âmbito desta Casa, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 143.641/SP, concedeu habeas corpus coletivo cujo teor, publicado no Informativo n. 891/STF, passo a colacionar:
A Segunda Turma, por maioria, concedeu a ordem em "habeas corpus" coletivo, impetrado em favor de todas as mulheres presas preventivamente que ostentem a condição de gestantes, de puérperas ou de mães de crianças sob sua responsabilidade. Determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP (1) de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas, ou mães de crianças e deficientes sob sua guarda, nos termos do art. 2º do ECA (2) e da Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto Legislativo 186/2008 e Lei 13.146/2015), relacionadas nesse processo pelo DEPEN e outras autoridades estaduais, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício. Estendeu a ordem, de ofício, às demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições previstas acima. Quando a detida for tecnicamente reincidente, o juiz deverá proceder em atenção às circunstâncias do caso concreto, mas sempre tendo por norte os princípios e as regras acima enunciadas, observando, ademais, a diretriz de excepcionalidade da prisão. Se o juiz entender que a prisão domiciliar se mostra inviável ou inadequada em determinadas situações, poderá substituí-la por medidas alternativas arroladas no já mencionado art. 319 do CPP. Para apurar a situação de guardiã dos filhos da mulher presa, dever-se-á dar credibilidade à palavra da mãe. Faculta-se ao juiz, sem prejuízo de cumprir, desde logo, a presente determinação, requisitar a elaboração de laudo social para eventual reanálise do benefício. Caso se constate a suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão, a presente ordem não se aplicará. .. (HC 143.641/SP. relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, julgamento em 20/2/2018, processo eletrônico DJe-215 divulg. 8/10/2018, public. 9/10/2018, grifei.)
Por fim, cumpre esclarecer que, cristalizando o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal nos trechos acima colacionados, sobreveio a Lei n. 13.769, de 19/12/2018, que acrescentou os seguintes dispositivos ao Código de Processo Penal:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).
Nessa linha, o indeferimento do pleito de substituição da preventiva pela prisão domiciliar com base no fato de a paciente ter sido apreendida com vultosa quantidade de drogas não possui o condão de afastar o atual entendimento, uma vez que não se apresenta como hábil, por si só, a indicar a existência de situação excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.641/SP, além de não configurar nenhum dos requisitos expressos nos dispositivos legais acima referidos.
A propósito, mutatis mutandis:
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2. Deve-se atentar para o perigo de utilização do art. 318-A do CPP para, ao contrário da vontade clara da lei, manter a segregação cautelar de mulheres pela sua condição própria de mãe, sem observar se ela teria o direito à liberdade direta ante a ausência do preenchimento dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, ou, se presentes, ante a possibilidade de substituição da cautela extrema por alguma das providências indicadas no art. 319 do CPP.
3. Embora hajam sido indicados elementos concretos para justificar a imposição da cautela extrema à paciente - descumprimento de medidas cautelares anteriormente impostas e o risco de reiteração delitiva, visto que, após haver sido beneficiada com a concessão de liberdade provisória, a paciente foi novamente presa em flagrante, na posse de grande quantidade de droga, elevado valor em dinheiro e diversas embalagens vazias, utilizadas no comércio de drogas -, tais circunstâncias não são suficientes para negar à acusada a concessão da prisão domiciliar, pois não foram referidos dados que pudessem evidenciar que a conduta supostamente perpetrada pela acusada oferecesse riscos à prole, como, por exemplo, a menção à venda de entorpecentes na residência em que reside com os filhos ou à intensa movimentação de pessoas naquele local.
4. A paciente é mãe de cinco crianças e não foi acusada de cometer condutas criminosas que envolvam violência ou grave ameaça contra pessoa nem contra seus filhos.
5. É cabível a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP, para toda mulher presa, gestante, puérpera, ou mãe de criança e deficientes sob sua guarda, enquanto perdurar tal condição, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício, conforme dispõe os arts. 318-A e 318-B do CPP.
6. Ordem concedida para assegurar à acusada que, com a comprovação de residência fixa ao Juízo natural da causa, aguarde em prisão domiciliar, mediante monitoramento eletrônico, o esgotamento da jurisdição ordinária se não estiver presa por outro motivo. Devem ser aplicadas, ainda, as medidas cautelares dos incisos I, IV do art. 319 do Código de Processo Penal. Fica a cargo do Juízo monocrático, ou ao que ele deprecar, a fiscalização do cumprimento do benefício. (HC n. 519.018/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)
..
1. Apresentada fundamentação concreta pelo decreto prisional, evidenciada no fato da recorrente possuir passagens anteriores pelo delito de tráfico de drogas, conforme folha de antecedentes criminais. Ainda, cabendo ressaltar a participação desta em grupo criminoso voltado ao tráfico de entorpecentes.
2. Havendo a indicação de dados concretos para justificar a custódia cautelar, não se revela cabível a aplicação de medidas cautelares alternativas à prisão, visto que insuficientes para resguardar a ordem pública.
3. Examinando a decisão judicial atacada, vê-se como descabida a discussão de necessidade dos cuidados maternos à criança, pois condição legalmente presumida, e não devidamente justificada a insuficiência da cautelar de prisão domiciliar. Ao contrário, consta dos autos que a paciente é mãe de filho menor de 12 anos de idade, de modo que, conforme entendimento pessoal, o excepcionamento à regra geral de proteção da primeira infância pela presença materna exigiria específica fundamentação concreta, o que não se verifica na espécie, evidenciando-se a ocorrência de constrangimento ilegal.
4. Recurso em habeas corpus provido para a substituição da prisão preventiva da paciente KATIA SILVA por prisão domiciliar, sem prejuízo de determinação de outras medidas diversas de prisão, por decisão fundamentada. (RHC n. 103.051/MG, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 5/12/2018)
Portanto, a paciente faz jus à prisão domiciliar, pois, conforme visto acima, não há fundamento suficientemente apto a afastar o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 143.641/SP e as disposições do Código de Processo Penal a partir da publicação da Lei n. 13.769/2018, uma vez que não há notícia de emprego de violência ou grave ameaça nem prática do delito pela ora paciente contra a sua descendência.
Ante todo o exposto, concedo o habeas corpus para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares que o Juízo sentenciante entenda cabíveis, bem como de nova decretação de prisão preventiva em caso de superveniência de novos fatos.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE MÃE DE CRIANÇA MENOR DE 12 ANOS. SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE.
1. O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).
2. Ademais, a partir da Lei n. 13.769, de 19/12/2018, dispõe o Código de Processo Penal em seu art. 318-A, caput e incisos, que, em não havendo emprego de violência ou grave ameaça nem prática do delito contra os seus descendentes, a mãe fará jus à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
3. No presente caso, a prisão preventiva está justificada pois, segundo a decisão que a impôs, a paciente foi flagrada na posse de elevada quantidade de substância entorpecente, qual seja, cerca de 3kg (três quilos) de cocaína. Dessarte, evidenciada a sua periculosidade e a necessidade da segregação como forma de acautelar a ordem pública.
4. Contudo, a paciente é mãe de criança menor de 12 anos de idade, não praticou delito contra sua descendência e o crime a ela imputado não foi perpetrado mediante emprego de violência ou grave ameaça. Nessa linha, o indeferimento do pleito de substituição da preventiva pela prisão domiciliar, com base no fato de a paciente ter sido apreendida com vultosa quantidade de drogas, não possui o condão de afastar o atual entendimento, uma vez que não se apresenta como hábil, por si só, a indicar a existência de situação excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.641/SP, além de não configurar nenhum dos requisitos expressos nos dispositivos legais pertinentes.
5. Habeas corpus concedido para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares que o Juízo sentenciante entenda cabíveis, bem como de nova decretação de prisão preventiva em caso de superveniência de novos fatos. | PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PACIENTE MÃE DE CRIANÇA MENOR DE 12 ANOS. SUBSTITUIÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. | 1. O afastamento da prisão domiciliar para mulher gestante ou mãe de filho menor de 12 anos exige fundamentação idônea e casuística, independentemente de comprovação de indispensabilidade da sua presença para prestar cuidados ao filho, sob pena de infringência ao art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal, inserido pelo Marco Legal da Primeira Infância (Lei n. 13.257/2016).
2. Ademais, a partir da Lei n. 13.769, de 19/12/2018, dispõe o Código de Processo Penal em seu art. 318-A, caput e incisos, que, em não havendo emprego de violência ou grave ameaça nem prática do delito contra os seus descendentes, a mãe fará jus à substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar.
3. No presente caso, a prisão preventiva está justificada pois, segundo a decisão que a impôs, a paciente foi flagrada na posse de elevada quantidade de substância entorpecente, qual seja, cerca de 3kg (três quilos) de cocaína. Dessarte, evidenciada a sua periculosidade e a necessidade da segregação como forma de acautelar a ordem pública.
4. Contudo, a paciente é mãe de criança menor de 12 anos de idade, não praticou delito contra sua descendência e o crime a ela imputado não foi perpetrado mediante emprego de violência ou grave ameaça. Nessa linha, o indeferimento do pleito de substituição da preventiva pela prisão domiciliar, com base no fato de a paciente ter sido apreendida com vultosa quantidade de drogas, não possui o condão de afastar o atual entendimento, uma vez que não se apresenta como hábil, por si só, a indicar a existência de situação excepcionalíssima, nos moldes do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a ensejar o afastamento do entendimento firmado por ocasião do julgamento do HC n. 143.641/SP, além de não configurar nenhum dos requisitos expressos nos dispositivos legais pertinentes.
5. Habeas corpus concedido para substituir a prisão preventiva da paciente por prisão domiciliar, sem prejuízo da aplicação de outras medidas cautelares que o Juízo sentenciante entenda cabíveis, bem como de nova decretação de prisão preventiva em caso de superveniência de novos fatos. | N |
145,716,678 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder Habeas Corpus,de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. LONGA PENA A CUMPRIR E GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A longevidade da pena e a gravidade abstrata dos delitos praticados, por si sós, não servem como fundamentos para impedir a progressão de regime prisional, devendo ser levados em consideração, para esse fim, os fatos ocorridos no curso da execução penal.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em favor de LUIZ HENRIQUE VENANCIO contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no Agravo em Execução n.0004090-14.2021.8.26.0520, assim ementado:
"Agravo em execução. Deferimento de progressão ao regime semiaberto. Falta de mérito. Retorno ao regime fechado.
Provimento ao recurso."(fl. 55)
Consta dos autos que o Juízo da Execução Penal deferiu a progressão do paciente ao regime semiaberto.
O Tribunala quodeu provimento ao recurso do Ministério Público, determinando o retorno do apenado ao regime fechado.
No presente mandamus, o impetrante alega que o paciente possui bom comportamento carcerário, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal -LEP. Sustenta que o benefício foi cassado com base na gravidade abstrata do delito e na longevidade da pena. Ressalta a existência de exame criminológicofavorável à benesse.
Busca, em liminar e no mérito, o restabelecimento do benefício.
Indeferido o pedido liminar e prestadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessãoda ordem (fls. 81/87).
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. LONGA PENA A CUMPRIR E GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A longevidade da pena e a gravidade abstrata dos delitos praticados, por si sós, não servem como fundamentos para impedir a progressão de regime prisional, devendo ser levados em consideração, para esse fim, os fatos ocorridos no curso da execução penal.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução.
VOTO
Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
Na hipótese dos autos, verifica-se que o pedido de progressão de regime foi cassado pela ausência do preenchimento do requisito subjetivo, com fundamento unicamente na longevidade da pena e na gravidade abstrata dos delitos praticados. Confira-se:
" ..
Há de se considerar, contudo, ser prematura a concessão do benefício, conforme se verifica do Boletim Informativo da Secretaria de Administração Penitenciária (fls.14/18), porque: 1. o Agravado possui personalidade desvirtuada, condenado que foi pela prática de vários crimes de roubo majorado, que causam intranquilidade social, especialmente porque agridem a paz pública, exigindo-se redobrada e minuciosa análise do requisito subjetivo (fls.13/18); 2. o término de cumprimento de penaestá previsto para 02.07.2039 (fls.14); 3.
quanto ao atestado de bom comportamento carcerário (fls.13), cumpre observar que a maioria dos condenados não se atreve a romper a disciplina prisional, ou evitam fazê-la nos últimos tempos, para não se dizer, nos últimos anos, sabedores de que, assim agindo, poderão, de forma mais fácil, ludibriar não só o diretor do presídio, mas principalmente o julgador de seu benefício; 4. o bom comportamento carcerário atestado não significa necessariamente que a Agravada possua mérito à progressão, já que o bom comportamento carcerário serve para averiguar a aptidão de aceitar as normas do sistema prisional, não querendo dizer que está pronta para vivenciar um regime menos rigoroso:
a. valendo aqui transcrever a precisa lição de Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, Ricardo Antunes Andreucci e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo ("Penas e Medidas de Segurança no Novo Código", Ed. RT, 2ª Ed., 1987, p.233): .. "(fls. 56/57)
O acórdão impugnado está em dissonância com o entendimento firmado pela jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a longevidade da pena e a gravidade abstrata dos delitos praticados, por si sós, não servem como fundamentos para impedir a progressão de regime prisional, devendo ser levados em consideração, para esse fim, os fatos ocorridos no curso da execução penal. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ROUBOS QUALIFICADOS. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS E PELA CORTE DE ORIGEM COM BASE, TÃO SOMENTE, NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO E LONGA PENA A CUMPRIR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. Na espécie, a progressão do reeducando para o regime semiaberto foi indeferida pelo Juízo das Execuções Criminais e pelo Tribunal de origem com fundamento, tão somente, na gravidade abstrata do delito pelo qual foi condenado o paciente e na longa pena a cumprir.
3. Sobre a matéria, esta Corte Superior de Justiça pacificou entendimento no sentido de que fatores relacionados ao crime praticado são determinantes da pena aplicada, mas não justificam diferenciado tratamento para a progressão de regime, de modo que a avaliação do cumprimento do requisito subjetivo somente poderá fundar-se em fatos ocorridos no curso da própria execução penal.
4. Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício para cassar o acórdão proferido no Agravo em Execução Penal n. 9000202-08.2015.8.26.0482 e determinar, em consequência, que o Juízo das Execuções Criminais reaprecie o pedido de progressão de regime prisional, baseando-se em dados concretos relativos à execução da pena do ora paciente.
(HC 356.576/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 29/6/2016).
CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, a justificar a concessão da ordem de ofício.
2. O art. 122 da Lei de Execuções Penais exige para a concessão da progressão de regime o preenchimento dos requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário).
3. A jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de há constrangimento ilegal no indeferimento do pedido de progressão, quando a ausência do elemento subjetivo é fundamentada apenas na gravidade em abstrato do delito ou na longa pena a cumprir.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao Juízo das execuções que reaprecie o pedido de progressão de regime, baseando-se em dados concretos relativos à execução da pena.
(HC 339.131/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 17/5/2016).
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.
..
EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. GRAVIDADE DO DELITO COMETIDO E LONGEVIDADE DA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
1. De acordo com o art. 112 da LEP, o requisito subjetivo necessário à concessão de progressão prisional é aferido através de atestado de bom comportamento carcerário expedido pelo diretor do estabelecimento no qual o condenado cumpre sua sanção privativa de liberdade.
2. No entanto, não é vedado ao magistrado o indeferimento do benefício quando, a despeito do reeducando apresentar atestado de bom comportamento carcerário, entender não implementado o requisito subjetivo, desde que aponte peculiaridades da situação fática que demonstrem a ausência de mérito do condenado.
3. Na hipótese, invocou-se tão somente a gravidade do delito pelo qual o paciente restou condenado - latrocínio -, bem como a longa pena a cumprir, para indeferir a sua promoção ao regime intermediário, tendo sido sugerida, ainda, a realização de exame criminológico para comprovação do preenchimento do requisito subjetivo para a obtenção do referido benefício.
4. A gravidade do delito e a longevidade da pena, por si sós, não se mostram idôneos para a negativa de progressão prisional, na medida em que o que se exige do reeducando é que demonstre seu mérito no curso da execução de sua pena, pois fatores relacionados ao delito pelo qual restou condenado já foram sopesados pelo Magistrado sentenciante no processo de conhecimento.
5. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido de ofício para determinar que o Juízo da execução reexamine o pedido de progressão de regime formulado em favor do paciente, apontando, quando da análise do requisito subjetivo, dados concretos do curso da execução da pena, bem como para afastar a gravidade do delito cometido e a longa pena a cumprir como óbices à concessão da aludida benesse.
(HC 333.030/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 4/5/2016).
Ante o exposto, voto pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder Habeas Corpus,de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em favor de LUIZ HENRIQUE VENANCIO contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido no Agravo em Execução n.0004090-14.2021.8.26.0520, assim ementado:
"Agravo em execução. Deferimento de progressão ao regime semiaberto. Falta de mérito. Retorno ao regime fechado.
Provimento ao recurso."(fl. 55)
Consta dos autos que o Juízo da Execução Penal deferiu a progressão do paciente ao regime semiaberto.
O Tribunala quodeu provimento ao recurso do Ministério Público, determinando o retorno do apenado ao regime fechado.
No presente mandamus, o impetrante alega que o paciente possui bom comportamento carcerário, nos termos do art. 112 da Lei de Execução Penal -LEP. Sustenta que o benefício foi cassado com base na gravidade abstrata do delito e na longevidade da pena. Ressalta a existência de exame criminológicofavorável à benesse.
Busca, em liminar e no mérito, o restabelecimento do benefício.
Indeferido o pedido liminar e prestadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela concessãoda ordem (fls. 81/87).
É o relatório.
VOTO
Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
Na hipótese dos autos, verifica-se que o pedido de progressão de regime foi cassado pela ausência do preenchimento do requisito subjetivo, com fundamento unicamente na longevidade da pena e na gravidade abstrata dos delitos praticados. Confira-se:
" ..
Há de se considerar, contudo, ser prematura a concessão do benefício, conforme se verifica do Boletim Informativo da Secretaria de Administração Penitenciária (fls.14/18), porque: 1. o Agravado possui personalidade desvirtuada, condenado que foi pela prática de vários crimes de roubo majorado, que causam intranquilidade social, especialmente porque agridem a paz pública, exigindo-se redobrada e minuciosa análise do requisito subjetivo (fls.13/18); 2. o término de cumprimento de penaestá previsto para 02.07.2039 (fls.14); 3.
quanto ao atestado de bom comportamento carcerário (fls.13), cumpre observar que a maioria dos condenados não se atreve a romper a disciplina prisional, ou evitam fazê-la nos últimos tempos, para não se dizer, nos últimos anos, sabedores de que, assim agindo, poderão, de forma mais fácil, ludibriar não só o diretor do presídio, mas principalmente o julgador de seu benefício; 4. o bom comportamento carcerário atestado não significa necessariamente que a Agravada possua mérito à progressão, já que o bom comportamento carcerário serve para averiguar a aptidão de aceitar as normas do sistema prisional, não querendo dizer que está pronta para vivenciar um regime menos rigoroso:
a. valendo aqui transcrever a precisa lição de Miguel Reale Júnior, René Ariel Dotti, Ricardo Antunes Andreucci e Sérgio Marcos de Moraes Pitombo ("Penas e Medidas de Segurança no Novo Código", Ed. RT, 2ª Ed., 1987, p.233): .. "(fls. 56/57)
O acórdão impugnado está em dissonância com o entendimento firmado pela jurisprudência desta Corte Superior, no sentido de que a longevidade da pena e a gravidade abstrata dos delitos praticados, por si sós, não servem como fundamentos para impedir a progressão de regime prisional, devendo ser levados em consideração, para esse fim, os fatos ocorridos no curso da execução penal. Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. ROUBOS QUALIFICADOS. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS E PELA CORTE DE ORIGEM COM BASE, TÃO SOMENTE, NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO E LONGA PENA A CUMPRIR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. Na espécie, a progressão do reeducando para o regime semiaberto foi indeferida pelo Juízo das Execuções Criminais e pelo Tribunal de origem com fundamento, tão somente, na gravidade abstrata do delito pelo qual foi condenado o paciente e na longa pena a cumprir.
3. Sobre a matéria, esta Corte Superior de Justiça pacificou entendimento no sentido de que fatores relacionados ao crime praticado são determinantes da pena aplicada, mas não justificam diferenciado tratamento para a progressão de regime, de modo que a avaliação do cumprimento do requisito subjetivo somente poderá fundar-se em fatos ocorridos no curso da própria execução penal.
4. Habeas corpus não conhecido. Contudo, ordem concedida de ofício para cassar o acórdão proferido no Agravo em Execução Penal n. 9000202-08.2015.8.26.0482 e determinar, em consequência, que o Juízo das Execuções Criminais reaprecie o pedido de progressão de regime prisional, baseando-se em dados concretos relativos à execução da pena do ora paciente.
(HC 356.576/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 29/6/2016).
CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DO REQUISITO SUBJETIVO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, a justificar a concessão da ordem de ofício.
2. O art. 122 da Lei de Execuções Penais exige para a concessão da progressão de regime o preenchimento dos requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (bom comportamento carcerário).
3. A jurisprudência desta Corte Superior é assente no sentido de há constrangimento ilegal no indeferimento do pedido de progressão, quando a ausência do elemento subjetivo é fundamentada apenas na gravidade em abstrato do delito ou na longa pena a cumprir.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao Juízo das execuções que reaprecie o pedido de progressão de regime, baseando-se em dados concretos relativos à execução da pena.
(HC 339.131/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 17/5/2016).
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO.
..
EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. GRAVIDADE DO DELITO COMETIDO E LONGEVIDADE DA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
1. De acordo com o art. 112 da LEP, o requisito subjetivo necessário à concessão de progressão prisional é aferido através de atestado de bom comportamento carcerário expedido pelo diretor do estabelecimento no qual o condenado cumpre sua sanção privativa de liberdade.
2. No entanto, não é vedado ao magistrado o indeferimento do benefício quando, a despeito do reeducando apresentar atestado de bom comportamento carcerário, entender não implementado o requisito subjetivo, desde que aponte peculiaridades da situação fática que demonstrem a ausência de mérito do condenado.
3. Na hipótese, invocou-se tão somente a gravidade do delito pelo qual o paciente restou condenado - latrocínio -, bem como a longa pena a cumprir, para indeferir a sua promoção ao regime intermediário, tendo sido sugerida, ainda, a realização de exame criminológico para comprovação do preenchimento do requisito subjetivo para a obtenção do referido benefício.
4. A gravidade do delito e a longevidade da pena, por si sós, não se mostram idôneos para a negativa de progressão prisional, na medida em que o que se exige do reeducando é que demonstre seu mérito no curso da execução de sua pena, pois fatores relacionados ao delito pelo qual restou condenado já foram sopesados pelo Magistrado sentenciante no processo de conhecimento.
5. Writ não conhecido. Habeas corpus concedido de ofício para determinar que o Juízo da execução reexamine o pedido de progressão de regime formulado em favor do paciente, apontando, quando da análise do requisito subjetivo, dados concretos do curso da execução da pena, bem como para afastar a gravidade do delito cometido e a longa pena a cumprir como óbices à concessão da aludida benesse.
(HC 333.030/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 4/5/2016).
Ante o exposto, voto pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução. | EMENTA
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. LONGA PENA A CUMPRIR E GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A longevidade da pena e a gravidade abstrata dos delitos praticados, por si sós, não servem como fundamentos para impedir a progressão de regime prisional, devendo ser levados em consideração, para esse fim, os fatos ocorridos no curso da execução penal.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução. | HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. LONGA PENA A CUMPRIR E GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | 1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A longevidade da pena e a gravidade abstrata dos delitos praticados, por si sós, não servem como fundamentos para impedir a progressão de regime prisional, devendo ser levados em consideração, para esse fim, os fatos ocorridos no curso da execução penal.
3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão do Juízo da Execução. | N |
146,136,277 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, ou o fato do paciente ser desempregado e ter tatuagens, sem remissão às demais peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstram que o paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Assim, in casu, sendo o paciente primário e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar elegido pelo Juízo de origem.
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V -In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de GUSTAVO CALIXTO DOS SANTOS contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que o pacientefoi condenado por infração ao art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, às penas de 02 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 250 dias-multa, sendo substituída a privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
Irresignada, a acusação interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que deu provimento ao apelo, para afastar o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, readequando as reprimendas aplicadas para 05 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 500 dias-multa, nos termos do acórdão juntado às fls. 52-59, com a seguinte ementa:
"Apelação Criminal. Tráfico de drogas (artigo 33,caput, da Lei11.343/06). Sentença condenatória mantida. Recurso Ministerial. Pretensão ao afastamento do redutor previsto no§4º do art. 33 da Lei de Drogas. Possibilidade. Quantidade elevada de entorpecentes e circunstâncias do crime que comprovam a dedicação do réu a atividades criminosas. Necessária readequação da reprimenda. Necessária a imposição do regime fechado para o início de cumprimento de pena. Sentença reformada. Recurso ministerial provido."
No presente writ, o impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que opaciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dediqueàs atividades criminosas e nem que integreorganizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-8).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 62-63).
As informações foram prestadas às fls. 67-90.
O Ministério Público Federal, às fls. 92-96, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE MANIFESTA. RÉU PRIMÁRIO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. QUANTIDADEDE DROGA (9,6 g de maconha e 45,7 g de cocaína). QUANTITATIVO DA PENA (2 anos e 6 meses de reclusão). INADEQUAÇÃO DO REGIME FECHADO. FIXAÇÃO DOREGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DEDIREITO. CONCESSÃO DA ORDEM.1. É pacífica a jurisprudência no sentido de que não deve ser conhecido o habeas corpus impetrado como substitutivo de recurso, cabendo, porém, a verificação da existência deflagrante ilegalidade que justifique a concessão da ordem, deofício.2. Levando-se em consideração as condições subjetivas favoráveis do paciente (primariedade e bons antecedentes),ressaltados na sentença (fls. 47/48), o quantitativo da pena aplicada (2 anos e 6 meses de reclusão), bem assim a quantidade de droga (9,6 g de maconha e 45,7 g de cocaína)apreendida, verifica-se a existência de constrangimento ilegal no afastamento do redutor do §4º do artigo 33 da Lei11.343/2006 e na imposição do regime inicial fechado, sendo, pois, adequada a redução da reprimenda, a colocação do paciente no regime aberto e assegurada a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito.3. Parecer pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para que seja determinada afixação do regime aberto para cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos nos termos em que determinado na sentença."
É o relatório.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, ou o fato do paciente ser desempregado e ter tatuagens, sem remissão às demais peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstram que o paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Assim, in casu, sendo o paciente primário e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar elegido pelo Juízo de origem.
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V -In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que o paciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"No caso dos autos, a considerável quantidade de drogas apreendidas (22 porções de "maconha" e 82 porções de "cocaína"), com potencial para atingir grande quantidade de usuários, aliada às circunstâncias da prisão em flagrante, em que o apelante foi surpreendido com expressivo volume de entorpecentes em conhecido ponto de tráfico, revelam que o réu se dedicava à atividade criminosa e faz da difusão do vício, com animus lucrandi, modus vivendi.
Destaca-se, mais uma vez, que a ausência de indicação de trabalholícito, reforça o entendimento de que o réu fazia do tráfico seu meio de vida, por não ser capaz de comprovar outros meios para subsistir e arcar com o valor das drogas apreendidas, sendo certo que no mundo do crime o produto de venda não é fornecido a prazo, sem que se tenha proximidade e confiança da fonte distribuidora.
O acusado ,como dito, desinteressou-se em demonstrar minimamente alguma dedicação ao trabalho lícito. Resulta, assim, a certeza de que o crime é o expediente de que se vale, e a disseminação do vício constitui modus vivendi, pois têm incidência, com todo vigor, as regras de experiência comum (id quod plerum que accidit).
..
Ademais, importante destacar que o próprio réu admitiu, em juízo(fls. 140/144), que não possui profissão, não é usuário de drogas e de fato realizava a traficância no momento em que foi abordado pelos policiais militares, bem como que possui passagens anteriores pela Vara da Infância e Juventude (fls. 83/102).
Além disso, pode-se extrair do boletim de ocorrência (fls. 02) que, embora não possam ser consideradas senão em conjunto com as demais provas produzidas nos autos, as tatuagens que o réu possui reforçam seu envolvimento com atividades criminosas "Tatuagem Braço Esquerdo: TIO PATINHAS E DINHEIRO, Tatuagem Braço Esquerdo PALHAÇO E ESC MARCELA", a indicar "ligação com a prática de roubo, formação de quadrilha e possibilidade de envolvimento em morte de policiais." (SILVA, Alden José Lazaro. Tatuagem: desvendando segredos. 2011. Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia,p.18).
Repita-se que aludidas gravuras não podem ser consideradas isoladamente, mas, em conjunto com as demais provas colhidas e diante dos anos de experiência daqueles que perenemente combatem o crime organizado e o tráfico de entorpecentes, corroboram com a conduta criminosa do réu."
O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, ou o fato do paciente ser desempregado e ter tatuagens, sem remissão às demais peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstram que opacientese dedicavaàs atividades criminosas, nem que integravaorganização criminosa.
Assim, in casu, sendo opacienteprimárioe fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, nopatamar elegido pelo Juízo de origem.
Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte Superior:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. NATUREZA DA DROGA. QUANTIDADE ÍNFIMA (1,1 G). APLICAÇÃO DO REDUTOR NO MÍNIMO LEGAL. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO DESFAVORÁVEL. MODO SEMIABERTO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Não há bis in idem nas decisões impugnadas, quando, no cálculo da pena, foram considerados argumentos distintos para majorar a pena-base (o envolvimento de inúmeros adolescentes) e para definir o índice de redução, pela causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (a natureza da droga). 4. É manifestamente desproporcional a redução da pena no mínimo legal (1/6), pela incidência da minorante em questão, com fulcro, apenas, na natureza do entorpecente (cocaína), diante da ínfima quantia da substância apreendida (1,1 g), aliada ao fato de que a paciente é primária e não há prova de que se dedica ao tráfico de entorpecentes ou integre organização criminosa. Aplicação do índice de diminuição em 2/3. Precedente. 5. Fixada a sanção corporal em patamar inferior a quatro anos de reclusão e sendo desfavoráveis as circunstâncias do delito, que justificaram o aumento da pena-base, revela-se correta a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva, nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no grau máximo, redimensionando a pena da paciente para 1 anos e 10 meses de reclusão mais 166 dias-multa" (HC n. 372.496/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 7/12/2016, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. ALTERAÇÃO DE REGIME. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. PREJUDICIALIDADE. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PATAMAR MÁXIMO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (3,0g de cocaína), legítima é a aplicação da causa especial de diminuição (art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a pena imposta ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, mais o pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, mantidos, no mais, os termos da condenação" (HC n. 362.968/SP, Sexta turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 22/11/2016, grifei).
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
..
7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente"(HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
.. 3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY"(HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu,considerando a primariedade dopacientee o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazjus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau, nos exatos moldes estabelecidos pelo Juízo originário.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de GUSTAVO CALIXTO DOS SANTOS contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que o pacientefoi condenado por infração ao art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, às penas de 02 anos e 06 meses de reclusão, em regime inicial aberto, e 250 dias-multa, sendo substituída a privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.
Irresignada, a acusação interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que deu provimento ao apelo, para afastar o redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, readequando as reprimendas aplicadas para 05 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 500 dias-multa, nos termos do acórdão juntado às fls. 52-59, com a seguinte ementa:
"Apelação Criminal. Tráfico de drogas (artigo 33,caput, da Lei11.343/06). Sentença condenatória mantida. Recurso Ministerial. Pretensão ao afastamento do redutor previsto no§4º do art. 33 da Lei de Drogas. Possibilidade. Quantidade elevada de entorpecentes e circunstâncias do crime que comprovam a dedicação do réu a atividades criminosas. Necessária readequação da reprimenda. Necessária a imposição do regime fechado para o início de cumprimento de pena. Sentença reformada. Recurso ministerial provido."
No presente writ, o impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que opaciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dediqueàs atividades criminosas e nem que integreorganizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-8).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 62-63).
As informações foram prestadas às fls. 67-90.
O Ministério Público Federal, às fls. 92-96, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE MANIFESTA. RÉU PRIMÁRIO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. QUANTIDADEDE DROGA (9,6 g de maconha e 45,7 g de cocaína). QUANTITATIVO DA PENA (2 anos e 6 meses de reclusão). INADEQUAÇÃO DO REGIME FECHADO. FIXAÇÃO DOREGIME ABERTO. SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVA DEDIREITO. CONCESSÃO DA ORDEM.1. É pacífica a jurisprudência no sentido de que não deve ser conhecido o habeas corpus impetrado como substitutivo de recurso, cabendo, porém, a verificação da existência deflagrante ilegalidade que justifique a concessão da ordem, deofício.2. Levando-se em consideração as condições subjetivas favoráveis do paciente (primariedade e bons antecedentes),ressaltados na sentença (fls. 47/48), o quantitativo da pena aplicada (2 anos e 6 meses de reclusão), bem assim a quantidade de droga (9,6 g de maconha e 45,7 g de cocaína)apreendida, verifica-se a existência de constrangimento ilegal no afastamento do redutor do §4º do artigo 33 da Lei11.343/2006 e na imposição do regime inicial fechado, sendo, pois, adequada a redução da reprimenda, a colocação do paciente no regime aberto e assegurada a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito.3. Parecer pelo não conhecimento do habeas corpus, mas pela concessão da ordem, de ofício, para que seja determinada afixação do regime aberto para cumprimento da pena e a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos nos termos em que determinado na sentença."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que o paciente é primário, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"No caso dos autos, a considerável quantidade de drogas apreendidas (22 porções de "maconha" e 82 porções de "cocaína"), com potencial para atingir grande quantidade de usuários, aliada às circunstâncias da prisão em flagrante, em que o apelante foi surpreendido com expressivo volume de entorpecentes em conhecido ponto de tráfico, revelam que o réu se dedicava à atividade criminosa e faz da difusão do vício, com animus lucrandi, modus vivendi.
Destaca-se, mais uma vez, que a ausência de indicação de trabalholícito, reforça o entendimento de que o réu fazia do tráfico seu meio de vida, por não ser capaz de comprovar outros meios para subsistir e arcar com o valor das drogas apreendidas, sendo certo que no mundo do crime o produto de venda não é fornecido a prazo, sem que se tenha proximidade e confiança da fonte distribuidora.
O acusado ,como dito, desinteressou-se em demonstrar minimamente alguma dedicação ao trabalho lícito. Resulta, assim, a certeza de que o crime é o expediente de que se vale, e a disseminação do vício constitui modus vivendi, pois têm incidência, com todo vigor, as regras de experiência comum (id quod plerum que accidit).
..
Ademais, importante destacar que o próprio réu admitiu, em juízo(fls. 140/144), que não possui profissão, não é usuário de drogas e de fato realizava a traficância no momento em que foi abordado pelos policiais militares, bem como que possui passagens anteriores pela Vara da Infância e Juventude (fls. 83/102).
Além disso, pode-se extrair do boletim de ocorrência (fls. 02) que, embora não possam ser consideradas senão em conjunto com as demais provas produzidas nos autos, as tatuagens que o réu possui reforçam seu envolvimento com atividades criminosas "Tatuagem Braço Esquerdo: TIO PATINHAS E DINHEIRO, Tatuagem Braço Esquerdo PALHAÇO E ESC MARCELA", a indicar "ligação com a prática de roubo, formação de quadrilha e possibilidade de envolvimento em morte de policiais." (SILVA, Alden José Lazaro. Tatuagem: desvendando segredos. 2011. Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia,p.18).
Repita-se que aludidas gravuras não podem ser consideradas isoladamente, mas, em conjunto com as demais provas colhidas e diante dos anos de experiência daqueles que perenemente combatem o crime organizado e o tráfico de entorpecentes, corroboram com a conduta criminosa do réu."
O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, ou o fato do paciente ser desempregado e ter tatuagens, sem remissão às demais peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstram que opacientese dedicavaàs atividades criminosas, nem que integravaorganização criminosa.
Assim, in casu, sendo opacienteprimárioe fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, nopatamar elegido pelo Juízo de origem.
Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte Superior:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. NATUREZA DA DROGA. QUANTIDADE ÍNFIMA (1,1 G). APLICAÇÃO DO REDUTOR NO MÍNIMO LEGAL. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO DESFAVORÁVEL. MODO SEMIABERTO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Não há bis in idem nas decisões impugnadas, quando, no cálculo da pena, foram considerados argumentos distintos para majorar a pena-base (o envolvimento de inúmeros adolescentes) e para definir o índice de redução, pela causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (a natureza da droga). 4. É manifestamente desproporcional a redução da pena no mínimo legal (1/6), pela incidência da minorante em questão, com fulcro, apenas, na natureza do entorpecente (cocaína), diante da ínfima quantia da substância apreendida (1,1 g), aliada ao fato de que a paciente é primária e não há prova de que se dedica ao tráfico de entorpecentes ou integre organização criminosa. Aplicação do índice de diminuição em 2/3. Precedente. 5. Fixada a sanção corporal em patamar inferior a quatro anos de reclusão e sendo desfavoráveis as circunstâncias do delito, que justificaram o aumento da pena-base, revela-se correta a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva, nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no grau máximo, redimensionando a pena da paciente para 1 anos e 10 meses de reclusão mais 166 dias-multa" (HC n. 372.496/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 7/12/2016, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. ALTERAÇÃO DE REGIME. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. PREJUDICIALIDADE. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PATAMAR MÁXIMO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (3,0g de cocaína), legítima é a aplicação da causa especial de diminuição (art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a pena imposta ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, mais o pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, mantidos, no mais, os termos da condenação" (HC n. 362.968/SP, Sexta turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 22/11/2016, grifei).
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
..
7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente"(HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
.. 3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY"(HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu,considerando a primariedade dopacientee o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazjus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau, nos exatos moldes estabelecidos pelo Juízo originário.
É o voto. | EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, ou o fato do paciente ser desempregado e ter tatuagens, sem remissão às demais peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstram que o paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Assim, in casu, sendo o paciente primário e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar elegido pelo Juízo de origem.
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V -In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, ou o fato do paciente ser desempregado e ter tatuagens, sem remissão às demais peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstram que o paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Assim, in casu, sendo o paciente primário e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no patamar elegido pelo Juízo de origem.
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V -In casu, considerando a primariedade do paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | N |
146,136,294 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PENAL.HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO.FALTA GRAVE (NOVO CRIME) DURANTEPERÍODO DE PROVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PAD. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PRECEDENTES. RECONHECIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. REGRAMENTO PRÓPRIO. ARTS. 83 A 90 DO CP E 131 A 146 DA LEP. PRECEDENTES.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.HABEAS CORPUSNÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I- ATerceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pelaPrimeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitirhabeas corpusem substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II -Assente nesta eg. Corte que"A prática de crime no curso do período de prova do livramento condicional não tem o condão de gerar os efeitos próprios da prática de falta grave (..) mas tão somente, após a efetiva revogação, a perda do tempo cumprido em livramento condicional e a impossibilidade de nova concessão do benefício no tocante à mesma pena"(HC n. 271.907/SP,Sexta Turma,Rel. Min.Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/4/2014).
IV- Ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, inadmissível, por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
Ordem concedida, de ofício,para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de MARCELO DE OLIVEIRA KLAUS, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL noAgravo em Execução Penal n. 5213971-41.2021.8.21.7000.
Consta dos autos que opaciente foi acusado de cometer nova infração penal enquanto usufruía de livramento condicional.Diante da notícia, o Juízo da execução penal suspendeu cauterlamente o aludido benefício, mas não designou audiência de justificação para analisar a prática de falta grave pelo apenado, além de indeferir pedido ministerial de instauração de procedimento administrativo disciplinar (fls. 779-782).
Inconformado, oMinistério Publicou recorreu ao Tribunal de origem, que deu provimento ao agravo ministerial,para determinar a realização da audiência de justificação, nos termos do art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, com escopo em eventual reconhecimento nos termos do acórdão de fls. 828-834, assim ementado:
"AGRAVO EM EXECUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRÁTICA DE NOVO DELITO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. SUSPENSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. INSTAURAÇÃO DE PAD. DESNECESSIDADE. TEMA 941 DO STF. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. NECESSIDADE. REFORMA DA DECISÃO A QUO.
Entendimento assente nesta Corte, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, que a simples prática de novo crime, no curso do período de prova do livramento condicional concedido, além de autorizar a suspensão do benefício, nos termos do art.145 da Lei de Execuções Penais, também enseja o reconhecimento de falta grave, nos termos do art. 52 da LEP. Desse modo, diante do §2º do artigo 118 da LEP, é imprescindível a prévia designação de audiência para a oitiva do apenado.
AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME."
Neste writ, oimpetrante sustenta o descabimento da instauração de processo administrativo disciplinar para apurar a prática de falta grave pelo paciente no curso do livramento condicional.
Alega que, conforme previsão do art. 145 da LEP, o procedimento para o caso de novo delito praticado pelo apenado durante o período de prova é, apenas, a suspensão do benefício, não havendo falar-se em reconhecimento de falta grave, pois, no seu entendimento, o livramento condicional distingue-se da execução penal.
Requer, liminarmente, a cassação do acórdão impetrado. No mérito, pugna pela concessão da ordem para que seja confirma da medida liminar.
Pedido liminar indeferidopela Presidênciaàs fls. 867-868.
Informações, à fl. 871-890.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 895-900, oficiou pelo não conhecimento do habeas corpus, em parecer assim ementado:
"HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. NOVO CRIME. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE.
1. O habeas corpus, quando utilizado como substituto de recursos próprios, não deve ser conhecido, somente se justificando a concessão da ordem de ofício quando flagrante a ilegalidade apontada.
2. A prática de novo crime durante o gozo do livramento condicional enseja a suspensão cautelar do benefício, bem como demanda a apuração da conduta faltosa apta a ensejar a regressão de regime.
3. Parecer pelo não conhecimento do writ."
É o relatório.
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PENAL.HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO.FALTA GRAVE (NOVO CRIME) DURANTEPERÍODO DE PROVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PAD. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PRECEDENTES. RECONHECIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. REGRAMENTO PRÓPRIO. ARTS. 83 A 90 DO CP E 131 A 146 DA LEP. PRECEDENTES.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.HABEAS CORPUSNÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I- ATerceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pelaPrimeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitirhabeas corpusem substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II -Assente nesta eg. Corte que"A prática de crime no curso do período de prova do livramento condicional não tem o condão de gerar os efeitos próprios da prática de falta grave (..) mas tão somente, após a efetiva revogação, a perda do tempo cumprido em livramento condicional e a impossibilidade de nova concessão do benefício no tocante à mesma pena"(HC n. 271.907/SP,Sexta Turma,Rel. Min.Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/4/2014).
IV- Ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, inadmissível, por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
V - Ordem concedida, de ofício,para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso ordinário.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão impugnado (fls. 828-832, grifei):
"O apenado usufruía de livramento condicional quando se envolveu no cometimento de novo delito durante a fruição da benesse (já havendo denúncia oferecida- 159/2.20.0000671-8) - o que levou o juiz da execução a suspender a benesse, todavia, deixou de designar audiência para análise da falta grave.
..
No caso concreto, o apenado cumpria pena de nove (9) anos de reclusão, pela prática de tráfico de drogas e associação ao tráfico, tendo iniciado seu cumprimento em 03 de dezembro de 2014, quando, em 08 de maio de 2019, foi beneficiado com o livramento condicional. Em 19 de julho de 2021, o apenado praticou novo crime doloso consistente em tentativa de homicídio qualificado, ensejando a instauração do processo n.º 159/2.20.0000671-8, no qual já foi denunciado.
Assim, entendo pela necessidade de apuração da falta grave.
Isso porque entendo que a prática de crime doloso durante a execução da pena, ainda que esteja o apenado usufruindo do benefício do livramento condicional, conforme art. 52 da LEP constitui sim falta grave, sendo inclusive despiciendo o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, sujeitando-o aos consectários legais (como a alteração da data-base, regressão de regime carcerário e perda de dias remidos).
O gozo do livramento condicional ainda é cumprimento de pena, não havendo dúvidas de que, envolvendo-se na prática de novo delito, está a, em tese, praticar fato previsto como crime doloso no curso da execução da pena.
A liberdade condicional está atrelada à demonstração pelo apenado da sua possibilidade de reinserção na sociedade, com retorno ao convívio social e responsabilidades inerentes à benesse. Logo, manter-se afastado de práticas criminosas é condição para manutenção do benefício de liberdade condicional.
Por outro lado, o cometimento de novo delito, durante a execução da pena, é também fato previsto como falta de natureza grave, nos termos do art. 52 da LEP.
Nesse passo, entendo que o apenado que está em livramento condicional, ao envolver-se em novo delito, não apenas demonstra que não tem condições de estar em liberdade, pois descumpriu uma das condições impostas para tanto, como igualmente comete falta grave, porquanto ainda em cumprimento de pena, devendo por ela responder.
São consequências distintas, em razão do mesmo fato: a uma porque figura como uma das condições para o gozo do livramento (e o preso demonstrou não ter condições de usufruir da benesse) e, a duas, ao mesmo tempo, está previsto na Lei de Execuções Penais como falta grave(porque, estando em cumprimento de pena, o preso voltou a delinqüir), acarretando duas conseqüências, quais sejam, suspensão do livramento condicional e reconhecimento de falta grave.
..
Em relação ao PAD, sempre foi meu entendimento pela desnecessidade da prévia instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar no caso de falta grave atinente ao cometimento de novo delito, havendo, apenas, a necessidade de realização de audiência de justificação.
Isto porque, a fuga ou a prática de fato previsto como crime doloso são circunstâncias objetivas e previstas como falta grave por lei, nos termos dos arts. 50, II e 52 da Lei de Execução Penal; desse modo, conforme venho sustentando, sua apuração independe da instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar, bastando que se confira ao apenado, em tais casos, a oportunidade de exercer seu direito ao contraditório e ampla defesa, em audiência de justificação.
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Assim, levando em conta que sobreveio a notícia do envolvimento do apenado na prática de novo crime, conforme acima declinado, já com condenação provisória, ressaltando que tal delito foi praticado durante o cumprimento da pena em análise, mostra-se impositiva a designação de audiência de justificação para apuração da falta grave, nos termos do art. 118, § 2º, da LEP.
Ante o exposto, VOTO POR DAR PROVIMENTO ao agravo para determinar a realização de audiência de justificação, nos termos do art. 118, § 2º, da LEP, para apuração da respectiva falta grave."
Pois bem.
Conforme relatado, o paciente praticou fato definido como crime doloso durante o período de prova dolivramento condicional, motivo pelo qual o benefício foi suspenso pelo Juízo da execução.
Em recurso do Ministério Público, o Tribunal a quo entendeu pela necessidade de apuração da falta grave, independentemente da instauração de procedimento administrado disciplinar - PAD, determinando, contudo, a realização de audiência de justificação.
Preliminarmente, sobre a matéria dispõe o Tema 941 da Repercussão Geral, no qual foi fixada a seguinte tese: "A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena."
Realizada consulta processual ao sítio eletrônico do 1º grau, verificou-seque a audiência de justificação foi redesignada para o dia 30.03.2022.Assim, caso seja devidamente realizada a audiência, cumprindo-se os requisitos supracitados, em observância ao contraditório e à ampla defesa, tem-se que é prescindível a instauração de PAD no caso em análise.
No que tange à disciplina do livramento condicional, cumpre tecer algumas considerações preliminares.
O art. 86, I, c/c o art. 88, ambos do Código Penal, bem como o art. 145 da Lei de Execução Penal, preveem que, praticado novo crime do curso do livramento condicional, esteve deverá ser revogado e o tempo em que o apenado esteve solto não será descontado da pena.
Nesse diapasão, impõe-se registrar que o livramento condicional ostenta a particularidade especial de ser um benefício que, conquanto submetido à disciplina regular da execução penal, é fruído integralmente fora do sistema prisional, circunstância que determina tratamento específico e conforme às suas características.
Dessa forma, este Sodalício firmou compreensão de que,ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, sendo inadmissível,por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
Isso porque o período de prova do livramento condicional possui regramento e sanções próprias:
"Art. 88 do CP: "Revogado o livramento, não poderá ser novamente concedido, e, salvo quando a revogação resulta de condenação por outro crime anterior àquele benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado."
"Art. 142 da LEP: "No caso de revogação por outro motivo, não se computará na pena o tempo em que esteve solto o liberado, e tampouco se concederá, em relação à mesma pena, novo livramento".
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 941. FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PAD. OITIVA EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. NOVO DELITO DURANTE O LIVRAMENTO CONDICIONAL. REGRAMENTO PRÓPRIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A instauração de procedimento administrativo PAD mostra-se prescindível no caso concreto, visto que o paciente foi ouvido em audiência de justificação, nos termos da tese fixada no julgamento do Tema 941 da Repercussão Geral.
3. Prosseguindo na análise do feito, verifica-se que o acórdão impugnado está contrário ao entendimento desta Corte de que "a prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem regras próprias, previstas nos artigos 83 a 90 do Código Penal, e nos artigos 131 a 146 da Lei de Execução Penal, não se confundido, portanto, com os consectários legais decorrentes de falta grave praticada durante o cumprimento da pena" (AgRg no HC 344.486/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 13/3/2018).
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para afastar a falta grave" (HC 347.507/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 16/08/2021, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIME COMETIDO DURANTE O LIVRAMENTO CONDICIONAL. RECONHECIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. APLICAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE. REGRAMENTO PRÓPRIO. ARTS. 83 A 90 DO CP E ARTS. 131 A 146 DA LEP. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem regras próprias, previstas nos artigos 83 a 90 do Código Penal, e nos artigos 131 a 146 da Lei de Execução Penal, não se confundido, portanto, com os consectários legais decorrentes de falta grave praticada durante o cumprimento da pena.
2. No caso dos autos, apesar de o apenado ter cometido crime doloso durante o período em que estava sob livramento condicional, não podem ser aplicados os consectários legais inerentes à falta disciplinar de natureza grave ao reeducando, como a regressão do regime de cumprimento de pena para o semiaberto, a perda de 1/3 (um terço) dos dias eventualmente remidos e alteração da data-base para futuros benefícios.
3. Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC 344.486/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13/3/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DECISÃO ANTERIOR DESFAVORÁVEL. NÃO IMPUGNAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO LÓGICA E TEMPORAL. EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. DECRETOS 6.706/2008, 7.046/2009 e 7.420/2010. REQUISITO SUBJETIVO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES. CONDUTA NÃO PREVISTA COMO FALTA GRAVE NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Esta Corte possui entendimento de que, configura-se a preclusão lógica e temporal quando a parte não interpõe o competente recurso contra decisão que lhe foi desfavorável, deixando de impugnar a matéria no momento processual oportuno.
2. Os Decretos 6.706/2008, 7.046/2009 e 7.420/2010 exigem, como único requisito subjetivo, o não cometimento de falta disciplinar de natureza grave, exaustivamente definida na Lei de Execução Penal (arts. 50 e 52 da LEP), em cujo rol não se encontra tipificado o descumprimento das condições do livramento condicional.
3. "A prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem consequências próprias previstas no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, as quais não se confundem com os consectários legais da falta grave praticada por aquele que está inserto no sistema progressivo de cumprimento de pena" (REsp. 1.101.461/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 19/2/2013).
4. Agravo regimental não provido" (AgRg no HC 337.530/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 16/2/2018, grifei).
Desse modo, verifica-se que o v. acórdão exarado pelo eg. Tribunal de origem encontra-se em desconformidade com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.
Ante o exposto,não conheço do habeas corpus.
Concedo, contudo, a ordem de ofício, para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, com pedido liminar, impetrado em favor de MARCELO DE OLIVEIRA KLAUS, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL noAgravo em Execução Penal n. 5213971-41.2021.8.21.7000.
Consta dos autos que opaciente foi acusado de cometer nova infração penal enquanto usufruía de livramento condicional.Diante da notícia, o Juízo da execução penal suspendeu cauterlamente o aludido benefício, mas não designou audiência de justificação para analisar a prática de falta grave pelo apenado, além de indeferir pedido ministerial de instauração de procedimento administrativo disciplinar (fls. 779-782).
Inconformado, oMinistério Publicou recorreu ao Tribunal de origem, que deu provimento ao agravo ministerial,para determinar a realização da audiência de justificação, nos termos do art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal, com escopo em eventual reconhecimento nos termos do acórdão de fls. 828-834, assim ementado:
"AGRAVO EM EXECUÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PRÁTICA DE NOVO DELITO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. SUSPENSÃO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. INSTAURAÇÃO DE PAD. DESNECESSIDADE. TEMA 941 DO STF. AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. NECESSIDADE. REFORMA DA DECISÃO A QUO.
Entendimento assente nesta Corte, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, que a simples prática de novo crime, no curso do período de prova do livramento condicional concedido, além de autorizar a suspensão do benefício, nos termos do art.145 da Lei de Execuções Penais, também enseja o reconhecimento de falta grave, nos termos do art. 52 da LEP. Desse modo, diante do §2º do artigo 118 da LEP, é imprescindível a prévia designação de audiência para a oitiva do apenado.
AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME."
Neste writ, oimpetrante sustenta o descabimento da instauração de processo administrativo disciplinar para apurar a prática de falta grave pelo paciente no curso do livramento condicional.
Alega que, conforme previsão do art. 145 da LEP, o procedimento para o caso de novo delito praticado pelo apenado durante o período de prova é, apenas, a suspensão do benefício, não havendo falar-se em reconhecimento de falta grave, pois, no seu entendimento, o livramento condicional distingue-se da execução penal.
Requer, liminarmente, a cassação do acórdão impetrado. No mérito, pugna pela concessão da ordem para que seja confirma da medida liminar.
Pedido liminar indeferidopela Presidênciaàs fls. 867-868.
Informações, à fl. 871-890.
O d. Ministério Público Federal, às fls. 895-900, oficiou pelo não conhecimento do habeas corpus, em parecer assim ementado:
"HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. NOVO CRIME. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE.
1. O habeas corpus, quando utilizado como substituto de recursos próprios, não deve ser conhecido, somente se justificando a concessão da ordem de ofício quando flagrante a ilegalidade apontada.
2. A prática de novo crime durante o gozo do livramento condicional enseja a suspensão cautelar do benefício, bem como demanda a apuração da conduta faltosa apta a ensejar a regressão de regime.
3. Parecer pelo não conhecimento do writ."
É o relatório.
I- ATerceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pelaPrimeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitirhabeas corpusem substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II -Assente nesta eg. Corte que"A prática de crime no curso do período de prova do livramento condicional não tem o condão de gerar os efeitos próprios da prática de falta grave (..) mas tão somente, após a efetiva revogação, a perda do tempo cumprido em livramento condicional e a impossibilidade de nova concessão do benefício no tocante à mesma pena"(HC n. 271.907/SP,Sexta Turma,Rel. Min.Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/4/2014).
IV- Ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, inadmissível, por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
V - Ordem concedida, de ofício,para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso ordinário.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão impugnado (fls. 828-832, grifei):
"O apenado usufruía de livramento condicional quando se envolveu no cometimento de novo delito durante a fruição da benesse (já havendo denúncia oferecida- 159/2.20.0000671-8) - o que levou o juiz da execução a suspender a benesse, todavia, deixou de designar audiência para análise da falta grave.
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No caso concreto, o apenado cumpria pena de nove (9) anos de reclusão, pela prática de tráfico de drogas e associação ao tráfico, tendo iniciado seu cumprimento em 03 de dezembro de 2014, quando, em 08 de maio de 2019, foi beneficiado com o livramento condicional. Em 19 de julho de 2021, o apenado praticou novo crime doloso consistente em tentativa de homicídio qualificado, ensejando a instauração do processo n.º 159/2.20.0000671-8, no qual já foi denunciado.
Assim, entendo pela necessidade de apuração da falta grave.
Isso porque entendo que a prática de crime doloso durante a execução da pena, ainda que esteja o apenado usufruindo do benefício do livramento condicional, conforme art. 52 da LEP constitui sim falta grave, sendo inclusive despiciendo o trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, sujeitando-o aos consectários legais (como a alteração da data-base, regressão de regime carcerário e perda de dias remidos).
O gozo do livramento condicional ainda é cumprimento de pena, não havendo dúvidas de que, envolvendo-se na prática de novo delito, está a, em tese, praticar fato previsto como crime doloso no curso da execução da pena.
A liberdade condicional está atrelada à demonstração pelo apenado da sua possibilidade de reinserção na sociedade, com retorno ao convívio social e responsabilidades inerentes à benesse. Logo, manter-se afastado de práticas criminosas é condição para manutenção do benefício de liberdade condicional.
Por outro lado, o cometimento de novo delito, durante a execução da pena, é também fato previsto como falta de natureza grave, nos termos do art. 52 da LEP.
Nesse passo, entendo que o apenado que está em livramento condicional, ao envolver-se em novo delito, não apenas demonstra que não tem condições de estar em liberdade, pois descumpriu uma das condições impostas para tanto, como igualmente comete falta grave, porquanto ainda em cumprimento de pena, devendo por ela responder.
São consequências distintas, em razão do mesmo fato: a uma porque figura como uma das condições para o gozo do livramento (e o preso demonstrou não ter condições de usufruir da benesse) e, a duas, ao mesmo tempo, está previsto na Lei de Execuções Penais como falta grave(porque, estando em cumprimento de pena, o preso voltou a delinqüir), acarretando duas conseqüências, quais sejam, suspensão do livramento condicional e reconhecimento de falta grave.
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Em relação ao PAD, sempre foi meu entendimento pela desnecessidade da prévia instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar no caso de falta grave atinente ao cometimento de novo delito, havendo, apenas, a necessidade de realização de audiência de justificação.
Isto porque, a fuga ou a prática de fato previsto como crime doloso são circunstâncias objetivas e previstas como falta grave por lei, nos termos dos arts. 50, II e 52 da Lei de Execução Penal; desse modo, conforme venho sustentando, sua apuração independe da instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar, bastando que se confira ao apenado, em tais casos, a oportunidade de exercer seu direito ao contraditório e ampla defesa, em audiência de justificação.
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Assim, levando em conta que sobreveio a notícia do envolvimento do apenado na prática de novo crime, conforme acima declinado, já com condenação provisória, ressaltando que tal delito foi praticado durante o cumprimento da pena em análise, mostra-se impositiva a designação de audiência de justificação para apuração da falta grave, nos termos do art. 118, § 2º, da LEP.
Ante o exposto, VOTO POR DAR PROVIMENTO ao agravo para determinar a realização de audiência de justificação, nos termos do art. 118, § 2º, da LEP, para apuração da respectiva falta grave."
Pois bem.
Conforme relatado, o paciente praticou fato definido como crime doloso durante o período de prova dolivramento condicional, motivo pelo qual o benefício foi suspenso pelo Juízo da execução.
Em recurso do Ministério Público, o Tribunal a quo entendeu pela necessidade de apuração da falta grave, independentemente da instauração de procedimento administrado disciplinar - PAD, determinando, contudo, a realização de audiência de justificação.
Preliminarmente, sobre a matéria dispõe o Tema 941 da Repercussão Geral, no qual foi fixada a seguinte tese: "A oitiva do condenado pelo Juízo da Execução Penal, em audiência de justificação realizada na presença do defensor e do Ministério Público, afasta a necessidade de prévio Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), assim como supre eventual ausência ou insuficiência de defesa técnica no PAD instaurado para apurar a prática de falta grave durante o cumprimento da pena."
Realizada consulta processual ao sítio eletrônico do 1º grau, verificou-seque a audiência de justificação foi redesignada para o dia 30.03.2022.Assim, caso seja devidamente realizada a audiência, cumprindo-se os requisitos supracitados, em observância ao contraditório e à ampla defesa, tem-se que é prescindível a instauração de PAD no caso em análise.
No que tange à disciplina do livramento condicional, cumpre tecer algumas considerações preliminares.
O art. 86, I, c/c o art. 88, ambos do Código Penal, bem como o art. 145 da Lei de Execução Penal, preveem que, praticado novo crime do curso do livramento condicional, esteve deverá ser revogado e o tempo em que o apenado esteve solto não será descontado da pena.
Nesse diapasão, impõe-se registrar que o livramento condicional ostenta a particularidade especial de ser um benefício que, conquanto submetido à disciplina regular da execução penal, é fruído integralmente fora do sistema prisional, circunstância que determina tratamento específico e conforme às suas características.
Dessa forma, este Sodalício firmou compreensão de que,ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, sendo inadmissível,por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
Isso porque o período de prova do livramento condicional possui regramento e sanções próprias:
"Art. 88 do CP: "Revogado o livramento, não poderá ser novamente concedido, e, salvo quando a revogação resulta de condenação por outro crime anterior àquele benefício, não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado."
"Art. 142 da LEP: "No caso de revogação por outro motivo, não se computará na pena o tempo em que esteve solto o liberado, e tampouco se concederá, em relação à mesma pena, novo livramento".
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA 941. FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR PAD. OITIVA EM AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. NOVO DELITO DURANTE O LIVRAMENTO CONDICIONAL. REGRAMENTO PRÓPRIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. A instauração de procedimento administrativo PAD mostra-se prescindível no caso concreto, visto que o paciente foi ouvido em audiência de justificação, nos termos da tese fixada no julgamento do Tema 941 da Repercussão Geral.
3. Prosseguindo na análise do feito, verifica-se que o acórdão impugnado está contrário ao entendimento desta Corte de que "a prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem regras próprias, previstas nos artigos 83 a 90 do Código Penal, e nos artigos 131 a 146 da Lei de Execução Penal, não se confundido, portanto, com os consectários legais decorrentes de falta grave praticada durante o cumprimento da pena" (AgRg no HC 344.486/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 13/3/2018).
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para afastar a falta grave" (HC 347.507/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe 16/08/2021, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CRIME COMETIDO DURANTE O LIVRAMENTO CONDICIONAL. RECONHECIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. APLICAÇÃO DOS CONSECTÁRIOS LEGAIS. IMPOSSIBILIDADE. REGRAMENTO PRÓPRIO. ARTS. 83 A 90 DO CP E ARTS. 131 A 146 DA LEP. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de que a prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem regras próprias, previstas nos artigos 83 a 90 do Código Penal, e nos artigos 131 a 146 da Lei de Execução Penal, não se confundido, portanto, com os consectários legais decorrentes de falta grave praticada durante o cumprimento da pena.
2. No caso dos autos, apesar de o apenado ter cometido crime doloso durante o período em que estava sob livramento condicional, não podem ser aplicados os consectários legais inerentes à falta disciplinar de natureza grave ao reeducando, como a regressão do regime de cumprimento de pena para o semiaberto, a perda de 1/3 (um terço) dos dias eventualmente remidos e alteração da data-base para futuros benefícios.
3. Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC 344.486/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 13/3/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DECISÃO ANTERIOR DESFAVORÁVEL. NÃO IMPUGNAÇÃO NO MOMENTO OPORTUNO. PRECLUSÃO LÓGICA E TEMPORAL. EXECUÇÃO PENAL. INDULTO. DECRETOS 6.706/2008, 7.046/2009 e 7.420/2010. REQUISITO SUBJETIVO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. DESCUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES. CONDUTA NÃO PREVISTA COMO FALTA GRAVE NA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Esta Corte possui entendimento de que, configura-se a preclusão lógica e temporal quando a parte não interpõe o competente recurso contra decisão que lhe foi desfavorável, deixando de impugnar a matéria no momento processual oportuno.
2. Os Decretos 6.706/2008, 7.046/2009 e 7.420/2010 exigem, como único requisito subjetivo, o não cometimento de falta disciplinar de natureza grave, exaustivamente definida na Lei de Execução Penal (arts. 50 e 52 da LEP), em cujo rol não se encontra tipificado o descumprimento das condições do livramento condicional.
3. "A prática de fato definido como crime durante o livramento condicional tem consequências próprias previstas no Código Penal e na Lei de Execuções Penais, as quais não se confundem com os consectários legais da falta grave praticada por aquele que está inserto no sistema progressivo de cumprimento de pena" (REsp. 1.101.461/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, DJe 19/2/2013).
4. Agravo regimental não provido" (AgRg no HC 337.530/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe 16/2/2018, grifei).
Desse modo, verifica-se que o v. acórdão exarado pelo eg. Tribunal de origem encontra-se em desconformidade com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.
Ante o exposto,não conheço do habeas corpus.
Concedo, contudo, a ordem de ofício, para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave.
É o voto. | EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PENAL.HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO.FALTA GRAVE (NOVO CRIME) DURANTEPERÍODO DE PROVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PAD. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PRECEDENTES. RECONHECIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. REGRAMENTO PRÓPRIO. ARTS. 83 A 90 DO CP E 131 A 146 DA LEP. PRECEDENTES.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.HABEAS CORPUSNÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I- ATerceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pelaPrimeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitirhabeas corpusem substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II -Assente nesta eg. Corte que"A prática de crime no curso do período de prova do livramento condicional não tem o condão de gerar os efeitos próprios da prática de falta grave (..) mas tão somente, após a efetiva revogação, a perda do tempo cumprido em livramento condicional e a impossibilidade de nova concessão do benefício no tocante à mesma pena"(HC n. 271.907/SP,Sexta Turma,Rel. Min.Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/4/2014).
IV- Ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, inadmissível, por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
Ordem concedida, de ofício,para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave. | PENAL. PROCESSO PENAL. EXECUÇÃO PENAL.HABEAS CORPUSSUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO.FALTA GRAVE (NOVO CRIME) DURANTEPERÍODO DE PROVA DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PAD. REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PRECEDENTES. RECONHECIMENTO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE. IMPOSSIBILIDADE. REGRAMENTO PRÓPRIO. ARTS. 83 A 90 DO CP E 131 A 146 DA LEP. PRECEDENTES.CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO.HABEAS CORPUSNÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I- ATerceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pelaPrimeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitirhabeas corpusem substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II -Assente nesta eg. Corte que"A prática de crime no curso do período de prova do livramento condicional não tem o condão de gerar os efeitos próprios da prática de falta grave (..) mas tão somente, após a efetiva revogação, a perda do tempo cumprido em livramento condicional e a impossibilidade de nova concessão do benefício no tocante à mesma pena"(HC n. 271.907/SP,Sexta Turma,Rel. Min.Rogerio Schietti Cruz, DJe de 14/4/2014).
IV- Ao livramento condicional, deve-se aplicar o regramento que lhe é próprio, de modo que, inexistente previsão legal de sanções outras que não a revogação do benefício e a de não se descontar da pena o tempo em que o apenado esteve liberado, inadmissível, por força do princípio da legalidade, estender a esta hipótese a possibilidade de configuração de falta grave e dos consectários legais dela decorrentes.
Ordem concedida, de ofício,para fins de determinar a impossibilidade de reconhecimento da falta disciplinar de natureza grave. | N |
144,462,665 | EMENTA
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. INGRESSO DE POLICIAIS EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES OU PERMISSÃO LIVRE E CONSCIENTE DO MORADOR. VÍCIO CONSTATADO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A Suprema Corte definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - Dje 9/5/1016 Public. 10/5/2016).
3. Na hipótese, não se pode afirmar que, antes do ingresso, os militares detinham elementos suficientes para justificar a decisão de ingressar no domicílio da recorrente. Além do mais, a narrativa de que a entrada foi autorizada mostra-se fragilizada diante das circunstâncias concretas, que apontam para o fato de que o consentimento foi dado em situação claramente desfavorável, retirando da permissão o caráter livre e voluntário e, por conseguinte, tornando lícita a ação de busca domiciliar por entorpecentes.
4. Desse modo, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão, e, por conseguinte, determinar o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa para o seu prosseguimento.
5. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, caso não esteja preso por outro motivo.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de ERLAN CARLOS PAULINO DE SOUZA, contra acórdão proferido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no julgamento do HC n. 0810418-43.2021.8.22.0000.
O paciente foi preso em flagrante no dia 16 de julho de 2021 em razão da prática do crime de tráfico de drogas. O flagrante foi convertido na audiência de custódia, realizada no dia seguinte (e-STJ, fls. 44-45).
Após o recebimento da denúncia, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal local, postulando, em síntese, o trancamento da ação penal ou, subsidiariamente, a revogação da custódia ou sua substituição por prisão domiciliar.
O Tribunal de origem denegou a ordem, por meio de acórdão cuja ementa reproduzo a seguir (e-STJ, fls. 57-58):
Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Nulidade flagrante. Violação de domicílio. Necessidade de incursão em aspectos meritórios. Análise de provas. Incabível. Prisão preventiva decretada. Ausência requisitos. Ofensa ao princípio da homogeneidade. Inocorrência. Concessão prisão domiciliar. Impossibilidade.
A nulidade arguida pelo impetrante demanda profunda análise do acervo probatório dos autos de origem, o que é insuscetível de ser realizado no limitado espectro de cognição do habeas corpus.
Infere-se legítima a prisão cautelar quando decretada por decisão que, devidamente motivada, reconhece os requisitos autorizadores previstos no art. 312 de CPP, ante a necessidade provisória de resguardar a ordem pública, garantir a lisura da instrução criminal e garantir a futura aplicação da lei penal.
A desproporcionalidade da prisão preventiva somente poderá ser aferida após a sentença, não cabendo, na via eleita, a antecipação da análise quanto a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso.
A concessão de prisão domiciliar exige prova idônea do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 318 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu no caso dos autos. (TJRO. HC n. 0810418-43.2021.8.22.0000. Primeira Câmara Criminal. Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO ROBLES. Julgado em 25 de novembro de 2021).
Nas razões deste habeas corpus (e-STJ, fls. 3-14), a defesa apresenta argumentos em favor do reconhecimento da ilicitude do ingresso forçado de policiais na residência do paciente. Assevera que os militares não encontraram nada de ilícito em poder do acusado ao abordá-lo em via pública, de maneira que não havia justificativa plausível para o ingresso em domicílio sem mandado judicial e sem consentimento formal.
Subsidiariamente, postula a revogação da prisão preventiva, alegando ausência de fundamentos para sua manutenção. Além disso, informa que o paciente encontra-se acometido de grave enfermidade, razão pela qual deve lhe ser deferido o benefício da prisão domiciliar.
Diante do exposto, requer, liminarmente, a expedição de alvará de soltura ou o benefício da prisão domiciliar. Quanto ao mérito, que seja reconhecida a nulidade da prisão e das provas obtidas mediante ingresso forçado na residência do paciente.
O pedido liminar foi indeferido pela Presidência desta Corte (e-STJ, fls. 67-68).
O Tribunal de origem prestou informações (e-STJ, fls. 72-76).
Os autos foram, então, remetidos ao Ministério Público Federal, que se manifestou pelo não conhecimento da impetração (e-STJ, fls. 78-86).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso ordinário.
No entanto, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Por meio desta impetração, a defesa questiona a validade da prisão em flagrante e das provas obtidas mediante o ingresso de policiais na residência do paciente, sob a alegação de que não havia indícios concretos a respeito da prática de atividades ilícitas a dar suporte à abordagem.
Sobre esse tema, sabe-se que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência, ainda que na modalidade de guardar ou ter em depósito. Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva.
Necessário, assim, compatibilizar os direitos de liberdade com os interesses da segurança pública, por meio do controle judicial das investigações criminais, que pode ser feito antes da adoção da medida - com a expedição prévia de ordem judicial -, ou, posteriormente, quando, após a prática da medida invasiva, analisa-se a presença dos pressupostos legais e se a execução se deu conforme determina a lei.
Nas hipóteses de prisão em flagrante, o controle feito a posteriori pressupõe a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa, ou seja, que existiam elementos a caracterizar a suspeita de situação apta a autorizar o ingresso em domicílio.
O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não serem identificadas), por exemplo - e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para demonstrar a justa causa.
O acórdão está assim ementado:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-093 Divulg 9/5/2016 Public 10/5/2016).
No mesmo sentido:
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar espera ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exigem.
3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
5. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteção da honra e da dignidade, assim dispõe: "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação."
6. A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser considerado quando, no conforto de seus gabinetes, realizamos os juízes o controle posterior das ações policiais. Mas, não se há de desconsiderar, por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda.
7. Se, por um lado, a dinâmica e a sofisticação do crime organizado exigem uma postura mais enérgica por parte do Estado, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia, por policiais, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria um ponto de tráfico de drogas, ou que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar.
9. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.
10. Se é verdade que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, num primeiro momento, parece exigir a emergência da situação para autorizar o ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial - ao elencar hipóteses excepcionais como o flagrante delito, casos de desastre ou prestação de socorro -, também é certo que nem todo crime permanente denota essa emergência.
11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais, refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e exclusivamente, do local em que ele estava no momento em que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para sua residência, conduta que pode explicar-se por diversos motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia, no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de drogas.
12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador - que deve ser mínima e seguramente comprovado - e sem determinação judicial.
13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu na espécie - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de qualquer preocupação em documentar e tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento.
14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.
15. Recurso especial não provido, para manter a absolvição do recorrido. (REsp 1574681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 30/5/2017).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
O ingresso também pode ocorrer mediante autorização de morador do imóvel, devendo o consentimento ser voluntário e livre de constrangimento ou coação. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se aperfeiçoado, passando a exigir, em caso de dúvida, prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento, a ser feita, sempre que possível, com testemunhas e com registro da operação por meio de recursos audiovisuais (HC 598.051/SP, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021). No mesmo sentido, a Quinta Turma decidiu o HC 616.584/RS, sob a relatoria do eminente Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 30/3/2021.
No bojo do primeiro acórdão acima mencionado, destacou-se ser necessária e urgente a comunicação imediata do teor da decisão colegiado aos governos estaduais, para providenciarem treinamento e condições materiais aos agentes de segurança pública para que possam observar as regras constitucionais reafirmadas e densificadas naquele julgado, fixando prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias e o treinamento e demais providencias necessárias para a adaptação às diretrizes da decisão.
Embora o posicionamento jurisprudencial adotado por esta Corte não tenha retirado a presunção de veracidade dos depoimentos de policiais, as decisões acima referenciadas alertaram para a necessidade de analisar com cautela cada caso, sempre buscando garantir que a permissão não foi precedida de situação de constrangimento que torna ilícita a ação policial.
Feitas essas ponderações, verifica-se que, no caso narrado, policiais militares realizavam patrulhamento de rotina nas ruas da cidade de Ji-Paraná, em Rondônia, quando avistaram o paciente, cujas características físicas eram condizentes com as de um suspeito pela prática de crimes na região. Durante a abordagem, o paciente teria se mostrado nervoso, mas nada de ilícito foi encontrado em seu poder. Em sua residência, policiais encontraram 168g de maconha, uma balança de precisão, um rolo de papel filme e certa quantidade de dinheiro em espécie. Em uma rede armada na varanda da casa, foram encontradas quatro porções da mesma droga, totalizando 1,9 kg de substância entorpecente (e-STJ, fl. 18).
Neste caso, não é possível extrair elementos factuais que dessem sustentação à decisão dos policiais militares de ingressar na casa do paciente. Não existem informações a respeito de investigações mínimas para obtenção de indícios da prática do crime de tráfico de drogas, sendo certo que a mera natureza permanente do crime insuficiente para autorizar a diligência.
Na situação apresentada, não se pode afirmar que, antes do ingresso, os militares detinham elementos suficientes para justificar a decisão de ingressar no domicílio da recorrente. Além do mais, a narrativa de que a entrada foi autorizada mostra-se fragilizada diante das circunstâncias concretas, que apontam para o fato de que o consentimento foi dado em situação claramente desfavorável, retirando da permissão o caráter livre e voluntário e, por conseguinte, tornando lícita a ação de busca domiciliar por entorpecentes.
A mera suspeita autoriza, em linhas gerais, a observação do local, como forma de recolher mais elementos sobre a existência do delito ali apurado. Nesse caso, se demonstrada a existência de fundadas razões acerca da situação de flagrante, autorizados estão os policiais a ingressar no imóvel, mesmo sem permissão do morador.
Em casos análogos, esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima desacompanhada de medidas investigativas preliminares que indiquem a presença de fundadas razões para não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito:
PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. PROVA ILÍCITA. BUSCA DOMICILIAR AUTORIZADA POR TERCEIRO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO FORÇADO DOS POLICIAIS. ABSOLVIÇÃO.WRIT NÃO CONHECIDO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XI, estabelece que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616/RO, esclareceu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro GILMAR MENDES, julgado em 5/11/2015).
4. No caso, segundo se infere, a operação policial que resultou na apreensão da droga na casa da paciente se originou de denúncia anônima. Inicialmente, a ré foi submetida a revista pessoal na rua e com ela nada foi encontrado. Em seguida, os policiais se deslocaram até a sua residência, tendo sido a busca domiciliar autorizada por terceiro - apontado como locador do imóvel e proprietário do terreno onde estava a casa.
5. Como se verifica, não há qualquer das hipóteses constitucionais autorizadoras para o ingresso forçado dos policiais no domicílio da ré. A uma porque a entrada no imóvel foi permitida por terceiro, apontado como proprietário do terreno onde a casa estava localizada, quando apenas ao morador da unidade habitacional caberia tal autorização. A duas porque ausente qualquer circunstância fática que indicasse a ocorrência de tráfico de drogas no interior da residência, a autorizar a incursão policial.
6. Hipótese em que lastreada a condenação pelos delitos de tráfico de drogas e de associação para o tráfico em elementos probatórios colhidos mediante busca domiciliar ilegal, impõe-se a absolvição da paciente e corré.
7.Habeas corpusnão conhecido. Ordem, concedida, de ofício, para declarar a invalidade das provas obtidas mediante violação domiciliar, e todas as dela decorrentes, na AP n. 0034338-69.2015.8.19.0066 e, consequentemente, para absolver a paciente e a corré pelos delitos dos arts. 33,caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006(HC 505.705/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 19/12/2019).
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NO DOMICÍLIO DO RÉU. FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE MANDADO. DENÚNCIA ANÔNIMA/COMUNICAÇÃO APÓCRIFA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.
1. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito.
2. Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida.
3. Não havendo, como na hipótese, outros elementos preliminares indicativos de crime que acompanhem a denúncia anônima, inexiste justa causa a autorizar o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador, o que nulifica a prova produzida.
4.Habeas corpus concedido para reconhecer a nulidade das provas colhidas mediante violação domiciliar (HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 3/12/2019).
Por conseguinte, configura-se a ilegalidade da entrada dos policiais no domicílio do recorrente, sem mandado judicial, sem a prévia anuência de morador e sem nenhum indício de que ali estivesse sendo cometido crime permanente.
Assim, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão, e, por conseguinte, determinar o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa para o seu prosseguimento.
Diante do exposto, concedo a ordem, de ofício, para reconhecer a ilicitude das provas obtidas mediante ingresso forçado dos policiais na residência do paciente e determinar o trancamento da ação penal movida em desfavor do paciente, expedindo-se alvará de soltura, caso não esteja preso por outro motivo, prejudicando os demais pedidos.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de ERLAN CARLOS PAULINO DE SOUZA, contra acórdão proferido pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, no julgamento do HC n. 0810418-43.2021.8.22.0000.
O paciente foi preso em flagrante no dia 16 de julho de 2021 em razão da prática do crime de tráfico de drogas. O flagrante foi convertido na audiência de custódia, realizada no dia seguinte (e-STJ, fls. 44-45).
Após o recebimento da denúncia, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal local, postulando, em síntese, o trancamento da ação penal ou, subsidiariamente, a revogação da custódia ou sua substituição por prisão domiciliar.
O Tribunal de origem denegou a ordem, por meio de acórdão cuja ementa reproduzo a seguir (e-STJ, fls. 57-58):
Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Nulidade flagrante. Violação de domicílio. Necessidade de incursão em aspectos meritórios. Análise de provas. Incabível. Prisão preventiva decretada. Ausência requisitos. Ofensa ao princípio da homogeneidade. Inocorrência. Concessão prisão domiciliar. Impossibilidade.
A nulidade arguida pelo impetrante demanda profunda análise do acervo probatório dos autos de origem, o que é insuscetível de ser realizado no limitado espectro de cognição do habeas corpus.
Infere-se legítima a prisão cautelar quando decretada por decisão que, devidamente motivada, reconhece os requisitos autorizadores previstos no art. 312 de CPP, ante a necessidade provisória de resguardar a ordem pública, garantir a lisura da instrução criminal e garantir a futura aplicação da lei penal.
A desproporcionalidade da prisão preventiva somente poderá ser aferida após a sentença, não cabendo, na via eleita, a antecipação da análise quanto a possibilidade de cumprimento de pena em regime menos gravoso.
A concessão de prisão domiciliar exige prova idônea do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 318 do Código de Processo Penal, o que não ocorreu no caso dos autos. (TJRO. HC n. 0810418-43.2021.8.22.0000. Primeira Câmara Criminal. Rel. Des. JOSÉ ANTÔNIO ROBLES. Julgado em 25 de novembro de 2021).
Nas razões deste habeas corpus (e-STJ, fls. 3-14), a defesa apresenta argumentos em favor do reconhecimento da ilicitude do ingresso forçado de policiais na residência do paciente. Assevera que os militares não encontraram nada de ilícito em poder do acusado ao abordá-lo em via pública, de maneira que não havia justificativa plausível para o ingresso em domicílio sem mandado judicial e sem consentimento formal.
Subsidiariamente, postula a revogação da prisão preventiva, alegando ausência de fundamentos para sua manutenção. Além disso, informa que o paciente encontra-se acometido de grave enfermidade, razão pela qual deve lhe ser deferido o benefício da prisão domiciliar.
Diante do exposto, requer, liminarmente, a expedição de alvará de soltura ou o benefício da prisão domiciliar. Quanto ao mérito, que seja reconhecida a nulidade da prisão e das provas obtidas mediante ingresso forçado na residência do paciente.
O pedido liminar foi indeferido pela Presidência desta Corte (e-STJ, fls. 67-68).
O Tribunal de origem prestou informações (e-STJ, fls. 72-76).
Os autos foram, então, remetidos ao Ministério Público Federal, que se manifestou pelo não conhecimento da impetração (e-STJ, fls. 78-86).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra Rosa Weber, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso ordinário.
No entanto, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Por meio desta impetração, a defesa questiona a validade da prisão em flagrante e das provas obtidas mediante o ingresso de policiais na residência do paciente, sob a alegação de que não havia indícios concretos a respeito da prática de atividades ilícitas a dar suporte à abordagem.
Sobre esse tema, sabe-se que o tráfico ilícito de entorpecentes é crime permanente, estando em flagrante aquele que o pratica em sua residência, ainda que na modalidade de guardar ou ter em depósito. Legítima, portanto, a entrada de policiais para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva.
Necessário, assim, compatibilizar os direitos de liberdade com os interesses da segurança pública, por meio do controle judicial das investigações criminais, que pode ser feito antes da adoção da medida - com a expedição prévia de ordem judicial -, ou, posteriormente, quando, após a prática da medida invasiva, analisa-se a presença dos pressupostos legais e se a execução se deu conforme determina a lei.
Nas hipóteses de prisão em flagrante, o controle feito a posteriori pressupõe a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa, ou seja, que existiam elementos a caracterizar a suspeita de situação apta a autorizar o ingresso em domicílio.
O Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema n. 280 da sistemática da repercussão geral, à oportunidade do julgamento do RE n. 603.616/RO, afirma que provas ilícitas, informações de inteligência policial - denúncias anônimas, afirmações de "informações policiais" (pessoas ligadas ao crime que repassam informações aos policiais, mediante compromisso de não serem identificadas), por exemplo - e, em geral, elementos que não têm força probatória em juízo não servem para demonstrar a justa causa.
O acórdão está assim ementado:
Recurso extraordinário representativo da controvérsia. Repercussão geral. 2. Inviolabilidade de domicílio - art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. A Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito. No crime permanente, a situação de flagrância se protrai no tempo. 3. Período noturno. A cláusula que limita o ingresso ao período do dia é aplicável apenas aos casos em que a busca é determinada por ordem judicial. Nos demais casos - flagrante delito, desastre ou para prestar socorro - a Constituição não faz exigência quanto ao período do dia. 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Interpretação da Constituição. Proteção contra ingerências arbitrárias no domicílio. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1). O controle judicial a posteriori decorre tanto da interpretação da Constituição, quanto da aplicação da proteção consagrada em tratados internacionais sobre direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico. Normas internacionais de caráter judicial que se incorporam à cláusula do devido processo legal. 5. Justa causa. A entrada forçada em domicílio, sem uma justificativa prévia conforme o direito, é arbitrária. Não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos a caracterizar fundadas razões (justa causa) para a medida. 6. Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (RE 603616, Rel. Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Acórdão Eletrônico Repercussão Geral - Mérito DJe-093 Divulg 9/5/2016 Public 10/5/2016).
No mesmo sentido:
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar espera ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exigem.
3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
5. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteção da honra e da dignidade, assim dispõe: "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação."
6. A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser considerado quando, no conforto de seus gabinetes, realizamos os juízes o controle posterior das ações policiais. Mas, não se há de desconsiderar, por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda.
7. Se, por um lado, a dinâmica e a sofisticação do crime organizado exigem uma postura mais enérgica por parte do Estado, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia, por policiais, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria um ponto de tráfico de drogas, ou que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar.
9. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.
10. Se é verdade que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, num primeiro momento, parece exigir a emergência da situação para autorizar o ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial - ao elencar hipóteses excepcionais como o flagrante delito, casos de desastre ou prestação de socorro -, também é certo que nem todo crime permanente denota essa emergência.
11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais, refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e exclusivamente, do local em que ele estava no momento em que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para sua residência, conduta que pode explicar-se por diversos motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia, no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de drogas.
12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador - que deve ser mínima e seguramente comprovado - e sem determinação judicial.
13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu na espécie - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de qualquer preocupação em documentar e tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento.
14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.
15. Recurso especial não provido, para manter a absolvição do recorrido. (REsp 1574681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 30/5/2017).
Nessa linha de raciocínio, o ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
O ingresso também pode ocorrer mediante autorização de morador do imóvel, devendo o consentimento ser voluntário e livre de constrangimento ou coação. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se aperfeiçoado, passando a exigir, em caso de dúvida, prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento, a ser feita, sempre que possível, com testemunhas e com registro da operação por meio de recursos audiovisuais (HC 598.051/SP, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 15/3/2021). No mesmo sentido, a Quinta Turma decidiu o HC 616.584/RS, sob a relatoria do eminente Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 30/3/2021.
No bojo do primeiro acórdão acima mencionado, destacou-se ser necessária e urgente a comunicação imediata do teor da decisão colegiado aos governos estaduais, para providenciarem treinamento e condições materiais aos agentes de segurança pública para que possam observar as regras constitucionais reafirmadas e densificadas naquele julgado, fixando prazo de um ano para permitir o aparelhamento das polícias e o treinamento e demais providencias necessárias para a adaptação às diretrizes da decisão.
Embora o posicionamento jurisprudencial adotado por esta Corte não tenha retirado a presunção de veracidade dos depoimentos de policiais, as decisões acima referenciadas alertaram para a necessidade de analisar com cautela cada caso, sempre buscando garantir que a permissão não foi precedida de situação de constrangimento que torna ilícita a ação policial.
Feitas essas ponderações, verifica-se que, no caso narrado, policiais militares realizavam patrulhamento de rotina nas ruas da cidade de Ji-Paraná, em Rondônia, quando avistaram o paciente, cujas características físicas eram condizentes com as de um suspeito pela prática de crimes na região. Durante a abordagem, o paciente teria se mostrado nervoso, mas nada de ilícito foi encontrado em seu poder. Em sua residência, policiais encontraram 168g de maconha, uma balança de precisão, um rolo de papel filme e certa quantidade de dinheiro em espécie. Em uma rede armada na varanda da casa, foram encontradas quatro porções da mesma droga, totalizando 1,9 kg de substância entorpecente (e-STJ, fl. 18).
Neste caso, não é possível extrair elementos factuais que dessem sustentação à decisão dos policiais militares de ingressar na casa do paciente. Não existem informações a respeito de investigações mínimas para obtenção de indícios da prática do crime de tráfico de drogas, sendo certo que a mera natureza permanente do crime insuficiente para autorizar a diligência.
Na situação apresentada, não se pode afirmar que, antes do ingresso, os militares detinham elementos suficientes para justificar a decisão de ingressar no domicílio da recorrente. Além do mais, a narrativa de que a entrada foi autorizada mostra-se fragilizada diante das circunstâncias concretas, que apontam para o fato de que o consentimento foi dado em situação claramente desfavorável, retirando da permissão o caráter livre e voluntário e, por conseguinte, tornando lícita a ação de busca domiciliar por entorpecentes.
A mera suspeita autoriza, em linhas gerais, a observação do local, como forma de recolher mais elementos sobre a existência do delito ali apurado. Nesse caso, se demonstrada a existência de fundadas razões acerca da situação de flagrante, autorizados estão os policiais a ingressar no imóvel, mesmo sem permissão do morador.
Em casos análogos, esta Corte tem declarado ilícitas as provas derivadas da prisão em flagrante, registrando expressamente que a denúncia anônima desacompanhada de medidas investigativas preliminares que indiquem a presença de fundadas razões para não configura justa causa para a violação de domicílio, à míngua de fundadas razões para a convicção de que esteja em curso algum delito:
PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. PROVA ILÍCITA. BUSCA DOMICILIAR AUTORIZADA POR TERCEIRO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO FORÇADO DOS POLICIAIS. ABSOLVIÇÃO.WRIT NÃO CONHECIDO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XI, estabelece que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
3. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 603.616/RO, esclareceu que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro GILMAR MENDES, julgado em 5/11/2015).
4. No caso, segundo se infere, a operação policial que resultou na apreensão da droga na casa da paciente se originou de denúncia anônima. Inicialmente, a ré foi submetida a revista pessoal na rua e com ela nada foi encontrado. Em seguida, os policiais se deslocaram até a sua residência, tendo sido a busca domiciliar autorizada por terceiro - apontado como locador do imóvel e proprietário do terreno onde estava a casa.
5. Como se verifica, não há qualquer das hipóteses constitucionais autorizadoras para o ingresso forçado dos policiais no domicílio da ré. A uma porque a entrada no imóvel foi permitida por terceiro, apontado como proprietário do terreno onde a casa estava localizada, quando apenas ao morador da unidade habitacional caberia tal autorização. A duas porque ausente qualquer circunstância fática que indicasse a ocorrência de tráfico de drogas no interior da residência, a autorizar a incursão policial.
6. Hipótese em que lastreada a condenação pelos delitos de tráfico de drogas e de associação para o tráfico em elementos probatórios colhidos mediante busca domiciliar ilegal, impõe-se a absolvição da paciente e corré.
7.Habeas corpusnão conhecido. Ordem, concedida, de ofício, para declarar a invalidade das provas obtidas mediante violação domiciliar, e todas as dela decorrentes, na AP n. 0034338-69.2015.8.19.0066 e, consequentemente, para absolver a paciente e a corré pelos delitos dos arts. 33,caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006(HC 505.705/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 19/12/2019).
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NO DOMICÍLIO DO RÉU. FLAGRANTE. AUSÊNCIA DE MANDADO. DENÚNCIA ANÔNIMA/COMUNICAÇÃO APÓCRIFA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA.
1. É pacífico nesta Corte o entendimento de que, nos crimes permanentes, tal como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrai no tempo, o que, todavia, não é suficiente, por si só, para justificar busca domiciliar desprovida de mandado judicial, exigindo-se a demonstração de indícios mínimos de que, naquele momento, dentro da residência, se está ante uma situação de flagrante delito.
2. Conforme entendimento firmado por esta Corte, a mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida.
3. Não havendo, como na hipótese, outros elementos preliminares indicativos de crime que acompanhem a denúncia anônima, inexiste justa causa a autorizar o ingresso no domicílio sem o consentimento do morador, o que nulifica a prova produzida.
4.Habeas corpus concedido para reconhecer a nulidade das provas colhidas mediante violação domiciliar (HC 512.418/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, DJe 3/12/2019).
Por conseguinte, configura-se a ilegalidade da entrada dos policiais no domicílio do recorrente, sem mandado judicial, sem a prévia anuência de morador e sem nenhum indício de que ali estivesse sendo cometido crime permanente.
Assim, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão, e, por conseguinte, determinar o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa para o seu prosseguimento.
Diante do exposto, concedo a ordem, de ofício, para reconhecer a ilicitude das provas obtidas mediante ingresso forçado dos policiais na residência do paciente e determinar o trancamento da ação penal movida em desfavor do paciente, expedindo-se alvará de soltura, caso não esteja preso por outro motivo, prejudicando os demais pedidos.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. INGRESSO DE POLICIAIS EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES OU PERMISSÃO LIVRE E CONSCIENTE DO MORADOR. VÍCIO CONSTATADO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A Suprema Corte definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - Dje 9/5/1016 Public. 10/5/2016).
3. Na hipótese, não se pode afirmar que, antes do ingresso, os militares detinham elementos suficientes para justificar a decisão de ingressar no domicílio da recorrente. Além do mais, a narrativa de que a entrada foi autorizada mostra-se fragilizada diante das circunstâncias concretas, que apontam para o fato de que o consentimento foi dado em situação claramente desfavorável, retirando da permissão o caráter livre e voluntário e, por conseguinte, tornando lícita a ação de busca domiciliar por entorpecentes.
4. Desse modo, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão, e, por conseguinte, determinar o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa para o seu prosseguimento.
5. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, caso não esteja preso por outro motivo. | HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. INGRESSO DE POLICIAIS EM DOMICÍLIO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES OU PERMISSÃO LIVRE E CONSCIENTE DO MORADOR. VÍCIO CONSTATADO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO. | 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A Suprema Corte definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 5/11/2015, Repercussão Geral - Dje 9/5/1016 Public. 10/5/2016).
3. Na hipótese, não se pode afirmar que, antes do ingresso, os militares detinham elementos suficientes para justificar a decisão de ingressar no domicílio da recorrente. Além do mais, a narrativa de que a entrada foi autorizada mostra-se fragilizada diante das circunstâncias concretas, que apontam para o fato de que o consentimento foi dado em situação claramente desfavorável, retirando da permissão o caráter livre e voluntário e, por conseguinte, tornando lícita a ação de busca domiciliar por entorpecentes.
4. Desse modo, devem ser reconhecidas como ilícitas as evidências recolhidas na busca e apreensão, e, por conseguinte, determinar o trancamento da ação penal, por ausência de justa causa para o seu prosseguimento.
5. Ordem concedida de ofício para determinar o trancamento da ação penal por ausência de justa causa, determinando a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, caso não esteja preso por outro motivo. | N |
142,870,194 | EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 12 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE DE MUNIÇÃO E ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. LEI N. 10.826/03. MAGISTRADO. PRESENÇA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO À INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA.
1. A denuncia oferecida contra desembargador pela prática do crime de posse de arma de fogo e munições de uso permitido, capitulado no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
2. Os magistrados, por força de lei, têm o direito de portar arma de fogo e, por consequência, de possuí-la, mas não estão dispensados do registro da arma nos órgãos competentes. Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (AO 2.280-DF, relator Ministro Edson Fachin, DJe de 25.3.2019).
3. Havendo lastro probatório mínimo suficiente à instauração da ação penal - artefatos encontrados no interior da residência do denunciado, sem evidência alguma de que exista o necessário registro, e laudo de perícia criminal demonstrando as perfeitas condições de uso e eficiência das armas e munições - não se configura hipótese de absolvição sumária. Na fase de recebimento da denúncia, prepondera o princípio do in dubio pro societate, de modo que à defesa cumpriria demonstrar, de forma inequívoca, "que o fato evidentemente não constitui crime", conforme previsto no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal.
4. Recebida a denúncia, o instituto da suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/1995, art. 89) permite a proposta formulada pelo Ministério Público de sobrestamento do feito pelo prazo de 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo processado e inexista condenação por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
5. Denúncia recebida.
ACÓRDÃO
A Corte Especial, por unanimidade, rejeitou as preliminares e recebeu a denúncia, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Sustentaram oralmente a Dra. Lindôra Maria Araújo, Subprocuradora-Geral da República, e o Dr. Danilo Mendes Sady, pelo réu.
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra IVANILTON SANTOS DA SILVA, Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (CF, art. 105, inciso I, letra a).
A Autoridade Policial representou pela instauração de inquérito sob o fundamento de que, durante o cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão, expedido por determinação do Ministro Og Fernandes, nos autos do RE 2020.0123014-CGRC/DICOR/PF - INQ 1258-STJ 689/2020-CESP- STJ, levado a efeito no dia 14 de dezembro de 2020, em Salvador/BA, no endereço Condomínio Art Residence, Rua Rio Trobogi, n. 588, Apt. 0 1302, Torre 2, Jaguaribe, foram apreendidos 5 (cinco) revólveres de calibre 38 e 17 munições calibre 38 intactas, no quarto do denunciado.
O Ministro Felix Fischer, às fls. 11-12, autorizou a instauração do inquérito.
A Autoridade Policial fez juntar aos autos o laudo de exame de eficiência e caracterização física das armas e munições apreendidas (Laudo n. 1084/2020 - SETEC/SR/PF/BA, fls. 25-33).
Por conseguinte, o Ministério Público Federal apresentou denúncia, em 4 (quatro) laudas, às fls. 38-41, imputando ao acusado a prática do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, tipificado no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003.
Em cota (fls. 36-37), o Ministério Público Federal apresentou proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89, caput, da Lei n. 9.099/95 e do art. 77 do Código Penal, pelo prazo mínimo legal, com o cumprimento das seguintes condições: "I) - proibição de ausentar-se do município onde reside por mais de trinta dias, sem autorização judicial; II) - comparecimento trimestral obrigatório ao juízo para informar e justificar suas atividades; III) - apresentação, no 12º e 24º meses do período de suspensão, de certidões de antecedentes criminais da Justiça Estadual e Federal relativas aos Estados da Federação em que residiu nos últimos cinco anos; IV) - pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em benefício de instituição de caridade a ser designada pelo Superior Tribunal de Justiça." (fls. 36-37).
Em 11 de maio de 2021, foi determinada, com base no art. 4º da Lei nº 8.038/90, a notificação do acusado para a apresentação de resposta (fls. 44-45).
O acusado, após ter deferido pedido de acesso aos autos, apresentou sua resposta à acusação (e-STJ fl. 79-88), na qual alegou, em síntese, que a denúncia carece de lastro probatório mínimo, e, portanto, deve ser rejeitada por ausência de justa causa.
Nesse sentido, alegou que o crime pelo qual foi denunciado é o de possuir arma de fogo sem o devido registro e que o Ministério Público não comprovou que os artefatos bélicos apreendidos em seu endereço não possuem o devido e necessário registro.
Afirma, ainda, que " .. a imputação feita ao Acusado se baseia na mera ilação de que as armas e munições encontradas não possuíam registro, resta inviabilizado o prosseguimento do feito, daí porque a denúncia merece rejeição .. ." (fl. 87).
Ao final, requer a rejeição da denúncia por ausência de justa causa, e, acaso não acolhida a defesa, a designação de audiência com vistas a analisar os termos e condições da proposta de suspensão condicional do processo.
É o relatório.
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 12 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE DE MUNIÇÃO E ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. LEI N. 10.826/03. MAGISTRADO. PRESENÇA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO À INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA.
1. A denuncia oferecida contra desembargador pela prática do crime de posse de arma de fogo e munições de uso permitido, capitulado no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
2. Os magistrados, por força de lei, têm o direito de portar arma de fogo e, por consequência, de possuí-la, mas não estão dispensados do registro da arma nos órgãos competentes. Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (AO 2.280-DF, relator Ministro Edson Fachin, DJe de 25.3.2019).
3. Havendo lastro probatório mínimo suficiente à instauração da ação penal - artefatos encontrados no interior da residência do denunciado, sem evidência alguma de que exista o necessário registro, e laudo de perícia criminal demonstrando as perfeitas condições de uso e eficiência das armas e munições - não se configura hipótese de absolvição sumária. Na fase de recebimento da denúncia, prepondera o princípio do in dubio pro societate, de modo que à defesa cumpriria demonstrar, de forma inequívoca, "que o fato evidentemente não constitui crime", conforme previsto no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal.
4. Recebida a denúncia, o instituto da suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/1995, art. 89) permite a proposta formulada pelo Ministério Público de sobrestamento do feito pelo prazo de 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo processado e inexista condenação por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
5. Denúncia recebida.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra IVANILTON SANTOS DA SILVA, Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, por ter, em tese, praticado o delito previsto no art. 12 da lei 10.826/2003.
O Ministério Público Federal apresentou denúncia (e-STJ fls. 38-41) imputando ao acusado o delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, tipificado no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003, da qual transcrevo:
"No dia 14 de dezembro de 2020, em cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão nº 689/2020-CESP-STJ, exarado pelo Relator do Inquérito nº 1258/DF, Exmo. Ministro Og Fernandes, a Polícia Federal, Superintendência Regional na Bahia, encontrou na posse de IVANILTON SANTOS DA SILVA as seguintes armas e munições, conforme elencado no Auto de Apreensão n.º 376/2020 (fls.05/06):
- 02 revólveres ROSSI, calibre 38, números de série0498691 e 25425;
- 02 revólveres TAURUS, calibre 38, números de série645818 e 1902126;
- 01 revólver SMITH & WESSON, calibre 38, número de série 2110;
- 17 munições intactas calibre 38.
O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 1084/2020, juntado ao presente inquérito (fls.26/33), atestou a eficácia das 05
(cinco) armas para efetuar disparos e as perfeitas condições de uso e emprego de 15 (quinze) dos 17 (dezessete) cartuchos apreendidos no quarto do Desembargador IVANILTON.
..
Embora não se desconheça que os magistrados têm o direito de portar e possuir arma de fogo, eles não estão dispensados de efetuar o registro dos artefatos nos órgãos competentes e, consequentemente, de renová-lo. In casu, a autoria e materialidade delitiva restaram comprovadas pelo Auto de Apreensão (fls.05/06) e pelo Laudo de Perícia Criminal (fls.26/33), que foi unívoco ao atestar que os artefatos apreendidos (armas de fogo e munições) na residência de IVANILTON estavam em perfeitas condições de uso e emprego, aptos ao disparo e à deflagração, respectivamente.
Ante o exposto, IVANILTON SANTOS DA SILVA cometeu o delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, estando incurso nas sanções do artigo 12, Lei n.º 10826/03, eis que, em 14 de dezembro de 2020, possuía, no interior de sua residência,05 armas de fogo e diversas munições de uso permitido SEM o devido registro." (fls. 39-40).
Às fls. 36-37, o Ministério Público Federal apresentou proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89, caput, da Lei n. 9.099/95 e do art. 77 do Código Penal, pelo prazo mínimo legal, com o cumprimento das seguintes condições:
"I) - proibição de ausentar-se do município onde reside por mais de trinta dias, sem autorização judicial; II) - comparecimento trimestral obrigatório ao juízo para informar e justificar suas atividades; III) - apresentação, no 12º e 24º meses do período de suspensão, de certidões de antecedentes criminais da Justiça Estadual e Federal relativas aos Estados da Federação em que residiu nos últimos cinco anos; IV) - pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em benefício de instituição de caridade a ser designada pelo Superior Tribunal de Justiça." (fls. 36-37).
A defesa do acusado argumenta que a denúncia deve ser rejeitada por ausência de justa causa, pois a acusação não teria comprovado que as armas apreendidas, efetivamente, não possuem registros, portanto, não há lastro probatório mínimo para o recebimento da exordial.
Em que pesem os argumentos da defesa, observo que a justa causa, prevista no artigo 395, III, do CPP, como condição da ação penal, é garantia contra o uso abusivo do direito de acusar.
Desse modo, a denúncia deve vir acompanhada de lastro probatório mínimo (HC 88.601/CE, Segunda Turma, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJU de 22/6/2007), apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado.
Em outros termos, é imperiosa a existência de suporte legitimador que revele, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime, a respaldar a acusação, de modo a torná-la plausível.
Assim, para se aferir a presença da referida condição, não se mostra imprescindível a obtenção de juízo de certeza acerca da autoria e da materialidade do delito, as quais se fazem necessárias, apenas, em caso de eventual julgamento do mérito, bastando, nesta oportunidade, a mera plausibilidade da pretensão punitiva.
No caso dos autos, tenho que há, por ora, elementos suficientes que autorizam o desencadeamento da ação penal.
Os magistrados, por força de lei, têm o direito de portar arma de fogo e, por consequência, de possuí-la, mas não estão dispensados do registro da arma nos órgãos competentes. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO ORIGINÁRIA. MAGISTRADO. PRERROGATIVA DO ART. 33, V, DA LOMAN. PORTE DE ARMA DE FOGO PARA DEFESA PESSOAL. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAPACIDADE TÉCNICA E APTIDÃO PSICOLÓGICA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO.
1. Os requisitos para a aquisição de arma de fogo estabelecidos pelo
Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) são aplicáveis a todos os interessados, cabendo somente à própria legislação excepcionar tais exigências.
2. O aparente silêncio da lei relativamente aos magistrados não pode
ser interpretado como se os dispensasse do registro, obrigação legal que incide sobre todos os brasileiros. Não há silêncio eloquente na lei nem há submissão dos magistrado a uma obrigação que a lei não exige.
3. A prerrogativa funcional do magistrado quanto ao porte de arma
de fogo (art. 33, V, da LOMAN) não pressupõe a efetiva habilidade e
conhecimento para utilizá-la, necessitando, portanto, comprovar possuir capacidade técnica e aptidão psicológica.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AO 2.280-DF, relator Ministro Edson Fachin, DJe de 25.3.2019).
Com efeito, a denúncia está alicerçada em substanciosos elementos de cognição, os quais são suficientes para possibilitar, nesta etapa, a instauração da ação penal.
Havendo lastro probatório mínimo suficiente à instauração da ação penal - artefatos encontrados no interior da residência do denunciado, sem evidência alguma de que exista o necessário registro, e laudo de perícia criminal demonstrando as perfeitas condições de uso e eficiência das armas e munições - não se configura hipótese de absolvição sumária.
A defesa não trouxe alegação concreta ou evidência alguma acerca do registro das armas, cuja eventual existência poderá ser oportunamente comprovada, com a juntada de documentos no curso da instrução, sendo submetidos ao crivo do contraditório.
Dessa forma, o argumento de que a denúncia é carecedora de justa causa, por não ter apresentado lastro probatório mínimo, não merece acolhimento, sobretudo porque, como é cediço, em juízo prelibatório da acusação, vigora, consoante iterativa jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o princípio do in dubio pro societate, de modo que, presentes indícios suficientes da autoria e prova da materialidade delitiva, o recebimento é de rigor.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVANTE ACUSADO DA PRÁTICA DE CORRUPÇÃO E DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA CONDENAÇÃO DE INVESTIGADO E DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TRIBUNAL A QUO AFIRMA CIÊNCIA DO PACIENTE DA CONDIÇÃO DE ALVO DE INVESTIGAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA AMPARADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Agravo regimental contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso em habeas corpus, por não ter identificado flagrante ilegalidade apta a ensejar prematura interrupção da ação penal em relação ao recorrente.
(..)
8. "Segundo jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria e materialidade. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate"(AgRg no RHC 130.300/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 27/10/2020)
9. Por derradeiro, observa-se que no RHC 122.717/PR, bem como no RHC 124.153/PR, conexos ao presente recurso, interpostos por corréus que também foram investigados no âmbito da "Operação Antissepsia", a Quinta Turma do STJ entendeu pelo prosseguimento da ação penal porquanto a peça acusatória encontra-se fundada em vasta investigação "amparada na quebra de sigilo de dados e telefônico dos investigados, suficientes para dar início à persecução penal, devendo eventuais contradições ser esclarecidas por ocasião da instrução processual, submetida aos princípios do contraditório e da ampla defesa" (AgRg no RHC 122.717/PR, de minha relatoria, QUINTA TURMA, DJe 27/5/2020).
10. Agravo regimental ao qual se nega provimento." (AgRg no RHC 128.824/PR, Quinta Turma, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/08/2021, DJe 16/08/2021)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE E DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere não hipótese dos autos.
2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o Julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal.
4. No caso dos autos, a pretensão do recorrente, no que se refere ao trancamento da ação penal, mostra-se incabível, já que os fatos descritos na denúncia configuram, ao menos em tese, ilícito penal.
Encontram-se presentes indícios mínimos de autoria e materialidade em face das provas produzidas, com destaque ao laudo pericial, que comprova a ocorrência de superfaturamento de valores do materiais e divergência quanto à quantidade de material que foi utilizada e à informada.
5. A denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do Código de Processo Penal e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu.
6. Hipótese em que a inicial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve que a conduta atribuída ao ora recorrente, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório.
7. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, demanda uma análise ampla da alegação do que o recorrente não agiu com dolo, ou mesmo que não tenha se beneficiado com a dispensa da licitação, não sendo possível a estreita via do habeas corpus, vez que tais argumentos demandam ampla dilação probatória, exigindo profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via estreita do writ.
8. Recurso ordinário não provido." (RHC 76.832/AM, Quinta Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)
Há de ser afastada, portanto, a preliminar em tela.
No caso, observo que, segundo a acusação, no dia 14/12/2020, a Autoridade Policial, em cumprimento à ordem judicial, consubstanciada no Mandado de Busca e Apreensão n. 689/2020-CESP-STJ, expedido nos autos do INQ 1258/DF, por determinação do Ministro Og Fernandes, encontrou no endereço do denunciado as seguintes armas de fogo e munições, conforme detalhado no Auto de Apreensão n. 376/2020, juntado às fls. 5-6:
a) 2 revólveres ROSSI, calibre 38, números de série 0498691 e 25425;
b) 2 revólveres TAURUS, calibre 38, números de série 645818 e 1902126;
c) 1 revólver SMITH & WESSON, calibre 38, número de série 2110;
d) 17 munições intactas calibre 38.
Acrescente-se que, às fls. 26-33, foi juntado o Laudo de Perícia Criminal Federal 1084/2020-SETEC/SR/PF/BA, encaminhado pela Autoridade Policial, que atestou a eficácia das armas de fogos e das munições apreendidas.
Nesse contexto, entendo que está presente lastro probatório suficiente ao recebimento da denúncia por crime de posse de arma de fogo, tipificado no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
Destaco que o denunciado alega ausência de substrato mínimo para oferecimento da denúncia, sob o fundamento de que a acusação se baseia em meras ilações de que as armas e munições não possuiriam registros, mas não trouxe aos autos comprovação de regularidade da posse os referidos artefatos.
É certo que à defesa não cabe o ônus de provar a inocência do acusado, mas se pretende a absolvição sumária nesta fase de prelibação, em que prepondera o princípio do in dubio pro societate, cumpre-lhe demonstrar, de forma inequívoca, "que o fato evidentemente não constitui crime", conforme previsto no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, este Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
"PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. DESEMBARGADOR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA. STJ. ART. 105, I, "A", DA CF/88. CRIMES CONTRA A HONRA. INJÚRIA. CAUSA DE AUMENTO. MEIO QUE FACILITE A DIVULGAÇÃO. ARTS. 140 E 141, III, DO CP. INTERNET. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. LOCAL DA INSERÇÃO DA OFENSA EM REDE SOCIAL. OFENSAS AUTÔNOMAS. DIVERSOS AUTORES. DIREITO DE QUEIXA. RENÚNCIA TÁCITA. INOCORRÊNCIA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO DA AUTORIA. PROVA EM CONTRÁRIO. ÔNUS DO OFENSOR. ELEMENTO ESPECIAL DO INJUSTO. ESPECIAL FIM DE AGIR. ATIPICIDADE MANIFESTA. NÃO COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397, III, DO CPP. IMPOSSIBILIDADE.
..
4. Ao rito especial da Lei 8.038/90 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP.
..
8. A absolvição sumária é hipótese de julgamento antecipado do mérito da pretensão punitiva que exige a demonstração inequívoca e manifesta da ocorrência das hipóteses do art. 397 do CPP, inclusive quanto à atipicidade da conduta pela ausência de especial fim de agir nos tipos penais que o exigem.
9. Na presente hipótese, a conduta atribuída à querelada é aparentemente típica, pois houve demonstração, no campo hipotético e indiciário, da intenção deliberada de injuriar, denegrir, macular ou de atingir a honra do querelante, devendo ser apreciada a efetiva existência do especial fim de agir exigido pelo art. 140 do CP no curso da instrução criminal.
10. Queixa-crime recebida." (APn 895/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/2019)
Assim, não demonstrada, de forma inequívoca, a atipicidade da conduta, inviável o acolhimento do pedido de absolvição sumária nesta fase de admissibilidade da acusação.
Conclusão:
Ao que se pode verificar pelos elementos juntados ao procedimento, há uma série de provas que foram colhidas no curso da investigação que autorizam a deflagração da Ação Penal.
Dessa forma, tenho que a denúncia deve ser RECEBIDA pelo crime de posse ilegal de arma de fogo (artigo 12 da Lei n. 10.826/2003) em desfavor do acusado IVANILTON SANTOS SILVA.
Considerando a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público às fls. 36-37, e o aparente interesse do acusado no acordo, recebida a denúncia, devem os autos ser conclusos para designação de audiência para oferecimento do benefício.
É como voto. | ACÓRDÃO
A Corte Especial, por unanimidade, rejeitou as preliminares e recebeu a denúncia, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Sustentaram oralmente a Dra. Lindôra Maria Araújo, Subprocuradora-Geral da República, e o Dr. Danilo Mendes Sady, pelo réu.
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra IVANILTON SANTOS DA SILVA, Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia (CF, art. 105, inciso I, letra a).
A Autoridade Policial representou pela instauração de inquérito sob o fundamento de que, durante o cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão, expedido por determinação do Ministro Og Fernandes, nos autos do RE 2020.0123014-CGRC/DICOR/PF - INQ 1258-STJ 689/2020-CESP- STJ, levado a efeito no dia 14 de dezembro de 2020, em Salvador/BA, no endereço Condomínio Art Residence, Rua Rio Trobogi, n. 588, Apt. 0 1302, Torre 2, Jaguaribe, foram apreendidos 5 (cinco) revólveres de calibre 38 e 17 munições calibre 38 intactas, no quarto do denunciado.
O Ministro Felix Fischer, às fls. 11-12, autorizou a instauração do inquérito.
A Autoridade Policial fez juntar aos autos o laudo de exame de eficiência e caracterização física das armas e munições apreendidas (Laudo n. 1084/2020 - SETEC/SR/PF/BA, fls. 25-33).
Por conseguinte, o Ministério Público Federal apresentou denúncia, em 4 (quatro) laudas, às fls. 38-41, imputando ao acusado a prática do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, tipificado no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003.
Em cota (fls. 36-37), o Ministério Público Federal apresentou proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89, caput, da Lei n. 9.099/95 e do art. 77 do Código Penal, pelo prazo mínimo legal, com o cumprimento das seguintes condições: "I) - proibição de ausentar-se do município onde reside por mais de trinta dias, sem autorização judicial; II) - comparecimento trimestral obrigatório ao juízo para informar e justificar suas atividades; III) - apresentação, no 12º e 24º meses do período de suspensão, de certidões de antecedentes criminais da Justiça Estadual e Federal relativas aos Estados da Federação em que residiu nos últimos cinco anos; IV) - pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em benefício de instituição de caridade a ser designada pelo Superior Tribunal de Justiça." (fls. 36-37).
Em 11 de maio de 2021, foi determinada, com base no art. 4º da Lei nº 8.038/90, a notificação do acusado para a apresentação de resposta (fls. 44-45).
O acusado, após ter deferido pedido de acesso aos autos, apresentou sua resposta à acusação (e-STJ fl. 79-88), na qual alegou, em síntese, que a denúncia carece de lastro probatório mínimo, e, portanto, deve ser rejeitada por ausência de justa causa.
Nesse sentido, alegou que o crime pelo qual foi denunciado é o de possuir arma de fogo sem o devido registro e que o Ministério Público não comprovou que os artefatos bélicos apreendidos em seu endereço não possuem o devido e necessário registro.
Afirma, ainda, que " .. a imputação feita ao Acusado se baseia na mera ilação de que as armas e munições encontradas não possuíam registro, resta inviabilizado o prosseguimento do feito, daí porque a denúncia merece rejeição .. ." (fl. 87).
Ao final, requer a rejeição da denúncia por ausência de justa causa, e, acaso não acolhida a defesa, a designação de audiência com vistas a analisar os termos e condições da proposta de suspensão condicional do processo.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI (Relatora): Trata-se de denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra IVANILTON SANTOS DA SILVA, Desembargador do Tribunal de Justiça da Bahia, por ter, em tese, praticado o delito previsto no art. 12 da lei 10.826/2003.
O Ministério Público Federal apresentou denúncia (e-STJ fls. 38-41) imputando ao acusado o delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, tipificado no artigo 12 da Lei n. 10.826/2003, da qual transcrevo:
"No dia 14 de dezembro de 2020, em cumprimento ao Mandado de Busca e Apreensão nº 689/2020-CESP-STJ, exarado pelo Relator do Inquérito nº 1258/DF, Exmo. Ministro Og Fernandes, a Polícia Federal, Superintendência Regional na Bahia, encontrou na posse de IVANILTON SANTOS DA SILVA as seguintes armas e munições, conforme elencado no Auto de Apreensão n.º 376/2020 (fls.05/06):
- 02 revólveres ROSSI, calibre 38, números de série0498691 e 25425;
- 02 revólveres TAURUS, calibre 38, números de série645818 e 1902126;
- 01 revólver SMITH & WESSON, calibre 38, número de série 2110;
- 17 munições intactas calibre 38.
O Laudo de Perícia Criminal Federal n.º 1084/2020, juntado ao presente inquérito (fls.26/33), atestou a eficácia das 05
(cinco) armas para efetuar disparos e as perfeitas condições de uso e emprego de 15 (quinze) dos 17 (dezessete) cartuchos apreendidos no quarto do Desembargador IVANILTON.
..
Embora não se desconheça que os magistrados têm o direito de portar e possuir arma de fogo, eles não estão dispensados de efetuar o registro dos artefatos nos órgãos competentes e, consequentemente, de renová-lo. In casu, a autoria e materialidade delitiva restaram comprovadas pelo Auto de Apreensão (fls.05/06) e pelo Laudo de Perícia Criminal (fls.26/33), que foi unívoco ao atestar que os artefatos apreendidos (armas de fogo e munições) na residência de IVANILTON estavam em perfeitas condições de uso e emprego, aptos ao disparo e à deflagração, respectivamente.
Ante o exposto, IVANILTON SANTOS DA SILVA cometeu o delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido, estando incurso nas sanções do artigo 12, Lei n.º 10826/03, eis que, em 14 de dezembro de 2020, possuía, no interior de sua residência,05 armas de fogo e diversas munições de uso permitido SEM o devido registro." (fls. 39-40).
Às fls. 36-37, o Ministério Público Federal apresentou proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do artigo 89, caput, da Lei n. 9.099/95 e do art. 77 do Código Penal, pelo prazo mínimo legal, com o cumprimento das seguintes condições:
"I) - proibição de ausentar-se do município onde reside por mais de trinta dias, sem autorização judicial; II) - comparecimento trimestral obrigatório ao juízo para informar e justificar suas atividades; III) - apresentação, no 12º e 24º meses do período de suspensão, de certidões de antecedentes criminais da Justiça Estadual e Federal relativas aos Estados da Federação em que residiu nos últimos cinco anos; IV) - pagamento do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), em benefício de instituição de caridade a ser designada pelo Superior Tribunal de Justiça." (fls. 36-37).
A defesa do acusado argumenta que a denúncia deve ser rejeitada por ausência de justa causa, pois a acusação não teria comprovado que as armas apreendidas, efetivamente, não possuem registros, portanto, não há lastro probatório mínimo para o recebimento da exordial.
Em que pesem os argumentos da defesa, observo que a justa causa, prevista no artigo 395, III, do CPP, como condição da ação penal, é garantia contra o uso abusivo do direito de acusar.
Desse modo, a denúncia deve vir acompanhada de lastro probatório mínimo (HC 88.601/CE, Segunda Turma, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJU de 22/6/2007), apto a demonstrar, ainda que de modo indiciário, a efetiva realização do ilícito penal por parte do denunciado.
Em outros termos, é imperiosa a existência de suporte legitimador que revele, de modo satisfatório e consistente, a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria do crime, a respaldar a acusação, de modo a torná-la plausível.
Assim, para se aferir a presença da referida condição, não se mostra imprescindível a obtenção de juízo de certeza acerca da autoria e da materialidade do delito, as quais se fazem necessárias, apenas, em caso de eventual julgamento do mérito, bastando, nesta oportunidade, a mera plausibilidade da pretensão punitiva.
No caso dos autos, tenho que há, por ora, elementos suficientes que autorizam o desencadeamento da ação penal.
Os magistrados, por força de lei, têm o direito de portar arma de fogo e, por consequência, de possuí-la, mas não estão dispensados do registro da arma nos órgãos competentes. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO ORIGINÁRIA. MAGISTRADO. PRERROGATIVA DO ART. 33, V, DA LOMAN. PORTE DE ARMA DE FOGO PARA DEFESA PESSOAL. ESTATUTO DO DESARMAMENTO. EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CAPACIDADE TÉCNICA E APTIDÃO PSICOLÓGICA. DESPROVIMENTO DO AGRAVO.
1. Os requisitos para a aquisição de arma de fogo estabelecidos pelo
Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) são aplicáveis a todos os interessados, cabendo somente à própria legislação excepcionar tais exigências.
2. O aparente silêncio da lei relativamente aos magistrados não pode
ser interpretado como se os dispensasse do registro, obrigação legal que incide sobre todos os brasileiros. Não há silêncio eloquente na lei nem há submissão dos magistrado a uma obrigação que a lei não exige.
3. A prerrogativa funcional do magistrado quanto ao porte de arma
de fogo (art. 33, V, da LOMAN) não pressupõe a efetiva habilidade e
conhecimento para utilizá-la, necessitando, portanto, comprovar possuir capacidade técnica e aptidão psicológica.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AO 2.280-DF, relator Ministro Edson Fachin, DJe de 25.3.2019).
Com efeito, a denúncia está alicerçada em substanciosos elementos de cognição, os quais são suficientes para possibilitar, nesta etapa, a instauração da ação penal.
Havendo lastro probatório mínimo suficiente à instauração da ação penal - artefatos encontrados no interior da residência do denunciado, sem evidência alguma de que exista o necessário registro, e laudo de perícia criminal demonstrando as perfeitas condições de uso e eficiência das armas e munições - não se configura hipótese de absolvição sumária.
A defesa não trouxe alegação concreta ou evidência alguma acerca do registro das armas, cuja eventual existência poderá ser oportunamente comprovada, com a juntada de documentos no curso da instrução, sendo submetidos ao crivo do contraditório.
Dessa forma, o argumento de que a denúncia é carecedora de justa causa, por não ter apresentado lastro probatório mínimo, não merece acolhimento, sobretudo porque, como é cediço, em juízo prelibatório da acusação, vigora, consoante iterativa jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o princípio do in dubio pro societate, de modo que, presentes indícios suficientes da autoria e prova da materialidade delitiva, o recebimento é de rigor.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVANTE ACUSADO DA PRÁTICA DE CORRUPÇÃO E DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. ALEGAÇÃO DE DESCONHECIMENTO DA CONDENAÇÃO DE INVESTIGADO E DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TRIBUNAL A QUO AFIRMA CIÊNCIA DO PACIENTE DA CONDIÇÃO DE ALVO DE INVESTIGAÇÃO. DECISÃO MONOCRÁTICA AMPARADA PELA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Agravo regimental contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso em habeas corpus, por não ter identificado flagrante ilegalidade apta a ensejar prematura interrupção da ação penal em relação ao recorrente.
(..)
8. "Segundo jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, a propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos e suficientes de autoria e materialidade. A certeza será comprovada ou afastada durante a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate"(AgRg no RHC 130.300/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, DJe 27/10/2020)
9. Por derradeiro, observa-se que no RHC 122.717/PR, bem como no RHC 124.153/PR, conexos ao presente recurso, interpostos por corréus que também foram investigados no âmbito da "Operação Antissepsia", a Quinta Turma do STJ entendeu pelo prosseguimento da ação penal porquanto a peça acusatória encontra-se fundada em vasta investigação "amparada na quebra de sigilo de dados e telefônico dos investigados, suficientes para dar início à persecução penal, devendo eventuais contradições ser esclarecidas por ocasião da instrução processual, submetida aos princípios do contraditório e da ampla defesa" (AgRg no RHC 122.717/PR, de minha relatoria, QUINTA TURMA, DJe 27/5/2020).
10. Agravo regimental ao qual se nega provimento." (AgRg no RHC 128.824/PR, Quinta Turma, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, julgado em 10/08/2021, DJe 16/08/2021)
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE E DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE NA VIA DO WRIT. DENÚNCIA QUE PREENCHE OS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere não hipótese dos autos.
2. A rejeição da denúncia e a absolvição sumária do agente, por colocarem termo à persecução penal antes mesmo da formação da culpa, exigem que o Julgador tenha convicção absoluta acerca da inexistência de justa causa para a ação penal. 3. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal.
4. No caso dos autos, a pretensão do recorrente, no que se refere ao trancamento da ação penal, mostra-se incabível, já que os fatos descritos na denúncia configuram, ao menos em tese, ilícito penal.
Encontram-se presentes indícios mínimos de autoria e materialidade em face das provas produzidas, com destaque ao laudo pericial, que comprova a ocorrência de superfaturamento de valores do materiais e divergência quanto à quantidade de material que foi utilizada e à informada.
5. A denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do Código de Processo Penal e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório pelo réu.
6. Hipótese em que a inicial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve que a conduta atribuída ao ora recorrente, com vistas a viabilizar a persecução penal e o exercício da ampla defesa e do contraditório.
7. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, demanda uma análise ampla da alegação do que o recorrente não agiu com dolo, ou mesmo que não tenha se beneficiado com a dispensa da licitação, não sendo possível a estreita via do habeas corpus, vez que tais argumentos demandam ampla dilação probatória, exigindo profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via estreita do writ.
8. Recurso ordinário não provido." (RHC 76.832/AM, Quinta Turma, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)
Há de ser afastada, portanto, a preliminar em tela.
No caso, observo que, segundo a acusação, no dia 14/12/2020, a Autoridade Policial, em cumprimento à ordem judicial, consubstanciada no Mandado de Busca e Apreensão n. 689/2020-CESP-STJ, expedido nos autos do INQ 1258/DF, por determinação do Ministro Og Fernandes, encontrou no endereço do denunciado as seguintes armas de fogo e munições, conforme detalhado no Auto de Apreensão n. 376/2020, juntado às fls. 5-6:
a) 2 revólveres ROSSI, calibre 38, números de série 0498691 e 25425;
b) 2 revólveres TAURUS, calibre 38, números de série 645818 e 1902126;
c) 1 revólver SMITH & WESSON, calibre 38, número de série 2110;
d) 17 munições intactas calibre 38.
Acrescente-se que, às fls. 26-33, foi juntado o Laudo de Perícia Criminal Federal 1084/2020-SETEC/SR/PF/BA, encaminhado pela Autoridade Policial, que atestou a eficácia das armas de fogos e das munições apreendidas.
Nesse contexto, entendo que está presente lastro probatório suficiente ao recebimento da denúncia por crime de posse de arma de fogo, tipificado no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
Destaco que o denunciado alega ausência de substrato mínimo para oferecimento da denúncia, sob o fundamento de que a acusação se baseia em meras ilações de que as armas e munições não possuiriam registros, mas não trouxe aos autos comprovação de regularidade da posse os referidos artefatos.
É certo que à defesa não cabe o ônus de provar a inocência do acusado, mas se pretende a absolvição sumária nesta fase de prelibação, em que prepondera o princípio do in dubio pro societate, cumpre-lhe demonstrar, de forma inequívoca, "que o fato evidentemente não constitui crime", conforme previsto no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, este Superior Tribunal de Justiça já decidiu:
"PROCESSUAL PENAL. QUEIXA-CRIME. DESEMBARGADOR. TRIBUNAL DE JUSTIÇA FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. COMPETÊNCIA. STJ. ART. 105, I, "A", DA CF/88. CRIMES CONTRA A HONRA. INJÚRIA. CAUSA DE AUMENTO. MEIO QUE FACILITE A DIVULGAÇÃO. ARTS. 140 E 141, III, DO CP. INTERNET. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. LOCAL DA INSERÇÃO DA OFENSA EM REDE SOCIAL. OFENSAS AUTÔNOMAS. DIVERSOS AUTORES. DIREITO DE QUEIXA. RENÚNCIA TÁCITA. INOCORRÊNCIA. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. CONHECIMENTO DA AUTORIA. PROVA EM CONTRÁRIO. ÔNUS DO OFENSOR. ELEMENTO ESPECIAL DO INJUSTO. ESPECIAL FIM DE AGIR. ATIPICIDADE MANIFESTA. NÃO COMPROVAÇÃO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397, III, DO CPP. IMPOSSIBILIDADE.
..
4. Ao rito especial da Lei 8.038/90 aplicam-se, subsidiariamente, as regras do procedimento ordinário (art. 394, § 5º, CPP), razão pela qual eventual rejeição da denúncia é balizada pelo art. 395 do CPP, ao passo que a improcedência da acusação (absolvição sumária) é pautada pelo disposto no art. 397 do CPP.
..
8. A absolvição sumária é hipótese de julgamento antecipado do mérito da pretensão punitiva que exige a demonstração inequívoca e manifesta da ocorrência das hipóteses do art. 397 do CPP, inclusive quanto à atipicidade da conduta pela ausência de especial fim de agir nos tipos penais que o exigem.
9. Na presente hipótese, a conduta atribuída à querelada é aparentemente típica, pois houve demonstração, no campo hipotético e indiciário, da intenção deliberada de injuriar, denegrir, macular ou de atingir a honra do querelante, devendo ser apreciada a efetiva existência do especial fim de agir exigido pelo art. 140 do CP no curso da instrução criminal.
10. Queixa-crime recebida." (APn 895/DF, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 15/05/2019, DJe 07/06/2019)
Assim, não demonstrada, de forma inequívoca, a atipicidade da conduta, inviável o acolhimento do pedido de absolvição sumária nesta fase de admissibilidade da acusação.
Conclusão:
Ao que se pode verificar pelos elementos juntados ao procedimento, há uma série de provas que foram colhidas no curso da investigação que autorizam a deflagração da Ação Penal.
Dessa forma, tenho que a denúncia deve ser RECEBIDA pelo crime de posse ilegal de arma de fogo (artigo 12 da Lei n. 10.826/2003) em desfavor do acusado IVANILTON SANTOS SILVA.
Considerando a proposta de suspensão condicional do processo formulada pelo Ministério Público às fls. 36-37, e o aparente interesse do acusado no acordo, recebida a denúncia, devem os autos ser conclusos para designação de audiência para oferecimento do benefício.
É como voto. | EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 12 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE DE MUNIÇÃO E ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. LEI N. 10.826/03. MAGISTRADO. PRESENÇA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO À INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA.
1. A denuncia oferecida contra desembargador pela prática do crime de posse de arma de fogo e munições de uso permitido, capitulado no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
2. Os magistrados, por força de lei, têm o direito de portar arma de fogo e, por consequência, de possuí-la, mas não estão dispensados do registro da arma nos órgãos competentes. Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (AO 2.280-DF, relator Ministro Edson Fachin, DJe de 25.3.2019).
3. Havendo lastro probatório mínimo suficiente à instauração da ação penal - artefatos encontrados no interior da residência do denunciado, sem evidência alguma de que exista o necessário registro, e laudo de perícia criminal demonstrando as perfeitas condições de uso e eficiência das armas e munições - não se configura hipótese de absolvição sumária. Na fase de recebimento da denúncia, prepondera o princípio do in dubio pro societate, de modo que à defesa cumpriria demonstrar, de forma inequívoca, "que o fato evidentemente não constitui crime", conforme previsto no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal.
4. Recebida a denúncia, o instituto da suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/1995, art. 89) permite a proposta formulada pelo Ministério Público de sobrestamento do feito pelo prazo de 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo processado e inexista condenação por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
5. Denúncia recebida. | PENAL E PROCESSUAL PENAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. ART. 12 DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO. POSSE DE MUNIÇÃO E ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. LEI N. 10.826/03. MAGISTRADO. PRESENÇA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO À INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA RECEBIDA. | 1. A denuncia oferecida contra desembargador pela prática do crime de posse de arma de fogo e munições de uso permitido, capitulado no art. 12 da Lei n. 10.826/2003.
2. Os magistrados, por força de lei, têm o direito de portar arma de fogo e, por consequência, de possuí-la, mas não estão dispensados do registro da arma nos órgãos competentes. Precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal (AO 2.280-DF, relator Ministro Edson Fachin, DJe de 25.3.2019).
3. Havendo lastro probatório mínimo suficiente à instauração da ação penal - artefatos encontrados no interior da residência do denunciado, sem evidência alguma de que exista o necessário registro, e laudo de perícia criminal demonstrando as perfeitas condições de uso e eficiência das armas e munições - não se configura hipótese de absolvição sumária. Na fase de recebimento da denúncia, prepondera o princípio do in dubio pro societate, de modo que à defesa cumpriria demonstrar, de forma inequívoca, "que o fato evidentemente não constitui crime", conforme previsto no inciso III do artigo 397 do Código de Processo Penal.
4. Recebida a denúncia, o instituto da suspensão condicional do processo (Lei n. 9.099/1995, art. 89) permite a proposta formulada pelo Ministério Público de sobrestamento do feito pelo prazo de 2 a 4 anos, desde que o acusado não esteja sendo processado e inexista condenação por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena (art. 77 do CP).
5. Denúncia recebida. | N |
143,035,920 | EMENTA
AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE UTILIZAÇÃO DO INCIDENTE PROCESSUAL DA SUSPENSÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE VIOLAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.
1. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público.
2. A suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo ao requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, quais sejam, ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas.
3. As questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado.
Agravo interno provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao agravo para indeferir o pedido de suspensão de liminar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (relator):
Cuida-se de agravo interno interposto pela TRANSPORTADORA TURÍSTICA SUZANO LTDA. contra a decisão de fl. 100, que indeferiu a antecipação recursal no Agravo de Instrumento n. 2036048-89.2021.8.26.0000.
Nas razões de fls. 359-396, a agravante sustenta que o pedido não deve sequer ser conhecido, já que apresentado perante tribunal incompetente para conhecer da demanda, pois houve equívoco de premissa fática ao se utilizar o acórdão do Agravo de Instrumento n. 2301441-11.2020.8.26.0000 como decisão a ser suspensa, uma vez que a decisão, cujos efeitos se pretende suspender, foi proferida em primeira instância.
Alega ainda a existência de litispendência do presente pedido com aquele realizado pelo próprio município no STF, na Suspensão de Tutela Provisória n. 762, o qual foi indeferido.
Aduz que a decisão liminar concedida na origem não gera grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas; pelo contrário, supre omissão do município para proteção de direito social constitucionalmente garantido, motivo pelo qual não merece ter seus efeitos suspensos.
Por fim, argumenta que há perigo de dano reverso acaso suspensos os efeitos da decisão, porquanto todo o transporte público municipal poderá entrar em colapso diante da ausência de recursos da concessionária.
Requer, assim, I) a anulação da decisão agravada, em razão de erro de premissa fática; II) subsidiariamente, a reconsideração da decisão agravada para negar seguimento à SLS; ou III) o conhecimento do presente recurso e o seu provimento a fim dereformar a decisão agravada para negar seguimento ao pedido de suspensão de liminar.
Impugnação apresentada às fls. 399-418, com alegação de não ocorrência de litispendência, de caracterização de lesão aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, como também com argumentos sobre o mérito recursal como a alegação de proibição de concessão de subvenção à concessionária sem lei específica e previsão orçamentária e de inexistência de ameaça de colapso ao sistema de transporte coletivo municipal.
É, no essencial, o relatório.
EMENTA
AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE UTILIZAÇÃO DO INCIDENTE PROCESSUAL DA SUSPENSÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE VIOLAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.
1. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público.
2. A suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo ao requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, quais sejam, ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas.
3. As questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado
Agravo interno provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (relator):
Preliminarmente, cumpre esclarecer que a presente suspensão de liminar e de sentença faz expressa alusão à decisão monocrática, bem como à decisão colegiada que a confirmou. Conforme informa o município requerente, " .. em decisão datada de 3 de março de 2021, o Douto Relator do Recurso negou o efeito o suspensivo, sob o argumento de já existir o reconhecimento expresso da dívida, além de existir elementos comprobatórios da necessidade de depósito dos subsídios emergenciais no valor mensal pleiteado, considerando-se os 9 meses em que a empresa teve prejuízo acumulado de R$ 9.100.000,00, fls. 144 do processo na origem. E em decisão de 3 de maio de2021 foi negado provimento ao agravo do Município, mantendo-se a tutela de urgência deferida".
No caso em tela, portanto, a suspensão foi proposta diante de decisão proferida de forma monocrática, em agravo de instrumento, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Portanto, preliminarmente, é necessário que se afirme a competência do Superior Tribunal de Justiça para o exame deste pedido mesmo diante de decisão monocrática proferida pelo relator do agravo de instrumento no Tribunal a quo, não se exigindo o exaurimento da instância para se abrir a via da contracautela para a Presidência deste Tribunal.
A esse respeito, a Corte Especial já decidiu que, "por estar aberta a competência do Superior Tribunal, nele é viável o pedido de suspensão de liminar concedida pelo Relator em agravo de instrumento, mesmo que ainda não apreciado pelo colegiado de origem ou, no caso de interposto agravo interno, pendente de julgamento" (EDcl no AgRg no AgRg na SL n. 26/DF, relator para o acórdão o Ministro Nilson Naves, DJ de 2/4/2007). No mesmo sentido, cito julgado:
AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR. LICITAÇÃO. SUSPENSÃO. OFENSA À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS CONFIGURADA. PEDIDO DEFERIDO. DETERMINAÇÃO PARA QUE PROSSIGA A LICITAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.1. Não é necessário o prévio esgotamento de instância para que se possa ter acesso à excepcional medida de contra-cautela prevista na Lei n. 8.437/1992. Precedentes da Corte Especial.2. A manutenção da decisão que suspendeu procedimento licitatório para gestão do sistema de água e esgoto do Município de Andirá até a solução do mérito da ação principal proposta pela antiga exploradora do sistema a SANEPAR ofende os bens jurídicos protegidos pela Lei n. 8.437/1992, porque enseja a inversão da ordem legal, afeta de forma grave a administração e a economia do Município requerente, além de abalar a credibilidade e a transparência da gestão.Agravo regimental improvido.(AgRg na SLS n. 956/PR, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, DJe de 29/10/2009.)
Portanto, inexiste dúvida quanto ao cabimento da presente medida na Presidência do STJ.
Ademais, não há que se falar em litispendência em relação a STP n. 762, tendo em vista que o pedido de contracautela foi indeferido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal sob o fundamento de que a matéria tratada é eminentemente infraconstitucional, não sendo cabível o incidente perante aquela Corte. Confira-se o seguinte excerto da decisão, in verbis:
A análise das decisões acima mencionadas revela de plano tratar-se a questão controvertida na origem de matéria de natureza eminentemente infraconstitucional, relativa à forma de promoção do reequilíbrio econômico-financeiro de contrato de concessão ainda em curso, a qual se encontra disciplinada sobretudo nos artigos 9º a 11 da Lei Federal nº 8.967/1995 - Lei das Concessões. Com efeito, não se revela essencial ao deslinde da lide na origem o enfrentamento de questões constitucionais diretas, as quais, se existentes, apenas se apresentam de modo indireto ou oblíquo, razão pela qual não se revela cabível o incidente de contracautela perante o Supremo Tribunal Federal.
Sabe-se que a suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo à parte requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave a um daqueles valores. Cuida-se de uma prerrogativa decorrente da supremacia do interesse público sobre o particular, cujo titular é a coletividade.
Tal instituto não tem natureza jurídica de recurso, razão pela qual não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma. Sua análise deve restringir-se à verificação de possível lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, nos termos da legislação de regência, sem adentrar o mérito da causa principal, de competência das instâncias ordinárias.
De plano, destaco que merece provimento o agravo interno apresentado.
No caso em tela, foram apresentados argumentos robustos que infirmaram os fundamentos da decisão impugnada no sentido de que a parte requerente, na verdade, não comprovou, de forma inequívoca, em que sentido a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas estão sendo afetadas em razão da decisão que determinou o depósito de subsídios emergenciais no valor mensal de R$ 1.000.000,00.
A decisão construída na instância originária considerou os 9 meses em que a empresa teve prejuízo acumulado de R$ 9.100.000,00; a inércia da administração pública em apresentar proposta de mitigação do desequilíbrio econômico-financeiro ocorrido no contrato administrativo em razão da pandemia decovid-19; e, por fim, o reconhecimento expresso da dívida e dos elementos comprobatórios da necessidade de depósito dos referidos subsídios emergenciais, tudo paraassegurar uma eficiente prestação do serviço público de transporte coletivo.
Na hipótese em epígrafe, a parte requerente, ora agravada, por meio da narrativa desenhada na suspensão proposta, pretende, na verdade,a realização de instrução probatória para verificação da ocorrência de lesão aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, o que significaria, ao final, a transformação do incidente processual da suspensão em ambiente de produção de provas, o que não é admissível, uma vez que o único objeto que aqui pode ser verificado é o mérito suspensivo.
Com relação ao mérito suspensivo, reavaliando a análise primeiramente realizada, após a apresentação do presente recurso, entendo que a parte requerente, ora agravada, não conseguiu demonstrar de forma inequívoca a ocorrência de grave lesão aos bens tutelados pela lei de regência, caracterizando, na verdade, o presente incidente processual como sucedâneo recursal.
A simples alegação de que há lesão aos bens jurídicos da legislação de regência para o deferimento da suspensão, sem uma narração fática com comprovação inequívoca do alegado, não revoga a fundamentação construída no Tribunal de origem de necessidade de depósito dos subsídios emergenciais.
Outrossim, na hipótese em comento, percebe-se que está caracterizado o perigo da demora inverso, uma vez que, suspender a decisão questionada do Tribunal de origem, com a consequente não realização dos depósitos emergenciais, pode trazer prejuízos irreversíveis à eficiência da prestação do serviço público de transporte coletivo.
Ressalte-se, de toda sorte, que a suspensão não pode se caracterizar como sucedâneo recursal, não comportando dilação probatória para análise da matéria de fundo, que parece ser objetivo da parte requerente, ao desejar discutir neste incidente processual meritoriamente o acerto ou não da decisão proferida no Tribunal a quo, o qual considerou que houve o reconhecimento expresso da dívida, bem como que há elementos probatórios suficientes parajustificar a necessidade premente de depósito dos subsídios emergenciais, destacando-se, por fim, que a análise aqui é restrita à verificação da existência de violação dos bens jurídicos tuteladospela legislação de regência.
Destaque-se que as questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva. Portanto, meras conjecturas de supostas lesões à ordem ou à economia públicas não podem servir de justificativa para a concessão do pleito suspensivo, uma vez que há questões fáticas a serem solucionadas, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado.
De toda sorte, conforme jurisprudência desta Corte, a suspensãonão pode ser utilizada como sucedâneo recursal e haverá a oportunidade de continuidade do debate jurídico, que está sendo travado na instância originária, sobre o mérito doreequilíbrio econômico-financeiro pleiteado.
No sentido de que o art. 4º da Lei n. 8.437/92 não contempla como um dos fundamentos para o conhecimento da suspensão a grave lesão à ordem jurídica, não havendo aqui espaço para a análise de eventuais error in procedendo e error in judicando, restrita às vias ordinárias, colaciono os seguintes precedentes desta Corte:
AGRAVO INTERNO. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. SUSPENSÃO DE JULGADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. DECISÃO DE QUE SE BUSCA SUSPENDER OS EFEITOS, QUE APENAS DETERMINA A OBEDIÊNCIA AOS EXATOS TERMOS DA LIMINAR DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. ARGUMENTAÇÃO DO AGRAVANTE VINCULADA EXCLUSIVAMENTE AO MÉRITO DA DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Preliminarmente, afasta-se a alegação de intempestividade do recurso, tendo em vista que a questão do prazo em dobro para recorrer, inclusive no âmbito da suspensão de liminar e sentença ou segurança, encontra respaldo na jurisprudência da própria Corte Especial, bem como nos demais órgãos julgadores do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, a controvérsia foi dirimida com a redação do novo Código de Processo Civil, em seu art. 183, quando diz que "A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal ". A exceção à regra do caput também foi prevista no § 2.º do referido artigo, que exige para a não aplicação do benefício de contagem em dobro a menção expressa feita pela lei de regência, o que não se verifica no caso da suspensão de segurança.
2. A execução de medida liminar deferida em desfavor do Poder Público pode ser suspensa pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, quando a ordem tiver o potencial de causar grave lesão aos bens tutelados pelo art. 4.º da Lei n.º 8.437/1992 e art. 15 da Lei n.º 12.016/2009, a saber, à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
3. O Agravante apresentou argumentação de natureza estritamente jurídica - incidência ou não do ICMS nas operações interestaduais e
seu recolhimento quando gerado por operação anterior, isto é, atribuição do imposto de forma diferida. Tal discussão, que visa infirmar os fundamentos da decisão impugnada, é inviável de ser analisada na via do pedido suspensivo, sob pena de transmudá-lo em sucedâneo recursal, já que diz respeito exclusivamente ao mérito da causa que tramita em primeiro grau de jurisdição.
4. O deferimento do pedido suspensivo exige a demonstração da existência da potencialidade danosa da decisão, cujos efeitos se busca suspender, sendo imprescindível que haja a comprovação inequívoca da sua ocorrência. No caso, a alegação de que a confirmação em segundo grau de jurisdição no tocante ao afastamento da aplicação das novas cláusulas do TDA (termo de acordo de arroz) causaria grave lesão aos bens tutelados pela lei de regência não é suficiente, porque lastreada em mera suposição, dando ensejo ao entendimento de que, na verdade, a parte manifesta seu inconformismo com a decisão impugnada.
5. Agravo interno desprovido.(AgInt na SS n. 2.902/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 20/2/2018, grifei.)
AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE OFENSA À ORDEM E À SAÚDE PÚBLICAS, BEM COMO À ORDEM JURÍDICA; ESTA ÚLTIMA NÃO CONSTA DO ROL DOS BENS TUTELADOS PELA LEI DE REGÊNCIA. AGRAVADA VENCEU EM CINCO LOTES DE PREGÃO ELETRÔNICO, POSTERIORES AO PEDIDO SUSPENSIVO INDEFERIDO. FALTA DE PLAUSIBILIDADE DAS ALEGAÇÕES DE GRAVE LESÃO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O pedido de suspensão visa à preservação do interesse público e supõe a existência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, sendo, em princípio, seu respectivo cabimento, alheio ao mérito da causa. É uma prerrogativa da pessoa jurídica de direito público ou do Ministério Público decorrente da supremacia do interesse público sobre o particular, cujo titular é a coletividade, cabendo ao postulante a efetiva demonstração da alegada ofensa grave a um daqueles valores.
2. Tal pedido, por sua estreiteza, é vocacionado a tutelar tão somente os citados bens tutelados pela lei de regência (Leis n.ºs 8.437/92 e 12.016/2009), não podendo ser manejado como se fosse sucedâneo recursal, para que se examine o acerto ou desacerto da decisão cujos efeitos pretende-se sobrestar. Sustentada alegação de lesão à "ordem jurídica" não existe no rol dos bens tutelados pela lei de regência.
3. A ora Agravada ainda presta serviço ao Agravante, com participação em certames licitatórios no âmbito do fornecimento de refeições hospitalares, tendo vencido em cinco lotes de pregão eletrônico, posteriores ao pedido de suspensão indeferido. Ausência da plausibilidade sustentada pelo Agravante, no tocante às graves lesões à ordem e à saúde públicas.
4. Agravo interno desprovido.(AgInt na SS n. 2.887/BA, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 27/9/2017, grifei.)
Assim, diante do raciocínio jurídico apresentado, não deve ser mantida a decisão proferida às fls. 351-354.
Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno para indeferir o pedido de suspensão de liminar e sentença.
É como penso. É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao agravo para indeferir o pedido de suspensão de liminar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (relator):
Cuida-se de agravo interno interposto pela TRANSPORTADORA TURÍSTICA SUZANO LTDA. contra a decisão de fl. 100, que indeferiu a antecipação recursal no Agravo de Instrumento n. 2036048-89.2021.8.26.0000.
Nas razões de fls. 359-396, a agravante sustenta que o pedido não deve sequer ser conhecido, já que apresentado perante tribunal incompetente para conhecer da demanda, pois houve equívoco de premissa fática ao se utilizar o acórdão do Agravo de Instrumento n. 2301441-11.2020.8.26.0000 como decisão a ser suspensa, uma vez que a decisão, cujos efeitos se pretende suspender, foi proferida em primeira instância.
Alega ainda a existência de litispendência do presente pedido com aquele realizado pelo próprio município no STF, na Suspensão de Tutela Provisória n. 762, o qual foi indeferido.
Aduz que a decisão liminar concedida na origem não gera grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas; pelo contrário, supre omissão do município para proteção de direito social constitucionalmente garantido, motivo pelo qual não merece ter seus efeitos suspensos.
Por fim, argumenta que há perigo de dano reverso acaso suspensos os efeitos da decisão, porquanto todo o transporte público municipal poderá entrar em colapso diante da ausência de recursos da concessionária.
Requer, assim, I) a anulação da decisão agravada, em razão de erro de premissa fática; II) subsidiariamente, a reconsideração da decisão agravada para negar seguimento à SLS; ou III) o conhecimento do presente recurso e o seu provimento a fim dereformar a decisão agravada para negar seguimento ao pedido de suspensão de liminar.
Impugnação apresentada às fls. 399-418, com alegação de não ocorrência de litispendência, de caracterização de lesão aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, como também com argumentos sobre o mérito recursal como a alegação de proibição de concessão de subvenção à concessionária sem lei específica e previsão orçamentária e de inexistência de ameaça de colapso ao sistema de transporte coletivo municipal.
É, no essencial, o relatório.
1. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público.
2. A suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo ao requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, quais sejam, ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas.
3. As questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado
Agravo interno provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS (relator):
Preliminarmente, cumpre esclarecer que a presente suspensão de liminar e de sentença faz expressa alusão à decisão monocrática, bem como à decisão colegiada que a confirmou. Conforme informa o município requerente, " .. em decisão datada de 3 de março de 2021, o Douto Relator do Recurso negou o efeito o suspensivo, sob o argumento de já existir o reconhecimento expresso da dívida, além de existir elementos comprobatórios da necessidade de depósito dos subsídios emergenciais no valor mensal pleiteado, considerando-se os 9 meses em que a empresa teve prejuízo acumulado de R$ 9.100.000,00, fls. 144 do processo na origem. E em decisão de 3 de maio de2021 foi negado provimento ao agravo do Município, mantendo-se a tutela de urgência deferida".
No caso em tela, portanto, a suspensão foi proposta diante de decisão proferida de forma monocrática, em agravo de instrumento, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Portanto, preliminarmente, é necessário que se afirme a competência do Superior Tribunal de Justiça para o exame deste pedido mesmo diante de decisão monocrática proferida pelo relator do agravo de instrumento no Tribunal a quo, não se exigindo o exaurimento da instância para se abrir a via da contracautela para a Presidência deste Tribunal.
A esse respeito, a Corte Especial já decidiu que, "por estar aberta a competência do Superior Tribunal, nele é viável o pedido de suspensão de liminar concedida pelo Relator em agravo de instrumento, mesmo que ainda não apreciado pelo colegiado de origem ou, no caso de interposto agravo interno, pendente de julgamento" (EDcl no AgRg no AgRg na SL n. 26/DF, relator para o acórdão o Ministro Nilson Naves, DJ de 2/4/2007). No mesmo sentido, cito julgado:
AGRAVO REGIMENTAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR. LICITAÇÃO. SUSPENSÃO. OFENSA À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS CONFIGURADA. PEDIDO DEFERIDO. DETERMINAÇÃO PARA QUE PROSSIGA A LICITAÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.1. Não é necessário o prévio esgotamento de instância para que se possa ter acesso à excepcional medida de contra-cautela prevista na Lei n. 8.437/1992. Precedentes da Corte Especial.2. A manutenção da decisão que suspendeu procedimento licitatório para gestão do sistema de água e esgoto do Município de Andirá até a solução do mérito da ação principal proposta pela antiga exploradora do sistema a SANEPAR ofende os bens jurídicos protegidos pela Lei n. 8.437/1992, porque enseja a inversão da ordem legal, afeta de forma grave a administração e a economia do Município requerente, além de abalar a credibilidade e a transparência da gestão.Agravo regimental improvido.(AgRg na SLS n. 956/PR, relator Ministro Cesar Asfor Rocha, Corte Especial, DJe de 29/10/2009.)
Portanto, inexiste dúvida quanto ao cabimento da presente medida na Presidência do STJ.
Ademais, não há que se falar em litispendência em relação a STP n. 762, tendo em vista que o pedido de contracautela foi indeferido pelo presidente do Supremo Tribunal Federal sob o fundamento de que a matéria tratada é eminentemente infraconstitucional, não sendo cabível o incidente perante aquela Corte. Confira-se o seguinte excerto da decisão, in verbis:
A análise das decisões acima mencionadas revela de plano tratar-se a questão controvertida na origem de matéria de natureza eminentemente infraconstitucional, relativa à forma de promoção do reequilíbrio econômico-financeiro de contrato de concessão ainda em curso, a qual se encontra disciplinada sobretudo nos artigos 9º a 11 da Lei Federal nº 8.967/1995 - Lei das Concessões. Com efeito, não se revela essencial ao deslinde da lide na origem o enfrentamento de questões constitucionais diretas, as quais, se existentes, apenas se apresentam de modo indireto ou oblíquo, razão pela qual não se revela cabível o incidente de contracautela perante o Supremo Tribunal Federal.
Sabe-se que a suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo à parte requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave a um daqueles valores. Cuida-se de uma prerrogativa decorrente da supremacia do interesse público sobre o particular, cujo titular é a coletividade.
Tal instituto não tem natureza jurídica de recurso, razão pela qual não propicia a devolução do conhecimento da matéria para eventual reforma. Sua análise deve restringir-se à verificação de possível lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, nos termos da legislação de regência, sem adentrar o mérito da causa principal, de competência das instâncias ordinárias.
De plano, destaco que merece provimento o agravo interno apresentado.
No caso em tela, foram apresentados argumentos robustos que infirmaram os fundamentos da decisão impugnada no sentido de que a parte requerente, na verdade, não comprovou, de forma inequívoca, em que sentido a ordem, a saúde, a segurança e a economia públicas estão sendo afetadas em razão da decisão que determinou o depósito de subsídios emergenciais no valor mensal de R$ 1.000.000,00.
A decisão construída na instância originária considerou os 9 meses em que a empresa teve prejuízo acumulado de R$ 9.100.000,00; a inércia da administração pública em apresentar proposta de mitigação do desequilíbrio econômico-financeiro ocorrido no contrato administrativo em razão da pandemia decovid-19; e, por fim, o reconhecimento expresso da dívida e dos elementos comprobatórios da necessidade de depósito dos referidos subsídios emergenciais, tudo paraassegurar uma eficiente prestação do serviço público de transporte coletivo.
Na hipótese em epígrafe, a parte requerente, ora agravada, por meio da narrativa desenhada na suspensão proposta, pretende, na verdade,a realização de instrução probatória para verificação da ocorrência de lesão aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, o que significaria, ao final, a transformação do incidente processual da suspensão em ambiente de produção de provas, o que não é admissível, uma vez que o único objeto que aqui pode ser verificado é o mérito suspensivo.
Com relação ao mérito suspensivo, reavaliando a análise primeiramente realizada, após a apresentação do presente recurso, entendo que a parte requerente, ora agravada, não conseguiu demonstrar de forma inequívoca a ocorrência de grave lesão aos bens tutelados pela lei de regência, caracterizando, na verdade, o presente incidente processual como sucedâneo recursal.
A simples alegação de que há lesão aos bens jurídicos da legislação de regência para o deferimento da suspensão, sem uma narração fática com comprovação inequívoca do alegado, não revoga a fundamentação construída no Tribunal de origem de necessidade de depósito dos subsídios emergenciais.
Outrossim, na hipótese em comento, percebe-se que está caracterizado o perigo da demora inverso, uma vez que, suspender a decisão questionada do Tribunal de origem, com a consequente não realização dos depósitos emergenciais, pode trazer prejuízos irreversíveis à eficiência da prestação do serviço público de transporte coletivo.
Ressalte-se, de toda sorte, que a suspensão não pode se caracterizar como sucedâneo recursal, não comportando dilação probatória para análise da matéria de fundo, que parece ser objetivo da parte requerente, ao desejar discutir neste incidente processual meritoriamente o acerto ou não da decisão proferida no Tribunal a quo, o qual considerou que houve o reconhecimento expresso da dívida, bem como que há elementos probatórios suficientes parajustificar a necessidade premente de depósito dos subsídios emergenciais, destacando-se, por fim, que a análise aqui é restrita à verificação da existência de violação dos bens jurídicos tuteladospela legislação de regência.
Destaque-se que as questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva. Portanto, meras conjecturas de supostas lesões à ordem ou à economia públicas não podem servir de justificativa para a concessão do pleito suspensivo, uma vez que há questões fáticas a serem solucionadas, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado.
De toda sorte, conforme jurisprudência desta Corte, a suspensãonão pode ser utilizada como sucedâneo recursal e haverá a oportunidade de continuidade do debate jurídico, que está sendo travado na instância originária, sobre o mérito doreequilíbrio econômico-financeiro pleiteado.
No sentido de que o art. 4º da Lei n. 8.437/92 não contempla como um dos fundamentos para o conhecimento da suspensão a grave lesão à ordem jurídica, não havendo aqui espaço para a análise de eventuais error in procedendo e error in judicando, restrita às vias ordinárias, colaciono os seguintes precedentes desta Corte:
AGRAVO INTERNO. PRELIMINAR DE INTEMPESTIVIDADE NÃO CONFIGURADA. SUSPENSÃO DE JULGADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO. DECISÃO DE QUE SE BUSCA SUSPENDER OS EFEITOS, QUE APENAS DETERMINA A OBEDIÊNCIA AOS EXATOS TERMOS DA LIMINAR DEFERIDA EM PRIMEIRO GRAU. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS. ARGUMENTAÇÃO DO AGRAVANTE VINCULADA EXCLUSIVAMENTE AO MÉRITO DA DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. Preliminarmente, afasta-se a alegação de intempestividade do recurso, tendo em vista que a questão do prazo em dobro para recorrer, inclusive no âmbito da suspensão de liminar e sentença ou segurança, encontra respaldo na jurisprudência da própria Corte Especial, bem como nos demais órgãos julgadores do Superior Tribunal de Justiça. Ademais, a controvérsia foi dirimida com a redação do novo Código de Processo Civil, em seu art. 183, quando diz que "A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal ". A exceção à regra do caput também foi prevista no § 2.º do referido artigo, que exige para a não aplicação do benefício de contagem em dobro a menção expressa feita pela lei de regência, o que não se verifica no caso da suspensão de segurança.
2. A execução de medida liminar deferida em desfavor do Poder Público pode ser suspensa pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, quando a ordem tiver o potencial de causar grave lesão aos bens tutelados pelo art. 4.º da Lei n.º 8.437/1992 e art. 15 da Lei n.º 12.016/2009, a saber, à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
3. O Agravante apresentou argumentação de natureza estritamente jurídica - incidência ou não do ICMS nas operações interestaduais e
seu recolhimento quando gerado por operação anterior, isto é, atribuição do imposto de forma diferida. Tal discussão, que visa infirmar os fundamentos da decisão impugnada, é inviável de ser analisada na via do pedido suspensivo, sob pena de transmudá-lo em sucedâneo recursal, já que diz respeito exclusivamente ao mérito da causa que tramita em primeiro grau de jurisdição.
4. O deferimento do pedido suspensivo exige a demonstração da existência da potencialidade danosa da decisão, cujos efeitos se busca suspender, sendo imprescindível que haja a comprovação inequívoca da sua ocorrência. No caso, a alegação de que a confirmação em segundo grau de jurisdição no tocante ao afastamento da aplicação das novas cláusulas do TDA (termo de acordo de arroz) causaria grave lesão aos bens tutelados pela lei de regência não é suficiente, porque lastreada em mera suposição, dando ensejo ao entendimento de que, na verdade, a parte manifesta seu inconformismo com a decisão impugnada.
5. Agravo interno desprovido.(AgInt na SS n. 2.902/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 20/2/2018, grifei.)
AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE SEGURANÇA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE OFENSA À ORDEM E À SAÚDE PÚBLICAS, BEM COMO À ORDEM JURÍDICA; ESTA ÚLTIMA NÃO CONSTA DO ROL DOS BENS TUTELADOS PELA LEI DE REGÊNCIA. AGRAVADA VENCEU EM CINCO LOTES DE PREGÃO ELETRÔNICO, POSTERIORES AO PEDIDO SUSPENSIVO INDEFERIDO. FALTA DE PLAUSIBILIDADE DAS ALEGAÇÕES DE GRAVE LESÃO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. O pedido de suspensão visa à preservação do interesse público e supõe a existência de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas, sendo, em princípio, seu respectivo cabimento, alheio ao mérito da causa. É uma prerrogativa da pessoa jurídica de direito público ou do Ministério Público decorrente da supremacia do interesse público sobre o particular, cujo titular é a coletividade, cabendo ao postulante a efetiva demonstração da alegada ofensa grave a um daqueles valores.
2. Tal pedido, por sua estreiteza, é vocacionado a tutelar tão somente os citados bens tutelados pela lei de regência (Leis n.ºs 8.437/92 e 12.016/2009), não podendo ser manejado como se fosse sucedâneo recursal, para que se examine o acerto ou desacerto da decisão cujos efeitos pretende-se sobrestar. Sustentada alegação de lesão à "ordem jurídica" não existe no rol dos bens tutelados pela lei de regência.
3. A ora Agravada ainda presta serviço ao Agravante, com participação em certames licitatórios no âmbito do fornecimento de refeições hospitalares, tendo vencido em cinco lotes de pregão eletrônico, posteriores ao pedido de suspensão indeferido. Ausência da plausibilidade sustentada pelo Agravante, no tocante às graves lesões à ordem e à saúde públicas.
4. Agravo interno desprovido.(AgInt na SS n. 2.887/BA, relatora Ministra Laurita Vaz, Corte Especial, DJe de 27/9/2017, grifei.)
Assim, diante do raciocínio jurídico apresentado, não deve ser mantida a decisão proferida às fls. 351-354.
Ante o exposto, dou provimento ao agravo interno para indeferir o pedido de suspensão de liminar e sentença.
É como penso. É como voto. | EMENTA
AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE UTILIZAÇÃO DO INCIDENTE PROCESSUAL DA SUSPENSÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE VIOLAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA.
1. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público.
2. A suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo ao requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, quais sejam, ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas.
3. As questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado.
Agravo interno provido. | AGRAVO INTERNO NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE UTILIZAÇÃO DO INCIDENTE PROCESSUAL DA SUSPENSÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. NÃO COMPROVAÇÃO INEQUÍVOCA DE VIOLAÇÃO DOS BENS JURÍDICOS TUTELADOS PELA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. | 1. O deferimento do pedido de suspensão está condicionado à cabal demonstração de que a manutenção da decisão impugnada causa efetiva lesão ao interesse público.
2. A suspensão dos efeitos do ato judicial é providência excepcional, cabendo ao requerente a efetiva demonstração da alegada ofensa grave aos bens jurídicos tutelados pela legislação de regência, quais sejam, ordem, saúde, segurança e/ou economia públicas.
3. As questões eminentemente jurídicas debatidas na instância originária são insuscetíveis de exame na via suspensiva, cujo debate tem de ser profundamente realizado no ambiente processual adequado.
Agravo interno provido. | N |
146,182,571 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. ENQUADRAMENTO NA CARREIRA. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. DECADÊNCIA CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Na hipótese em apreço, a Corte local concluiu que o prazo decadencial teve início na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
2. A orientação jurisprudencial do STJ é a de que o ato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza de ato concreto de efeitos permanentes, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
3. No caso em apreço, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019, quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato objeto da impetração, relativo ao enquadramento no nível 1 da carreira, ocorreu em 11/08/2015. Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do atual entendimento do STJ.
4. Agravo interno a que se dá provimento para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança à parte impetrante.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança à parte impetrante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves (Presidente), Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
1. Trata-se de agravo interno interposto pelo ESTADO DE MINAS GERAIS contra decisão que conheceu do agravo para negar provimento ao seu recurso especial , cuja ementa é a seguinte:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. REPOSICIONAMENTO NA CARREIRA. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. NÃO OCORRÊNCIA DA DECADÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS.(fls. 748)
2. Em suas razões (fls. 758/762), a parte agravante sustenta , em suma, que não incide no caso o óbice da Súmula 83/STJ. Considera que a questão controvertida não se encontra pacificada no STJ, havendo precedentes jurisprudenciais no sentido de que o enquadramento e o reenquadramento de servidores não se tratam de relação de trato sucessivo, mas ato único de efeitos permanentes (fls. 759).
3. Requer, ao final, o provimento do agravo interno para que seja provido o recurso especial nos termos pleiteados.
4. Houve impugnação ao recurso (fls. 764/766).
5. É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. ENQUADRAMENTONA CARREIRA. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. DECADÊNCIA CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Na hipótese em apreço, aCorte local concluiu que o prazo decadencial teveinício na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
2. A orientação jurisprudencial do STJ é a de que oato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza de ato concreto de efeitos permanentes, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
3. No caso em apreço, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019, quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato objeto da impetração, relativo ao enquadramento no nível 1 da carreira, ocorreu em 11/08/2015.Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do atual entendimento do STJ.
4. Agravo interno a que se dá provimentopara conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança àparte impetrante.
VOTO
1. Assiste razão à parte agravante.
2. Inicialmente, é importante ressaltar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo 3 do STJ, segundo o qual aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
3. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado em razão de ato omissivo do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão do Estado de Minas Gerais e em que se pleiteia o reenquadramento no nível III, grau A, do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde.
4. A questão em análise cinge-se a verificar a ocorrência da decadência para impetração do mandado de segurança contra o ato de enquadramento inicial na carreira.
5. Nos exatos termos do acórdão recorrido, o Tribunal de origem assim se manifestou sobre o tema:
A impetrante aforou esta ação de mandado de segurança contra ato do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão, do Secretário de Estado de Saúde e do Diretor de Administração de Pessoal. Afirmou ser funcionária pública estadual efetiva ocupante do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde. Asseverou que tomou posse em 24.07.2015, entrou em exercício em 11.08.2015, e foi posicionada no nível I da carreira, em desacordo com o que determinam os artigos 11 e 12 da Lei estadual nº 15.462, de 2005, uma vez que já possuía curso de pós-graduação lato sensu. Informou que a Secretaria de Estado de Saúde e a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão já submeteram a questão à Advocacia Geral do Estado e foram emitidos os Pareceres nº 130/2015 e 15.781/2016, ambos favoráveis ao direito dos servidores da Secretaria do Estado de Saúde de serem reposicionados na carreira. Acrescentou ter solicitado o reenquadramento na via administrativa, mas houve indeferimento. Pleiteou seja ordenado ao Secretário de Estado de Planejamento e Gestão que proceda ao seu reenquadramento no nível III, grau A, do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde, com pagamento do valor correspondente, desde a data da posse. Requereu liminar.
(..)
A impetrante trouxe, com a petição inicial, vários documentos. Destaco os certificados de conclusão de pós-graduação lato sensu em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva (arquivo eletrônico nº 4), o documento contendo a nomeação da impetrante para o cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde em 11.06.2015 (arquivo eletrônico nº 5), o histórico funcional do impetrante (arquivo eletrônico nº 6) e os pareceres da Advocacia Geral do Estado (arquivos eletrônicos nº 10 e 11). Estes os fatos.
Em relação ao direito, anoto que a decadência consiste na extinção do direito material por ter deixado o seu titular de exercitá-lo no prazo legal ou convencional. (..)
Entretanto, é oportuno salientar que a fluência do prazo para impetração do mandamus só se inicia na data em que o lesado tiver ciência da existência do ato lesivo, sendo renovado quando o ato for de trato de sucessivo. (..)
O art. 23 da Lei nº 12.016, de 2009, manteve o prazo decadencial de cento e vinte dias, previsto no art. 18 da Lei nº 1.533, de 1951, para o administrado aforar a ação de mandado de segurança, contados da ciência pelo interessado do ato impugnado. O ato impugnado refere-se à ausência de reposicionamento do impetrante na carreira, com implicações diretas no pagamento de sua remuneração mensal, ou seja, o ato é de trato sucessivo. Assim, a fluência do prazo para a impetração da segurança se renova a cada ato. Nesse sentido, já decidiu este Tribunal (..)
Portanto, não está consumado o prazo decadencial.
(..) Portanto, é mesmo devido o reposicionamento pretendido e seu direito líquido e certo foi mesmo lesado. Com estes fundamentos, concedo a segurança e determino que a impetrante seja reposicionada no nível III, grau A, do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde, desde a data da posse. (fls. 396/406)
6. Como visto, a Corte local concluiu que o prazo decadencial teve início na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
7. À primeira vista, poder-se-ia aventar a manutenção do entendimento manifestado pelo Tribunal de origem, sufragando a compreensão de que a omissão da Administração em corretamente enquadrar o servidor faria exsurgir relação de trato sucessivo, protraindo, enquanto mantida a conduta negativa, a contagem da decadência para impetração do mandado de segurança.
8. Acerca do tema, contudo, o entendimento consolidado no âmbito do STJ, que deve prevalecer em privilégio à coerência da Jurisprudência dos Tribunais,é o de que o ato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza permanente e concreta, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. Otermo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
9. Em julgado semelhante assentou-se queo enquadramento de servidor público é ato único de efeitos permanentes, razão pela qual a fluência do prazo decadencial para impetração do mandamus tem início a partir da ciência do ato impugnado, não havendo que falar em relação de trato sucessivo(AgInt no RMS 49.956/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2020, DJe 23/09/2020).
10. Na mesma direção:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.REENQUADRAMENTO. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. DECADÊNCIA DA IMPETRAÇÃO. AGRAVO INTERNO DOS SERVIDORES DESPROVIDO.
1. É firme a orientação desta Corte de que o enquadramento funcional é ato único de efeitos permanentes e, portanto, o prazo decadencial para a impetração do Mandado de Segurança se inicia com a publicação do ato de enquadramento. Precedentes: AgInt no RMS 55.820/GO, Rel.Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 27.8.2018 e AgRg no RMS 49.665/BA, Rel.Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 19.4.2016.
2. Agravo Interno dos Servidores desprovido.(AgInt no RMS 51.885/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2020, DJe 08/10/2020 - sem destaques no original)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.REENQUADRAMENTO ALEGADAMENTE FEITO DE FORMA INCORRETA. DECADÊNCIA.
(..)
4. É firme no STJ o entendimento de que o ato de enquadramento/reenquadramento é único de efeitos concretos, cujo prazo decadencial para a impetração do Mandado de Segurança tem início na ciência do ato impugnado. Nesse sentido: AgRg no MS 14.961/DF, Rel. Ministro Mauro Cambpell Marques, Primeira Seção, DJe 12/11/2012; AgRg no RMS 32.739/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 21/5/2014; AgRg no RMS 27.873/MT, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 08/9/2014.
5. Segurança denegada.(MS 21.886/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 03/05/2017 - sem grifos no original)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. ATO ÚNICO DE EFEITOS PERMANENTES. DECADÊNCIA CONFIGURADA.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o enquadramento do servidor público é ato único de efeitos permanentes e a fluência do prazo decadencial para impetração do mandamus tem início a partir da ciência do ato impugnado, não havendo que se falar em relação de trato sucessivo. Precedentes: AgRg no AREsp 18.412/BA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21/5/2012; AgRg nos EDcl no RMS 27.636/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 20/2/2014; RMS 38.474/GO, Rel.Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/3/2014.
2. No caso concreto, quer se considere como termo a quo do prazo decadencial o reenquadramento funcional ocorrido no ano de 2002, ou a data do indeferimento do pedido administrativo (30 de novembro de 2009), certo é que não merece reparos o acórdão recorrido que reconheceu a decadência da ação mandamental, pois ultrapassado o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a sua impetração, nos termos do artigo 23 da Lei 12.016/2009.
3. Agravo regimental não provido.(AgRg no RMS 32.739/MS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 21/05/2014 - sem destaques no original)
11. Cabe registrar que, consoante orientaçãodo STJ,o pedido de reconsideração, desprovido de efeito suspensivo, não obsta o prazo decadencial para a impetração, a teor da Súmula 430 do STF ("Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança"), havendo ato comissivo operante e exequível da autoridade apontada coatora, capaz de lesar direito do impetrante, a ensejar, desde logo, a impetração do writ(MS 24.508/DF, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2021, DJe 17/05/2021).
12. No caso dos autos, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019 (fl. 237), quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato deposse da impetrante, em 24/07/2015, evidencia sua inequívoca ciência acerca do seu enquadramento inicial no nível I da carreira(fls. 396).
13. Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do entendimento do STJ, razão pela qual deve ser acolhida a pretensão recursal do ente estadual.
14. Ante o exposto, dá-se provimento ao agravo internopara conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim dereconhecer a prejudicial de decadência edenegar a segurança àparte impetrante, ora agravada, nos termos da fundamentação.
15. É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança à parte impetrante, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves (Presidente), Sérgio Kukina, Regina Helena Costa e Gurgel de Faria votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
1. Trata-se de agravo interno interposto pelo ESTADO DE MINAS GERAIS contra decisão que conheceu do agravo para negar provimento ao seu recurso especial , cuja ementa é a seguinte:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. REPOSICIONAMENTO NA CARREIRA. RELAÇÃO DE TRATO SUCESSIVO. NÃO OCORRÊNCIA DA DECADÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO CONHECIDO PARA NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DO ESTADO DE MINAS GERAIS.(fls. 748)
2. Em suas razões (fls. 758/762), a parte agravante sustenta , em suma, que não incide no caso o óbice da Súmula 83/STJ. Considera que a questão controvertida não se encontra pacificada no STJ, havendo precedentes jurisprudenciais no sentido de que o enquadramento e o reenquadramento de servidores não se tratam de relação de trato sucessivo, mas ato único de efeitos permanentes (fls. 759).
3. Requer, ao final, o provimento do agravo interno para que seja provido o recurso especial nos termos pleiteados.
4. Houve impugnação ao recurso (fls. 764/766).
5. É o relatório.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. ENQUADRAMENTONA CARREIRA. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. DECADÊNCIA CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Na hipótese em apreço, aCorte local concluiu que o prazo decadencial teveinício na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
2. A orientação jurisprudencial do STJ é a de que oato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza de ato concreto de efeitos permanentes, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
3. No caso em apreço, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019, quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato objeto da impetração, relativo ao enquadramento no nível 1 da carreira, ocorreu em 11/08/2015.Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do atual entendimento do STJ.
4. Agravo interno a que se dá provimentopara conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança àparte impetrante.
VOTO
1. Assiste razão à parte agravante.
2. Inicialmente, é importante ressaltar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo 3 do STJ, segundo o qual aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016), serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
3. Cuida-se, na origem, de mandado de segurança impetrado em razão de ato omissivo do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão do Estado de Minas Gerais e em que se pleiteia o reenquadramento no nível III, grau A, do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde.
4. A questão em análise cinge-se a verificar a ocorrência da decadência para impetração do mandado de segurança contra o ato de enquadramento inicial na carreira.
5. Nos exatos termos do acórdão recorrido, o Tribunal de origem assim se manifestou sobre o tema:
A impetrante aforou esta ação de mandado de segurança contra ato do Secretário de Estado de Planejamento e Gestão, do Secretário de Estado de Saúde e do Diretor de Administração de Pessoal. Afirmou ser funcionária pública estadual efetiva ocupante do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde. Asseverou que tomou posse em 24.07.2015, entrou em exercício em 11.08.2015, e foi posicionada no nível I da carreira, em desacordo com o que determinam os artigos 11 e 12 da Lei estadual nº 15.462, de 2005, uma vez que já possuía curso de pós-graduação lato sensu. Informou que a Secretaria de Estado de Saúde e a Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão já submeteram a questão à Advocacia Geral do Estado e foram emitidos os Pareceres nº 130/2015 e 15.781/2016, ambos favoráveis ao direito dos servidores da Secretaria do Estado de Saúde de serem reposicionados na carreira. Acrescentou ter solicitado o reenquadramento na via administrativa, mas houve indeferimento. Pleiteou seja ordenado ao Secretário de Estado de Planejamento e Gestão que proceda ao seu reenquadramento no nível III, grau A, do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde, com pagamento do valor correspondente, desde a data da posse. Requereu liminar.
(..)
A impetrante trouxe, com a petição inicial, vários documentos. Destaco os certificados de conclusão de pós-graduação lato sensu em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva (arquivo eletrônico nº 4), o documento contendo a nomeação da impetrante para o cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde em 11.06.2015 (arquivo eletrônico nº 5), o histórico funcional do impetrante (arquivo eletrônico nº 6) e os pareceres da Advocacia Geral do Estado (arquivos eletrônicos nº 10 e 11). Estes os fatos.
Em relação ao direito, anoto que a decadência consiste na extinção do direito material por ter deixado o seu titular de exercitá-lo no prazo legal ou convencional. (..)
Entretanto, é oportuno salientar que a fluência do prazo para impetração do mandamus só se inicia na data em que o lesado tiver ciência da existência do ato lesivo, sendo renovado quando o ato for de trato de sucessivo. (..)
O art. 23 da Lei nº 12.016, de 2009, manteve o prazo decadencial de cento e vinte dias, previsto no art. 18 da Lei nº 1.533, de 1951, para o administrado aforar a ação de mandado de segurança, contados da ciência pelo interessado do ato impugnado. O ato impugnado refere-se à ausência de reposicionamento do impetrante na carreira, com implicações diretas no pagamento de sua remuneração mensal, ou seja, o ato é de trato sucessivo. Assim, a fluência do prazo para a impetração da segurança se renova a cada ato. Nesse sentido, já decidiu este Tribunal (..)
Portanto, não está consumado o prazo decadencial.
(..) Portanto, é mesmo devido o reposicionamento pretendido e seu direito líquido e certo foi mesmo lesado. Com estes fundamentos, concedo a segurança e determino que a impetrante seja reposicionada no nível III, grau A, do cargo de Especialista em Políticas e Gestão da Saúde, desde a data da posse. (fls. 396/406)
6. Como visto, a Corte local concluiu que o prazo decadencial teve início na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
7. À primeira vista, poder-se-ia aventar a manutenção do entendimento manifestado pelo Tribunal de origem, sufragando a compreensão de que a omissão da Administração em corretamente enquadrar o servidor faria exsurgir relação de trato sucessivo, protraindo, enquanto mantida a conduta negativa, a contagem da decadência para impetração do mandado de segurança.
8. Acerca do tema, contudo, o entendimento consolidado no âmbito do STJ, que deve prevalecer em privilégio à coerência da Jurisprudência dos Tribunais,é o de que o ato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza permanente e concreta, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. Otermo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
9. Em julgado semelhante assentou-se queo enquadramento de servidor público é ato único de efeitos permanentes, razão pela qual a fluência do prazo decadencial para impetração do mandamus tem início a partir da ciência do ato impugnado, não havendo que falar em relação de trato sucessivo(AgInt no RMS 49.956/MG, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/09/2020, DJe 23/09/2020).
10. Na mesma direção:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.REENQUADRAMENTO. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. DECADÊNCIA DA IMPETRAÇÃO. AGRAVO INTERNO DOS SERVIDORES DESPROVIDO.
1. É firme a orientação desta Corte de que o enquadramento funcional é ato único de efeitos permanentes e, portanto, o prazo decadencial para a impetração do Mandado de Segurança se inicia com a publicação do ato de enquadramento. Precedentes: AgInt no RMS 55.820/GO, Rel.Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 27.8.2018 e AgRg no RMS 49.665/BA, Rel.Min. HUMBERTO MARTINS, DJe 19.4.2016.
2. Agravo Interno dos Servidores desprovido.(AgInt no RMS 51.885/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/10/2020, DJe 08/10/2020 - sem destaques no original)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.REENQUADRAMENTO ALEGADAMENTE FEITO DE FORMA INCORRETA. DECADÊNCIA.
(..)
4. É firme no STJ o entendimento de que o ato de enquadramento/reenquadramento é único de efeitos concretos, cujo prazo decadencial para a impetração do Mandado de Segurança tem início na ciência do ato impugnado. Nesse sentido: AgRg no MS 14.961/DF, Rel. Ministro Mauro Cambpell Marques, Primeira Seção, DJe 12/11/2012; AgRg no RMS 32.739/MS, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 21/5/2014; AgRg no RMS 27.873/MT, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 08/9/2014.
5. Segurança denegada.(MS 21.886/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 03/05/2017 - sem grifos no original)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. REENQUADRAMENTO FUNCIONAL. ATO ÚNICO DE EFEITOS PERMANENTES. DECADÊNCIA CONFIGURADA.
1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o enquadramento do servidor público é ato único de efeitos permanentes e a fluência do prazo decadencial para impetração do mandamus tem início a partir da ciência do ato impugnado, não havendo que se falar em relação de trato sucessivo. Precedentes: AgRg no AREsp 18.412/BA, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 21/5/2012; AgRg nos EDcl no RMS 27.636/MS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 20/2/2014; RMS 38.474/GO, Rel.Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 27/3/2014.
2. No caso concreto, quer se considere como termo a quo do prazo decadencial o reenquadramento funcional ocorrido no ano de 2002, ou a data do indeferimento do pedido administrativo (30 de novembro de 2009), certo é que não merece reparos o acórdão recorrido que reconheceu a decadência da ação mandamental, pois ultrapassado o prazo de 120 (cento e vinte) dias para a sua impetração, nos termos do artigo 23 da Lei 12.016/2009.
3. Agravo regimental não provido.(AgRg no RMS 32.739/MS, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 21/05/2014 - sem destaques no original)
11. Cabe registrar que, consoante orientaçãodo STJ,o pedido de reconsideração, desprovido de efeito suspensivo, não obsta o prazo decadencial para a impetração, a teor da Súmula 430 do STF ("Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança"), havendo ato comissivo operante e exequível da autoridade apontada coatora, capaz de lesar direito do impetrante, a ensejar, desde logo, a impetração do writ(MS 24.508/DF, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/05/2021, DJe 17/05/2021).
12. No caso dos autos, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019 (fl. 237), quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato deposse da impetrante, em 24/07/2015, evidencia sua inequívoca ciência acerca do seu enquadramento inicial no nível I da carreira(fls. 396).
13. Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do entendimento do STJ, razão pela qual deve ser acolhida a pretensão recursal do ente estadual.
14. Ante o exposto, dá-se provimento ao agravo internopara conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim dereconhecer a prejudicial de decadência edenegar a segurança àparte impetrante, ora agravada, nos termos da fundamentação.
15. É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. ENQUADRAMENTO NA CARREIRA. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. DECADÊNCIA CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A QUE SE DÁ PROVIMENTO.
1. Na hipótese em apreço, a Corte local concluiu que o prazo decadencial teve início na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
2. A orientação jurisprudencial do STJ é a de que o ato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza de ato concreto de efeitos permanentes, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
3. No caso em apreço, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019, quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato objeto da impetração, relativo ao enquadramento no nível 1 da carreira, ocorreu em 11/08/2015. Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do atual entendimento do STJ.
4. Agravo interno a que se dá provimento para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança à parte impetrante. | PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. SERVIDORA PÚBLICA ESTADUAL. ENQUADRAMENTO NA CARREIRA. ATO ÚNICO DE EFEITOS CONCRETOS. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DESTA CORTE. DECADÊNCIA CONFIGURADA. AGRAVO INTERNO DO ESTADO DE MINAS GERAIS A QUE SE DÁ PROVIMENTO. | 1. Na hipótese em apreço, a Corte local concluiu que o prazo decadencial teve início na data de ciência do ato impugnado, renovando-se a fluência de seu curso a cada ato lesivo, por se tratar de relação de trato sucessivo.
2. A orientação jurisprudencial do STJ é a de que o ato de enquadramento ou reenquadramento de servidor público possui natureza de ato concreto de efeitos permanentes, não se tratando, portanto, de relação de trato sucessivo. O termo inicial do prazo decadencial para a impetração do writ é a ciência do ato administrativo impugnado.
3. No caso em apreço, verifica-se que a parte agravada impetrou o mandado de segurança em 10/09/2019, quando já transcorrido o prazo decadencial de 120 dias, considerando-se que o ato objeto da impetração, relativo ao enquadramento no nível 1 da carreira, ocorreu em 11/08/2015. Dessume-se, portanto, que o acórdão do Tribunal de origem diverge do atual entendimento do STJ.
4. Agravo interno a que se dá provimento para conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial do Estado de Minas Gerais com o fim de reconhecer a prejudicial de decadência e denegar a segurança à parte impetrante. | N |
145,142,820 | EMENTA
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CORRETORA DE IMÓVEIS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM RELAÇÃO A DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS À INCORPORADORA. ATUAÇÃO COMO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS PARA FECHAMENTO DO NEGÓCIO. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. "Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente" (AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 25/06/2021).
2. No presente caso deve ser afastada a condenação da corretora de imóveis à devolução, por força da rescisão contratual, dos valores pagos pelos consumidores à incorporadora/construtora.
3. As instâncias ordinárias assentaram, com amparo na análise circunstanciada dos elementos de prova dos autos, que a corretora de imóveis, para além do contrato de corretagem, atuou como correspondente bancário, tendo havido afirmação pelo preposto da corretora, para fechamento do negócio, de que o financiamento bancário seria aprovado, com cobrança de valores relacionados à documentação para aprovação do financiamento quando a recorrente já tinha ciência de que a linha de crédito havia sido negada pela instituição financeira.
4. Concluíram, assim, que a falha na prestação de serviços da corretora de imóveis, no tocante a promessa de obtenção e acompanhamento do financiamento imobiliário, extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria frustração, angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, ante a legitima expectativa gerada, por conduta da recorrente, de aprovação do financiamento para aquisição do imóvel a ser destinado como residência da família.
5. O acolhimento da alegação de que não houve ilícito e dano moral a ser indenizado, no presente caso, demandaria a alteração das premissas fáticas assentadas pelas instâncias ordinárias, o que somente seria possível mediante nova análise das provas dos autos, conduta vedada no âmbito do recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
6. A revisão da indenização por dano moral apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. No presente caso, a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais) fixada como indenização para cada um dos dois recorridos não configura exorbitância. Inviável, portanto, reexaminar o valor fixado a título de indenização, uma vez que tal análise demanda incursão na seara fático-probatória dos autos, atraindo a incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
7. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, conhecendo do agravo, dar parcial provimento ao recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão agravada e, conhecendo do agravo, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se de agravo interno interposto por BRASIL BROKERS PARTICIPAÇÕES S/A, contra decisão deste relator, às fls. 606-608, e-STJ, que negou provimento ao agravo no recurso especial em razão da incidência do óbice do Enunciado das súmulas n. 282 e 356/STF.
Na origem BRUNO GEORDANI DE JESUS DE MEDEIROS e KEILA CRUZ DE MEDEIROS DE JESUS ajuizaram ação de reparação de danos materiais e morais em face de MAIO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES S/A e BRASIL BROKERS PARTICIPAÇÕES S/A, objetivando a devolução dos valores pagos e indenização por dano moral em virtude da rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel devido a não aprovação de financiamento bancário, cujo acompanhamento estaria a cargo da segunda ré.
Na sentença (fls. 282-286, e-STJ) o Juízo de primeiro grau de jurisdição verificou que houve resilição do contrato por vontade do comprador, mas a construtora reteve valores acima do percentual de 20% estabelecido em contrato para os casos de rescisão por iniciativa do adquirente. Assentou, ainda, que em relação à comissão de corretagem, apesar de não concretizado o negócio de compra e venda, os serviços de intermediação foram efetivamente prestados, tendo a ré Brokers Participações S.A. cumprido satisfatoriamente o serviço de corretagem. Todavia, entendeu que a referida ré atuou como correspondente bancário mas não informou aos autores acerca da não aprovação do financiamento pela instituição financeira, continuando cobrando valores dos consumidores a esse título, o que cracterizou falha na prestação de serviço de ambas as rés e dano moral a ser indenizado.
Assim, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar as rés, solidariamente, a "a) restituírem aos autores a quantia de R$ 706,52 (setecentos e seis reais e cinquenta e dois centavos), com correção monetária do desembolso e juros de mora da citação; b) ao pagamento da quantia pertinente a atualização monetária das parcelas do distrato, cujo quantum deverá ser apurado em liquidação da sentença; c) ao pagamento da quantia de R$5.000,00(cinco mil reais) a cada autor, com correção da publicação da sentença e juros de mora da citação, a título de reparação por dano moral".
BRASIL BROKERS PARTICIPAÕES S.A. interpôs recurso de apelação suscitando ilegitimidade passiva, alegando ser corretora e ter atuado apenas na intermediação entre autores e incorporadora. Aduziu que o negócio imobiliário só não se concretizou em razão da recusa na concessão de crédito aos autores não podendo ser responsabilizada por isso. Defendeu a inexistência de dano moral e a exorbitância do valor fixado a título de indenização.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento ao apelo nos termos da seguinte ementa (fls. 461-467, e-STJ):
Apelação cível. Ação indenizatória. Contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção. Rescisão decorrente de recusa de financiamento bancário. Distrato que resultou na devolução de quantia inferior à reconhecida pela jurisprudência. Demandantes que experimentaram dano moral indenizável em razão da ausência de informações claras e precisas acerca do financiamento bancário, cujo processo foi conduzido pela construtora ré.
Solidariedade entre as rés, ante sua atuação conjunta nas atividades de construção, incorporação, publicidade e intermediação de venda. Jurisprudência sobre o tema. Sentença mantida. Recurso desprovido.
Não se resignando, BRASIL BROKERS PARTICIPAÕES S.A. interpôs recurso especial (fls. 469-487, e-STJ), com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, apontando, além de divergência jurisprudencial, ofensa ao disposto no art.485, VI, do CPC; arts. 7º, parágrafo único, e 14 do CDC; e arts. 186 e 927 do Código Civil.
Aduz que, na qualidade de corretora imobiliária, não foi parte integrante da promessa de compra e venda, não podendo responder pela devolução de valores na hipótese de rescisão do contrato de promessa de compra e venda, uma vez que não cobrou e não recebem nenhuma parcela do preço negociado para aquisição do imóvel.
Sustenta que não praticou ato ilícito a autorizar fosse condenada em danos morais pela não aprovação do financiamento pela instituição financeira. Argumenta que a concessão de financiamento não faz parte de sua atividade fim e que as discussões a respeito do financiamento ocorreram entre os recorridos e a instituição financeira de sua escolha. Afirma que não é razoável "crer que a Recorrente, mera corretora imobiliária, tenha conhecimento pleno acerca de todas as exigências realizadas por cada instituição financeira" não sendo possível "acreditar que a empresa de intermediação possa garantir a concessão do financiamento".
Assevera que os recorridos não comprovaram ter sofrido os danos morais alegados, apontando, ainda, que o valor fixado a título de indenização encontra-se exorbitante.
Contrarrazões ao recurso especial apresentada às fls. 504-512, e-STJ.
Não admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fls. 514-521, e-STJ), sobreveio a interposição de agravo (fls. 544-557, e-STJ).
Este relator negou provimento ao agravo em recurso especial (fls. 606-608, e-STJ) ao fundamento de ausência de prequestionamento.
Nas razões do presente agravo interno, BRASIL BROKERS PARTICIPAÕES S.A sustenta que houve o prequestionamento da responsabilidade solidária da Corretora Imobiliária em casos de ato ilícito perpetrado pela Construtora, trazendo precedente da Quarta Turma em que afastada a responsabilidade da imobiliária. Aduz, ainda, que não tendo sido demonstrada conduta ilícita da corretora imobiliária deve ser afastada a sua condenação pelos danos indenizáveis.
Não foi apresentada contraminuta ao agravo interno.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CORRETORA DE IMÓVEIS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM RELAÇÃO A DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS À INCORPORADORA. ATUAÇÃO COMO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS PARA FECHAMENTO DO NEGÓCIO. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. "Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente" (AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 25/06/2021).
2. No presente caso deve ser afastada a condenação da corretora de imóveis à devolução, por força da rescisão contratual, dos valores pagos pelos consumidores à incorporadora/construtora.
3. As instâncias ordinárias assentaram, com amparo na análise circunstanciada dos elementos de prova dos autos, que a corretora de imóveis, para além do contrato de corretagem, atuou como correspondente bancário, tendo havido afirmação pelo preposto da corretora, para fechamento do negócio, de que o financiamento bancário seria aprovado, com cobrança de valores relacionados à documentação para aprovação do financiamento quando a recorrente já tinha ciência de que a linha de crédito havia sido negada pela instituição financeira.
4. Concluíram, assim, que a falha na prestação de serviços da corretora de imóveis, no tocante a promessa de obtenção e acompanhamento do financiamento imobiliário, extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria frustração, angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, ante a legitima expectativa gerada, por conduta da recorrente, de aprovação do financiamento para aquisição do imóvel a ser destinado como residência da família.
5. O acolhimento da alegação de que não houve ilícito e dano moral a ser indenizado, no presente caso, demandaria a alteração das premissas fáticas assentadas pelas instâncias ordinárias, o que somente seria possível mediante nova análise das provas dos autos, conduta vedada no âmbito do recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
6. A revisão da indenização por dano moral apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. No presente caso, a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais) fixada como indenização para cada um dos dois recorridos não configura exorbitância. Inviável, portanto, reexaminar o valor fixado a título de indenização, uma vez que tal análise demanda incursão na seara fático-probatória dos autos, atraindo a incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
7. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, conhecendo do agravo, dar parcial provimento ao recurso especial.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. No presente caso, a Corte de origem entendeu que a corretora de imóveis, ora recorrente, deveria responder solidariamente pelo inadimplemento do contrato por ela intermediado, bem como pela indenização por danos morais, com a seguinte fundamentação (fls. 461-467, e-STJ):
Com efeito, o serviço de corretagem em hipóteses como a presente é prestado em conjunto com as demais atividades de construção, incorporação, publicidade e venda do imóvel, serviços que são destinados a levar o consumidor final a adquirir uma unidade imobiliária. Dessa forma, tendo em vista que tais atividades têm o escopo comum de levar o consumidor a adquirir um produto (no caso, um imóvel residencial), são os seus respectivos agentes integrantes de uma cadeia única de fornecimento do produto final, o que os torna solidários em suas responsabilidades.
..
Portanto, não há de se falar em ilegitimidade passiva da apelante.
Da mesma forma, tratando-se de cadeia de consumo em que os fornecedores respondem solidariamente, impõe-se reconhecer a responsabilidade da apelante quanto aos danos narrados na inicial, na forma do art. 25, §1º, do CDC.
..
Com efeito, conforme bem destacado na sentença, houve excesso na retenção do que foi pago pela parte autora, na medida em que foi superior ao percentual de 20% estipulado no contrato.
Assim, cabível é a devolução da quantia indevidamente retida do consumidor.
De igual modo, o dano moral também restou satisfatoriamente demonstrado na hipótese, visto que houve inafastável falha na prestação do serviço das rés quanto à informação sobre a aprovação de financiamento bancário, uma vez que os demandantes só lograram ser informados a esse respeito quando procuraram atendimento diretamente na instituição financeira, sendo certo que tal processo havia ficado a cargo da segunda ré, ora apelante.
Acrescente-se, aliás, o fato de que as rés, mesmo após a negativa de financiamento, continuaram a cobrar dos autores valores referentes à documentação do imóvel, alegação esta que não foi impugnada especificamente pela parte ré.
Trata-se, portanto, de quebra de expectativa legítima dos autores quanto à aquisição de imóvel próprio, a ensejar o acolhimento da pretensão compensatória.
À luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor de R$ 5.000,00 para cada autor se apresenta condizente com a situação fática trazida a exame, razão pela qual nada há de ser alterado.
Por fim, a alegação de que as cobranças sob as rubricas "gerente" e "diretor de vendas" também integram a comissão de corretagem não são verossímeis, uma vez que a comissão do corretor é expressamente especificada no mesmo documento de fls. 55, do que se conclui que não se trata de verbas de mesma natureza. Tais valores se aproximam mais àqueles que usualmente são cobrados pela prestação de serviços na execução do próprio contrato de compra e venda, o qual, no entanto, não chegou a ser celebrado.
A sentença, portanto, não merece qualquer reparo.
Observa-se, portanto, que embora não se referindo expressamente aos artigos de lei apontados como violados pela recorrente, o acórdão recorrido analisou a matéria a que se referem os aludidos dispositivos legais, o que caracteriza o necessário prequestionamento, devendo ser reformada a decisão ora agravada (fls. 606-608, e-STJ), quanto a esse fundamento.
3. No pertinente à ausência de responsabilidade da corretora de imóveis pelo inadimplemento do contrato de compra e venda por ela intermediado, observa-se que o posicionamento da Corte de origem se encontra em desconformidade com o entendimento firmado nesta Quarta Turma na oportunidade de julgamento do REsp n. 1.779.271/SP, relatora p/ acórdão a em. Ministra Maria Isabel Gallotti, ao assentar que a atuação de corretor é de intermediação, de aproximação das partes, sendo, via de regra, alheia ao contrato de compra e venda a ser celebrado entre o incumbente e o interessado.
Asseverou-se, no julgado ora referido, que não há, em princípio, liame jurídico do corretor com as obrigações assumidas pelas partes celebrantes do contrato, a ensejar sua responsabilização por descumprimento de obrigação da incorporadora no contrato de compra e venda de unidade imobiliária caso não haja nexo causal com sua atividade, não devendo a corretora responder, por mera presunção decorrente da aplicação da legislação consumerista, nem mesmo em caráter subsidiário, pois do contrário sempre teria responsabilidade sobre o cumprimento dos negócios intermediados, desvirtuando a disciplina legal do contrato de corretagem.
Referido acórdão recebeu a seguinte ementa:
"COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA. LUCROS CESSANTES PRESUMIDOS. TERMO FINAL. ENTREGA DO IMÓVEL AO ADQUIRENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ. CORRETORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ARTS. 722 E 723 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE CORRETAGEM AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que "no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma" (REsp 1.729.593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Segunda Seção, DJe de 27.9.2019).
2. Em vista da natureza do serviço de corretagem, não há, em princípio, liame jurídico do corretor com as obrigações assumidas pelas partes celebrantes do contrato, a ensejar sua responsabilização por descumprimento de obrigação da incorporadora no contrato de compra e venda de unidade imobiliária. Incidência dos arts. 722 e 723 do Código Civil.
3. Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente.
4. Agravo interno parcialmente provido para dar parcial provimento ao recurso especial." (AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 25/06/2021) (g.n.).
___ .
No presente caso, o acórdão recorrido manteve a condenação da ora recorrente na devolução dos valores recebidos, em virtude da rescisão do contrato de promessa de compra e venda, sob o entendimento tão somente de sua participação na cadeia de consumo, o que, por si só não se revela suficiente, sob o entendimento do referido julgado desta Quarta Turma, a justificar sua condenação solidária na devolução dos referidos valores.
Ademais, ressalte-se que a sentença (fls. 282-286, e-STJ) foi expressa em afirmar que em relação à comissão de corretagem, apesar de não concretizado o negócio de compra e venda, os serviços de intermediação foram efetivamente prestados, tendo a ré Brokers Participações S.A. cumprido satisfatoriamente o serviço de corretagem, consoante se infere do seguinte excerto (fls.285-286, e-STJ):
Em relação à cobrança de assessoria e corretagem imobiliária pela 2 a ré, cumpre salientar a validade da transferência do custeio atinente à comissão de corretagem para os adquirentes, conforme entendimento do STJ em sede de recurso repetitivo (REsp: 1.599.511 SP), sendo certo que apesar da não concretização do negócio de compra e venda, os serviços de intermediação foram efetivamente prestados.
A propósito, não merecem prosperar as alegações iniciais de que não foram informados sobre despesas de corretagem, eis que o documento de fls. 55, trazido pelos próprios autores, consigna o pagamento de despesas com o corretor Sávio Silva, o qual intermediou toda a negociação, no valor de R$ 2.016,00.
Assim, considerando que o 2º réu cumpriu de forma satisfatória os serviços de corretagem, malgrado a rescisão contratual operada posteriormente em razão da não aprovação do financiamento bancário, não merece prosperar o pleito de devolução dos valores pagos a este título (R$ 2.016,00 - fls. 55).
Segundo o apurado pelas instâncias ordinárias, na hipótese sub judice já estava exitosamente cumprida a obrigação da corretora em relação à aproximação das partes interessadas.
Assim, deve ser provido o recurso especial nesse ponto, a fim de se afastar a condenação da ora recorrente, Brokers Participações S.A., na devolução dos valores pagos pelos recorridos em virtude da rescisão do contrato de promessa de compra e venda.
4. No entanto, melhor sorte não socorre a recorrente no pertinente ao pretendido afastamento da condenação em indenização por danos morais.
4.1. No presente caso, as instâncias ordinárias, amparadas na análise dos elementos fático-probatórios dos autos, assentaram que a ora recorrente atuou como correspondente bancário, deixando de informar aos autores sobre a não aprovação do financiamento bancário e continuando a cobrar valores referentes a documentação mesmo após a negativa, consoante se infere do seguinte excerto do acórdão recorrido (fl. 466, e-STJ):
De igual modo, o dano moral também restou satisfatoriamente demonstrado na hipótese, visto que houve inafastável falha na prestação do serviço das rés quanto à informação sobre a aprovação de financiamento bancário, uma vez que os demandantes só lograram ser informados a esse respeito quando procuraram atendimento diretamente na instituição financeira, sendo certo que tal processo havia ficado a cargo da segunda ré, ora apelante.
Acrescente-se, aliás, o fato de que as rés, mesmo após a negativa de financiamento, continuaram a cobrar dos autores valores referentes à documentação do imóvel, alegação esta que não foi impugnada especificamente pela parte ré.
Trata-se, portanto, de quebra de expectativa legítima dos autores quanto à aquisição de imóvel próprio, a ensejar o acolhimento da pretensão compensatória.
À luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor de R$ 5.000,00 para cada autor se apresenta condizente com a situação fática trazida a exame, razão pela qual nada há de ser alterado. (g.n.).
E da sentença (fl. 685, e-STJ):
Acolhe-se, ainda, a pretensão de reparação a título de dano moral, considerando que as circunstâncias mencionadas são aptas a gerar ofensa a direitos da personalidade dos autores, considerando a falha na prestação dos serviços das rés ante à falta de informação clara e precisa acerca do financiamento bancário, eis que há notícia de que desde o início das negociações os autores foram informados acerca da aprovação do financiamento, o qual acabou não se concretizando.
Segundo consta nos autos a segunda ré atuou como correspondente bancário, deixando porém de informar aos autores acerca da não aprovação do financiamento em novembro de 2015, fato cuja ciência aos autores somente ocorreu quando estes procuraram a própria agência bancária mais de quatro meses após a negativa de financiamento.
Acrescente-se que segundo alegação inicial, não impugnada especificamente pelos réus, após a negativa de financiamento pela CEF em novembro, ainda foram cobrados valores pertinentes à documentação do imóvel, os quais seriam destinados à 1a ré, corroborando a afirmativa de falha na prestação de serviços de ambas as rés, configurando-se, assim, o dano moral reclamado. (g.n.)
Dessa forma, as instâncias ordinárias assentaram, com amparo na análise circunstanciada dos elementos de prova dos autos, que a recorrente atuou, no presente caso, como correspondente bancário e que houve má prestação do serviço de intermediação decorrente de falha no dever de informação, porquanto caberia a recorrente alertar os adquirentes sobre possível intercorrência na obtenção de linha de crédito bancário, ainda mais quando garantida a aprovação do financiamento aos consumidores pelo corretor de imóveis para o fechamento do negócio.
O acolhimento da alegação de que não houve ilícito, no presente caso, demandaria a alteração dessa premissa fática assentada pela sentença e acórdão, o que somente seria possível mediante nova análise das provas dos autos, conduta vedada no âmbito do recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
A propósito:
CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO RECONHECIDA NA ORIGEM. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO (SÚMULA 7/STJ). DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal a quo afastou expressamente a alegada falha no dever de informação, consignando terem os agravantes solicitado orçamento em unidade hospitalar diversa daquela, diferenciada, na qual realizado o check-up, sendo este serviço também diferente daquele referenciado no orçamento prévio.
2. A alteração da conclusão do acórdão recorrido, acerca do cumprimento do dever de informação, demandaria o reexame dos fatos e das provas dos autos, providência inviável em sede de especial, a teor da Súmula 7 do STJ.
3. "A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado" (REsp 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017).
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1537574/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 09/08/2021, DJe 31/08/2021).
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AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. NEGÓCIO IMOBILIÁRIO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO DO CONTRATO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO DA INTERMEDIADORA. COMISSÃO INDEVIDA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
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2. Ocorre que, no caso concreto, a Corte de origem consignou expressamente que a devolução dos valores recebidos pela recorrente a título de comissão de corretagem não decorre unicamente do desfazimento do negócio de compra e venda, mas sim da má prestação do serviço de intermediação, uma vez que caberia ao recorrente alertar os adquirentes sobre possível intercorrência na obtenção de linha de crédito bancário, o que não foi feito, estando patente a falha no seu dever de informar.
3. Nesse contexto, a modificação de tal entendimento lançado no v. acórdão, para concluir que a recorrente realizou o serviço de intermediação a contento ou que os compradores/recorridos já tinham ciência quanto ao gravame hipotecário na matrícula do imóvel, demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos e a interpretação de cláusulas contratuais, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõem as Súmulas 5 e 7 deste Pretório.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1838230/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 25/05/2020)
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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE INFORMAÇÃO. SÚMULA 7 DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO FUNDAMENTADA E DEVIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Rever o entendimento da Corte local quanto à falha na prestação do serviço pela agravante ante o não cumprimento do dever de informação pelo corretor de imóveis e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ.
2. Decisão sucinta não significa decisão não fundamentada.
Precedentes.
3. Majoração de honorários advocatícios nos termos do art. 85, § 11, do CPC de 2015.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1591643/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 02/04/2020)
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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA.
1. A revisão do aresto impugnado no sentido pretendido pela parte recorrente exigiria derruir a convicção formada nas instâncias ordinárias sobre a violação ao dever de informação. Incidência das Súmulas 5 e 7/STJ.
2. Não se configura inovação em sede de apelação quando a matéria é suscitada desde a petição inicial.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1686339/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 23/10/2020).
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Dessa forma, a pretensão de que esta Corte de Justiça verifique se a recorrente cumpriu satisfatoriamente com seus deveres de diligência e de informação e se todas as medidas possíveis para o resguardo dos interesses da outra parte contratante foram tomadas, esbarra no enunciado da Súmula n. 7/STJ, vez que demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos já fartamente analisado pelo tribunal a quo.
Tipificada, portanto, a hipótese prevista no caput do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, fica caracterizado o defeito no serviço prestado pela demandada, devendo ela ser responsabilizada objetivamente pelos danos causados pelo fato do serviço.
4.2. No que tange aos danos morais, em regra, para sua configuração, precisa-se de comprovação de circunstâncias específicas no caso concreto que sejam capazes de vulnerar direito da personalidade gerando dor e sofrimento indenizáveis. Nesse sentido: REsp n. 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe 31.5.2017; REsp 1599224/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 16/08/2017 e AgInt no AREsp 1288145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018.
Na hipótese dos presentes autos, a sentença e o acórdão do Tribunal de origem assentaram que a corretora de imóveis atuou como correspondente bancário, tendo havido afirmação pelo preposto da corretora, para fechamento do negócio, de que o financiamento bancário seria aprovado - alegação não derruída pela recorrente nas razões de apelação, uma vez que não apresentou contestação - tendo sido, inclusive, cobrado valores supostamente relacionados à documentação para aprovação do financiamento quando a recorrente já tinha ciência de que a linha de crédito havia sido negada pela instituição financeira.
Concluíram, assim, que a falha na prestação de serviços da corretora de imóveis, no tocante a promessa de obtenção e acompanhamento do financiamento imobiliário, extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria frustração, angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, ante a legitima expectativa gerada, por conduta da recorrente, de aprovação do financiamento para aquisição do imóvel a ser destinado como residência da família.
A revisão do concluído pelo Tribunal a quo, no sentido de que se cristalizou, na hipótese, a ofensa a direitos da personalidade e o nexo de causalidade indispensável à caracterização da responsabilidade civil, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. A propósito:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATAÇÃO CONDICIONADA À APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO NOS MOLDES DA SIMULAÇÃO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DO VENDEDOR/CORRETOR. DEVOLUÇÃO DA COMISSÃO. DEVIDA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(AgInt no AREsp 1494511/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 04/09/2020)
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4.3. Também não prospera o recurso no tocante à pretensão de minoração do valor fixado a título de reparação por dano moral.
Observe-se que, para formar seu convencimento quanto ao valor estipulado a título de danos morais, as instâncias de origem valeram-se do exame da condição econômica dos litigantes, bem como da intensidade da culpa da ora recorrente e suas consequências, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A modificação do valor fixado a título de danos morais somente é admitida, na instância excepcional, quando evidentemente excessivo ou irrisório o quantum arbitrado nas instâncias ordinárias, o que não se verifica no caso presente.
No caso, não se mostra excessivo, a justificar sua reavaliação em recurso especial, o montante estabelecido pelo Tribunal de origem em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada autor, totalizando R$10.000,00 (dez mil reais) visto que não é exorbitante nem desproporcional aos danos sofridos pela parte recorrida.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATAÇÃO CONDICIONADA À APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO NOS MOLDES DA SIMULAÇÃO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DO VENDEDOR/CORRETOR. DEVOLUÇÃO DA COMISSÃO. DEVIDA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(AgInt no AREsp 1494511/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 04/09/2020) (Dano moral fixado em R$10.000,00 (dez mil reais)).
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDADA.
1. O Tribunal local, ao concluir pela ocorrência de ato ilícito ensejador do dever de indenizar, o fez com base na análise aprofundada do acervo probatório dos autos, sendo que a pretensão recursal exige o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado por esta Corte Superior, a teor da Súmula 7 do STJ.
2. A revisão da indenização por dano moral apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. Não configurada uma dessas hipóteses, inviável reexaminar o valor fixado a título de indenização, uma vez que tal análise demanda incursão na seara fático-probatória dos autos, atraindo a incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
3. O Tribunal local considerou válida a cláusula de tolerância de 180 dias, nos termos da jurisprudência desta Corte, porém concluiu que tal prazo não foi cumprido pela construtora. Alterar tal conclusão demandaria reexame de provas, providência vedada pela Súmula 7 do STJ.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1692891/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2019, DJe 12/09/2019).
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AGRAVO INOMINADO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO IMOBILIÁRIO CUMULADA COM PLEITO DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS E INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. APLICABILIDADE DO CDC À ESPÉCIE. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA INADIMPLÊNCIA DA DEMANDANTE. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR DA INDENIZAÇÃO QUE, NO ENTANTO, MERECE REDUÇÃO, PORQUANTO FIXADA EM DISSONÂNCIA COM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Somente é possível a revisão do montante da indenização nas hipóteses em que o quantum fixado for exorbitante ou irrisório, o que, no entanto, não ocorreu no caso em exame. Isso, porque o valor da indenização por danos morais, arbitrado em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), não se revela irrisório, ao contrário do alegado pela compradora, ora recorrente, diante do mero atraso na entrega da obra, por aproximadamente dois anos. Ressalta-se que há julgados nesta Corte no sentido de exclusão do dano moral, pelo simples descumprimento do prazo na entrega do imóvel, questão não analisada na espécie para se evitar reformatio in pejus, porquanto o recurso especial visa à majoração do dano moral.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 544.966/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 29/03/2019).
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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. CONTAGEM DO PRAZO DE TOLERÂNCIA EM DIAS ÚTEIS. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO OPOSTOS. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. CABIMENTO DOS LUCROS CESSANTES. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. CABIMENTO E REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. ANÁLISE DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
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4. A Corte de origem concluiu que, no caso dos autos, não houve simples atraso contratual, reconhecendo, assim, a existência de circunstância ensejadora da reparação por danos morais, tendo em vista que a mora injustificada na entrega da obra frustrou a expectativa de uso/locação do imóvel, transbordando os limites da razoabilidade. Nesse contexto, a revisão das premissas fixadas demandaria a análise das cláusulas contratuais pactuadas e a inevitável incursão no conjunto fático-probatório dos autos, providências vedadas pelos óbices das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
5. O valor arbitrado a título de reparação civil observou os critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, além de estar compatível com as circunstâncias narradas no acórdão, visto que o montante fixado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) não se revela exorbitante, e sua eventual redução demandaria, por consequência, a reanálise de provas, o que é vedado em recurso especial ante o óbice da Súmula n. 7/STJ.
6. Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp 1132651/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2017, DJe 23/11/2017).
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5. Ante o exposto, RECONSIDERO a decisão ora agravada e, em novo exame, conheço do agravo para DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL a fim de afastar, tão somente, a condenação de Brasil Brokers Participações S.A. na devolução dos valores pagos pelos consumidores à incorporadora/construtora, mantendo, a condenação em indenização por danos morais.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão agravada e, conhecendo do agravo, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se de agravo interno interposto por BRASIL BROKERS PARTICIPAÇÕES S/A, contra decisão deste relator, às fls. 606-608, e-STJ, que negou provimento ao agravo no recurso especial em razão da incidência do óbice do Enunciado das súmulas n. 282 e 356/STF.
Na origem BRUNO GEORDANI DE JESUS DE MEDEIROS e KEILA CRUZ DE MEDEIROS DE JESUS ajuizaram ação de reparação de danos materiais e morais em face de MAIO EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES S/A e BRASIL BROKERS PARTICIPAÇÕES S/A, objetivando a devolução dos valores pagos e indenização por dano moral em virtude da rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel devido a não aprovação de financiamento bancário, cujo acompanhamento estaria a cargo da segunda ré.
Na sentença (fls. 282-286, e-STJ) o Juízo de primeiro grau de jurisdição verificou que houve resilição do contrato por vontade do comprador, mas a construtora reteve valores acima do percentual de 20% estabelecido em contrato para os casos de rescisão por iniciativa do adquirente. Assentou, ainda, que em relação à comissão de corretagem, apesar de não concretizado o negócio de compra e venda, os serviços de intermediação foram efetivamente prestados, tendo a ré Brokers Participações S.A. cumprido satisfatoriamente o serviço de corretagem. Todavia, entendeu que a referida ré atuou como correspondente bancário mas não informou aos autores acerca da não aprovação do financiamento pela instituição financeira, continuando cobrando valores dos consumidores a esse título, o que cracterizou falha na prestação de serviço de ambas as rés e dano moral a ser indenizado.
Assim, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar as rés, solidariamente, a "a) restituírem aos autores a quantia de R$ 706,52 (setecentos e seis reais e cinquenta e dois centavos), com correção monetária do desembolso e juros de mora da citação; b) ao pagamento da quantia pertinente a atualização monetária das parcelas do distrato, cujo quantum deverá ser apurado em liquidação da sentença; c) ao pagamento da quantia de R$5.000,00(cinco mil reais) a cada autor, com correção da publicação da sentença e juros de mora da citação, a título de reparação por dano moral".
BRASIL BROKERS PARTICIPAÕES S.A. interpôs recurso de apelação suscitando ilegitimidade passiva, alegando ser corretora e ter atuado apenas na intermediação entre autores e incorporadora. Aduziu que o negócio imobiliário só não se concretizou em razão da recusa na concessão de crédito aos autores não podendo ser responsabilizada por isso. Defendeu a inexistência de dano moral e a exorbitância do valor fixado a título de indenização.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento ao apelo nos termos da seguinte ementa (fls. 461-467, e-STJ):
Apelação cível. Ação indenizatória. Contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção. Rescisão decorrente de recusa de financiamento bancário. Distrato que resultou na devolução de quantia inferior à reconhecida pela jurisprudência. Demandantes que experimentaram dano moral indenizável em razão da ausência de informações claras e precisas acerca do financiamento bancário, cujo processo foi conduzido pela construtora ré.
Solidariedade entre as rés, ante sua atuação conjunta nas atividades de construção, incorporação, publicidade e intermediação de venda. Jurisprudência sobre o tema. Sentença mantida. Recurso desprovido.
Não se resignando, BRASIL BROKERS PARTICIPAÕES S.A. interpôs recurso especial (fls. 469-487, e-STJ), com fundamento no art. 105, III, "a" e "c", da Constituição da República, apontando, além de divergência jurisprudencial, ofensa ao disposto no art.485, VI, do CPC; arts. 7º, parágrafo único, e 14 do CDC; e arts. 186 e 927 do Código Civil.
Aduz que, na qualidade de corretora imobiliária, não foi parte integrante da promessa de compra e venda, não podendo responder pela devolução de valores na hipótese de rescisão do contrato de promessa de compra e venda, uma vez que não cobrou e não recebem nenhuma parcela do preço negociado para aquisição do imóvel.
Sustenta que não praticou ato ilícito a autorizar fosse condenada em danos morais pela não aprovação do financiamento pela instituição financeira. Argumenta que a concessão de financiamento não faz parte de sua atividade fim e que as discussões a respeito do financiamento ocorreram entre os recorridos e a instituição financeira de sua escolha. Afirma que não é razoável "crer que a Recorrente, mera corretora imobiliária, tenha conhecimento pleno acerca de todas as exigências realizadas por cada instituição financeira" não sendo possível "acreditar que a empresa de intermediação possa garantir a concessão do financiamento".
Assevera que os recorridos não comprovaram ter sofrido os danos morais alegados, apontando, ainda, que o valor fixado a título de indenização encontra-se exorbitante.
Contrarrazões ao recurso especial apresentada às fls. 504-512, e-STJ.
Não admitido o recurso especial pelo Tribunal de origem (fls. 514-521, e-STJ), sobreveio a interposição de agravo (fls. 544-557, e-STJ).
Este relator negou provimento ao agravo em recurso especial (fls. 606-608, e-STJ) ao fundamento de ausência de prequestionamento.
Nas razões do presente agravo interno, BRASIL BROKERS PARTICIPAÕES S.A sustenta que houve o prequestionamento da responsabilidade solidária da Corretora Imobiliária em casos de ato ilícito perpetrado pela Construtora, trazendo precedente da Quarta Turma em que afastada a responsabilidade da imobiliária. Aduz, ainda, que não tendo sido demonstrada conduta ilícita da corretora imobiliária deve ser afastada a sua condenação pelos danos indenizáveis.
Não foi apresentada contraminuta ao agravo interno.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. No presente caso, a Corte de origem entendeu que a corretora de imóveis, ora recorrente, deveria responder solidariamente pelo inadimplemento do contrato por ela intermediado, bem como pela indenização por danos morais, com a seguinte fundamentação (fls. 461-467, e-STJ):
Com efeito, o serviço de corretagem em hipóteses como a presente é prestado em conjunto com as demais atividades de construção, incorporação, publicidade e venda do imóvel, serviços que são destinados a levar o consumidor final a adquirir uma unidade imobiliária. Dessa forma, tendo em vista que tais atividades têm o escopo comum de levar o consumidor a adquirir um produto (no caso, um imóvel residencial), são os seus respectivos agentes integrantes de uma cadeia única de fornecimento do produto final, o que os torna solidários em suas responsabilidades.
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Portanto, não há de se falar em ilegitimidade passiva da apelante.
Da mesma forma, tratando-se de cadeia de consumo em que os fornecedores respondem solidariamente, impõe-se reconhecer a responsabilidade da apelante quanto aos danos narrados na inicial, na forma do art. 25, §1º, do CDC.
..
Com efeito, conforme bem destacado na sentença, houve excesso na retenção do que foi pago pela parte autora, na medida em que foi superior ao percentual de 20% estipulado no contrato.
Assim, cabível é a devolução da quantia indevidamente retida do consumidor.
De igual modo, o dano moral também restou satisfatoriamente demonstrado na hipótese, visto que houve inafastável falha na prestação do serviço das rés quanto à informação sobre a aprovação de financiamento bancário, uma vez que os demandantes só lograram ser informados a esse respeito quando procuraram atendimento diretamente na instituição financeira, sendo certo que tal processo havia ficado a cargo da segunda ré, ora apelante.
Acrescente-se, aliás, o fato de que as rés, mesmo após a negativa de financiamento, continuaram a cobrar dos autores valores referentes à documentação do imóvel, alegação esta que não foi impugnada especificamente pela parte ré.
Trata-se, portanto, de quebra de expectativa legítima dos autores quanto à aquisição de imóvel próprio, a ensejar o acolhimento da pretensão compensatória.
À luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor de R$ 5.000,00 para cada autor se apresenta condizente com a situação fática trazida a exame, razão pela qual nada há de ser alterado.
Por fim, a alegação de que as cobranças sob as rubricas "gerente" e "diretor de vendas" também integram a comissão de corretagem não são verossímeis, uma vez que a comissão do corretor é expressamente especificada no mesmo documento de fls. 55, do que se conclui que não se trata de verbas de mesma natureza. Tais valores se aproximam mais àqueles que usualmente são cobrados pela prestação de serviços na execução do próprio contrato de compra e venda, o qual, no entanto, não chegou a ser celebrado.
A sentença, portanto, não merece qualquer reparo.
Observa-se, portanto, que embora não se referindo expressamente aos artigos de lei apontados como violados pela recorrente, o acórdão recorrido analisou a matéria a que se referem os aludidos dispositivos legais, o que caracteriza o necessário prequestionamento, devendo ser reformada a decisão ora agravada (fls. 606-608, e-STJ), quanto a esse fundamento.
3. No pertinente à ausência de responsabilidade da corretora de imóveis pelo inadimplemento do contrato de compra e venda por ela intermediado, observa-se que o posicionamento da Corte de origem se encontra em desconformidade com o entendimento firmado nesta Quarta Turma na oportunidade de julgamento do REsp n. 1.779.271/SP, relatora p/ acórdão a em. Ministra Maria Isabel Gallotti, ao assentar que a atuação de corretor é de intermediação, de aproximação das partes, sendo, via de regra, alheia ao contrato de compra e venda a ser celebrado entre o incumbente e o interessado.
Asseverou-se, no julgado ora referido, que não há, em princípio, liame jurídico do corretor com as obrigações assumidas pelas partes celebrantes do contrato, a ensejar sua responsabilização por descumprimento de obrigação da incorporadora no contrato de compra e venda de unidade imobiliária caso não haja nexo causal com sua atividade, não devendo a corretora responder, por mera presunção decorrente da aplicação da legislação consumerista, nem mesmo em caráter subsidiário, pois do contrário sempre teria responsabilidade sobre o cumprimento dos negócios intermediados, desvirtuando a disciplina legal do contrato de corretagem.
Referido acórdão recebeu a seguinte ementa:
"COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA. LUCROS CESSANTES PRESUMIDOS. TERMO FINAL. ENTREGA DO IMÓVEL AO ADQUIRENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 83/STJ. CORRETORA. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ARTS. 722 E 723 DO CÓDIGO CIVIL. INEXISTÊNCIA DE FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE CORRETAGEM AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.
1. A jurisprudência desta Corte se firmou no sentido de que "no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma" (REsp 1.729.593/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Segunda Seção, DJe de 27.9.2019).
2. Em vista da natureza do serviço de corretagem, não há, em princípio, liame jurídico do corretor com as obrigações assumidas pelas partes celebrantes do contrato, a ensejar sua responsabilização por descumprimento de obrigação da incorporadora no contrato de compra e venda de unidade imobiliária. Incidência dos arts. 722 e 723 do Código Civil.
3. Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente.
4. Agravo interno parcialmente provido para dar parcial provimento ao recurso especial." (AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 25/06/2021) (g.n.).
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No presente caso, o acórdão recorrido manteve a condenação da ora recorrente na devolução dos valores recebidos, em virtude da rescisão do contrato de promessa de compra e venda, sob o entendimento tão somente de sua participação na cadeia de consumo, o que, por si só não se revela suficiente, sob o entendimento do referido julgado desta Quarta Turma, a justificar sua condenação solidária na devolução dos referidos valores.
Ademais, ressalte-se que a sentença (fls. 282-286, e-STJ) foi expressa em afirmar que em relação à comissão de corretagem, apesar de não concretizado o negócio de compra e venda, os serviços de intermediação foram efetivamente prestados, tendo a ré Brokers Participações S.A. cumprido satisfatoriamente o serviço de corretagem, consoante se infere do seguinte excerto (fls.285-286, e-STJ):
Em relação à cobrança de assessoria e corretagem imobiliária pela 2 a ré, cumpre salientar a validade da transferência do custeio atinente à comissão de corretagem para os adquirentes, conforme entendimento do STJ em sede de recurso repetitivo (REsp: 1.599.511 SP), sendo certo que apesar da não concretização do negócio de compra e venda, os serviços de intermediação foram efetivamente prestados.
A propósito, não merecem prosperar as alegações iniciais de que não foram informados sobre despesas de corretagem, eis que o documento de fls. 55, trazido pelos próprios autores, consigna o pagamento de despesas com o corretor Sávio Silva, o qual intermediou toda a negociação, no valor de R$ 2.016,00.
Assim, considerando que o 2º réu cumpriu de forma satisfatória os serviços de corretagem, malgrado a rescisão contratual operada posteriormente em razão da não aprovação do financiamento bancário, não merece prosperar o pleito de devolução dos valores pagos a este título (R$ 2.016,00 - fls. 55).
Segundo o apurado pelas instâncias ordinárias, na hipótese sub judice já estava exitosamente cumprida a obrigação da corretora em relação à aproximação das partes interessadas.
Assim, deve ser provido o recurso especial nesse ponto, a fim de se afastar a condenação da ora recorrente, Brokers Participações S.A., na devolução dos valores pagos pelos recorridos em virtude da rescisão do contrato de promessa de compra e venda.
4. No entanto, melhor sorte não socorre a recorrente no pertinente ao pretendido afastamento da condenação em indenização por danos morais.
4.1. No presente caso, as instâncias ordinárias, amparadas na análise dos elementos fático-probatórios dos autos, assentaram que a ora recorrente atuou como correspondente bancário, deixando de informar aos autores sobre a não aprovação do financiamento bancário e continuando a cobrar valores referentes a documentação mesmo após a negativa, consoante se infere do seguinte excerto do acórdão recorrido (fl. 466, e-STJ):
De igual modo, o dano moral também restou satisfatoriamente demonstrado na hipótese, visto que houve inafastável falha na prestação do serviço das rés quanto à informação sobre a aprovação de financiamento bancário, uma vez que os demandantes só lograram ser informados a esse respeito quando procuraram atendimento diretamente na instituição financeira, sendo certo que tal processo havia ficado a cargo da segunda ré, ora apelante.
Acrescente-se, aliás, o fato de que as rés, mesmo após a negativa de financiamento, continuaram a cobrar dos autores valores referentes à documentação do imóvel, alegação esta que não foi impugnada especificamente pela parte ré.
Trata-se, portanto, de quebra de expectativa legítima dos autores quanto à aquisição de imóvel próprio, a ensejar o acolhimento da pretensão compensatória.
À luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o valor de R$ 5.000,00 para cada autor se apresenta condizente com a situação fática trazida a exame, razão pela qual nada há de ser alterado. (g.n.).
E da sentença (fl. 685, e-STJ):
Acolhe-se, ainda, a pretensão de reparação a título de dano moral, considerando que as circunstâncias mencionadas são aptas a gerar ofensa a direitos da personalidade dos autores, considerando a falha na prestação dos serviços das rés ante à falta de informação clara e precisa acerca do financiamento bancário, eis que há notícia de que desde o início das negociações os autores foram informados acerca da aprovação do financiamento, o qual acabou não se concretizando.
Segundo consta nos autos a segunda ré atuou como correspondente bancário, deixando porém de informar aos autores acerca da não aprovação do financiamento em novembro de 2015, fato cuja ciência aos autores somente ocorreu quando estes procuraram a própria agência bancária mais de quatro meses após a negativa de financiamento.
Acrescente-se que segundo alegação inicial, não impugnada especificamente pelos réus, após a negativa de financiamento pela CEF em novembro, ainda foram cobrados valores pertinentes à documentação do imóvel, os quais seriam destinados à 1a ré, corroborando a afirmativa de falha na prestação de serviços de ambas as rés, configurando-se, assim, o dano moral reclamado. (g.n.)
Dessa forma, as instâncias ordinárias assentaram, com amparo na análise circunstanciada dos elementos de prova dos autos, que a recorrente atuou, no presente caso, como correspondente bancário e que houve má prestação do serviço de intermediação decorrente de falha no dever de informação, porquanto caberia a recorrente alertar os adquirentes sobre possível intercorrência na obtenção de linha de crédito bancário, ainda mais quando garantida a aprovação do financiamento aos consumidores pelo corretor de imóveis para o fechamento do negócio.
O acolhimento da alegação de que não houve ilícito, no presente caso, demandaria a alteração dessa premissa fática assentada pela sentença e acórdão, o que somente seria possível mediante nova análise das provas dos autos, conduta vedada no âmbito do recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
A propósito:
CONSUMIDOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. IMPROCEDÊNCIA. AUSÊNCIA DE DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO RECONHECIDA NA ORIGEM. PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO (SÚMULA 7/STJ). DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. O Tribunal a quo afastou expressamente a alegada falha no dever de informação, consignando terem os agravantes solicitado orçamento em unidade hospitalar diversa daquela, diferenciada, na qual realizado o check-up, sendo este serviço também diferente daquele referenciado no orçamento prévio.
2. A alteração da conclusão do acórdão recorrido, acerca do cumprimento do dever de informação, demandaria o reexame dos fatos e das provas dos autos, providência inviável em sede de especial, a teor da Súmula 7 do STJ.
3. "A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado" (REsp 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017).
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1537574/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 09/08/2021, DJe 31/08/2021).
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AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMISSÃO DE CORRETAGEM. NEGÓCIO IMOBILIÁRIO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO DO CONTRATO. FALHA NO DEVER DE INFORMAÇÃO DA INTERMEDIADORA. COMISSÃO INDEVIDA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
(..)
2. Ocorre que, no caso concreto, a Corte de origem consignou expressamente que a devolução dos valores recebidos pela recorrente a título de comissão de corretagem não decorre unicamente do desfazimento do negócio de compra e venda, mas sim da má prestação do serviço de intermediação, uma vez que caberia ao recorrente alertar os adquirentes sobre possível intercorrência na obtenção de linha de crédito bancário, o que não foi feito, estando patente a falha no seu dever de informar.
3. Nesse contexto, a modificação de tal entendimento lançado no v. acórdão, para concluir que a recorrente realizou o serviço de intermediação a contento ou que os compradores/recorridos já tinham ciência quanto ao gravame hipotecário na matrícula do imóvel, demandaria o revolvimento de suporte fático-probatório dos autos e a interpretação de cláusulas contratuais, o que é inviável em sede de recurso especial, a teor do que dispõem as Súmulas 5 e 7 deste Pretório.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no REsp 1838230/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 25/05/2020)
___ .
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE UNIDADE IMOBILIÁRIA. RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO DE CORRETAGEM. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DEVER DE INFORMAÇÃO. SÚMULA 7 DO STJ. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO FUNDAMENTADA E DEVIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. Rever o entendimento da Corte local quanto à falha na prestação do serviço pela agravante ante o não cumprimento do dever de informação pelo corretor de imóveis e acolher a pretensão recursal demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão recorrido, com o revolvimento das provas carreadas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial ante o óbice da Súmula 7 do STJ.
2. Decisão sucinta não significa decisão não fundamentada.
Precedentes.
3. Majoração de honorários advocatícios nos termos do art. 85, § 11, do CPC de 2015.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1591643/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 02/04/2020)
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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA.
1. A revisão do aresto impugnado no sentido pretendido pela parte recorrente exigiria derruir a convicção formada nas instâncias ordinárias sobre a violação ao dever de informação. Incidência das Súmulas 5 e 7/STJ.
2. Não se configura inovação em sede de apelação quando a matéria é suscitada desde a petição inicial.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1686339/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 23/10/2020).
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Dessa forma, a pretensão de que esta Corte de Justiça verifique se a recorrente cumpriu satisfatoriamente com seus deveres de diligência e de informação e se todas as medidas possíveis para o resguardo dos interesses da outra parte contratante foram tomadas, esbarra no enunciado da Súmula n. 7/STJ, vez que demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos já fartamente analisado pelo tribunal a quo.
Tipificada, portanto, a hipótese prevista no caput do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, fica caracterizado o defeito no serviço prestado pela demandada, devendo ela ser responsabilizada objetivamente pelos danos causados pelo fato do serviço.
4.2. No que tange aos danos morais, em regra, para sua configuração, precisa-se de comprovação de circunstâncias específicas no caso concreto que sejam capazes de vulnerar direito da personalidade gerando dor e sofrimento indenizáveis. Nesse sentido: REsp n. 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe 31.5.2017; REsp 1599224/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 16/08/2017 e AgInt no AREsp 1288145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe 16/11/2018.
Na hipótese dos presentes autos, a sentença e o acórdão do Tribunal de origem assentaram que a corretora de imóveis atuou como correspondente bancário, tendo havido afirmação pelo preposto da corretora, para fechamento do negócio, de que o financiamento bancário seria aprovado - alegação não derruída pela recorrente nas razões de apelação, uma vez que não apresentou contestação - tendo sido, inclusive, cobrado valores supostamente relacionados à documentação para aprovação do financiamento quando a recorrente já tinha ciência de que a linha de crédito havia sido negada pela instituição financeira.
Concluíram, assim, que a falha na prestação de serviços da corretora de imóveis, no tocante a promessa de obtenção e acompanhamento do financiamento imobiliário, extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria frustração, angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, ante a legitima expectativa gerada, por conduta da recorrente, de aprovação do financiamento para aquisição do imóvel a ser destinado como residência da família.
A revisão do concluído pelo Tribunal a quo, no sentido de que se cristalizou, na hipótese, a ofensa a direitos da personalidade e o nexo de causalidade indispensável à caracterização da responsabilidade civil, demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. A propósito:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATAÇÃO CONDICIONADA À APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO NOS MOLDES DA SIMULAÇÃO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DO VENDEDOR/CORRETOR. DEVOLUÇÃO DA COMISSÃO. DEVIDA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(AgInt no AREsp 1494511/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 04/09/2020)
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4.3. Também não prospera o recurso no tocante à pretensão de minoração do valor fixado a título de reparação por dano moral.
Observe-se que, para formar seu convencimento quanto ao valor estipulado a título de danos morais, as instâncias de origem valeram-se do exame da condição econômica dos litigantes, bem como da intensidade da culpa da ora recorrente e suas consequências, observando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
A modificação do valor fixado a título de danos morais somente é admitida, na instância excepcional, quando evidentemente excessivo ou irrisório o quantum arbitrado nas instâncias ordinárias, o que não se verifica no caso presente.
No caso, não se mostra excessivo, a justificar sua reavaliação em recurso especial, o montante estabelecido pelo Tribunal de origem em R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para cada autor, totalizando R$10.000,00 (dez mil reais) visto que não é exorbitante nem desproporcional aos danos sofridos pela parte recorrida.
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CONTRATAÇÃO CONDICIONADA À APROVAÇÃO DO FINANCIAMENTO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO NOS MOLDES DA SIMULAÇÃO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. RESCISÃO CONTRATUAL. CULPA DO VENDEDOR/CORRETOR. DEVOLUÇÃO DA COMISSÃO. DEVIDA. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
(AgInt no AREsp 1494511/MT, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 31/08/2020, DJe 04/09/2020) (Dano moral fixado em R$10.000,00 (dez mil reais)).
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C PEDIDO CONDENATÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PARCIAL PROVIMENTO AO RECLAMO. IRRESIGNAÇÃO DA DEMANDADA.
1. O Tribunal local, ao concluir pela ocorrência de ato ilícito ensejador do dever de indenizar, o fez com base na análise aprofundada do acervo probatório dos autos, sendo que a pretensão recursal exige o revolvimento de fatos e provas, procedimento vedado por esta Corte Superior, a teor da Súmula 7 do STJ.
2. A revisão da indenização por dano moral apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. Não configurada uma dessas hipóteses, inviável reexaminar o valor fixado a título de indenização, uma vez que tal análise demanda incursão na seara fático-probatória dos autos, atraindo a incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
3. O Tribunal local considerou válida a cláusula de tolerância de 180 dias, nos termos da jurisprudência desta Corte, porém concluiu que tal prazo não foi cumprido pela construtora. Alterar tal conclusão demandaria reexame de provas, providência vedada pela Súmula 7 do STJ.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1692891/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 09/09/2019, DJe 12/09/2019).
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AGRAVO INOMINADO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO IMOBILIÁRIO CUMULADA COM PLEITO DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS E INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANOS MORAIS. APLICABILIDADE DO CDC À ESPÉCIE. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA INADIMPLÊNCIA DA DEMANDANTE. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR DA INDENIZAÇÃO QUE, NO ENTANTO, MERECE REDUÇÃO, PORQUANTO FIXADA EM DISSONÂNCIA COM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Somente é possível a revisão do montante da indenização nas hipóteses em que o quantum fixado for exorbitante ou irrisório, o que, no entanto, não ocorreu no caso em exame. Isso, porque o valor da indenização por danos morais, arbitrado em R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), não se revela irrisório, ao contrário do alegado pela compradora, ora recorrente, diante do mero atraso na entrega da obra, por aproximadamente dois anos. Ressalta-se que há julgados nesta Corte no sentido de exclusão do dano moral, pelo simples descumprimento do prazo na entrega do imóvel, questão não analisada na espécie para se evitar reformatio in pejus, porquanto o recurso especial visa à majoração do dano moral.
2. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 544.966/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 29/03/2019).
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AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ALEGAÇÃO GENÉRICA DE VIOLAÇÃO AO ART. 1.022 DO CPC/2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. CONTAGEM DO PRAZO DE TOLERÂNCIA EM DIAS ÚTEIS. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO OPOSTOS. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. CABIMENTO DOS LUCROS CESSANTES. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STJ. CABIMENTO E REVISÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. ANÁLISE DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
(..)
4. A Corte de origem concluiu que, no caso dos autos, não houve simples atraso contratual, reconhecendo, assim, a existência de circunstância ensejadora da reparação por danos morais, tendo em vista que a mora injustificada na entrega da obra frustrou a expectativa de uso/locação do imóvel, transbordando os limites da razoabilidade. Nesse contexto, a revisão das premissas fixadas demandaria a análise das cláusulas contratuais pactuadas e a inevitável incursão no conjunto fático-probatório dos autos, providências vedadas pelos óbices das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
5. O valor arbitrado a título de reparação civil observou os critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, além de estar compatível com as circunstâncias narradas no acórdão, visto que o montante fixado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais) não se revela exorbitante, e sua eventual redução demandaria, por consequência, a reanálise de provas, o que é vedado em recurso especial ante o óbice da Súmula n. 7/STJ.
6. Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp 1132651/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/11/2017, DJe 23/11/2017).
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5. Ante o exposto, RECONSIDERO a decisão ora agravada e, em novo exame, conheço do agravo para DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL a fim de afastar, tão somente, a condenação de Brasil Brokers Participações S.A. na devolução dos valores pagos pelos consumidores à incorporadora/construtora, mantendo, a condenação em indenização por danos morais.
É o voto. | EMENTA
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CORRETORA DE IMÓVEIS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM RELAÇÃO A DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS À INCORPORADORA. ATUAÇÃO COMO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS PARA FECHAMENTO DO NEGÓCIO. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. "Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente" (AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 25/06/2021).
2. No presente caso deve ser afastada a condenação da corretora de imóveis à devolução, por força da rescisão contratual, dos valores pagos pelos consumidores à incorporadora/construtora.
3. As instâncias ordinárias assentaram, com amparo na análise circunstanciada dos elementos de prova dos autos, que a corretora de imóveis, para além do contrato de corretagem, atuou como correspondente bancário, tendo havido afirmação pelo preposto da corretora, para fechamento do negócio, de que o financiamento bancário seria aprovado, com cobrança de valores relacionados à documentação para aprovação do financiamento quando a recorrente já tinha ciência de que a linha de crédito havia sido negada pela instituição financeira.
4. Concluíram, assim, que a falha na prestação de serviços da corretora de imóveis, no tocante a promessa de obtenção e acompanhamento do financiamento imobiliário, extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria frustração, angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, ante a legitima expectativa gerada, por conduta da recorrente, de aprovação do financiamento para aquisição do imóvel a ser destinado como residência da família.
5. O acolhimento da alegação de que não houve ilícito e dano moral a ser indenizado, no presente caso, demandaria a alteração das premissas fáticas assentadas pelas instâncias ordinárias, o que somente seria possível mediante nova análise das provas dos autos, conduta vedada no âmbito do recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
6. A revisão da indenização por dano moral apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. No presente caso, a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais) fixada como indenização para cada um dos dois recorridos não configura exorbitância. Inviável, portanto, reexaminar o valor fixado a título de indenização, uma vez que tal análise demanda incursão na seara fático-probatória dos autos, atraindo a incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
7. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, conhecendo do agravo, dar parcial provimento ao recurso especial. | AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. CORRETORA DE IMÓVEIS. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA EM RELAÇÃO A DEVOLUÇÃO DE VALORES PAGOS À INCORPORADORA. ATUAÇÃO COMO CORRESPONDENTE BANCÁRIO. PROMESSA DE OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO REALIZADA PELO CORRETOR DE IMÓVEIS PARA FECHAMENTO DO NEGÓCIO. NEGATIVA DO AGENTE FINANCEIRO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEVER DE INFORMAÇÃO. DANO MORAL. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REVISÃO. SÚMULAS 5 E 7/STJ. | 1. "Não sendo imputada falha alguma na prestação do serviço de corretagem e nem se cogitando do envolvimento da intermediadora na cadeia de fornecimento do produto, vale dizer, nas atividades de incorporação e construção do imóvel ou mesmo se tratar a corretora de empresa do mesmo grupo econômico das responsáveis pela obra, hipótese em que se poderia cogitar de confusão patrimonial, não é possível seu enquadramento como integrante da cadeia de fornecimento a justificar sua condenação, de forma solidária, pelos danos causados ao autor adquirente" (AgInt no REsp 1779271/SP, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 25/06/2021).
2. No presente caso deve ser afastada a condenação da corretora de imóveis à devolução, por força da rescisão contratual, dos valores pagos pelos consumidores à incorporadora/construtora.
3. As instâncias ordinárias assentaram, com amparo na análise circunstanciada dos elementos de prova dos autos, que a corretora de imóveis, para além do contrato de corretagem, atuou como correspondente bancário, tendo havido afirmação pelo preposto da corretora, para fechamento do negócio, de que o financiamento bancário seria aprovado, com cobrança de valores relacionados à documentação para aprovação do financiamento quando a recorrente já tinha ciência de que a linha de crédito havia sido negada pela instituição financeira.
4. Concluíram, assim, que a falha na prestação de serviços da corretora de imóveis, no tocante a promessa de obtenção e acompanhamento do financiamento imobiliário, extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria frustração, angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, ante a legitima expectativa gerada, por conduta da recorrente, de aprovação do financiamento para aquisição do imóvel a ser destinado como residência da família.
5. O acolhimento da alegação de que não houve ilícito e dano moral a ser indenizado, no presente caso, demandaria a alteração das premissas fáticas assentadas pelas instâncias ordinárias, o que somente seria possível mediante nova análise das provas dos autos, conduta vedada no âmbito do recurso especial ante o óbice da Súmula 7/STJ.
6. A revisão da indenização por dano moral apenas é possível na hipótese de o quantum arbitrado nas instâncias originárias se revelar irrisório ou exorbitante. No presente caso, a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais) fixada como indenização para cada um dos dois recorridos não configura exorbitância. Inviável, portanto, reexaminar o valor fixado a título de indenização, uma vez que tal análise demanda incursão na seara fático-probatória dos autos, atraindo a incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes.
7. Agravo interno provido para reconsiderar a decisão agravada e, conhecendo do agravo, dar parcial provimento ao recurso especial. | N |
141,279,576 | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. AUSÊNCIA DE LACRE. FRAGILIDADE DO MATERIAL PROBATÓRIO RESIDUAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. HIGIDEZ DA CONDENAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A superveniência de sentença condenatória não tem o condão de prejudicar a análise da tese defensiva de que teria havido quebra da cadeia de custódia da prova, em razão de a substância entorpecente haver sido entregue para perícia sem o necessário lacre. Isso porque, ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva, por exemplo - que tem natureza rebus sic standibus, isto é, que se caracteriza pelo dinamismo existente na situação de fato que justifica a medida constritiva, a qual deve submeter-se sempre a constante avaliação do magistrado -, o caso dos autos traz hipótese em que houve uma desconformidade entre o procedimento usado na coleta e no acondicionamento de determinadas substâncias supostamente apreendidas com o paciente e o modelo previsto no Código de Processo Penal, fenômeno processual, esse, produzido ainda na fase inquisitorial, que se tornou estático e não modificável e, mais do que isso, que subsidiou a própria comprovação da materialidade e da autoria delitivas.
2. Segundo o disposto no art. 158-A do CPP, "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
3. A autenticação de uma prova é um dos métodos que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela doutrina de princípio da mesmidade.
4. De forma bastante sintética, pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez, estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios, bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art. 158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio".
5. Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais. No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas.
6. Na hipótese dos autos, pelos depoimentos prestados pelos agentes estatais em juízo, não é possível identificar, com precisão, se as substâncias apreendidas realmente estavam com o paciente já desde o início e, no momento da chegada dos policiais, elas foram por ele dispensadas no chão, ou se as sacolas com as substâncias simplesmente estavam próximas a ele e poderiam eventualmente pertencer a outro traficante que estava no local dos fatos.
7. Mostra-se mais adequada a posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido.
9. O fato de a substância haver chegado para perícia em um saco de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, fragiliza, na verdade, a própria pretensão acusatória, porquanto não permite identificar, com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização de exame pericial e, por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. Não se garantiu a inviolabilidade e a idoneidade dos vestígios coletados (art. 158-D, § 1º, do CPP). A integralidade do lacre não é uma medida meramente protocolar; é, antes, a segurança de que o material não foi manipulado, adulterado ou substituído, tanto que somente o perito poderá realizar seu rompimento para análise, ou outra pessoa autorizada, quando houver motivos (art. 158-D, § 3º, do CPP).
9. Não se agiu de forma criteriosa com o recolhimento dos elementos probatórios e com sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada. Mais do que isso, sopesados todos os elementos produzidos ao longo da instrução criminal, verifica-se a debilidade ou a fragilidade do material probatório residual, porque, além de o réu haver afirmado em juízo que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada, ambos os policiais militares, ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram uníssonos e claros o bastante em afirmar se a droga apreendida realmente estava em poder do paciente ou se a ele pertencia.
10. Conforme deflui da sentença condenatória, não houve outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de tráfico de drogas que foi imputado ao acusado. Não é por demais lembrar que a atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar quaisquer dúvidas sobre a existência do crime e a autoria responsável, o que não ocorreu no caso dos autos. Deveria a acusação, diante do descumprimento do disposto no art. 158-D, § 3º, do CPP, haver suprido as irregularidades por meio de outros elementos probatórios, de maneira que, ao não o fazer, não há como subsistir a condenação do paciente no tocante ao delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
11. Em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei).
12. Não foi a simples inobservância do procedimento previsto no art. 158-D, § 1º, do CPP que induz a concluir pela absolvição do réu em relação ao crime de tráfico de drogas; foi a ausência de outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do delito a ele imputado. A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, pode haver diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal.
13. Permanece hígida a condenação do paciente no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), porque, além de ele próprio haver admitido, em juízo, que atuava como olheiro do tráfico de drogas e, assim, confirmando que o local dos fatos era dominado pela facção criminosa denominada Comando Vermelho, esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente.
14. Porque proclamada a absolvição do paciente em relação ao crime de tráfico de drogas, deve ser a ele assegurado o direito de aguardar no regime aberto o julgamento da apelação criminal. Isso porque era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e, em relação a esse ilícito, foi condenado à reprimenda de 3 anos de reclusão (fl. 173). Caso não haja recurso do Ministério Público contra a sentença condenatória (ou, se houver e ele for improvido) e a sanção permaneça nesse patamar, fica definitivo o regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
15. Ordem concedida, a fim de absolver o paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0219295-36.2020.8.19.0001. Ainda, fica assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, prosseguindo no julgamento após o voto vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz concedendo a ordem, sendo acompanhado pelo Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª da Região), e da retificação de voto do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior no mesmo sentido, por maioria, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região). Votou vencida a Sra. Ministra Laurita Vaz.
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA contra acórdão proferido no HC n. 0076444-74.2020.8.19.0000 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Consta nos autos que o Paciente, preso em flagrante em 28/10/2020, teve a segregação convertida em preventiva, após ter sido abordado quando supostamente cometia os delitos dos arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006, na forma do art. 69 e c.c. o art. 61, inciso II, alínea "j" do Código Penal. Houve a apreensão de 51 g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína, além de um rádio transmissor utilizado para supostamente conectar-se com traficantes (fl. 18).
A Defesa impetrou prévio writ perante o Tribunal de origem, no qual ventilou a ilegalidade da prisão preventiva, que houve quebra da cadeia de custódia da prova, e o risco de contaminação do Paciente pela Covid-19 no estabelecimento prisional. O pedido foi denegado, nos termos do acórdão de fls. 68-78, assim ementado (fls. 68-70):
"Habeas Corpus. Imputação dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei n.º 11.343/06. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Pedido de relaxamento da prisão cautelar e de trancamento da ação penal por ausência de justa causa, ou de revogação por inidoneidade de fundamentação do decreto prisional e ausência dos seus pressupostos, além de ofensa ao princípio da homogeneidade. Pedido de imposição de medidas cautelares diversas da prisão, diante da pandemia de COVID-19. Pretensões inconsistentes.
I. Alegação de quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas. Não acolhimento. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de justa causa, o que não se verifica no presente feito. A ausência de embalagem oficial não autoriza o trancamento pretendido. Justa causa consubstanciada nos depoimentos colhidos durante as investigações. Plausibilidade do direito invocado que se faz presente. Análise aprofundada da prova que, a toda evidência, ultrapassa os estreitos limites do presente writ.
II. Decisão satisfatoriamente motivada e alicerçada em elementos concretos, inexistindo qualquer vício a maculá-la. Fumus commissi delicti. Paciente preso em flagrante com quantidade considerável de droga para venda: 41g (quarenta e um gramas) de cocaína, na forma de "crack"; 51g (cinquenta e um gramas) de maconha; e 31 (trinta e um gramas de cocaína em pó, em local conhecido como ponto de venda de drogas dominado por facção criminosa. Circunstâncias que, em princípio, denotam habitualidade na conduta imputada e envolvimento com a criminalidade organizada. Necessidade inequívoca de se garantir a ordem pública diante de provável reiteração criminosa, tendo em vista a gravidade concreta dos delitos imputados. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de restabelecer o status libertatis do indivíduo, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, como no presente caso. Alegação de ofensa ao princípio da homogeneidade que não se sustenta, sendo, em princípio, incompatível com o teor da imputação, com a gravidade concreta da conduta cometida e com a via estreita do presente writ. Pandemia de COVID-19. Adoção de diversas medidas sanitárias e de saúde pública para enfrentamento da emergência em questão. Edição da Portaria Interministerial n.º 07, de 16/03/2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e Saúde, no âmbito do Sistema Prisional, que prevê procedimentos a serem adotados de forma a evitar a propagação do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais. Recomendação n.º 62/20, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, com previsão de que as prisões preventivas, durante a pandemia, hão de ser mantidas em caráter excepcional, o que não significa dizer que os presos deverão ser indistintamente colocados em liberdade ou que somente permanecerão no cárcere aqueles que não se incluam no rol de prioridades elencado pelo CNJ. Até porque, trata-se de mera recomendação, sem força de lei. Paciente que, embora não responda a processo por crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, foi capturado na prática de delitos de extrema gravidade, cujas circunstâncias - prisão na posse de elevada quantidade e variedade de drogas, em local conhecido como ponto de vendas de drogas, dominado por facção criminosa - constituem forte indicativo da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, acrescentando-se que não se trata de paciente que se insira no chamado grupo de risco. Prisão cautelar que não ofende o princípio da presunção de inocência. Verbete n.º 09 das Súmulas do STJ. Ausência de ilegalidade. Ordem denegada."
Daí o presente mandamus, em que a Defesa alega, em suma, a inidoneidade do decreto prisional, pois há vício nos elementos de materialidade e, em consequência, falta justa causa na hipótese. Conforme certificação pericial, as drogas apreendidas foram entregues para o laudo sem o necessário lacre, de forma que não há como se garantir a lisura da cadeia de custódia.
Assevera também que a quantidade de entorpecentes encontrada em poder do Paciente é inexpressiva e não justifica a segregação cautelar, sendo evidente o cabimento de medidas cautelares diversas da prisão.
Assim, requer:
"a) a intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da data da realização do julgamento, permitindo-se, caso haja interesse, a sustentação oral na data do julgamento;
b) seja deferida a liminar com o Relaxamento da Prisão em relação ao Tráfico (art. 33, da Lei 11.343/2006) para que o Paciente aguarde, em liberdade, o julgamento do presente writ;
c) seja concedida a ordem para determinar:
c.1) a anulação do feito desde o inquérito policial, eivado de nulidade, reconhecendo-se a quebra da cadeia de custódia e, por conseguinte, a prova ilícita; ou para c.2) anulá-lo a partir da denúncia, ante sua demonstrada inépcia (falta de justa causa); ou. ainda, c.3) para absolvê-lo do delito tipificado no art. 33, da Lei 11.343/2006, ante a evidente quebra da cadeia de custódia." (fls. 9-10)
Deferi o pedido liminar para determinar a soltura do Paciente em 26/03/2021 (fls. 83-95).
Prestadas as informações, o Ministério Publico Federal opinou pelo não conhecimento ou denegação da ordem (fls. 126-133).
Esclareço, no mais, que persiste o interesse no julgamento deste writ, pois em consulta ao site que o Tribunal a quo mantém na internet, foi designada para o dia 09/08/2021 a audiência de instrução e julgamento do Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
Inicialmente, no que se refere à conduta do Paciente e à suposta quebra da cadeia de custódia das drogas apreendidas como prova, no decreto prisional, o Juiz da causa consignou o que se segue (fls. 18-19; sem grifos no original.):
"Primeiramente, deve ser consignado que o custodiado afirma não ter sofrido agressão física no momento da diligência.
Compulsando os autos, verifico que da narrativa apresentada no registro de ocorrência, vislumbra-se que o custodiado fora preso em flagrante delito pela prática, em tese, dos crimes dos art. 33 e 35 da Lei 11.343/06, sendo certo que a opinio delicti ainda não foi apresentada pelo Ministério Público com atribuição.
A prisão em flagrante é regular, tendo sido observados os exatos termos dos art. 10 e 13 do CPP.
Em relação ao pedido de relaxamento da prisão sustentando por quebra da cadeia de custódia indefiro, já que a questão não é manifesta e conquanto o material tenha sido recebido sem lacre no setor de perícias, certo é que não se pode ignorar que o material objeto da perícia seria compatível com aquele apreendido no momento da diligência policial. Logo, por desafiar a questão a instrução probatória, não reconheço a tese de ilegalidade que não é manifesta.
No que diz respeito à conversão da prisão em flagrante em preventiva, entende este magistrado que a prisão se mostra necessária e proporcional, data vênia do entendimento defensivo, devendo ser destacado que os fatos imputados ao custodiado são tipificados como crimes graves, notadamente porque policiais se encontravam em patrulhamento e operação na Comunidade do Sabão quando teriam visto o ora indiciado, o qual, ao perceber a aproximação deles, teria jogado duas sacolas no chão.
Contudo, os brigadinos lograram abordá-lo, sendo que teriam encontrado em sua cintura um rádio comunicador que estaria ligado na frequência do tráfico. Já nas sacolas arrecadadas os policiais teriam encontrado drogas em variedade e em quantidade razoável, cuja forma de acondicionamento é indicativa de traficância. Neste prisma, tudo indica que o restabelecimento da liberdade do custodiado gera ofensa à ordem pública, assim considerado o sentimento de segurança, prometido constitucionalmente, como garantia dos demais direitos dos cidadãos.
Ademais, não há qualquer documento que indicie o exercício de atividade laborativa lícita pelo custodiado.
É de se ressaltar que os fundamentos da prisão cautelar não guardam qualquer similaridade com os fundamentos da prisão por cumprimento de pena. Assim, o "princípio da homogeneidade" não tem aplicação prática nenhuma, sobretudo porque sequer se pode afirmar categoricamente que o indiciado, em caso de eventual condenação, fará jus a uma pena restritiva de direitos. Havendo, como há, risco, aos direitos sociais previstos no artigo 312 do CPP, deverá ser decretada a prisão provisória, independentemente de qualquer pretensão premonitória sobre o resultado de eventual processo, que sequer teve início.
Assim, em razão da gravidade em concreto do crime, em que no total da diligência os policiais teriam encontrado quantidade elevada de drogas, em variedade, tratando-se de 51g de maconha, 41g de crack e de 31g de cocaína, não se olvidando que ele teria ainda sido encontrado com um radiocomunicador ligado numa Comunidade dominada pelo Comando Vermelho, considero que nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP, aplicadas isoladas ou cumulativamente, são suficientes para garantir a ordem pública, ou a aplicação da lei penal. Além disso, também por conveniência da instrução criminal, haja vista a ausência de documentos que comprovam o exercício de atividade laborativa lícita ou endereço domiciliar.
Outrossim, a jurisprudência é assente quanto ao entendimento de que as condições subjetivas favoráveis, como a primariedade, dos indiciados não impõem a soltura caso estejam presentes os requisitos da preventiva, tal qual ocorre na espécie.
Quanto ao apontado tenho que os fatos se confundem com o mérito, o que, com efeito, deve ser objeto de análise pelo juízo natural. Veja que na audiência de custódia não tem como se realizar exame aprofundado do que ocorrera, o que somente pode ser apreciado pelo juízo natural.
De igual forma, sem razão ao sustentar que a ocorrência da Pandemia enfraquece a necessidade da prisão, porquanto, como salientado acima, não se pode perder de vista da gravidade em concreto dos fatos a justificar a medida extrema, ainda mais porque, por ora, inexiste qualquer indicativo de que exista qualquer surto da referida pandemia nas unidades prisionais deste Estado."
Por sua vez, o acórdão impugnado declinou os seguintes fundamentos no que se refere à suspeita de quebra de custódia da prova dos autos (72-76; sem grifos no original):
"No presente caso, o impetrante alega ter havido quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas.
Todavia, para que haja justa causa à deflagração da ação penal não é necessário haver provas contundentes, definitivas, afirmações incisivas ou até mesmo acusações diretas, mas tão somente a presença de indícios suficientes, suspeitas e coincidências factíveis. Ou seja, basta a plausibilidade do direito invocado.
Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, sendo que no Laudo de Exame Prévio de Entorpecente e/ou Psicotrópico de fls. 16/17 consta a seguinte descrição: "Esclarece o Perito que o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre. O material segue para o acautelamento em saco plástico padrão lacrado por este Perito, com numeração 00054410."
Não obstante, o Perito identificou: "Material 1: 41 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 2: 51 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 3: 31 Grama(s) de Cocaína (pó) Amostra: 0,50 Grama(s) Contraprova: 0,50 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Contraprova: 0,50 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Contraprova: 0,50 Grama(s) de Cocaína (pó)". (Grifos nossos).
Como cediço, o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou, ainda, a ausência de justa causa.
Verifica-se, ainda, que a tese defensiva exige análise aprofundada da prova, a qual deve ser efetuada ao longo da instrução criminal e ultrapassa, a toda evidência, os limites estreitos do presente writ."
O entendimento da Corte local encontra-se em harmonia com o posicionamento firmado por esta Corte de Justiça. A análise aprofundada do caminho percorrido na cadeia de custódia da prova é matéria que demanda inserção no contexto fático-probatório do processo-crime, medida incabível na via estreita do habeas corpus, mormente na hipótese, em que a causa principal nem sequer foi sentenciada.
A propósito, conforme concluiu cautelarmente o Magistrado Singular, na decisão em que homologou o flagrante, "conquanto o material tenha sido recebido sem lacre no setor de perícias, certo é que não se pode ignorar que o material objeto da perícia seria compatível com aquele apreendido no momento da diligência policial" (fl. 19; sem grifos no original). Dessa forma, a apreciação exauriente dos elementos de materialidade do delito deverá ser procedida pelo Juiz de primeiro grau, após a completa instrução do processo criminal.
Com igual conclusão, desta Corte:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO OCORRÊNCIA. LAUDO PERICIAL REALIZADO. MATERIALIDADE DO DELITO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. PREMATURO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão vergastada por seus próprios fundamentos." (AgRg no RMS 60.369/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019).
2. Hipótese em que o agravante limita-se a reiterar mesma argumentação lançada nas razões da impetração, sem apresentar qualquer fato novo tendente à modificação do julgado que, por tal razão, deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
3. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal ou inquérito policial por meio do habeas corpus é medida excepcional. Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.
4. O instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita.
5. In casu, embora tenha inicialmente sido dispensada a realização de laudo pericial das drogas apreendidas e determinada a sua incineração, antes da destruição das drogas, foi constatada a necessidade da retirada de amostragem para posterior confecção de laudo pericial definitivo, o que, efetivamente, foi realizado e o laudo foi devidamente juntado aos autos. Tal situação não induz à imprestabilidade da prova, não passando de mera conjectura a afirmação de que há dúvidas sobre se a droga pertence mesmo ao processo no qual o paciente figura como réu.
6. Caso em que a inicial acusatória imputa ao paciente a conduta de trazer consigo 20 buchas de cocaína, totalizando 6 gramas, e uma porção de maconha, com peso total de 30 gramas, estando devidamente narrada a conduta imputada e preliminarmente demonstrada a materialidade e os indícios de autoria, motivo pelo qual se revela prematuro o encerramento da ação penal neste momento.
7. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 615.321/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020; sem grifos no original)
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. OPERAÇÃO ERVA DANINHA. TRÁFICO, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DEMONSTRAÇÃO DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DENOMINADA PCC. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPRESCINDIBILIDADE DEMONSTRADA. NULIDADE. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL DE JÚRI. CONEXÃO ENTRE DELITOS. NÃO OCORRÊNCIA. SITUAÇÕES DIVERSAS, PRATICADAS EM LOCAIS DISTINTOS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Tendo sido indicada a existência da conduta delituosa relacionada à existência de grupo criminoso voltado para a prática de tráfico de drogas e os indícios de autoria, com a individualização das condutas dos acusados, bem como fundamentação concreta, evidenciada no fato de os agravantes serem integrantes de complexa organização criminosa, denominada PCC, não há ilegalidade no decreto prisional.
2. Não se evidencia carência de fundamentação nas decisões que autorizaram interceptações telefônicas, porquanto lastreadas em suporte probatório prévio e especialmente na necessidade e utilidade da medida, nos termos da Lei n. 9.296/96, as quais foram autorizadas diante da existência de indícios da prática delitiva colhidos em investigações policiais prévias, bem como na necessidade de apuração de complexa e estruturada organização criminosa suspeita da prática de Tráfico de drogas e de homicídio, sendo demonstrada a sua imprescindibilidade por não haver outro meio idôneo para apurar os fatos.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a complexidade dos fatos investigados e o considerável número de integrantes justificam a sucessiva prorrogação da interceptação telefônica, o que não caracteriza violação ao art. 5º da Lei 9.296/96.
4. A ausência de documento essencial ao deslinde da controvérsia impede o conhecimento do writ quanto à alegação de ausência de prévio requerimento do Parquet em relação a um dos terminais interceptados, tendo em vista que o Tribunal de origem expressamente indicou a existência deste documento nos autos do HC no 1.0000.20.043993-3/000, impetrado na origem, o qual não foi juntado aos autos.
5. A ausência de assinatura do Magistrado em uma das prorrogações não afasta os elementos indiciários colhidos nas prévias interceptações e nas demais investigações, que são suficientes para a configuração dos indícios de autoria que embasaram a cautelar, indicando a participação do paciente na organização criminosa, não sendo motivo suficiente para afastar o fumus boni iuris, com a consequente revogação da prisão preventiva.
6. Não se verifica manifesta ilegalidade por cerceamento de defesa, pois consta do autos que os impetrantes tiveram amplo acesso ao processo principal e ao processo cautelar de interceptação telefônica, tendo a defesa permanecido cerca de 1 mês com este último, ou por "quebra da cadeia de custódia", pois nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova.
7. Quanto à alegação de competência do Tribunal de Júri, em razão da conexão dos crimes de organização criminosa em exame e um outro de homicídio, não há manifesta ilegalidade, pois não há conexão entre os delitos, pois, assim como decidido pela Corte de origem, tratam-se de situações diversas, praticadas em circunstâncias e em locais diferentes, que apenas foram descobertos em desdobramentos da mesma investigação.
8. Agravo regimental improvido." (AgRg no HC 599.574/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020; sem grifos no original.)
"HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO TEMPORÁRIA CONVERTIDA EM PREVENTIVA. FRAGILIDADE DAS PROVAS DA AUTORIA DELITIVA. VIA INADEQUADA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. CARTÃO DE MEMÓRIA NÃO PRESERVADO. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SEGREGAÇÃO FUNDADA NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI. PERICULOSIDADE CONCRETA. POSSE DIRETA DE ENTORPECENTES. DESNECESSIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES MAIS BRANDAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. WRIT DO QUAL NÃO SE CONHECE.
1. O Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ressalvados os casos de flagrante ilegalidade, quando a ordem poderá ser concedida de ofício.
2. A tese de fragilidade das provas quanto à imputação criminosa é questão que não pode ser dirimida na via sumária do habeas corpus, por demandar o reexame aprofundado dos elementos coletados no curso da instrução criminal, devendo ser solucionada na esfera própria, qual seja, na ação penal a que responde perante o Juiz singular.
3. A alegada quebra da cadeia de custódia, uma vez que o cartão de memória que deu origem às investigações não teria sido preservado de acordo com as regras processuais, não foi alvo de deliberação pela autoridade impetrada, circunstância que impede qualquer manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre o tópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.
4. Não se pode falar de negativa de jurisdição, visto que o Tribunal de origem forneceu fundamentação idônea ao refutar a análise da tese da quebra da cadeia de custódia. Isso porque verificar o caminho percorrido pelo cartão de memória e a correção ou não de todos os procedimentos adotados pela polícia judiciária na apreensão, guarda e posterior extração de informações nele contidas demandaria profundo revolvimento fático-probatório, o que é inviável na via estreita eleita. A questão deve ser dirimida durante a instrução processual e resolvida na decisão final, que estará sujeita aos recursos legalmente previstos.
5. Na espécie, a imputação descreve que o paciente ocupa função na cúpula da organização criminosa apontada, além de ser o responsável por municiar a facção, bem como praticar o tráfico de drogas e recolher os "dízimos" para o grupo enquanto o principal líder esteve preso. Tais circunstâncias indicam que a atividade delitiva não é esporádica ou eventual; ao contrário, demonstram a habitualidade delitiva e profissionalismo ao crime organizado, que denotam a real possibilidade de reiteração, o que justifica a prisão cautelar.
6. O Supremo Tribunal Federal decidiu que "a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (HC n.º 95.024/SP, Primeira Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 20/02/2009).
7. A ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito. Ademais, os delitos de associação ao tráfico e de organização criminosa prescindem de efetiva apreensão de qualquer estupefaciente. Logo, tais imputações per se possibilitam a decretação e manutenção da segregação cautelar, diante do gravoso modus operandi utilizado.
8. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de, isoladamente, revogar a prisão cautelar se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade.
9. Incabível a aplicação de cautelares diversas quando a segregação encontra-se justificada para acautelar o meio social, diante da gravidade efetiva do delito.
10. Habeas corpus do qual não se conhece. Recomenda-se ao Juízo processante que reexamine a necessidade da segregação cautelar, tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei n. 13.964/2019." (HC 536.222/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 04/08/2020; sem grifos no original.)
No mais, quanto aos fundamentos da custódia cautelar, entendo que se encontram presentes os requisitos autorizadores para concessão da ordem no sentido de deferir a aplicação de medidas cautelares diversas do encarceramento.
A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que que toda custódia imposta antes do exaurimento da jurisdição ordinária exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
No caso, o Juízo de primeiro grau decretou a prisão preventiva do Paciente valendo-se da seguinte fundamentação (fls. 19-20; sem grifos no original):
"No que diz respeito à conversão da prisão em flagrante em preventiva, entende este magistrado que a prisão se mostra necessária e proporcional, data vênia do entendimento defensivo, devendo ser destacado que os fatos imputados ao custodiado são tipificados como crimes graves, notadamente porque policiais se encontravam em patrulhamento e operação na Comunidade do Sabão quando teriam visto o ora indiciado, o qual, ao perceber a aproximação deles, teria jogado duas sacolas no chão.
Contudo, os brigadinos lograram abordá-lo, sendo que teriam encontrado em sua cintura um rádio comunicador que estaria ligado na frequência do tráfico. Já nas sacolas arrecadadas os policiais teriam encontrado drogas em variedade e em quantidade razoável, cuja forma de acondicionamento é indicativa de traficância. Neste prisma, tudo indica que o restabelecimento da liberdade do custodiado gera ofensa à ordem pública, assim considerado o sentimento de segurança, prometido constitucionalmente, como garantia dos demais direitos dos cidadãos.
Ademais, não há qualquer documento que indicie o exercício de atividade laborativa lícita pelo custodiado.
É de se ressaltar que os fundamentos da prisão cautelar não guardam qualquer similaridade com os fundamentos da prisão por cumprimento de pena. Assim, o "princípio da homogeneidade" não tem aplicação prática nenhuma, sobretudo porque sequer se pode afirmar categoricamente que o indiciado, em caso de eventual condenação, fará jus a uma pena restritiva de direitos. Havendo, como há, risco, aos direitos sociais previstos no artigo 312 do CPP, deverá ser decretada a prisão provisória, independentemente de qualquer pretensão premonitória sobre o resultado de eventual processo, que sequer teve início.
Assim, em razão da gravidade em concreto do crime, em que no total da diligência os policiais teriam encontrado quantidade elevada de drogas, em variedade, tratando-se de 51g de maconha, 41g de crack e de 31g de cocaína, não se olvidando que ele teria ainda sido encontrado com um radiocomunicador ligado numa Comunidade dominada pelo Comando Vermelho, considero que nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP, aplicadas isoladas ou cumulativamente, são suficientes para garantir a ordem pública, ou a aplicação da lei penal. Além disso, também por conveniência da instrução criminal, haja vista a ausência de documentos que comprovam o exercício de atividade laborativa lícita ou endereço domiciliar.
Outrossim, a jurisprudência é assente quanto ao entendimento de que as condições subjetivas favoráveis, como a primariedade, dos indiciados não impõem a soltura caso estejam presentes os requisitos da preventiva, tal qual ocorre na espécie.
Quanto ao apontado tenho que os fatos se confundem com o mérito, o que, com efeito, deve ser objeto de análise pelo juízo natural. Veja que na audiência de custódia não tem como se realizar exame aprofundado do que ocorrera, o que somente pode ser apreciado pelo juízo natural.
De igual forma, sem razão ao sustentar que a ocorrência da Pandemia enfraquece a necessidade da prisão, porquanto, como salientado acima, não se pode perder de vista da gravidade em concreto dos fatos a justificar a medida extrema, ainda mais porque, por ora, inexiste qualquer indicativo de que exista qualquer surto da referida pandemia nas unidades prisionais deste Estado.
Isto posto, converto a prisão em flagrante em prisão preventiva de ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA. Expeça-se mandado de prisão."
No voto condutor do acórdão ora impugnado, consignou o Relator o que se segue a respeito da prisão do Acusado (fls. 66-75; sem grifos no original):
"A prisão cautelar também se apresenta necessária.
A decisão impugnada encontra-se satisfatoriamente motivada, em estreita consonância com o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, pois a Autoridade apontada como coatora extraiu dos elementos concretos trazidos aos autos a necessidade da medida coercitiva, demonstrando, suficientemente, o preenchimento de todos os requisitos exigidos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.
Dito isso, conforme informações colhidas no sítio eletrônico deste Tribunal de Justiça e de acordo com as informações prestadas pela Autoridade apontada como coatora, às fls. 25, verifica-se que o paciente foi preso em flagrante em 28/10/2020; a prisão foi convertida em preventiva em 29/10/2020; e assim se encontra motivada a decisão impugnada: ..
Inequívoca, portanto, a presença dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, pois o fumus commissi delicti é extraído da prisão em flagrante, da apreensão das drogas e dos depoimentos colhidos em sede policial.
Já o periculum libertatis emerge da necessidade de se garantir a ordem pública e preveni-la de possível reiteração criminosa, haja vista a gravidade concreta dos crimes imputados ao paciente e a sua considerável periculosidade social, mormente pela apreensão de farta quantidade e variedade de entorpecentes de altíssimo potencial lesivo (cocaína e crack), e em local conhecido como ponto de venda de drogas, dominado pela facção criminosa autodenominada "Comando Vermelho".
E a alegação de ofensa ao princípio da homogeneidade não se sustenta, sendo, em princípio, incompatível com o teor da imputação, com a gravidade concreta da conduta cometida e com a via estreita do presente writ."
É certo que, no caso, foi ressaltado que o Paciente é supostamente membro de organização criminosa responsável por grande parte do tráfico de drogas ocorrido no Estado. Todavia, constata-se que, a despeito dessa avaliação individualizada, a quantidade de entorpecentes cuja propriedade foi atribuída ao Paciente - 51g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína - evidencia a suficiência, para acautelar o processo, da fixação de medidas constritivas diversas da prisão, notadamente considerando-se o estado de emergência decorrente da pandemia causada pelo novo coronavírus, o qual torna a segregação ainda mais excepcional.
Mister ressaltar que em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, deliberou-se que determinadas quantidades de drogas ilícitas, embora não possam ser consideradas inexpressivas, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que prisão preventiva é a única medida cautelar adequada.
Considerada essa circunstância, repita-se, a apreensão total de drogas no caso - 51g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína -, ainda que não pudesse ser considerada diminuta, não se mostra apta a demonstrar, por si só, o periculum libertatis do Paciente.
Não parecer destoar dessa conclusão a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, conforme esclarece o seguinte fragmento de decisão proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO (RISTF, art. 37, inciso I) na Medida Cautelar no HC 159.731/SP, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO (DJe 06/08/2018), in litteris:
"Há a considerar, ainda, no caso ora em exame, a pequena quantidade da droga apreendida em poder do paciente - 37 "eppendorfs" de cocaína, equivalentes a 25,5g dessa droga, consoante consignado no boletim de ocorrência lavrado em 30/05/2018 -, circunstância que minimiza eventual gravidade do delito pelo qual foi ele preso em flagrante.
.. .
Impende salientar, tendo em vista a jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal - HC 94.767/RJ, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (12g de maconha) - HC 112.766/SP, Rel. Min. ROSA WEBER (164g de maconha) - HC 123.765/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES (8,89g de maconha) HC 128.566/MG, Red. p/ o acórdão Min. ROBERTO BARROSO (34g de cocaína) - HC 140.454-MC/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (43,1g de maconha) - HC 143.147/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO (158g de cocaína) - HC 144.199-MC/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES (3g de maconha, 2g de cocaína e 2g de crack), v.g. -, que se revela mínima, no caso ora em exame, a quantidade de drogas apreendidas em poder do ora paciente .. .
Cumpre referir, para efeito de mero registro, que a legislação portuguesa, em tema de drogas e substâncias afins, adotou, a partir da edição da Lei nº 30, de 29 de novembro de 2000, medidas despenalizadoras, instituindo, em determinados casos, tratamento médico-ambulatorial ou simples pagamento de multa, além de somente incriminar a conduta configuradora do delito de tráfico de entorpecentes quando o agente possuir substâncias ilícitas cujo total supere "a quantidade necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias" (Lei nº 30/2000, art. 2º, item n. 2)."
Destaco ainda os seguintes precedentes desta Corte, mutatis mutandis:
"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Não obstante o paciente responder a outra ação penal por estelionato - delito que não demonstra periculosidade exacerbada do agente, consigne-se -, a quantidade não excessiva de droga apreendida - 197g (cento e noventa e sete gramas) de maconha e 21g (vinte e um gramas) de cocaína - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional, em observância à regra de progressividade das cautelares de natureza pessoal disposta no art. 282, § 4º, do Código de Processo Penal.
3. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular." (HC 558.767/GO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 18/03/2020; sem grifos no original.)
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE ENTORPECENTES. PACIENTE PRIMÁRIO E COM BONS ANTECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
1. Apesar de as instâncias de origem terem decretado a prisão preventiva com base na quantidade de entorpecente encontrada em poder do Paciente, a quantidade de droga apreendida no caso não é exacerbada (152,3 gramas de maconha e 49 gramas de cocaína) e, portanto, não é capaz de demonstrar, por si só, o periculum libertatis do Paciente.
2. Em diversos julgados recentes, de ambas as turmas especializadas em direito penal, concluiu-se que determinadas quantidades de drogas ilícitas, ainda que não possam ser consideradas inexpressivas, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que prisão preventiva é a única medida cautelar adequada.
3. Deve, ainda, ser considerado o fato de que, até o momento, não consta nos autos registro de antecedentes em desfavor do Paciente e nem há indício de que ele se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa.
4. Ordem de habeas corpus concedida para ratificar a liminar em que foi determinada a soltura do Paciente, se por outro motivo não estivesse preso, advertindo-o da necessidade de permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo de nova decretação de prisão provisória por fato superveniente, caso demonstrada a concreta necessidade da medida, ou da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal), desde que de forma fundamentada." (HC 504.155/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 27/02/2020; sem grifos no original.)
Portanto, é de rigor a soltura, com a possibilidade de substituição da preventiva por medidas cautelares diversas da prisão. No ponto, cito o seguinte julgado, mutatis mutandis:
"AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. REMESSA AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. PROCURADOR DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FORO. PEDIDO DE ENVIO DOS AUTOS AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1º REGIÃO. COMPETÊNCIA PELO LUGAR DOS FATOS. AGRAVO DESPROVIDO. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. REMESSA DETERMINADA AO TRF DA 1ª REGIÃO. PRISÃO PREVENTIVA. MOTIVOS. NÃO SUBSISTÊNCIA. RELAXAMENTO. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA PELA TURMA EM RAZÃO DO EMPATE. EXTENSÃO A CORRÉU NA MESMA SITUAÇÃO.
I - Nos termos do art. 108, I, da Constituição, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originariamente, os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Com base nesse dispositivo, que traz hipótese de competência por prerrogativa de foro, o relator original, Ministro Edson Fachin, determinou a remessa dos autos ao TRF3.
II - Ocorre que, diversamente dos juízes federais, os procuradores da república não estão vinculados necessariamente a um dos Tribunais Regionais Federais. Na época dos fatos, o requerente Ângelo Goulart Villela atuava como Procurador da República exclusivamente no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
III - Assim, aquele tribunal regional é o competente para julgá-lo em razão da competência ratione loci, que deve ser conjugada com a competência por prerrogativa de foro. Ademais, há de se ter em conta o princípio da ampla defesa, do qual decorre ser mais benéfico ao Procurador defender-se no local onde reside, tem domicílio e exerce ou exercia as suas funções.
IV - Não há notícia de que o requerente esteja afetando de qualquer maneira a ordem pública, a ordem econômica, interferindo na instrução criminal ou obstando a aplicação da lei penal.
V - Não mais subsistem, portanto, as razões para manutenção da prisão preventiva.
VI - Ordem concedida, em razão do empate, para fixar a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para julgar o requerente, bem como para revogar sua prisão preventiva, impondo-lhe, com fundamento no art. 319 do Código de Processo Penal, medidas cautelares diversas da prisão.
VII - Extensão da medida a corréu, presente semelhante contexto fático e jurídico." (STF, Pet 7.063/DF, Rel. Ministro EDSON FACHIN, Rel. p/ acórdão Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/08/2017, DJe 05/02/2018; sem grifos no original.)
Conclui-se, à luz dos princípios da cautelaridade, da excepcionalidade e da provisionalidade, não haver risco concreto e atual à ordem e à segurança públicas, ou à garantia da devida tramitação do processo, o que esvazia a necessidade da prisão cautelar. Em outras palavras, observado o binômio proporcionalidade e adequação, é despicienda a custódia extrema decretada.
Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE a ordem de habeas corpus para ratificar a liminar em que determinei a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estivesse preso, com as advertências de que deverá permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderá ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou da superveniência de fatos novos.
É como voto.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Pedi vista dos autos para melhor analisar a tese de nulidade por quebra da cadeia de custódia da prova. Para a impetrante, a droga apreendida foi entregue para a elaboração do laudo pericial sem o necessário lacre, de maneira que devem ser reputados ilícitos os vestígios coletados e, consequentemente, reconhecida a ausência de prova lícita da materialidade delitiva quanto ao crime de tráfico (fl. 10).
A eminente Relatora entendeu que, conforme concluiu cautelarmente o Magistrado Singular na decisão em que homologou o flagrante, não é porque o material apreendido foi encaminhado à perícia sem lacre que deve ser ignorada a constatação de que se tratava de entorpecentes, devendo a análise exauriente dos elementos de materialidade do delito ser procedida pelo Juiz de primeiro grau, após a completa instrução do processo criminal.
Ouso divergir.
Isso porque me parece evidente a ocorrência do alegado vício, sendo plenamente viável o seu reconhecimento nesta oportunidade.
Com efeito, do laudo juntado às fls. 35/36, consta expressamente o esclarecimento, por parte do perito, de que
.. o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre.
Ora, o § 1º do art. 158-D do Código de Processo Penal estabelece a necessidade de que todos os recipientes para o acondicionamento de vestígios sejam selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.
Não vejo como admitir que um material acondicionado em frágil saco plástico incolor, fechado por nó, atenda à exigência do art. 158-D, § 1º, do CPP.
Nesse aspecto, recorro a Clarice Pitombo, que, citando Faustin Hélie, ressalta a importância e a necessidade de se respeitar as normas processuais:
Com efeito, as formas do processo são destinadas, como faróis, a iluminar a marcha da ação judiciária; seu escopo é de impedir os arrebatamentos da Justiça, de circunscrever uma espécie de solenidade a cada um dos passos, de preparar seus atos. Elas devem ser suficientemente poderosas para revelarem a verdade do âmago dos fatos; suficientemente simples para servirem de apoio, e não de obstáculo; suficientemente flexíveis para se curvarem às necessidades de todas as causas; e suficientemente firmes para resistirem às violências, seja dos juízes, seja das partes. Quando reúnem esses caracteres, elas asseguram a liberdade dos indivíduos, por garantirem a sua defesa; dão força aos julgamentos, por serem o penhor da sua imparcialidade; revestem a Justiça de sua majestade, por darem o testemunho da prudência e da sabedoria de seus atos; elas constituem, numa palavra, a própria Justiça, até porque, segundo a expressão de Aryault: "Justiça não é, propriamente, outra coisa que não a formalidade." E desse modo, o legislador tem podido, no correr do tempo, deixar as penas ao arbítrio dos juízes, jamais, porém, abandonar completamente ao seu capricho, as formas de seus julgamentos.
(Op. cit., págs. 183/184)
Tal o contexto, pedindo vênia à Ministra Relatora, voto no sentido de conceder a ordem para reconhecer a ilegalidade da prova apresentada ao perito, decretando-se a nulidade de todo o procedimento dela derivado.
ADITAMENTO AO VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Eminentes pares, apenas para contextualizar a controvérsia, reitero que a Defesa impetrou este writ, com pedido liminar, em favor de ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA contra acórdão proferido no HC n. 0076444-74.2020.8.19.0000 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Consta nos autos que o Paciente, preso em flagrante em 28/10/2020, teve a segregação convertida em preventiva, após ter sido abordado quando supostamente cometia os delitos dos arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006, na forma do art. 69 e c.c. o art. 61, inciso II, alínea "j" do Código Penal. Houve a apreensão de 51 g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína, além de um rádio transmissor utilizado para supostamente conectar-se com traficantes (fl. 18).
A Defesa impetrou prévio habeas corpus perante o Tribunal de origem, no qual ventilou a ilegalidade da prisão preventiva; que houve quebra da cadeia de custódia da prova; e o risco de contaminação do Paciente pela Covid-19 no estabelecimento prisional. O pedido foi denegado, nos termos do acórdão de fls. 68-78, assim ementado (fls. 68-70):
"Habeas Corpus. Imputação dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei n.º 11.343/06. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Pedido de relaxamento da prisão cautelar e de trancamento da ação penal por ausência de justa causa, ou de revogação por inidoneidade de fundamentação do decreto prisional e ausência dos seus pressupostos, além de ofensa ao princípio da homogeneidade. Pedido de imposição de medidas cautelares diversas da prisão, diante da pandemia de COVID-19. Pretensões inconsistentes.
I. Alegação de quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas. Não acolhimento. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de justa causa, o que não se verifica no presente feito. A ausência de embalagem oficial não autoriza o trancamento pretendido. Justa causa consubstanciada nos depoimentos colhidos durante as investigações. Plausibilidade do direito invocado que se faz presente. Análise aprofundada da prova que, a toda evidência, ultrapassa os estreitos limites do presente writ.
II. Decisão satisfatoriamente motivada e alicerçada em elementos concretos, inexistindo qualquer vício a maculá-la. Fumus commissi delicti. Paciente preso em flagrante com quantidade considerável de droga para venda: 41g (quarenta e um gramas) de cocaína, na forma de "crack"; 51g (cinquenta e um gramas) de maconha; e 31 (trinta e um gramas de cocaína em pó, em local conhecido como ponto de venda de drogas dominado por facção criminosa. Circunstâncias que, em princípio, denotam habitualidade na conduta imputada e envolvimento com a criminalidade organizada. Necessidade inequívoca de se garantir a ordem pública diante de provável reiteração criminosa, tendo em vista a gravidade concreta dos delitos imputados. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de restabelecer o status libertatis do indivíduo, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, como no presente caso. Alegação de ofensa ao princípio da homogeneidade que não se sustenta, sendo, em princípio, incompatível com o teor da imputação, com a gravidade concreta da conduta cometida e com a via estreita do presente writ. Pandemia de COVID-19. Adoção de diversas medidas sanitárias e de saúde pública para enfrentamento da emergência em questão. Edição da Portaria Interministerial n.º 07, de 16/03/2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e Saúde, no âmbito do Sistema Prisional, que prevê procedimentos a serem adotados de forma a evitar a propagação do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais. Recomendação n.º 62/20, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, com previsão de que as prisões preventivas, durante a pandemia, hão de ser mantidas em caráter excepcional, o que não significa dizer que os presos deverão ser indistintamente colocados em liberdade ou que somente permanecerão no cárcere aqueles que não se incluam no rol de prioridades elencado pelo CNJ. Até porque, trata-se de mera recomendação, sem força de lei. Paciente que, embora não responda a processo por crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, foi capturado na prática de delitos de extrema gravidade, cujas circunstâncias - prisão na posse de elevada quantidade e variedade de drogas, em local conhecido como ponto de vendas de drogas, dominado por facção criminosa - constituem forte indicativo da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, acrescentando-se que não se trata de paciente que se insira no chamado grupo de risco. Prisão cautelar que não ofende o princípio da presunção de inocência. Verbete n.º 09 das Súmulas do STJ. Ausência de ilegalidade. Ordem denegada."
Daí o presente mandamus, em que a Defesa alegou, em suma, a inidoneidade do decreto prisional, pois há vício nos elementos de materialidade e, em consequência, falta justa causa na hipótese. Sustentou que, conforme certificação pericial, as drogas apreendidas foram entregues para o laudo sem o necessário lacre, de forma que não há como se garantir a lisura da cadeia de custódia.
Asseverou também que a quantidade de entorpecentes encontrada em poder do Paciente é inexpressiva e não justifica a segregação cautelar, sendo evidente o cabimento de medidas cautelares diversas da prisão.
Assim, requereu:
"a) a intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da data da realização do julgamento, permitindo-se, caso haja interesse, a sustentação oral na data do julgamento;
b) seja deferida a liminar com o Relaxamento da Prisão em relação ao Tráfico (art. 33, da Lei 11.343/2006) para que o Paciente aguarde, em liberdade, o julgamento do presente writ;
c) seja concedida a ordem para determinar:
c.1) a anulação do feito desde o inquérito policial, eivado de nulidade, reconhecendo-se a quebra da cadeia de custódia e, por conseguinte, a prova ilícita; ou para c.2) anulá-lo a partir da denúncia, ante sua demonstrada inépcia (falta de justa causa); ou. ainda, c.3) para absolvê-lo do delito tipificado no art. 33, da Lei 11.343/2006, ante a evidente quebra da cadeia de custódia." (fls. 9-10)
Deferi o pedido liminar para determinar a soltura do Paciente em 26/03/2021 (fls. 83-95).
Prestadas as informações, o Ministério Publico Federal opinou pelo não conhecimento ou denegação da ordem (fls. 126-133).
Na sessão de julgamento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ocorrida em 22/06/2021, inicialmente esclareci que persistia o interesse no julgamento deste writ, pois em consulta ao site que o Tribunal a quo mantém na internet, verifiquei que havia sido designada para o dia 09/08/2021 a audiência de instrução e julgamento do Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001.
Daí concedi parcialmente a ordem de habeas corpus, para ratificar a decisão em que deferi liminar para determinar a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estivesse preso, com as advertências de que deveria permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderia ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou da superveniência de fatos novos.
O julgamento não foi concluído nessa ocasião em razão do pedido de vista do eminente Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR.
A situação processual hoje, todavia, é diversa daquela que havia em 22/06/2021, quando ressaltei que a apreciação exauriente dos elementos de materialidade do delito deveria ser procedida pelo Juiz de primeiro grau, após a completa instrução do processo criminal.
Por isso, não há mais interesse de agir quanto ao ventilado vício decorrente da quebra da cadeia de custódia. Em consulta ao site que a Corte de origem mantém na internet, constatei que em 07/10/2021, foi proferida sentença condenatória no Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001. E, conforme jurisprudência desta Corte, a superveniência da sentença prejudica a alegação de nulidade na instrução processual. Cito julgados, mutatis mutandis:
"PENAL E PROCESSO PENAL. .. . CONTRARIEDADE AO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESE DE INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO. PRECEDENTES. .. . AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. .. .
4. "A prolação de sentença condenatória esvai a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia. Isso porque, se, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos ao longo da instrução criminal, já houve um pronunciamento sobre o próprio mérito da persecução penal (denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória), não há mais sentido em se analisar eventual ausência de aptidão da exordial acusatória". (REsp 1347610/RS, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 09/04/2018)
5. .. .
7. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 1217373/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018.)
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES PELA AUSÊNCIA DA JUNTADA DA INTEGRALIDADE DE PROVAS COM QUEBRAS DE SIGILO TELEFÔNICO, PERÍCIAS, DADOS DAS ANTENAS DE CELULARES INTERCEPETADOS, ARGUIVOS DE MÍDIA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PERDA DO OBJETO DO RECURSO EM HABEAS CORPUS. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O recorrente busca o provimento do recurso em habeas corpus, para que seja reconhecida nulidade por cerceamento de defesa pela ausência de juntada aos autos de provas relacionadas às interceptações telefônicas realizadas. Contudo, a superveniência da sentença de pronúncia torna prejudicado o exame de mérito do presente recurso, uma vez que já exaurida a fase instrutória da primeira fase do procedimento submetido ao Tribunal do Júri, no âmbito de regular ação penal, submetida a cognição exauriente, esvaziando o objeto do mandamus, devendo o novo título judicial ser submetido ao crivo judicial pela via processual adequada.
2. Agravo regimental improvido." (AgRg no RHC 127.031/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 24/09/2021.)
"PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. HOMICÍDIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE NO CURSO DO PROCESSO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA E DE ACÓRDÃO QUE JULGOU O RECURSO DE APELAÇÃO ENFRENTANDO O MESMO TEMA. PREJUDICIALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É entendimento desta Corte Superior que o recurso de embargos de declaração, quando oposto com o intuito de conferir efeitos infringentes à decisão embargada e quando inexistir obscuridade, contradição ou omissão, seja recebido como agravo regimental em nome da economia processual, da celeridade e do princípio da fungibilidade; assim, os presentes embargos são recebidos como agravo regimental.
2. "Tratando-se de supostas nulidades ocorridas no curso da instrução criminal, a superveniência de sentença condenatória e, a fortiori, do acórdão que julga a apelação prejudica o exame do habeas corpus. Isso porque o escopo de apreciação do mandamus é substancialmente mais estreito, por se tratar de remédio constitucional que prima pela cognição sumária e rito célere. A notícia de que os mesmos vícios foram, posteriormente à impetração do writ, examinados - e afastados - no âmbito de regular ação penal, submetida a cognição exauriente, esvazia o objeto do mandamus, conforme assinalado na decisão agravada" (AgRg na PET no RHC n. 58.983/SP, relator Ministro ERICSON MARANHO, Desembargador convocado do TJSP, SEXTA TURMA, julgado em 5/4/2016, DJe 19/4/2016).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento." (EDcl no RMS 37.271/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 09/12/2020.)
Dessa forma, eventuais pedidos de reforma dos termos do édito condenatório de primeiro grau, seja para o reconhecimento de nulidade na instrução, seja para a absolvição ou redução das penas, agora deverão ser ventiladas no recurso de apelação, via de impugnação com o espaço cognitivo adequado.
É o que se concluiu, a propósito, do seguinte leading case:
"HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADES. HABEAS CORPUS IMPETRADO NA ORIGEM DE FORMA CONTEMPORÂNEA À APELAÇÃO, AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. MESMO OBJETO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COGNIÇÃO MAIS AMPLA E PROFUNDA DA APELAÇÃO. RACIONALIDADE DO SISTEMA RECURSAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A existência de um complexo sistema recursal no processo penal brasileiro permite à parte prejudicada por decisão judicial submeter ao órgão colegiado competente a revisão do ato jurisdicional, na forma e no prazo previsto em lei. Eventual manejo de habeas corpus, ação constitucional voltada à proteção da liberdade humana, constitui estratégia defensiva válida, sopesadas as vantagens e também os ônus de tal opção.
2. A tutela constitucional e legal da liberdade humana justifica algum temperamento aos rigores formais inerentes aos recursos em geral, mas não dispensa a racionalidade no uso dos instrumentos postos à disposição do acusado ao longo da persecução penal, dada a necessidade de também preservar a funcionalidade do sistema de justiça criminal, cujo poder de julgar de maneira organizada, acurada e correta, permeado pelas limitações materiais e humanas dos órgãos de jurisdição, se vê comprometido - em prejuízo da sociedade e dos jurisdicionados em geral - com o concomitante emprego de dois meios de impugnação com igual pretensão.
3. Sob essa perspectiva, a interposição do recurso cabível contra o ato impugnado e a contemporânea impetração de habeas corpus para igual pretensão somente permitirá o exame do writ se for este destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso em relação ao que é objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente. Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual.
4. A solução deriva da percepção de que o recurso de apelação detém efeito devolutivo amplo e graus de cognição - horizontal e vertical - mais amplo e aprofundado, de modo a permitir que o tribunal a quem se dirige a impugnação examinar, mais acuradamente, todos os aspectos relevantes que subjazem à ação penal. Assim, em princípio, a apelação é a via processual mais adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível, pois é esse o recurso que devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria versada nos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas, com todas as suas nuanças, sem a limitação cognitiva da via mandamental. Igual raciocínio, mutatis mutandis, há de valer para a interposição de habeas corpus juntamente com o manejo de agravo em execução, recurso em sentido estrito, recurso especial e revisão criminal.
5. Quando o recurso de apelação, por qualquer motivo, não for conhecido, a utilização de habeas corpus, de caráter subsidiário, somente será possível depois de proferido o juízo negativo de admissibilidade da apelação pelo Tribunal ad quem, porquanto é indevida a subversão do sistema recursal e a avaliação, enquanto não exaurida a prestação jurisdicional pela instância de origem, de tese defensiva na via estreita do habeas corpus.
6. Na espécie, houve, por esta Corte Superior de Justiça, anterior concessão de habeas corpus em favor do paciente, para o fim de substituir a custódia preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão, de sorte que remanesce a discussão - a desenvolver-se perante o órgão colegiado da instância de origem - somente em relação à pretendida desclassificação da conduta imputada ao acusado, tema que coincide com o pedido formulado no writ.
7. Embora fosse, em tese, possível a análise, em habeas corpus, das matérias aventadas no writ originário e aqui reiteradas - almejada desclassificação da conduta imputada ao paciente para o crime descrito no art. 93 da Lei n. 8.666/1993 (falsidade no curso de procedimento licitatório), com a consequente extinção da sua punibilidade -, mostram-se corretas as ponderações feitas pela Corte de origem, de que a apreciação dessas questões implica considerações que, em razão da sua amplitude, devem ser examinadas em apelação (já interposta).
8. Uma vez que a pretendida desclassificação da conduta imputada ao réu ainda não foi analisada pelo Tribunal de origem, fica impossibilitada a apreciação dessa matéria diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de, se o fizer, suprimir a instância ordinária.
9. Não há, no ato impugnado neste writ, manifesta ilegalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem de habeas corpus, sobretudo porque, à primeira vista, o Juiz sentenciante teria analisado todas as questões processuais e materiais necessárias para a solução da lide.
10. Habeas corpus não conhecido." (STJ, HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020; sem grifos no original.)
Quanto ao pedido de soltura, todavia, o caso é de concessão de habeas corpus de ofício.
Na sentença proferida em 07/10/2021, a Juíza de primeiro grau consignou o que se segue (sem grifos no original):
"Isso posto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR o acusado ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA pela prática dos delitos previstos nos artigos 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 69 do Código Penal.
Artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
1) O Réu é primário e não possuidor de maus antecedentes, consoante sua FAC de fls. 206/211 e 275/280. Não há motivos, assim, para que a sua pena-base seja fixada acima do patamar mínimo legal, qual seja, em 05 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, com o valor unitário do DM no mínimo legal à época dos fatos.
2) Não há incidência de circunstâncias atenuantes, nem agravantes.
3) Deixo de fazer incidir a causa especial de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei 11.343/06 uma vez que o acusado se dedica às atividades criminosas. Note-se que o Réu atuava, segundo consta dos autos, como elemento a serviço da facção criminosa comando vermelho.
Assim, como se sabe, a referida facção criminosa não permite a traficância "avulsa", ou seja, para a prática do tráfico nas comunidades controladas pela associação criminosa é preciso integrá-la, fato que denota que o acusado se dedica às atividades ilícitas. Além disso, também foi condenado pelo crime de associação para o tráfico, o que corrobora que a sua vida é dedicada às práticas criminosas. Não há incidência de causas especiais de diminuição ou aumento de pena, em razão do que torno os limites acima definitivos.
Artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006.
1) O Réu é primário e não possuidor de maus antecedentes consoante sua FAC de fls. 206/211 e 275/280. Não há motivos, assim, para que a pena-base seja fixada acima do seu patamar mínimo legal, qual seja, em 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, com o valor unitário do DM no mínimo legal.
2) Não há incidência de circunstâncias atenuantes, nem agravantes.
3) Tampouco causas de diminuição ou aumento de pena, em razão do que torno os limites acima definitivos.
Os crimes foram praticados na forma do concurso material, em razão do que as penas cominadas devem ser cumuladas, perfazendo-se o total de 08 (oito) anos de reclusão e pagamento de 1200 (mil e duzentos) dias-multa, com o valor unitário do DM no mínimo legal.
Deixo de realizar a detração penal determinada no artigo 387, § 2º, do CPP. Esta magistrada entende que a detração penal na sentença é da competência do Juízo da Execução Penal, uma vez que, em se tratando de cálculo que vise à modificação do regime inicial de cumprimento de pena do condenado, este deve levar em consideração outros critérios além dos aritméticos. .. .
Fixo o regime inicialmente fechado, com fulcro no artigo 33, "b", do CP, a contrario sensu, c/c artigo 2º, § 1º, da lei 8072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007, para cumprimento da pena prisional do acusado.
Tendo em vista a gravidade concreta dos delitos perpetrados pelo acusado, cuja análise foi esmiuçada neste deciso, em que se prolata um Juízo de certeza, entendo que a prisão cautelar se faz necessária para garantia da ordem pública e da aplicação da Lei Penal, com fulcro no artigo 312 do CPP, motivo pelo qual decreto a referida medida.
Expeça-se o respectivo mandado.
Condeno o réu, outrossim, no pagamento das custas processuais, na forma do art. 804 do CPP.
Expeça-se carta de execução de sentença provisória à VEP, na forma da Resolução 113 do Conselho Nacional de Justiça."
Embora não se trate de manutenção da prisão preventiva no título condenatório superveniente (que, a propósito, não produzia efeitos, em razão do provimento liminar que deferi nestes autos), mas de decretação de nova prisão (o que prejudica o pedido original de soltura), reitero que em 26/03/2021 consignei que a quantidade de entorpecentes cuja propriedade foi atribuída ao Paciente evidenciava a suficiência, para acautelar o processo, da fixação de medidas constritivas diversas da prisão, notadamente considerando-se o estado de emergência sanitária decorrente da pandemia causada pelo novo coronavírus, o qual torna a segregação ainda mais excepcional, e que em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, deliberou-se que a apreensão de determinadas quantidades de drogas ilícitas, embora não possam ser consideradas inexpressivas, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que a prisão preventiva é a única medida cautelar adequada, caso não sejam suficientes à demonstração do periculum libertatis.
Por isso, nesse ato, determinei a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estivesse preso, com as advertências de que deveria permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderia ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou da superveniência de fatos novos.
Todavia, como se constata do fragmento da sentença que reproduzi, a Juíza de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva do Paciente, não informou o eventual descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, nem declinou qualquer fato superveniente que justificasse o estabelecimento da cautelar processual mais gravosa.
Portanto, deve ser relaxada a ilegal prisão decorrente do édito condenatório de primeiro grau.
Ante o exposto, reajusto o voto que proferi em 22/06/2021 para julgar PREJUDICADO o pedido. Contudo, CONCEDO ordem de habeas corpus ex officio para determinar a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estiver preso, ou o recolhimento do mandado de prisão cuja expedição foi estabelecida na sentença proferida no Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001; assegurar ao Condenado que permaneça em liberdade até eventual trânsito em julgado, salvo haja o descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou a superveniência de fatos novos; e suspender a expedição ou determinar o recolhimento da guia de execução de sentença provisória à Vara de Execuções Penais.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
I. Razões da impetração
ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou o HC n. 0076444-74.2020.8.19.0000.
Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006.
A defesa aduz, em síntese, que houve quebra da cadeia de custódia, porque, conforme certificado pelo próprio perito, a substância entorpecente foi entregue para perícia sem o necessário lacre, de maneira que não seria possível assegurar que o material apreendido com o acusado seria o mesmo apresentado para fins de realização de exame pericial.
Afirma que "eventual quebra da cadeia de custódia gera, portanto, irrefutável ilicitude da prova a que se refere aquele conjunto de atos, devendo o magistrado reconhecer a sua ilicitude e determinar o consequente desentranhamento dos autos, bem como determinar a extensão da ilicitude quanto a eventuais provas derivadas (fruits of the poisonous tree)" (fl. 9).
Requer, assim, a concessão da ordem, nos seguintes termos (fl. 12):
c.1) a anulação do feito desde o inquérito policial, eivado de nulidade, reconhecendo-se a quebra da cadeia de custódia e, por conseguinte, a prova ilícita; ou para
c.2) anulá-lo a partir da denúncia, ante sua demonstrada inépcia (falta de justa causa); ou, ainda,
c.3) para absolvê-lo do delito tipificado no art. 33, da Lei 11.343/2006, ante a evidente quebra da cadeia de custódia ..
Levado o feito a julgamento, a relatora, Ministra Laurita Vaz, em sessão de julgamento ocorrida em 22/6/2021, votou pela concessão parcial do habeas corpus, para, confirmada a liminar anteriormente deferida, determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estivesse preso, com as advertências de que deveria permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do CPP) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderia ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4º, c/c o art. 316, ambos do CPP) ou da superveniência de fatos novos.
Naquela ocasião, pediu vista dos autos o Ministro Sebastião Reis Júnior. Na sessão do dia 14/10/2021, o ministro apresentou o seu voto, no sentido de conceder a ordem, para reconhecer a ilegalidade da prova apresentada ao perito e decretar a nulidade de todo o procedimento dela derivado. Resumidamente, afirmou Sua Excelência:
Ora, o § 1º do art. 158-D do Código de Processo Penal estabelece a necessidade de que todos os recipientes para o acondicionamento de vestígios sejam selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.
Não vejo como admitir que um material acondicionado em frágil saco plástico incolor, fechado por nó, atenda à exigência do art. 158-D, § 1º, do CPP.
Na sequência, a eminente Ministra relatora apresentou aditamento ao voto, em razão da prolação de sentença condenatória nos autos do processo objeto deste writ. Na oportunidade, salientou que "a superveniência da sentença prejudica a alegação de nulidade na instrução processual", de maneira que "eventuais pedidos de reforma dos termos do édito condenatório de primeiro grau, seja para o reconhecimento de nulidade na instrução, seja para a absolvição ou redução das penas, agora deverão ser ventiladas no recurso de apelação, via de impugnação com o espaço cognitivo adequado".
Por tais razões, reajustou o voto inicialmente proferido, para julgar prejudicado o pedido e, ainda, concedeu habeas corpus, de ofício,
.. para determinar a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estiver preso, ou o recolhimento do mandado de prisão cuja expedição foi estabelecida na sentença proferida no Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001; assegurar ao Condenado que permaneça em liberdade até eventual trânsito em julgado, salvo haja o descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 4º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou a superveniência de fatos novos; e suspender a expedição ou determinar o recolhimento da guia de execução de sentença provisória à Vara de Execuções Penais.
Na ocasião, pedi vista dos autos para melhor análise da matéria posta em discussão.
II. Delimitação da controvérsia
Consta do laudo de exame prévio de entorpecente e/ou psicotrópico juntado à fl. 35, expressamente, o seguinte (destaquei):
Destino do Material:
Esclarece o Perito que o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre./==
O material segue para o acautelamento em saco plástico padrão lacrado por este Perito, com numeração 00054410./==
Portanto, está incontroverso nos autos que, no caso, o material que foi recebido no Departamento de Polícia Técnico-Científica - PRPTC para fins de perícia chegou embalado em frágil saco plástico incolor (do tipo usado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó e desprovido de lacre.
A controvérsia que se estabelece, no entanto, diz respeito às consequências para o processo penal, em relação a este caso concreto, da quebra da cadeia de custódia da prova. Segundo a defesa, " a eventual quebra da cadeia de custódia gera .. irrefutável ilicitude da prova a que se refere aquele conjunto de atos, devendo o magistrado reconhecer a sua ilicitude e determinar o consequente desentranhamento dos autos, bem como determinar a extensão da ilicitude quanto a eventuais provas derivadas (fruits of the poisonous tree)" (fl. 9).
Antes, contudo, de adentrar o cerne da discussão, esclareço que vou divergir, com a máxima vênia, da eminente Ministra relatora, quando afirma que a superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o habeas corpus, em razão da perda do seu objeto. Isso porque os fatos que subjazem à discussão trazida pela defesa acabaram por lastrear a denúncia e toda a persecução penal, além de haver sido ventilados ainda no limiar do processo e de dizer respeito à própria justa causa para a ação penal.
Ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva, por exemplo - que tem natureza rebus sic standibus, isto é, que se caracteriza pelo dinamismo existente na situação de fato que justifica a medida constritiva, a qual deve submeter-se sempre a constante avaliação do magistrado -, o caso dos autos traz hipótese em que houve uma desconformidade entre o procedimento usado na coleta e no acondicionamento de determinadas substâncias supostamente apreendidas com o paciente e o modelo previsto no Código de Processo Penal, fenômeno processual, esse, produzido ainda na fase inquisitorial, que se tornou estático e não modificável e, mais do que isso, que subsidiou a própria comprovação da materialidade e da autoria delitivas.
Assim, a superveniência de sentença condenatória não tem o condão de prejudicar a análise da tese defensiva de que teria havido quebra da cadeia de custódia da prova, ocorrida ainda na fase inquisitorial e, repito, empregada como anteparo ao oferecimento da denúncia - ou, de forma mais ampla, como justa causa para a própria ação penal -, máxime quando verificado que a parte alegou a matéria oportuno tempore, isto é, logo após a sua produção e que essa tese já foi devidamente examinada e debatida pela instância de origem.
Estabelecida, portanto, essa premissa, prossigo no exame da matéria.
III. A cadeia de custódia da prova e as consequências da quebra para o processo penal
Segundo o disposto no art. 158-A do CPP, "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
Doutrinariamente, a cadeia de custódia da prova tem sido conceituada como um "método por meio do qual se pretende preservar a integridade do elemento probatório e assegurar sua autenticidade em contexto de investigação e processo" (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2021, p. 162).
Gustavo Badaró, por sua vez, leciona que "a cadeia de custódia em si deve ser entendida como a sucessão encadeada de pessoas que tiveram contato com a fonte de prova real, desde que foi colhida, até que seja apresentada em juízo" (A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson B. Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D"Plácido, 2018, p. 254). Essa sucessão encadeada, quando registrada, materializa a prova da cadeia de custódia da prova.
Superada a conceituação daquilo que se entende por cadeia de custódia da prova, é imperioso salientar que a autenticação de uma prova é um dos métodos que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela doutrina de princípio da mesmidade. De acordo com Geraldo Prado, Juan Carlos Urazán Bautista - Diretor do Centro de Estudos da Fundação Lux Mundi, em Bogotá -, ao comentar assunto, sublinha: "a cadeia de custódia fundamenta-se no princípio universal de "autenticidade da prova", definido como "lei da mesmidade", isto é, o princípio pelo qual se determina que "o mesmo" que se encontrou na cena do crime é "o mesmo" que se está utilizando para tomar a decisão judicial" (PRADO, Geraldo. op. cit., p. 151). A título de exemplo, a prova da cadeia de custódia permite assegurar que um pacote de drogas apreendido em um flagrante é o mesmo pacote que foi submetido a perícia.
Na ótica da defesa, esse teria sido o princípio descumprido na hipótese dos autos. O questionamento feito pelo impetrante é, em síntese, o seguinte: "se a fonte de prova já chega com "TOTAL INCONFORMIDADE", tendo o perito recebido o material apreendido "DESPROVIDO DO LACRE", como assegurar que, de fato, o mesmo material apreendido com o Paciente é o mesmo apresentado para a realização do competente exame pericial " (fl. 7).
Não se pode olvidar que, consoante bem observa Rodrigo de Andrade Figaro Caldeira, "a preservação da cadeia de custódia das provas e da prova da cadeia de custódia garante o pleno exercício, em especial, do contraditório sobre a prova, possibilitando o rastreamento da prova apresentada e a fiscalização do histórico de posse da prova, a fim de aferir sua autenticidade e integridade" (Cadeia de custódia: arts. 158-A a 158-F do CPP. In: DUTRA, Bruna Martins Amorim; AKERMAN, William (org.). Pacote Anticrime. Análise crítica à luz da Constituição Federal. Revista dos Tribunais, 2021, p. 209-210). Não é por demais lembrar que o princípio do contraditório - previsto no art. 5º, LV, da CF - recebe contorno especial no campo das provas no processo penal, de modo a permitir a participação do réu na formação do convencimento do juiz (art. 155, caput, do CPP).
Com vistas a salvaguardar o potencial epistêmico do processo penal, a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) disciplinou - de maneira, aliás, extremamente minuciosa - uma série de providências que concretizam o desenvolvimento técnico-jurídico da cadeia de custódia.
De forma bastante sintética, pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez, estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios, bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art. 158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio".
Uma das mais relevantes controvérsias que essa alteração legislativa suscita - no que importa especificamente para a análise deste caso concreto - diz respeito às consequências jurídicas, para o processo penal, da quebra da cadeia de custódia da prova (break on the chain of custody) ou do descumprimento formal de uma das exigências feitas pelo legislador no capítulo intitulado "Do exame de corpo de delito, da cadeia de custódia e das perícias em geral": essa quebra acarreta a inadmissibilidade da prova e deve ela (e as dela decorrentes) ser excluída do processo Seria caso de nulidade da prova Em caso afirmativo, deve a defesa comprovar efetivo prejuízo, para que a nulidade seja reconhecida (à luz da máxima pas de nulitté sans grief) Ou deve o juiz aferir se a prova é confiável de acordo com todos os elementos existentes nos autos, a fim de identificar se eles são capazes de demonstrar a sua autenticidade e a sua integridade
Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais.
Na jurisprudência, a temática acerca da cadeia de custódia da prova ganhou maior relevo com o julgamento do HC n. 160.662/RJ (Rel. Ministra Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 17/3/2014) pelo Superior Tribunal de Justiça. Durante a fase investigatória - nos autos da operação deflagrada pela Polícia Federal denominada "Negócio da China", que resultou na denúncia de 14 envolvidos -, foi autorizada a quebra dos sigilos telefônico e telemático dos investigados. No entanto, apesar de haver sido franqueado o acesso aos autos, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi extraviada, ainda na Polícia, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem, com omissão de alguns áudios.
Ao julgar o habeas corpus, a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça concedeu a ordem, "para anular as provas produzidas nas interceptações telefônica e telemática, determinando, ao Juízo de 1º grau, o desentranhamento integral do material colhido, bem como o exame da existência de prova ilícita por derivação, nos termos do art. 157, §§ 1º e 2º, do CPP, procedendo-se ao seu desentranhamento da Ação Penal .. ". Isso porque decidiu-se, na ocasião, que a prova obtida "em razão da perda de sua unidade" ou a "perda da cadeia de custódia da prova" gerava cerceamento do direito de defesa, motivo pelo qual a prova adquirida por meio da interceptação telemática foi considerada ilícita.
Ainda, ponderou-se que, apesar de dispensável a transcrição completa das gravações obtidas, devem ser disponibilizadas integralmente para os acusados as conversas captadas. Concluiu-se, assim, que a apresentação de parte dos áudios e e-mails acarretava violação do princípio da paridade de armas e do direito à prova.
No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas. Bruno Monteiro de Castro Brandão, por exemplo, defende que "o descumprimento de alguma regra legal pode não ensejar a sua automática imprestabilidade, tendo em vista a possibilidade de a fiabilidade ser provada por outros meios. Da mesma forma, a prova pode perder sua fiabilidade sem que se tenha descumprido norma expressa". Isso porque, segundo alerta o autor, o cumprimento formal das regras não impede que alguém (um perito, por exemplo) adultere a prova, caso realmente esteja de má-fé (A quebra da cadeia de custódia e suas consequências. In: CAMBI, Eduardo; SILVA, Danni Sales; MARINELA, Fernanda (org.). Pacote Anticrime. v. II. Curitiba: Escola Superior do MPPR, 2021, p. 111).
Uma segunda linha defende que a violação da cadeia de custódia acarreta a ilicitude da prova e, consequentemente, sua inadmissibilidade. Geraldo Prado, precursor dessa corrente, argumenta que, embora a ausência de fiabilidade probatória não se confunda com a obtenção de prova por meio ilícito, impossibilita o exercício efetivo do contraditório pela parte que deixa de ter acesso ao caminho percorrido pelo elemento probatório, o que atrai as regras de exclusão da prova ilícita. Sem a possibilidade do rastreio da prova, esta perde a confiabilidade. Inclusive, as provas derivadas daquela cuja cadeia de custódia foi violada também devem ser desentranhadas dos autos (art. 157 do CPP), de modo a suscitar o que chamou de "imputação objetiva da ilicitude probatória" (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2. ed. Marcial Pons. São Paulo, 2021, p. 205-211).
Em sentido diverso, há uma corrente que sustenta que a violação da cadeia de custódia decorre da inobservância de normas processuais, o que torna a prova ilegítima; aplica-se, nesse caso, a teoria das nulidades. Exemplificativamente: LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 8. ed. atual. ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 722-723.
Há, ainda, aqueles que sustentam que a questão da violação da cadeia de custódia deve ser tratada no campo da valoração da prova, e não no campo de sua validade. Para os adeptos dessa teoria, a prova da cadeia de custódia, se insuficiente ou inexistente, não torna a prova inadmissível, mas possivelmente mais fraca. Se há uma probabilidade pequena, média ou grande de a prova ser autêntica, seu valor deve ser tomado na medida desta probabilidade, questão essa que diz respeito ao mérito. Ou seja, se a cadeia de custódia tiver sido vulnerada, o juízo deve valorar todos os elementos existentes, a fim de aferir se a prova é confiável. Nesse sentido, Gustavo Badaró argumenta que:
.. as irregularidades da cadeia de custódia não são aptas a causar ilicitude da prova, devendo o problema ser resolvido, com redobrado cuidado e muito maior esforço justificativo, no momento da valoração.
Não é a cadeia de custódia a prova em si. Mas sim uma "prova sobre prova". Sua finalidade é assegurar a autenticidade e integridade da fonte de prova, ou a sua mesmidade. Ela, em si, não se destina a demonstrar a veracidade ou a falsidade de afirmações sobre fatos que integram o thema probandum.
Ainda que com cuidados redobrados, é possível que, mesmo em casos nos quais haja irregularidade na cadeia de custódia, a prova seja aceita e admitida sua produção e valoração.
Por outro lado, no caso de vícios mais graves, em que se tenha dúvidas sobre a autenticidade ou integridade da fonte de prova, em que haja uma probabilidade de que a mesma tenha sido adulterada, substituída ou modificada, isso enfraquecerá seu valor, cabendo ao julgador, motivadamente, fazer tal análise.
(A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson B. Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D"Plácido, 2018, p. 535).
O Código de Processo Penal colombiano, por exemplo, prevê que a inobservância das regras da cadeia de custódia implica a necessidade de que ela seja comprovada por outros meios ("Art. 277. A demonstração da autenticidade dos elementos materiais probatórios e evidência fática não submetidos a cadeia de custódia estará a cargo da parte que os apresente"). Ou seja, o cumprimento do regime legal estabelece presunção de autenticidade da prova, mas o descumprimento do previsto em lei não impede que ela seja demonstrada de outras formas (BRANDÃO, Bruno Monteiro de Castro. A quebra da cadeia de custódia e suas consequências. In: CAMBI, Eduardo; SILVA, Danni Sales; MARINELA, Fernanda (org.). Pacote Anticrime. v. II. Curitiba: Escola Superior do MPPR, 2021, p. 118).
IV. O caso dos autos
No caso, a Corte estadual considerou indevido o encerramento prematuro do processo, com base nos seguintes fundamentos (fls. 72-73, destaques no original):
No presente caso, o impetrante alega ter havido quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas.
Todavia, para que haja justa causa à deflagração da ação penal não é necessário haver provas contundentes, definitivas, afirmações incisivas ou até mesmo acusações diretas, mas tão somente a presença de indícios suficientes, suspeitas e coincidências factíveis. Ou seja, basta a plausibilidade do direito invocado.
Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, sendo que no Laudo de Exame Prévio de Entorpecente e/ou Psicotrópico de fls. 16/17 consta a seguinte descrição: "Esclarece o Perito que o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre.
O material segue para o acautelamento em saco plástico padrão lacrado por este Perito, com numeração 00054410."
Não obstante, o Perito identificou: "Material 1: 41 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 2: 51 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 3: 31 Grama(s) de Cocaína (pó) Amostra: 0,50 Grama(s) Contraprova: 0,50 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Contraprova: 0,50 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Contraprova: 0,50 Grama(s) de Cocaína (pó)". (Grifos nossos).
Como cediço, o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou, ainda, a ausência de justa causa.
Verifica-se, ainda, que a tese defensiva exige análise aprofundada da prova, a qual deve ser efetuada ao longo da instrução criminal e ultrapassa, a toda evidência, os limites estreitos do presente writ.
Depois do aditamento ao voto apresentado pela eminente Ministra relatora, a diligente defesa - muito bem representada, aliás, pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro - trouxe aos autos cópia da sentença condenatória (fls. 163-174).
Pela leitura do referido decisum, é possível identificar que o Juiz sentenciante, ao concluir pela materialidade do crime de tráfico de drogas, assim fundamentou: "as provas trazidas aos autos são bem seguras, de modo a não suscitarem qualquer incerteza. O Auto de Apreensão de fls. 17/18 e o Laudo de Exame de Entorpecente acostado às fls. 19/21 revelam a natureza entorpecente das substâncias recolhidas e examinadas, nos termos da legislação complementar em vigor, concluindo os Srs. Peritos tratar-se de Cannabis sativa L. ("maconha"), cloridrato de cocaína e cocaína compactada ("crack")" (fl. 165, destaquei).
Por sua vez, ao entender devidamente comprovada a autoria do delito, salientou que "as provas constantes dos autos são bem convincentes, mostrando a reprovável conduta do denunciado. Efetivamente, resultou bem claro que o réu possuía as substâncias entorpecentes para comercializar" (fl. 165).
Logo na sequência, para justificar a sua compreensão, o Magistrado fez referência aos depoimentos prestados em juízo pelos dois policiais militares que participaram das diligências que culminaram com a prisão em flagrante do paciente (PM Alex Hanna El Hage e PM Cristiano Azevedo Rodrigues), bem como ao depoimento prestado pelo acusado também em juízo.
Pelo depoimento dos policiais, é possível depreender que, no dia dos fatos, houve uma operação na Comunidade do Sabão, com o objetivo de "impor a ordem e garantir o direito de ir e vir da população local, subjugada aos marginais daquela comunidade, que colocam barricadas e fazem uso de arma de fogo" (fl. 166). Ambos os policiais asseguraram que foi encontrado um rádio comunicador preso na cintura do réu, que estava ligado e conectado na frequência do tráfico local. No entanto, apenas um deles afirmou que "viram quando o acusado se desfez das sacolas e correu; que não se recorda o que o acusado disse no momento da abordagem" (fl. 166). O outro militar, por sua vez, declarou, em juízo, que "as sacolas com o material entorpecente estavam próximas ao denunciado; .. que o conduziram à delegacia juntamente com o material arrecadado; que o local onde o acusado estava é conhecido como ponto de venda de drogas; que o réu confessou que exercia a função de "atividade"; que as sacolas com as drogas foram encontradas no chão e não viu o acusado dispensando o material" (fl. 166).
Ou seja, pelos depoimentos prestados pelos agentes estatais em juízo, não é possível identificar, com precisão, se as substâncias apreendidas realmente estavam com o paciente já desde o início e, no momento da chegada dos policiais, elas foram por ele dispensadas no chão, ou se as sacolas com as substâncias simplesmente estavam próximas a ele e poderiam eventualmente pertencer a outro traficante que estava no local dos fatos.
E essa imprecisão é relevante por quê Porque o réu, em juízo, negou parcialmente os fatos que lhe foram atribuídos na denúncia e confessou, tão somente, que exercia a função de olheiro para o tráfico local. Assim declarou (fl. 166, grifei):
Pelo Juízo foi perguntado e respondido que: tem trinta anos de idade; que não é verdadeira a acusação; que, no dia dos fatos, realmente estava na Rua Desidério de Oliveira, sentado em um banco, próximo a um bar, onde fica o ponto de monitoramento do tráfico local; que controla a entrada de policiais e de outros carros para informar à "boca de fumo" da comunidade; que a facção que domina o local é o comando vermelho; que já viu as armas de fogo; que ganhava cem reais por noite; que não sabe a respeito da droga encontrada; que não trabalha mais para o tráfico; que agora trabalha em um ferro-velho, catando sucata; que já respondeu por porte de arma, uma faca e um facão. Pelo Ministério Público nada foi perguntado. Pela Defesa nada foi perguntado. (Interrogatório do acusado Alexandre Rodrigues da Silveira).
Vale dizer, o paciente, em juízo, em nenhum momento admitiu a posse ou a propriedade das drogas. Mais que isso, afirmou que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada e que não trabalhava mais para o narcotráfico ("que agora trabalha em um ferro-velho, catando sucata" - fl. 166).
Diante disso, exsurge bastante relevante, especificamente para o desfecho deste caso concreto, o fato de o material recebido no Departamento de Polícia Técnico-Científica - PRPTC haver chegado embalado em frágil saco plástico incolor (do tipo usado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó e desprovido de lacre.
Com a mais respeitosa vênia àqueles que defendem a tese de que a violação da cadeia de custódia implica, de plano e por si só, a inadmissibilidade ou a nulidade da prova, de modo a atrair as regras de exclusão da prova ilícita, parece-me mais adequada aquela posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido.
No caso, o fato de a substância haver chegado para perícia em um saquinho de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, fragiliza, na verdade, a própria pretensão acusatória, porquanto não permite identificar, com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização de exame pericial e, por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. Não se garantiu a inviolabilidade e a idoneidade dos vestígios coletados (art. 158-D, § 1º, do CPP). A integralidade do lacre não é uma medida meramente protocolar; é, antes, a segurança de que o material não foi manipulado, adulterado ou substituído, tanto que somente o perito poderá realizar seu rompimento para análise, ou outra pessoa autorizada, quando houver motivos (art. 158-D, § 3º, do CPP).
Não se foi criterioso, na hipótese dos autos, com a implementação das medidas de apropriação dos elementos probatórios e em sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada.
Mais do que isso, sopesados todos os elementos produzidos ao longo da instrução criminal, verifica-se a debilidade ou a fragilidade do material probatório residual, porque, conforme salientado, além de o réu haver afirmado em juízo que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada, ambos os policiais militares, ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram uníssonos e claros o bastante em afirmar se a droga apreendida realmente estava em poder do paciente ou se a ele pertencia (o PM Cristiano Azevedo Rodrigues declarou que as sacolas com as drogas foram encontradas no chão e não viu o acusado dispensando o material - fl. 166).
Em outros termos, conforme deflui da sentença condenatória, não houve outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de tráfico de drogas que foi imputado ao acusado. Não é por demais lembrar que a atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar quaisquer dúvidas sobre a existência do crime e a autoria responsável, o que, em minha compreensão, não ocorreu no caso dos autos. Deveria a acusação, diante do descumprimento do disposto no art. 158-D, § 3º, do CPP, haver suprido as irregularidades por meio de outros elementos probatórios, de maneira que, ao não o fazer, não há como subsistir a condenação do paciente no tocante ao delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
Situação diversa seria, por exemplo, se, mesmo que a substância houvesse chegado para perícia em um saquinho de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, o réu houvesse admitido, em juízo, a posse das drogas e a comercialização das substâncias entorpecentes a terceiros, e os depoimentos prestados em juízo pelos policiais responsáveis pela abordagem houvessem avalizado o conjunto de elementos colhidos na investigação, disponíveis para a defesa com a máxima segurança possível de que a substância submetida à perícia fora a mesma efetivamente apreendida por ocasião do flagrante.
Não é despiciendo lembrar que, em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei). Afinal, "A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune" (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 85).
Reitero, no entanto, que não foi a simples inobservância do procedimento previsto no art. 158-D, § 1º, do CPP que, ipso facto, me levou a concluir pela absolvição do réu em relação ao crime de tráfico de drogas; ao contrário, foi a ausência de outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do delito a ele imputado.
Vale frisar que a questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, podemos ter diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal.
Por fim, esclareço que, ao menos por ora, permanece hígida a condenação do paciente no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), porque, além de ele próprio haver admitido, em juízo, que atuava como "olheiro do tráfico de drogas e, assim, confirmando, que o local dos fatos era dominado pela facção criminosa denominada Comando Vermelho (fl. 168), esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente (v. g., HC n. 441.712/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi; RHC n. 93.498/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti).
Contudo, porque proclamada a absolvição do paciente em relação ao crime de tráfico de drogas, entendo que deve ser a ele assegurado o direito de aguardar no regime aberto o julgamento da apelação criminal. Isso porque era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e, em relação a esse ilícito, foi condenado à reprimenda de 3 anos de reclusão (fl. 173). Caso não haja recurso do Ministério Público contra a sentença condenatória (ou, se houver e ele for improvido) e a sanção permaneça nesse patamar, fica definitivo o regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
V. Dispositivo
À vista do exposto, peço vênia à eminente Ministra relatora, para conceder a ordem de habeas corpus, a fim de absolver o paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0219295-36.2020.8.19.0001. Ainda, fica assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Diante do que expôs o eminente Ministro Rogério Schietti, retifico meu voto. Como bem disse o Ministro Schietti, a inobservância das regras do art. 158-D, § 1º, do Código de Processo Penal, a ensejar a quebra da cadeia de custódia, aliada à insuficiência do material probatório residual para fins de afirmação da autoria delitiva, conduz à conclusão pela necessidade de absolvição do réu quanto ao crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Outrossim, subsistindo apenas a condenação pelo crime de associação para o tráfico, para a qual foi estabelecida reprimenda de 3 anos de reclusão, e em se tratando de agente primário, com bons antecedentes e que teve a pena-base fixada no mínimo legal, mostra-se adequada a remoção do acusado ao regime aberto.
Assim, voto por conceder a ordem de habeas corpus para absolver o paciente no tocante ao crime de tráfico de drogas, ficando assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, prosseguindo no julgamento após o voto vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz concedendo a ordem, sendo acompanhado pelo Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª da Região), e da retificação de voto do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior no mesmo sentido, por maioria, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Antonio Saldanha Palheiro e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região). Votou vencida a Sra. Ministra Laurita Vaz.
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA contra acórdão proferido no HC n. 0076444-74.2020.8.19.0000 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Consta nos autos que o Paciente, preso em flagrante em 28/10/2020, teve a segregação convertida em preventiva, após ter sido abordado quando supostamente cometia os delitos dos arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006, na forma do art. 69 e c.c. o art. 61, inciso II, alínea "j" do Código Penal. Houve a apreensão de 51 g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína, além de um rádio transmissor utilizado para supostamente conectar-se com traficantes (fl. 18).
A Defesa impetrou prévio writ perante o Tribunal de origem, no qual ventilou a ilegalidade da prisão preventiva, que houve quebra da cadeia de custódia da prova, e o risco de contaminação do Paciente pela Covid-19 no estabelecimento prisional. O pedido foi denegado, nos termos do acórdão de fls. 68-78, assim ementado (fls. 68-70):
"Habeas Corpus. Imputação dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei n.º 11.343/06. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Pedido de relaxamento da prisão cautelar e de trancamento da ação penal por ausência de justa causa, ou de revogação por inidoneidade de fundamentação do decreto prisional e ausência dos seus pressupostos, além de ofensa ao princípio da homogeneidade. Pedido de imposição de medidas cautelares diversas da prisão, diante da pandemia de COVID-19. Pretensões inconsistentes.
I. Alegação de quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas. Não acolhimento. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de justa causa, o que não se verifica no presente feito. A ausência de embalagem oficial não autoriza o trancamento pretendido. Justa causa consubstanciada nos depoimentos colhidos durante as investigações. Plausibilidade do direito invocado que se faz presente. Análise aprofundada da prova que, a toda evidência, ultrapassa os estreitos limites do presente writ.
II. Decisão satisfatoriamente motivada e alicerçada em elementos concretos, inexistindo qualquer vício a maculá-la. Fumus commissi delicti. Paciente preso em flagrante com quantidade considerável de droga para venda: 41g (quarenta e um gramas) de cocaína, na forma de "crack"; 51g (cinquenta e um gramas) de maconha; e 31 (trinta e um gramas de cocaína em pó, em local conhecido como ponto de venda de drogas dominado por facção criminosa. Circunstâncias que, em princípio, denotam habitualidade na conduta imputada e envolvimento com a criminalidade organizada. Necessidade inequívoca de se garantir a ordem pública diante de provável reiteração criminosa, tendo em vista a gravidade concreta dos delitos imputados. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de restabelecer o status libertatis do indivíduo, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, como no presente caso. Alegação de ofensa ao princípio da homogeneidade que não se sustenta, sendo, em princípio, incompatível com o teor da imputação, com a gravidade concreta da conduta cometida e com a via estreita do presente writ. Pandemia de COVID-19. Adoção de diversas medidas sanitárias e de saúde pública para enfrentamento da emergência em questão. Edição da Portaria Interministerial n.º 07, de 16/03/2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e Saúde, no âmbito do Sistema Prisional, que prevê procedimentos a serem adotados de forma a evitar a propagação do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais. Recomendação n.º 62/20, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, com previsão de que as prisões preventivas, durante a pandemia, hão de ser mantidas em caráter excepcional, o que não significa dizer que os presos deverão ser indistintamente colocados em liberdade ou que somente permanecerão no cárcere aqueles que não se incluam no rol de prioridades elencado pelo CNJ. Até porque, trata-se de mera recomendação, sem força de lei. Paciente que, embora não responda a processo por crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, foi capturado na prática de delitos de extrema gravidade, cujas circunstâncias - prisão na posse de elevada quantidade e variedade de drogas, em local conhecido como ponto de vendas de drogas, dominado por facção criminosa - constituem forte indicativo da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, acrescentando-se que não se trata de paciente que se insira no chamado grupo de risco. Prisão cautelar que não ofende o princípio da presunção de inocência. Verbete n.º 09 das Súmulas do STJ. Ausência de ilegalidade. Ordem denegada."
Daí o presente mandamus, em que a Defesa alega, em suma, a inidoneidade do decreto prisional, pois há vício nos elementos de materialidade e, em consequência, falta justa causa na hipótese. Conforme certificação pericial, as drogas apreendidas foram entregues para o laudo sem o necessário lacre, de forma que não há como se garantir a lisura da cadeia de custódia.
Assevera também que a quantidade de entorpecentes encontrada em poder do Paciente é inexpressiva e não justifica a segregação cautelar, sendo evidente o cabimento de medidas cautelares diversas da prisão.
Assim, requer:
"a) a intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da data da realização do julgamento, permitindo-se, caso haja interesse, a sustentação oral na data do julgamento;
b) seja deferida a liminar com o Relaxamento da Prisão em relação ao Tráfico (art. 33, da Lei 11.343/2006) para que o Paciente aguarde, em liberdade, o julgamento do presente writ;
c) seja concedida a ordem para determinar:
c.1) a anulação do feito desde o inquérito policial, eivado de nulidade, reconhecendo-se a quebra da cadeia de custódia e, por conseguinte, a prova ilícita; ou para c.2) anulá-lo a partir da denúncia, ante sua demonstrada inépcia (falta de justa causa); ou. ainda, c.3) para absolvê-lo do delito tipificado no art. 33, da Lei 11.343/2006, ante a evidente quebra da cadeia de custódia." (fls. 9-10)
Deferi o pedido liminar para determinar a soltura do Paciente em 26/03/2021 (fls. 83-95).
Prestadas as informações, o Ministério Publico Federal opinou pelo não conhecimento ou denegação da ordem (fls. 126-133).
Esclareço, no mais, que persiste o interesse no julgamento deste writ, pois em consulta ao site que o Tribunal a quo mantém na internet, foi designada para o dia 09/08/2021 a audiência de instrução e julgamento do Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001.
É o relatório.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
Inicialmente, no que se refere à conduta do Paciente e à suposta quebra da cadeia de custódia das drogas apreendidas como prova, no decreto prisional, o Juiz da causa consignou o que se segue (fls. 18-19; sem grifos no original.):
"Primeiramente, deve ser consignado que o custodiado afirma não ter sofrido agressão física no momento da diligência.
Compulsando os autos, verifico que da narrativa apresentada no registro de ocorrência, vislumbra-se que o custodiado fora preso em flagrante delito pela prática, em tese, dos crimes dos art. 33 e 35 da Lei 11.343/06, sendo certo que a opinio delicti ainda não foi apresentada pelo Ministério Público com atribuição.
A prisão em flagrante é regular, tendo sido observados os exatos termos dos art. 10 e 13 do CPP.
Em relação ao pedido de relaxamento da prisão sustentando por quebra da cadeia de custódia indefiro, já que a questão não é manifesta e conquanto o material tenha sido recebido sem lacre no setor de perícias, certo é que não se pode ignorar que o material objeto da perícia seria compatível com aquele apreendido no momento da diligência policial. Logo, por desafiar a questão a instrução probatória, não reconheço a tese de ilegalidade que não é manifesta.
No que diz respeito à conversão da prisão em flagrante em preventiva, entende este magistrado que a prisão se mostra necessária e proporcional, data vênia do entendimento defensivo, devendo ser destacado que os fatos imputados ao custodiado são tipificados como crimes graves, notadamente porque policiais se encontravam em patrulhamento e operação na Comunidade do Sabão quando teriam visto o ora indiciado, o qual, ao perceber a aproximação deles, teria jogado duas sacolas no chão.
Contudo, os brigadinos lograram abordá-lo, sendo que teriam encontrado em sua cintura um rádio comunicador que estaria ligado na frequência do tráfico. Já nas sacolas arrecadadas os policiais teriam encontrado drogas em variedade e em quantidade razoável, cuja forma de acondicionamento é indicativa de traficância. Neste prisma, tudo indica que o restabelecimento da liberdade do custodiado gera ofensa à ordem pública, assim considerado o sentimento de segurança, prometido constitucionalmente, como garantia dos demais direitos dos cidadãos.
Ademais, não há qualquer documento que indicie o exercício de atividade laborativa lícita pelo custodiado.
É de se ressaltar que os fundamentos da prisão cautelar não guardam qualquer similaridade com os fundamentos da prisão por cumprimento de pena. Assim, o "princípio da homogeneidade" não tem aplicação prática nenhuma, sobretudo porque sequer se pode afirmar categoricamente que o indiciado, em caso de eventual condenação, fará jus a uma pena restritiva de direitos. Havendo, como há, risco, aos direitos sociais previstos no artigo 312 do CPP, deverá ser decretada a prisão provisória, independentemente de qualquer pretensão premonitória sobre o resultado de eventual processo, que sequer teve início.
Assim, em razão da gravidade em concreto do crime, em que no total da diligência os policiais teriam encontrado quantidade elevada de drogas, em variedade, tratando-se de 51g de maconha, 41g de crack e de 31g de cocaína, não se olvidando que ele teria ainda sido encontrado com um radiocomunicador ligado numa Comunidade dominada pelo Comando Vermelho, considero que nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP, aplicadas isoladas ou cumulativamente, são suficientes para garantir a ordem pública, ou a aplicação da lei penal. Além disso, também por conveniência da instrução criminal, haja vista a ausência de documentos que comprovam o exercício de atividade laborativa lícita ou endereço domiciliar.
Outrossim, a jurisprudência é assente quanto ao entendimento de que as condições subjetivas favoráveis, como a primariedade, dos indiciados não impõem a soltura caso estejam presentes os requisitos da preventiva, tal qual ocorre na espécie.
Quanto ao apontado tenho que os fatos se confundem com o mérito, o que, com efeito, deve ser objeto de análise pelo juízo natural. Veja que na audiência de custódia não tem como se realizar exame aprofundado do que ocorrera, o que somente pode ser apreciado pelo juízo natural.
De igual forma, sem razão ao sustentar que a ocorrência da Pandemia enfraquece a necessidade da prisão, porquanto, como salientado acima, não se pode perder de vista da gravidade em concreto dos fatos a justificar a medida extrema, ainda mais porque, por ora, inexiste qualquer indicativo de que exista qualquer surto da referida pandemia nas unidades prisionais deste Estado."
Por sua vez, o acórdão impugnado declinou os seguintes fundamentos no que se refere à suspeita de quebra de custódia da prova dos autos (72-76; sem grifos no original):
"No presente caso, o impetrante alega ter havido quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas.
Todavia, para que haja justa causa à deflagração da ação penal não é necessário haver provas contundentes, definitivas, afirmações incisivas ou até mesmo acusações diretas, mas tão somente a presença de indícios suficientes, suspeitas e coincidências factíveis. Ou seja, basta a plausibilidade do direito invocado.
Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, sendo que no Laudo de Exame Prévio de Entorpecente e/ou Psicotrópico de fls. 16/17 consta a seguinte descrição: "Esclarece o Perito que o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre. O material segue para o acautelamento em saco plástico padrão lacrado por este Perito, com numeração 00054410."
Não obstante, o Perito identificou: "Material 1: 41 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 2: 51 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 3: 31 Grama(s) de Cocaína (pó) Amostra: 0,50 Grama(s) Contraprova: 0,50 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Contraprova: 0,50 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Contraprova: 0,50 Grama(s) de Cocaína (pó)". (Grifos nossos).
Como cediço, o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou, ainda, a ausência de justa causa.
Verifica-se, ainda, que a tese defensiva exige análise aprofundada da prova, a qual deve ser efetuada ao longo da instrução criminal e ultrapassa, a toda evidência, os limites estreitos do presente writ."
O entendimento da Corte local encontra-se em harmonia com o posicionamento firmado por esta Corte de Justiça. A análise aprofundada do caminho percorrido na cadeia de custódia da prova é matéria que demanda inserção no contexto fático-probatório do processo-crime, medida incabível na via estreita do habeas corpus, mormente na hipótese, em que a causa principal nem sequer foi sentenciada.
A propósito, conforme concluiu cautelarmente o Magistrado Singular, na decisão em que homologou o flagrante, "conquanto o material tenha sido recebido sem lacre no setor de perícias, certo é que não se pode ignorar que o material objeto da perícia seria compatível com aquele apreendido no momento da diligência policial" (fl. 19; sem grifos no original). Dessa forma, a apreciação exauriente dos elementos de materialidade do delito deverá ser procedida pelo Juiz de primeiro grau, após a completa instrução do processo criminal.
Com igual conclusão, desta Corte:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO OCORRÊNCIA. LAUDO PERICIAL REALIZADO. MATERIALIDADE DO DELITO DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. PREMATURO TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão vergastada por seus próprios fundamentos." (AgRg no RMS 60.369/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019).
2. Hipótese em que o agravante limita-se a reiterar mesma argumentação lançada nas razões da impetração, sem apresentar qualquer fato novo tendente à modificação do julgado que, por tal razão, deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
3. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal ou inquérito policial por meio do habeas corpus é medida excepcional. Por isso, será cabível somente quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito.
4. O instituto da quebra da cadeia de custódia diz respeito à idoneidade do caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade. Tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita.
5. In casu, embora tenha inicialmente sido dispensada a realização de laudo pericial das drogas apreendidas e determinada a sua incineração, antes da destruição das drogas, foi constatada a necessidade da retirada de amostragem para posterior confecção de laudo pericial definitivo, o que, efetivamente, foi realizado e o laudo foi devidamente juntado aos autos. Tal situação não induz à imprestabilidade da prova, não passando de mera conjectura a afirmação de que há dúvidas sobre se a droga pertence mesmo ao processo no qual o paciente figura como réu.
6. Caso em que a inicial acusatória imputa ao paciente a conduta de trazer consigo 20 buchas de cocaína, totalizando 6 gramas, e uma porção de maconha, com peso total de 30 gramas, estando devidamente narrada a conduta imputada e preliminarmente demonstrada a materialidade e os indícios de autoria, motivo pelo qual se revela prematuro o encerramento da ação penal neste momento.
7. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 615.321/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020; sem grifos no original)
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. OPERAÇÃO ERVA DANINHA. TRÁFICO, ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DEMONSTRAÇÃO DOS INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA DENOMINADA PCC. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPRESCINDIBILIDADE DEMONSTRADA. NULIDADE. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. COMPETÊNCIA. TRIBUNAL DE JÚRI. CONEXÃO ENTRE DELITOS. NÃO OCORRÊNCIA. SITUAÇÕES DIVERSAS, PRATICADAS EM LOCAIS DISTINTOS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Tendo sido indicada a existência da conduta delituosa relacionada à existência de grupo criminoso voltado para a prática de tráfico de drogas e os indícios de autoria, com a individualização das condutas dos acusados, bem como fundamentação concreta, evidenciada no fato de os agravantes serem integrantes de complexa organização criminosa, denominada PCC, não há ilegalidade no decreto prisional.
2. Não se evidencia carência de fundamentação nas decisões que autorizaram interceptações telefônicas, porquanto lastreadas em suporte probatório prévio e especialmente na necessidade e utilidade da medida, nos termos da Lei n. 9.296/96, as quais foram autorizadas diante da existência de indícios da prática delitiva colhidos em investigações policiais prévias, bem como na necessidade de apuração de complexa e estruturada organização criminosa suspeita da prática de Tráfico de drogas e de homicídio, sendo demonstrada a sua imprescindibilidade por não haver outro meio idôneo para apurar os fatos.
3. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a complexidade dos fatos investigados e o considerável número de integrantes justificam a sucessiva prorrogação da interceptação telefônica, o que não caracteriza violação ao art. 5º da Lei 9.296/96.
4. A ausência de documento essencial ao deslinde da controvérsia impede o conhecimento do writ quanto à alegação de ausência de prévio requerimento do Parquet em relação a um dos terminais interceptados, tendo em vista que o Tribunal de origem expressamente indicou a existência deste documento nos autos do HC no 1.0000.20.043993-3/000, impetrado na origem, o qual não foi juntado aos autos.
5. A ausência de assinatura do Magistrado em uma das prorrogações não afasta os elementos indiciários colhidos nas prévias interceptações e nas demais investigações, que são suficientes para a configuração dos indícios de autoria que embasaram a cautelar, indicando a participação do paciente na organização criminosa, não sendo motivo suficiente para afastar o fumus boni iuris, com a consequente revogação da prisão preventiva.
6. Não se verifica manifesta ilegalidade por cerceamento de defesa, pois consta do autos que os impetrantes tiveram amplo acesso ao processo principal e ao processo cautelar de interceptação telefônica, tendo a defesa permanecido cerca de 1 mês com este último, ou por "quebra da cadeia de custódia", pois nenhum elemento veio aos autos a demonstrar que houve adulteração da prova, alteração na ordem cronológica dos diálogos ou mesmo interferência de quem quer que seja, a ponto de invalidar a prova.
7. Quanto à alegação de competência do Tribunal de Júri, em razão da conexão dos crimes de organização criminosa em exame e um outro de homicídio, não há manifesta ilegalidade, pois não há conexão entre os delitos, pois, assim como decidido pela Corte de origem, tratam-se de situações diversas, praticadas em circunstâncias e em locais diferentes, que apenas foram descobertos em desdobramentos da mesma investigação.
8. Agravo regimental improvido." (AgRg no HC 599.574/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 27/11/2020; sem grifos no original.)
"HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ORDINÁRIO CABÍVEL. IMPOSSIBILIDADE. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO TEMPORÁRIA CONVERTIDA EM PREVENTIVA. FRAGILIDADE DAS PROVAS DA AUTORIA DELITIVA. VIA INADEQUADA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. CARTÃO DE MEMÓRIA NÃO PRESERVADO. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SEGREGAÇÃO FUNDADA NO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI. PERICULOSIDADE CONCRETA. POSSE DIRETA DE ENTORPECENTES. DESNECESSIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES MAIS BRANDAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. WRIT DO QUAL NÃO SE CONHECE.
1. O Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir o manejo do habeas corpus originário em substituição ao recurso ordinário cabível, entendimento que foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, ressalvados os casos de flagrante ilegalidade, quando a ordem poderá ser concedida de ofício.
2. A tese de fragilidade das provas quanto à imputação criminosa é questão que não pode ser dirimida na via sumária do habeas corpus, por demandar o reexame aprofundado dos elementos coletados no curso da instrução criminal, devendo ser solucionada na esfera própria, qual seja, na ação penal a que responde perante o Juiz singular.
3. A alegada quebra da cadeia de custódia, uma vez que o cartão de memória que deu origem às investigações não teria sido preservado de acordo com as regras processuais, não foi alvo de deliberação pela autoridade impetrada, circunstância que impede qualquer manifestação do Superior Tribunal de Justiça sobre o tópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.
4. Não se pode falar de negativa de jurisdição, visto que o Tribunal de origem forneceu fundamentação idônea ao refutar a análise da tese da quebra da cadeia de custódia. Isso porque verificar o caminho percorrido pelo cartão de memória e a correção ou não de todos os procedimentos adotados pela polícia judiciária na apreensão, guarda e posterior extração de informações nele contidas demandaria profundo revolvimento fático-probatório, o que é inviável na via estreita eleita. A questão deve ser dirimida durante a instrução processual e resolvida na decisão final, que estará sujeita aos recursos legalmente previstos.
5. Na espécie, a imputação descreve que o paciente ocupa função na cúpula da organização criminosa apontada, além de ser o responsável por municiar a facção, bem como praticar o tráfico de drogas e recolher os "dízimos" para o grupo enquanto o principal líder esteve preso. Tais circunstâncias indicam que a atividade delitiva não é esporádica ou eventual; ao contrário, demonstram a habitualidade delitiva e profissionalismo ao crime organizado, que denotam a real possibilidade de reiteração, o que justifica a prisão cautelar.
6. O Supremo Tribunal Federal decidiu que "a necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva" (HC n.º 95.024/SP, Primeira Turma, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 20/02/2009).
7. A ausência de apreensão de drogas na posse direta do agente não afasta a materialidade do delito de tráfico quando estiver delineada a sua ligação com outros integrantes da mesma organização criminosa que mantinham a guarda dos estupefacientes destinados ao comércio proscrito. Ademais, os delitos de associação ao tráfico e de organização criminosa prescindem de efetiva apreensão de qualquer estupefaciente. Logo, tais imputações per se possibilitam a decretação e manutenção da segregação cautelar, diante do gravoso modus operandi utilizado.
8. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de, isoladamente, revogar a prisão cautelar se há nos autos elementos suficientes a demonstrar a sua necessidade.
9. Incabível a aplicação de cautelares diversas quando a segregação encontra-se justificada para acautelar o meio social, diante da gravidade efetiva do delito.
10. Habeas corpus do qual não se conhece. Recomenda-se ao Juízo processante que reexamine a necessidade da segregação cautelar, tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei n. 13.964/2019." (HC 536.222/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 04/08/2020; sem grifos no original.)
No mais, quanto aos fundamentos da custódia cautelar, entendo que se encontram presentes os requisitos autorizadores para concessão da ordem no sentido de deferir a aplicação de medidas cautelares diversas do encarceramento.
A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que que toda custódia imposta antes do exaurimento da jurisdição ordinária exige concreta fundamentação, nos termos do disposto no art. 312 do Código de Processo Penal.
No caso, o Juízo de primeiro grau decretou a prisão preventiva do Paciente valendo-se da seguinte fundamentação (fls. 19-20; sem grifos no original):
"No que diz respeito à conversão da prisão em flagrante em preventiva, entende este magistrado que a prisão se mostra necessária e proporcional, data vênia do entendimento defensivo, devendo ser destacado que os fatos imputados ao custodiado são tipificados como crimes graves, notadamente porque policiais se encontravam em patrulhamento e operação na Comunidade do Sabão quando teriam visto o ora indiciado, o qual, ao perceber a aproximação deles, teria jogado duas sacolas no chão.
Contudo, os brigadinos lograram abordá-lo, sendo que teriam encontrado em sua cintura um rádio comunicador que estaria ligado na frequência do tráfico. Já nas sacolas arrecadadas os policiais teriam encontrado drogas em variedade e em quantidade razoável, cuja forma de acondicionamento é indicativa de traficância. Neste prisma, tudo indica que o restabelecimento da liberdade do custodiado gera ofensa à ordem pública, assim considerado o sentimento de segurança, prometido constitucionalmente, como garantia dos demais direitos dos cidadãos.
Ademais, não há qualquer documento que indicie o exercício de atividade laborativa lícita pelo custodiado.
É de se ressaltar que os fundamentos da prisão cautelar não guardam qualquer similaridade com os fundamentos da prisão por cumprimento de pena. Assim, o "princípio da homogeneidade" não tem aplicação prática nenhuma, sobretudo porque sequer se pode afirmar categoricamente que o indiciado, em caso de eventual condenação, fará jus a uma pena restritiva de direitos. Havendo, como há, risco, aos direitos sociais previstos no artigo 312 do CPP, deverá ser decretada a prisão provisória, independentemente de qualquer pretensão premonitória sobre o resultado de eventual processo, que sequer teve início.
Assim, em razão da gravidade em concreto do crime, em que no total da diligência os policiais teriam encontrado quantidade elevada de drogas, em variedade, tratando-se de 51g de maconha, 41g de crack e de 31g de cocaína, não se olvidando que ele teria ainda sido encontrado com um radiocomunicador ligado numa Comunidade dominada pelo Comando Vermelho, considero que nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão previstas no artigo 319 do CPP, aplicadas isoladas ou cumulativamente, são suficientes para garantir a ordem pública, ou a aplicação da lei penal. Além disso, também por conveniência da instrução criminal, haja vista a ausência de documentos que comprovam o exercício de atividade laborativa lícita ou endereço domiciliar.
Outrossim, a jurisprudência é assente quanto ao entendimento de que as condições subjetivas favoráveis, como a primariedade, dos indiciados não impõem a soltura caso estejam presentes os requisitos da preventiva, tal qual ocorre na espécie.
Quanto ao apontado tenho que os fatos se confundem com o mérito, o que, com efeito, deve ser objeto de análise pelo juízo natural. Veja que na audiência de custódia não tem como se realizar exame aprofundado do que ocorrera, o que somente pode ser apreciado pelo juízo natural.
De igual forma, sem razão ao sustentar que a ocorrência da Pandemia enfraquece a necessidade da prisão, porquanto, como salientado acima, não se pode perder de vista da gravidade em concreto dos fatos a justificar a medida extrema, ainda mais porque, por ora, inexiste qualquer indicativo de que exista qualquer surto da referida pandemia nas unidades prisionais deste Estado.
Isto posto, converto a prisão em flagrante em prisão preventiva de ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA. Expeça-se mandado de prisão."
No voto condutor do acórdão ora impugnado, consignou o Relator o que se segue a respeito da prisão do Acusado (fls. 66-75; sem grifos no original):
"A prisão cautelar também se apresenta necessária.
A decisão impugnada encontra-se satisfatoriamente motivada, em estreita consonância com o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, pois a Autoridade apontada como coatora extraiu dos elementos concretos trazidos aos autos a necessidade da medida coercitiva, demonstrando, suficientemente, o preenchimento de todos os requisitos exigidos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal.
Dito isso, conforme informações colhidas no sítio eletrônico deste Tribunal de Justiça e de acordo com as informações prestadas pela Autoridade apontada como coatora, às fls. 25, verifica-se que o paciente foi preso em flagrante em 28/10/2020; a prisão foi convertida em preventiva em 29/10/2020; e assim se encontra motivada a decisão impugnada: ..
Inequívoca, portanto, a presença dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, pois o fumus commissi delicti é extraído da prisão em flagrante, da apreensão das drogas e dos depoimentos colhidos em sede policial.
Já o periculum libertatis emerge da necessidade de se garantir a ordem pública e preveni-la de possível reiteração criminosa, haja vista a gravidade concreta dos crimes imputados ao paciente e a sua considerável periculosidade social, mormente pela apreensão de farta quantidade e variedade de entorpecentes de altíssimo potencial lesivo (cocaína e crack), e em local conhecido como ponto de venda de drogas, dominado pela facção criminosa autodenominada "Comando Vermelho".
E a alegação de ofensa ao princípio da homogeneidade não se sustenta, sendo, em princípio, incompatível com o teor da imputação, com a gravidade concreta da conduta cometida e com a via estreita do presente writ."
É certo que, no caso, foi ressaltado que o Paciente é supostamente membro de organização criminosa responsável por grande parte do tráfico de drogas ocorrido no Estado. Todavia, constata-se que, a despeito dessa avaliação individualizada, a quantidade de entorpecentes cuja propriedade foi atribuída ao Paciente - 51g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína - evidencia a suficiência, para acautelar o processo, da fixação de medidas constritivas diversas da prisão, notadamente considerando-se o estado de emergência decorrente da pandemia causada pelo novo coronavírus, o qual torna a segregação ainda mais excepcional.
Mister ressaltar que em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, deliberou-se que determinadas quantidades de drogas ilícitas, embora não possam ser consideradas inexpressivas, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que prisão preventiva é a única medida cautelar adequada.
Considerada essa circunstância, repita-se, a apreensão total de drogas no caso - 51g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína -, ainda que não pudesse ser considerada diminuta, não se mostra apta a demonstrar, por si só, o periculum libertatis do Paciente.
Não parecer destoar dessa conclusão a orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, conforme esclarece o seguinte fragmento de decisão proferida pelo Ministro CELSO DE MELLO (RISTF, art. 37, inciso I) na Medida Cautelar no HC 159.731/SP, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO (DJe 06/08/2018), in litteris:
"Há a considerar, ainda, no caso ora em exame, a pequena quantidade da droga apreendida em poder do paciente - 37 "eppendorfs" de cocaína, equivalentes a 25,5g dessa droga, consoante consignado no boletim de ocorrência lavrado em 30/05/2018 -, circunstância que minimiza eventual gravidade do delito pelo qual foi ele preso em flagrante.
.. .
Impende salientar, tendo em vista a jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal - HC 94.767/RJ, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (12g de maconha) - HC 112.766/SP, Rel. Min. ROSA WEBER (164g de maconha) - HC 123.765/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES (8,89g de maconha) HC 128.566/MG, Red. p/ o acórdão Min. ROBERTO BARROSO (34g de cocaína) - HC 140.454-MC/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI (43,1g de maconha) - HC 143.147/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO (158g de cocaína) - HC 144.199-MC/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES (3g de maconha, 2g de cocaína e 2g de crack), v.g. -, que se revela mínima, no caso ora em exame, a quantidade de drogas apreendidas em poder do ora paciente .. .
Cumpre referir, para efeito de mero registro, que a legislação portuguesa, em tema de drogas e substâncias afins, adotou, a partir da edição da Lei nº 30, de 29 de novembro de 2000, medidas despenalizadoras, instituindo, em determinados casos, tratamento médico-ambulatorial ou simples pagamento de multa, além de somente incriminar a conduta configuradora do delito de tráfico de entorpecentes quando o agente possuir substâncias ilícitas cujo total supere "a quantidade necessária para consumo médio individual durante o período de 10 dias" (Lei nº 30/2000, art. 2º, item n. 2)."
Destaco ainda os seguintes precedentes desta Corte, mutatis mutandis:
"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. REITERAÇÃO DELITIVA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. PROPORCIONALIDADE.
1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Não obstante o paciente responder a outra ação penal por estelionato - delito que não demonstra periculosidade exacerbada do agente, consigne-se -, a quantidade não excessiva de droga apreendida - 197g (cento e noventa e sete gramas) de maconha e 21g (vinte e um gramas) de cocaína - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional, em observância à regra de progressividade das cautelares de natureza pessoal disposta no art. 282, § 4º, do Código de Processo Penal.
3. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular." (HC 558.767/GO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 18/03/2020; sem grifos no original.)
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA DE ENTORPECENTES. PACIENTE PRIMÁRIO E COM BONS ANTECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. LIMINAR RATIFICADA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA.
1. Apesar de as instâncias de origem terem decretado a prisão preventiva com base na quantidade de entorpecente encontrada em poder do Paciente, a quantidade de droga apreendida no caso não é exacerbada (152,3 gramas de maconha e 49 gramas de cocaína) e, portanto, não é capaz de demonstrar, por si só, o periculum libertatis do Paciente.
2. Em diversos julgados recentes, de ambas as turmas especializadas em direito penal, concluiu-se que determinadas quantidades de drogas ilícitas, ainda que não possam ser consideradas inexpressivas, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que prisão preventiva é a única medida cautelar adequada.
3. Deve, ainda, ser considerado o fato de que, até o momento, não consta nos autos registro de antecedentes em desfavor do Paciente e nem há indício de que ele se dedique a atividades criminosas ou integre organização criminosa.
4. Ordem de habeas corpus concedida para ratificar a liminar em que foi determinada a soltura do Paciente, se por outro motivo não estivesse preso, advertindo-o da necessidade de permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo de nova decretação de prisão provisória por fato superveniente, caso demonstrada a concreta necessidade da medida, ou da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal), desde que de forma fundamentada." (HC 504.155/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/02/2020, DJe 27/02/2020; sem grifos no original.)
Portanto, é de rigor a soltura, com a possibilidade de substituição da preventiva por medidas cautelares diversas da prisão. No ponto, cito o seguinte julgado, mutatis mutandis:
"AGRAVO REGIMENTAL. PETIÇÃO. INQUÉRITO. DESMEMBRAMENTO. REMESSA AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO. PROCURADOR DA REPÚBLICA. COMPETÊNCIA POR PRERROGATIVA DE FORO. PEDIDO DE ENVIO DOS AUTOS AO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1º REGIÃO. COMPETÊNCIA PELO LUGAR DOS FATOS. AGRAVO DESPROVIDO. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. COMPETÊNCIA RATIONE LOCI. REMESSA DETERMINADA AO TRF DA 1ª REGIÃO. PRISÃO PREVENTIVA. MOTIVOS. NÃO SUBSISTÊNCIA. RELAXAMENTO. IMPOSIÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. ORDEM CONCEDIDA PELA TURMA EM RAZÃO DO EMPATE. EXTENSÃO A CORRÉU NA MESMA SITUAÇÃO.
I - Nos termos do art. 108, I, da Constituição, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originariamente, os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Com base nesse dispositivo, que traz hipótese de competência por prerrogativa de foro, o relator original, Ministro Edson Fachin, determinou a remessa dos autos ao TRF3.
II - Ocorre que, diversamente dos juízes federais, os procuradores da república não estão vinculados necessariamente a um dos Tribunais Regionais Federais. Na época dos fatos, o requerente Ângelo Goulart Villela atuava como Procurador da República exclusivamente no âmbito do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
III - Assim, aquele tribunal regional é o competente para julgá-lo em razão da competência ratione loci, que deve ser conjugada com a competência por prerrogativa de foro. Ademais, há de se ter em conta o princípio da ampla defesa, do qual decorre ser mais benéfico ao Procurador defender-se no local onde reside, tem domicílio e exerce ou exercia as suas funções.
IV - Não há notícia de que o requerente esteja afetando de qualquer maneira a ordem pública, a ordem econômica, interferindo na instrução criminal ou obstando a aplicação da lei penal.
V - Não mais subsistem, portanto, as razões para manutenção da prisão preventiva.
VI - Ordem concedida, em razão do empate, para fixar a competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região para julgar o requerente, bem como para revogar sua prisão preventiva, impondo-lhe, com fundamento no art. 319 do Código de Processo Penal, medidas cautelares diversas da prisão.
VII - Extensão da medida a corréu, presente semelhante contexto fático e jurídico." (STF, Pet 7.063/DF, Rel. Ministro EDSON FACHIN, Rel. p/ acórdão Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/08/2017, DJe 05/02/2018; sem grifos no original.)
Conclui-se, à luz dos princípios da cautelaridade, da excepcionalidade e da provisionalidade, não haver risco concreto e atual à ordem e à segurança públicas, ou à garantia da devida tramitação do processo, o que esvazia a necessidade da prisão cautelar. Em outras palavras, observado o binômio proporcionalidade e adequação, é despicienda a custódia extrema decretada.
Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE a ordem de habeas corpus para ratificar a liminar em que determinei a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estivesse preso, com as advertências de que deverá permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderá ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou da superveniência de fatos novos.
É como voto.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Pedi vista dos autos para melhor analisar a tese de nulidade por quebra da cadeia de custódia da prova. Para a impetrante, a droga apreendida foi entregue para a elaboração do laudo pericial sem o necessário lacre, de maneira que devem ser reputados ilícitos os vestígios coletados e, consequentemente, reconhecida a ausência de prova lícita da materialidade delitiva quanto ao crime de tráfico (fl. 10).
A eminente Relatora entendeu que, conforme concluiu cautelarmente o Magistrado Singular na decisão em que homologou o flagrante, não é porque o material apreendido foi encaminhado à perícia sem lacre que deve ser ignorada a constatação de que se tratava de entorpecentes, devendo a análise exauriente dos elementos de materialidade do delito ser procedida pelo Juiz de primeiro grau, após a completa instrução do processo criminal.
Ouso divergir.
Isso porque me parece evidente a ocorrência do alegado vício, sendo plenamente viável o seu reconhecimento nesta oportunidade.
Com efeito, do laudo juntado às fls. 35/36, consta expressamente o esclarecimento, por parte do perito, de que
.. o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre.
Ora, o § 1º do art. 158-D do Código de Processo Penal estabelece a necessidade de que todos os recipientes para o acondicionamento de vestígios sejam selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.
Não vejo como admitir que um material acondicionado em frágil saco plástico incolor, fechado por nó, atenda à exigência do art. 158-D, § 1º, do CPP.
Nesse aspecto, recorro a Clarice Pitombo, que, citando Faustin Hélie, ressalta a importância e a necessidade de se respeitar as normas processuais:
Com efeito, as formas do processo são destinadas, como faróis, a iluminar a marcha da ação judiciária; seu escopo é de impedir os arrebatamentos da Justiça, de circunscrever uma espécie de solenidade a cada um dos passos, de preparar seus atos. Elas devem ser suficientemente poderosas para revelarem a verdade do âmago dos fatos; suficientemente simples para servirem de apoio, e não de obstáculo; suficientemente flexíveis para se curvarem às necessidades de todas as causas; e suficientemente firmes para resistirem às violências, seja dos juízes, seja das partes. Quando reúnem esses caracteres, elas asseguram a liberdade dos indivíduos, por garantirem a sua defesa; dão força aos julgamentos, por serem o penhor da sua imparcialidade; revestem a Justiça de sua majestade, por darem o testemunho da prudência e da sabedoria de seus atos; elas constituem, numa palavra, a própria Justiça, até porque, segundo a expressão de Aryault: "Justiça não é, propriamente, outra coisa que não a formalidade." E desse modo, o legislador tem podido, no correr do tempo, deixar as penas ao arbítrio dos juízes, jamais, porém, abandonar completamente ao seu capricho, as formas de seus julgamentos.
(Op. cit., págs. 183/184)
Tal o contexto, pedindo vênia à Ministra Relatora, voto no sentido de conceder a ordem para reconhecer a ilegalidade da prova apresentada ao perito, decretando-se a nulidade de todo o procedimento dela derivado.
ADITAMENTO AO VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Eminentes pares, apenas para contextualizar a controvérsia, reitero que a Defesa impetrou este writ, com pedido liminar, em favor de ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA contra acórdão proferido no HC n. 0076444-74.2020.8.19.0000 pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Consta nos autos que o Paciente, preso em flagrante em 28/10/2020, teve a segregação convertida em preventiva, após ter sido abordado quando supostamente cometia os delitos dos arts. 33, caput, e 35 da Lei n. 11.343/2006, na forma do art. 69 e c.c. o art. 61, inciso II, alínea "j" do Código Penal. Houve a apreensão de 51 g (cinquenta e um gramas) de maconha, 41g (quarenta e um gramas) de crack e 31g (trinta e um gramas) de cocaína, além de um rádio transmissor utilizado para supostamente conectar-se com traficantes (fl. 18).
A Defesa impetrou prévio habeas corpus perante o Tribunal de origem, no qual ventilou a ilegalidade da prisão preventiva; que houve quebra da cadeia de custódia da prova; e o risco de contaminação do Paciente pela Covid-19 no estabelecimento prisional. O pedido foi denegado, nos termos do acórdão de fls. 68-78, assim ementado (fls. 68-70):
"Habeas Corpus. Imputação dos crimes previstos nos artigos 33, caput, e 35, ambos da Lei n.º 11.343/06. Prisão em flagrante convertida em preventiva. Pedido de relaxamento da prisão cautelar e de trancamento da ação penal por ausência de justa causa, ou de revogação por inidoneidade de fundamentação do decreto prisional e ausência dos seus pressupostos, além de ofensa ao princípio da homogeneidade. Pedido de imposição de medidas cautelares diversas da prisão, diante da pandemia de COVID-19. Pretensões inconsistentes.
I. Alegação de quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas. Não acolhimento. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou a ausência de justa causa, o que não se verifica no presente feito. A ausência de embalagem oficial não autoriza o trancamento pretendido. Justa causa consubstanciada nos depoimentos colhidos durante as investigações. Plausibilidade do direito invocado que se faz presente. Análise aprofundada da prova que, a toda evidência, ultrapassa os estreitos limites do presente writ.
II. Decisão satisfatoriamente motivada e alicerçada em elementos concretos, inexistindo qualquer vício a maculá-la. Fumus commissi delicti. Paciente preso em flagrante com quantidade considerável de droga para venda: 41g (quarenta e um gramas) de cocaína, na forma de "crack"; 51g (cinquenta e um gramas) de maconha; e 31 (trinta e um gramas de cocaína em pó, em local conhecido como ponto de venda de drogas dominado por facção criminosa. Circunstâncias que, em princípio, denotam habitualidade na conduta imputada e envolvimento com a criminalidade organizada. Necessidade inequívoca de se garantir a ordem pública diante de provável reiteração criminosa, tendo em vista a gravidade concreta dos delitos imputados. Condições pessoais favoráveis não têm o condão de restabelecer o status libertatis do indivíduo, quando presentes os pressupostos da prisão preventiva, como no presente caso. Alegação de ofensa ao princípio da homogeneidade que não se sustenta, sendo, em princípio, incompatível com o teor da imputação, com a gravidade concreta da conduta cometida e com a via estreita do presente writ. Pandemia de COVID-19. Adoção de diversas medidas sanitárias e de saúde pública para enfrentamento da emergência em questão. Edição da Portaria Interministerial n.º 07, de 16/03/2020, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e Saúde, no âmbito do Sistema Prisional, que prevê procedimentos a serem adotados de forma a evitar a propagação do vírus no interior dos estabelecimentos prisionais. Recomendação n.º 62/20, expedida pelo Conselho Nacional de Justiça, com previsão de que as prisões preventivas, durante a pandemia, hão de ser mantidas em caráter excepcional, o que não significa dizer que os presos deverão ser indistintamente colocados em liberdade ou que somente permanecerão no cárcere aqueles que não se incluam no rol de prioridades elencado pelo CNJ. Até porque, trata-se de mera recomendação, sem força de lei. Paciente que, embora não responda a processo por crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, foi capturado na prática de delitos de extrema gravidade, cujas circunstâncias - prisão na posse de elevada quantidade e variedade de drogas, em local conhecido como ponto de vendas de drogas, dominado por facção criminosa - constituem forte indicativo da inadequação ou insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, acrescentando-se que não se trata de paciente que se insira no chamado grupo de risco. Prisão cautelar que não ofende o princípio da presunção de inocência. Verbete n.º 09 das Súmulas do STJ. Ausência de ilegalidade. Ordem denegada."
Daí o presente mandamus, em que a Defesa alegou, em suma, a inidoneidade do decreto prisional, pois há vício nos elementos de materialidade e, em consequência, falta justa causa na hipótese. Sustentou que, conforme certificação pericial, as drogas apreendidas foram entregues para o laudo sem o necessário lacre, de forma que não há como se garantir a lisura da cadeia de custódia.
Asseverou também que a quantidade de entorpecentes encontrada em poder do Paciente é inexpressiva e não justifica a segregação cautelar, sendo evidente o cabimento de medidas cautelares diversas da prisão.
Assim, requereu:
"a) a intimação pessoal da Defensoria Pública acerca da data da realização do julgamento, permitindo-se, caso haja interesse, a sustentação oral na data do julgamento;
b) seja deferida a liminar com o Relaxamento da Prisão em relação ao Tráfico (art. 33, da Lei 11.343/2006) para que o Paciente aguarde, em liberdade, o julgamento do presente writ;
c) seja concedida a ordem para determinar:
c.1) a anulação do feito desde o inquérito policial, eivado de nulidade, reconhecendo-se a quebra da cadeia de custódia e, por conseguinte, a prova ilícita; ou para c.2) anulá-lo a partir da denúncia, ante sua demonstrada inépcia (falta de justa causa); ou. ainda, c.3) para absolvê-lo do delito tipificado no art. 33, da Lei 11.343/2006, ante a evidente quebra da cadeia de custódia." (fls. 9-10)
Deferi o pedido liminar para determinar a soltura do Paciente em 26/03/2021 (fls. 83-95).
Prestadas as informações, o Ministério Publico Federal opinou pelo não conhecimento ou denegação da ordem (fls. 126-133).
Na sessão de julgamento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça ocorrida em 22/06/2021, inicialmente esclareci que persistia o interesse no julgamento deste writ, pois em consulta ao site que o Tribunal a quo mantém na internet, verifiquei que havia sido designada para o dia 09/08/2021 a audiência de instrução e julgamento do Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001.
Daí concedi parcialmente a ordem de habeas corpus, para ratificar a decisão em que deferi liminar para determinar a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estivesse preso, com as advertências de que deveria permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderia ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou da superveniência de fatos novos.
O julgamento não foi concluído nessa ocasião em razão do pedido de vista do eminente Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR.
A situação processual hoje, todavia, é diversa daquela que havia em 22/06/2021, quando ressaltei que a apreciação exauriente dos elementos de materialidade do delito deveria ser procedida pelo Juiz de primeiro grau, após a completa instrução do processo criminal.
Por isso, não há mais interesse de agir quanto ao ventilado vício decorrente da quebra da cadeia de custódia. Em consulta ao site que a Corte de origem mantém na internet, constatei que em 07/10/2021, foi proferida sentença condenatória no Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001. E, conforme jurisprudência desta Corte, a superveniência da sentença prejudica a alegação de nulidade na instrução processual. Cito julgados, mutatis mutandis:
"PENAL E PROCESSO PENAL. .. . CONTRARIEDADE AO ART. 41 DO CPP. INÉPCIA DA DENÚNCIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. TESE DE INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO. PRECEDENTES. .. . AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. .. .
4. "A prolação de sentença condenatória esvai a análise do pretendido reconhecimento de inépcia da denúncia. Isso porque, se, após toda a análise do conjunto fático-probatório amealhado aos autos ao longo da instrução criminal, já houve um pronunciamento sobre o próprio mérito da persecução penal (denotando, ipso facto, a plena aptidão da inicial acusatória), não há mais sentido em se analisar eventual ausência de aptidão da exordial acusatória". (REsp 1347610/RS, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 09/04/2018)
5. .. .
7. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no AREsp 1217373/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/04/2018, DJe 11/05/2018.)
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADES PELA AUSÊNCIA DA JUNTADA DA INTEGRALIDADE DE PROVAS COM QUEBRAS DE SIGILO TELEFÔNICO, PERÍCIAS, DADOS DAS ANTENAS DE CELULARES INTERCEPETADOS, ARGUIVOS DE MÍDIA. SUPERVENIÊNCIA DA SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PERDA DO OBJETO DO RECURSO EM HABEAS CORPUS. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O recorrente busca o provimento do recurso em habeas corpus, para que seja reconhecida nulidade por cerceamento de defesa pela ausência de juntada aos autos de provas relacionadas às interceptações telefônicas realizadas. Contudo, a superveniência da sentença de pronúncia torna prejudicado o exame de mérito do presente recurso, uma vez que já exaurida a fase instrutória da primeira fase do procedimento submetido ao Tribunal do Júri, no âmbito de regular ação penal, submetida a cognição exauriente, esvaziando o objeto do mandamus, devendo o novo título judicial ser submetido ao crivo judicial pela via processual adequada.
2. Agravo regimental improvido." (AgRg no RHC 127.031/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 24/09/2021.)
"PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. HOMICÍDIO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE NO CURSO DO PROCESSO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA E DE ACÓRDÃO QUE JULGOU O RECURSO DE APELAÇÃO ENFRENTANDO O MESMO TEMA. PREJUDICIALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É entendimento desta Corte Superior que o recurso de embargos de declaração, quando oposto com o intuito de conferir efeitos infringentes à decisão embargada e quando inexistir obscuridade, contradição ou omissão, seja recebido como agravo regimental em nome da economia processual, da celeridade e do princípio da fungibilidade; assim, os presentes embargos são recebidos como agravo regimental.
2. "Tratando-se de supostas nulidades ocorridas no curso da instrução criminal, a superveniência de sentença condenatória e, a fortiori, do acórdão que julga a apelação prejudica o exame do habeas corpus. Isso porque o escopo de apreciação do mandamus é substancialmente mais estreito, por se tratar de remédio constitucional que prima pela cognição sumária e rito célere. A notícia de que os mesmos vícios foram, posteriormente à impetração do writ, examinados - e afastados - no âmbito de regular ação penal, submetida a cognição exauriente, esvazia o objeto do mandamus, conforme assinalado na decisão agravada" (AgRg na PET no RHC n. 58.983/SP, relator Ministro ERICSON MARANHO, Desembargador convocado do TJSP, SEXTA TURMA, julgado em 5/4/2016, DJe 19/4/2016).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento." (EDcl no RMS 37.271/MG, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2020, DJe 09/12/2020.)
Dessa forma, eventuais pedidos de reforma dos termos do édito condenatório de primeiro grau, seja para o reconhecimento de nulidade na instrução, seja para a absolvição ou redução das penas, agora deverão ser ventiladas no recurso de apelação, via de impugnação com o espaço cognitivo adequado.
É o que se concluiu, a propósito, do seguinte leading case:
"HABEAS CORPUS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. NULIDADES. HABEAS CORPUS IMPETRADO NA ORIGEM DE FORMA CONTEMPORÂNEA À APELAÇÃO, AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. MESMO OBJETO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COGNIÇÃO MAIS AMPLA E PROFUNDA DA APELAÇÃO. RACIONALIDADE DO SISTEMA RECURSAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A existência de um complexo sistema recursal no processo penal brasileiro permite à parte prejudicada por decisão judicial submeter ao órgão colegiado competente a revisão do ato jurisdicional, na forma e no prazo previsto em lei. Eventual manejo de habeas corpus, ação constitucional voltada à proteção da liberdade humana, constitui estratégia defensiva válida, sopesadas as vantagens e também os ônus de tal opção.
2. A tutela constitucional e legal da liberdade humana justifica algum temperamento aos rigores formais inerentes aos recursos em geral, mas não dispensa a racionalidade no uso dos instrumentos postos à disposição do acusado ao longo da persecução penal, dada a necessidade de também preservar a funcionalidade do sistema de justiça criminal, cujo poder de julgar de maneira organizada, acurada e correta, permeado pelas limitações materiais e humanas dos órgãos de jurisdição, se vê comprometido - em prejuízo da sociedade e dos jurisdicionados em geral - com o concomitante emprego de dois meios de impugnação com igual pretensão.
3. Sob essa perspectiva, a interposição do recurso cabível contra o ato impugnado e a contemporânea impetração de habeas corpus para igual pretensão somente permitirá o exame do writ se for este destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso em relação ao que é objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente. Nas demais hipóteses, o habeas corpus não deve ser admitido e o exame das questões idênticas deve ser reservado ao recurso previsto para a hipótese, ainda que a matéria discutida resvale, por via transversa, na liberdade individual.
4. A solução deriva da percepção de que o recurso de apelação detém efeito devolutivo amplo e graus de cognição - horizontal e vertical - mais amplo e aprofundado, de modo a permitir que o tribunal a quem se dirige a impugnação examinar, mais acuradamente, todos os aspectos relevantes que subjazem à ação penal. Assim, em princípio, a apelação é a via processual mais adequada para a impugnação de sentença condenatória recorrível, pois é esse o recurso que devolve ao tribunal o conhecimento amplo de toda a matéria versada nos autos, permitindo a reapreciação de fatos e de provas, com todas as suas nuanças, sem a limitação cognitiva da via mandamental. Igual raciocínio, mutatis mutandis, há de valer para a interposição de habeas corpus juntamente com o manejo de agravo em execução, recurso em sentido estrito, recurso especial e revisão criminal.
5. Quando o recurso de apelação, por qualquer motivo, não for conhecido, a utilização de habeas corpus, de caráter subsidiário, somente será possível depois de proferido o juízo negativo de admissibilidade da apelação pelo Tribunal ad quem, porquanto é indevida a subversão do sistema recursal e a avaliação, enquanto não exaurida a prestação jurisdicional pela instância de origem, de tese defensiva na via estreita do habeas corpus.
6. Na espécie, houve, por esta Corte Superior de Justiça, anterior concessão de habeas corpus em favor do paciente, para o fim de substituir a custódia preventiva por medidas cautelares alternativas à prisão, de sorte que remanesce a discussão - a desenvolver-se perante o órgão colegiado da instância de origem - somente em relação à pretendida desclassificação da conduta imputada ao acusado, tema que coincide com o pedido formulado no writ.
7. Embora fosse, em tese, possível a análise, em habeas corpus, das matérias aventadas no writ originário e aqui reiteradas - almejada desclassificação da conduta imputada ao paciente para o crime descrito no art. 93 da Lei n. 8.666/1993 (falsidade no curso de procedimento licitatório), com a consequente extinção da sua punibilidade -, mostram-se corretas as ponderações feitas pela Corte de origem, de que a apreciação dessas questões implica considerações que, em razão da sua amplitude, devem ser examinadas em apelação (já interposta).
8. Uma vez que a pretendida desclassificação da conduta imputada ao réu ainda não foi analisada pelo Tribunal de origem, fica impossibilitada a apreciação dessa matéria diretamente por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de, se o fizer, suprimir a instância ordinária.
9. Não há, no ato impugnado neste writ, manifesta ilegalidade que justifique a concessão, ex officio, da ordem de habeas corpus, sobretudo porque, à primeira vista, o Juiz sentenciante teria analisado todas as questões processuais e materiais necessárias para a solução da lide.
10. Habeas corpus não conhecido." (STJ, HC 482.549/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 03/04/2020; sem grifos no original.)
Quanto ao pedido de soltura, todavia, o caso é de concessão de habeas corpus de ofício.
Na sentença proferida em 07/10/2021, a Juíza de primeiro grau consignou o que se segue (sem grifos no original):
"Isso posto, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal para CONDENAR o acusado ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA pela prática dos delitos previstos nos artigos 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei nº 11.343/06, na forma do artigo 69 do Código Penal.
Artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006.
1) O Réu é primário e não possuidor de maus antecedentes, consoante sua FAC de fls. 206/211 e 275/280. Não há motivos, assim, para que a sua pena-base seja fixada acima do patamar mínimo legal, qual seja, em 05 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, com o valor unitário do DM no mínimo legal à época dos fatos.
2) Não há incidência de circunstâncias atenuantes, nem agravantes.
3) Deixo de fazer incidir a causa especial de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º da Lei 11.343/06 uma vez que o acusado se dedica às atividades criminosas. Note-se que o Réu atuava, segundo consta dos autos, como elemento a serviço da facção criminosa comando vermelho.
Assim, como se sabe, a referida facção criminosa não permite a traficância "avulsa", ou seja, para a prática do tráfico nas comunidades controladas pela associação criminosa é preciso integrá-la, fato que denota que o acusado se dedica às atividades ilícitas. Além disso, também foi condenado pelo crime de associação para o tráfico, o que corrobora que a sua vida é dedicada às práticas criminosas. Não há incidência de causas especiais de diminuição ou aumento de pena, em razão do que torno os limites acima definitivos.
Artigo 35, caput, da Lei 11.343/2006.
1) O Réu é primário e não possuidor de maus antecedentes consoante sua FAC de fls. 206/211 e 275/280. Não há motivos, assim, para que a pena-base seja fixada acima do seu patamar mínimo legal, qual seja, em 03 (três) anos de reclusão e pagamento de 700 (setecentos) dias-multa, com o valor unitário do DM no mínimo legal.
2) Não há incidência de circunstâncias atenuantes, nem agravantes.
3) Tampouco causas de diminuição ou aumento de pena, em razão do que torno os limites acima definitivos.
Os crimes foram praticados na forma do concurso material, em razão do que as penas cominadas devem ser cumuladas, perfazendo-se o total de 08 (oito) anos de reclusão e pagamento de 1200 (mil e duzentos) dias-multa, com o valor unitário do DM no mínimo legal.
Deixo de realizar a detração penal determinada no artigo 387, § 2º, do CPP. Esta magistrada entende que a detração penal na sentença é da competência do Juízo da Execução Penal, uma vez que, em se tratando de cálculo que vise à modificação do regime inicial de cumprimento de pena do condenado, este deve levar em consideração outros critérios além dos aritméticos. .. .
Fixo o regime inicialmente fechado, com fulcro no artigo 33, "b", do CP, a contrario sensu, c/c artigo 2º, § 1º, da lei 8072/90, com a redação dada pela Lei 11.464/2007, para cumprimento da pena prisional do acusado.
Tendo em vista a gravidade concreta dos delitos perpetrados pelo acusado, cuja análise foi esmiuçada neste deciso, em que se prolata um Juízo de certeza, entendo que a prisão cautelar se faz necessária para garantia da ordem pública e da aplicação da Lei Penal, com fulcro no artigo 312 do CPP, motivo pelo qual decreto a referida medida.
Expeça-se o respectivo mandado.
Condeno o réu, outrossim, no pagamento das custas processuais, na forma do art. 804 do CPP.
Expeça-se carta de execução de sentença provisória à VEP, na forma da Resolução 113 do Conselho Nacional de Justiça."
Embora não se trate de manutenção da prisão preventiva no título condenatório superveniente (que, a propósito, não produzia efeitos, em razão do provimento liminar que deferi nestes autos), mas de decretação de nova prisão (o que prejudica o pedido original de soltura), reitero que em 26/03/2021 consignei que a quantidade de entorpecentes cuja propriedade foi atribuída ao Paciente evidenciava a suficiência, para acautelar o processo, da fixação de medidas constritivas diversas da prisão, notadamente considerando-se o estado de emergência sanitária decorrente da pandemia causada pelo novo coronavírus, o qual torna a segregação ainda mais excepcional, e que em diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça, deliberou-se que a apreensão de determinadas quantidades de drogas ilícitas, embora não possam ser consideradas inexpressivas, não autorizam, isoladamente, a conclusão de que a prisão preventiva é a única medida cautelar adequada, caso não sejam suficientes à demonstração do periculum libertatis.
Por isso, nesse ato, determinei a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estivesse preso, com as advertências de que deveria permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do Código de Processo Penal) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderia ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou da superveniência de fatos novos.
Todavia, como se constata do fragmento da sentença que reproduzi, a Juíza de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva do Paciente, não informou o eventual descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, nem declinou qualquer fato superveniente que justificasse o estabelecimento da cautelar processual mais gravosa.
Portanto, deve ser relaxada a ilegal prisão decorrente do édito condenatório de primeiro grau.
Ante o exposto, reajusto o voto que proferi em 22/06/2021 para julgar PREJUDICADO o pedido. Contudo, CONCEDO ordem de habeas corpus ex officio para determinar a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estiver preso, ou o recolhimento do mandado de prisão cuja expedição foi estabelecida na sentença proferida no Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001; assegurar ao Condenado que permaneça em liberdade até eventual trânsito em julgado, salvo haja o descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 4.º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou a superveniência de fatos novos; e suspender a expedição ou determinar o recolhimento da guia de execução de sentença provisória à Vara de Execuções Penais.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
I. Razões da impetração
ALEXANDRE RODRIGUES DA SILVEIRA alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que denegou o HC n. 0076444-74.2020.8.19.0000.
Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 33, caput, e 35, caput, ambos da Lei n. 11.343/2006.
A defesa aduz, em síntese, que houve quebra da cadeia de custódia, porque, conforme certificado pelo próprio perito, a substância entorpecente foi entregue para perícia sem o necessário lacre, de maneira que não seria possível assegurar que o material apreendido com o acusado seria o mesmo apresentado para fins de realização de exame pericial.
Afirma que "eventual quebra da cadeia de custódia gera, portanto, irrefutável ilicitude da prova a que se refere aquele conjunto de atos, devendo o magistrado reconhecer a sua ilicitude e determinar o consequente desentranhamento dos autos, bem como determinar a extensão da ilicitude quanto a eventuais provas derivadas (fruits of the poisonous tree)" (fl. 9).
Requer, assim, a concessão da ordem, nos seguintes termos (fl. 12):
c.1) a anulação do feito desde o inquérito policial, eivado de nulidade, reconhecendo-se a quebra da cadeia de custódia e, por conseguinte, a prova ilícita; ou para
c.2) anulá-lo a partir da denúncia, ante sua demonstrada inépcia (falta de justa causa); ou, ainda,
c.3) para absolvê-lo do delito tipificado no art. 33, da Lei 11.343/2006, ante a evidente quebra da cadeia de custódia ..
Levado o feito a julgamento, a relatora, Ministra Laurita Vaz, em sessão de julgamento ocorrida em 22/6/2021, votou pela concessão parcial do habeas corpus, para, confirmada a liminar anteriormente deferida, determinar a soltura do paciente, se por outro motivo não estivesse preso, com as advertências de que deveria permanecer no distrito da culpa e atender aos chamamentos judiciais, sem prejuízo da fixação de medidas cautelares alternativas (art. 319 do CPP) pelo Juiz da causa, desde que de forma fundamentada, e de que a prisão processual poderia ser novamente decretada em caso de descumprimento das referidas medidas (art. 282, § 4º, c/c o art. 316, ambos do CPP) ou da superveniência de fatos novos.
Naquela ocasião, pediu vista dos autos o Ministro Sebastião Reis Júnior. Na sessão do dia 14/10/2021, o ministro apresentou o seu voto, no sentido de conceder a ordem, para reconhecer a ilegalidade da prova apresentada ao perito e decretar a nulidade de todo o procedimento dela derivado. Resumidamente, afirmou Sua Excelência:
Ora, o § 1º do art. 158-D do Código de Processo Penal estabelece a necessidade de que todos os recipientes para o acondicionamento de vestígios sejam selados com lacres, com numeração individualizada, de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio durante o transporte.
Não vejo como admitir que um material acondicionado em frágil saco plástico incolor, fechado por nó, atenda à exigência do art. 158-D, § 1º, do CPP.
Na sequência, a eminente Ministra relatora apresentou aditamento ao voto, em razão da prolação de sentença condenatória nos autos do processo objeto deste writ. Na oportunidade, salientou que "a superveniência da sentença prejudica a alegação de nulidade na instrução processual", de maneira que "eventuais pedidos de reforma dos termos do édito condenatório de primeiro grau, seja para o reconhecimento de nulidade na instrução, seja para a absolvição ou redução das penas, agora deverão ser ventiladas no recurso de apelação, via de impugnação com o espaço cognitivo adequado".
Por tais razões, reajustou o voto inicialmente proferido, para julgar prejudicado o pedido e, ainda, concedeu habeas corpus, de ofício,
.. para determinar a incontinenti soltura do Paciente, se por al não estiver preso, ou o recolhimento do mandado de prisão cuja expedição foi estabelecida na sentença proferida no Processo-crime n. 0219295-36.2020.8.19.0001; assegurar ao Condenado que permaneça em liberdade até eventual trânsito em julgado, salvo haja o descumprimento de medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 4º, c.c. o art. 316 do Código de Processo Penal) ou a superveniência de fatos novos; e suspender a expedição ou determinar o recolhimento da guia de execução de sentença provisória à Vara de Execuções Penais.
Na ocasião, pedi vista dos autos para melhor análise da matéria posta em discussão.
II. Delimitação da controvérsia
Consta do laudo de exame prévio de entorpecente e/ou psicotrópico juntado à fl. 35, expressamente, o seguinte (destaquei):
Destino do Material:
Esclarece o Perito que o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre./==
O material segue para o acautelamento em saco plástico padrão lacrado por este Perito, com numeração 00054410./==
Portanto, está incontroverso nos autos que, no caso, o material que foi recebido no Departamento de Polícia Técnico-Científica - PRPTC para fins de perícia chegou embalado em frágil saco plástico incolor (do tipo usado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó e desprovido de lacre.
A controvérsia que se estabelece, no entanto, diz respeito às consequências para o processo penal, em relação a este caso concreto, da quebra da cadeia de custódia da prova. Segundo a defesa, " a eventual quebra da cadeia de custódia gera .. irrefutável ilicitude da prova a que se refere aquele conjunto de atos, devendo o magistrado reconhecer a sua ilicitude e determinar o consequente desentranhamento dos autos, bem como determinar a extensão da ilicitude quanto a eventuais provas derivadas (fruits of the poisonous tree)" (fl. 9).
Antes, contudo, de adentrar o cerne da discussão, esclareço que vou divergir, com a máxima vênia, da eminente Ministra relatora, quando afirma que a superveniência de sentença condenatória torna prejudicado o habeas corpus, em razão da perda do seu objeto. Isso porque os fatos que subjazem à discussão trazida pela defesa acabaram por lastrear a denúncia e toda a persecução penal, além de haver sido ventilados ainda no limiar do processo e de dizer respeito à própria justa causa para a ação penal.
Ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva, por exemplo - que tem natureza rebus sic standibus, isto é, que se caracteriza pelo dinamismo existente na situação de fato que justifica a medida constritiva, a qual deve submeter-se sempre a constante avaliação do magistrado -, o caso dos autos traz hipótese em que houve uma desconformidade entre o procedimento usado na coleta e no acondicionamento de determinadas substâncias supostamente apreendidas com o paciente e o modelo previsto no Código de Processo Penal, fenômeno processual, esse, produzido ainda na fase inquisitorial, que se tornou estático e não modificável e, mais do que isso, que subsidiou a própria comprovação da materialidade e da autoria delitivas.
Assim, a superveniência de sentença condenatória não tem o condão de prejudicar a análise da tese defensiva de que teria havido quebra da cadeia de custódia da prova, ocorrida ainda na fase inquisitorial e, repito, empregada como anteparo ao oferecimento da denúncia - ou, de forma mais ampla, como justa causa para a própria ação penal -, máxime quando verificado que a parte alegou a matéria oportuno tempore, isto é, logo após a sua produção e que essa tese já foi devidamente examinada e debatida pela instância de origem.
Estabelecida, portanto, essa premissa, prossigo no exame da matéria.
III. A cadeia de custódia da prova e as consequências da quebra para o processo penal
Segundo o disposto no art. 158-A do CPP, "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
Doutrinariamente, a cadeia de custódia da prova tem sido conceituada como um "método por meio do qual se pretende preservar a integridade do elemento probatório e assegurar sua autenticidade em contexto de investigação e processo" (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Marcial Pons, 2021, p. 162).
Gustavo Badaró, por sua vez, leciona que "a cadeia de custódia em si deve ser entendida como a sucessão encadeada de pessoas que tiveram contato com a fonte de prova real, desde que foi colhida, até que seja apresentada em juízo" (A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson B. Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D"Plácido, 2018, p. 254). Essa sucessão encadeada, quando registrada, materializa a prova da cadeia de custódia da prova.
Superada a conceituação daquilo que se entende por cadeia de custódia da prova, é imperioso salientar que a autenticação de uma prova é um dos métodos que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela doutrina de princípio da mesmidade. De acordo com Geraldo Prado, Juan Carlos Urazán Bautista - Diretor do Centro de Estudos da Fundação Lux Mundi, em Bogotá -, ao comentar assunto, sublinha: "a cadeia de custódia fundamenta-se no princípio universal de "autenticidade da prova", definido como "lei da mesmidade", isto é, o princípio pelo qual se determina que "o mesmo" que se encontrou na cena do crime é "o mesmo" que se está utilizando para tomar a decisão judicial" (PRADO, Geraldo. op. cit., p. 151). A título de exemplo, a prova da cadeia de custódia permite assegurar que um pacote de drogas apreendido em um flagrante é o mesmo pacote que foi submetido a perícia.
Na ótica da defesa, esse teria sido o princípio descumprido na hipótese dos autos. O questionamento feito pelo impetrante é, em síntese, o seguinte: "se a fonte de prova já chega com "TOTAL INCONFORMIDADE", tendo o perito recebido o material apreendido "DESPROVIDO DO LACRE", como assegurar que, de fato, o mesmo material apreendido com o Paciente é o mesmo apresentado para a realização do competente exame pericial " (fl. 7).
Não se pode olvidar que, consoante bem observa Rodrigo de Andrade Figaro Caldeira, "a preservação da cadeia de custódia das provas e da prova da cadeia de custódia garante o pleno exercício, em especial, do contraditório sobre a prova, possibilitando o rastreamento da prova apresentada e a fiscalização do histórico de posse da prova, a fim de aferir sua autenticidade e integridade" (Cadeia de custódia: arts. 158-A a 158-F do CPP. In: DUTRA, Bruna Martins Amorim; AKERMAN, William (org.). Pacote Anticrime. Análise crítica à luz da Constituição Federal. Revista dos Tribunais, 2021, p. 209-210). Não é por demais lembrar que o princípio do contraditório - previsto no art. 5º, LV, da CF - recebe contorno especial no campo das provas no processo penal, de modo a permitir a participação do réu na formação do convencimento do juiz (art. 155, caput, do CPP).
Com vistas a salvaguardar o potencial epistêmico do processo penal, a Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime) disciplinou - de maneira, aliás, extremamente minuciosa - uma série de providências que concretizam o desenvolvimento técnico-jurídico da cadeia de custódia.
De forma bastante sintética, pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez, estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios, bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art. 158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio".
Uma das mais relevantes controvérsias que essa alteração legislativa suscita - no que importa especificamente para a análise deste caso concreto - diz respeito às consequências jurídicas, para o processo penal, da quebra da cadeia de custódia da prova (break on the chain of custody) ou do descumprimento formal de uma das exigências feitas pelo legislador no capítulo intitulado "Do exame de corpo de delito, da cadeia de custódia e das perícias em geral": essa quebra acarreta a inadmissibilidade da prova e deve ela (e as dela decorrentes) ser excluída do processo Seria caso de nulidade da prova Em caso afirmativo, deve a defesa comprovar efetivo prejuízo, para que a nulidade seja reconhecida (à luz da máxima pas de nulitté sans grief) Ou deve o juiz aferir se a prova é confiável de acordo com todos os elementos existentes nos autos, a fim de identificar se eles são capazes de demonstrar a sua autenticidade e a sua integridade
Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais.
Na jurisprudência, a temática acerca da cadeia de custódia da prova ganhou maior relevo com o julgamento do HC n. 160.662/RJ (Rel. Ministra Assusete Magalhães, 6ª T., DJe 17/3/2014) pelo Superior Tribunal de Justiça. Durante a fase investigatória - nos autos da operação deflagrada pela Polícia Federal denominada "Negócio da China", que resultou na denúncia de 14 envolvidos -, foi autorizada a quebra dos sigilos telefônico e telemático dos investigados. No entanto, apesar de haver sido franqueado o acesso aos autos, parte das provas obtidas a partir da interceptação telemática foi extraviada, ainda na Polícia, e o conteúdo dos áudios telefônicos não foi disponibilizado da forma como captado, havendo descontinuidade nas conversas e na sua ordem, com omissão de alguns áudios.
Ao julgar o habeas corpus, a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça concedeu a ordem, "para anular as provas produzidas nas interceptações telefônica e telemática, determinando, ao Juízo de 1º grau, o desentranhamento integral do material colhido, bem como o exame da existência de prova ilícita por derivação, nos termos do art. 157, §§ 1º e 2º, do CPP, procedendo-se ao seu desentranhamento da Ação Penal .. ". Isso porque decidiu-se, na ocasião, que a prova obtida "em razão da perda de sua unidade" ou a "perda da cadeia de custódia da prova" gerava cerceamento do direito de defesa, motivo pelo qual a prova adquirida por meio da interceptação telemática foi considerada ilícita.
Ainda, ponderou-se que, apesar de dispensável a transcrição completa das gravações obtidas, devem ser disponibilizadas integralmente para os acusados as conversas captadas. Concluiu-se, assim, que a apresentação de parte dos áudios e e-mails acarretava violação do princípio da paridade de armas e do direito à prova.
No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas. Bruno Monteiro de Castro Brandão, por exemplo, defende que "o descumprimento de alguma regra legal pode não ensejar a sua automática imprestabilidade, tendo em vista a possibilidade de a fiabilidade ser provada por outros meios. Da mesma forma, a prova pode perder sua fiabilidade sem que se tenha descumprido norma expressa". Isso porque, segundo alerta o autor, o cumprimento formal das regras não impede que alguém (um perito, por exemplo) adultere a prova, caso realmente esteja de má-fé (A quebra da cadeia de custódia e suas consequências. In: CAMBI, Eduardo; SILVA, Danni Sales; MARINELA, Fernanda (org.). Pacote Anticrime. v. II. Curitiba: Escola Superior do MPPR, 2021, p. 111).
Uma segunda linha defende que a violação da cadeia de custódia acarreta a ilicitude da prova e, consequentemente, sua inadmissibilidade. Geraldo Prado, precursor dessa corrente, argumenta que, embora a ausência de fiabilidade probatória não se confunda com a obtenção de prova por meio ilícito, impossibilita o exercício efetivo do contraditório pela parte que deixa de ter acesso ao caminho percorrido pelo elemento probatório, o que atrai as regras de exclusão da prova ilícita. Sem a possibilidade do rastreio da prova, esta perde a confiabilidade. Inclusive, as provas derivadas daquela cuja cadeia de custódia foi violada também devem ser desentranhadas dos autos (art. 157 do CPP), de modo a suscitar o que chamou de "imputação objetiva da ilicitude probatória" (PRADO, Geraldo. A cadeia de custódia da prova no processo penal. 2. ed. Marcial Pons. São Paulo, 2021, p. 205-211).
Em sentido diverso, há uma corrente que sustenta que a violação da cadeia de custódia decorre da inobservância de normas processuais, o que torna a prova ilegítima; aplica-se, nesse caso, a teoria das nulidades. Exemplificativamente: LIMA, Renato Brasileiro. Manual de Processo Penal. 8. ed. atual. ampl. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 722-723.
Há, ainda, aqueles que sustentam que a questão da violação da cadeia de custódia deve ser tratada no campo da valoração da prova, e não no campo de sua validade. Para os adeptos dessa teoria, a prova da cadeia de custódia, se insuficiente ou inexistente, não torna a prova inadmissível, mas possivelmente mais fraca. Se há uma probabilidade pequena, média ou grande de a prova ser autêntica, seu valor deve ser tomado na medida desta probabilidade, questão essa que diz respeito ao mérito. Ou seja, se a cadeia de custódia tiver sido vulnerada, o juízo deve valorar todos os elementos existentes, a fim de aferir se a prova é confiável. Nesse sentido, Gustavo Badaró argumenta que:
.. as irregularidades da cadeia de custódia não são aptas a causar ilicitude da prova, devendo o problema ser resolvido, com redobrado cuidado e muito maior esforço justificativo, no momento da valoração.
Não é a cadeia de custódia a prova em si. Mas sim uma "prova sobre prova". Sua finalidade é assegurar a autenticidade e integridade da fonte de prova, ou a sua mesmidade. Ela, em si, não se destina a demonstrar a veracidade ou a falsidade de afirmações sobre fatos que integram o thema probandum.
Ainda que com cuidados redobrados, é possível que, mesmo em casos nos quais haja irregularidade na cadeia de custódia, a prova seja aceita e admitida sua produção e valoração.
Por outro lado, no caso de vícios mais graves, em que se tenha dúvidas sobre a autenticidade ou integridade da fonte de prova, em que haja uma probabilidade de que a mesma tenha sido adulterada, substituída ou modificada, isso enfraquecerá seu valor, cabendo ao julgador, motivadamente, fazer tal análise.
(A cadeia de custódia e sua relevância para a prova penal. In: SIDI, Ricardo; LOPES, Anderson B. Temas atuais da investigação preliminar no processo penal. Belo Horizonte: D"Plácido, 2018, p. 535).
O Código de Processo Penal colombiano, por exemplo, prevê que a inobservância das regras da cadeia de custódia implica a necessidade de que ela seja comprovada por outros meios ("Art. 277. A demonstração da autenticidade dos elementos materiais probatórios e evidência fática não submetidos a cadeia de custódia estará a cargo da parte que os apresente"). Ou seja, o cumprimento do regime legal estabelece presunção de autenticidade da prova, mas o descumprimento do previsto em lei não impede que ela seja demonstrada de outras formas (BRANDÃO, Bruno Monteiro de Castro. A quebra da cadeia de custódia e suas consequências. In: CAMBI, Eduardo; SILVA, Danni Sales; MARINELA, Fernanda (org.). Pacote Anticrime. v. II. Curitiba: Escola Superior do MPPR, 2021, p. 118).
IV. O caso dos autos
No caso, a Corte estadual considerou indevido o encerramento prematuro do processo, com base nos seguintes fundamentos (fls. 72-73, destaques no original):
No presente caso, o impetrante alega ter havido quebra na cadeia de custódia, em relação à materialidade do crime de tráfico de drogas.
Todavia, para que haja justa causa à deflagração da ação penal não é necessário haver provas contundentes, definitivas, afirmações incisivas ou até mesmo acusações diretas, mas tão somente a presença de indícios suficientes, suspeitas e coincidências factíveis. Ou seja, basta a plausibilidade do direito invocado.
Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n.º 11.343/2006, sendo que no Laudo de Exame Prévio de Entorpecente e/ou Psicotrópico de fls. 16/17 consta a seguinte descrição: "Esclarece o Perito que o material supra descrito foi recebido neste PRPTC em TOTAL INCONFORMIDADE com relação à sua embalagem, a saber: embalado com frágil saco plástico incolor (do tipo utilizado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó, desprovido de lacre.
O material segue para o acautelamento em saco plástico padrão lacrado por este Perito, com numeração 00054410."
Não obstante, o Perito identificou: "Material 1: 41 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 2: 51 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Amostra: 0,50 Grama(s) Material 3: 31 Grama(s) de Cocaína (pó) Amostra: 0,50 Grama(s) Contraprova: 0,50 Grama(s) de COCAÍNA (CRACK) Contraprova: 0,50 Grama(s) de MACONHA (Cannabis sativa L.) Contraprova: 0,50 Grama(s) de Cocaína (pó)". (Grifos nossos).
Como cediço, o trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando restar provada, sem necessidade de exame aprofundado do conjunto fático-probatório, a atipicidade da conduta, a ocorrência de causa extintiva da punibilidade ou, ainda, a ausência de justa causa.
Verifica-se, ainda, que a tese defensiva exige análise aprofundada da prova, a qual deve ser efetuada ao longo da instrução criminal e ultrapassa, a toda evidência, os limites estreitos do presente writ.
Depois do aditamento ao voto apresentado pela eminente Ministra relatora, a diligente defesa - muito bem representada, aliás, pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro - trouxe aos autos cópia da sentença condenatória (fls. 163-174).
Pela leitura do referido decisum, é possível identificar que o Juiz sentenciante, ao concluir pela materialidade do crime de tráfico de drogas, assim fundamentou: "as provas trazidas aos autos são bem seguras, de modo a não suscitarem qualquer incerteza. O Auto de Apreensão de fls. 17/18 e o Laudo de Exame de Entorpecente acostado às fls. 19/21 revelam a natureza entorpecente das substâncias recolhidas e examinadas, nos termos da legislação complementar em vigor, concluindo os Srs. Peritos tratar-se de Cannabis sativa L. ("maconha"), cloridrato de cocaína e cocaína compactada ("crack")" (fl. 165, destaquei).
Por sua vez, ao entender devidamente comprovada a autoria do delito, salientou que "as provas constantes dos autos são bem convincentes, mostrando a reprovável conduta do denunciado. Efetivamente, resultou bem claro que o réu possuía as substâncias entorpecentes para comercializar" (fl. 165).
Logo na sequência, para justificar a sua compreensão, o Magistrado fez referência aos depoimentos prestados em juízo pelos dois policiais militares que participaram das diligências que culminaram com a prisão em flagrante do paciente (PM Alex Hanna El Hage e PM Cristiano Azevedo Rodrigues), bem como ao depoimento prestado pelo acusado também em juízo.
Pelo depoimento dos policiais, é possível depreender que, no dia dos fatos, houve uma operação na Comunidade do Sabão, com o objetivo de "impor a ordem e garantir o direito de ir e vir da população local, subjugada aos marginais daquela comunidade, que colocam barricadas e fazem uso de arma de fogo" (fl. 166). Ambos os policiais asseguraram que foi encontrado um rádio comunicador preso na cintura do réu, que estava ligado e conectado na frequência do tráfico local. No entanto, apenas um deles afirmou que "viram quando o acusado se desfez das sacolas e correu; que não se recorda o que o acusado disse no momento da abordagem" (fl. 166). O outro militar, por sua vez, declarou, em juízo, que "as sacolas com o material entorpecente estavam próximas ao denunciado; .. que o conduziram à delegacia juntamente com o material arrecadado; que o local onde o acusado estava é conhecido como ponto de venda de drogas; que o réu confessou que exercia a função de "atividade"; que as sacolas com as drogas foram encontradas no chão e não viu o acusado dispensando o material" (fl. 166).
Ou seja, pelos depoimentos prestados pelos agentes estatais em juízo, não é possível identificar, com precisão, se as substâncias apreendidas realmente estavam com o paciente já desde o início e, no momento da chegada dos policiais, elas foram por ele dispensadas no chão, ou se as sacolas com as substâncias simplesmente estavam próximas a ele e poderiam eventualmente pertencer a outro traficante que estava no local dos fatos.
E essa imprecisão é relevante por quê Porque o réu, em juízo, negou parcialmente os fatos que lhe foram atribuídos na denúncia e confessou, tão somente, que exercia a função de olheiro para o tráfico local. Assim declarou (fl. 166, grifei):
Pelo Juízo foi perguntado e respondido que: tem trinta anos de idade; que não é verdadeira a acusação; que, no dia dos fatos, realmente estava na Rua Desidério de Oliveira, sentado em um banco, próximo a um bar, onde fica o ponto de monitoramento do tráfico local; que controla a entrada de policiais e de outros carros para informar à "boca de fumo" da comunidade; que a facção que domina o local é o comando vermelho; que já viu as armas de fogo; que ganhava cem reais por noite; que não sabe a respeito da droga encontrada; que não trabalha mais para o tráfico; que agora trabalha em um ferro-velho, catando sucata; que já respondeu por porte de arma, uma faca e um facão. Pelo Ministério Público nada foi perguntado. Pela Defesa nada foi perguntado. (Interrogatório do acusado Alexandre Rodrigues da Silveira).
Vale dizer, o paciente, em juízo, em nenhum momento admitiu a posse ou a propriedade das drogas. Mais que isso, afirmou que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada e que não trabalhava mais para o narcotráfico ("que agora trabalha em um ferro-velho, catando sucata" - fl. 166).
Diante disso, exsurge bastante relevante, especificamente para o desfecho deste caso concreto, o fato de o material recebido no Departamento de Polícia Técnico-Científica - PRPTC haver chegado embalado em frágil saco plástico incolor (do tipo usado para acondicionamento de alimentos em mercados e feiras), fechado por nó e desprovido de lacre.
Com a mais respeitosa vênia àqueles que defendem a tese de que a violação da cadeia de custódia implica, de plano e por si só, a inadmissibilidade ou a nulidade da prova, de modo a atrair as regras de exclusão da prova ilícita, parece-me mais adequada aquela posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido.
No caso, o fato de a substância haver chegado para perícia em um saquinho de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, fragiliza, na verdade, a própria pretensão acusatória, porquanto não permite identificar, com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização de exame pericial e, por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. Não se garantiu a inviolabilidade e a idoneidade dos vestígios coletados (art. 158-D, § 1º, do CPP). A integralidade do lacre não é uma medida meramente protocolar; é, antes, a segurança de que o material não foi manipulado, adulterado ou substituído, tanto que somente o perito poderá realizar seu rompimento para análise, ou outra pessoa autorizada, quando houver motivos (art. 158-D, § 3º, do CPP).
Não se foi criterioso, na hipótese dos autos, com a implementação das medidas de apropriação dos elementos probatórios e em sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada.
Mais do que isso, sopesados todos os elementos produzidos ao longo da instrução criminal, verifica-se a debilidade ou a fragilidade do material probatório residual, porque, conforme salientado, além de o réu haver afirmado em juízo que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada, ambos os policiais militares, ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram uníssonos e claros o bastante em afirmar se a droga apreendida realmente estava em poder do paciente ou se a ele pertencia (o PM Cristiano Azevedo Rodrigues declarou que as sacolas com as drogas foram encontradas no chão e não viu o acusado dispensando o material - fl. 166).
Em outros termos, conforme deflui da sentença condenatória, não houve outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de tráfico de drogas que foi imputado ao acusado. Não é por demais lembrar que a atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar quaisquer dúvidas sobre a existência do crime e a autoria responsável, o que, em minha compreensão, não ocorreu no caso dos autos. Deveria a acusação, diante do descumprimento do disposto no art. 158-D, § 3º, do CPP, haver suprido as irregularidades por meio de outros elementos probatórios, de maneira que, ao não o fazer, não há como subsistir a condenação do paciente no tocante ao delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
Situação diversa seria, por exemplo, se, mesmo que a substância houvesse chegado para perícia em um saquinho de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, o réu houvesse admitido, em juízo, a posse das drogas e a comercialização das substâncias entorpecentes a terceiros, e os depoimentos prestados em juízo pelos policiais responsáveis pela abordagem houvessem avalizado o conjunto de elementos colhidos na investigação, disponíveis para a defesa com a máxima segurança possível de que a substância submetida à perícia fora a mesma efetivamente apreendida por ocasião do flagrante.
Não é despiciendo lembrar que, em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei). Afinal, "A certeza perseguida pelo direito penal mínimo está, ao contrário, em que nenhum inocente seja punido à custa da incerteza de que também algum culpado possa ficar impune" (FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 85).
Reitero, no entanto, que não foi a simples inobservância do procedimento previsto no art. 158-D, § 1º, do CPP que, ipso facto, me levou a concluir pela absolvição do réu em relação ao crime de tráfico de drogas; ao contrário, foi a ausência de outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do delito a ele imputado.
Vale frisar que a questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, podemos ter diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal.
Por fim, esclareço que, ao menos por ora, permanece hígida a condenação do paciente no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), porque, além de ele próprio haver admitido, em juízo, que atuava como "olheiro do tráfico de drogas e, assim, confirmando, que o local dos fatos era dominado pela facção criminosa denominada Comando Vermelho (fl. 168), esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente (v. g., HC n. 441.712/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi; RHC n. 93.498/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti).
Contudo, porque proclamada a absolvição do paciente em relação ao crime de tráfico de drogas, entendo que deve ser a ele assegurado o direito de aguardar no regime aberto o julgamento da apelação criminal. Isso porque era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e, em relação a esse ilícito, foi condenado à reprimenda de 3 anos de reclusão (fl. 173). Caso não haja recurso do Ministério Público contra a sentença condenatória (ou, se houver e ele for improvido) e a sanção permaneça nesse patamar, fica definitivo o regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
V. Dispositivo
À vista do exposto, peço vênia à eminente Ministra relatora, para conceder a ordem de habeas corpus, a fim de absolver o paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0219295-36.2020.8.19.0001. Ainda, fica assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR: Diante do que expôs o eminente Ministro Rogério Schietti, retifico meu voto. Como bem disse o Ministro Schietti, a inobservância das regras do art. 158-D, § 1º, do Código de Processo Penal, a ensejar a quebra da cadeia de custódia, aliada à insuficiência do material probatório residual para fins de afirmação da autoria delitiva, conduz à conclusão pela necessidade de absolvição do réu quanto ao crime do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. Outrossim, subsistindo apenas a condenação pelo crime de associação para o tráfico, para a qual foi estabelecida reprimenda de 3 anos de reclusão, e em se tratando de agente primário, com bons antecedentes e que teve a pena-base fixada no mínimo legal, mostra-se adequada a remoção do acusado ao regime aberto.
Assim, voto por conceder a ordem de habeas corpus para absolver o paciente no tocante ao crime de tráfico de drogas, ficando assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação. | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. AUSÊNCIA DE LACRE. FRAGILIDADE DO MATERIAL PROBATÓRIO RESIDUAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. HIGIDEZ DA CONDENAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A superveniência de sentença condenatória não tem o condão de prejudicar a análise da tese defensiva de que teria havido quebra da cadeia de custódia da prova, em razão de a substância entorpecente haver sido entregue para perícia sem o necessário lacre. Isso porque, ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva, por exemplo - que tem natureza rebus sic standibus, isto é, que se caracteriza pelo dinamismo existente na situação de fato que justifica a medida constritiva, a qual deve submeter-se sempre a constante avaliação do magistrado -, o caso dos autos traz hipótese em que houve uma desconformidade entre o procedimento usado na coleta e no acondicionamento de determinadas substâncias supostamente apreendidas com o paciente e o modelo previsto no Código de Processo Penal, fenômeno processual, esse, produzido ainda na fase inquisitorial, que se tornou estático e não modificável e, mais do que isso, que subsidiou a própria comprovação da materialidade e da autoria delitivas.
2. Segundo o disposto no art. 158-A do CPP, "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
3. A autenticação de uma prova é um dos métodos que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela doutrina de princípio da mesmidade.
4. De forma bastante sintética, pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez, estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios, bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art. 158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio".
5. Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais. No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas.
6. Na hipótese dos autos, pelos depoimentos prestados pelos agentes estatais em juízo, não é possível identificar, com precisão, se as substâncias apreendidas realmente estavam com o paciente já desde o início e, no momento da chegada dos policiais, elas foram por ele dispensadas no chão, ou se as sacolas com as substâncias simplesmente estavam próximas a ele e poderiam eventualmente pertencer a outro traficante que estava no local dos fatos.
7. Mostra-se mais adequada a posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido.
9. O fato de a substância haver chegado para perícia em um saco de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, fragiliza, na verdade, a própria pretensão acusatória, porquanto não permite identificar, com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização de exame pericial e, por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. Não se garantiu a inviolabilidade e a idoneidade dos vestígios coletados (art. 158-D, § 1º, do CPP). A integralidade do lacre não é uma medida meramente protocolar; é, antes, a segurança de que o material não foi manipulado, adulterado ou substituído, tanto que somente o perito poderá realizar seu rompimento para análise, ou outra pessoa autorizada, quando houver motivos (art. 158-D, § 3º, do CPP).
9. Não se agiu de forma criteriosa com o recolhimento dos elementos probatórios e com sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada. Mais do que isso, sopesados todos os elementos produzidos ao longo da instrução criminal, verifica-se a debilidade ou a fragilidade do material probatório residual, porque, além de o réu haver afirmado em juízo que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada, ambos os policiais militares, ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram uníssonos e claros o bastante em afirmar se a droga apreendida realmente estava em poder do paciente ou se a ele pertencia.
10. Conforme deflui da sentença condenatória, não houve outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de tráfico de drogas que foi imputado ao acusado. Não é por demais lembrar que a atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar quaisquer dúvidas sobre a existência do crime e a autoria responsável, o que não ocorreu no caso dos autos. Deveria a acusação, diante do descumprimento do disposto no art. 158-D, § 3º, do CPP, haver suprido as irregularidades por meio de outros elementos probatórios, de maneira que, ao não o fazer, não há como subsistir a condenação do paciente no tocante ao delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
11. Em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei).
12. Não foi a simples inobservância do procedimento previsto no art. 158-D, § 1º, do CPP que induz a concluir pela absolvição do réu em relação ao crime de tráfico de drogas; foi a ausência de outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do delito a ele imputado. A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, pode haver diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal.
13. Permanece hígida a condenação do paciente no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), porque, além de ele próprio haver admitido, em juízo, que atuava como olheiro do tráfico de drogas e, assim, confirmando que o local dos fatos era dominado pela facção criminosa denominada Comando Vermelho, esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente.
14. Porque proclamada a absolvição do paciente em relação ao crime de tráfico de drogas, deve ser a ele assegurado o direito de aguardar no regime aberto o julgamento da apelação criminal. Isso porque era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e, em relação a esse ilícito, foi condenado à reprimenda de 3 anos de reclusão (fl. 173). Caso não haja recurso do Ministério Público contra a sentença condenatória (ou, se houver e ele for improvido) e a sanção permaneça nesse patamar, fica definitivo o regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
15. Ordem concedida, a fim de absolver o paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0219295-36.2020.8.19.0001. Ainda, fica assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação. | HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. AUSÊNCIA DE LACRE. FRAGILIDADE DO MATERIAL PROBATÓRIO RESIDUAL. ABSOLVIÇÃO QUE SE MOSTRA DEVIDA. ASSOCIAÇÃO PARA O NARCOTRÁFICO. HIGIDEZ DA CONDENAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. | 1. A superveniência de sentença condenatória não tem o condão de prejudicar a análise da tese defensiva de que teria havido quebra da cadeia de custódia da prova, em razão de a substância entorpecente haver sido entregue para perícia sem o necessário lacre. Isso porque, ao contrário do que ocorre com a prisão preventiva, por exemplo - que tem natureza rebus sic standibus, isto é, que se caracteriza pelo dinamismo existente na situação de fato que justifica a medida constritiva, a qual deve submeter-se sempre a constante avaliação do magistrado -, o caso dos autos traz hipótese em que houve uma desconformidade entre o procedimento usado na coleta e no acondicionamento de determinadas substâncias supostamente apreendidas com o paciente e o modelo previsto no Código de Processo Penal, fenômeno processual, esse, produzido ainda na fase inquisitorial, que se tornou estático e não modificável e, mais do que isso, que subsidiou a própria comprovação da materialidade e da autoria delitivas.
2. Segundo o disposto no art. 158-A do CPP, "Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte".
3. A autenticação de uma prova é um dos métodos que assegura ser o item apresentado aquilo que se afirma ele ser, denominado pela doutrina de princípio da mesmidade.
4. De forma bastante sintética, pode-se afirmar que o art. 158-B do CPP detalha as diversas etapas de rastreamento do vestígio: reconhecimento, isolamento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte, recebimento, processamento, armazenamento e descarte. O art. 158-C, por sua vez, estabelece o perito oficial como sujeito preferencial a realizar a coleta dos vestígios, bem como o lugar para onde devem ser encaminhados (central de custódia). Já o art. 158-D disciplina como os vestígios devem ser acondicionados, com a previsão de que todos os recipientes devem ser selados com lacres, com numeração individualizada, "de forma a garantir a inviolabilidade e a idoneidade do vestígio".
5. Se é certo que, por um lado, o legislador trouxe, nos arts. 158-A a 158-F do CPP, determinações extremamente detalhadas de como se deve preservar a cadeia de custódia da prova, também é certo que, por outro, quedou-se silente em relação aos critérios objetivos para definir quando ocorre a quebra da cadeia de custódia e quais as consequências jurídicas, para o processo penal, dessa quebra ou do descumprimento de um desses dispositivos legais. No âmbito da doutrina, as soluções apresentadas são as mais diversas.
6. Na hipótese dos autos, pelos depoimentos prestados pelos agentes estatais em juízo, não é possível identificar, com precisão, se as substâncias apreendidas realmente estavam com o paciente já desde o início e, no momento da chegada dos policiais, elas foram por ele dispensadas no chão, ou se as sacolas com as substâncias simplesmente estavam próximas a ele e poderiam eventualmente pertencer a outro traficante que estava no local dos fatos.
7. Mostra-se mais adequada a posição que sustenta que as irregularidades constantes da cadeia de custódia devem ser sopesadas pelo magistrado com todos os elementos produzidos na instrução, a fim de aferir se a prova é confiável. Assim, à míngua de outras provas capazes de dar sustentação à acusação, deve a pretensão ser julgada improcedente, por insuficiência probatória, e o réu ser absolvido.
9. O fato de a substância haver chegado para perícia em um saco de supermercado, fechado por nó e desprovido de lacre, fragiliza, na verdade, a própria pretensão acusatória, porquanto não permite identificar, com precisão, se a substância apreendida no local dos fatos foi a mesma apresentada para fins de realização de exame pericial e, por conseguinte, a mesma usada pelo Juiz sentenciante para lastrear o seu decreto condenatório. Não se garantiu a inviolabilidade e a idoneidade dos vestígios coletados (art. 158-D, § 1º, do CPP). A integralidade do lacre não é uma medida meramente protocolar; é, antes, a segurança de que o material não foi manipulado, adulterado ou substituído, tanto que somente o perito poderá realizar seu rompimento para análise, ou outra pessoa autorizada, quando houver motivos (art. 158-D, § 3º, do CPP).
9. Não se agiu de forma criteriosa com o recolhimento dos elementos probatórios e com sua preservação; a cadeia de custódia do vestígio não foi implementada, o elo de acondicionamento foi rompido e a garantia de integridade e de autenticidade da prova foi, de certa forma, prejudicada. Mais do que isso, sopesados todos os elementos produzidos ao longo da instrução criminal, verifica-se a debilidade ou a fragilidade do material probatório residual, porque, além de o réu haver afirmado em juízo que nem sequer tinha conhecimento da substância entorpecente encontrada, ambos os policiais militares, ouvidos sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, não foram uníssonos e claros o bastante em afirmar se a droga apreendida realmente estava em poder do paciente ou se a ele pertencia.
10. Conforme deflui da sentença condenatória, não houve outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de tráfico de drogas que foi imputado ao acusado. Não é por demais lembrar que a atividade probatória deve ser de qualidade tal a espancar quaisquer dúvidas sobre a existência do crime e a autoria responsável, o que não ocorreu no caso dos autos. Deveria a acusação, diante do descumprimento do disposto no art. 158-D, § 3º, do CPP, haver suprido as irregularidades por meio de outros elementos probatórios, de maneira que, ao não o fazer, não há como subsistir a condenação do paciente no tocante ao delito descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
11. Em um modelo processual em que sobrelevam princípios e garantias voltadas à proteção do indivíduo contra eventuais abusos estatais que interfiram em sua liberdade, dúvidas relevantes hão de merecer solução favorável ao réu (favor rei).
12. Não foi a simples inobservância do procedimento previsto no art. 158-D, § 1º, do CPP que induz a concluir pela absolvição do réu em relação ao crime de tráfico de drogas; foi a ausência de outras provas suficientes o bastante a formar o convencimento judicial sobre a autoria do delito a ele imputado. A questão relativa à quebra da cadeia de custódia da prova merece tratamento acurado, conforme o caso analisado em concreto, de maneira que, a depender das peculiaridades da hipótese analisada, pode haver diferentes desfechos processuais para os casos de descumprimento do assentado no referido dispositivo legal.
13. Permanece hígida a condenação do paciente no tocante ao crime de associação para o tráfico de drogas (art. 35 da Lei n. 11.343/2006), porque, além de ele próprio haver admitido, em juízo, que atuava como olheiro do tráfico de drogas e, assim, confirmando que o local dos fatos era dominado pela facção criminosa denominada Comando Vermelho, esta Corte Superior de Justiça entende que, para a configuração do referido delito, é irrelevante a apreensão de drogas na posse direta do agente.
14. Porque proclamada a absolvição do paciente em relação ao crime de tráfico de drogas, deve ser a ele assegurado o direito de aguardar no regime aberto o julgamento da apelação criminal. Isso porque era tecnicamente primário ao tempo do delito, possuidor de bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e, em relação a esse ilícito, foi condenado à reprimenda de 3 anos de reclusão (fl. 173). Caso não haja recurso do Ministério Público contra a sentença condenatória (ou, se houver e ele for improvido) e a sanção permaneça nesse patamar, fica definitivo o regime inicial mais brando de cumprimento de pena.
15. Ordem concedida, a fim de absolver o paciente em relação à prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, objeto do Processo n. 0219295-36.2020.8.19.0001. Ainda, fica assegurado ao réu o direito de aguardar no regime aberto o julgamento do recurso de apelação. | N |
144,998,370 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. CANCELAMENTO. NOVA EXPEDIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ASPECTOS FÁTICOS NÃO DESCRITOS NO ACORDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO NESSA EXTENSÃO PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOSÀ ORIGEM.
1.A tese fundada nos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 e 196 e 199, I, do CC não foi debatida na instância inferior, carecendo do necessário prequestionamento. Incidências das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp n. 1.308.581/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, providopara reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo a origem avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento e do novo pedido.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto pelo DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS - DNOCS contra acórdão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RPV CANCELADA. LEI 13.463/2017. PEDIDO DE NOVA EXPEDIÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE.
1. Agravo de instrumento interposto pela DNOCS em face de decisão que deferiu o pedido de expedição de nova RPV, tendo em vista o cancelamento do requisitório anteriormente expedido por força do disposto na Lei 13.463/2017.
2. O Agravante alega, em síntese, que a pretensão está fulminada pela prescrição, haja vista o decurso demais de 5 anos entre o falecimento do beneficiário do crédito em 2012 e o pedido de habilitação em 2018.
3. A decisão recorrida encontra-se em consonância com o entendimento da eg. 2ª Turma deste Regional, firmado no sentido de que, com a expedição da requisição de pagamento, considera-se satisfeita a execução, com exaurimento da fase processual, não cabendo, assim, falar em prescrição intercorrente. Nesse sentido: PJE 0804150-48.2019.4.05.0000, 2ªT., Rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, julg. em: 28/05/2019.
4. Com efeito, a partir do momento em que a executada realizou o pagamento, o processo executivo judicial foi extinto, ainda que o depósito tenha sido realizado em uma instituição financeira, sendo forçoso reconhecer que o valor depositado passou para esfera patrimonial do beneficiário.
5. Digno de destaque, ainda, que a própria Lei 13.463/2017 autoriza, em seu art. 3º, a expedição de novo requisitório, a requerimento do credor, sem que tenha fixado prazo prescricional para tanto.
6. Agravo de instrumento desprovido.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fls. 98-99).
O recorrente, com fundamento na alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição da República, aponta violação dos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 (313, I, e 485, II, do CPC/2015);196 e 199, I, do CC.
Registra que, "conforme se verifica do acórdão recorrido, o ex-servidor .. faleceu em 13/03/2012. Entretanto, a habilitação da herdeira apenas foi promovida em 21/08/2018" (e-STJ, fl. 109).
Defende que, " .. por determinação expressa constante no Código Civil, a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra seu sucessor, salvo se sobrevier alguma causa impeditiva ou suspensiva da prescrição" (e-STJ, fl. 111), o que não é o caso.
Sustenta, por isso, a ocorrência da prescrição, já que superado o prazo quinquenal estabelecido no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
Refere contrariedade a esse dispositivo legal relativamente à expedição da nova RPV, pois, "no caso dos autos, conforme argumentado, o valor devido ao exequente foi depositado em 07/2012 pelo ente público, e, cancelado, conforme Lei 13.463/2017, sendo que o pleito de reexpedição da RPV foi formulado em 2018, ou seja, após o decurso de mais de 5 anos" (e-STJ, fl. 119).
Acrescenta que, "uma vez interrompido o prazo prescricional, o que ocorreu com o início da execução do julgado e terminou com a expedição da requisição de pagamento, o novo prazo começa a correr pela metade, nos termos do art. 9ºdo mesmo Decreto" (e-STJ, fl. 119).
Contrarrazões às e-STJ, fls. 130-137.
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. CANCELAMENTO. NOVA EXPEDIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ASPECTOS FÁTICOS NÃO DESCRITOS NO ACORDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO NESSA EXTENSÃO PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOSÀ ORIGEM.
1.A tese fundada nos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 e 196 e 199, I, do CC não foi debatida na instância inferior, carecendo do necessário prequestionamento. Incidências das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp n. 1.308.581/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, providopara reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo a origem avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento e do novo pedido.
VOTO
O presente recurso merece prosperar em parte.
Tem-se, na origem, agravo de instrumento interposto pelo ente público contra decisão do juiz " .. que deferiu o pedido de expedição de nova RPV, tendo em vista o cancelamento do requisitório anteriormente expedido por força do disposto na Lei 13.463/2017" (e-STJ, fl. 61).
O Tribunala quomanteve essa solução, fazendo o seguinte registro (e-STJ, fl. 61):
A decisão recorrida encontra-se em consonância com o entendimento da eg. 2ª Turma deste Regional, firmado no sentido de que, com a expedição da requisição de pagamento, considera-se satisfeita a execução, com exaurimento da fase processual, não cabendo, assim, falar em prescrição intercorrente. Nesse sentido: PJE 0804150-48.2019.4.05.0000, 2ª T., Rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, julg. em: 28/05/2019.
Com efeito, a partir do momento em que a executada realizou o pagamento, o processo executivo judicial foi extinto, ainda que o depósito tenha sido realizado em uma instituição financeira, sendo forçoso reconhecer que o valor depositado passou para esfera patrimonial do beneficiário.
Digno de destaque, ainda, que a própria Lei 13.463/2017 autoriza, em seu art. 3º, a expedição de novo requisitório, a requerimento do credor, sem que tenha fixado prazo prescricional para tanto.
Essa exposição demonstra que a tese fundada nosarts. 265, I, e 267, II, do CPC/1973 e196 e 199, I, do CCnão foi debatida na instância inferior.
Desse modo, carece o tema do indispensável prequestionamento viabilizador do recurso especial, motivo pelo qual não merece ser apreciado, consoante o que preceituam as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal, respectivamente transcritas:
É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.
O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.
Nesse aspecto, confira-se o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE - ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS - SÚMULA 7/STJ - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULAS 282 E 356 DO STF E 211 DO STJ - INOVAÇÃO RECURSAL.
1. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o seu conhecimento (Súmula 211 do STJ), bem como é manifestamente inadmissível o recurso especial em relação às teses que configuram inovação recursal e, por isso, não foram apreciadas pelo acórdão recorrido.
2. Inviável análise de pretensão que demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. É inadmissível o recurso especial se o dispositivo legal apontado como violado não fez parte do juízo firmado no acórdão recorrido e se o Tribunal a quo não emitiu qualquer juízo de valor sobre a tese defendida no especial (Súmulas nºs 282 e 356/STF).
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 15.180/PR, relatora Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 10/5/2013.)
Com respeito ao outro ponto, aSegunda Turma desta Corte Superior, recentemente, no julgamento do REsp n. 1.859.409/RN, negou a imprescritibilidade da pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
Nessa oportunidade, definiu-se que, por aplicação do princípio daactio nata, "o direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados".
O precedente, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, recebeu a seguinte ementa:
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. ADMINISTRATIVO. RPV. CANCELAMENTO. LEI Nº 13.463/2017. EXPEDIÇÃO DE NOVA RPV A REQUERIMENTO DO CREDOR. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932. NÃO OCORRÊNCIA. TEORIA DAACTIO NATA.
1. Estabelecem, respectivamente, os arts. 2º e 3º da Lei 13.463/2017: "Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial", "cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor".
2. A pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei nº 13.463/2017, não é imprescritível.
3. O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados.
4. " .. no momento em que ocorre a violação de um direito, considera-se nascida a ação para postulá-lo judicialmente e, consequentemente, aplicando-se a teoria daactio nata, tem início a fluência do prazo prescricional" (REsp 327.722/PE, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, DJ 17/09/2001, p. 205).
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020.)
No mesmo sentido, cito ainda:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. VERBAS SALARIAIS. EXECUÇÃO. REQUISIÇÃO DE PAGAMENTO. CANCELAMENTO. NOVA REQUISIÇÃO. FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL A CONTAR DA DATA DO CANCELAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
I - Na origem, trata-se de agravo de instrumento contra decisão que determinou a expedição de novo requisitório, após o cancelamento anterior, em razão do transcurso do prazo de 2 anos, previsto no art. 2º da Lei n. 13.463/17. No Tribunal a quo, negou-se provimento ao agravo de instrumento.
II - O agravo interno não merece provimento, ainda que por fundamento diverso. No caso dos autos, a Fazenda Nacional desenvolve a pretensão do agravo de instrumento sob o fundamento da existência de prescrição intercorrente, tendo como termo inicial a data do depósito do requisitório e não do seu cancelamento (fls. 285 e 296). A pretensão foi afastada pela Corte a quo com fundamento na inexistência de prescrição intercorrente, porquanto exercida a pretensão executória pela parte exequente. A discussão travada nos autos não diz respeito à prescrição intercorrente da pretensão executória, mas sim à prescrição da pretensão de novo pedido de expedição de precatório ou RPV, após o cancelamento.
III - Conforme entendimento desta Segunda Turma: "não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017"; e "o direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados". Nesse sentido: REsp n. 1.844.138/PE, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 22/9/2020, DJe 9/10/2020; REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 25/6/2020.
IV - No caso dos autos, a RPV foi cancelada após dois anos da disponibilização, que ocorreu em 26/4/2012 (fl. 322). Assim, considerando-se que o cancelamento pelo transcurso de dois anos teria ocorrido em 26/4/2014, seria essa a data de início de transcurso do prazo para nova requisição, conforme a jurisprudência desta Corte. Portanto, eventual prazo de 5 anos, defendido pela agravante e ratificado na jurisprudência, somente se encerraria em 26/4/2019. Considerando que a expedição de novo requisitório ocorreu antes desta data, 2018, como afirma a parte recorrente (fl. 348), não há fundamento para se falar em prescrição ou prescrição intercorrente da pretensão quanto ao novo pedido requisitório, tal como consignado pela Corte de origem.
V - Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp n. 1.724.763/PE, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/3/2021, DJe de 26/3/2021.)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR - RPV. CANCELAMENTO. LEI 13.463/2017. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. TERMO INICIAL. EXPEDIÇÃO DE NOVA REQUISIÇÃO. QUESTÕES FÁTICAS NÃO DELINEADAS NO ACORDÃO RECORRIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se, em Execução contra a Fazenda Pública, após escoado o prazo para saque de valor depositado por meio de requisição de pequeno valor - RPV, a pretensão de reexpedição do requisitório é fulminada pela prescrição.
2. Com efeito, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.859.409/RN, negou a imprescritibilidade da pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei 13.463/2017.
3. Naquela oportunidade, definiu-se que, por aplicação do princípioactio nata, "o direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados".
4. Na leitura do acórdão recorrido, verifica-se que não é possível extrair as datas de realização dos atos processuais, de modo que, sem o exame dos aspectos fáticos da causa, não é possível resolver definitivamente a controvérsia nesta instância.
5. Essa impossibilidade impõe a devolução do autos à Corte de origem para que examine esses aspectos de sua competência e, em seguida, faça incidir a orientação firmada por este Tribunal Superior.
6. Agravo Interno provido para se conhecer do Agravo e dar parcial provimento ao Recurso Especial, a fim de reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo o Tribunal Regional avaliar o transcurso do prazo prescricional entre a data do cancelamento da RPV e a do novo pedido.
(AgInt no AREsp n. 1.731.930/PE,relator MinistroHERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 8/3/2021, DJe de 16/3/2021.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RPV. CANCELAMENTO. EXPEDIÇÃO DE NOVA REQUISIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ASPECTOS FÁTICOS NÃO DESCRITOS NO ACORDÃO RECORRIDO. RETORNO À ORIGEM.
1. A comprovação da divergência jurisprudencial, na forma dos arts.1.029, § 1º, do CPC e 255 do RISTJ, demanda o cotejo analítico dos acórdãos confrontados, com demonstração da similitude fática existente entre eles.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017. Precedente.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp 1.859.409/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp 1.308.581/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe 29/3/2016).
5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo o Colegiado regional avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento da RPV e do novo pedido.
(REsp n. 1.844.138/PE, de minha relatoria, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/9/2020, DJe de 9/10/2020.)
Na presente hipótese, do acórdão recorrido, não é possível extrair as datas de realização dos atos processuais, de modo que, sem o exame dos aspectos fáticos da causa, não é possível resolver definitivamente a controvérsia nesta instância.
Essa impossibilidade impõe a devolução do autos à origem para que a Cortea quoexamine esses aspectos de sua competência e, em seguida, faça incidir a orientação firmada por este Tribunal Superior.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DIREITO À ESPÉCIE. APLICAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. INVIABILIDADE.
..
3. O art. 1.034 do CPC/2015 prescreve ser possível ao Superior Tribunal de Justiça, uma vez admitido o recurso, julgar a causa, aplicando o direito ao caso concreto; entretanto, o referido comando legal i) não tem lugar na apreciação de especial regido pela sistemática do CPC/1973, a teor do Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, acima transcrito; ii) não se aplica quando a providência requerida pela parte imprescinde do exame de matéria fático-probatória e iii) não impede "o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes" (EDcl no REsp 1308581/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 29/03/2016), como verificado na hipótese.
4. Agravo desprovido.
(AgInt no AREsp n. 548.996/SP,relator MinistroGURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/3/2018, DJe de 11/5/2018.)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, ACOLHENDO A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, PARA EXCLUIR A PARTE RECORRENTE, ORA EMBARGANTE, DO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. ALEGADA OMISSÃO SOBRE OS HONORÁRIOS DE ADVOGADO. VÍCIO CONFIGURADO, NA ESPÉCIE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS, EM PARTE, PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL DE ORIGEM PROCEDA AO ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
..
IV. Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie. Nesse sentido: STJ, EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 938.704/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/10/2013.
V. Considerando que a fixação dos honorários advocatícios deve levar em conta algumas circunstâncias fáticas da causa, descritas nas alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do art. 20 do CPC, no caso revela-se inviável ao STJ, desde logo, aplicar o direito à espécie, pelo que se impõe o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção dos fatos às aludidas disposições processuais incidentes, na espécie.
VI. Embargos de Declaração acolhidos, em parte, para, sanando a omissão apontada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que ali se proceda ao arbitramento dos honorários de advogado.
(EDcl no REsp n. 1.308.581/PR,relatora MinistraASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016.)
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe provimento para reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pequeno valor, devendo o colegiado regional avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento do anterior e do novo pedido.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães, Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp n. 1.308.581/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, providopara reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo a origem avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento e do novo pedido.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso especial interposto pelo DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS - DNOCS contra acórdão do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RPV CANCELADA. LEI 13.463/2017. PEDIDO DE NOVA EXPEDIÇÃO. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE.
1. Agravo de instrumento interposto pela DNOCS em face de decisão que deferiu o pedido de expedição de nova RPV, tendo em vista o cancelamento do requisitório anteriormente expedido por força do disposto na Lei 13.463/2017.
2. O Agravante alega, em síntese, que a pretensão está fulminada pela prescrição, haja vista o decurso demais de 5 anos entre o falecimento do beneficiário do crédito em 2012 e o pedido de habilitação em 2018.
3. A decisão recorrida encontra-se em consonância com o entendimento da eg. 2ª Turma deste Regional, firmado no sentido de que, com a expedição da requisição de pagamento, considera-se satisfeita a execução, com exaurimento da fase processual, não cabendo, assim, falar em prescrição intercorrente. Nesse sentido: PJE 0804150-48.2019.4.05.0000, 2ªT., Rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, julg. em: 28/05/2019.
4. Com efeito, a partir do momento em que a executada realizou o pagamento, o processo executivo judicial foi extinto, ainda que o depósito tenha sido realizado em uma instituição financeira, sendo forçoso reconhecer que o valor depositado passou para esfera patrimonial do beneficiário.
5. Digno de destaque, ainda, que a própria Lei 13.463/2017 autoriza, em seu art. 3º, a expedição de novo requisitório, a requerimento do credor, sem que tenha fixado prazo prescricional para tanto.
6. Agravo de instrumento desprovido.
Os embargos de declaração opostos foram rejeitados (e-STJ, fls. 98-99).
O recorrente, com fundamento na alínea "a" do inciso III do art. 105 da Constituição da República, aponta violação dos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 (313, I, e 485, II, do CPC/2015);196 e 199, I, do CC.
Registra que, "conforme se verifica do acórdão recorrido, o ex-servidor .. faleceu em 13/03/2012. Entretanto, a habilitação da herdeira apenas foi promovida em 21/08/2018" (e-STJ, fl. 109).
Defende que, " .. por determinação expressa constante no Código Civil, a prescrição iniciada contra uma pessoa continua a correr contra seu sucessor, salvo se sobrevier alguma causa impeditiva ou suspensiva da prescrição" (e-STJ, fl. 111), o que não é o caso.
Sustenta, por isso, a ocorrência da prescrição, já que superado o prazo quinquenal estabelecido no art. 1º do Decreto n. 20.910/1932.
Refere contrariedade a esse dispositivo legal relativamente à expedição da nova RPV, pois, "no caso dos autos, conforme argumentado, o valor devido ao exequente foi depositado em 07/2012 pelo ente público, e, cancelado, conforme Lei 13.463/2017, sendo que o pleito de reexpedição da RPV foi formulado em 2018, ou seja, após o decurso de mais de 5 anos" (e-STJ, fl. 119).
Acrescenta que, "uma vez interrompido o prazo prescricional, o que ocorreu com o início da execução do julgado e terminou com a expedição da requisição de pagamento, o novo prazo começa a correr pela metade, nos termos do art. 9ºdo mesmo Decreto" (e-STJ, fl. 119).
Contrarrazões às e-STJ, fls. 130-137.
É o relatório.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp n. 1.308.581/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, providopara reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo a origem avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento e do novo pedido.
VOTO
O presente recurso merece prosperar em parte.
Tem-se, na origem, agravo de instrumento interposto pelo ente público contra decisão do juiz " .. que deferiu o pedido de expedição de nova RPV, tendo em vista o cancelamento do requisitório anteriormente expedido por força do disposto na Lei 13.463/2017" (e-STJ, fl. 61).
O Tribunala quomanteve essa solução, fazendo o seguinte registro (e-STJ, fl. 61):
A decisão recorrida encontra-se em consonância com o entendimento da eg. 2ª Turma deste Regional, firmado no sentido de que, com a expedição da requisição de pagamento, considera-se satisfeita a execução, com exaurimento da fase processual, não cabendo, assim, falar em prescrição intercorrente. Nesse sentido: PJE 0804150-48.2019.4.05.0000, 2ª T., Rel. Des. Federal Paulo Cordeiro, julg. em: 28/05/2019.
Com efeito, a partir do momento em que a executada realizou o pagamento, o processo executivo judicial foi extinto, ainda que o depósito tenha sido realizado em uma instituição financeira, sendo forçoso reconhecer que o valor depositado passou para esfera patrimonial do beneficiário.
Digno de destaque, ainda, que a própria Lei 13.463/2017 autoriza, em seu art. 3º, a expedição de novo requisitório, a requerimento do credor, sem que tenha fixado prazo prescricional para tanto.
Essa exposição demonstra que a tese fundada nosarts. 265, I, e 267, II, do CPC/1973 e196 e 199, I, do CCnão foi debatida na instância inferior.
Desse modo, carece o tema do indispensável prequestionamento viabilizador do recurso especial, motivo pelo qual não merece ser apreciado, consoante o que preceituam as Súmulas 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal, respectivamente transcritas:
É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.
O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento.
Nesse aspecto, confira-se o seguinte precedente:
PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATOS DE IMPROBIDADE - ANÁLISE DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS - SÚMULA 7/STJ - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULAS 282 E 356 DO STF E 211 DO STJ - INOVAÇÃO RECURSAL.
1. A falta de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de embargos de declaração, impede o seu conhecimento (Súmula 211 do STJ), bem como é manifestamente inadmissível o recurso especial em relação às teses que configuram inovação recursal e, por isso, não foram apreciadas pelo acórdão recorrido.
2. Inviável análise de pretensão que demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. É inadmissível o recurso especial se o dispositivo legal apontado como violado não fez parte do juízo firmado no acórdão recorrido e se o Tribunal a quo não emitiu qualquer juízo de valor sobre a tese defendida no especial (Súmulas nºs 282 e 356/STF).
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp n. 15.180/PR, relatora Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 10/5/2013.)
Com respeito ao outro ponto, aSegunda Turma desta Corte Superior, recentemente, no julgamento do REsp n. 1.859.409/RN, negou a imprescritibilidade da pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
Nessa oportunidade, definiu-se que, por aplicação do princípio daactio nata, "o direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados".
O precedente, da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, recebeu a seguinte ementa:
ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. ADMINISTRATIVO. RPV. CANCELAMENTO. LEI Nº 13.463/2017. EXPEDIÇÃO DE NOVA RPV A REQUERIMENTO DO CREDOR. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932. NÃO OCORRÊNCIA. TEORIA DAACTIO NATA.
1. Estabelecem, respectivamente, os arts. 2º e 3º da Lei 13.463/2017: "Ficam cancelados os precatórios e as RPV federais expedidos e cujos valores não tenham sido levantados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial", "cancelado o precatório ou a RPV, poderá ser expedido novo ofício requisitório, a requerimento do credor".
2. A pretensão de expedição de novo precatório ou nova RPV, após o cancelamento de que trata o art. 2º da Lei nº 13.463/2017, não é imprescritível.
3. O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados.
4. " .. no momento em que ocorre a violação de um direito, considera-se nascida a ação para postulá-lo judicialmente e, consequentemente, aplicando-se a teoria daactio nata, tem início a fluência do prazo prescricional" (REsp 327.722/PE, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TURMA, DJ 17/09/2001, p. 205).
5. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020.)
No mesmo sentido, cito ainda:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR. VERBAS SALARIAIS. EXECUÇÃO. REQUISIÇÃO DE PAGAMENTO. CANCELAMENTO. NOVA REQUISIÇÃO. FLUÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL A CONTAR DA DATA DO CANCELAMENTO. NÃO OCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.
I - Na origem, trata-se de agravo de instrumento contra decisão que determinou a expedição de novo requisitório, após o cancelamento anterior, em razão do transcurso do prazo de 2 anos, previsto no art. 2º da Lei n. 13.463/17. No Tribunal a quo, negou-se provimento ao agravo de instrumento.
II - O agravo interno não merece provimento, ainda que por fundamento diverso. No caso dos autos, a Fazenda Nacional desenvolve a pretensão do agravo de instrumento sob o fundamento da existência de prescrição intercorrente, tendo como termo inicial a data do depósito do requisitório e não do seu cancelamento (fls. 285 e 296). A pretensão foi afastada pela Corte a quo com fundamento na inexistência de prescrição intercorrente, porquanto exercida a pretensão executória pela parte exequente. A discussão travada nos autos não diz respeito à prescrição intercorrente da pretensão executória, mas sim à prescrição da pretensão de novo pedido de expedição de precatório ou RPV, após o cancelamento.
III - Conforme entendimento desta Segunda Turma: "não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017"; e "o direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados". Nesse sentido: REsp n. 1.844.138/PE, relator Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 22/9/2020, DJe 9/10/2020; REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 25/6/2020.
IV - No caso dos autos, a RPV foi cancelada após dois anos da disponibilização, que ocorreu em 26/4/2012 (fl. 322). Assim, considerando-se que o cancelamento pelo transcurso de dois anos teria ocorrido em 26/4/2014, seria essa a data de início de transcurso do prazo para nova requisição, conforme a jurisprudência desta Corte. Portanto, eventual prazo de 5 anos, defendido pela agravante e ratificado na jurisprudência, somente se encerraria em 26/4/2019. Considerando que a expedição de novo requisitório ocorreu antes desta data, 2018, como afirma a parte recorrente (fl. 348), não há fundamento para se falar em prescrição ou prescrição intercorrente da pretensão quanto ao novo pedido requisitório, tal como consignado pela Corte de origem.
V - Agravo interno improvido.
(AgInt no AREsp n. 1.724.763/PE, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/3/2021, DJe de 26/3/2021.)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR - RPV. CANCELAMENTO. LEI 13.463/2017. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. TERMO INICIAL. EXPEDIÇÃO DE NOVA REQUISIÇÃO. QUESTÕES FÁTICAS NÃO DELINEADAS NO ACORDÃO RECORRIDO. RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se, em Execução contra a Fazenda Pública, após escoado o prazo para saque de valor depositado por meio de requisição de pequeno valor - RPV, a pretensão de reexpedição do requisitório é fulminada pela prescrição.
2. Com efeito, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.859.409/RN, negou a imprescritibilidade da pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei 13.463/2017.
3. Naquela oportunidade, definiu-se que, por aplicação do princípioactio nata, "o direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados".
4. Na leitura do acórdão recorrido, verifica-se que não é possível extrair as datas de realização dos atos processuais, de modo que, sem o exame dos aspectos fáticos da causa, não é possível resolver definitivamente a controvérsia nesta instância.
5. Essa impossibilidade impõe a devolução do autos à Corte de origem para que examine esses aspectos de sua competência e, em seguida, faça incidir a orientação firmada por este Tribunal Superior.
6. Agravo Interno provido para se conhecer do Agravo e dar parcial provimento ao Recurso Especial, a fim de reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo o Tribunal Regional avaliar o transcurso do prazo prescricional entre a data do cancelamento da RPV e a do novo pedido.
(AgInt no AREsp n. 1.731.930/PE,relator MinistroHERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 8/3/2021, DJe de 16/3/2021.)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. RPV. CANCELAMENTO. EXPEDIÇÃO DE NOVA REQUISIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ASPECTOS FÁTICOS NÃO DESCRITOS NO ACORDÃO RECORRIDO. RETORNO À ORIGEM.
1. A comprovação da divergência jurisprudencial, na forma dos arts.1.029, § 1º, do CPC e 255 do RISTJ, demanda o cotejo analítico dos acórdãos confrontados, com demonstração da similitude fática existente entre eles.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017. Precedente.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp 1.859.409/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp 1.308.581/PR, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe 29/3/2016).
5. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, parcialmente provido para reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo o Colegiado regional avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento da RPV e do novo pedido.
(REsp n. 1.844.138/PE, de minha relatoria, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/9/2020, DJe de 9/10/2020.)
Na presente hipótese, do acórdão recorrido, não é possível extrair as datas de realização dos atos processuais, de modo que, sem o exame dos aspectos fáticos da causa, não é possível resolver definitivamente a controvérsia nesta instância.
Essa impossibilidade impõe a devolução do autos à origem para que a Cortea quoexamine esses aspectos de sua competência e, em seguida, faça incidir a orientação firmada por este Tribunal Superior.
A propósito:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. DIREITO À ESPÉCIE. APLICAÇÃO. MATÉRIA FÁTICA. INVIABILIDADE.
..
3. O art. 1.034 do CPC/2015 prescreve ser possível ao Superior Tribunal de Justiça, uma vez admitido o recurso, julgar a causa, aplicando o direito ao caso concreto; entretanto, o referido comando legal i) não tem lugar na apreciação de especial regido pela sistemática do CPC/1973, a teor do Enunciado Administrativo n. 2 do STJ, acima transcrito; ii) não se aplica quando a providência requerida pela parte imprescinde do exame de matéria fático-probatória e iii) não impede "o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes" (EDcl no REsp 1308581/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2016, DJe 29/03/2016), como verificado na hipótese.
4. Agravo desprovido.
(AgInt no AREsp n. 548.996/SP,relator MinistroGURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/3/2018, DJe de 11/5/2018.)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO EMBARGADO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, ACOLHENDO A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, PARA EXCLUIR A PARTE RECORRENTE, ORA EMBARGANTE, DO POLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. ALEGADA OMISSÃO SOBRE OS HONORÁRIOS DE ADVOGADO. VÍCIO CONFIGURADO, NA ESPÉCIE. EMBARGOS DECLARATÓRIOS ACOLHIDOS, EM PARTE, PARA DETERMINAR QUE O TRIBUNAL DE ORIGEM PROCEDA AO ARBITRAMENTO DOS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.
..
IV. Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie. Nesse sentido: STJ, EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 938.704/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/10/2013.
V. Considerando que a fixação dos honorários advocatícios deve levar em conta algumas circunstâncias fáticas da causa, descritas nas alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do art. 20 do CPC, no caso revela-se inviável ao STJ, desde logo, aplicar o direito à espécie, pelo que se impõe o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção dos fatos às aludidas disposições processuais incidentes, na espécie.
VI. Embargos de Declaração acolhidos, em parte, para, sanando a omissão apontada, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que ali se proceda ao arbitramento dos honorários de advogado.
(EDcl no REsp n. 1.308.581/PR,relatora MinistraASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016.)
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe provimento para reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pequeno valor, devendo o colegiado regional avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento do anterior e do novo pedido.
É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. CANCELAMENTO. NOVA EXPEDIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ASPECTOS FÁTICOS NÃO DESCRITOS NO ACORDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO NESSA EXTENSÃO PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOSÀ ORIGEM.
1.A tese fundada nos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 e 196 e 199, I, do CC não foi debatida na instância inferior, carecendo do necessário prequestionamento. Incidências das Súmulas 282 e 356 do STF.
1.A tese fundada nos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 e 196 e 199, I, do CC não foi debatida na instância inferior, carecendo do necessário prequestionamento. Incidências das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp n. 1.308.581/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, providopara reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo a origem avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento e do novo pedido. | PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. CANCELAMENTO. NOVA EXPEDIÇÃO. PRESCRIÇÃO. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/1932. ASPECTOS FÁTICOS NÃO DESCRITOS NO ACORDÃO RECORRIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO NESSA EXTENSÃO PARA DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOSÀ ORIGEM.
1.A tese fundada nos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 e 196 e 199, I, do CC não foi debatida na instância inferior, carecendo do necessário prequestionamento. Incidências das Súmulas 282 e 356 do STF. | 1.A tese fundada nos arts.265, I, e 267, II, do CPC/1973 e 196 e 199, I, do CC não foi debatida na instância inferior, carecendo do necessário prequestionamento. Incidências das Súmulas 282 e 356 do STF.
2. Conforme o entendimento da Segunda Turma desta Corte Superior, não é imprescritível a pretensão de expedição de novo precatório ou RPV após o cancelamento estabelecido pelo art. 2º da Lei n. 13.463/2017.
3. "O direito do credor de que seja expedido novo precatório ou nova RPV começa a existir na data em que houve o cancelamento do precatório ou RPV cujos valores, embora depositados, não tenham sido levantados" (REsp n. 1.859.409/RN, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/6/2020, DJe de 25/6/2020).
4. "Com efeito, quando a aplicação do direito à espécie pressupõe o exame de matéria de fato, faz-se necessário o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para ultimação do procedimento de subsunção das circunstâncias fáticas da causa às normas jurídicas incidentes, na espécie" (EDcl no REsp n. 1.308.581/PR, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 17/3/2016, DJe de 29/3/2016).
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, providopara reconhecer a prescritibilidade da pretensão de expedição de nova requisição de pagamento, devendo a origem avaliar o transcurso do prazo prescricional entre as datas do cancelamento e do novo pedido. | N |
142,345,836 | EMENTA
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ABORDAGEM POLICIAL REALIZADA ENTRE OS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL E SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DECLARADA POR JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU E CONFIRMADA PELO TRIBUNAL LOCAL. NULIDADE DO ATO DECISÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A impetração narra que foram distribuídos dois procedimentos criminais distintos, um perante o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS e outro no Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP.
2. No feito que tramitou perante a justiça estadual de Mato Grosso do Sul, foi acolhida manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito policial, por se entender configurada causa excludente de ilicitude.
3. Em momento posterior, foi oferecida denúncia contra os ora pacientes, pelos mesmos fatos, perante a Justiça Estadual de São Paulo. Nos autos, a Magistrada singular declarou a incompetência (territorial e pela regra da prevenção) do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS, ato decisório confirmado pelo Tribunal a quo, no julgamento do writ originário.
4. Verifica-se a ilegalidade na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois é atribuição desta Corte Superior a análise de eventual conflito de competência "entre juízes vinculados a tribunais diversos" (art. 105, I, "d", parte final, da Constituição Federal).
5. No entanto, não é possível definir o Juízo competente na via mandamental, pois: a) demanda dilação probatória, a fim de definir o local em que se deu o delito e as nuances referentes ao local em que primeiramente foi instaurada persecução criminal válida; b) invade competência exclusiva de outro órgão jurisdicional, a Terceira Seção desta Corte Superior.
6. Ordem concedida para: a) anular os atos decisórios que declararam a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP e b) determinar o prosseguimento do feito; c) recomendar que, se entender cabível, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP) instaure o conflito de competência.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz concedendo a ordem para fim diverso do Sr. Ministro Relator, sendo acompanhado pelos Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz, e do voto do Sr. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do Tribunal Regional Federal - 1ª Região) seguindo o Sr. Ministro Relator, a Sexta Turma, por maioria, concedeu o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz. Vencidos os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região).
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus impetrado em nome de Paulo Roberto dos Santos e Reginaldo Jose dos Santos, que respondem a ação penal pela prática dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, em razão a seguinte ação delituosa (fls. 159/160):
Segundo se apurou, as vítimas Carlos e Antonio se dirigiram ao Paraguai, de carro, e lá adquiriram mercadorias, sendo que na volta da viagem não pagaram o imposto devido referente à importação. Carlos conduzia o veículo GM/VECTRA, placas DZB 0007, ao passo que Antonio ocupava o banco do passageiro. Eles, então, de posse das referidas mercadorias, se depararam com a polícia no Posto Fiscal do Porto XV de Novembro, em Bataguassu/MS, e desobedeceram ordem de parada.
Na sequência, os Policial Militares REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, em viatura, iniciaram perseguição a este veículo que se evadiu, ocupado por Carlos e Antonio.
Percorridos alguns quilômetros, adentraram a cidade de Presidente Epitácio e, então, os policiais passaram a atirar em direção ao veículo Vectra.
Desferidos diversos disparos, um deles atingiu a cabeça de Antonio, causando-lhe lesões que acarretam seu óbito. Carlos, por sua vez, não foi atingido, por circunstâncias alheias ao risco assumido pelos policiais.
Ataca-se o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no HC n. 2118736-45.2020.8.26.0000 (fls. 140/145), que manteve decisão indeferindo pedido de reconhecimento da coisa julgada formal e material e a consequente extinção do processo que apura a prática, em tese, dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, proferida na Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481 (fls. 82/83)da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP.
Alega-se constrangimento ilegal consistente em violação da coisa julgada, ao argumento de que, pelos mesmos fatos da acusação formulada no processo acima indicado, já houve pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, pelo reconhecimento de excludente de ilicitude (fl. 7).
Requer-se, então, a concessão da ordem, inclusive em caráter liminar, para determinar a suspensão do processo até final julgamento do recurso ordinário n. 2118736-45.2020.8.26.0000, ou até que haja Decisão válida proferida por Autoridade Competente para anular o processo que tramitou pelo Judiciário de Mato Grosso do Sul sob o n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fl. 20).
Em 9/4/2021, foi deferido o pedido liminar para suspender a tramitação da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481, da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, até o julgamento do mérito do presente writ (fls. 176/179).
Prestadas informações pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, acerca do andamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481 (fls. 184/185, 301/302 e 419/420), e pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS, noticiando o arquivamento dos Autos n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fls. 552/553):
Recebido o inquérito, foi encaminhado ao Ministério Público (f. 275).
Instado, o Ministério Público, manifestou-se no sentido de que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa, ainda que eventualmente putativa, razão pela qual, requereu o arquivamento dos autos, ressalvado o disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal (f. 281-8).
Por fim, adotando-se das razões apresentadas pelo Ministério Público, o Juízo titular da Primeira Vara determinou o arquivamento do feito (f. 289).
Em seu parecer (fls. 556/560), o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento ou pela denegação do writ:
Habeas corpus substitutivo. Descabimento. Homicídios praticados por Policiais Militares sul-matogrossenses, na BR-267, em perseguição iniciada em Bataguassu/MS e terminada em Presidente Epitácio/SP. Controvérsia que se resolve, objetivamente, pela percepção de que a Justiça do Estado de São Paulo é a Justiça competente para processar e julgar a ação penal. Crime que praticado e consumado em SP. Inteligência do art. 6º do CP e do art. 70 do CPP. Inquérito policial (arquivado no MS) que absolutamente não prejudica a ação penal em tramitação na Justiça de São Paulo. Inexistência de constrangimento ou ilegalidade. Parecer pelo não conhecimento ou pela denegação do writ.
Juntadas aos autos cópias da manifestação do Ministério Público de Mato Grosso do Sul no Inquérito Policial Militar n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fls. 562/564), decisão do Juízo de Direito da Auditoria Militar da comarca de Campo Grande (fl. 565) e despacho do Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS (fl. 566).
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS. JUSTA CAUSA. HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. PERSECUÇÃO PENAL NA COMARCA DE BATAGUASSU/MS, COM ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. PERSECUÇÃO PENAL NA COMARCA DE PRESIDENTE EPITÁCIO/SP, COM RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PETIÇÕES DE ADITAMENTO À INICIAL. LIMINAR DEFERIDA. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO OU PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. COISA JULGADA. PRECEDENTES.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. A decisão judicial que, acolhendo as razões invocadas pelo Ministério Público, arquiva o inquérito policial, não faz coisa julgada. Logo, a autoridade policial poderá "proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia" (artigo 18 do CPP), e o Ministério Público, promover ação penal, desde que recolhidas provas substancialmente novas (Súmula 524 do STF) que deem lastro à imputação (RHC n. 79.424/PA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 26/3/2019).
2. In casu, verifica-se que o arquivamento foi homologado ao fundamento de que os pacientes agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa (fl. 35), operando coisa julgada material em relação à conduta delitiva imputada aos mesmos. Precedentes do STJ.
3. A Suprema Corte tem entendimento de que, mesmo na ocorrência de excludente de ilicitude, é possível o desarquivamento do inquérito policial, desde que surjam novas provas que justifiquem a medida. Precedentes.
4. Se se adotasse tal entendimento, tem-se que seria competente para julgar a matéria, nos termos do art. 70, § 3º, segunda parte, do CPP, o Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS - uma vez que, declinada a competência da Auditoria Militar da comarca de Campo Grande/MS, em 17/12/2019 (fl. 565), foi preferido despacho por esse Juízo em 30/4/2020 (fl. 565), data anterior ao recebimento da denúncia pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, em 15/5/2020 (fls. 174/175).
5. Então, o inquérito policial arquivado na comarca de Bataguassu/MS poderia, se esse fosse o caso, ser desarquivado, nos termos do art. 18 do CPP e do Enunciado n. 524 da Súmula do STF -arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas (Enunciado n. 524 da Súmula do STF, Tribunal Pleno, DJ de 12/12/1969)-, o que não ocorreu na espécie.
6. Ordem concedida para determinar o trancamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP.
VOTO
Busca a impetração o reconhecimento de coisa julgada, ao argumento de que o delito objeto da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SPjá foi objeto de pronunciamento judicial pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS, que homologou o pedido de arquivamento do Inquérito Policial n. 0036093-85.2019.8.12.0001.
Da análise dos autos, tem-se que a pretensão mandamental foi indeferida pela Corte estadual, aos seguintes fundamentos (fls. 143/144):
De acordo com a impetração, os pacientes estariam sendo processados em duplicidade pela prática dos mesmos fatos, posto que o inquérito policial instaurado na Comarca de Bataguassu-MS teria sido arquivado em razão do reconhecimento pela autoridade judicial de excludente de ilicitude, ao passo que no inquérito instaurado na comarca de Presidente Epitácio-SP já teria sido ofertada denúncia, o que violaria a "coisa julgada material".
É sabido que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração penal ou, também no caso, de crime tentado, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, nos termos do artigo 70 do Código de Processo Penal.
Note-se que, mesmo que assim não fosse, quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada e/ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firma-se pela prevenção, conforme preceituado pelo artigo 70, § 3º, do Código de Processo Penal.
E, no presente caso, tem-se que o evento consumado (morte da vítima Antônio Venâncio de Castro) ocorreu na Comarca de Presidente Epitácio-SP, determinando, portanto, a competência para o processamento e julgamento dos crimes imputados aos pacientes.
De mais a mais, de acordo com os autos de origem, a autoridade apontada como coatora, na decisão de fls. 950/952 daqueles autos, é preventa para condução do processo desde 24/06/2019, ocasião em que foi instaurada a investigação policial (cf. fl. 05 dos autos de origem); ao passo que o Juízo de Bataguassu-MS proferiu sua primeira manifestação muito tempo depois, ou seja, somente no dia 30/04/2020. Não bastasse isso, o recebimento da denúncia pelo Juiz da Comarca de Presidente Epitácio-SP se deu em 05/03/2020 (fls. 173/174 dos autos originais), isto é, também antes mesmo de qualquer ato praticado pelo Juiz de Bataguassu-MS.
Sendo assim, não se pode falar que os pacientes estariam sendo processados "novamente" por fatos que já teriam sido arquivados pelo Juízo de Bataguassu-MS, uma vez que tal arquivamento foi realizado por autoridade incompetente e em data posterior à instauração de investigação na Comarca de Presidente Epitácio-SP, como se viu acima.
Insta registra, por derradeiro, que não há falar-se também em bis in idem se em um caso houve arquivamento e em outro denúncia.
Ademais, tem-se que o Ministério Público de Mato Grosso promoveu o arquivamento (fls. 27/37) de inquérito policial - instaurado a fim de se apurar eventual prática do delito de homicídio, previsto no artigo 121, "caput", do Código Penal, tendo como vítima Antônio Venâncio de Castro, ocorrido no dia 21 de junho de 2019, por volta das 10h30min, na Rodovia 267, Km 12, Nova Porto XV, nesta cidade e comarca de Bataguassu/MS (fl. 27) -, ao fundamento de que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal, e em legítima defesa, ainda que eventualmente putativa (fl. 34), que foi homologado pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS (fl. 35 - Autos n. 0036093-85.2019.8.12.0001).
Outrossim, o Ministério Público de São Paulo ofertou denúncia em face dos pacientes (fls. 159/161), que foi recebida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP (fls. 174/175), em razão da seguinte conduta (fls. 159/160):
Consta do incluso inquérito policial que, em 21 de junho de 2019, por volta das 12h10min, na Rua Maceió, nº 2055, nesta comarca de Presidente Epitácio, REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS, qualificado a fls. 112, e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, qualificado a fls. 116, em concurso de agentes, com unidade de desígnios, agindo com dolo eventual, tentaram matar Carlos Roberto do Espirito Santo Junior, sem, contudo, atingi-lo, e mataram Antonio Venancio de Castro, mediante disparos de arma de fogo, causando-lhe os ferimentos que provocaram sua morte, descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 37/41.
Segundo se apurou, as vítimas Carlos e Antonio se dirigiram ao Paraguai, de carro, e lá adquiriram mercadorias, sendo que na volta da viagem não pagaram o imposto devido referente à importação. Carlos conduzia o veículo GM/VECTRA, placas DZB 0007, ao passo que Antonio ocupava o banco do passageiro. Eles, então, de posse das referidas mercadorias, se depararam com a polícia no Posto Fiscal do Porto XV de Novembro, em Bataguassu/MS, e desobedeceram ordem de parada.
Na sequência, os Policial Militares REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, em viatura, iniciaram perseguição a este veículo que se evadiu, ocupado por Carlos e Antonio.
Percorridos alguns quilômetros, adentraram a cidade de Presidente Epitácio e, então, os policiais passaram a atirar em direção ao veículo Vectra.
Registre-se que a decisão judicial que, acolhendo as razões invocadas pelo Ministério Público, arquiva o inquérito policialnão faz coisa julgada. Logo, a autoridade policial poderá "proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia" (artigo 18 do CPP), e o Ministério Público, promover ação penal, desde que recolhidas provas substancialmente novas (Súmula 524 do STF) que deem lastro à imputação (RHC n. 79.424/PA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 26/3/2019).
In casu, verifica-se que o arquivamento foi homologado ao fundamento de que os pacientes agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa (fl. 35), operando coisa julgada material em relação à conduta delitiva imputada aos mesmos.
Nesse sentido, confiram-se os julgados:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO POR RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA. DESARQUIVAMENTO POR PROVAS NOVAS. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. PRECEDENTES.
1. A permissão legal contida no art. 18 do CPP, e pertinente Súmula 524/STF, de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas, somente tem incidência quando o fundamento daquele arquivamento foi a insuficiência probatória - indícios de autoria e prova do crime.
2. A decisão que faz juízo de mérito do caso penal, reconhecendo atipia, extinção da punibilidade (por morte do agente, prescrição..), ou excludentes da ilicitude, exige certeza jurídica - sem esta, a prova de crime com autor indicado geraria a continuidade da persecução criminal - que, por tal, possui efeitos de coisa julgada material, ainda que contida em acolhimento a pleito ministerial de arquivamento das peças investigatórias.
3. Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas. Precedentes.
4. Recurso especial improvido.
(REsp n. 791.471/RJ, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 25/11/2014, DJe 16/12/2014 - grifo nosso)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL PERANTE O JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRECEDENTES.
1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes do STJ.
2. No caso, resta evidenciada essa excepcionalidade. O arquivamento do inquérito policial no âmbito da Justiça Militar se deu em virtude da promoção ministerial no sentido da incidência de causa excludente de ilicitude.
3. Embora o inquérito policial possa ser desarquivado em face de novas provas, tal providência somente se mostra cabível quando o arquivamento tenha sido determinado por falta de elementos suficientes à deflagração da ação penal, o que não se verifica na espécie. Precedentes.
4. Ainda que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, nos termos do disposto no art. 9.º do Código Penal Militar, porquanto praticado por militar fora do exercício da função, produz coisa julgada material.
5. Recurso conhecido e provido para determinar o trancamento da ação penal n.200420500013, em trâmite na 5.ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Aracajú/SE.
(RHC n. 17.389/SE, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 7/4/2008 - grifo nosso)
A Suprema Corte tem entendimento de que, mesmo na ocorrência de excludente de ilicitude, é possível o desarquivamento do inquérito policial, desde que surjam novas provas que justifiquem a medida. Confiram-se:
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. LEGÍTIMA DEFESA. FRAUDE PROCESSUAL. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DESARQUIVAMENTO POSTERIOR. NOVOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLHIDOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
I - O arquivamento de inquérito policial não faz coisa julgada nem causa a preclusão.
II - Contrariamente ao que ocorre quando o arquivamento se dá por atipicidade do fato, a superveniência de novas provas relativamente a alguma excludente de ilicitude admite o desencadeamento de novas investigações.
III - Ordem denegada.
(HC n. 87395, Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 13/3/2018)
Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II). Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte. Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada.
1. O arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente.
2. Inexistência de impedimento legal para a reabertura do inquérito na seara comum contra o paciente e o corréu, uma vez que subsidiada pelo surgimento de novos elementos de prova, não havendo que se falar, portanto, em invalidade da condenação perpetrada pelo Tribunal do Júri.
3. Ordem denegada.
(HC n. 125.101, Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 11/9/2015)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL: ARQUIVAMENTO ORDENADO POR JUIZ COMPETENTE A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM BASE NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ANTIJURIDICIDADE. DESARQUIVAMENTO. NOVAS PROVAS: POSSIBILIDADE. SÚMULA 524 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM DENEGADA.
1. A decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério Público e determinada por juiz competente, que reconhece que o fato apurado está coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de crime quando surgirem novas provas, suficientes para justificar o desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste Supremo Tribunal Federal.
2. Habeas corpus conhecido e denegado.
(HC n. 95211, Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 22/8/2011)
Se se adotasse tal entendimento, seria necessário fixar a competência para julgar a referida infração penal.
Nos termos do art. 70, § 3º, segunda parte, do CPP - quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção -, pois, na promoção de arquivamento do Inquérito n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fls. 27/34), a investigação foi instaurada a fim de se apurar eventual prática do delito de homicídio, previsto no artigo 121, "caput", do Código Penal, tendo como vítima Antônio Venâncio de Castro, ocorrido no dia 21 de junho de 2019, por volta das 10h30min, na Rodovia 267, Km 12, Nova Porto XV, nesta cidade e comarca de Bataguassu/MS (fl. 27 - grifo nosso).
Noutro giro, na denúncia (fls. 159/161) que originou a Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481, restou assentando queconsta do incluso inquérito policial que, em 21 de junho de 2019, por volta das 12h10min, na Rua Maceió, nº 2055, nesta comarca de Presidente Epitácio, REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS, qualificado a fls. 112, e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, .. tentaram matar Carlos Roberto do Espirito Santo Junior, sem, contudo, atingi-lo, e mataram Antonio Venancio de Castro, mediante disparos de arma de fogo (fl. 159 - grifo nosso).
Assim, aplicada a competência por prevenção, seria competente para julgar o caso o Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS - uma vez que, declinada competência da Auditoria Militar da comarca de Campo Grande/MS, em 17/12/2019 (fl. 565), foi preferido despacho por esse Juízo em 30/4/2020 (fl. 565), data anterior ao recebimento da denúncia pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, em 15/5/2020 (fls. 174/175).
Então, o inquérito policial arquivado na comarca de Bataguassu/MS poderia, se esse fosse o caso, ser desarquivado, nos termos do art. 18 do CPP e do Enunciado n. 524 da Súmula do STF -arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas (Enunciado n. 524 da Súmula do STF, Tribunal Pleno, DJ de 12/12/1969) -, o que não ocorreu na espécie.
Conclui-se, então, que a impetração evidenciou inquestionável ilegalidade no acórdão ora hostilizado.
Em razão disso, concedo a ordem impetrada para determinar o trancamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
PAULO ROBERTO DOS SANTOS e REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS alegam sofrer constrangimento ilegal em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no HC n. 2118736-45.2020.8.26.0000.
Ao analisar o mérito da impetração, o Ministro Sebastião Reis Júnior proferiu voto pela concessão da ordem para "determinar o trancamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481 da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP". Pedi vista para exame do caso.
A situação retratada pela defesa na inicial deste writ e explicitada no voto do Ministro relator traz as seguintes nuances: a) os pacientes, no desempenho de sua função de policiais militares, iniciaram perseguição contra um veículo que desobedeceu ordem de parada em Posto Fiscal na fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul (na cidade de Bataguassu) com o Paraguai; b) durante a perseguição, ingressaram no Estado de São Paulo (cidade de Presidente Epitácio); c) nesse ínterim, foram efetuados disparos de arma de fogo pelos agentes, o que ocasionou o óbito dos ofendidos.
A impetração narra que foram distribuídos dois procedimentos criminais distintos, um perante o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS e outro no Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP.
No feito que tramitou perante a justiça estadual de Mato Grosso do Sul, foi acolhida manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito policial, por se entender configurada causa excludente de ilicitude (fl. 35).
Em momento posterior, o Ministério Público do Estado de São Paulo ofereceu denúncia contra os ora pacientes, pelos mesmos fatos. Ao apresentar resposta à acusação, a defesa suscitou tese de coisa julgada, por já haver decisão que reconhecida que os agentes atuaram em estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa. Ao analisar o pleito, a Magistrada singular declarou a incompetência (territorial e pela regra da prevenção) do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS. O ato decisório foi confirmado pelo Tribunal a quo, no julgamento do writ originário.
O relato apresentado deixa clara a ilegalidade na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como apontado pela defesa na inicial deste writ. Isso porque é atribuição desta Corte Superior a análise de eventual conflito de competência "entre juízes vinculados a tribunais diversos" (art. 105, I, "d", parte final, da Constituição Federal).
Dito de outra forma, o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP, ao tomar conhecimento da existência de outro procedimento criminal que tratava dos mesmos fatos em juízo vinculado a tribunal de justiça de outro estado, se entendesse que pela sua competência para processar e julgar o caso, deveria suscitar conflito positivo de competência perante o Superior Tribunal de Justiça e, somente após esta definição, eventualmente dar prosseguimento ao feito.
A mesma conclusão se aplica ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quanto à ilegalidade da declaração da incompetência do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS, por não se tratar de matéria de sua atribuição.
Dessa forma, os referidos atos decisórios são nulos.
No entanto, não vejo como definir o Juízo competente na via mandamental, pois: a) demanda dilação probatória, a fim de definir o local em que se deu o delito e as nuances referentes ao local em que primeiramente foi instaurada persecução criminal válida; b) invade competência exclusiva de outro órgão jurisdicional, a Terceira Seção desta Corte Superior.
Assim, com a vênia do Ministro relator, penso que a solução mais acertada seria a concessão da ordem, em menor extensão, para anular a decisão aqui combatida e determinar o prosseguimento do feito.
À vista do exposto, concedo a ordem para: a) anular os atos decisórios que declararam a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP e b) determinar o prosseguimento do feito; c) recomendar que, se entender cabível, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP) instaure o conflito de competência. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma, após o voto-vista do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz concedendo a ordem para fim diverso do Sr. Ministro Relator, sendo acompanhado pelos Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz, e do voto do Sr. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do Tribunal Regional Federal - 1ª Região) seguindo o Sr. Ministro Relator, a Sexta Turma, por maioria, concedeu o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz. Vencidos os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior e Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região).
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus impetrado em nome de Paulo Roberto dos Santos e Reginaldo Jose dos Santos, que respondem a ação penal pela prática dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, em razão a seguinte ação delituosa (fls. 159/160):
Segundo se apurou, as vítimas Carlos e Antonio se dirigiram ao Paraguai, de carro, e lá adquiriram mercadorias, sendo que na volta da viagem não pagaram o imposto devido referente à importação. Carlos conduzia o veículo GM/VECTRA, placas DZB 0007, ao passo que Antonio ocupava o banco do passageiro. Eles, então, de posse das referidas mercadorias, se depararam com a polícia no Posto Fiscal do Porto XV de Novembro, em Bataguassu/MS, e desobedeceram ordem de parada.
Na sequência, os Policial Militares REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, em viatura, iniciaram perseguição a este veículo que se evadiu, ocupado por Carlos e Antonio.
Percorridos alguns quilômetros, adentraram a cidade de Presidente Epitácio e, então, os policiais passaram a atirar em direção ao veículo Vectra.
Desferidos diversos disparos, um deles atingiu a cabeça de Antonio, causando-lhe lesões que acarretam seu óbito. Carlos, por sua vez, não foi atingido, por circunstâncias alheias ao risco assumido pelos policiais.
Ataca-se o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo no HC n. 2118736-45.2020.8.26.0000 (fls. 140/145), que manteve decisão indeferindo pedido de reconhecimento da coisa julgada formal e material e a consequente extinção do processo que apura a prática, em tese, dos crimes de homicídio qualificado e tentativa de homicídio qualificado, proferida na Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481 (fls. 82/83)da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP.
Alega-se constrangimento ilegal consistente em violação da coisa julgada, ao argumento de que, pelos mesmos fatos da acusação formulada no processo acima indicado, já houve pedido de arquivamento formulado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul, pelo reconhecimento de excludente de ilicitude (fl. 7).
Requer-se, então, a concessão da ordem, inclusive em caráter liminar, para determinar a suspensão do processo até final julgamento do recurso ordinário n. 2118736-45.2020.8.26.0000, ou até que haja Decisão válida proferida por Autoridade Competente para anular o processo que tramitou pelo Judiciário de Mato Grosso do Sul sob o n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fl. 20).
Em 9/4/2021, foi deferido o pedido liminar para suspender a tramitação da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481, da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, até o julgamento do mérito do presente writ (fls. 176/179).
Prestadas informações pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, acerca do andamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481 (fls. 184/185, 301/302 e 419/420), e pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS, noticiando o arquivamento dos Autos n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fls. 552/553):
Recebido o inquérito, foi encaminhado ao Ministério Público (f. 275).
Instado, o Ministério Público, manifestou-se no sentido de que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa, ainda que eventualmente putativa, razão pela qual, requereu o arquivamento dos autos, ressalvado o disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal (f. 281-8).
Por fim, adotando-se das razões apresentadas pelo Ministério Público, o Juízo titular da Primeira Vara determinou o arquivamento do feito (f. 289).
Em seu parecer (fls. 556/560), o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento ou pela denegação do writ:
Habeas corpus substitutivo. Descabimento. Homicídios praticados por Policiais Militares sul-matogrossenses, na BR-267, em perseguição iniciada em Bataguassu/MS e terminada em Presidente Epitácio/SP. Controvérsia que se resolve, objetivamente, pela percepção de que a Justiça do Estado de São Paulo é a Justiça competente para processar e julgar a ação penal. Crime que praticado e consumado em SP. Inteligência do art. 6º do CP e do art. 70 do CPP. Inquérito policial (arquivado no MS) que absolutamente não prejudica a ação penal em tramitação na Justiça de São Paulo. Inexistência de constrangimento ou ilegalidade. Parecer pelo não conhecimento ou pela denegação do writ.
Juntadas aos autos cópias da manifestação do Ministério Público de Mato Grosso do Sul no Inquérito Policial Militar n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fls. 562/564), decisão do Juízo de Direito da Auditoria Militar da comarca de Campo Grande (fl. 565) e despacho do Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS (fl. 566).
É o relatório.
HABEAS CORPUS. JUSTA CAUSA. HOMICÍDIO QUALIFICADO E TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRETENSÃO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. PERSECUÇÃO PENAL NA COMARCA DE BATAGUASSU/MS, COM ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. PERSECUÇÃO PENAL NA COMARCA DE PRESIDENTE EPITÁCIO/SP, COM RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. PETIÇÕES DE ADITAMENTO À INICIAL. LIMINAR DEFERIDA. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO OU PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. COISA JULGADA. PRECEDENTES.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. A decisão judicial que, acolhendo as razões invocadas pelo Ministério Público, arquiva o inquérito policial, não faz coisa julgada. Logo, a autoridade policial poderá "proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia" (artigo 18 do CPP), e o Ministério Público, promover ação penal, desde que recolhidas provas substancialmente novas (Súmula 524 do STF) que deem lastro à imputação (RHC n. 79.424/PA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 26/3/2019).
2. In casu, verifica-se que o arquivamento foi homologado ao fundamento de que os pacientes agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa (fl. 35), operando coisa julgada material em relação à conduta delitiva imputada aos mesmos. Precedentes do STJ.
3. A Suprema Corte tem entendimento de que, mesmo na ocorrência de excludente de ilicitude, é possível o desarquivamento do inquérito policial, desde que surjam novas provas que justifiquem a medida. Precedentes.
4. Se se adotasse tal entendimento, tem-se que seria competente para julgar a matéria, nos termos do art. 70, § 3º, segunda parte, do CPP, o Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS - uma vez que, declinada a competência da Auditoria Militar da comarca de Campo Grande/MS, em 17/12/2019 (fl. 565), foi preferido despacho por esse Juízo em 30/4/2020 (fl. 565), data anterior ao recebimento da denúncia pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, em 15/5/2020 (fls. 174/175).
5. Então, o inquérito policial arquivado na comarca de Bataguassu/MS poderia, se esse fosse o caso, ser desarquivado, nos termos do art. 18 do CPP e do Enunciado n. 524 da Súmula do STF -arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas (Enunciado n. 524 da Súmula do STF, Tribunal Pleno, DJ de 12/12/1969)-, o que não ocorreu na espécie.
6. Ordem concedida para determinar o trancamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP.
VOTO
Busca a impetração o reconhecimento de coisa julgada, ao argumento de que o delito objeto da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SPjá foi objeto de pronunciamento judicial pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS, que homologou o pedido de arquivamento do Inquérito Policial n. 0036093-85.2019.8.12.0001.
Da análise dos autos, tem-se que a pretensão mandamental foi indeferida pela Corte estadual, aos seguintes fundamentos (fls. 143/144):
De acordo com a impetração, os pacientes estariam sendo processados em duplicidade pela prática dos mesmos fatos, posto que o inquérito policial instaurado na Comarca de Bataguassu-MS teria sido arquivado em razão do reconhecimento pela autoridade judicial de excludente de ilicitude, ao passo que no inquérito instaurado na comarca de Presidente Epitácio-SP já teria sido ofertada denúncia, o que violaria a "coisa julgada material".
É sabido que a competência será, em regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração penal ou, também no caso, de crime tentado, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, nos termos do artigo 70 do Código de Processo Penal.
Note-se que, mesmo que assim não fosse, quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada e/ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firma-se pela prevenção, conforme preceituado pelo artigo 70, § 3º, do Código de Processo Penal.
E, no presente caso, tem-se que o evento consumado (morte da vítima Antônio Venâncio de Castro) ocorreu na Comarca de Presidente Epitácio-SP, determinando, portanto, a competência para o processamento e julgamento dos crimes imputados aos pacientes.
De mais a mais, de acordo com os autos de origem, a autoridade apontada como coatora, na decisão de fls. 950/952 daqueles autos, é preventa para condução do processo desde 24/06/2019, ocasião em que foi instaurada a investigação policial (cf. fl. 05 dos autos de origem); ao passo que o Juízo de Bataguassu-MS proferiu sua primeira manifestação muito tempo depois, ou seja, somente no dia 30/04/2020. Não bastasse isso, o recebimento da denúncia pelo Juiz da Comarca de Presidente Epitácio-SP se deu em 05/03/2020 (fls. 173/174 dos autos originais), isto é, também antes mesmo de qualquer ato praticado pelo Juiz de Bataguassu-MS.
Sendo assim, não se pode falar que os pacientes estariam sendo processados "novamente" por fatos que já teriam sido arquivados pelo Juízo de Bataguassu-MS, uma vez que tal arquivamento foi realizado por autoridade incompetente e em data posterior à instauração de investigação na Comarca de Presidente Epitácio-SP, como se viu acima.
Insta registra, por derradeiro, que não há falar-se também em bis in idem se em um caso houve arquivamento e em outro denúncia.
Ademais, tem-se que o Ministério Público de Mato Grosso promoveu o arquivamento (fls. 27/37) de inquérito policial - instaurado a fim de se apurar eventual prática do delito de homicídio, previsto no artigo 121, "caput", do Código Penal, tendo como vítima Antônio Venâncio de Castro, ocorrido no dia 21 de junho de 2019, por volta das 10h30min, na Rodovia 267, Km 12, Nova Porto XV, nesta cidade e comarca de Bataguassu/MS (fl. 27) -, ao fundamento de que os policiais agiram no estrito cumprimento do dever legal, e em legítima defesa, ainda que eventualmente putativa (fl. 34), que foi homologado pelo Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS (fl. 35 - Autos n. 0036093-85.2019.8.12.0001).
Outrossim, o Ministério Público de São Paulo ofertou denúncia em face dos pacientes (fls. 159/161), que foi recebida pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP (fls. 174/175), em razão da seguinte conduta (fls. 159/160):
Consta do incluso inquérito policial que, em 21 de junho de 2019, por volta das 12h10min, na Rua Maceió, nº 2055, nesta comarca de Presidente Epitácio, REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS, qualificado a fls. 112, e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, qualificado a fls. 116, em concurso de agentes, com unidade de desígnios, agindo com dolo eventual, tentaram matar Carlos Roberto do Espirito Santo Junior, sem, contudo, atingi-lo, e mataram Antonio Venancio de Castro, mediante disparos de arma de fogo, causando-lhe os ferimentos que provocaram sua morte, descritos no laudo de exame necroscópico de fls. 37/41.
Segundo se apurou, as vítimas Carlos e Antonio se dirigiram ao Paraguai, de carro, e lá adquiriram mercadorias, sendo que na volta da viagem não pagaram o imposto devido referente à importação. Carlos conduzia o veículo GM/VECTRA, placas DZB 0007, ao passo que Antonio ocupava o banco do passageiro. Eles, então, de posse das referidas mercadorias, se depararam com a polícia no Posto Fiscal do Porto XV de Novembro, em Bataguassu/MS, e desobedeceram ordem de parada.
Na sequência, os Policial Militares REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, em viatura, iniciaram perseguição a este veículo que se evadiu, ocupado por Carlos e Antonio.
Percorridos alguns quilômetros, adentraram a cidade de Presidente Epitácio e, então, os policiais passaram a atirar em direção ao veículo Vectra.
Registre-se que a decisão judicial que, acolhendo as razões invocadas pelo Ministério Público, arquiva o inquérito policialnão faz coisa julgada. Logo, a autoridade policial poderá "proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia" (artigo 18 do CPP), e o Ministério Público, promover ação penal, desde que recolhidas provas substancialmente novas (Súmula 524 do STF) que deem lastro à imputação (RHC n. 79.424/PA, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 26/3/2019).
In casu, verifica-se que o arquivamento foi homologado ao fundamento de que os pacientes agiram no estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa (fl. 35), operando coisa julgada material em relação à conduta delitiva imputada aos mesmos.
Nesse sentido, confiram-se os julgados:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. INQUÉRITO POLICIAL ARQUIVADO POR RECONHECIMENTO DA LEGÍTIMA DEFESA. DESARQUIVAMENTO POR PROVAS NOVAS. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA MATERIAL. PRECEDENTES.
1. A permissão legal contida no art. 18 do CPP, e pertinente Súmula 524/STF, de desarquivamento do inquérito pelo surgimento de provas novas, somente tem incidência quando o fundamento daquele arquivamento foi a insuficiência probatória - indícios de autoria e prova do crime.
2. A decisão que faz juízo de mérito do caso penal, reconhecendo atipia, extinção da punibilidade (por morte do agente, prescrição..), ou excludentes da ilicitude, exige certeza jurídica - sem esta, a prova de crime com autor indicado geraria a continuidade da persecução criminal - que, por tal, possui efeitos de coisa julgada material, ainda que contida em acolhimento a pleito ministerial de arquivamento das peças investigatórias.
3. Promovido o arquivamento do inquérito policial pelo reconhecimento de legítima defesa, a coisa julgada material impede rediscussão do caso penal em qualquer novo feito criminal, descabendo perquirir a existência de novas provas. Precedentes.
4. Recurso especial improvido.
(REsp n. 791.471/RJ, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 25/11/2014, DJe 16/12/2014 - grifo nosso)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ARQUIVAMENTO DO FEITO. RECONHECIMENTO DE CAUSA EXCLUDENTE DE ILICITUDE. DECISÃO PROFERIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL PERANTE O JUÍZO COMPETENTE. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. PRECEDENTES.
1. A teor do entendimento pacífico desta Corte, o trancamento da ação penal pela via de habeas corpus é medida de exceção, que só é admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. Precedentes do STJ.
2. No caso, resta evidenciada essa excepcionalidade. O arquivamento do inquérito policial no âmbito da Justiça Militar se deu em virtude da promoção ministerial no sentido da incidência de causa excludente de ilicitude.
3. Embora o inquérito policial possa ser desarquivado em face de novas provas, tal providência somente se mostra cabível quando o arquivamento tenha sido determinado por falta de elementos suficientes à deflagração da ação penal, o que não se verifica na espécie. Precedentes.
4. Ainda que se trate de decisão proferida por juízo absolutamente incompetente, nos termos do disposto no art. 9.º do Código Penal Militar, porquanto praticado por militar fora do exercício da função, produz coisa julgada material.
5. Recurso conhecido e provido para determinar o trancamento da ação penal n.200420500013, em trâmite na 5.ª Vara Criminal do Tribunal do Júri da Comarca de Aracajú/SE.
(RHC n. 17.389/SE, Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 7/4/2008 - grifo nosso)
A Suprema Corte tem entendimento de que, mesmo na ocorrência de excludente de ilicitude, é possível o desarquivamento do inquérito policial, desde que surjam novas provas que justifiquem a medida. Confiram-se:
PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. LEGÍTIMA DEFESA. FRAUDE PROCESSUAL. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO POLICIAL. DESARQUIVAMENTO POSTERIOR. NOVOS ELEMENTOS DE CONVICÇÃO COLHIDOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.
I - O arquivamento de inquérito policial não faz coisa julgada nem causa a preclusão.
II - Contrariamente ao que ocorre quando o arquivamento se dá por atipicidade do fato, a superveniência de novas provas relativamente a alguma excludente de ilicitude admite o desencadeamento de novas investigações.
III - Ordem denegada.
(HC n. 87395, Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 13/3/2018)
Habeas corpus. Processual Penal Militar. Tentativa de homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II). Arquivamento de Inquérito Policial Militar, a requerimento do Parquet Militar. Conduta acobertada pelo estrito cumprimento do dever legal. Excludente de ilicitude (CPM, art. 42, inciso III). Não configuração de coisa julgada material. Entendimento jurisprudencial da Corte. Surgimento de novos elementos de prova. Reabertura do inquérito na Justiça comum, a qual culmina na condenação do paciente e de corréu pelo Tribunal do Júri. Possibilidade. Enunciado da Súmula nº 524/STF. Ordem denegada.
1. O arquivamento de inquérito, a pedido do Ministério Público, em virtude da prática de conduta acobertada pela excludente de ilicitude do estrito cumprimento do dever legal (CPM, art. 42, inciso III), não obsta seu desarquivamento no surgimento de novas provas (Súmula nº 5241/STF). Precedente.
2. Inexistência de impedimento legal para a reabertura do inquérito na seara comum contra o paciente e o corréu, uma vez que subsidiada pelo surgimento de novos elementos de prova, não havendo que se falar, portanto, em invalidade da condenação perpetrada pelo Tribunal do Júri.
3. Ordem denegada.
(HC n. 125.101, Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe 11/9/2015)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL: ARQUIVAMENTO ORDENADO POR JUIZ COMPETENTE A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM BASE NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ANTIJURIDICIDADE. DESARQUIVAMENTO. NOVAS PROVAS: POSSIBILIDADE. SÚMULA 524 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM DENEGADA.
1. A decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério Público e determinada por juiz competente, que reconhece que o fato apurado está coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de crime quando surgirem novas provas, suficientes para justificar o desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste Supremo Tribunal Federal.
2. Habeas corpus conhecido e denegado.
(HC n. 95211, Ministra Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 22/8/2011)
Se se adotasse tal entendimento, seria necessário fixar a competência para julgar a referida infração penal.
Nos termos do art. 70, § 3º, segunda parte, do CPP - quando incerta a jurisdição por ter sido a infração consumada ou tentada nas divisas de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção -, pois, na promoção de arquivamento do Inquérito n. 0036093-85.2019.8.12.0001 (fls. 27/34), a investigação foi instaurada a fim de se apurar eventual prática do delito de homicídio, previsto no artigo 121, "caput", do Código Penal, tendo como vítima Antônio Venâncio de Castro, ocorrido no dia 21 de junho de 2019, por volta das 10h30min, na Rodovia 267, Km 12, Nova Porto XV, nesta cidade e comarca de Bataguassu/MS (fl. 27 - grifo nosso).
Noutro giro, na denúncia (fls. 159/161) que originou a Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481, restou assentando queconsta do incluso inquérito policial que, em 21 de junho de 2019, por volta das 12h10min, na Rua Maceió, nº 2055, nesta comarca de Presidente Epitácio, REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS, qualificado a fls. 112, e PAULO ROBERTO DOS SANTOS, .. tentaram matar Carlos Roberto do Espirito Santo Junior, sem, contudo, atingi-lo, e mataram Antonio Venancio de Castro, mediante disparos de arma de fogo (fl. 159 - grifo nosso).
Assim, aplicada a competência por prevenção, seria competente para julgar o caso o Juízo de Direito da 1ª Vara da comarca de Bataguassu/MS - uma vez que, declinada competência da Auditoria Militar da comarca de Campo Grande/MS, em 17/12/2019 (fl. 565), foi preferido despacho por esse Juízo em 30/4/2020 (fl. 565), data anterior ao recebimento da denúncia pelo Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP, em 15/5/2020 (fls. 174/175).
Então, o inquérito policial arquivado na comarca de Bataguassu/MS poderia, se esse fosse o caso, ser desarquivado, nos termos do art. 18 do CPP e do Enunciado n. 524 da Súmula do STF -arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas (Enunciado n. 524 da Súmula do STF, Tribunal Pleno, DJ de 12/12/1969) -, o que não ocorreu na espécie.
Conclui-se, então, que a impetração evidenciou inquestionável ilegalidade no acórdão ora hostilizado.
Em razão disso, concedo a ordem impetrada para determinar o trancamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
PAULO ROBERTO DOS SANTOS e REGINALDO JOSÉ DOS SANTOS alegam sofrer constrangimento ilegal em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no HC n. 2118736-45.2020.8.26.0000.
Ao analisar o mérito da impetração, o Ministro Sebastião Reis Júnior proferiu voto pela concessão da ordem para "determinar o trancamento da Ação Penal n. 1500917-93.2019.8.26.0481 da 2ª Vara Criminal da comarca de Presidente Epitácio/SP". Pedi vista para exame do caso.
A situação retratada pela defesa na inicial deste writ e explicitada no voto do Ministro relator traz as seguintes nuances: a) os pacientes, no desempenho de sua função de policiais militares, iniciaram perseguição contra um veículo que desobedeceu ordem de parada em Posto Fiscal na fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul (na cidade de Bataguassu) com o Paraguai; b) durante a perseguição, ingressaram no Estado de São Paulo (cidade de Presidente Epitácio); c) nesse ínterim, foram efetuados disparos de arma de fogo pelos agentes, o que ocasionou o óbito dos ofendidos.
A impetração narra que foram distribuídos dois procedimentos criminais distintos, um perante o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS e outro no Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP.
No feito que tramitou perante a justiça estadual de Mato Grosso do Sul, foi acolhida manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito policial, por se entender configurada causa excludente de ilicitude (fl. 35).
Em momento posterior, o Ministério Público do Estado de São Paulo ofereceu denúncia contra os ora pacientes, pelos mesmos fatos. Ao apresentar resposta à acusação, a defesa suscitou tese de coisa julgada, por já haver decisão que reconhecida que os agentes atuaram em estrito cumprimento do dever legal e em legítima defesa. Ao analisar o pleito, a Magistrada singular declarou a incompetência (territorial e pela regra da prevenção) do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS. O ato decisório foi confirmado pelo Tribunal a quo, no julgamento do writ originário.
O relato apresentado deixa clara a ilegalidade na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como apontado pela defesa na inicial deste writ. Isso porque é atribuição desta Corte Superior a análise de eventual conflito de competência "entre juízes vinculados a tribunais diversos" (art. 105, I, "d", parte final, da Constituição Federal).
Dito de outra forma, o Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP, ao tomar conhecimento da existência de outro procedimento criminal que tratava dos mesmos fatos em juízo vinculado a tribunal de justiça de outro estado, se entendesse que pela sua competência para processar e julgar o caso, deveria suscitar conflito positivo de competência perante o Superior Tribunal de Justiça e, somente após esta definição, eventualmente dar prosseguimento ao feito.
A mesma conclusão se aplica ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quanto à ilegalidade da declaração da incompetência do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS, por não se tratar de matéria de sua atribuição.
Dessa forma, os referidos atos decisórios são nulos.
No entanto, não vejo como definir o Juízo competente na via mandamental, pois: a) demanda dilação probatória, a fim de definir o local em que se deu o delito e as nuances referentes ao local em que primeiramente foi instaurada persecução criminal válida; b) invade competência exclusiva de outro órgão jurisdicional, a Terceira Seção desta Corte Superior.
Assim, com a vênia do Ministro relator, penso que a solução mais acertada seria a concessão da ordem, em menor extensão, para anular a decisão aqui combatida e determinar o prosseguimento do feito.
À vista do exposto, concedo a ordem para: a) anular os atos decisórios que declararam a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP e b) determinar o prosseguimento do feito; c) recomendar que, se entender cabível, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP) instaure o conflito de competência. | EMENTA
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ABORDAGEM POLICIAL REALIZADA ENTRE OS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL E SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DECLARADA POR JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU E CONFIRMADA PELO TRIBUNAL LOCAL. NULIDADE DO ATO DECISÓRIO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A impetração narra que foram distribuídos dois procedimentos criminais distintos, um perante o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS e outro no Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP.
2. No feito que tramitou perante a justiça estadual de Mato Grosso do Sul, foi acolhida manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito policial, por se entender configurada causa excludente de ilicitude.
3. Em momento posterior, foi oferecida denúncia contra os ora pacientes, pelos mesmos fatos, perante a Justiça Estadual de São Paulo. Nos autos, a Magistrada singular declarou a incompetência (territorial e pela regra da prevenção) do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS, ato decisório confirmado pelo Tribunal a quo, no julgamento do writ originário.
4. Verifica-se a ilegalidade na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois é atribuição desta Corte Superior a análise de eventual conflito de competência "entre juízes vinculados a tribunais diversos" (art. 105, I, "d", parte final, da Constituição Federal).
5. No entanto, não é possível definir o Juízo competente na via mandamental, pois: a) demanda dilação probatória, a fim de definir o local em que se deu o delito e as nuances referentes ao local em que primeiramente foi instaurada persecução criminal válida; b) invade competência exclusiva de outro órgão jurisdicional, a Terceira Seção desta Corte Superior.
6. Ordem concedida para: a) anular os atos decisórios que declararam a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP e b) determinar o prosseguimento do feito; c) recomendar que, se entender cabível, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP) instaure o conflito de competência. | HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. ABORDAGEM POLICIAL REALIZADA ENTRE OS ESTADOS DE MATO GROSSO DO SUL E SÃO PAULO. COMPETÊNCIA DECLARADA POR JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU E CONFIRMADA PELO TRIBUNAL LOCAL. NULIDADE DO ATO DECISÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. | 1. A impetração narra que foram distribuídos dois procedimentos criminais distintos, um perante o Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS e outro no Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP.
2. No feito que tramitou perante a justiça estadual de Mato Grosso do Sul, foi acolhida manifestação do Ministério Público pelo arquivamento do inquérito policial, por se entender configurada causa excludente de ilicitude.
3. Em momento posterior, foi oferecida denúncia contra os ora pacientes, pelos mesmos fatos, perante a Justiça Estadual de São Paulo. Nos autos, a Magistrada singular declarou a incompetência (territorial e pela regra da prevenção) do Juízo da 1ª Vara da Comarca de Bataguassu - MS, ato decisório confirmado pelo Tribunal a quo, no julgamento do writ originário.
4. Verifica-se a ilegalidade na atuação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pois é atribuição desta Corte Superior a análise de eventual conflito de competência "entre juízes vinculados a tribunais diversos" (art. 105, I, "d", parte final, da Constituição Federal).
5. No entanto, não é possível definir o Juízo competente na via mandamental, pois: a) demanda dilação probatória, a fim de definir o local em que se deu o delito e as nuances referentes ao local em que primeiramente foi instaurada persecução criminal válida; b) invade competência exclusiva de outro órgão jurisdicional, a Terceira Seção desta Corte Superior.
6. Ordem concedida para: a) anular os atos decisórios que declararam a competência do Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP e b) determinar o prosseguimento do feito; c) recomendar que, se entender cabível, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Presidente Epitácio - SP) instaure o conflito de competência. | N |
145,729,878 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
WILLIAN DA SILVA CAROLINO alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que deu parcial provimento à Apelação Criminal n. 0000644-03.2017.8.26.0630.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, como incurso nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e 14, caput, da Lei n. 10.826/2003, na forma do art. 69 do CP, à pena de 7 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa.
A defesa aduz, em síntese, que o processo instaurado em desfavor do réu é nulo, porquanto deflagrado com base emelementos de informação ilícitos, obtidos por meio de invasão de domicílio sem que houvesse justa causa para tanto, tampouco consentimento válido do morador.
Requer, assim, a concessão da ordem, para que seja reconhecida a nulidade da prova obtida a partir da violação do domicílio do paciente, com a sua consequente absolvição.
Indeferida a liminar (fl. 178) e dispensadas as informações das instâncias ordinárias, o Ministério Público Federal apresentou parecer às fls. 181-184 pelo não conhecimento do writ ou, caso conhecido, pela denegação da ordem.
EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. INDUÇÃO A ERRO. VÍCIO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE EFEITOS AOS CORRÉUS.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Apesar da menção a informação anônima repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom, não há nenhum registro concreto de prévia investigação para apurar a conformidade da notícia, ou seja, a ocorrência do comércio espúrio na localidade, tampouco a realização de diligências prévias, monitoramento ou campanas no local para averiguar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente e constatar o aventado comércio ilícito de entorpecentes. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos, nem movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.
4. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
5. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021) perfilou igual entendimento ao adotadono referido HC n. 598.051/SP. Outros precedentes, de ambas as Turmas Criminais, consolidaram tal compreensão.
6. As regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, de sorte a franquear àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.
7. Ainda que o acusadohaja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a necessidade de perseguirem um suposto criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas. Ademais, se, de um lado,deve-se, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes eventos de abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco crível a versão oficial apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativaque confira plena legalidade à ação estatal. Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio prolibertas).
8. Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador. Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
9. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021) - reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos".Dessa forma, em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto autor de crime de roubo.
10. Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do paciente. Se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão deve fazê-lo no Direito Penal (lato sensu), que trata dedireitos indisponíveis do indivíduo diantedo poderio do Estado, em relação manifestamentedesigual.
11. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes - relativa ao delito descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
12. Conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas e democráticas.
13. Uma vez que os corréus se encontram em situação fático-processual idêntica à do paciente, no que diz respeito à condenação pelo crime de tráfico de drogas, devem ser-lhes estendidos os efeitos deste acórdão, nos termos do art. 580 do CPP.
14. Porqueas instâncias ordinárias, ao condenaro réu pelo crime do art. 14 da Lei n. 10.823/2006, consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático independente, a condenação por tal delito não é atingida pela declaração de ilicitude das provas colhidas no interior do domicílio, notadamente quando verificado que a validade da busca pessoal que resultou na apreensão da referida arma na cintura do paciente não foi questionada pela defesa.
15. Como consectário da absolvição do réu no tocante ao crime de tráfico de drogas, deve ser procedidoajuste no regime inicial de cumprimento de pena, com a fixação do regime aberto para o delito remanescente, por haver sido estabelecida a reprimenda-base no mínimo legal e se tratar de réu primário.
16. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para a realização de buscas por drogas no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolvê-lo em relação à prática do delito de tráfico de drogas. Extensão, de ofício, aos corréus.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Inviolabilidade de domicílio - direito fundamental
O caso traz a lume antiga discussão sobre a legitimidade do procedimento policial que, após o ingresso no interior da residência de determinado indivíduo, sem autorização judicial, logra encontrar e apreender drogas - de sorte a configurar a suposta prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 -, cujo caráter permanente autorizaria, segundo antiga linha de pensamento, o ingresso domiciliar.
Faço lembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, com repercussão geral previamente reconhecida , assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori , que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010, grifei).
A Corte Suprema, em síntese, definiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões - na dicção do art. 240, § 1º, do CPP -, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.
Embora a jurisprudência haja caminhado no sentido de que as autoridades podem adentrar em domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente - de que é exemplo o tráfico de drogas -, propus, ao julgar o REsp n. 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), que o entendimento fosse aperfeiçoado, dentro, obviamente, dos limites definidos pela Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, para que se pudesse perquirir em qual medida a entrada forçada em domicílio é tolerável.
Na ocasião, esta colenda Sexta Turma decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida. Ora, se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém e, então, verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente. A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.
No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário que tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida, e não mera desconfiança fulcrada, v. g., na fuga de indivíduo de uma ronda policial, comportamento que pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente ou mesmo carregando consigo ilegalmente arma de fogo.
II. O caso dos autos
Feitas essas considerações introdutórias, passo a analisar a situação concreta ora em julgamento.
Na sentença, ao afastar a preliminar de nulidade da prova aventada pela defesa, o Juízo singular ofereceu os seguintes fundamentos (fl. 70, grifei):
Rejeito a matéria preliminar exposta pela defesa, pois o ingresso de residência é constitucionalmente aceito quando se tratar de hipótese de ocorrência de crime em flagrante, tal como ocorreu em relação à apreensão dos materiais ilícitos mencionados na denúncia na casa do réu Willian, valendo consignar que havia motivo justificado para entrada no local ante a notícia do COPOM indicando a ocorrência de crime no local, inexistindo, pois, comprovação de ilegalidade na atuação policial.
A Corte estadual, por sua vez, ao rejeitar a tese defensiva, trouxe como argumentos (fls. 160-161, destaquei):
A alegação de que a prova é ilícita, qual seja, o fato de policiais militares terem realizado busca e a apreensão na residência do réu Willian, não merece ser acolhida. É que, quem traz consigo ou mantém em depósito substância entorpecente, crime de caráter permanente, considera-se em flagrante enquanto não cessada a permanência. Sendo assim, é possível a realização de revista pessoal e busca na residência do agente pelos policiais militares, salientando-se, ainda, que a Constituição Federal permite, até mesmo, o ingresso na residência, sempre que nela esteja ocorrendo um crime, independentemente de mandado judicial. De se observar, ainda, que ao réu foi garantida a mais ampla oportunidade de se defender e exercitar o contraditório, não lhe sobrevindo prejuízo algum, nem havendo razão para acolhimento da pretensão de ver o feito anulado. É sabido que sem prejuízo, inexiste nulidade: "pas de nullité sans grief".
No caso, ao contrário do que concluíram as instâncias ordinárias, compreendo que não havia fundadas razões acerca da prática de crime(s), tampouco consentimento válido do morador a autorizar a busca por drogas no domicílio do acusado. Senão vejamos.
Depreende-se dos autos que o ingresso em domicílio foi amparado em dois fundamentos: a) existência de denúncia anônima repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom, com indicação deque havia uma caminhonete, ocupada por três indivíduos (entre eles o ora paciente), que trazia grande quantidade de drogas; b) suposta autorização dada pelo réu para que fosse realizada busca por drogas em sua residência.
Não houve, no entanto, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de informações robustas e atuais acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Da mesma forma, não se fez menção a nenhuma atitude suspeita, exteriorizadaem atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Enfim, ao que tudo indica, não foi realizada nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade ou a plausibilidade da denúncia (anônima) recebida pela Polícia.
Relembro que, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da notitia criminis anônima (v. g., Inq n. 4.633/DF, Rel. Ministro Edson Fachin, 2ª T., DJe 8/6/2018). Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
Não por outro motivo, esta Corte tem reiteradamente decidido que "A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida" (HC n. 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/12/2019).
Quanto ao consentimento do morador, por sua vez, faço lembrar que, no julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), ocorrido em 2/3/2021, a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais.
Naquela oportunidade, a Turma decidiu, entre outros tópicos, que o consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados a crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. Ainda, adotou-se a compreensão de que a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.
Confiram-se, a propósito, as conclusões apresentadas por ocasião do referido julgamento:
1. Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
2. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
3. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
4. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
5. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do (s) agente (s) público (s) que tenha (m) realizado a diligência.
Em sessão extraordinária realizada em 30/3/2021, a Quinta Turma desta Corte, ao julgar o HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021), alinhou-se à jurisprudência da Sexta Turma em relação a essa matéria - seguindo, portanto, a compreensão adotada no referido HC n. 598.051/SP - e, assim, concedeu habeas corpus em favor de acusado da prática de crime de tráfico de drogas, por reconhecer a nulidade das provas obtidas por meio de violação domiciliar. Confira-se a ementa redigida para o julgado:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. CONSENTIMENTO DO MORADOR. VERSÃO NEGADA PELA DEFESA. IN DUBIO PRO REO. PROVA ILÍCITA. NOVO ENTENDIMENTO SOBRE O TEMA HC 598.051/SP. VALIDADE DA AUTORIZAÇÃO DO MORADOR DEPENDE DE PROVA ESCRITA E GRAVAÇÃO AMBIENTAL. WRIT NÃO CONHECIDO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XI, estabelece que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
3. Em recente julgamento no HC 598.051/SP, a Sexta Turma, em voto de relatoria do Ministro Rogério Schietti - amparado em julgados estrangeiros -, decidiu que o consentimento do morador para a entrada dos policiais no imóvel será válido apenas se documentado por escrito e, ainda, for registrado em gravação audiovisual.
4. O eminente Relator entendeu ser imprescindível ao Judiciário, na falta de norma específica sobre o tema, proteger, contra o possível arbítrio de agentes estatais, o cidadão, sobretudo aquele morador das periferias dos grandes centros urbanos, onde rotineiramente há notícias de violação a direitos fundamentais.
5. Na hipótese em apreço, consta que o paciente e a corré, em razão de uma denúncia anônima de tráfico de drogas, foram abordados em via pública e submetidos a revista pessoal, não tendo sido nada encontrado com eles. Na sequência, foram conduzidos à residência do paciente, que teria franqueado a entrada dos policiais no imóvel.
Todavia, a defesa afirma que não houve consentimento do morador e, na verdade, ele e sua namorada foram levados à força, algemados e sob coação, para dentro da casa, onde foram recolhidos os entorpecentes (110 g de cocaína e 43 g de maconha).
6. Como destacado no acórdão paradigma, "Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio libertas). Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento do morador."
7. Na falta de comprovação de que o consentimento do morador foi voluntário e livre de qualquer coação e intimidação, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade na busca domiciliar e consequentemente de toda a prova dela decorrente (fruits of the poisonous tree).
8. Vale anotar que a Sexta Turma estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas investigações.
9. Fixou, ainda, as seguintes diretrizes para o ingresso regular e válido no domicílio alheio, que transcrevo a seguir: "1. Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
10. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
11. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
12. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
13. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do (s) agente (s) público (s) que tenha (m) realizado a diligência."
14. Habeas corpus não conhecido. Ordem, concedida, de ofício, para declarar a invalidade das provas obtidas mediante violação domiciliar, e todas as dela decorrentes, na AP n. 132/2.20.0001682-3. Expeçam-se, também, alvará de soltura em benefício do paciente e, nos termos do art. 580 do CPP, da corré.
Na hipótese dos autos, anoto que, além de a suposta autorização dada pelo acusado não haver sido documentada nem gravada, nos moldes em que decidido nos autos do referido HC n. 598.051/SP, foi parcialmente negada pelo réu em juízo.
Com efeito, em seus depoimentos prestados tanto na delegacia quanto em juízo, o policial condutor da ocorrência asseverou:
..
Na noite de ontem, encontrava-se de serviço com demais de sua Equipe, às 23h40, o Copom transmitiu que pela Rua Bárbara Blumer, nr. 280 - Área Central desta Cidade, havia uma camionete, com placas do Estado do Mato Grosso do Sul, que estaria ocupada por três indivíduos, que teriam trazido grande quantidade de drogas. Diante das informações, deslocaram até o local informado, por onde encontraram a pessoa de Willian da Silva Carolino, saindo de motociclo, procederam abordagem e, em busca pessoal, encontram na cintura dele, um revólver de marca Taurus, calibre .38, oxidado, de nr. NH992276, municiado com seis cartuchos íntegros. Informaram-lhe sobre a respeito do teor da denúncia, então, ele disse que havia drogas em suas (dele) casa, onde se encontravam mais três pessoas. Disse ainda que tais drogas, foram ali trazidos pelos "Primos" Marcelo e Wellington, e que Ricardo, estaria para negociar as drogas. Willian permitiu ingresso dos Policiais em sua casa, e assim, na parte superior do imóvel, na cozinha, em torno de uma mesa, sobre o qual, encontrava-se dois Tabletes de Maconha, estavam Marcelo, Wellington e Ricardo, em revista pessoal, nada foi encontrado com eles .. (fl. 14, depoimento prestado na delegacia, destaquei).
..
De fato, o policial JORGE LUIS TUMELERO DA SILVA disse em juízo que recebeu a informação via denúncia de que uma caminhonete encontrava-se levando grande quantidade de drogas a uma residência. Disse que se dirigiu ao local dos fatos e avistou o automóvel delatado, sendo que quando fora proceder a abordagem, já avistou o réu WILLIAN saindo da residência, razão pela qual o abordou e localizou consigo uma arma de fogo. Disse que o WILLIAN franqueou a entrada, de modo que ingressou no imóvel e encontrou os demais réus em uma mesa com duas peças de maconha e uma mochila. Na residência de WILLIAN, ainda foram encontradas porções de cocaína. Indagados, WILLIAN e RICARDO informaram que estavam negociando as drogas e que esta era trazida de Foz de Iguaçu/PR. A caminhonete pertencia a MARCELO (fls. 71-72, depoimento prestado em juízo, grifei).
Já o paciente, por outro lado, trouxe uma narrativa diferente e afirmou, em seu interrogatório judicial, o seguinte (fl. 71, destaquei):
O réu WILLIAN DA SILVA CAROLINO disse em juízo que havia chegado em sua residência e MARCELO e WELLINGTON estavam no local passeando pela região. Disse que ambos haviam acabado de ter chegado e os policiais militares lhe abordaram no local. Disse que estava na residência com MARCELO, WELLINGTON e RICARDO e que foi surpreendido pelos policiais militares, que ingressaram em sua residência procurando um roubador e lhe solicitaram para que abrisse o portão. Ato contínuo, abriu o portão, os militares entraram no local e passaram a procurar droga, contudo não teriam encontrado. No mais, negou o porte de arma, afirmando que esta se encontraria no escritório de seu pai.
Observo, nesse sentido, que o acusado asseverou, em juízo, haver sido informado pelos policiais de que precisavam que ele abrisse o portão do imóvel para procurarem o suposto autor de um crime de roubo, razão pela qual atendeu ao pedido, oportunidade em que eles entraram e passaram a procurar drogas em sua casa.
Diante dessa dúvida sobre o que de fato ocorreu, pode-se afirmar que éinverossímil a versão policial, segundo a qual o suspeito, abordado na rua, espontaneamente haveria confessado possuir entorpecentes dentro de casa e permitido que os agentes de segurança ingressassem no imóvel para apreendê-las.
Ora, um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão. Pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos - quantidade de policiais, todos armados, etc. -, não se mostra crível a voluntariedade e a liberdade paraconsentir no ingresso para a realização de busca por drogas, tampouco a espontaneidade do imputado ao confessarpossuí-las quando abordado. Ou será mesmo que uma pessoa sobre quem recai a suspeita de traficar drogas vaiautorizar livremente o ingresso em sua morada para que a polícia busque tais substâncias, o que pode lhe custar até 15 anos de prisão A troco de quêfaria isso
Ainda que o paciente haja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a necessidade de perseguirem um potencial criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas em seu desfavor.
Ademais, se, de um lado,deve-se, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco crível a versão apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativaque confira plena legalidade à ação estatal.
Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio pro libertas). Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.
Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinentedestacar o recentejulgamento peloSupremo Tribunal Federaldos Embargos de Declaração na MedidaCautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022),oportunidade na qual o Pretório Excelso -em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP(Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021)-reconheceu a imprescindibilidadede tal forma de monitoração da atividade policialedeterminou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos".
Dessa forma, em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto criminoso.
Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do paciente.
Valho-me aqui do suporte teórico da dogmática civilista quando trata dos vícios do consentimento nos negócios jurídicos, especialmente da dicção do art. 145 do Código Civil, segundo o qual: "São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa".
Conforme a lição clássica de Caio Mário da Silva Pereira:
O pressuposto do negócio jurídico é a declaração da vontade do agente, em conformidade com a norma legal, e visando a uma produção de efeitos jurídicos. Elemento específico é, então, a emissão de vontade. Se falta, ele não se constitui. Ao revés, se existe, origina o negócio jurídico. Mas o direito não cogita de uma declaração de vontade qualquer. Cuida de sua realidade, de sua consonância com o verdadeiro e íntimo querer do agente, e de sua submissão ao ordenamento jurídico. Na verificação do negócio jurídico, cumpre de início apurar se houve uma declaração de vontade. E, depois, indagar se ela foi escorreita. Desde que tenha feito uma emissão de vontade, o agente desfechou com ela a criação de um negócio jurídico. Mas o resultado, ou seja, a produção de seus efeitos jurídicos, ainda se acha na dependência da verificação das circunstâncias que a envolveram. É que pode ter ocorrido uma declaração de vontade, mas em circunstâncias tais que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente, ou persiga um resultado em divórcio das prescrições legais. Nesses casos, não se nega a sua existência, pois que a vontade se manifestou e o negócio jurídico chegou a constituir-se. Recusa-lhe, porém, efeitos o ordenamento jurídico.
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Inscrito entre os vícios do consentimento, que levam à anulação do negócio, o dolo consiste nas práticas ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro.
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O mecanismo psíquico do dolo, por ação ou omissão, é o mesmo, e se verifica na utilização de um processo malicioso de convencimento, que produza na vítima um estado de erro ou de ignorância, determinante de uma declaração de vontade que não seria obtida de outra maneira. Em todo dolo há, então, uma emissão volitiva enganosa ou eivada de erro, na qual, porém, é este relegado a segundo plano, como defeito em si, uma vez que sobreleva aqui a causa geradora do negócio jurídico .. .
(PEREIRA, Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil, atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes, v. I, 30. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 417 e 426-427, destaquei).
A referida disciplina normativa é transponível ao caso em tela, pois, se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis, em relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão tal se dá no Direito Penal (lato sensu), que trata de direitos indisponíveis de um indivíduo diante do poderio do Estado, em relação manifestamente desigual.
Nessa perspectiva, Aury Lopes Jr. esclarece que "é nulo o consentimento (e, portanto, a busca e eventual apreensão) quando viciado, como pode ocorrer quando os policiais não se identificam como tais, induzindo o agente em erro" (Direito Processual Penal, 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 514, grifei).
Não foi distinta, aliás, a conclusão do Tribunal Supremo da Espanha na Sentencia n. 341/93, ao descartar o consentimento obtido mediante indução a erro, pelo fato de os agentes de segurança não haverem se identificado como tais na ocasião em que solicitaram a autorização ao morador:
O alegado "consentimento" dos ocupantes da casa referido pelo Procurador do Estado não poderia, em suma, invalidar esta conclusão, pois é claro, face ao processo, que a força pública não entrou na casa identificando-se como tal, única hipótese em que se poderia apreciar, se fosse o caso, a anuência do proprietário ou ocupante que afastasse, com plena evidência, a aplicabilidade do art. 21.2 do LOPSC ..
(Disponível em:http://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/2470.Acesso em 24/jan./2022, grifei e traduzi).
Como se vê, considerada - na falta de prova adequada em sentido diverso - a ocorrência de indução do morador a erro para que autorizasse o ingresso em seu lar, há vício que macula a validade da manifestação de vontade e, por consequência, contamina toda a busca domiciliar.
É preciso lembrar que, ao contrário do que se dá em relação a outros direitos fundamentais, o direito à inviolabilidade do domicílio não protege apenas o alvo de uma atuação policial, mas todo o grupo de pessoas que residem ou se encontram no local da diligência. Ao adentrar uma residência à procura de drogas - pense-se na cena de agentes do Estado fortemente armados ingressando em imóveis onde habitam famílias numerosas -, são eventualmente violados em sua intimidade também os pais, os filhos, os irmãos, parentes em geral do suspeito, o que potencializa a gravidade da situação e, por conseguinte, demanda mais rigor e limite para a legitimação da diligência.
Certamente, a dinâmica, a capilaridade e a sofisticação do crime organizado e da criminalidade violenta exigem postura mais efetiva do Estado. No entanto, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa, a seu turno, sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes estatais.
Não se desconhece que a busca e apreensão domiciliar pode ser de grande valia à cessação de crimes e à apuração de sua autoria. No entanto, é de particular importância consolidar o entendimento de que o ingresso na esfera domiciliar para apreensão de drogas em determinadas circunstâncias somente representa legítima intervenção restritiva se devidamente amparada em justificativas e elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, sem o que os direitos à privacidade e à inviolabilidade do lar serão vilipendiados.
A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam nesta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança.
De nenhum modo se pode argumentar que, por serem os crimes relacionados ao tráfico ilícito de drogas legalmente equiparados aos hediondos, as agências estatais estariam autorizadas, em relação de meio e fim, a ilegalmente afrontar direitos individuais para a obtenção de resultados satisfatórios no combate ao crime. Em outras palavras, conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem, com prioridade, em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas e democráticas.
Diante de tais considerações, concluo que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes.
A propósito, faço lembrar que a essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (melhor seria dizer venenosa, tradução da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de outra contaminada por ilicitude original.
Por conseguinte, inadmissíveis também as provas derivadas da conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de substâncias entorpecentes. Não se pode, evidentemente, admitir que o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduza à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima.
Faço a ressalva, contudo, de que as instâncias ordinárias, ao condenaro réu também pela prática do crime do art. 14 da Lei n. 10.823/2006, consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático independente, motivo pelo qual, não havendo sido questionada a validade da busca pessoal que resultou na apreensão da referida arma na cintura do acusado, a condenação por tal delito permanece hígida;não é, portanto, atingida pela declaração de ilicitude das provas colhidas no interior do lar.
III. Readequação da reprimenda
Afastada a condenação pelo crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, remanesce, quanto ao paciente, apenas a condenação pelo delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), a qual lhe acarretou, na origem, pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa.
Assim, como consectário da absolvição do réu no tocante ao crime de tráfico de drogas, deve ser procedido o ajuste no regime de cumprimento, com a fixação do regime aberto, por haver sido estabelecida a pena-base no mínimo legal e se tratar de réu primário, conforme consignado na sentença (fl. 74). Por conseguinte, deve ser expedido de alvará de soltura em seu favor.
IV. Extensão de efeitos aos corréus
Uma vez que os corréus Wellington Rodrigues de Lima e Marcelo de Souza Lima, no que diz respeito ao crime de tráfico de drogas, estão em situação fático-processual idêntica à do paciente, porquanto, também em relação a eles, não houve fundadas razões para o ingresso em domicílio, tampouco autorização válida do morador, entendo que fazem jus à extensão dos efeitos da absolvição, nos termos do art. 580 do CPP.
V. Dispositivo
À vista do exposto, concedo a ordem, para, considerando não haver fundadas razões para o ingresso em domicílio, tampouco autorização válida do morador, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o paciente da condenação pelo crime de tráfico de drogas, ocorrida no Processo n. 0000644-03.2017.8.26.0630, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. Por consequência, determino a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver presoou não houver a necessidade de sê-lo.
Ainda, estabeleço ao réu o regime inicial aberto de cumprimento de pena em relação ao delito descrito no art. 14 da Lei n. 10.826/2003.
De ofício, estendo os efeitos desta decisão aos corréus Wellington Rodrigues de Lima e Marcelo de Souza Lima, nos termos do art. 580 do CPP, para absolvê-los no tocante ao crime de tráfico de drogas. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
WILLIAN DA SILVA CAROLINO alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que deu parcial provimento à Apelação Criminal n. 0000644-03.2017.8.26.0630.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, como incurso nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e 14, caput, da Lei n. 10.826/2003, na forma do art. 69 do CP, à pena de 7 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa.
A defesa aduz, em síntese, que o processo instaurado em desfavor do réu é nulo, porquanto deflagrado com base emelementos de informação ilícitos, obtidos por meio de invasão de domicílio sem que houvesse justa causa para tanto, tampouco consentimento válido do morador.
Requer, assim, a concessão da ordem, para que seja reconhecida a nulidade da prova obtida a partir da violação do domicílio do paciente, com a sua consequente absolvição.
Indeferida a liminar (fl. 178) e dispensadas as informações das instâncias ordinárias, o Ministério Público Federal apresentou parecer às fls. 181-184 pelo não conhecimento do writ ou, caso conhecido, pela denegação da ordem.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Inviolabilidade de domicílio - direito fundamental
O caso traz a lume antiga discussão sobre a legitimidade do procedimento policial que, após o ingresso no interior da residência de determinado indivíduo, sem autorização judicial, logra encontrar e apreender drogas - de sorte a configurar a suposta prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 -, cujo caráter permanente autorizaria, segundo antiga linha de pensamento, o ingresso domiciliar.
Faço lembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, com repercussão geral previamente reconhecida , assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori , que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010, grifei).
A Corte Suprema, em síntese, definiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões - na dicção do art. 240, § 1º, do CPP -, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.
Embora a jurisprudência haja caminhado no sentido de que as autoridades podem adentrar em domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente - de que é exemplo o tráfico de drogas -, propus, ao julgar o REsp n. 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), que o entendimento fosse aperfeiçoado, dentro, obviamente, dos limites definidos pela Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, para que se pudesse perquirir em qual medida a entrada forçada em domicílio é tolerável.
Na ocasião, esta colenda Sexta Turma decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida. Ora, se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém e, então, verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente. A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.
No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário que tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida, e não mera desconfiança fulcrada, v. g., na fuga de indivíduo de uma ronda policial, comportamento que pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente ou mesmo carregando consigo ilegalmente arma de fogo.
II. O caso dos autos
Feitas essas considerações introdutórias, passo a analisar a situação concreta ora em julgamento.
Na sentença, ao afastar a preliminar de nulidade da prova aventada pela defesa, o Juízo singular ofereceu os seguintes fundamentos (fl. 70, grifei):
Rejeito a matéria preliminar exposta pela defesa, pois o ingresso de residência é constitucionalmente aceito quando se tratar de hipótese de ocorrência de crime em flagrante, tal como ocorreu em relação à apreensão dos materiais ilícitos mencionados na denúncia na casa do réu Willian, valendo consignar que havia motivo justificado para entrada no local ante a notícia do COPOM indicando a ocorrência de crime no local, inexistindo, pois, comprovação de ilegalidade na atuação policial.
A Corte estadual, por sua vez, ao rejeitar a tese defensiva, trouxe como argumentos (fls. 160-161, destaquei):
A alegação de que a prova é ilícita, qual seja, o fato de policiais militares terem realizado busca e a apreensão na residência do réu Willian, não merece ser acolhida. É que, quem traz consigo ou mantém em depósito substância entorpecente, crime de caráter permanente, considera-se em flagrante enquanto não cessada a permanência. Sendo assim, é possível a realização de revista pessoal e busca na residência do agente pelos policiais militares, salientando-se, ainda, que a Constituição Federal permite, até mesmo, o ingresso na residência, sempre que nela esteja ocorrendo um crime, independentemente de mandado judicial. De se observar, ainda, que ao réu foi garantida a mais ampla oportunidade de se defender e exercitar o contraditório, não lhe sobrevindo prejuízo algum, nem havendo razão para acolhimento da pretensão de ver o feito anulado. É sabido que sem prejuízo, inexiste nulidade: "pas de nullité sans grief".
No caso, ao contrário do que concluíram as instâncias ordinárias, compreendo que não havia fundadas razões acerca da prática de crime(s), tampouco consentimento válido do morador a autorizar a busca por drogas no domicílio do acusado. Senão vejamos.
Depreende-se dos autos que o ingresso em domicílio foi amparado em dois fundamentos: a) existência de denúncia anônima repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom, com indicação deque havia uma caminhonete, ocupada por três indivíduos (entre eles o ora paciente), que trazia grande quantidade de drogas; b) suposta autorização dada pelo réu para que fosse realizada busca por drogas em sua residência.
Não houve, no entanto, referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas no local, a afastar a hipótese de que se tratava de averiguação de informações robustas e atuais acerca da ocorrência de tráfico naquele local. Da mesma forma, não se fez menção a nenhuma atitude suspeita, exteriorizadaem atos concretos, tampouco movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas. Enfim, ao que tudo indica, não foi realizada nenhuma diligência prévia para apurar a veracidade ou a plausibilidade da denúncia (anônima) recebida pela Polícia.
Relembro que, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da notitia criminis anônima (v. g., Inq n. 4.633/DF, Rel. Ministro Edson Fachin, 2ª T., DJe 8/6/2018). Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
Não por outro motivo, esta Corte tem reiteradamente decidido que "A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida" (HC n. 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/12/2019).
Quanto ao consentimento do morador, por sua vez, faço lembrar que, no julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), ocorrido em 2/3/2021, a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais.
Naquela oportunidade, a Turma decidiu, entre outros tópicos, que o consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados a crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação. Ainda, adotou-se a compreensão de que a prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo, como forma de não deixar dúvidas sobre o seu consentimento. A permissão para o ingresso dos policiais no imóvel também deve ser registrada, sempre que possível, por escrito.
Confiram-se, a propósito, as conclusões apresentadas por ocasião do referido julgamento:
1. Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
2. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
3. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
4. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
5. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do (s) agente (s) público (s) que tenha (m) realizado a diligência.
Em sessão extraordinária realizada em 30/3/2021, a Quinta Turma desta Corte, ao julgar o HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021), alinhou-se à jurisprudência da Sexta Turma em relação a essa matéria - seguindo, portanto, a compreensão adotada no referido HC n. 598.051/SP - e, assim, concedeu habeas corpus em favor de acusado da prática de crime de tráfico de drogas, por reconhecer a nulidade das provas obtidas por meio de violação domiciliar. Confira-se a ementa redigida para o julgado:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. BUSCA DOMICILIAR SEM MANDADO JUDICIAL. CONSENTIMENTO DO MORADOR. VERSÃO NEGADA PELA DEFESA. IN DUBIO PRO REO. PROVA ILÍCITA. NOVO ENTENDIMENTO SOBRE O TEMA HC 598.051/SP. VALIDADE DA AUTORIZAÇÃO DO MORADOR DEPENDE DE PROVA ESCRITA E GRAVAÇÃO AMBIENTAL. WRIT NÃO CONHECIDO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XI, estabelece que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
3. Em recente julgamento no HC 598.051/SP, a Sexta Turma, em voto de relatoria do Ministro Rogério Schietti - amparado em julgados estrangeiros -, decidiu que o consentimento do morador para a entrada dos policiais no imóvel será válido apenas se documentado por escrito e, ainda, for registrado em gravação audiovisual.
4. O eminente Relator entendeu ser imprescindível ao Judiciário, na falta de norma específica sobre o tema, proteger, contra o possível arbítrio de agentes estatais, o cidadão, sobretudo aquele morador das periferias dos grandes centros urbanos, onde rotineiramente há notícias de violação a direitos fundamentais.
5. Na hipótese em apreço, consta que o paciente e a corré, em razão de uma denúncia anônima de tráfico de drogas, foram abordados em via pública e submetidos a revista pessoal, não tendo sido nada encontrado com eles. Na sequência, foram conduzidos à residência do paciente, que teria franqueado a entrada dos policiais no imóvel.
Todavia, a defesa afirma que não houve consentimento do morador e, na verdade, ele e sua namorada foram levados à força, algemados e sob coação, para dentro da casa, onde foram recolhidos os entorpecentes (110 g de cocaína e 43 g de maconha).
6. Como destacado no acórdão paradigma, "Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio libertas). Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento do morador."
7. Na falta de comprovação de que o consentimento do morador foi voluntário e livre de qualquer coação e intimidação, impõe-se o reconhecimento da ilegalidade na busca domiciliar e consequentemente de toda a prova dela decorrente (fruits of the poisonous tree).
8. Vale anotar que a Sexta Turma estabeleceu o prazo de um ano para o aparelhamento das polícias, o treinamento dos agentes e demais providências necessárias para evitar futuras situações de ilicitude que possam, entre outros efeitos, resultar em responsabilização administrativa, civil e penal dos policiais, além da anulação das provas colhidas nas investigações.
9. Fixou, ainda, as seguintes diretrizes para o ingresso regular e válido no domicílio alheio, que transcrevo a seguir: "1. Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige-se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito.
10. O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada.
11. O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação.
12. A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo.
13. A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do (s) agente (s) público (s) que tenha (m) realizado a diligência."
14. Habeas corpus não conhecido. Ordem, concedida, de ofício, para declarar a invalidade das provas obtidas mediante violação domiciliar, e todas as dela decorrentes, na AP n. 132/2.20.0001682-3. Expeçam-se, também, alvará de soltura em benefício do paciente e, nos termos do art. 580 do CPP, da corré.
Na hipótese dos autos, anoto que, além de a suposta autorização dada pelo acusado não haver sido documentada nem gravada, nos moldes em que decidido nos autos do referido HC n. 598.051/SP, foi parcialmente negada pelo réu em juízo.
Com efeito, em seus depoimentos prestados tanto na delegacia quanto em juízo, o policial condutor da ocorrência asseverou:
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Na noite de ontem, encontrava-se de serviço com demais de sua Equipe, às 23h40, o Copom transmitiu que pela Rua Bárbara Blumer, nr. 280 - Área Central desta Cidade, havia uma camionete, com placas do Estado do Mato Grosso do Sul, que estaria ocupada por três indivíduos, que teriam trazido grande quantidade de drogas. Diante das informações, deslocaram até o local informado, por onde encontraram a pessoa de Willian da Silva Carolino, saindo de motociclo, procederam abordagem e, em busca pessoal, encontram na cintura dele, um revólver de marca Taurus, calibre .38, oxidado, de nr. NH992276, municiado com seis cartuchos íntegros. Informaram-lhe sobre a respeito do teor da denúncia, então, ele disse que havia drogas em suas (dele) casa, onde se encontravam mais três pessoas. Disse ainda que tais drogas, foram ali trazidos pelos "Primos" Marcelo e Wellington, e que Ricardo, estaria para negociar as drogas. Willian permitiu ingresso dos Policiais em sua casa, e assim, na parte superior do imóvel, na cozinha, em torno de uma mesa, sobre o qual, encontrava-se dois Tabletes de Maconha, estavam Marcelo, Wellington e Ricardo, em revista pessoal, nada foi encontrado com eles .. (fl. 14, depoimento prestado na delegacia, destaquei).
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De fato, o policial JORGE LUIS TUMELERO DA SILVA disse em juízo que recebeu a informação via denúncia de que uma caminhonete encontrava-se levando grande quantidade de drogas a uma residência. Disse que se dirigiu ao local dos fatos e avistou o automóvel delatado, sendo que quando fora proceder a abordagem, já avistou o réu WILLIAN saindo da residência, razão pela qual o abordou e localizou consigo uma arma de fogo. Disse que o WILLIAN franqueou a entrada, de modo que ingressou no imóvel e encontrou os demais réus em uma mesa com duas peças de maconha e uma mochila. Na residência de WILLIAN, ainda foram encontradas porções de cocaína. Indagados, WILLIAN e RICARDO informaram que estavam negociando as drogas e que esta era trazida de Foz de Iguaçu/PR. A caminhonete pertencia a MARCELO (fls. 71-72, depoimento prestado em juízo, grifei).
Já o paciente, por outro lado, trouxe uma narrativa diferente e afirmou, em seu interrogatório judicial, o seguinte (fl. 71, destaquei):
O réu WILLIAN DA SILVA CAROLINO disse em juízo que havia chegado em sua residência e MARCELO e WELLINGTON estavam no local passeando pela região. Disse que ambos haviam acabado de ter chegado e os policiais militares lhe abordaram no local. Disse que estava na residência com MARCELO, WELLINGTON e RICARDO e que foi surpreendido pelos policiais militares, que ingressaram em sua residência procurando um roubador e lhe solicitaram para que abrisse o portão. Ato contínuo, abriu o portão, os militares entraram no local e passaram a procurar droga, contudo não teriam encontrado. No mais, negou o porte de arma, afirmando que esta se encontraria no escritório de seu pai.
Observo, nesse sentido, que o acusado asseverou, em juízo, haver sido informado pelos policiais de que precisavam que ele abrisse o portão do imóvel para procurarem o suposto autor de um crime de roubo, razão pela qual atendeu ao pedido, oportunidade em que eles entraram e passaram a procurar drogas em sua casa.
Diante dessa dúvida sobre o que de fato ocorreu, pode-se afirmar que éinverossímil a versão policial, segundo a qual o suspeito, abordado na rua, espontaneamente haveria confessado possuir entorpecentes dentro de casa e permitido que os agentes de segurança ingressassem no imóvel para apreendê-las.
Ora, um mínimo de vivência e de bom senso sugerem a falta de credibilidade de tal versão. Pelas circunstâncias em que ocorreram os fatos - quantidade de policiais, todos armados, etc. -, não se mostra crível a voluntariedade e a liberdade paraconsentir no ingresso para a realização de busca por drogas, tampouco a espontaneidade do imputado ao confessarpossuí-las quando abordado. Ou será mesmo que uma pessoa sobre quem recai a suspeita de traficar drogas vaiautorizar livremente o ingresso em sua morada para que a polícia busque tais substâncias, o que pode lhe custar até 15 anos de prisão A troco de quêfaria isso
Ainda que o paciente haja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a necessidade de perseguirem um potencial criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas em seu desfavor.
Ademais, se, de um lado,deve-se, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco crível a versão apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativaque confira plena legalidade à ação estatal.
Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio pro libertas). Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador.
Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinentedestacar o recentejulgamento peloSupremo Tribunal Federaldos Embargos de Declaração na MedidaCautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022),oportunidade na qual o Pretório Excelso -em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP(Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021)-reconheceu a imprescindibilidadede tal forma de monitoração da atividade policialedeterminou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos".
Dessa forma, em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto criminoso.
Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do paciente.
Valho-me aqui do suporte teórico da dogmática civilista quando trata dos vícios do consentimento nos negócios jurídicos, especialmente da dicção do art. 145 do Código Civil, segundo o qual: "São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa".
Conforme a lição clássica de Caio Mário da Silva Pereira:
O pressuposto do negócio jurídico é a declaração da vontade do agente, em conformidade com a norma legal, e visando a uma produção de efeitos jurídicos. Elemento específico é, então, a emissão de vontade. Se falta, ele não se constitui. Ao revés, se existe, origina o negócio jurídico. Mas o direito não cogita de uma declaração de vontade qualquer. Cuida de sua realidade, de sua consonância com o verdadeiro e íntimo querer do agente, e de sua submissão ao ordenamento jurídico. Na verificação do negócio jurídico, cumpre de início apurar se houve uma declaração de vontade. E, depois, indagar se ela foi escorreita. Desde que tenha feito uma emissão de vontade, o agente desfechou com ela a criação de um negócio jurídico. Mas o resultado, ou seja, a produção de seus efeitos jurídicos, ainda se acha na dependência da verificação das circunstâncias que a envolveram. É que pode ter ocorrido uma declaração de vontade, mas em circunstâncias tais que não traduza a verdadeira atitude volitiva do agente, ou persiga um resultado em divórcio das prescrições legais. Nesses casos, não se nega a sua existência, pois que a vontade se manifestou e o negócio jurídico chegou a constituir-se. Recusa-lhe, porém, efeitos o ordenamento jurídico.
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Inscrito entre os vícios do consentimento, que levam à anulação do negócio, o dolo consiste nas práticas ou manobras maliciosamente levadas a efeito por uma parte, a fim de conseguir da outra uma emissão de vontade que lhe traga proveito, ou a terceiro.
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O mecanismo psíquico do dolo, por ação ou omissão, é o mesmo, e se verifica na utilização de um processo malicioso de convencimento, que produza na vítima um estado de erro ou de ignorância, determinante de uma declaração de vontade que não seria obtida de outra maneira. Em todo dolo há, então, uma emissão volitiva enganosa ou eivada de erro, na qual, porém, é este relegado a segundo plano, como defeito em si, uma vez que sobreleva aqui a causa geradora do negócio jurídico .. .
(PEREIRA, Caio Mário da Silva.Instituições de Direito Civil, atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes, v. I, 30. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 417 e 426-427, destaquei).
A referida disciplina normativa é transponível ao caso em tela, pois, se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis, em relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão tal se dá no Direito Penal (lato sensu), que trata de direitos indisponíveis de um indivíduo diante do poderio do Estado, em relação manifestamente desigual.
Nessa perspectiva, Aury Lopes Jr. esclarece que "é nulo o consentimento (e, portanto, a busca e eventual apreensão) quando viciado, como pode ocorrer quando os policiais não se identificam como tais, induzindo o agente em erro" (Direito Processual Penal, 14. ed., São Paulo: Saraiva, 2017, p. 514, grifei).
Não foi distinta, aliás, a conclusão do Tribunal Supremo da Espanha na Sentencia n. 341/93, ao descartar o consentimento obtido mediante indução a erro, pelo fato de os agentes de segurança não haverem se identificado como tais na ocasião em que solicitaram a autorização ao morador:
O alegado "consentimento" dos ocupantes da casa referido pelo Procurador do Estado não poderia, em suma, invalidar esta conclusão, pois é claro, face ao processo, que a força pública não entrou na casa identificando-se como tal, única hipótese em que se poderia apreciar, se fosse o caso, a anuência do proprietário ou ocupante que afastasse, com plena evidência, a aplicabilidade do art. 21.2 do LOPSC ..
(Disponível em:http://hj.tribunalconstitucional.es/es-ES/Resolucion/Show/2470.Acesso em 24/jan./2022, grifei e traduzi).
Como se vê, considerada - na falta de prova adequada em sentido diverso - a ocorrência de indução do morador a erro para que autorizasse o ingresso em seu lar, há vício que macula a validade da manifestação de vontade e, por consequência, contamina toda a busca domiciliar.
É preciso lembrar que, ao contrário do que se dá em relação a outros direitos fundamentais, o direito à inviolabilidade do domicílio não protege apenas o alvo de uma atuação policial, mas todo o grupo de pessoas que residem ou se encontram no local da diligência. Ao adentrar uma residência à procura de drogas - pense-se na cena de agentes do Estado fortemente armados ingressando em imóveis onde habitam famílias numerosas -, são eventualmente violados em sua intimidade também os pais, os filhos, os irmãos, parentes em geral do suspeito, o que potencializa a gravidade da situação e, por conseguinte, demanda mais rigor e limite para a legitimação da diligência.
Certamente, a dinâmica, a capilaridade e a sofisticação do crime organizado e da criminalidade violenta exigem postura mais efetiva do Estado. No entanto, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa, a seu turno, sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes estatais.
Não se desconhece que a busca e apreensão domiciliar pode ser de grande valia à cessação de crimes e à apuração de sua autoria. No entanto, é de particular importância consolidar o entendimento de que o ingresso na esfera domiciliar para apreensão de drogas em determinadas circunstâncias somente representa legítima intervenção restritiva se devidamente amparada em justificativas e elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, sem o que os direitos à privacidade e à inviolabilidade do lar serão vilipendiados.
A situação versada neste e em inúmeros outros processos que aportam nesta Corte Superior diz respeito à própria noção de civilidade e ao significado concreto do que se entende por Estado Democrático de Direito, que não pode coonestar, para sua legítima existência, práticas abusivas contra parcelas da população que, por sua topografia e status social, costumam ficar mais suscetíveis ao braço ostensivo e armado das forças de segurança.
De nenhum modo se pode argumentar que, por serem os crimes relacionados ao tráfico ilícito de drogas legalmente equiparados aos hediondos, as agências estatais estariam autorizadas, em relação de meio e fim, a ilegalmente afrontar direitos individuais para a obtenção de resultados satisfatórios no combate ao crime. Em outras palavras, conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem, com prioridade, em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas e democráticas.
Diante de tais considerações, concluo que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes.
A propósito, faço lembrar que a essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (melhor seria dizer venenosa, tradução da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de outra contaminada por ilicitude original.
Por conseguinte, inadmissíveis também as provas derivadas da conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de substâncias entorpecentes. Não se pode, evidentemente, admitir que o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduza à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima.
Faço a ressalva, contudo, de que as instâncias ordinárias, ao condenaro réu também pela prática do crime do art. 14 da Lei n. 10.823/2006, consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático independente, motivo pelo qual, não havendo sido questionada a validade da busca pessoal que resultou na apreensão da referida arma na cintura do acusado, a condenação por tal delito permanece hígida;não é, portanto, atingida pela declaração de ilicitude das provas colhidas no interior do lar.
III. Readequação da reprimenda
Afastada a condenação pelo crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, remanesce, quanto ao paciente, apenas a condenação pelo delito de porte ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), a qual lhe acarretou, na origem, pena de 2 anos de reclusão e 10 dias-multa.
Assim, como consectário da absolvição do réu no tocante ao crime de tráfico de drogas, deve ser procedido o ajuste no regime de cumprimento, com a fixação do regime aberto, por haver sido estabelecida a pena-base no mínimo legal e se tratar de réu primário, conforme consignado na sentença (fl. 74). Por conseguinte, deve ser expedido de alvará de soltura em seu favor.
IV. Extensão de efeitos aos corréus
Uma vez que os corréus Wellington Rodrigues de Lima e Marcelo de Souza Lima, no que diz respeito ao crime de tráfico de drogas, estão em situação fático-processual idêntica à do paciente, porquanto, também em relação a eles, não houve fundadas razões para o ingresso em domicílio, tampouco autorização válida do morador, entendo que fazem jus à extensão dos efeitos da absolvição, nos termos do art. 580 do CPP.
V. Dispositivo
À vista do exposto, concedo a ordem, para, considerando não haver fundadas razões para o ingresso em domicílio, tampouco autorização válida do morador, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o paciente da condenação pelo crime de tráfico de drogas, ocorrida no Processo n. 0000644-03.2017.8.26.0630, com fundamento no art. 386, II, do Código de Processo Penal. Por consequência, determino a expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver presoou não houver a necessidade de sê-lo.
Ainda, estabeleço ao réu o regime inicial aberto de cumprimento de pena em relação ao delito descrito no art. 14 da Lei n. 10.826/2003.
De ofício, estendo os efeitos desta decisão aos corréus Wellington Rodrigues de Lima e Marcelo de Souza Lima, nos termos do art. 580 do CPP, para absolvê-los no tocante ao crime de tráfico de drogas. | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. INDUÇÃO A ERRO. VÍCIO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE EFEITOS AOS CORRÉUS.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Apesar da menção a informação anônima repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom, não há nenhum registro concreto de prévia investigação para apurar a conformidade da notícia, ou seja, a ocorrência do comércio espúrio na localidade, tampouco a realização de diligências prévias, monitoramento ou campanas no local para averiguar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente e constatar o aventado comércio ilícito de entorpecentes. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos, nem movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.
4. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
5. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021) perfilou igual entendimento ao adotadono referido HC n. 598.051/SP. Outros precedentes, de ambas as Turmas Criminais, consolidaram tal compreensão.
6. As regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, de sorte a franquear àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.
7. Ainda que o acusadohaja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a necessidade de perseguirem um suposto criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas. Ademais, se, de um lado,deve-se, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes eventos de abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco crível a versão oficial apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativaque confira plena legalidade à ação estatal. Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio prolibertas).
8. Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador. Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
9. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021) - reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos".Dessa forma, em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto autor de crime de roubo.
10. Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do paciente. Se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão deve fazê-lo no Direito Penal (lato sensu), que trata dedireitos indisponíveis do indivíduo diantedo poderio do Estado, em relação manifestamentedesigual.
11. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes - relativa ao delito descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
12. Conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas e democráticas.
13. Uma vez que os corréus se encontram em situação fático-processual idêntica à do paciente, no que diz respeito à condenação pelo crime de tráfico de drogas, devem ser-lhes estendidos os efeitos deste acórdão, nos termos do art. 580 do CPP.
14. Porqueas instâncias ordinárias, ao condenaro réu pelo crime do art. 14 da Lei n. 10.823/2006, consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático independente, a condenação por tal delito não é atingida pela declaração de ilicitude das provas colhidas no interior do domicílio, notadamente quando verificado que a validade da busca pessoal que resultou na apreensão da referida arma na cintura do paciente não foi questionada pela defesa.
15. Como consectário da absolvição do réu no tocante ao crime de tráfico de drogas, deve ser procedidoajuste no regime inicial de cumprimento de pena, com a fixação do regime aberto para o delito remanescente, por haver sido estabelecida a reprimenda-base no mínimo legal e se tratar de réu primário.
16. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para a realização de buscas por drogas no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolvê-lo em relação à prática do delito de tráfico de drogas. Extensão, de ofício, aos corréus. | HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. INDUÇÃO A ERRO. VÍCIO NA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. EXTENSÃO DE EFEITOS AOS CORRÉUS. | 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS.
3. Apesar da menção a informação anônima repassada pela Central de Operações da Polícia Militar - Copom, não há nenhum registro concreto de prévia investigação para apurar a conformidade da notícia, ou seja, a ocorrência do comércio espúrio na localidade, tampouco a realização de diligências prévias, monitoramento ou campanas no local para averiguar a veracidade e a plausibilidade das informações recebidas anonimamente e constatar o aventado comércio ilícito de entorpecentes. Não houve, da mesma forma, menção a qualquer atitude suspeita, exteriorizada em atos concretos, nem movimentação de pessoas típica de comercialização de drogas.
4. Por ocasião do julgamento do HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti), a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, à unanimidade, propôs nova e criteriosa abordagem sobre o controle do alegado consentimento do morador para o ingresso em seu domicílio por agentes estatais. Na ocasião, foram apresentadas as seguintes conclusões: a) Na hipótese de suspeita de crime em flagrante, exige- se, em termos de standard probatório para ingresso no domicílio do suspeito sem mandado judicial, a existência de fundadas razões (justa causa), aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, de maneira a indicar que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito; b) O tráfico ilícito de entorpecentes, em que pese ser classificado como crime de natureza permanente, nem sempre autoriza a entrada sem mandado no domicílio onde supostamente se encontra a droga. Apenas será permitido o ingresso em situações de urgência, quando se concluir que do atraso decorrente da obtenção de mandado judicial se possa objetiva e concretamente inferir que a prova do crime (ou a própria droga) será destruída ou ocultada; c) O consentimento do morador, para validar o ingresso de agentes estatais em sua casa e a busca e apreensão de objetos relacionados ao crime, precisa ser voluntário e livre de qualquer tipo de constrangimento ou coação; d) A prova da legalidade e da voluntariedade do consentimento para o ingresso na residência do suspeito incumbe, em caso de dúvida, ao Estado, e deve ser feita com declaração assinada pela pessoa que autorizou o ingresso domiciliar, indicando-se, sempre que possível, testemunhas do ato. Em todo caso, a operação deve ser registrada em áudio-vídeo e preservada tal prova enquanto durar o processo; e) A violação a essas regras e condições legais e constitucionais para o ingresso no domicílio alheio resulta na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida, bem como das demais provas que dela decorrerem em relação de causalidade, sem prejuízo de eventual responsabilização penal do(s) agente(s) público(s) que tenha(m) realizado a diligência.
5. A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 616.584/RS (Rel. Ministro Ribeiro Dantas, DJe 6/4/2021) perfilou igual entendimento ao adotadono referido HC n. 598.051/SP. Outros precedentes, de ambas as Turmas Criminais, consolidaram tal compreensão.
6. As regras de experiência e o senso comum, somadas às peculiaridades do caso concreto, não conferem verossimilhança à afirmação dos agentes policiais de que o paciente teria autorizado, livre e voluntariamente, o ingresso em seu próprio domicílio, de sorte a franquear àqueles a apreensão de drogas e, consequentemente, a formação de prova incriminatória em seu desfavor.
7. Ainda que o acusadohaja admitido a abertura do portão do imóvel para os agentes da lei, ressalvou que o fez apenas porque informado sobre a necessidade de perseguirem um suposto criminoso em fuga, e não para que fossem procuradas e apreendidas drogas. Ademais, se, de um lado,deve-se, como regra, presumir a veracidade das declarações de qualquer servidor público, não se há de ignorar, por outro lado, que a notoriedade de frequentes eventos de abusos e desvios na condução de diligências policiais permite inferir como pouco crível a versão oficial apresentada no inquérito policial, máxime quando interfere em direitos fundamentais do indivíduo e quando se nota indisfarçável desejo de se criar narrativaque confira plena legalidade à ação estatal. Essa relevante dúvida não pode, dadas as circunstâncias concretas - avaliadas por qualquer pessoa isenta e com base na experiência quotidiana do que ocorre nos centros urbanos - ser dirimida a favor do Estado, mas a favor do titular do direito atingido (in dubio prolibertas).
8. Em verdade, caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que, na espécie, havia em curso na residência uma clara situação de comércio espúrio de droga, a autorizar, pois, o ingresso domiciliar mesmo sem consentimento válido do morador. Entretanto, não se demonstrou preocupação em documentar esse consentimento, quer por escrito, quer por testemunhas, quer, ainda e especialmente, por registro de áudio-vídeo.
9. Sobre a gravação audiovisual, aliás, é pertinente destacar o recente julgamento pelo Supremo Tribunal Federal dos Embargos de Declaração na Medida Cautelar da ADPF n. 635 ("ADPF das Favelas", finalizado em 3/2/2022), oportunidade na qual o Pretório Excelso - em sua composição plena e em consonância com o decidido por este Superior Tribunal no HC n. 598.051/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 15/3/2021) - reconheceu a imprescindibilidade de tal forma de monitoração da atividade policial e determinou, entre outros, que "o Estado do Rio de Janeiro, no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes de segurança, com o posterior armazenamento digital dos respectivos arquivos".Dessa forma, em atenção à basilar lição de hermenêutica constitucional segundo a qual exceções a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, prevalece, quanto ao consentimento, na ausência de prova adequada em sentido diverso, a versão apresentada pelo morador de que apenas abriu o portão para os policiais perseguirem um suposto autor de crime de roubo.
10. Partindo dessa premissa, isto é, de que a autorização foi obtida mediante indução do acusado a erro pelos policiais militares, não pode ser considerada válida a apreensão das drogas, porquanto viciada a manifestação volitiva do paciente. Se, no Direito Civil, que envolve direitos patrimoniais disponíveis, em uma relação equilibrada entre particulares, a indução da parte adversa a erro acarreta a invalidade da sua manifestação por vício de vontade (art. 145, CC), com muito mais razão deve fazê-lo no Direito Penal (lato sensu), que trata dedireitos indisponíveis do indivíduo diantedo poderio do Estado, em relação manifestamentedesigual.
11. A descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação a norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes - relativa ao delito descrito no art. 33 da Lei n. 11.343/2006 -, porque apoiada exclusivamente nessa diligência policial.
12. Conquanto seja legítimo que os órgãos de persecução penal se empenhem em investigar, apurar e punir autores de crimes mais graves, os meios empregados devem, inevitavelmente, vincular-se aos limites e ao regramento das leis e da Constituição Federal. Afinal, é a licitude dos meios empregados pelo Estado que justificam o alcance dos fins perseguidos, em um processo penal sedimentado sobre bases republicanas e democráticas.
13. Uma vez que os corréus se encontram em situação fático-processual idêntica à do paciente, no que diz respeito à condenação pelo crime de tráfico de drogas, devem ser-lhes estendidos os efeitos deste acórdão, nos termos do art. 580 do CPP.
14. Porqueas instâncias ordinárias, ao condenaro réu pelo crime do art. 14 da Lei n. 10.823/2006, consideraram que a apreensão da arma de fogo ocorreu antes e fora da residência, em contexto fático independente, a condenação por tal delito não é atingida pela declaração de ilicitude das provas colhidas no interior do domicílio, notadamente quando verificado que a validade da busca pessoal que resultou na apreensão da referida arma na cintura do paciente não foi questionada pela defesa.
15. Como consectário da absolvição do réu no tocante ao crime de tráfico de drogas, deve ser procedidoajuste no regime inicial de cumprimento de pena, com a fixação do regime aberto para o delito remanescente, por haver sido estabelecida a reprimenda-base no mínimo legal e se tratar de réu primário.
16. Ordem concedida para, considerando que não houve fundadas razões, tampouco comprovação de consentimento válido para a realização de buscas por drogas no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolvê-lo em relação à prática do delito de tráfico de drogas. Extensão, de ofício, aos corréus. | N |
145,029,208 | EMENTA
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. PLANO DE SAÚDE. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A parte agravante demonstrou, nas razões do agravo interno, ter impugnado especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade proferida na origem, não sendo caso de aplicação da Súmula 182/STJ. Agravo (art. 1.042 do CPC) conhecido em juízo de retratação.
2. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.
3. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
4. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
5. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.
6. Quanto à invocação do diploma consumerista, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
7. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
8. No caso, deve ser apurado concretamente, pelas instância ordinárias, à luz do rol da ANS e de preceitos de Saúde Baseada em Evidências - SBE e do rol da ANS vigente por ocasião dos fatos, se o tratamento vindicado tem cobertura no rol da Autarquia e se é efetivamente imprescindível, determinando o requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e - na linha do que propugna o Enunciado n. 23 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ - expedição de ofício à ANS, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
9. Agravo interno a que se dá provimento para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e dar parcial provimento ao recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se de agravo interno interposto por GEAP AUTOGESTÃO EM SAÚDE em face de decisão monocrática da lavra da Presidência desta Corte Superior de fls. 727-729 que não conheceu do agravo em recurso especial, nos seguintes termos:
..
Mediante análise dos autos, verifica-se que a decisão agravada inadmitiu o recurso especial, considerando: Súmula 83/STJ e Súmula 7/STJ.
Entretanto, a parte agravante deixou de impugnar especificamente: Súmula 7/STJ.
Nos termos do art. 932, inciso III, do CPC e do art. 253, parágrafo único, inciso I, do Regimento Interno desta Corte, não se conhecerá do agravo em recurso especial que "não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida".
Conforme já assentado pela Corte Especial do STJ, a decisão de inadmissibilidade do recurso especial não é formada por capítulos autônomos, mas por um único dispositivo, o que exige que a parte agravante impugne todos os fundamentos da decisão que, na origem, não admitiu o recurso especial. (..)
..
Ressalte-se que, em atenção ao princípio da dialeticidade recursal, a impugnação deve ser realizada de forma efetiva, concreta e pormenorizada, não sendo suficientes alegações genéricas ou relativas ao mérito da controvérsia, sob pena de incidência, por analogia, da Súmula n. 182 do STJ.
Ante o exposto, com base no art. 21-E, inciso V, c/c o art. 253, parágrafo único, inciso I, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do agravo em recurso especial.
..
O aludido apelo extremo, fundado na alínea a do permissivo constitucional, desafiou acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado (fls. 1.170-1.171):
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA Nº 608 DO STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 186 E 927, CAPUT, CC. NEGATIVA DE REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO INDICADO PELO MÉDICO ASSISTENTE QUE RESTOU INCONTROVERSA. LAUDOS QUE INDICAVAM RISCO DE VIDA DO PACIENTE. CIRURGIA REALIZADA APÓS O DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA REQUERIDA. NECESSIDADE POSTERIOR DE COLOCAÇÃO DE MARCAPASSO. SÚMULA Nº 112 DO TJRJ. APELANTE QUE SE LIMITA A ALEGAR AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PELA INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DO PROCEDIMENTO REQUERIDO EM ROL DA ANS. TERCEIRA TURMA DO STJ QUE, EM PRECEDENTE RECENTE, CONFIRMOU SEU ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE O REFERIDO ROL É MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. DEVER DA APELANTE DE FORNECER O TRATAMENTO NECESSÁRIO QUANDO HOUVER PREVISÃO CONTRATUAL DE COBERTURA DA DOENÇA. MÉDICO ASSISTENTE QUE TEM A PRERROGATIVA DE INDICAR O TRATAMENTO ADEQUADO. SÚMULAS Nº 211 E 340 TJRJ. CONDUTA ABUSIVA DA APELANTE. PERÍCIA QUE CORROBORA A CONDUTA DO MÉDICO ASSISTENTE. APELANTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR FIXADO, DE R$ 10.000,00, QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E ESTÁ EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NA SENTENÇA NO PATAMAR MÍNIMO, NÃO SENDO POSSÍVEL SUA REDUÇÃO. ART. 85, §2º, CPC. HONORÁRIOS RECURSAIS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO."
___ .
Nas razões do especial (fls. 580-607), a parte recorrente sustenta, em síntese, que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois as teses suscitadas pela agravante decorrem do maltrato da lei federal (artigo 4º, III, VII e XXVIII, da Lei 9.961/2000, e artigo 10, § 4º e 12, ambos da Lei 9.656/1998 e dos artigos 186, 187 e 927, do Código Civil), sustentando ser legítima a exclusão de cobertura de custeio para as hipóteses não determinadas no rol previsto pela ANS, tendo em vista o caráter taxativo deste, e ainda a ausência de ilícito, o que excluiria seu dever de indenizar, não sendo o caso de óbice pelas Súmulas 7 e 182 do STJ.
Com apresentação de contrarrazões ao recurso especial às fls. 634-639, o Tribunal local negou seguimento ao recurso especial (fls. 641-644), o que ensejou o manejo do agravo (fls. 659-689), que não foi conhecido ante a aplicação da Súmula 182/STJ pela Presidência desta Corte Superior (fls. 727-729).
No presente agravo interno, a agravante sustenta ter impugnado especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade do reclamo, razão pela qual defende o conhecimento ao agravo.
Requer, por fim, a reconsideração da decisão monocrática ou sua reforma pelo Colegiado.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. PLANO DE SAÚDE. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A parte agravante demonstrou, nas razões do agravo interno, ter impugnado especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade proferida na origem, não sendo caso de aplicação da Súmula 182/STJ. Agravo (art. 1.042 do CPC) conhecido em juízo de retratação.
2. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.
3. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
4. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
5. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.
6. Quanto à invocação do diploma consumerista, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
7. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
8. No caso, deve ser apurado concretamente, pelas instância ordinárias, à luz do rol da ANS e de preceitos de Saúde Baseada em Evidências - SBE e do rol da ANS vigente por ocasião dos fatos, se o tratamento vindicado tem cobertura no rol da Autarquia e se é efetivamente imprescindível, determinando o requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e - na linha do que propugna o Enunciado n. 23 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ - expedição de ofício à ANS, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
9. Agravo interno a que se dá provimento para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e dar parcial provimento ao recurso especial.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Cuida-se de agravo interno interposto contra decisão da Presidência do STJ (fls. 727-729) que não conheceu do agravo nos próprios autos, por falta de impugnação de fundamento da decisão do Tribunal de origem que inadmitiu o recurso especial.
No entanto, o agravo nos próprios autos refutou adequadamente a monocrática que negou seguimento ao especial.
Desse modo, reconsidero a decisão agravada, proferida pela Presidência do STJ, e passo ao exame do especial.
3. Em parte, assiste razão à recorrente quanto à controvérsia acerca da negativa de cobertura de custeio do tratamento vindicado e à decretação de conduta ilícita da operadora pela recusa da cobertura de tratamentos não contemplados no ROL da Agência Reguladora - ANS. Essa merece melhor reexame conforme se demonstra a seguir.
Verifica-se que o Tribunal local considerou que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS não é taxativo, incumbindo ao médico assistente recomendar o tratamento que apresente maior aptidão para enfrentar a moléstia apresentada, conforme vindicado, conforme trecho abaixo transcrito, com grifos acrescentados (fls. 559-571):
..
"Os pedidos autorais se fundamentam na negativa da apelante, operadora de plano de saúde, em autorizar ao apelado o procedimento prescrito por profissional da área médica, qual seja, implante de válvula aórtica por cateter (COREVALVE e sistema Liberador) em virtude de ter sido diagnosticado com estenose aórtica grave, com sintomas de insuficiência cardíaca e grave disfunção do ventrículo esquerdo (fl. 39). O médico assim destacou:
"Há RISCO DE VIDA com a doença, com mortalidade elevada em sua história natural. O paciente foi avaliado por uma equipe de cardiologistas que, e em vista de sua fragilidade e comorbidades, a considerou de risco extremo para a cirurgia de troca valvar cirúrgica combinada a revascularização." (grifos no original).
Após o deferimento da tutela de urgência requerida (fls. 56/57), a cirurgia foi realizada em 06/10/2016, conforme petição de fls. 282/283, que noticiou ainda a necessidade de colocação de marcapasso (eletrodo atrial, eletrodo ventricular, gerador DDDr pró MRI e 2 kits de punção venosa profunda), o que também foi negado pela apelante, ensejando nova decisão concedendo a tutela requerida nesse momento processual (fl. 287).
Nesse ponto, aplicável o verbete nº 112 da súmula do TJRJ:
"É nula, por abusiva, a cláusula que exclui de cobertura a órtese que integre, necessariamente, cirurgia ou procedimento coberto por plano ou seguro de saúde, tais como "stent" e marcapasso."
A negativa de realização do procedimento restou incontroversa, considerando o seu reconhecimento pela apelante, que limitou-se a argumentar a ausência de ato ilícito nessa negativa considerando que o procedimento pleiteado não está inserido no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Importante esclarecer que, ainda que haja divergência entre as Turmas do STJ, precedente recente da Terceira Turma manteve entendimento de que o rol de procedimentos da ANS é meramente exemplificativo. Ainda, no caso concreto, a adoção do procedimento indicado pelo médico foi devidamente justificada pelo alto risco à vida do paciente, considerando sua fragilidade e outras comorbidades que o acometem, não sendo possível à operadora do plano de saúde se eximir de prestar a cobertura necessária ao tratamento de saúde de seu segurado, com base em uma lista de procedimentos mínimos que devem constar dos planos de saúde oferecidos aos consumidores.
..
Destaque-se que o que se está sendo discutido é a cobertura do tratamento específico requerido e fornecimento dos materiais necessários e não a cobertura da doença que acomete o apelado.
..
Cabe ao médico que atende o paciente diagnosticar a doença e prescrever os medicamentos e tratamentos necessários a garantir a sua saúde.
Na hipótese em análise, inclusive, o apelado foi avaliado por uma equipe de cardiologistas que chegou a um diagnóstico e técnica de tratamento, com a indicação minuciosa inclusive de todos os insumos necessários à realização do procedimento indicado ao apelado. Logo, mostra-se abusiva a conduta da apelante de negar a cobertura pleiteada inicialmente e, depois, a colocação do marcapasso que se mostrou necessária, após a realização da cirurgia.
Devem ser observados ainda os verbetes nº 211 e 340 da súmula do TJRJ:
"Nº. 211 - Havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto à técnica e ao material a serem empregados, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização."
"Nº. 340 - Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano."
No caso ora em análise o apelado inclusive já havia sido submetido a outro procedimento anterior, que não se mostrou suficiente à proteção de sua saúde sendo, assim, necessário o novo procedimento indicado. Nesse sentido, esclareceu o perito à fl. 436:
"O Autor era portador de insuficiência da válvula cardíaca aórtica, em razão de coronariopatia obstrutiva. Foi tratada a obstrução coronariana com stent (fls. 38 dos autos) mas que não foi efetiva no tratamento da insuficiência da válvula aórtica, sendo necessário a sua troca. Mas por ser portador de cardiopatia crônica, com grande risco de morte ao ser submetido a cirurgia à céu aberto, foi indicado a troca de válvula por via endovascular. Para tal foi solicitado material para realização da troca (fls. 6/8 dos autos) e que são compatíveis com o procedimento indicado. Posteriormente foi necessário a colocação de um marca-passo, em razão de bradicardia refratária. .. Concluímos que a indicação de tratamento cirúrgico do Autor foi correta e que o material solicitado pelo Médico Assistente corresponde com a real necessidade da patologia apresentada pelo Autor e sua necessidade cirúrgica, que aliada a boa técnica promoveram a sua recuperação, com o retorno das atividades normais."
Ao responder os quesitos da parte ré, ora apelante, o perito ainda afirmou que o tratamento descrito na inicial é o mais adequado a tratar a enfermidade apresentada e que não há, na hipótese, possibilidade de tratamento alternativo (fl. 437).
Assim, demonstrada a necessidade de cobertura do procedimento pleiteado, caracterizou-se a falha na prestação do serviço pela apelante, esta que não se desincumbiu de seu ônus probatório, previsto no art. 373, II, CPC.
Imperioso destacar a necessidade de serem observados os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva a regerem as relações contratuais, devendo, ainda, ser preservado o equilíbrio econômico e a função social do contrato.
A responsabilidade advém da falha na prestação do serviço, esta que restou comprovada na hipótese." (GN)
..
___ .
Do acima, se extrai que a conclusão a que chegou o Tribunal a quo desconsiderou as limitações do rol da ANS, e considerou descabida a negativa da operadora de cobertura a tratamento médico pelo simples fato de haver indicação médica para a utilização da Eletroconculsoterapia (ECT).
4. Entretanto, a Quarta Turma desta Corte Superior já assentou, que conforme leciona Ingo Wolfgang Sarlet, o texto constitucional não define expressamente o conteúdo do direito à proteção e promoção da saúde, indicando "a relevância de uma adequada concretização por parte do legislador e, no que for cabível, por parte da administração pública".
É dizer, no tocante às possibilidades e limites da exigibilidade do direito constitucional à saúde na condição de direito subjetivo, a pretensão de prestações materiais "demanda uma solução sobre o conteúdo dessas prestações, principalmente em face da ausência de previsão constitucional mais precisa". (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; SARLET, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1.932-1.935)
Com efeito, evidentemente, resguardado o núcleo essencial do direito fundamental, no tocante à saúde suplementar, são, sobretudo, a Lei n. 9.656/1988 e os atos regulamentares infralegais da ANS e do Conselho de Saúde Suplementar, expressamente prestigiados por disposições legais infraconstitucionais, que, representando inequivocamente forte intervenção estatal na relação contratual de direito privado (planos e seguros de saúde), conferem densidade normativa ao direito constitucional à saúde.
Nesse sentido, leciona a doutrina que "o Código Civil postula pelo equilíbrio da contratação, independente da existência concreta de uma parte débil em determinado contexto. O equilíbrio é pressuposto inerente a qualquer contratação, como imperativo ético do ordenamento jurídico". (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Contratos: teoria geral e contratos em espécie. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 233-234)
Cumpre observar, ademais, que a segurança das relações jurídicas depende da lealdade, da equivalência das prestações e contraprestações, da confiança recíproca, da efetividade dos negócios jurídicos, da coerência e clarividência dos direitos e deveres. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 32).
Nessa toada, anota a doutrina especializada que a viabilização da atividade de assistência à saúde envolve custos elevados, que terão de ser suportados pelos próprios consumidores, e " .. cabe ao Poder Judiciário um papel fundamental, o de promover uma interpretação justa e equilibrada da legislação pertinente à matéria", sopesando "os interesses envolvidos sem sentimentalismos e ideias preconcebidas", "contando com o apoio técnico de profissionais qualificados". (FERREIRA, Cláudia Galiberne. PEREIRA, Hélio do Valle; ENZWEILER, Romano José (coords). Curso de direito médico. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 214-215)
Dessarte, eventuais decisões administrativas ou judiciais, à margem da lei, "escapam das previsões pretéritas", e têm o condão de agravar "a delicada situação financeira de inúmeras operadoras de planos de saúde, seguida de intervenções, liquidações ou aquisições de carteiras de clientes, ferem em última análise a própria confiança e expectativa dos consumidores, razão maior da contratação" do plano ou seguro de saúde. "O problema deixa de ser da operadora e passa a atingir toda a sociedade". (LOUREIRO, Francisco Eduardo; SILVA, Regina Beatriz Tavares da (org.). Responsabilidade civil: responsabilidade civil na área da saúde. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 338).
A forte intervenção estatal na relação contratual e a expressa disposição do art. 197 da CF, deixa límpido que o serviço é de relevância pública, extraindo-se da leitura do art. 22, § 1º, da Lei n. 9.656/1998, a inequívoca preocupação do legislador com o equilíbrio financeiro-atuarial dos planos e seguros de saúde, que devem estar assentados em planos de custeio elaborados por profissionais, segundo diretrizes definidas pelo Consu.
Por um lado, a boa-fé objetiva restringe o exercício abusivo de direitos, impondo que as partes colaborem mutuamente para a consecução dos fins comuns perseguidos com o contrato - que não é um mero instrumento formal de registro das intenções -, e também encontra a sua vinculação e limitação na função econômica e social do contrato, visando a fazer com que os legítimos interesses da outra parte, relativos à relação econômica nos moldes pretendidos pelos contratantes, sejam salvaguardados. (TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 38-39)
Por outro lado, se ocorrem motivos que justifiquem a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo - o que se justifica, ademais, como decorrência do próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar. (GOMES, Orlando. (THEODORO JÚNIOR, Humberto (atual.). Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 36)
5. A sentença anotou:
..
"Trata-se de ação de responsabilidade civil ajuizada sob a alegação de falha na prestação dos serviços médicos pela ré, a qual, diante da necessidade de urgente procedimento cirúrgico, negou-se em autorizá-lo.
Inicialmente cumpre-se esclarecer que inaplicável ao presente feito o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a modalidade de autogestão do plano de saúde réu.
Assim, em se tratando de responsabilidade civil subjetiva, necessária a comprovação da conduta dolosa ou culposa, por negligência, imprudência ou imperícia.
O contrato plano de saúde é típico contrato de adesão, razão pela qual deve ser interpretado na forma mais favorável ao segurado, sendo regido por cláusulas gerais, aplicando-se, ainda com mais razão, o princípio da boa-fé contratual previsto no artigo 422 do Código Civil, que por sua vez, permite a análise de eventual abusividade contratual.
Afirma o autor que a ré descumpriu suas obrigações contratuais, negando autorização para procedimento cirúrgico de que necessitava.
O relatório médico de fls. 38/39, assinado em 19/08/2016, corrobora o pedido médico para a realização do procedimento cirúrgico, bem como dos materiais necessários.
Ainda, conforme documento juntado às fls. 40, apesar da baixa resolução do mesmo, é possível verificar que a ré, em 24/08/2016, negou a solicitação de procedimento cirúrgico requerido pelo autor, Arnaldo Camacho Junior, com 79 anos à época.
Assim, a negativa da parte ré ao procedimento cirúrgico indispensável ao tratamento do autor não trata de simples descumprimento contratual, mas sim de negativa do próprio direito à vida, saúde e integridade física, uma vez que, como já dito, o quadro do autor demandava cirurgia urgente, conforme prescrição de seu médico assistente.
Portanto, tenho que restou corroborada a injustificada recusa da ré em autorizar o procedimento cirúrgico ao autor, conforme necessidade atestada pelo seu médico.
Dessa forma, diante da falha na prestação dos serviços da ré, entendo que restou configurado o dano moral ao contratante, o qual prescinde de qualquer prova documental ou oral, diante da gravidade do seu quadro de saúde e de sua avançada idade, com 79 anos à época dos fatos.
Assim, considerando-se a natureza e a extensão do dano sofrido, a condição econômica do lesado, a capacidade da ofensora em suportar o ressarcimento e o conteúdo sancionatório da indenização, entendo que a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) importaria em um valor justo.
Face ao exposto, com fulcro no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, tornando definitiva as decisões de fls. 56/57 e 287, condenando a ré ao pagamento do importe de R$10.000,00 (dez mil reais), pelos danos morais causados, com a incidência de correção monetária a partir da presente data e de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.
Condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
PRI."
6. Como visto, as instâncias ordinárias, data venia, não se dignaram a instruir o processo para dirimir a questão técnica acerca da exclusão legal, nos moldes do rol da ANS e da legislação especial de regência, se valendo do relatório do próprio médico assistente da parte autora - como se fora perito regularmente nomeado pelo Juízo -, para considerar que, no caso concreto, deve ter cobertura contratual.
Ademais, ao estabelecer de antemão que, em todos os casos, havendo indicação do médico assistente, não prevalece a negativa de cobertura, renovada as vênias, na verdade, o entendimento é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório, a ampla defesa e com a natural imparcialidade que legitima a magistratura.
Consoante entendimento recentemente sufragado pela Quarta Turma, REsp 1.733.013/PR, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
Salientou-se que, por um lado, não se pode deixar de observar que o rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do "rol mínimo" e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população. Lamentavelmente, salvo os planos de saúde coletivo empresariais, subvencionados pelo próprio empregador, em regra, os planos de saúde, hoje em dia, são acessíveis apenas às classes média alta e alta da população.
Por outro lado, esse entendimento de que o rol é meramente exemplificativo, devendo a cobertura mínima, paradoxalmente, não ter limitações definidas, tem o condão de efetivamente padronizar todos planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer "tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado", nega vigência aos dispositivos legais que determinam o plano básico de referência e a possibilidade de estabelecimento contratual de outras coberturas, efetivamente padronizando e restringindo a livre concorrência ao nitidamente estipular a mais ampla, indiscriminada e completa cobertura a todos os planos e seguros de saúde, o que, além dos mais, dificulta o acesso à saúde suplementar às camadas mais necessitadas e vulneráveis da população.
No ponto, melhor refletindo acerca do tema, à luz dos substanciosos subsídios técnicos trazidos pelos amicus curiae - inclusive, no que diz respeito à postura manifestada pelos próprios Conselhos Profissionais no sentido de prestigiar o rol da ANS -, o Colegiado sufragou o entendimento de que não ser correto afirmar ser abusiva a exclusão do custeio dos meios e dos materiais necessários ao tratamento indicado pelo médico, diante dos seguintes dispositivos legais da lei de regência da saúde suplementar (Lei n. 9.656/1998): a) art. 10, § 4º, que prescreve a instituição do plano-referência, "respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12", com "amplitude das coberturas" "definida por normas editadas pela ANS"; b) art. 12, que estabelece serem facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º dessa Lei, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência mencionado no art. 10; c) art. 16, VI, o qual determina que dos contratos, dos regulamentos ou das condições gerais dos produtos de que cuidam o inciso I e o § 1º do art. 1º dessa Lei devem constar dispositivos que indiquem os eventos cobertos e excluídos.
Não se pode perder de vista que se está a discutir direitos e obrigações da relação contratual que envolvem plano de saúde e usuário, e não o estabelecimento de obrigação de fazer ou de não fazer a terceiro, que nem mesmo integra a lide.
Outrossim, não se pode descuidar da realidade das coisas, posto que mesmo o correto e regular exercício profissional da Medicina, dentro das normas deontológicas da profissão, usualmente possibilita ao profissional uma certa margem de subjetividade, que, por vezes, envolve convicções pessoais ou melhor conveniência, mas não podem nortear a elaboração do rol, como, por exemplo: a) predileção por determinado procedimento ou mesmo maior domínio técnico/especialização a envolver a prática; b) familiaridade maior com o manejo de determinado exame, sendo, por exemplo, notório que a interpretação de cada tipo usualmente abrange complexidade e requer preparação específica do profissional da área.
Nessa linha de intelecção, acerca do art. 10 da Lei dos Planos e Seguros de Saúde, cumpre salientar as causas que levaram o legislador a instituir o plano-referência: a) constitui verdadeiro plano básico, em atenção ao fato de que existe uma gradação das necessidades dos usuários dos planos e seguros privados de assistência à saúde; b) contém todas as variações que o artigo permite, e é destinado ao grande contigente de consumidores de menor poder aquisitivo ou posicionado em faixas nas quais a demanda por serviços médicos e assistenciais seja pequena, como entre a população mais jovem; c) a existência de planos básicos que se resumem a atendimentos em clínicas e centros médicos ambulatoriais das próprias operadoras ou em enfermarias de hospitais menos sofisticados, às vezes explorados pela própria operadora como o único disponível dessa espécie; d) o produto - sem sua oferta à contratação nenhuma operadora ou administradora poderá obter o registro para funcionar legalmente; e) a necessidade de um plano mínimo criado pela lei para que ele se tornasse acessível à grande massa de desassistidos pelas políticas públicas de assistência médico-hospitalar, diminuindo o clamor dessas populações e tirando os argumentos dos críticos - "de qualquer modo, não deixa de ser um avanço, considerando que as classes sociais com menores níveis de renda já podem contar com alguma assistência efetiva, embora longe da ideal, mesmo que a custos elevados" (BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde: comentada e anotada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 55-57).
Ademais, a doutrina anota que nos contratos as partes nem sempre regulamentam inteiramente os seus interesses, deixando lacunas que devem ser preenchidas. Além da integração supletiva, cabível apenas diante de lacunas contratuais, há a denominada integração cogente. Esta se opera quando sobre a espécie contratual houver normas que devam obrigatoriamente fazer parte do negócio jurídico por força de lei. São normas que se sobrepõem à vontade dos interessados e integram a contratação por imperativo legal (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 73-74).
Nessa perspectiva, de um lado, é importante pontuar não haver dúvida de que não cabe ao Judiciário se substituir ao legislador, violando a tripartição de poderes e suprimindo a atribuição legal da ANS ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não competindo ao magistrado a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo.
A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
Quanto à invocação do CDC casos análogos, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Em suma, o rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
O precedente tem a seguinte ementa:
PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE.
1. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.
2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
3. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.
5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
6. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
7. No caso, a operadora do plano de saúde está amparada pela excludente de responsabilidade civil do exercício regular de direito, consoante disposto no art. 188, I, do CC. É incontroverso, constante da própria causa de pedir, que a ré ofereceu prontamente o procedimento de vertebroplastia, inserido do rol da ANS, não havendo falar em condenação por danos morais.
8. Recurso especial não provido.
7. No entanto, a questão não fica assim resolvida, pois, mutatis mutandis, como dito no acórdão do recurso especial repetitivo 1.124.552/RS, julgado pela Corte Especial, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias de fato ou eminentemente técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto. Naquele mencionado precedente, citou-se a abalizada doutrina de Humberto Theodoro Júnior advertindo que "o que de forma alguma se tolera é desprezar o juiz o laudo técnico para substituí-lo por seus próprios conhecimentos científicos em torno do fato .. . Todo meio de convencimento, para ser útil ao processo, tem de obedecer ao respectivo procedimento legal de produção dentro dos autos, sempre com inteira submissão ao princípio do contraditório. Quod non est in actis no est in mundo. Informes técnicos, estranhos ao campo jurídico, portanto, somente podem penetrar no processo por intermédio de laudo pericial produzido na forma da lei, por perito regularmente nomeado para a diligência probatória.
Ressaltou-se, ainda, que: a) cabe franquear às partes a produção da prova necessária à demonstração dos fatos constitutivos do direito alegado, sob pena de cerceamento de defesa e invasão do magistrado em seara técnica com a qual não é afeito; b) sem dirimir a questão eminente técnica subjacente á jurídica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendida da prova dos autos - em não raros casos, também, simplesmente inexistente; c) nenhuma das partes pode ficar ao alvedrio de valorações superficiais do julgador acerca de questões técnicas, matéria acerca da qual, em regra, deveria o magistrado se abster de manifestar juízo de valor.
Note-se o disposto naquele mencionado precedente:
Porém, a meu juízo, para a solução da questão, as "regras de experiência comum" e as "as regras da experiência técnica" devem ceder vez à necessidade de "exame pericial" (art. 335, CPC), cabível sempre que a prova do fato "depender do conhecimento especial de técnico" (art. 420, I, CPC).
Sobre o tema referente à prova técnica, confira-se o autorizado magistério de Humberto Theodoro Júnior:
Não raras vezes, portanto, terá o juiz de se socorrer de auxílio de pessoas especializadas, como engenheiros, agrimensores, médicos, contadores, químicos, etc., para examinar as pessoas, coisas ou documentos envolvidos no litígio e formar sua convicção para julgar a causa, com a indispensável segurança.
Aparece, então, a prova pericial como o meio de suprir a carência de conhecimentos técnicos de que se ressente o juiz para apuração dos fatos litigiosos.
..
O juiz, enfim, não está adstrito ao laudo (art. 436), mas, ao recusar o trabalho técnico, deve motivar fundamentadamente a formação de seu convencimento em rumo diverso. O que de forma alguma se tolera é desprezar o juiz o laudo técnico para substituí-lo por seus próprios conhecimentos científicos em torno do fato periciado. Eventualmente, o magistrado pode deter cultura técnica além da jurídica, mas não poderá utilizá-la nos autos, porque isto equivaleria a uma inaceitável cumulação de funções inconciliáveis. Assim como o juiz não pode ser testemunha no processo submetido a seu julgamento, também não pode ser, no mesmo feito, juiz e perito. A razão é muito simples: se ao julgar, ele invoca dados que só seu conhecimento científico lhe permite alcançar, na verdade estará formando sua convicção a partir de elementos que previamente não passaram pelo crivo do contraditório, e que, efetivamente, nem sequer existem nos autos.(JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil, vol. I. 52 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 486-493).
..
O melhor para a segurança jurídica, parece-me, é ajustar o procedimento adotado nas instâncias ordinárias, corrigindo as hipóteses de deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto.
É dizer, quando o juiz ou o Tribunal, ad nutum, afirmar a legalidade ou ilegalidade da Tabela Price, sem antes verificar, no caso concreto, a ocorrência ou não de juros capitalizados (compostos ou anatocismo), há ofensa aos arts. 131, 333, 335, 420, 458 ou 535 do CPC, ensejando novo julgamento com base nas provas ou nas consequências de sua não produção, levando-se em conta o ônus probatório de cada litigante.
..
..
É providência que, segundo penso, pode colocar termo à imemorial divergência existente entre tribunais diversos, e que, como afirmado, não se hospeda exatamente em questões jurídicas, mas em matéria acerca da qual, em regra, deveria o magistrado se abster de manifestar juízo de valor.
..
c) em se verificando que matérias de fato ou eminentemente técnicas foram tratadas como exclusivamente de direito, reconhece-se o cerceamento, para que seja realizada a prova pericial.
Registre-se que, na vigência do CPC/2015, o art. 375 do Códex estabelece textualmente que o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.
As regras da experiência técnica devem ser de conhecimento de todos, principalmente das partes, exatamente porque são vulgarizadas; se se trata de regra de experiência técnica, de conhecimento exclusivo do juiz ou "apanágio de especialistas", que por qualquer razão a tenha (o magistrado também tem formação em medicina, por exemplo), torna-se indispensável a realização da perícia. Essa é a razão pela qual se faz a ressalva, no final do texto, ao exame pericial. (DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Vol. 2. 12 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 78)
As decisões judiciais devem ser motivadas, isto é, "racionalmente fundamentadas", não tendo o magistrado discricionariedade em relação à prova, no sentido examiná-las de modo irracional. Preocupa-se a lei processual em que se traga aos autos todos os elementos probatórios que possam permitir ao magistrado decidir do modo mais adequado possível. (MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 610-611)
O juiz que tenha formação na área médica não fica autorizado a empregar seu conhecimento especializado. "Demandas pautadas em questões técnicas sempre demanda a realização de perícia". " N ão podem as regras de experiência substituírem a prova pericial na necessidade de demonstração de questão técnica necessária ao julgamento". (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 286)
Por um lado, a Lei n. 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, estabelece, no art. 4º, XII, ser atividade privativa do médico a realização de perícia médica. E o parágrafo 6º desse dispositivo esclarece que o disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação. O art. 5º, II, do mesmo Diploma Legal, estabelece que são privativos de médico perícia e auditoria médicas.
Outrossim, o art. 98 do Código de Ética Médica estabelece que o médico deve atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, não podendo ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência.
Retomando a necessidade de instrução processual em demandas a envolver a cobertura de tratamento por plano de saúde, é certo que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Não obstante, as regras de experiência não podem ser aplicadas pelo julgador quando a solução da lide demandar conhecimentos técnicos sobre o tema. Dessarte, "não é menos verdade, entretanto, que o laudo, sendo um parecer dos técnicos que levaram a efeito a perícia, é peça de fundamental importância para o estabelecimento daquela convicção". (REsp 750.988/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/8/2006, DJ 25/9/2006, p. 236)
Dessarte, ao estabelecer, de antemão, que, havendo indicação do médico assistente, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento, data venia, na verdade, o entendimento, além de em muitos casos ser temerário, é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório, a ampla defesa, e com a natural imparcialidade que se espera da magistratura.
Nesse passo, consoante proposta da I Jornada de Direito da Saúde, realizada pelo CNJ acolhida em recente precedente da Quarta Turma, para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, na linha do que propugna o Enunciado n. 31 da I da mencionada Jornada, o magistrado de primeira instância deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc".
Note-se:
RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO CLÍNICO OU CIRÚRGICO EXPERIMENTAL E MEDICAMENTOS NÃO REGISTRADOS NA ANVISA. EXPRESSA EXCLUSÃO LEGAL. USO OFF LABEL. POSSIBILIDADE, EM SITUAÇÕES PONTUAIS. CONFUSÃO COM TRATAMENTO EXPERIMENTAL. DESCABIMENTO. EVIDÊNCIA CIENTÍFICA, A RESPALDAR O USO. NECESSIDADE.
..
6. Assim, como a questão exige conhecimento técnico e, no mais das vezes, subjacente divergência entre profissionais da saúde (médico assistente do beneficiário e médico-perito da operadora do plano), para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, na linha do que propugna o Enunciado n. 31 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ, o magistrado deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc".
..
8. Recurso especial não provido.
(REsp 1729566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018)
Com efeito, é bem de ver que a estrutura administrativa do Poder Judiciário já está devidamente aparelhada com núcleos de apoio técnico em saúde, para prestar subsídio aos magistrados nessas demandas, pois, consoante a Resolução n. 238/2016 do CNJ, aquela Corte administrativa determinou às administrações dos tribunais, o seguinte:
Resolução Nº 238 de 06/09/2016
Ementa: Dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a judicialização da saúde envolve questões complexas que exigem a adoção de medidas para proporcionar a especialização dos magistrados para proferirem decisões mais técnicas e precisas;
CONSIDERANDO as diretrizes formuladas pela Resolução CNJ 107, de 6 de abril de 2010, que estabeleceu a necessidade de instituição de Comitês da Saúde Estaduais como instância adequada para encaminhar soluções para a melhor forma de prestação jurisdicional em área tão sensível quanto à da saúde;
..
CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo 0003751-63.2016.2.00.0000 na 18ª Sessão Virtual, realizada em 30 de agosto de 2016;
RESOLVE:
Art. 1º Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais criarão no âmbito de sua jurisdição Comitê Estadual de Saúde, com representação mínima de Magistrados de Primeiro ou Segundo Grau, Estadual e Federal, gestores da área da saúde (federal, estadual e municipal), e demais participantes do Sistema de Saúde (ANVISA, ANS, CONITEC, quando possível) e de Justiça (Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública, Advogados Públicos e um Advogado representante da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do respectivo Estado), bem como integrante do conselho estadual de saúde que represente os usuários do sistema público de saúde, e um representante dos usuário do sistema suplementar de saúde que deverá ser indicado pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor por intermédio dos Procons de cada estado.
§ 1º O Comitê Estadual da Saúde terá entre as suas atribuições auxiliar os tribunais na criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituído de profissionais da Saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em evidências, observando-se na sua criação o disposto no parágrafo segundo do art. 156 do Código de Processo Civil Brasileiro.
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§ 3º As indicações dos magistrados integrantes dos Comitês Estaduais de Saúde serão realizadas pela presidência dos tribunais respectivos ou de acordo com norma prevista em regimento interno dos órgãos, de preferência dentre os magistrados que exerçam jurisdição em matéria de saúde pública ou suplementar, ou que tenham destacado saber jurídico na área da saúde.
..
§ 5º Os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS) terão função exclusivamente de apoio técnico não se aplicando às suas atribuições aquelas previstas na Resolução CNJ 125/2010.
Art. 2º Os tribunais criarão sítio eletrônico que permita o acesso ao banco de dados com pareceres, notas técnicas e julgados na área da saúde, para consulta pelos Magistrados e demais operadores do Direito, que será criado e mantido por este Conselho Nacional de Justiça.
Parágrafo Único. Sem prejuízo do contido no caput deste artigo, cada tribunal poderá manter banco de dados próprio, nos moldes aqui estabelecidos.
..
Art. 4º Esta Resolução entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.
Outrossim, conforme noticia o site do CNJ, desde maio de 2017 o projeto está implementado em todos os tribunais nacionais, fornecendo aos juízos notas técnicas, elaboradas com base em dados científicos e da medicina baseada em evidências, no prazo máximo de até 72h, in verbis:
A partir de maio, as decisões dos magistrados nessas ações judiciais serão amparadas em laudos técnicos, elaborados por especialistas na chamada evidência científica. O projeto, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Ministério da Saúde e outras instituições, prevê a capacitação dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus) vinculados aos tribunais, para uso do sistema que vai subsidiar os magistrados de todo o país em ações judiciais na área de saúde. Já existem 30 notas técnicas sobre medicamentos elaboradas pelos Núcleos e prontas para serem disponibilizadas ao Judiciário do país.
O projeto foi inaugurado no ano passado pela presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, e vem sendo desenvolvido pelo Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do CNJ, supervisionado pelo conselheiro Arnaldo Hossepian. Nesta segunda-feira (27/3), integrantes do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do CNJ, estiveram reunidos na sede do CNJ ajustando formulários que serão utilizados pelos juízes para encaminhar os pedidos de notas técnicas aos especialistas. As notas técnicas, elaboradas com base em dados científicos e da medicina baseada em evidências, terão de ser enviadas no prazo máximo de até 72hs.
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400 mil processos - A implementação das ferramentas técnicas tem como objetivo contribuir para que os magistrados possam julgar de maneira mais segura e qualificada as ações de saúde que tramitam na Justiça, assim como prevenir a excessiva judicialização da saúde no país. Atualmente, há cerca de 400 mil processos ligados ao tema tramitando nos tribunais brasileiros, envolvendo desde pedidos de medicamentos, passando por cirurgias, até litígios contra planos de saúde.
A ideia do CNJ é criar um grande banco de dados à disposição dos magistrados, a partir dos laudos produzidos pelos NATs, com análises baseadas em evidências científicas, e em alguns casos, com a certificação dada pelo Centro Cochrane do Brasil.
"Enquanto não temos condições de dar ao juiz de direito conhecimento técnico, baseado em evidência científica, de que aquilo que está sendo pedido não é pertinente, é natural que, entre o potencial risco de vida e o indeferimento de liminar, o magistrado - vivenciando esse dilema - acabe deferindo a liminar", afirmou o conselheiro Arnaldo Hossepian.
Uma próxima reunião do Comitê do Fórum da Saúde, Ministério da Saúde e Hospital Sírio-Libanês, marcada para o dia 24 de abril, deverá estabelecer os parâmetros para o funcionamento das tutorias, que irão capacitar os NATs dos Tribunais espalhados por todo o país.
..
Histórico - A iniciativa do Conselho se deu a partir da assinatura de um termo de cooperação com o Ministério da Saúde, que estabeleceu parceria para a criação de um banco de dados com informações técnicas para subsidiar os juízes que se deparam com demandas relacionadas à saúde e a capacitação dos alimentadores desse sistema. O sistema foi desenvolvido em parceria pelos departamentos de tecnologia do CNJ e do Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).
Caberá ao CNJ resguardar as informações e torná-las acessíveis aos juízes. Ao longo de três anos, o hospital Sírio-Libanês investirá, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, cerca de R$ 15 milhões, para criar a estrutura da plataforma e capacitar os profissionais que atuam nos NATs existentes no Brasil e selecionados pelo projeto.
Em setembro de 2016, o CNJ aprovou a Resolução n. 238, determinando regras para a criação e a manutenção de comitês estaduais de saúde, bem como a especialização de varas em comarcas com mais de uma vara de fazenda pública. Entre as atribuições dos comitês está a de auxiliar os tribunais na criação dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituídos de profissionais da saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em evidências.
(Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84538-laudo-para-ajudar-juizes-em-causas-de-saude-comeca-a-ser-utilizado-em-maio >. Acesso em: 29 de setembro de 2017)
Nesse particular, é interessante mencionar os Enunciados n. 02 e 18 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ e transcrever os seguintes:
ENUNCIADO N.º 21
Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei n.º 9.656/98, recomenda-se considerar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencados nas Resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas.
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ENUNCIADO N.º 23
Nas demandas judiciais em que se discutir qualquer questão relacionada à cobertura contratual vinculada ao rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, recomenda-se a consulta, pela via eletrônica e/ou expedição de ofício, a esta agência Reguladora para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
Como não houve instrução processual para dirimir questão técnica e a controvérsia foi dirimida como se fosse de natureza tão somente jurídica, a tornar temerária a imediata solução do litigio para julgamento de total improcedência, aplicando-se o direito à espécie (art. 1.034 do CPC/2015 e Súmula 456/STF), é de rigor a anulação do acórdão recorrido e da sentença para que seja efetuado requerimento de nota técnica ao Nat-jus (Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem) para que se possa aferir os fatos constitutivos de direito da parte autora - à luz do rol da ANS, e dos preceitos de Saúde Baseada em Evidências -, elucidando-se a questão eminentemente técnica subjacente à jurídica, acerca de se saber se tratamento vindicado, nas circunstâncias clínicas da autora, consta no rol da ANS e se é efetivamente imprescindível.
Note-se:
PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO EMINENTEMENTE TÉCNICA. JULGAMENTO DA CAUSA, SEM INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INVIABILIDADE. ERROR IN PROCEDENDO. CONSTATAÇÃO. CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO E DA SENTENÇA.
1. Se "extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n.9.961/2000, a atribuição da ANS de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n.439/2018 da Autarquia, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde" (REsp 1733013/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020).
2. Por um lado, as instâncias ordinárias, ao estabelecerem de antemão com base em Súmula local que, em todos os casos, havendo indicação do médico assistente, nunca prevalece a negativa de cobertura - ainda que o medicamento ou procedimento nem sequer integre o rol da ANS -, na verdade, o entendimento, além de suprimir a atribuição legal do Órgão do Poder Executivo, podendo em muitos casos ser temerário, é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório e a ampla defesa. Por outro lado, conforme precedente da Primeira do Turma do STJ, Relator Ministro Luiz Fux, embora seja certo que "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Não obstante, as regras de experiência não podem ser aplicadas pelo julgador quando a solução da lide demandar conhecimentos técnicos sobre o tema" (REsp 750.988/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/8/2006, DJ 25/9/2006, p.
236).
3. Desde a contestação a operadora do plano de saúde sustenta a tese relevante acerca de que os medicamentos para Hepatite C vindicados não constam no rol do ANS (ou do conteúdo daquilo que foi pactuado). Em linha de princípio, não há cobertura contratual e, em vista da normatização de regência, presumivelmente há, na relação editada pela Autarquia, medicamento adequado à grave enfermidade, cabendo, pois, ser apurado, concretamente, o fato constitutivo de direito da parte autora.
4. Como dito no acórdão do recurso especial repetitivo 1.124.552/RS, julgado pela Corte Especial, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias eminentemente técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto. Ressaltou-se nesse precedente que: a) cabe franquear à parte a produção da prova necessária à demonstração dos fatos constitutivos do direito alegado, sob pena de ilegítima invasão do magistrado em seara técnica com a qual não é afeito; b) sem dirimir a questão eminente técnica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendida da prova dos autos.
5. Consoante adequadamente propugna o Enunciado n. 31 da I Jornada de Direito da Saúde, realizada pelo CNJ, para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, o magistrado de primeira instância deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc" (REsp 1729566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018). Como não houve instrução processual, a tornar, no caso concreto, temerária a imediata solução do litigio para julgamento de total improcedência do pedido exordial, aplicando-se o direito à espécie (art. 1.034 do CPC/2015 e Súmula 456/STF), é de rigor a anulação do acórdão recorrido e da sentença para que, mediante requerimento de nota técnica ao Nat-jus (Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem), se possa aferir os fatos constitutivos de direito da parte autora - à luz dos preceitos de Saúde Baseada em Evidências, tomando-se em conta o rol da ANS -, elucidando-se a questão eminentemente técnica subjacente à jurídica acerca da efetiva imprescindibilidade dos medicamentos e marcas prescritos para tratamento da grave enfermidade que acomete a parte.
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1430905/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 02/04/2020)
8. Ante o exposto, RECONSIDERO a decisão da Presidência do STJ e, em novo exame, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para anular o acórdão recorrido e a sentença para que seja apurado concretamente, pelas instância ordinárias, à luz do rol da ANS e de preceitos de Saúde Baseada em Evidências - SBE e do rol da ANS vigente por ocasião dos fatos, se o tratamento vindicado tem cobertura no rol da Autarquia e se é efetivamente imprescindível, determinando o requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e - na linha do que propugna o Enunciado n. 23 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ - expedição de ofício à ANS, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
Quanto às demais questões trazidas no recurso especial, ficam, por ora, prejudicadas suas análises.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, por unanimidade, dar provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
1. Cuida-se de agravo interno interposto por GEAP AUTOGESTÃO EM SAÚDE em face de decisão monocrática da lavra da Presidência desta Corte Superior de fls. 727-729 que não conheceu do agravo em recurso especial, nos seguintes termos:
..
Mediante análise dos autos, verifica-se que a decisão agravada inadmitiu o recurso especial, considerando: Súmula 83/STJ e Súmula 7/STJ.
Entretanto, a parte agravante deixou de impugnar especificamente: Súmula 7/STJ.
Nos termos do art. 932, inciso III, do CPC e do art. 253, parágrafo único, inciso I, do Regimento Interno desta Corte, não se conhecerá do agravo em recurso especial que "não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida".
Conforme já assentado pela Corte Especial do STJ, a decisão de inadmissibilidade do recurso especial não é formada por capítulos autônomos, mas por um único dispositivo, o que exige que a parte agravante impugne todos os fundamentos da decisão que, na origem, não admitiu o recurso especial. (..)
..
Ressalte-se que, em atenção ao princípio da dialeticidade recursal, a impugnação deve ser realizada de forma efetiva, concreta e pormenorizada, não sendo suficientes alegações genéricas ou relativas ao mérito da controvérsia, sob pena de incidência, por analogia, da Súmula n. 182 do STJ.
Ante o exposto, com base no art. 21-E, inciso V, c/c o art. 253, parágrafo único, inciso I, ambos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do agravo em recurso especial.
..
O aludido apelo extremo, fundado na alínea a do permissivo constitucional, desafiou acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado (fls. 1.170-1.171):
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SÚMULA Nº 608 DO STJ. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 186 E 927, CAPUT, CC. NEGATIVA DE REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO INDICADO PELO MÉDICO ASSISTENTE QUE RESTOU INCONTROVERSA. LAUDOS QUE INDICAVAM RISCO DE VIDA DO PACIENTE. CIRURGIA REALIZADA APÓS O DEFERIMENTO DA TUTELA DE URGÊNCIA REQUERIDA. NECESSIDADE POSTERIOR DE COLOCAÇÃO DE MARCAPASSO. SÚMULA Nº 112 DO TJRJ. APELANTE QUE SE LIMITA A ALEGAR AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO PELA INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO DO PROCEDIMENTO REQUERIDO EM ROL DA ANS. TERCEIRA TURMA DO STJ QUE, EM PRECEDENTE RECENTE, CONFIRMOU SEU ENTENDIMENTO NO SENTIDO DE QUE O REFERIDO ROL É MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. DEVER DA APELANTE DE FORNECER O TRATAMENTO NECESSÁRIO QUANDO HOUVER PREVISÃO CONTRATUAL DE COBERTURA DA DOENÇA. MÉDICO ASSISTENTE QUE TEM A PRERROGATIVA DE INDICAR O TRATAMENTO ADEQUADO. SÚMULAS Nº 211 E 340 TJRJ. CONDUTA ABUSIVA DA APELANTE. PERÍCIA QUE CORROBORA A CONDUTA DO MÉDICO ASSISTENTE. APELANTE QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE SEU ÔNUS PROBATÓRIO. DANO MORAL IN RE IPSA. VALOR FIXADO, DE R$ 10.000,00, QUE ATENDE AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E ESTÁ EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NA SENTENÇA NO PATAMAR MÍNIMO, NÃO SENDO POSSÍVEL SUA REDUÇÃO. ART. 85, §2º, CPC. HONORÁRIOS RECURSAIS. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO."
___ .
Nas razões do especial (fls. 580-607), a parte recorrente sustenta, em síntese, que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois as teses suscitadas pela agravante decorrem do maltrato da lei federal (artigo 4º, III, VII e XXVIII, da Lei 9.961/2000, e artigo 10, § 4º e 12, ambos da Lei 9.656/1998 e dos artigos 186, 187 e 927, do Código Civil), sustentando ser legítima a exclusão de cobertura de custeio para as hipóteses não determinadas no rol previsto pela ANS, tendo em vista o caráter taxativo deste, e ainda a ausência de ilícito, o que excluiria seu dever de indenizar, não sendo o caso de óbice pelas Súmulas 7 e 182 do STJ.
Com apresentação de contrarrazões ao recurso especial às fls. 634-639, o Tribunal local negou seguimento ao recurso especial (fls. 641-644), o que ensejou o manejo do agravo (fls. 659-689), que não foi conhecido ante a aplicação da Súmula 182/STJ pela Presidência desta Corte Superior (fls. 727-729).
No presente agravo interno, a agravante sustenta ter impugnado especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade do reclamo, razão pela qual defende o conhecimento ao agravo.
Requer, por fim, a reconsideração da decisão monocrática ou sua reforma pelo Colegiado.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):
2. Cuida-se de agravo interno interposto contra decisão da Presidência do STJ (fls. 727-729) que não conheceu do agravo nos próprios autos, por falta de impugnação de fundamento da decisão do Tribunal de origem que inadmitiu o recurso especial.
No entanto, o agravo nos próprios autos refutou adequadamente a monocrática que negou seguimento ao especial.
Desse modo, reconsidero a decisão agravada, proferida pela Presidência do STJ, e passo ao exame do especial.
3. Em parte, assiste razão à recorrente quanto à controvérsia acerca da negativa de cobertura de custeio do tratamento vindicado e à decretação de conduta ilícita da operadora pela recusa da cobertura de tratamentos não contemplados no ROL da Agência Reguladora - ANS. Essa merece melhor reexame conforme se demonstra a seguir.
Verifica-se que o Tribunal local considerou que o rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS não é taxativo, incumbindo ao médico assistente recomendar o tratamento que apresente maior aptidão para enfrentar a moléstia apresentada, conforme vindicado, conforme trecho abaixo transcrito, com grifos acrescentados (fls. 559-571):
..
"Os pedidos autorais se fundamentam na negativa da apelante, operadora de plano de saúde, em autorizar ao apelado o procedimento prescrito por profissional da área médica, qual seja, implante de válvula aórtica por cateter (COREVALVE e sistema Liberador) em virtude de ter sido diagnosticado com estenose aórtica grave, com sintomas de insuficiência cardíaca e grave disfunção do ventrículo esquerdo (fl. 39). O médico assim destacou:
"Há RISCO DE VIDA com a doença, com mortalidade elevada em sua história natural. O paciente foi avaliado por uma equipe de cardiologistas que, e em vista de sua fragilidade e comorbidades, a considerou de risco extremo para a cirurgia de troca valvar cirúrgica combinada a revascularização." (grifos no original).
Após o deferimento da tutela de urgência requerida (fls. 56/57), a cirurgia foi realizada em 06/10/2016, conforme petição de fls. 282/283, que noticiou ainda a necessidade de colocação de marcapasso (eletrodo atrial, eletrodo ventricular, gerador DDDr pró MRI e 2 kits de punção venosa profunda), o que também foi negado pela apelante, ensejando nova decisão concedendo a tutela requerida nesse momento processual (fl. 287).
Nesse ponto, aplicável o verbete nº 112 da súmula do TJRJ:
"É nula, por abusiva, a cláusula que exclui de cobertura a órtese que integre, necessariamente, cirurgia ou procedimento coberto por plano ou seguro de saúde, tais como "stent" e marcapasso."
A negativa de realização do procedimento restou incontroversa, considerando o seu reconhecimento pela apelante, que limitou-se a argumentar a ausência de ato ilícito nessa negativa considerando que o procedimento pleiteado não está inserido no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS).
Importante esclarecer que, ainda que haja divergência entre as Turmas do STJ, precedente recente da Terceira Turma manteve entendimento de que o rol de procedimentos da ANS é meramente exemplificativo. Ainda, no caso concreto, a adoção do procedimento indicado pelo médico foi devidamente justificada pelo alto risco à vida do paciente, considerando sua fragilidade e outras comorbidades que o acometem, não sendo possível à operadora do plano de saúde se eximir de prestar a cobertura necessária ao tratamento de saúde de seu segurado, com base em uma lista de procedimentos mínimos que devem constar dos planos de saúde oferecidos aos consumidores.
..
Destaque-se que o que se está sendo discutido é a cobertura do tratamento específico requerido e fornecimento dos materiais necessários e não a cobertura da doença que acomete o apelado.
..
Cabe ao médico que atende o paciente diagnosticar a doença e prescrever os medicamentos e tratamentos necessários a garantir a sua saúde.
Na hipótese em análise, inclusive, o apelado foi avaliado por uma equipe de cardiologistas que chegou a um diagnóstico e técnica de tratamento, com a indicação minuciosa inclusive de todos os insumos necessários à realização do procedimento indicado ao apelado. Logo, mostra-se abusiva a conduta da apelante de negar a cobertura pleiteada inicialmente e, depois, a colocação do marcapasso que se mostrou necessária, após a realização da cirurgia.
Devem ser observados ainda os verbetes nº 211 e 340 da súmula do TJRJ:
"Nº. 211 - Havendo divergência entre o seguro saúde contratado e o profissional responsável pelo procedimento cirúrgico, quanto à técnica e ao material a serem empregados, a escolha cabe ao médico incumbido de sua realização."
"Nº. 340 - Ainda que admitida a possibilidade de o contrato de plano de saúde conter cláusulas limitativas dos direitos do consumidor, revela-se abusiva a que exclui o custeio dos meios e materiais necessários ao melhor desempenho do tratamento da doença coberta pelo plano."
No caso ora em análise o apelado inclusive já havia sido submetido a outro procedimento anterior, que não se mostrou suficiente à proteção de sua saúde sendo, assim, necessário o novo procedimento indicado. Nesse sentido, esclareceu o perito à fl. 436:
"O Autor era portador de insuficiência da válvula cardíaca aórtica, em razão de coronariopatia obstrutiva. Foi tratada a obstrução coronariana com stent (fls. 38 dos autos) mas que não foi efetiva no tratamento da insuficiência da válvula aórtica, sendo necessário a sua troca. Mas por ser portador de cardiopatia crônica, com grande risco de morte ao ser submetido a cirurgia à céu aberto, foi indicado a troca de válvula por via endovascular. Para tal foi solicitado material para realização da troca (fls. 6/8 dos autos) e que são compatíveis com o procedimento indicado. Posteriormente foi necessário a colocação de um marca-passo, em razão de bradicardia refratária. .. Concluímos que a indicação de tratamento cirúrgico do Autor foi correta e que o material solicitado pelo Médico Assistente corresponde com a real necessidade da patologia apresentada pelo Autor e sua necessidade cirúrgica, que aliada a boa técnica promoveram a sua recuperação, com o retorno das atividades normais."
Ao responder os quesitos da parte ré, ora apelante, o perito ainda afirmou que o tratamento descrito na inicial é o mais adequado a tratar a enfermidade apresentada e que não há, na hipótese, possibilidade de tratamento alternativo (fl. 437).
Assim, demonstrada a necessidade de cobertura do procedimento pleiteado, caracterizou-se a falha na prestação do serviço pela apelante, esta que não se desincumbiu de seu ônus probatório, previsto no art. 373, II, CPC.
Imperioso destacar a necessidade de serem observados os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva a regerem as relações contratuais, devendo, ainda, ser preservado o equilíbrio econômico e a função social do contrato.
A responsabilidade advém da falha na prestação do serviço, esta que restou comprovada na hipótese." (GN)
..
___ .
Do acima, se extrai que a conclusão a que chegou o Tribunal a quo desconsiderou as limitações do rol da ANS, e considerou descabida a negativa da operadora de cobertura a tratamento médico pelo simples fato de haver indicação médica para a utilização da Eletroconculsoterapia (ECT).
4. Entretanto, a Quarta Turma desta Corte Superior já assentou, que conforme leciona Ingo Wolfgang Sarlet, o texto constitucional não define expressamente o conteúdo do direito à proteção e promoção da saúde, indicando "a relevância de uma adequada concretização por parte do legislador e, no que for cabível, por parte da administração pública".
É dizer, no tocante às possibilidades e limites da exigibilidade do direito constitucional à saúde na condição de direito subjetivo, a pretensão de prestações materiais "demanda uma solução sobre o conteúdo dessas prestações, principalmente em face da ausência de previsão constitucional mais precisa". (CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang; SARLET, Lenio Luiz (Coords.). Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1.932-1.935)
Com efeito, evidentemente, resguardado o núcleo essencial do direito fundamental, no tocante à saúde suplementar, são, sobretudo, a Lei n. 9.656/1988 e os atos regulamentares infralegais da ANS e do Conselho de Saúde Suplementar, expressamente prestigiados por disposições legais infraconstitucionais, que, representando inequivocamente forte intervenção estatal na relação contratual de direito privado (planos e seguros de saúde), conferem densidade normativa ao direito constitucional à saúde.
Nesse sentido, leciona a doutrina que "o Código Civil postula pelo equilíbrio da contratação, independente da existência concreta de uma parte débil em determinado contexto. O equilíbrio é pressuposto inerente a qualquer contratação, como imperativo ético do ordenamento jurídico". (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Contratos: teoria geral e contratos em espécie. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 233-234)
Cumpre observar, ademais, que a segurança das relações jurídicas depende da lealdade, da equivalência das prestações e contraprestações, da confiança recíproca, da efetividade dos negócios jurídicos, da coerência e clarividência dos direitos e deveres. (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 32).
Nessa toada, anota a doutrina especializada que a viabilização da atividade de assistência à saúde envolve custos elevados, que terão de ser suportados pelos próprios consumidores, e " .. cabe ao Poder Judiciário um papel fundamental, o de promover uma interpretação justa e equilibrada da legislação pertinente à matéria", sopesando "os interesses envolvidos sem sentimentalismos e ideias preconcebidas", "contando com o apoio técnico de profissionais qualificados". (FERREIRA, Cláudia Galiberne. PEREIRA, Hélio do Valle; ENZWEILER, Romano José (coords). Curso de direito médico. São Paulo: Conceito Editorial, 2011, p. 214-215)
Dessarte, eventuais decisões administrativas ou judiciais, à margem da lei, "escapam das previsões pretéritas", e têm o condão de agravar "a delicada situação financeira de inúmeras operadoras de planos de saúde, seguida de intervenções, liquidações ou aquisições de carteiras de clientes, ferem em última análise a própria confiança e expectativa dos consumidores, razão maior da contratação" do plano ou seguro de saúde. "O problema deixa de ser da operadora e passa a atingir toda a sociedade". (LOUREIRO, Francisco Eduardo; SILVA, Regina Beatriz Tavares da (org.). Responsabilidade civil: responsabilidade civil na área da saúde. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 338).
A forte intervenção estatal na relação contratual e a expressa disposição do art. 197 da CF, deixa límpido que o serviço é de relevância pública, extraindo-se da leitura do art. 22, § 1º, da Lei n. 9.656/1998, a inequívoca preocupação do legislador com o equilíbrio financeiro-atuarial dos planos e seguros de saúde, que devem estar assentados em planos de custeio elaborados por profissionais, segundo diretrizes definidas pelo Consu.
Por um lado, a boa-fé objetiva restringe o exercício abusivo de direitos, impondo que as partes colaborem mutuamente para a consecução dos fins comuns perseguidos com o contrato - que não é um mero instrumento formal de registro das intenções -, e também encontra a sua vinculação e limitação na função econômica e social do contrato, visando a fazer com que os legítimos interesses da outra parte, relativos à relação econômica nos moldes pretendidos pelos contratantes, sejam salvaguardados. (TEPEDINO, Gustavo. Obrigações: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 38-39)
Por outro lado, se ocorrem motivos que justifiquem a intervenção judicial em lei permitida, há de realizar-se para a decretação da nulidade ou da resolução do contrato, nunca para a modificação do seu conteúdo - o que se justifica, ademais, como decorrência do próprio princípio da autonomia da vontade, uma vez que a possibilidade de intervenção do juiz na economia do contrato atingiria o poder de obrigar-se, ferindo a liberdade de contratar. (GOMES, Orlando. (THEODORO JÚNIOR, Humberto (atual.). Contratos. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 36)
5. A sentença anotou:
..
"Trata-se de ação de responsabilidade civil ajuizada sob a alegação de falha na prestação dos serviços médicos pela ré, a qual, diante da necessidade de urgente procedimento cirúrgico, negou-se em autorizá-lo.
Inicialmente cumpre-se esclarecer que inaplicável ao presente feito o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista a modalidade de autogestão do plano de saúde réu.
Assim, em se tratando de responsabilidade civil subjetiva, necessária a comprovação da conduta dolosa ou culposa, por negligência, imprudência ou imperícia.
O contrato plano de saúde é típico contrato de adesão, razão pela qual deve ser interpretado na forma mais favorável ao segurado, sendo regido por cláusulas gerais, aplicando-se, ainda com mais razão, o princípio da boa-fé contratual previsto no artigo 422 do Código Civil, que por sua vez, permite a análise de eventual abusividade contratual.
Afirma o autor que a ré descumpriu suas obrigações contratuais, negando autorização para procedimento cirúrgico de que necessitava.
O relatório médico de fls. 38/39, assinado em 19/08/2016, corrobora o pedido médico para a realização do procedimento cirúrgico, bem como dos materiais necessários.
Ainda, conforme documento juntado às fls. 40, apesar da baixa resolução do mesmo, é possível verificar que a ré, em 24/08/2016, negou a solicitação de procedimento cirúrgico requerido pelo autor, Arnaldo Camacho Junior, com 79 anos à época.
Assim, a negativa da parte ré ao procedimento cirúrgico indispensável ao tratamento do autor não trata de simples descumprimento contratual, mas sim de negativa do próprio direito à vida, saúde e integridade física, uma vez que, como já dito, o quadro do autor demandava cirurgia urgente, conforme prescrição de seu médico assistente.
Portanto, tenho que restou corroborada a injustificada recusa da ré em autorizar o procedimento cirúrgico ao autor, conforme necessidade atestada pelo seu médico.
Dessa forma, diante da falha na prestação dos serviços da ré, entendo que restou configurado o dano moral ao contratante, o qual prescinde de qualquer prova documental ou oral, diante da gravidade do seu quadro de saúde e de sua avançada idade, com 79 anos à época dos fatos.
Assim, considerando-se a natureza e a extensão do dano sofrido, a condição econômica do lesado, a capacidade da ofensora em suportar o ressarcimento e o conteúdo sancionatório da indenização, entendo que a quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) importaria em um valor justo.
Face ao exposto, com fulcro no inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil, JULGO PROCEDENTES OS PEDIDOS, tornando definitiva as decisões de fls. 56/57 e 287, condenando a ré ao pagamento do importe de R$10.000,00 (dez mil reais), pelos danos morais causados, com a incidência de correção monetária a partir da presente data e de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar da citação.
Condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
PRI."
6. Como visto, as instâncias ordinárias, data venia, não se dignaram a instruir o processo para dirimir a questão técnica acerca da exclusão legal, nos moldes do rol da ANS e da legislação especial de regência, se valendo do relatório do próprio médico assistente da parte autora - como se fora perito regularmente nomeado pelo Juízo -, para considerar que, no caso concreto, deve ter cobertura contratual.
Ademais, ao estabelecer de antemão que, em todos os casos, havendo indicação do médico assistente, não prevalece a negativa de cobertura, renovada as vênias, na verdade, o entendimento é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório, a ampla defesa e com a natural imparcialidade que legitima a magistratura.
Consoante entendimento recentemente sufragado pela Quarta Turma, REsp 1.733.013/PR, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
Salientou-se que, por um lado, não se pode deixar de observar que o rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, em preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, considerar esse mesmo rol meramente exemplificativo representaria, na verdade, negar a própria existência do "rol mínimo" e, reflexamente, negar acesso à saúde suplementar à mais extensa faixa da população. Lamentavelmente, salvo os planos de saúde coletivo empresariais, subvencionados pelo próprio empregador, em regra, os planos de saúde, hoje em dia, são acessíveis apenas às classes média alta e alta da população.
Por outro lado, esse entendimento de que o rol é meramente exemplificativo, devendo a cobertura mínima, paradoxalmente, não ter limitações definidas, tem o condão de efetivamente padronizar todos planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer "tratamento prescrito para garantir a saúde ou a vida do segurado", nega vigência aos dispositivos legais que determinam o plano básico de referência e a possibilidade de estabelecimento contratual de outras coberturas, efetivamente padronizando e restringindo a livre concorrência ao nitidamente estipular a mais ampla, indiscriminada e completa cobertura a todos os planos e seguros de saúde, o que, além dos mais, dificulta o acesso à saúde suplementar às camadas mais necessitadas e vulneráveis da população.
No ponto, melhor refletindo acerca do tema, à luz dos substanciosos subsídios técnicos trazidos pelos amicus curiae - inclusive, no que diz respeito à postura manifestada pelos próprios Conselhos Profissionais no sentido de prestigiar o rol da ANS -, o Colegiado sufragou o entendimento de que não ser correto afirmar ser abusiva a exclusão do custeio dos meios e dos materiais necessários ao tratamento indicado pelo médico, diante dos seguintes dispositivos legais da lei de regência da saúde suplementar (Lei n. 9.656/1998): a) art. 10, § 4º, que prescreve a instituição do plano-referência, "respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12", com "amplitude das coberturas" "definida por normas editadas pela ANS"; b) art. 12, que estabelece serem facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º dessa Lei, respeitadas as respectivas amplitudes de cobertura definidas no plano-referência mencionado no art. 10; c) art. 16, VI, o qual determina que dos contratos, dos regulamentos ou das condições gerais dos produtos de que cuidam o inciso I e o § 1º do art. 1º dessa Lei devem constar dispositivos que indiquem os eventos cobertos e excluídos.
Não se pode perder de vista que se está a discutir direitos e obrigações da relação contratual que envolvem plano de saúde e usuário, e não o estabelecimento de obrigação de fazer ou de não fazer a terceiro, que nem mesmo integra a lide.
Outrossim, não se pode descuidar da realidade das coisas, posto que mesmo o correto e regular exercício profissional da Medicina, dentro das normas deontológicas da profissão, usualmente possibilita ao profissional uma certa margem de subjetividade, que, por vezes, envolve convicções pessoais ou melhor conveniência, mas não podem nortear a elaboração do rol, como, por exemplo: a) predileção por determinado procedimento ou mesmo maior domínio técnico/especialização a envolver a prática; b) familiaridade maior com o manejo de determinado exame, sendo, por exemplo, notório que a interpretação de cada tipo usualmente abrange complexidade e requer preparação específica do profissional da área.
Nessa linha de intelecção, acerca do art. 10 da Lei dos Planos e Seguros de Saúde, cumpre salientar as causas que levaram o legislador a instituir o plano-referência: a) constitui verdadeiro plano básico, em atenção ao fato de que existe uma gradação das necessidades dos usuários dos planos e seguros privados de assistência à saúde; b) contém todas as variações que o artigo permite, e é destinado ao grande contigente de consumidores de menor poder aquisitivo ou posicionado em faixas nas quais a demanda por serviços médicos e assistenciais seja pequena, como entre a população mais jovem; c) a existência de planos básicos que se resumem a atendimentos em clínicas e centros médicos ambulatoriais das próprias operadoras ou em enfermarias de hospitais menos sofisticados, às vezes explorados pela própria operadora como o único disponível dessa espécie; d) o produto - sem sua oferta à contratação nenhuma operadora ou administradora poderá obter o registro para funcionar legalmente; e) a necessidade de um plano mínimo criado pela lei para que ele se tornasse acessível à grande massa de desassistidos pelas políticas públicas de assistência médico-hospitalar, diminuindo o clamor dessas populações e tirando os argumentos dos críticos - "de qualquer modo, não deixa de ser um avanço, considerando que as classes sociais com menores níveis de renda já podem contar com alguma assistência efetiva, embora longe da ideal, mesmo que a custos elevados" (BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde: comentada e anotada artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 55-57).
Ademais, a doutrina anota que nos contratos as partes nem sempre regulamentam inteiramente os seus interesses, deixando lacunas que devem ser preenchidas. Além da integração supletiva, cabível apenas diante de lacunas contratuais, há a denominada integração cogente. Esta se opera quando sobre a espécie contratual houver normas que devam obrigatoriamente fazer parte do negócio jurídico por força de lei. São normas que se sobrepõem à vontade dos interessados e integram a contratação por imperativo legal (NADER, Paulo. Curso de direito civil: contratos. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 73-74).
Nessa perspectiva, de um lado, é importante pontuar não haver dúvida de que não cabe ao Judiciário se substituir ao legislador, violando a tripartição de poderes e suprimindo a atribuição legal da ANS ou mesmo efetuando juízos morais e éticos, não competindo ao magistrado a imposição dos próprios valores de modo a submeter o jurisdicionado a amplo subjetivismo.
A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
Quanto à invocação do CDC casos análogos, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Em suma, o rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
O precedente tem a seguinte ementa:
PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS. INVIABILIDADE.
1. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.
2. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
3. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
4. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.
5. Quanto à invocação do diploma consumerista pela autora desde a exordial, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
6. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
7. No caso, a operadora do plano de saúde está amparada pela excludente de responsabilidade civil do exercício regular de direito, consoante disposto no art. 188, I, do CC. É incontroverso, constante da própria causa de pedir, que a ré ofereceu prontamente o procedimento de vertebroplastia, inserido do rol da ANS, não havendo falar em condenação por danos morais.
8. Recurso especial não provido.
7. No entanto, a questão não fica assim resolvida, pois, mutatis mutandis, como dito no acórdão do recurso especial repetitivo 1.124.552/RS, julgado pela Corte Especial, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias de fato ou eminentemente técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto. Naquele mencionado precedente, citou-se a abalizada doutrina de Humberto Theodoro Júnior advertindo que "o que de forma alguma se tolera é desprezar o juiz o laudo técnico para substituí-lo por seus próprios conhecimentos científicos em torno do fato .. . Todo meio de convencimento, para ser útil ao processo, tem de obedecer ao respectivo procedimento legal de produção dentro dos autos, sempre com inteira submissão ao princípio do contraditório. Quod non est in actis no est in mundo. Informes técnicos, estranhos ao campo jurídico, portanto, somente podem penetrar no processo por intermédio de laudo pericial produzido na forma da lei, por perito regularmente nomeado para a diligência probatória.
Ressaltou-se, ainda, que: a) cabe franquear às partes a produção da prova necessária à demonstração dos fatos constitutivos do direito alegado, sob pena de cerceamento de defesa e invasão do magistrado em seara técnica com a qual não é afeito; b) sem dirimir a questão eminente técnica subjacente á jurídica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendida da prova dos autos - em não raros casos, também, simplesmente inexistente; c) nenhuma das partes pode ficar ao alvedrio de valorações superficiais do julgador acerca de questões técnicas, matéria acerca da qual, em regra, deveria o magistrado se abster de manifestar juízo de valor.
Note-se o disposto naquele mencionado precedente:
Porém, a meu juízo, para a solução da questão, as "regras de experiência comum" e as "as regras da experiência técnica" devem ceder vez à necessidade de "exame pericial" (art. 335, CPC), cabível sempre que a prova do fato "depender do conhecimento especial de técnico" (art. 420, I, CPC).
Sobre o tema referente à prova técnica, confira-se o autorizado magistério de Humberto Theodoro Júnior:
Não raras vezes, portanto, terá o juiz de se socorrer de auxílio de pessoas especializadas, como engenheiros, agrimensores, médicos, contadores, químicos, etc., para examinar as pessoas, coisas ou documentos envolvidos no litígio e formar sua convicção para julgar a causa, com a indispensável segurança.
Aparece, então, a prova pericial como o meio de suprir a carência de conhecimentos técnicos de que se ressente o juiz para apuração dos fatos litigiosos.
..
O juiz, enfim, não está adstrito ao laudo (art. 436), mas, ao recusar o trabalho técnico, deve motivar fundamentadamente a formação de seu convencimento em rumo diverso. O que de forma alguma se tolera é desprezar o juiz o laudo técnico para substituí-lo por seus próprios conhecimentos científicos em torno do fato periciado. Eventualmente, o magistrado pode deter cultura técnica além da jurídica, mas não poderá utilizá-la nos autos, porque isto equivaleria a uma inaceitável cumulação de funções inconciliáveis. Assim como o juiz não pode ser testemunha no processo submetido a seu julgamento, também não pode ser, no mesmo feito, juiz e perito. A razão é muito simples: se ao julgar, ele invoca dados que só seu conhecimento científico lhe permite alcançar, na verdade estará formando sua convicção a partir de elementos que previamente não passaram pelo crivo do contraditório, e que, efetivamente, nem sequer existem nos autos.(JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de direito processual civil, vol. I. 52 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 486-493).
..
O melhor para a segurança jurídica, parece-me, é ajustar o procedimento adotado nas instâncias ordinárias, corrigindo as hipóteses de deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto.
É dizer, quando o juiz ou o Tribunal, ad nutum, afirmar a legalidade ou ilegalidade da Tabela Price, sem antes verificar, no caso concreto, a ocorrência ou não de juros capitalizados (compostos ou anatocismo), há ofensa aos arts. 131, 333, 335, 420, 458 ou 535 do CPC, ensejando novo julgamento com base nas provas ou nas consequências de sua não produção, levando-se em conta o ônus probatório de cada litigante.
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É providência que, segundo penso, pode colocar termo à imemorial divergência existente entre tribunais diversos, e que, como afirmado, não se hospeda exatamente em questões jurídicas, mas em matéria acerca da qual, em regra, deveria o magistrado se abster de manifestar juízo de valor.
..
c) em se verificando que matérias de fato ou eminentemente técnicas foram tratadas como exclusivamente de direito, reconhece-se o cerceamento, para que seja realizada a prova pericial.
Registre-se que, na vigência do CPC/2015, o art. 375 do Códex estabelece textualmente que o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras da experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.
As regras da experiência técnica devem ser de conhecimento de todos, principalmente das partes, exatamente porque são vulgarizadas; se se trata de regra de experiência técnica, de conhecimento exclusivo do juiz ou "apanágio de especialistas", que por qualquer razão a tenha (o magistrado também tem formação em medicina, por exemplo), torna-se indispensável a realização da perícia. Essa é a razão pela qual se faz a ressalva, no final do texto, ao exame pericial. (DIDIER JÚNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil. Vol. 2. 12 ed. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 78)
As decisões judiciais devem ser motivadas, isto é, "racionalmente fundamentadas", não tendo o magistrado discricionariedade em relação à prova, no sentido examiná-las de modo irracional. Preocupa-se a lei processual em que se traga aos autos todos os elementos probatórios que possam permitir ao magistrado decidir do modo mais adequado possível. (MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 610-611)
O juiz que tenha formação na área médica não fica autorizado a empregar seu conhecimento especializado. "Demandas pautadas em questões técnicas sempre demanda a realização de perícia". " N ão podem as regras de experiência substituírem a prova pericial na necessidade de demonstração de questão técnica necessária ao julgamento". (GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JÚNIOR, Zulmar Duarte de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 286)
Por um lado, a Lei n. 12.842/2013, que dispõe sobre o exercício da Medicina, estabelece, no art. 4º, XII, ser atividade privativa do médico a realização de perícia médica. E o parágrafo 6º desse dispositivo esclarece que o disposto neste artigo não se aplica ao exercício da Odontologia, no âmbito de sua área de atuação. O art. 5º, II, do mesmo Diploma Legal, estabelece que são privativos de médico perícia e auditoria médicas.
Outrossim, o art. 98 do Código de Ética Médica estabelece que o médico deve atuar com absoluta isenção quando designado para servir como perito ou como auditor, não podendo ultrapassar os limites de suas atribuições e de sua competência.
Retomando a necessidade de instrução processual em demandas a envolver a cobertura de tratamento por plano de saúde, é certo que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Não obstante, as regras de experiência não podem ser aplicadas pelo julgador quando a solução da lide demandar conhecimentos técnicos sobre o tema. Dessarte, "não é menos verdade, entretanto, que o laudo, sendo um parecer dos técnicos que levaram a efeito a perícia, é peça de fundamental importância para o estabelecimento daquela convicção". (REsp 750.988/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/8/2006, DJ 25/9/2006, p. 236)
Dessarte, ao estabelecer, de antemão, que, havendo indicação do médico assistente, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento, data venia, na verdade, o entendimento, além de em muitos casos ser temerário, é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório, a ampla defesa, e com a natural imparcialidade que se espera da magistratura.
Nesse passo, consoante proposta da I Jornada de Direito da Saúde, realizada pelo CNJ acolhida em recente precedente da Quarta Turma, para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, na linha do que propugna o Enunciado n. 31 da I da mencionada Jornada, o magistrado de primeira instância deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc".
Note-se:
RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. COBERTURA DE TRATAMENTO CLÍNICO OU CIRÚRGICO EXPERIMENTAL E MEDICAMENTOS NÃO REGISTRADOS NA ANVISA. EXPRESSA EXCLUSÃO LEGAL. USO OFF LABEL. POSSIBILIDADE, EM SITUAÇÕES PONTUAIS. CONFUSÃO COM TRATAMENTO EXPERIMENTAL. DESCABIMENTO. EVIDÊNCIA CIENTÍFICA, A RESPALDAR O USO. NECESSIDADE.
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6. Assim, como a questão exige conhecimento técnico e, no mais das vezes, subjacente divergência entre profissionais da saúde (médico assistente do beneficiário e médico-perito da operadora do plano), para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, na linha do que propugna o Enunciado n. 31 da I Jornada de Direito da Saúde do CNJ, o magistrado deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc".
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8. Recurso especial não provido.
(REsp 1729566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018)
Com efeito, é bem de ver que a estrutura administrativa do Poder Judiciário já está devidamente aparelhada com núcleos de apoio técnico em saúde, para prestar subsídio aos magistrados nessas demandas, pois, consoante a Resolução n. 238/2016 do CNJ, aquela Corte administrativa determinou às administrações dos tribunais, o seguinte:
Resolução Nº 238 de 06/09/2016
Ementa: Dispõe sobre a criação e manutenção, pelos Tribunais de Justiça e Regionais Federais de Comitês Estaduais da Saúde, bem como a especialização de vara em comarcas com mais de uma vara de fazenda Pública.
O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ), no uso de suas atribuições legais e regimentais,
CONSIDERANDO que a judicialização da saúde envolve questões complexas que exigem a adoção de medidas para proporcionar a especialização dos magistrados para proferirem decisões mais técnicas e precisas;
CONSIDERANDO as diretrizes formuladas pela Resolução CNJ 107, de 6 de abril de 2010, que estabeleceu a necessidade de instituição de Comitês da Saúde Estaduais como instância adequada para encaminhar soluções para a melhor forma de prestação jurisdicional em área tão sensível quanto à da saúde;
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CONSIDERANDO a deliberação do Plenário do CNJ no Ato Normativo 0003751-63.2016.2.00.0000 na 18ª Sessão Virtual, realizada em 30 de agosto de 2016;
RESOLVE:
Art. 1º Os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais criarão no âmbito de sua jurisdição Comitê Estadual de Saúde, com representação mínima de Magistrados de Primeiro ou Segundo Grau, Estadual e Federal, gestores da área da saúde (federal, estadual e municipal), e demais participantes do Sistema de Saúde (ANVISA, ANS, CONITEC, quando possível) e de Justiça (Ministério Público Federal e Estadual, Defensoria Pública, Advogados Públicos e um Advogado representante da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do respectivo Estado), bem como integrante do conselho estadual de saúde que represente os usuários do sistema público de saúde, e um representante dos usuário do sistema suplementar de saúde que deverá ser indicado pela Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor por intermédio dos Procons de cada estado.
§ 1º O Comitê Estadual da Saúde terá entre as suas atribuições auxiliar os tribunais na criação de Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituído de profissionais da Saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em evidências, observando-se na sua criação o disposto no parágrafo segundo do art. 156 do Código de Processo Civil Brasileiro.
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§ 3º As indicações dos magistrados integrantes dos Comitês Estaduais de Saúde serão realizadas pela presidência dos tribunais respectivos ou de acordo com norma prevista em regimento interno dos órgãos, de preferência dentre os magistrados que exerçam jurisdição em matéria de saúde pública ou suplementar, ou que tenham destacado saber jurídico na área da saúde.
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§ 5º Os Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS) terão função exclusivamente de apoio técnico não se aplicando às suas atribuições aquelas previstas na Resolução CNJ 125/2010.
Art. 2º Os tribunais criarão sítio eletrônico que permita o acesso ao banco de dados com pareceres, notas técnicas e julgados na área da saúde, para consulta pelos Magistrados e demais operadores do Direito, que será criado e mantido por este Conselho Nacional de Justiça.
Parágrafo Único. Sem prejuízo do contido no caput deste artigo, cada tribunal poderá manter banco de dados próprio, nos moldes aqui estabelecidos.
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Art. 4º Esta Resolução entra em vigor 60 (sessenta) dias após a data de sua publicação.
Outrossim, conforme noticia o site do CNJ, desde maio de 2017 o projeto está implementado em todos os tribunais nacionais, fornecendo aos juízos notas técnicas, elaboradas com base em dados científicos e da medicina baseada em evidências, no prazo máximo de até 72h, in verbis:
A partir de maio, as decisões dos magistrados nessas ações judiciais serão amparadas em laudos técnicos, elaborados por especialistas na chamada evidência científica. O projeto, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com o Ministério da Saúde e outras instituições, prevê a capacitação dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus) vinculados aos tribunais, para uso do sistema que vai subsidiar os magistrados de todo o país em ações judiciais na área de saúde. Já existem 30 notas técnicas sobre medicamentos elaboradas pelos Núcleos e prontas para serem disponibilizadas ao Judiciário do país.
O projeto foi inaugurado no ano passado pela presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, e vem sendo desenvolvido pelo Comitê Executivo Nacional do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do CNJ, supervisionado pelo conselheiro Arnaldo Hossepian. Nesta segunda-feira (27/3), integrantes do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde do CNJ, estiveram reunidos na sede do CNJ ajustando formulários que serão utilizados pelos juízes para encaminhar os pedidos de notas técnicas aos especialistas. As notas técnicas, elaboradas com base em dados científicos e da medicina baseada em evidências, terão de ser enviadas no prazo máximo de até 72hs.
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400 mil processos - A implementação das ferramentas técnicas tem como objetivo contribuir para que os magistrados possam julgar de maneira mais segura e qualificada as ações de saúde que tramitam na Justiça, assim como prevenir a excessiva judicialização da saúde no país. Atualmente, há cerca de 400 mil processos ligados ao tema tramitando nos tribunais brasileiros, envolvendo desde pedidos de medicamentos, passando por cirurgias, até litígios contra planos de saúde.
A ideia do CNJ é criar um grande banco de dados à disposição dos magistrados, a partir dos laudos produzidos pelos NATs, com análises baseadas em evidências científicas, e em alguns casos, com a certificação dada pelo Centro Cochrane do Brasil.
"Enquanto não temos condições de dar ao juiz de direito conhecimento técnico, baseado em evidência científica, de que aquilo que está sendo pedido não é pertinente, é natural que, entre o potencial risco de vida e o indeferimento de liminar, o magistrado - vivenciando esse dilema - acabe deferindo a liminar", afirmou o conselheiro Arnaldo Hossepian.
Uma próxima reunião do Comitê do Fórum da Saúde, Ministério da Saúde e Hospital Sírio-Libanês, marcada para o dia 24 de abril, deverá estabelecer os parâmetros para o funcionamento das tutorias, que irão capacitar os NATs dos Tribunais espalhados por todo o país.
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Histórico - A iniciativa do Conselho se deu a partir da assinatura de um termo de cooperação com o Ministério da Saúde, que estabeleceu parceria para a criação de um banco de dados com informações técnicas para subsidiar os juízes que se deparam com demandas relacionadas à saúde e a capacitação dos alimentadores desse sistema. O sistema foi desenvolvido em parceria pelos departamentos de tecnologia do CNJ e do Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná).
Caberá ao CNJ resguardar as informações e torná-las acessíveis aos juízes. Ao longo de três anos, o hospital Sírio-Libanês investirá, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde, cerca de R$ 15 milhões, para criar a estrutura da plataforma e capacitar os profissionais que atuam nos NATs existentes no Brasil e selecionados pelo projeto.
Em setembro de 2016, o CNJ aprovou a Resolução n. 238, determinando regras para a criação e a manutenção de comitês estaduais de saúde, bem como a especialização de varas em comarcas com mais de uma vara de fazenda pública. Entre as atribuições dos comitês está a de auxiliar os tribunais na criação dos Núcleos de Apoio Técnico do Judiciário (NAT-JUS), constituídos de profissionais da saúde, para elaborar pareceres acerca da medicina baseada em evidências.
(Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/84538-laudo-para-ajudar-juizes-em-causas-de-saude-comeca-a-ser-utilizado-em-maio >. Acesso em: 29 de setembro de 2017)
Nesse particular, é interessante mencionar os Enunciados n. 02 e 18 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ e transcrever os seguintes:
ENUNCIADO N.º 21
Nos contratos celebrados ou adaptados na forma da Lei n.º 9.656/98, recomenda-se considerar o rol de procedimentos de cobertura obrigatória elencados nas Resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar, ressalvadas as coberturas adicionais contratadas.
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ENUNCIADO N.º 23
Nas demandas judiciais em que se discutir qualquer questão relacionada à cobertura contratual vinculada ao rol de procedimentos e eventos em saúde editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar, recomenda-se a consulta, pela via eletrônica e/ou expedição de ofício, a esta agência Reguladora para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
Como não houve instrução processual para dirimir questão técnica e a controvérsia foi dirimida como se fosse de natureza tão somente jurídica, a tornar temerária a imediata solução do litigio para julgamento de total improcedência, aplicando-se o direito à espécie (art. 1.034 do CPC/2015 e Súmula 456/STF), é de rigor a anulação do acórdão recorrido e da sentença para que seja efetuado requerimento de nota técnica ao Nat-jus (Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem) para que se possa aferir os fatos constitutivos de direito da parte autora - à luz do rol da ANS, e dos preceitos de Saúde Baseada em Evidências -, elucidando-se a questão eminentemente técnica subjacente à jurídica, acerca de se saber se tratamento vindicado, nas circunstâncias clínicas da autora, consta no rol da ANS e se é efetivamente imprescindível.
Note-se:
PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE E DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. QUESTÃO EMINENTEMENTE TÉCNICA. JULGAMENTO DA CAUSA, SEM INSTRUÇÃO PROCESSUAL. INVIABILIDADE. ERROR IN PROCEDENDO. CONSTATAÇÃO. CASSAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO E DA SENTENÇA.
1. Se "extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n.9.961/2000, a atribuição da ANS de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n.439/2018 da Autarquia, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde" (REsp 1733013/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 10/12/2019, DJe 20/02/2020).
2. Por um lado, as instâncias ordinárias, ao estabelecerem de antemão com base em Súmula local que, em todos os casos, havendo indicação do médico assistente, nunca prevalece a negativa de cobertura - ainda que o medicamento ou procedimento nem sequer integre o rol da ANS -, na verdade, o entendimento, além de suprimir a atribuição legal do Órgão do Poder Executivo, podendo em muitos casos ser temerário, é, em linha de princípio, incompatível com o contraditório e a ampla defesa. Por outro lado, conforme precedente da Primeira do Turma do STJ, Relator Ministro Luiz Fux, embora seja certo que "o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos. Não obstante, as regras de experiência não podem ser aplicadas pelo julgador quando a solução da lide demandar conhecimentos técnicos sobre o tema" (REsp 750.988/RJ, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/8/2006, DJ 25/9/2006, p.
236).
3. Desde a contestação a operadora do plano de saúde sustenta a tese relevante acerca de que os medicamentos para Hepatite C vindicados não constam no rol do ANS (ou do conteúdo daquilo que foi pactuado). Em linha de princípio, não há cobertura contratual e, em vista da normatização de regência, presumivelmente há, na relação editada pela Autarquia, medicamento adequado à grave enfermidade, cabendo, pois, ser apurado, concretamente, o fato constitutivo de direito da parte autora.
4. Como dito no acórdão do recurso especial repetitivo 1.124.552/RS, julgado pela Corte Especial, o melhor para a segurança jurídica consiste em não admitir que matérias eminentemente técnicas sejam tratadas como se fossem exclusivamente de direito, resultando em deliberações arbitrárias ou divorciadas do exame probatório do caso concreto. Ressaltou-se nesse precedente que: a) cabe franquear à parte a produção da prova necessária à demonstração dos fatos constitutivos do direito alegado, sob pena de ilegítima invasão do magistrado em seara técnica com a qual não é afeito; b) sem dirimir a questão eminente técnica, uma ou outra conclusão dependerá unicamente do ponto de vista do julgador, manifestado quase que de forma ideológica, por vez às cegas e desprendida da prova dos autos.
5. Consoante adequadamente propugna o Enunciado n. 31 da I Jornada de Direito da Saúde, realizada pelo CNJ, para propiciar a prolação de decisão racionalmente fundamentada, o magistrado de primeira instância deve "obter informações do Núcleo de Apoio Técnico ou Câmara Técnica e, na sua ausência, de outros serviços de atendimento especializado, tais como instituições universitárias, associações profissionais, etc" (REsp 1729566/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018). Como não houve instrução processual, a tornar, no caso concreto, temerária a imediata solução do litigio para julgamento de total improcedência do pedido exordial, aplicando-se o direito à espécie (art. 1.034 do CPC/2015 e Súmula 456/STF), é de rigor a anulação do acórdão recorrido e da sentença para que, mediante requerimento de nota técnica ao Nat-jus (Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem), se possa aferir os fatos constitutivos de direito da parte autora - à luz dos preceitos de Saúde Baseada em Evidências, tomando-se em conta o rol da ANS -, elucidando-se a questão eminentemente técnica subjacente à jurídica acerca da efetiva imprescindibilidade dos medicamentos e marcas prescritos para tratamento da grave enfermidade que acomete a parte.
6. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1430905/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 30/03/2020, DJe 02/04/2020)
8. Ante o exposto, RECONSIDERO a decisão da Presidência do STJ e, em novo exame, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso especial para anular o acórdão recorrido e a sentença para que seja apurado concretamente, pelas instância ordinárias, à luz do rol da ANS e de preceitos de Saúde Baseada em Evidências - SBE e do rol da ANS vigente por ocasião dos fatos, se o tratamento vindicado tem cobertura no rol da Autarquia e se é efetivamente imprescindível, determinando o requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e - na linha do que propugna o Enunciado n. 23 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ - expedição de ofício à ANS, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
Quanto às demais questões trazidas no recurso especial, ficam, por ora, prejudicadas suas análises.
É o voto. | EMENTA
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. PLANO DE SAÚDE. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.
1. A parte agravante demonstrou, nas razões do agravo interno, ter impugnado especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade proferida na origem, não sendo caso de aplicação da Súmula 182/STJ. Agravo (art. 1.042 do CPC) conhecido em juízo de retratação.
2. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.
3. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
4. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
5. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.
6. Quanto à invocação do diploma consumerista, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
7. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
8. No caso, deve ser apurado concretamente, pelas instância ordinárias, à luz do rol da ANS e de preceitos de Saúde Baseada em Evidências - SBE e do rol da ANS vigente por ocasião dos fatos, se o tratamento vindicado tem cobertura no rol da Autarquia e se é efetivamente imprescindível, determinando o requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e - na linha do que propugna o Enunciado n. 23 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ - expedição de ofício à ANS, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
9. Agravo interno a que se dá provimento para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e dar parcial provimento ao recurso especial. | AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO AGRAVO. AGRAVO INTERNO PROVIDO. PLANO DE SAÚDE. PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE. RECURSO ESPECIAL. ROL DE PROCEDIMENTOS E EVENTOS EM SAÚDE ELABORADO PELA ANS. ATRIBUIÇÃO DA AUTARQUIA, POR EXPRESSA DISPOSIÇÃO LEGAL E NECESSIDADE DE HARMONIZAÇÃO DOS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. CARACTERIZAÇÃO COMO RELAÇÃO EXEMPLIFICATIVA. IMPOSSIBILIDADE. MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DO COLEGIADO (OVERRULING). CDC. APLICAÇÃO, SEMPRE VISANDO HARMONIZAR OS INTERESSES DAS PARTES DA RELAÇÃO CONTRATUAL. EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E ATUARIAL E SEGURANÇA JURÍDICA. PRESERVAÇÃO. NECESSIDADE. RECUSA DE COBERTURA DE PROCEDIMENTO NÃO ABRANGIDO NO ROL EDITADO PELA AUTARQUIA OU POR DISPOSIÇÃO CONTRATUAL. OFERECIMENTO DE PROCEDIMENTO ADEQUADO, CONSTANTE DA RELAÇÃO ESTABELECIDA PELA AGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO. | 1. A parte agravante demonstrou, nas razões do agravo interno, ter impugnado especificamente os fundamentos da decisão de inadmissibilidade proferida na origem, não sendo caso de aplicação da Súmula 182/STJ. Agravo (art. 1.042 do CPC) conhecido em juízo de retratação.
2. A Lei n. 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, que tem por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde. O art. 4º, III e XXXVII, atribui competência à Agência para elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei n. 9.656/1998, além de suas excepcionalidades, zelando pela qualidade dos serviços prestados no âmbito da saúde suplementar.
3. Com efeito, por clara opção do legislador, é que se extrai do art. 10, § 4º, da Lei n. 9.656/1998 c/c o art. 4º, III, da Lei n. 9.961/2000, a atribuição dessa Autarquia de elaborar a lista de procedimentos e eventos em saúde que constituirão referência básica para os fins do disposto na Lei dos Planos e Seguros de Saúde. Em vista dessa incumbência legal, o art. 2º da Resolução Normativa n. 439/2018 da ANS, que atualmente regulamenta o processo de elaboração do rol, em harmonia com o determinado pelo caput do art. 10 da Lei n. 9.656/1998, esclarece que o rol garante a prevenção, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a reabilitação de todas as enfermidades que compõem a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - CID da Organização Mundial da Saúde.
4. A elaboração do rol, em linha com o que se deduz do Direito Comparado, apresenta diretrizes técnicas relevantes, de inegável e peculiar complexidade, como: utilização dos princípios da Avaliação de Tecnologias em Saúde - ATS; observância aos preceitos da Saúde Baseada em Evidências - SBE; e resguardo da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do setor.
5. O rol mínimo e obrigatório de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Por conseguinte, em revisitação ao exame detido e aprofundado do tema, conclui-se que é inviável o entendimento de que o rol é meramente exemplificativo e de que a cobertura mínima, paradoxalmente, não tem limitações definidas. Esse raciocínio tem o condão de encarecer e efetivamente padronizar os planos de saúde, obrigando-lhes, tacitamente, a fornecer qualquer tratamento prescrito, restringindo a livre concorrência e negando vigência aos dispositivos legais que estabelecem o plano-referência de assistência à saúde (plano básico) e a possibilidade de definição contratual de outras coberturas.
6. Quanto à invocação do diploma consumerista, é de se observar que as técnicas de interpretação do Código de Defesa do Consumidor devem reverência ao princípio da especialidade e ao disposto no art. 4º daquele diploma, que orienta, por imposição do próprio Código, que todas as suas disposições estejam voltadas teleologicamente e finalisticamente para a consecução da harmonia e do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
7. O rol da ANS é solução concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, elaborado de acordo com aferição de segurança, efetividade e impacto econômico. A uníssona doutrina especializada alerta para a necessidade de não se inviabilizar a saúde suplementar. A disciplina contratual exige uma adequada divisão de ônus e benefícios dos sujeitos como parte de uma mesma comunidade de interesses, objetivos e padrões. Isso tem de ser observado tanto em relação à transferência e distribuição adequada dos riscos quanto à identificação de deveres específicos do fornecedor para assegurar a sustentabilidade, gerindo custos de forma racional e prudente.
8. No caso, deve ser apurado concretamente, pelas instância ordinárias, à luz do rol da ANS e de preceitos de Saúde Baseada em Evidências - SBE e do rol da ANS vigente por ocasião dos fatos, se o tratamento vindicado tem cobertura no rol da Autarquia e se é efetivamente imprescindível, determinando o requerimento de nota técnica ao Núcleo de Apoio Técnico do Tribunal de origem e - na linha do que propugna o Enunciado n. 23 das Jornadas de Direito da Saúde do CNJ - expedição de ofício à ANS, para os esclarecimentos necessários sobre a questão em litígio.
9. Agravo interno a que se dá provimento para reconsiderar a decisão da Presidência desta Corte e dar parcial provimento ao recurso especial. | N |
137,913,170 | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. CONDENAÇÃO BASEADA EM DEDUÇÕES, EM TESTEMUNHO INDIRETO E NO HISTÓRICO CRIMINAL DO RÉU. OFENSA AO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVALORAÇÃO DA PROVA INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE.
1. "É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória." (AgRg no AREsp n. 1.847.375/GO, relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 1º/6/2021, DJe 16/6/2021.)
2. Na hipótese em apreço, a formação do juízo condenatório se baseou na apreensão de drogas realizada em estabelecimento comercial do qual o paciente não era o proprietário. Os entorpecentes tampouco foram arrecadados em seu poder, além de os demais elementos de convicção se tratarem de induções baseadas, sobretudo, no histórico criminal do réu e em relato prestado informalmente por vizinho do local.
3. O fato de o paciente frequentemente ser visto no bar em que apreendida a droga não constitui fundamento suficiente para uma condenação, especialmente porque há informações de que ele trabalhava com o comércio e distribuição de bebidas, justificando suas idas constantes ao local. Pelo mesmo motivo, é possível justificar o cheque encontrado com seu nome no verso.
4. O relato informal, prestado por vizinho do local a um dos policiais ouvidos, no sentido de que, no dia seguinte à apreensão das drogas, o paciente teria ido inúmeras vezes ao bar e saído de lá com uns tabletes e uma arma de fogo, trata-se de testemunho indireto, o que não é aceito pela jurisprudência desta Corte.
5. A menção a boatos e informes anônimos caracteriza-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não constituir fundamento idôneo para a condenação.
6. "Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal" (HC n. 632.778/AL, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/3/2021, DJe 12/3/2021).
7. Como se vê, se nem mesmo elementos colhidos exclusivamente na fase inquisitiva podem ser considerados para um decreto condenatório, com ainda menos razão poderão se considerar depoimentos colhidos informalmente na fase policial e não repetidos em juízo para justificar uma condenação.
8. Apontamentos referentes ao histórico criminal do réu em nada contribuem para formação do juízo condenatório no que se refere à autoria delitiva.
9. Habeas corpus concedido para absolver o paciente.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de RICARDO HENRIQUE DOS SANTOS SILVA apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Apelação n. 1.0342.19.004778-3/001).
Consta dos autos ter sido o paciente condenado à pena de 10 anos e 3 meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 691 dias-multa, pela prática dos crimes previstos no art. 33, c/c o art. 40, III, ambos da Lei n. 11.343/2006, e no art. 343 do Código Penal, ante a apreensão de cerca de 2kg (dois quilos) de cocaína, 98,52g (noventa e oito gramas e cinquenta e dois centigramas) de maconha e 10,26g (dez gramas e vinte e seis centigramas) de crack.
Irresignada, a defesa ingressou com recurso, tendo o Tribunal de origem negado provimento ao apelo nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 13):
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - TESTEMUNHO DE POLICIAIS MILITARES E VALIDADE DA PROVA - CONDENAÇÃO MANTIDA - CAUSA DE AUMENTO POR TRÁFICO NAS IMEDIAÇÕES DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO (ART. 40, III DA LEI 11.343/06) - POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO (ART.12 DA LEI 10.826/03) - NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - MUNIÇÃO APREENDIDA EM CONTEXTO DA PRÁTICA DE OUTROS DELITOS - CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NÃO INCIDÊNCIA DA ATENUANTE - DELITO DO ART. 343 DO CP - CONDENAÇÃO MANTIDA
- Confirmada autoria e materialidade do delito de tráfico de drogas, independente do núcleo do tipo praticado, a condenação é medida que se impõe, sendo incabível o pleito absolutório.
- Em delitos como tráfico de drogas, que ocorrem na clandestinidade, os elementos de prova devem ser associados para a formação da convicção do julgador. Assim, aos depoimentos prestados por policiais deve-se dar crédito como se de qualquer outra testemunha fossem, eis que prestam compromisso e estão sujeitos às penalidades legais pelo falso, conforme entendimento firmado pelo STF.
- Conforme precedente o STF (RHC 143.449/MS), é formalmente típica e materialmente atípica a posse ou porte de munição desacompanhada da arma de fogo, aplicando-se o princípio da insignificância por ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado.
- A aplicação do princípio da insignificância pode ser afastada se a munição foi apreendida no contexto da prática de outros delitos, tais como tráfico de drogas.
- Não se aplica a atenuante da confissão espontânea se o réu não reconhece a propriedade das munições apreendidas nem a prática do delito de porte ou posse irregular, não sendo suficiente afirmar que as munições não eram suas.
- O delito do art. 343 do CP é formal, consumando-se, independente do resultado, quando o réu da, oferece ou promete dinheiro ou vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, traduções ou interpretação.
No presente writ, sustenta a defesa que "a condenação do paciente baseia-se apenas nos depoimentos dos policiais, sendo certo que os mesmos esclareceram que não flagraram o recorrente comercializando drogas", asseverando, ainda, que "a) o paciente não foi visto praticando narcotraficância ou quaisquer núcleos verbais discutidos; b) não houve apreensão de substância ilícita em seu poder; c) não houve interceptação telefônica ou medida semelhante capaz de demonstrar a prática do delito; d) o corréu assumiu a propriedade da droga apreendida; e) os testemunhos dos policiais, além de ser isolados do contexto probatório, somente informam que o recorrente era conhecido na prática de tráfico de drogas pelos antecedentes e diante de informes de testemunhas que não quiseram se identificar" (e-STJ fl. 7).
Pontua que, "embora os depoimentos prestados processual, considerados uníssonos e coerentes durante a marcha estarem, de fato, cobertos pelo princípio da presunção da veracidade do ato administrativo, que lhes garante o revestimento da fé-pública, bem como pelo compromisso em dizer a verdade durante o crivo do contraditório, seu conteúdo não presta informações acerca de fatos diretamente presenciados pelas autoridades, mas sim à fala de um terceiro que prestou um testemunho informal, a qual não encontra-se revestida por nenhuma das referidas garantias" (e-STJ fls. 7/8).
Busca, inclusive liminarmente, seja reconhecida a nulidade arguida e absolvido o paciente.
Indeferida a liminar e prestadas as informações, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
No tocante ao pleito absolutório, o voto condutor foi assim entabulado (e-STJ fls. 16/18):
Do recurso de Ricardo Henrique dos Santos Silva
Ricardo Henrique foi condenado pela prática do delito de tráfico de drogas (art.33 c/c art.40, III da Lei 11.343/06) e pelo delito do art.343 do CP. Sua defesa requer absolvição alegando que o fato não constitui infração penal, não há provas de ter o réu concorrido para a infração e não há provas suficientes para a condenação, pedindo aplicação do princípio in dubio pro reo.
A materialidade do delito está demonstrada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 04/08-v e 138/144), Auto de Apreensão (fls.22/24), Laudo de Constatação Preliminar (fls. 45/48), Laudo Toxicológico (fls.51/58), bem como a prova oral colhida nos autos.
No tocante à autoria, também restou demonstrada pela prova testemunhal, em que pese sua negativa na fase extrajudicial, sendo revel na fase judicial. No caso dos autos, o "Bar do Sol" era um estabelecimento comercial de fachada, onde era praticado o delito de tráfico de drogas, e Ricardo (v.Chocolate) fornecia as drogas e auxiliava no preparo para que Luiz Carlos (dono do bar) comercializasse. Houve apreensão de 1 (uma) porção grande de cocaína (1.884kg), 77 (setenta e sete) porções de cocaína embaladas individualmente (118g), 5 (cinco) tabletes de maconha (98,5g), 1 (uma) pedra de "crack" (10,26g), bem como de instrumentos/objetos destinados à preparação de drogas (sacos plásticos, fitas adesivas, balança de precisão, forno microondas e liquidificador com resquícios de cocaína).
A prova testemunhal é firme em apontar Ricardo como autor do delito de tráfico de drogas. Neste sentido:
(..) Que havia informações de que estaria ocorrendo o tráfico de drogas, no Bar situado Bairro Brasil, denominado "Bar do Sol"; Que, diante das informações, passaram a fazer monitoramento contínuo, inclusive consta um DDU dando conta do possível comércio de drogas, no referido bar; (..) Que, informa que teve informações de que o indivíduo conhecido por "Ricardo Chocolate", frequentemente estava no bar e que inclusive foi apreendido um cheque que no verso tinha anotado o nome: "Chocolate".
(..) (José Luciano Pereira Silva - fase inquisitorial, fls. 71/72)
(..)
Que há informações sobre o tráfico de drogas do Ricardo, que foi preso várias vezes por tráfico e roubo; Que "a gente viu ele várias vezes, e ter achado o cheque também né, escrito atrás Chocolate, a gente deduz né que eles tinham contato", conforme se expressa ao falar de Ricardo e Luiz Carlos
(..) (José Luciano Pereira Silva em Juízo - fase judicial, mídia de fls. 332)
(..)
Que segundo o morador de frente, no dia subsequente Ricardo foi lá (no Bar da Sol), abriu o comércio pegou as roupas do Luiz Carlos, foi no freezer pegou muitas carnes e ausentou do local, e após isso ele retornou umas três quatro vezes, e ele percebeu que o Ricardo (..) saiu com uns tabletes de lá e uma arma de fogo; Que conhece o Ricardo por tráfico de drogas.
(..) (Werley Alves Pimenta, mídia de fls.332)
(..)
Que desses três envolvidos o único que eu conheço é o Ricardo Chocolate; (O sr. conhece por quê ) Dos meios policiais pelo crime de tráfico de drogas; (Havia denúncias por tráfico de drogas do denunciado Ricardo ) Assim, a maioria dos policiais sabe, ele é bastante conhecido, que ele é envolvido no ramo de tráfico de drogas.
(..) (Fernando Mota Alves, mídia de fls. 332)
(..)
Pelo que me recordo esse senhor o Luiz era só fachada, pelo que entendi ele era um funcionário do Ricardo.
(..) (Juliana Demonte Zanin, mídia de fls. 332)
Assim, indiferente de ter ocupação lícita, o apelante é conhecido no meio policial por tráfico de drogas, frequentemente estava no "Bar da Sol" (que é local de venda de drogas), e esteve neste bar após a apreensão das drogas e demais objetos, retirando drogas e arma de fogo do local.
Em delitos como tráfico de drogas, que ocorrem na clandestinidade, os elementos de prova devem ser associados para a formação da convicção do julgador. Assim, aos depoimentos prestados por policiais deve-se dar crédito como se de qualquer outra testemunha fossem, eis que prestam compromisso e estão sujeitos às penalidades legais pelo falso.
Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de não haver irregularidades em ser o policial testemunha sobre os atos de ofício em cuja fase policial tenha participado. Confira-se:
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Portanto, não havendo demonstração de irregularidade, o depoimento policial deve ser levado em conta juntamente com as demais provas dos autos, tais como o auto de apreensão e laudo toxicológico que confirmam a prática de tráfico.
O delito de tráfico de drogas possui núcleo múltiplo, de conteúdo variado, permitindo que várias condutas caracterizem a prática, não sendo necessário que o agente seja flagrado vendendo a droga ou que esta esteja na sua posse, bastando que as circunstâncias e demais elementos colhidos comprovem a prática do delito.
Neste sentido, já se manifestou esta e. Câmara:
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Portanto, está caracterizado o crime do art. 33 da Lei 11.343/06, não sendo cabível a absolvição nem a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Antes de mais nada, pontuo que a condenação do réu decorreu tão somente da prova testemunhal produzida ao longo da instrução.
Extrai-se da sentença que os depoimentos considerados para a formação do juízo condenatório foram prestados (i) pelo policial militar José Luciano Pereira Silva; (ii) pelo investigador de polícia Werley Alves Pimenta; (iii) pelo policial civil Fernando Mota Alves; (iv) pela Delegada de Polícia Civil Dra. Juliana Demonte Zanin; (v) pela testemunha Camila do Nascimento Fernandes; (vi) pelo informante Paulo Henrique Beraldo da Silva; (vii) pela testemunha Ronaldo Cândido da Silva; e (viii) pela testemunha Douglas Reinaldo Silva Gobi.
Consoante se extrai da sentença, os depoimentos prestados pelas testemunhas não policiais em nada contribuíram para a formação do juízo condenatório, mormente no que se refere à autoria delitiva, uma vez que os esclarecimentos prestados limitaram-se a questões relacionadas à ocupação do réu, que trabalhava com o comércio e distribuição de cerveja, situação que, inclusive, justificaria sua constante presença no local - "Bar do Sol" - em que apreendidos os entorpecentes, os quais deram azo à deflagração da ação penal.
Conquanto as drogas encontradas no "Bar do Sol" não tenham sido apreendidas em poder do apenado, por meio de induções baseadas, sobretudo, no histórico criminal do réu e em relatos prestados informalmente por vizinhos do local, os depoimentos dos policiais em juízo, calcados em suposições e deduções, foram sugestivamente voltados à incriminação do paciente. Referido raciocínio pode ser extraído dos excertos a seguir transcritos:
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"teve informações de que o indivíduo conhecido por "Ricardo Chocolate", frequentemente estava no bar e que inclusive foi apreendido um cheque que no verso tinha anotado o nome: "Chocolate".
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há informações sobre o tráfico de drogas do Ricardo, que foi preso várias vezes por tráfico e roubo; Que "a gente viu ele várias vezes, e ter achado o cheque também né, escrito atrás Chocolate, a gente deduz né que eles tinham contato"
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Que segundo o morador de frente, no dia subseqüente Ricardo foi lá (no Bar da Sol), abriu o comércio pegou as roupas do Luiz Carlos, foi no freezer pegou muitas carnes e ausentou do local, e após isso ele retornou umas três quatro vezes, e ele percebeu que o Ricardo (..) saiu com uns tabletes de lá e uma arma de fogo; Que conhece o Ricardo por tráfico de drogas.
..
Que desses três envolvidos o único que eu conheço é o Ricardo Chocolate; (O sr. conhece por quê ) Dos meios policiais pelo crime de tráfico de drogas; (Havia denúncias por tráfico de drogas do denunciado Ricardo ) Assim, a maioria dos policiais sabe, ele é bastante conhecido, que ele é envolvido no ramo de tráfico de drogas.
Primeiro, aponto que o fato de o paciente frequentemente ser visto no bar não constitui fundamento suficiente para uma condenação, especialmente porque há informações de que ele trabalhava com o comércio e distribuição de bebidas, justificando suas idas constantes ao local. Pelo mesmo motivo, é possível justificar o cheque encontrado com seu nome no verso.
Segundo, é de se destacar que o relato informal, prestado por vizinho do local a um dos policiais ouvidos, no sentido de que, no dia seguinte à apreensão das drogas, o paciente teria ido inúmeras vezes ao bar e saído de lá com uns tabletes e uma arma de fogo, trata-se de testemunho indireto, o que não é aceito pela jurisprudência desta Corte.
A menção a boatos e informes anônimos caracteriza-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não se constituírem em fundamentos idôneos para a condenação quando desacompanhados de outros elementos de carga probatória suficientes para a configuração da autoria delitiva. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. SÚMULA N. 7 DO STJ. AFASTAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO. IDONEIDADE JURÍDICA. VERIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. CONDENAÇÃO. TRIBUNAL DO JÚRI. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. FASE INQUISITIVA. TESTEMUNHAS DE "OUVIR DIZER". VERSÕES CONTRADITÓRIAS. TESE DE JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO Á PROVA DOS AUTOS. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO A FIM DE SE CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
1. É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória.
2. Mesmo que se trate de Tribunal do Júri, não se admite que a condenação esteja fundamentada tão-somente em prova produzida no inquérito policial, ainda que seja o depoimento da Vítima, e no depoimento de testemunhas de "ouvir dizer", mormente quando estes últimos possuem contradições entre as versões prestadas na fase investigatória e judicial.
3. Não sendo idônea a fundamentação utilizada pela Corte de origem para concluir pela inexistência de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos, impõe-se o acolhimento da pretensão defensiva, com a anulação do julgamento proferido pelo Tribunal do Júri.
4. Se, nos termos da jurisprudência atual, nem mesmo a pronúncia, que é proferida numa fase processual em que se observa o in dubio pro societate, pode estar fundamentada apenas em provas colhidas na fase investigativa ou em testemunhos de "ouvir dizer", muito menos se admite que uma condenação, que deve observar o in dubio pro reo, seja mantida pelas instâncias recursais com lastro nesse tipo de fundamentação.
5. Agravo regimental provido a fim de se conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, anulando o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri e determinando que seja o Agravante submetido a novo Júri Popular.
(AgRg no AREsp 1847375/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 16/06/2021, grifei.)
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM BOATOS E TESTEMUNHA DE OUVIR DIZER. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
..
2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular.
3. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas - como o norte-americano -, o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil, ainda que não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, "não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta" (Helio Tornaghi).
..
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para reformar o acórdão recorrido de modo a despronunciar os recorrentes nos autos do Processo n. 0702.08.432189-3, em trâmite no Juízo de Direito da Vara de Crimes contra a Pessoa da Comarca de Uberlândia, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia em eventual superveniência de provas.
(REsp 1674198/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017.)
Ademais, desconhecida a identidade desse vizinho, por óbvio, nem em solo policial nem em juízo ele prestou depoimento, havendo motivação adicional para tal informação não ser considerada para o decreto condenatório, uma vez que, ao deixar de ser submetida ao contraditório, afrontou o art. 155 do Código de Processo Penal. Confira-se:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CONDENAÇÃO. PROVAS COLHIDAS EXCLUSIVAMENTE NO INQUÉRITO POLICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, na esfera criminal não se admite a condenação do réu baseada em meras suposições, provas inconclusivas, ou exclusivamente colhidas em sede inquisitorial, tal como ocorrido na espécie (AgRg no AREsp 1.288.983/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 29/08/2018).
2. Não sendo o depoimento da testemunha ocular repetido em juízo, lastreando-se a prova judicial apenas na oitiva da autoridade policial, que o colheu na fase inquisitiva, ausente prova judicializada para a condenação.
3. O delegado não relata fatos do crime tampouco é testemunha adicional do que consta do inquérito policial.
4. Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal.
5. Habeas corpus concedido para anular a sentença, por violação do art. 155 do CPP, e julgar improcedente a representação, nos autos do Processo de Apuração de Ato Infracional 0700016-98.2019.8.02.0038, na forma do art. 386, VII, do CPP. (HC 632.778/AL, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 12/03/2021, grifei.)
Assinalo, ainda, que, como não poderia deixar de ser, apontamentos referentes ao histórico criminal do réu em nada contribuem para formação do juízo condenatório no que se refere à autoria delitiva.
Desse modo, à míngua de prova robusta e incontroversa da autoria delitiva, fica inviabilizada a condenação, porquanto os elementos de convencimento constantes da sentença e do acórdão são incapazes de evidenciar, com a segurança necessária à prolação de um decreto condenatório, a prática de delito de tráfico.
Por oportuno, consigno que a análise realizada em nada demandou o reexame de provas, limitando-se à revaloração de fatos incontroversos - no caso, os depoimentos prestados pelas testemunhas - explicitados na sentença e no acórdão impugnados.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para absolver o réu, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, anulando-se a sentença para que outra seja prolatada, com base nos elementos probatórios remanescentes.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de RICARDO HENRIQUE DOS SANTOS SILVA apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Apelação n. 1.0342.19.004778-3/001).
Consta dos autos ter sido o paciente condenado à pena de 10 anos e 3 meses de reclusão, em regime fechado, e ao pagamento de 691 dias-multa, pela prática dos crimes previstos no art. 33, c/c o art. 40, III, ambos da Lei n. 11.343/2006, e no art. 343 do Código Penal, ante a apreensão de cerca de 2kg (dois quilos) de cocaína, 98,52g (noventa e oito gramas e cinquenta e dois centigramas) de maconha e 10,26g (dez gramas e vinte e seis centigramas) de crack.
Irresignada, a defesa ingressou com recurso, tendo o Tribunal de origem negado provimento ao apelo nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 13):
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE DROGAS - TESTEMUNHO DE POLICIAIS MILITARES E VALIDADE DA PROVA - CONDENAÇÃO MANTIDA - CAUSA DE AUMENTO POR TRÁFICO NAS IMEDIAÇÕES DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO (ART. 40, III DA LEI 11.343/06) - POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO (ART.12 DA LEI 10.826/03) - NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - MUNIÇÃO APREENDIDA EM CONTEXTO DA PRÁTICA DE OUTROS DELITOS - CONFISSÃO ESPONTÂNEA - NÃO INCIDÊNCIA DA ATENUANTE - DELITO DO ART. 343 DO CP - CONDENAÇÃO MANTIDA
- Confirmada autoria e materialidade do delito de tráfico de drogas, independente do núcleo do tipo praticado, a condenação é medida que se impõe, sendo incabível o pleito absolutório.
- Em delitos como tráfico de drogas, que ocorrem na clandestinidade, os elementos de prova devem ser associados para a formação da convicção do julgador. Assim, aos depoimentos prestados por policiais deve-se dar crédito como se de qualquer outra testemunha fossem, eis que prestam compromisso e estão sujeitos às penalidades legais pelo falso, conforme entendimento firmado pelo STF.
- Conforme precedente o STF (RHC 143.449/MS), é formalmente típica e materialmente atípica a posse ou porte de munição desacompanhada da arma de fogo, aplicando-se o princípio da insignificância por ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado.
- A aplicação do princípio da insignificância pode ser afastada se a munição foi apreendida no contexto da prática de outros delitos, tais como tráfico de drogas.
- Não se aplica a atenuante da confissão espontânea se o réu não reconhece a propriedade das munições apreendidas nem a prática do delito de porte ou posse irregular, não sendo suficiente afirmar que as munições não eram suas.
- O delito do art. 343 do CP é formal, consumando-se, independente do resultado, quando o réu da, oferece ou promete dinheiro ou vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, traduções ou interpretação.
No presente writ, sustenta a defesa que "a condenação do paciente baseia-se apenas nos depoimentos dos policiais, sendo certo que os mesmos esclareceram que não flagraram o recorrente comercializando drogas", asseverando, ainda, que "a) o paciente não foi visto praticando narcotraficância ou quaisquer núcleos verbais discutidos; b) não houve apreensão de substância ilícita em seu poder; c) não houve interceptação telefônica ou medida semelhante capaz de demonstrar a prática do delito; d) o corréu assumiu a propriedade da droga apreendida; e) os testemunhos dos policiais, além de ser isolados do contexto probatório, somente informam que o recorrente era conhecido na prática de tráfico de drogas pelos antecedentes e diante de informes de testemunhas que não quiseram se identificar" (e-STJ fl. 7).
Pontua que, "embora os depoimentos prestados processual, considerados uníssonos e coerentes durante a marcha estarem, de fato, cobertos pelo princípio da presunção da veracidade do ato administrativo, que lhes garante o revestimento da fé-pública, bem como pelo compromisso em dizer a verdade durante o crivo do contraditório, seu conteúdo não presta informações acerca de fatos diretamente presenciados pelas autoridades, mas sim à fala de um terceiro que prestou um testemunho informal, a qual não encontra-se revestida por nenhuma das referidas garantias" (e-STJ fls. 7/8).
Busca, inclusive liminarmente, seja reconhecida a nulidade arguida e absolvido o paciente.
Indeferida a liminar e prestadas as informações, manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do writ.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
No tocante ao pleito absolutório, o voto condutor foi assim entabulado (e-STJ fls. 16/18):
Do recurso de Ricardo Henrique dos Santos Silva
Ricardo Henrique foi condenado pela prática do delito de tráfico de drogas (art.33 c/c art.40, III da Lei 11.343/06) e pelo delito do art.343 do CP. Sua defesa requer absolvição alegando que o fato não constitui infração penal, não há provas de ter o réu concorrido para a infração e não há provas suficientes para a condenação, pedindo aplicação do princípio in dubio pro reo.
A materialidade do delito está demonstrada pelo Boletim de Ocorrência (fls. 04/08-v e 138/144), Auto de Apreensão (fls.22/24), Laudo de Constatação Preliminar (fls. 45/48), Laudo Toxicológico (fls.51/58), bem como a prova oral colhida nos autos.
No tocante à autoria, também restou demonstrada pela prova testemunhal, em que pese sua negativa na fase extrajudicial, sendo revel na fase judicial. No caso dos autos, o "Bar do Sol" era um estabelecimento comercial de fachada, onde era praticado o delito de tráfico de drogas, e Ricardo (v.Chocolate) fornecia as drogas e auxiliava no preparo para que Luiz Carlos (dono do bar) comercializasse. Houve apreensão de 1 (uma) porção grande de cocaína (1.884kg), 77 (setenta e sete) porções de cocaína embaladas individualmente (118g), 5 (cinco) tabletes de maconha (98,5g), 1 (uma) pedra de "crack" (10,26g), bem como de instrumentos/objetos destinados à preparação de drogas (sacos plásticos, fitas adesivas, balança de precisão, forno microondas e liquidificador com resquícios de cocaína).
A prova testemunhal é firme em apontar Ricardo como autor do delito de tráfico de drogas. Neste sentido:
(..) Que havia informações de que estaria ocorrendo o tráfico de drogas, no Bar situado Bairro Brasil, denominado "Bar do Sol"; Que, diante das informações, passaram a fazer monitoramento contínuo, inclusive consta um DDU dando conta do possível comércio de drogas, no referido bar; (..) Que, informa que teve informações de que o indivíduo conhecido por "Ricardo Chocolate", frequentemente estava no bar e que inclusive foi apreendido um cheque que no verso tinha anotado o nome: "Chocolate".
(..) (José Luciano Pereira Silva - fase inquisitorial, fls. 71/72)
(..)
Que há informações sobre o tráfico de drogas do Ricardo, que foi preso várias vezes por tráfico e roubo; Que "a gente viu ele várias vezes, e ter achado o cheque também né, escrito atrás Chocolate, a gente deduz né que eles tinham contato", conforme se expressa ao falar de Ricardo e Luiz Carlos
(..) (José Luciano Pereira Silva em Juízo - fase judicial, mídia de fls. 332)
(..)
Que segundo o morador de frente, no dia subsequente Ricardo foi lá (no Bar da Sol), abriu o comércio pegou as roupas do Luiz Carlos, foi no freezer pegou muitas carnes e ausentou do local, e após isso ele retornou umas três quatro vezes, e ele percebeu que o Ricardo (..) saiu com uns tabletes de lá e uma arma de fogo; Que conhece o Ricardo por tráfico de drogas.
(..) (Werley Alves Pimenta, mídia de fls.332)
(..)
Que desses três envolvidos o único que eu conheço é o Ricardo Chocolate; (O sr. conhece por quê ) Dos meios policiais pelo crime de tráfico de drogas; (Havia denúncias por tráfico de drogas do denunciado Ricardo ) Assim, a maioria dos policiais sabe, ele é bastante conhecido, que ele é envolvido no ramo de tráfico de drogas.
(..) (Fernando Mota Alves, mídia de fls. 332)
(..)
Pelo que me recordo esse senhor o Luiz era só fachada, pelo que entendi ele era um funcionário do Ricardo.
(..) (Juliana Demonte Zanin, mídia de fls. 332)
Assim, indiferente de ter ocupação lícita, o apelante é conhecido no meio policial por tráfico de drogas, frequentemente estava no "Bar da Sol" (que é local de venda de drogas), e esteve neste bar após a apreensão das drogas e demais objetos, retirando drogas e arma de fogo do local.
Em delitos como tráfico de drogas, que ocorrem na clandestinidade, os elementos de prova devem ser associados para a formação da convicção do julgador. Assim, aos depoimentos prestados por policiais deve-se dar crédito como se de qualquer outra testemunha fossem, eis que prestam compromisso e estão sujeitos às penalidades legais pelo falso.
Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento de não haver irregularidades em ser o policial testemunha sobre os atos de ofício em cuja fase policial tenha participado. Confira-se:
..
Portanto, não havendo demonstração de irregularidade, o depoimento policial deve ser levado em conta juntamente com as demais provas dos autos, tais como o auto de apreensão e laudo toxicológico que confirmam a prática de tráfico.
O delito de tráfico de drogas possui núcleo múltiplo, de conteúdo variado, permitindo que várias condutas caracterizem a prática, não sendo necessário que o agente seja flagrado vendendo a droga ou que esta esteja na sua posse, bastando que as circunstâncias e demais elementos colhidos comprovem a prática do delito.
Neste sentido, já se manifestou esta e. Câmara:
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Portanto, está caracterizado o crime do art. 33 da Lei 11.343/06, não sendo cabível a absolvição nem a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Antes de mais nada, pontuo que a condenação do réu decorreu tão somente da prova testemunhal produzida ao longo da instrução.
Extrai-se da sentença que os depoimentos considerados para a formação do juízo condenatório foram prestados (i) pelo policial militar José Luciano Pereira Silva; (ii) pelo investigador de polícia Werley Alves Pimenta; (iii) pelo policial civil Fernando Mota Alves; (iv) pela Delegada de Polícia Civil Dra. Juliana Demonte Zanin; (v) pela testemunha Camila do Nascimento Fernandes; (vi) pelo informante Paulo Henrique Beraldo da Silva; (vii) pela testemunha Ronaldo Cândido da Silva; e (viii) pela testemunha Douglas Reinaldo Silva Gobi.
Consoante se extrai da sentença, os depoimentos prestados pelas testemunhas não policiais em nada contribuíram para a formação do juízo condenatório, mormente no que se refere à autoria delitiva, uma vez que os esclarecimentos prestados limitaram-se a questões relacionadas à ocupação do réu, que trabalhava com o comércio e distribuição de cerveja, situação que, inclusive, justificaria sua constante presença no local - "Bar do Sol" - em que apreendidos os entorpecentes, os quais deram azo à deflagração da ação penal.
Conquanto as drogas encontradas no "Bar do Sol" não tenham sido apreendidas em poder do apenado, por meio de induções baseadas, sobretudo, no histórico criminal do réu e em relatos prestados informalmente por vizinhos do local, os depoimentos dos policiais em juízo, calcados em suposições e deduções, foram sugestivamente voltados à incriminação do paciente. Referido raciocínio pode ser extraído dos excertos a seguir transcritos:
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"teve informações de que o indivíduo conhecido por "Ricardo Chocolate", frequentemente estava no bar e que inclusive foi apreendido um cheque que no verso tinha anotado o nome: "Chocolate".
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há informações sobre o tráfico de drogas do Ricardo, que foi preso várias vezes por tráfico e roubo; Que "a gente viu ele várias vezes, e ter achado o cheque também né, escrito atrás Chocolate, a gente deduz né que eles tinham contato"
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Que segundo o morador de frente, no dia subseqüente Ricardo foi lá (no Bar da Sol), abriu o comércio pegou as roupas do Luiz Carlos, foi no freezer pegou muitas carnes e ausentou do local, e após isso ele retornou umas três quatro vezes, e ele percebeu que o Ricardo (..) saiu com uns tabletes de lá e uma arma de fogo; Que conhece o Ricardo por tráfico de drogas.
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Que desses três envolvidos o único que eu conheço é o Ricardo Chocolate; (O sr. conhece por quê ) Dos meios policiais pelo crime de tráfico de drogas; (Havia denúncias por tráfico de drogas do denunciado Ricardo ) Assim, a maioria dos policiais sabe, ele é bastante conhecido, que ele é envolvido no ramo de tráfico de drogas.
Primeiro, aponto que o fato de o paciente frequentemente ser visto no bar não constitui fundamento suficiente para uma condenação, especialmente porque há informações de que ele trabalhava com o comércio e distribuição de bebidas, justificando suas idas constantes ao local. Pelo mesmo motivo, é possível justificar o cheque encontrado com seu nome no verso.
Segundo, é de se destacar que o relato informal, prestado por vizinho do local a um dos policiais ouvidos, no sentido de que, no dia seguinte à apreensão das drogas, o paciente teria ido inúmeras vezes ao bar e saído de lá com uns tabletes e uma arma de fogo, trata-se de testemunho indireto, o que não é aceito pela jurisprudência desta Corte.
A menção a boatos e informes anônimos caracteriza-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não se constituírem em fundamentos idôneos para a condenação quando desacompanhados de outros elementos de carga probatória suficientes para a configuração da autoria delitiva. Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. SÚMULA N. 7 DO STJ. AFASTAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO. IDONEIDADE JURÍDICA. VERIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. CONDENAÇÃO. TRIBUNAL DO JÚRI. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. FASE INQUISITIVA. TESTEMUNHAS DE "OUVIR DIZER". VERSÕES CONTRADITÓRIAS. TESE DE JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO Á PROVA DOS AUTOS. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO A FIM DE SE CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
1. É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória.
2. Mesmo que se trate de Tribunal do Júri, não se admite que a condenação esteja fundamentada tão-somente em prova produzida no inquérito policial, ainda que seja o depoimento da Vítima, e no depoimento de testemunhas de "ouvir dizer", mormente quando estes últimos possuem contradições entre as versões prestadas na fase investigatória e judicial.
3. Não sendo idônea a fundamentação utilizada pela Corte de origem para concluir pela inexistência de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos, impõe-se o acolhimento da pretensão defensiva, com a anulação do julgamento proferido pelo Tribunal do Júri.
4. Se, nos termos da jurisprudência atual, nem mesmo a pronúncia, que é proferida numa fase processual em que se observa o in dubio pro societate, pode estar fundamentada apenas em provas colhidas na fase investigativa ou em testemunhos de "ouvir dizer", muito menos se admite que uma condenação, que deve observar o in dubio pro reo, seja mantida pelas instâncias recursais com lastro nesse tipo de fundamentação.
5. Agravo regimental provido a fim de se conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, anulando o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri e determinando que seja o Agravante submetido a novo Júri Popular.
(AgRg no AREsp 1847375/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 16/06/2021, grifei.)
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM BOATOS E TESTEMUNHA DE OUVIR DIZER. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.
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2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular.
3. A norma segundo a qual a testemunha deve depor pelo que sabe per proprium sensum et non per sensum alterius impede, em alguns sistemas - como o norte-americano -, o depoimento da testemunha indireta, por ouvir dizer (hearsay rule). No Brasil, ainda que não haja impedimento legal a esse tipo de depoimento, "não se pode tolerar que alguém vá a juízo repetir a vox publica. Testemunha que depusesse para dizer o que lhe constou, o que ouviu, sem apontar seus informantes, não deveria ser levada em conta" (Helio Tornaghi).
..
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido, para reformar o acórdão recorrido de modo a despronunciar os recorrentes nos autos do Processo n. 0702.08.432189-3, em trâmite no Juízo de Direito da Vara de Crimes contra a Pessoa da Comarca de Uberlândia, sem prejuízo do oferecimento de nova denúncia em eventual superveniência de provas.
(REsp 1674198/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 05/12/2017, DJe 12/12/2017.)
Ademais, desconhecida a identidade desse vizinho, por óbvio, nem em solo policial nem em juízo ele prestou depoimento, havendo motivação adicional para tal informação não ser considerada para o decreto condenatório, uma vez que, ao deixar de ser submetida ao contraditório, afrontou o art. 155 do Código de Processo Penal. Confira-se:
HABEAS CORPUS. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HOMICÍDIO QUALIFICADO. OCULTAÇÃO DE CADÁVER. CONDENAÇÃO. PROVAS COLHIDAS EXCLUSIVAMENTE NO INQUÉRITO POLICIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP.CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, na esfera criminal não se admite a condenação do réu baseada em meras suposições, provas inconclusivas, ou exclusivamente colhidas em sede inquisitorial, tal como ocorrido na espécie (AgRg no AREsp 1.288.983/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/08/2018, DJe 29/08/2018).
2. Não sendo o depoimento da testemunha ocular repetido em juízo, lastreando-se a prova judicial apenas na oitiva da autoridade policial, que o colheu na fase inquisitiva, ausente prova judicializada para a condenação.
3. O delegado não relata fatos do crime tampouco é testemunha adicional do que consta do inquérito policial.
4. Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal.
5. Habeas corpus concedido para anular a sentença, por violação do art. 155 do CPP, e julgar improcedente a representação, nos autos do Processo de Apuração de Ato Infracional 0700016-98.2019.8.02.0038, na forma do art. 386, VII, do CPP. (HC 632.778/AL, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 12/03/2021, grifei.)
Assinalo, ainda, que, como não poderia deixar de ser, apontamentos referentes ao histórico criminal do réu em nada contribuem para formação do juízo condenatório no que se refere à autoria delitiva.
Desse modo, à míngua de prova robusta e incontroversa da autoria delitiva, fica inviabilizada a condenação, porquanto os elementos de convencimento constantes da sentença e do acórdão são incapazes de evidenciar, com a segurança necessária à prolação de um decreto condenatório, a prática de delito de tráfico.
Por oportuno, consigno que a análise realizada em nada demandou o reexame de provas, limitando-se à revaloração de fatos incontroversos - no caso, os depoimentos prestados pelas testemunhas - explicitados na sentença e no acórdão impugnados.
Ante o exposto, concedo o habeas corpus para absolver o réu, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, anulando-se a sentença para que outra seja prolatada, com base nos elementos probatórios remanescentes.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
HABEAS CORPUS. TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. CONDENAÇÃO BASEADA EM DEDUÇÕES, EM TESTEMUNHO INDIRETO E NO HISTÓRICO CRIMINAL DO RÉU. OFENSA AO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVALORAÇÃO DA PROVA INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE.
1. "É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória." (AgRg no AREsp n. 1.847.375/GO, relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 1º/6/2021, DJe 16/6/2021.)
2. Na hipótese em apreço, a formação do juízo condenatório se baseou na apreensão de drogas realizada em estabelecimento comercial do qual o paciente não era o proprietário. Os entorpecentes tampouco foram arrecadados em seu poder, além de os demais elementos de convicção se tratarem de induções baseadas, sobretudo, no histórico criminal do réu e em relato prestado informalmente por vizinho do local.
3. O fato de o paciente frequentemente ser visto no bar em que apreendida a droga não constitui fundamento suficiente para uma condenação, especialmente porque há informações de que ele trabalhava com o comércio e distribuição de bebidas, justificando suas idas constantes ao local. Pelo mesmo motivo, é possível justificar o cheque encontrado com seu nome no verso.
4. O relato informal, prestado por vizinho do local a um dos policiais ouvidos, no sentido de que, no dia seguinte à apreensão das drogas, o paciente teria ido inúmeras vezes ao bar e saído de lá com uns tabletes e uma arma de fogo, trata-se de testemunho indireto, o que não é aceito pela jurisprudência desta Corte.
5. A menção a boatos e informes anônimos caracteriza-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não constituir fundamento idôneo para a condenação.
6. "Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal" (HC n. 632.778/AL, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/3/2021, DJe 12/3/2021).
7. Como se vê, se nem mesmo elementos colhidos exclusivamente na fase inquisitiva podem ser considerados para um decreto condenatório, com ainda menos razão poderão se considerar depoimentos colhidos informalmente na fase policial e não repetidos em juízo para justificar uma condenação.
8. Apontamentos referentes ao histórico criminal do réu em nada contribuem para formação do juízo condenatório no que se refere à autoria delitiva.
9. Habeas corpus concedido para absolver o paciente. | HABEAS CORPUS. TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. CONDENAÇÃO BASEADA EM DEDUÇÕES, EM TESTEMUNHO INDIRETO E NO HISTÓRICO CRIMINAL DO RÉU. OFENSA AO ART. 386, VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. REVALORAÇÃO DA PROVA INCONTROVERSA. POSSIBILIDADE. | 1. "É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória." (AgRg no AREsp n. 1.847.375/GO, relatora Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 1º/6/2021, DJe 16/6/2021.)
2. Na hipótese em apreço, a formação do juízo condenatório se baseou na apreensão de drogas realizada em estabelecimento comercial do qual o paciente não era o proprietário. Os entorpecentes tampouco foram arrecadados em seu poder, além de os demais elementos de convicção se tratarem de induções baseadas, sobretudo, no histórico criminal do réu e em relato prestado informalmente por vizinho do local.
3. O fato de o paciente frequentemente ser visto no bar em que apreendida a droga não constitui fundamento suficiente para uma condenação, especialmente porque há informações de que ele trabalhava com o comércio e distribuição de bebidas, justificando suas idas constantes ao local. Pelo mesmo motivo, é possível justificar o cheque encontrado com seu nome no verso.
4. O relato informal, prestado por vizinho do local a um dos policiais ouvidos, no sentido de que, no dia seguinte à apreensão das drogas, o paciente teria ido inúmeras vezes ao bar e saído de lá com uns tabletes e uma arma de fogo, trata-se de testemunho indireto, o que não é aceito pela jurisprudência desta Corte.
5. A menção a boatos e informes anônimos caracteriza-se, no máximo, como frágeis relatos indiretos (testemunhas por ouvir dizer), os quais a jurisprudência desta Corte Superior tem rechaçado, por não constituir fundamento idôneo para a condenação.
6. "Utilizados unicamente elementos informativos para embasar a procedência da representação, imperioso o reconhecimento da ofensa à garantia constitucional ao devido processo legal" (HC n. 632.778/AL, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/3/2021, DJe 12/3/2021).
7. Como se vê, se nem mesmo elementos colhidos exclusivamente na fase inquisitiva podem ser considerados para um decreto condenatório, com ainda menos razão poderão se considerar depoimentos colhidos informalmente na fase policial e não repetidos em juízo para justificar uma condenação.
8. Apontamentos referentes ao histórico criminal do réu em nada contribuem para formação do juízo condenatório no que se refere à autoria delitiva.
9. Habeas corpus concedido para absolver o paciente. | N |
145,620,319 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se dehabeas corpusimpetrado em favor de Edmilson Alves Pereira, ante o acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia, que deu provimento ao Recurso em Sentido Estrito n. 7000120-40.2021.8.22.0020 para decretar a segregação cautelar do paciente, cassando a anterior decisão de concessão da liberdade provisória.
Eis a ementa do julgado (fl. 144):
Recurso em sentido estrito. Prisão preventiva. Art. 312 do CPP. Presença dos requisitos.Garantia da ordem pública. Recurso provido.
Decreta-se a prisão preventiva do recorrido que demonstra periculosidade incompatível com a liberdade revelada pelo seu histórico na prática criminosa, sendo insuficiente a aplicação de medidas cautelares alternativas.
Mostrando-se a prisão preventiva medida necessária, ante a presença dos requisitos autorizadores, dá-se provimento ao recurso em sentido estrito.
Requer-se a imediata revogação da medida constritiva, sob o argumento, em suma, de que,no caso em apreço, a prisão preventiva foi decretada sob o fundamento da necessidade da garantia da ordem pública, sem indicar a existência concreta de fatos contemporâneos que justifiquem a aplicação da segregação cautelar(fl. 7).
Em 30/8/2021, deferi medida liminar para substituir a prisão do ora paciente por medidas alternativas.
Ouvido, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 313/320).
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVO. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. ANOTAÇÕES CRIMINAIS. CRIME COMETIDO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. QUANTIDADE NÃO EXORBITANTE DE DROGA (53,1 G DE MACONHA). SUFICIÊNCIA DA FIXAÇÃODE MEDIDAS DIVERSAS. LIMINAR CONFIRMADA.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Não obstante a alegada circunstância de opaciente possuir anotações criminais, entre elas uma condenação definitiva por roubo, em se tratando decrime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e de quantidade não exorbitante de droga (53,1 g de maconha), mostra-se suficiente, no caso, a aplicação de medidas cautelares diversas.
2. Ordem concedida, confirmando-se a liminar antes deferida, a fim de substituir a prisão preventiva do paciente pelas seguintes medidas diversas: a) comparecimento periódico em Juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso ou frequência a lugares a serem identificados pelo Magistrado de piso, relacionados com a prática criminosa (art. 319, II, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca, sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) - sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juízo singular ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou caso haja motivos novos e concretos para tanto.
VOTO
Embora o parecerista tenha se manifestado dizendo que não há ilegalidade a ser corrigida no presente caso, repito o que afirmei ao deferir a medida liminar.
Eis o que consta do acórdão do Tribunala quo(fls. 142/143 - grifo nosso):
..
De acordo com o que se extrai dos autos, a Polícia Militar da Comarca de Nova Brasilândia do Oeste, em patrulhamento de rotina, tentou realizar a abordagem ao recorrido que era passageiro em uma motocicleta. Com a aproximação da viatura policial, seus ocupantes aumentaram a velocidade e percebeu-se o momento em que o recorrido se desfez de um pacote.
Realizada a abordagem, com o recorrido foi encontrada uma pequena porção de droga e, nas proximidades do local em que foram parados, o pacote lançado com o fim de se desfazerem da droga.
Realizado laudo de exame toxicológico preliminar, foi constatado se tratar de uma porção de 1,2g de maconha, e o pacote maior de 51,9g, também de maconha, somando tudo 53,1g de maconha.
Antes de adentrar na discussão sobre da possibilidade ou não de se determinar a prisão preventiva de detidos portando drogas, consigno que já adotei nesta Câmara posicionamento diverso do que adotarei neste caso, mas unicamente motivado pelo fato de que se tratava de um processo com liminar já deferida pelo relator anterior e na qual o paciente já havia sido colocado em liberdade, razão pela qual, em nome da segurança jurídica, mantive-o na condição em que estava, sem olvidar de registrar meu posicionamento pessoal contrário.
Na presente hipótese, o Ministério Público postula a decretação da prisão preventiva do recorrido, especialmente sob o fundamento da garantia da ordem pública e do periculum libertatis.
..
No caso em apreço, os requisitos exigidos pela legislação estão devidamente atendidos, na medida em que há materialidade, e os indícios de autoria atribuídos ao recorrido emergem dos autos. Além disso, o delito em questão é doloso, punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos, bem como há necessidade de ser resguardada a ordem pública.
De fato, os registros de antecedentes do recorrido (ID n. 11472508) evidenciam uma extensa anotação indicativa de propensão à prática criminosa, inclusive com condenação definitiva por crimes de roubo e furto.
Nesse passo, a ordem pública foi abalada em razão da gravidade dos fatos praticados, em tese, pelo recorrido e, como se pode observar, não se trata de gravidade abstrata, mas, ao revés, de situação anormal, não habitual, reveladora de hipótese em que está a impelir resposta do Estado a garantir a ordem pública, sobretudo para acautelar o meio social, garantindo-se a prisão processual do recorrido.
Sob esta perspectiva, entendo que a segregação provisória do recorrido é necessária, sendo insuficiente a aplicação de medidas cautelares alternativas. Isso decorre da necessidade de ser garantida especialmente a ordem pública, ante a situação fática em que ocorreram os fatos noticiada nestes autos.
Posto isso, dou provimento ao recurso e, via de consequência, decreto a prisão preventiva do recorrido Edmilson Alves Pereira para a garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP.
Ora, não obstante as relevantes considerações realizadas pelo Tribunal local relacionadas ao risco de reiteração delitiva (fato de o ora paciente possuir anotações criminais, sendo: uma por furto, na qual foi absolvido, uma por violação de domicílio e uma por roubo, esta sim com condenação definitiva), não aparenta ser absolutamente necessária a custódia, considerando que o crime, apesar de grave, foi praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa e que a quantidade de droga apreendida não é exorbitante- 53,1 g de maconha.
Nesse contexto, vale salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia preventiva passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, sendo necessário sempre verificar se existem medidas diversas da prisão adequadas ao caso concreto.
Existindo outros meios que possam substituir a custódia e obstar os riscos que ela, em tese, evitaria, esse, a meu ver, deve ser o caminho a ser seguido.
Assim, confirmo a decisão liminar econcedoa ordem a fim de substituir a prisão preventiva do paciente pelas seguintes medidas diversas: a) comparecimento periódico em Juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso ou frequência a lugares a serem identificados pelo Magistrado de piso, relacionados com a prática criminosa (art. 319, II, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca, sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) - isso sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juízo singular ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou caso haja motivos novos e concretos para tanto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se dehabeas corpusimpetrado em favor de Edmilson Alves Pereira, ante o acórdão do Tribunal de Justiça de Rondônia, que deu provimento ao Recurso em Sentido Estrito n. 7000120-40.2021.8.22.0020 para decretar a segregação cautelar do paciente, cassando a anterior decisão de concessão da liberdade provisória.
Eis a ementa do julgado (fl. 144):
Recurso em sentido estrito. Prisão preventiva. Art. 312 do CPP. Presença dos requisitos.Garantia da ordem pública. Recurso provido.
Decreta-se a prisão preventiva do recorrido que demonstra periculosidade incompatível com a liberdade revelada pelo seu histórico na prática criminosa, sendo insuficiente a aplicação de medidas cautelares alternativas.
Mostrando-se a prisão preventiva medida necessária, ante a presença dos requisitos autorizadores, dá-se provimento ao recurso em sentido estrito.
Requer-se a imediata revogação da medida constritiva, sob o argumento, em suma, de que,no caso em apreço, a prisão preventiva foi decretada sob o fundamento da necessidade da garantia da ordem pública, sem indicar a existência concreta de fatos contemporâneos que justifiquem a aplicação da segregação cautelar(fl. 7).
Em 30/8/2021, deferi medida liminar para substituir a prisão do ora paciente por medidas alternativas.
Ouvido, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 313/320).
É o relatório.
VOTO
Embora o parecerista tenha se manifestado dizendo que não há ilegalidade a ser corrigida no presente caso, repito o que afirmei ao deferir a medida liminar.
Eis o que consta do acórdão do Tribunala quo(fls. 142/143 - grifo nosso):
..
De acordo com o que se extrai dos autos, a Polícia Militar da Comarca de Nova Brasilândia do Oeste, em patrulhamento de rotina, tentou realizar a abordagem ao recorrido que era passageiro em uma motocicleta. Com a aproximação da viatura policial, seus ocupantes aumentaram a velocidade e percebeu-se o momento em que o recorrido se desfez de um pacote.
Realizada a abordagem, com o recorrido foi encontrada uma pequena porção de droga e, nas proximidades do local em que foram parados, o pacote lançado com o fim de se desfazerem da droga.
Realizado laudo de exame toxicológico preliminar, foi constatado se tratar de uma porção de 1,2g de maconha, e o pacote maior de 51,9g, também de maconha, somando tudo 53,1g de maconha.
Antes de adentrar na discussão sobre da possibilidade ou não de se determinar a prisão preventiva de detidos portando drogas, consigno que já adotei nesta Câmara posicionamento diverso do que adotarei neste caso, mas unicamente motivado pelo fato de que se tratava de um processo com liminar já deferida pelo relator anterior e na qual o paciente já havia sido colocado em liberdade, razão pela qual, em nome da segurança jurídica, mantive-o na condição em que estava, sem olvidar de registrar meu posicionamento pessoal contrário.
Na presente hipótese, o Ministério Público postula a decretação da prisão preventiva do recorrido, especialmente sob o fundamento da garantia da ordem pública e do periculum libertatis.
..
No caso em apreço, os requisitos exigidos pela legislação estão devidamente atendidos, na medida em que há materialidade, e os indícios de autoria atribuídos ao recorrido emergem dos autos. Além disso, o delito em questão é doloso, punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos, bem como há necessidade de ser resguardada a ordem pública.
De fato, os registros de antecedentes do recorrido (ID n. 11472508) evidenciam uma extensa anotação indicativa de propensão à prática criminosa, inclusive com condenação definitiva por crimes de roubo e furto.
Nesse passo, a ordem pública foi abalada em razão da gravidade dos fatos praticados, em tese, pelo recorrido e, como se pode observar, não se trata de gravidade abstrata, mas, ao revés, de situação anormal, não habitual, reveladora de hipótese em que está a impelir resposta do Estado a garantir a ordem pública, sobretudo para acautelar o meio social, garantindo-se a prisão processual do recorrido.
Sob esta perspectiva, entendo que a segregação provisória do recorrido é necessária, sendo insuficiente a aplicação de medidas cautelares alternativas. Isso decorre da necessidade de ser garantida especialmente a ordem pública, ante a situação fática em que ocorreram os fatos noticiada nestes autos.
Posto isso, dou provimento ao recurso e, via de consequência, decreto a prisão preventiva do recorrido Edmilson Alves Pereira para a garantia da ordem pública, nos termos do art. 312 do CPP.
Ora, não obstante as relevantes considerações realizadas pelo Tribunal local relacionadas ao risco de reiteração delitiva (fato de o ora paciente possuir anotações criminais, sendo: uma por furto, na qual foi absolvido, uma por violação de domicílio e uma por roubo, esta sim com condenação definitiva), não aparenta ser absolutamente necessária a custódia, considerando que o crime, apesar de grave, foi praticado sem violência ou grave ameaça à pessoa e que a quantidade de droga apreendida não é exorbitante- 53,1 g de maconha.
Nesse contexto, vale salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a custódia preventiva passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, sendo necessário sempre verificar se existem medidas diversas da prisão adequadas ao caso concreto.
Existindo outros meios que possam substituir a custódia e obstar os riscos que ela, em tese, evitaria, esse, a meu ver, deve ser o caminho a ser seguido.
Assim, confirmo a decisão liminar econcedoa ordem a fim de substituir a prisão preventiva do paciente pelas seguintes medidas diversas: a) comparecimento periódico em Juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso ou frequência a lugares a serem identificados pelo Magistrado de piso, relacionados com a prática criminosa (art. 319, II, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca, sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) - isso sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juízo singular ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou caso haja motivos novos e concretos para tanto. | EMENTA
HABEAS CORPUS. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVO. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. ANOTAÇÕES CRIMINAIS. CRIME COMETIDO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. QUANTIDADE NÃO EXORBITANTE DE DROGA (53,1 G DE MACONHA). SUFICIÊNCIA DA FIXAÇÃODE MEDIDAS DIVERSAS. LIMINAR CONFIRMADA.
1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Não obstante a alegada circunstância de opaciente possuir anotações criminais, entre elas uma condenação definitiva por roubo, em se tratando decrime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e de quantidade não exorbitante de droga (53,1 g de maconha), mostra-se suficiente, no caso, a aplicação de medidas cautelares diversas.
2. Ordem concedida, confirmando-se a liminar antes deferida, a fim de substituir a prisão preventiva do paciente pelas seguintes medidas diversas: a) comparecimento periódico em Juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso ou frequência a lugares a serem identificados pelo Magistrado de piso, relacionados com a prática criminosa (art. 319, II, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca, sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) - sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juízo singular ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou caso haja motivos novos e concretos para tanto. | HABEAS CORPUS. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. PRISÃO CAUTELAR. MOTIVO. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. ANOTAÇÕES CRIMINAIS. CRIME COMETIDO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. QUANTIDADE NÃO EXORBITANTE DE DROGA (53,1 G DE MACONHA). SUFICIÊNCIA DA FIXAÇÃODE MEDIDAS DIVERSAS. LIMINAR CONFIRMADA. | 1. A prisão preventiva deve ser imposta somente como ultima ratio. Não obstante a alegada circunstância de opaciente possuir anotações criminais, entre elas uma condenação definitiva por roubo, em se tratando decrime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa e de quantidade não exorbitante de droga (53,1 g de maconha), mostra-se suficiente, no caso, a aplicação de medidas cautelares diversas.
2. Ordem concedida, confirmando-se a liminar antes deferida, a fim de substituir a prisão preventiva do paciente pelas seguintes medidas diversas: a) comparecimento periódico em Juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de acesso ou frequência a lugares a serem identificados pelo Magistrado de piso, relacionados com a prática criminosa (art. 319, II, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca, sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga (art. 319, V, do CPP) - sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juízo singular ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou caso haja motivos novos e concretos para tanto. | N |
116,453,450 | EMENTA
ADMINISTRATIVO. MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE. OMISSÃO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA. CONVÊNIO. VERBA APROVADA NO ORÇAMENTO DA UNIÃO. EMENDA PARLAMENTAR. PRAZO EXÍGUO PARA SUA UTILIZAÇÃO. NOTÍCIA DE PENDÊNCIA NO CADIN. DÉBITO QUITADO. COMPROVAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
I - Mandado de segurança impetrado por entidade filantrópica, contra ato omissivo do Ministro da Saúde, objetivando a celebração de convênio para utilização de recurso, devidamente aprovado no Orçamento Geral da União, via emenda parlamentar, para aquisição de equipamento de ressonância magnética.
II - Alegou-se surpresa quanto à notícia de pendência perante o CADIN, situação que impossibilitaria a celebração do referido Convênio, mas sustenta a impetrante a quitação do referido débito, inclusive com a exclusão do gravame em questão.
III - Liminar deferida.
IV - A autoridade coatora afirmou que o Convênio não foi assinado em razão de não ter sido apresentada a certidão de adimplência do CADIN, no que, devidamente comprovada a quitação da referida dívida, com a respectiva baixa, evidencia-se o alegado direito líquido e certo da entidade impetrante, sendo premente acolher-se o pedido, sob pena de perder-se a referida verba, já devidamente vinculada a tal ato, em decorrência da mudança do exercício fiscal.
V - Ordem concedida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, A Primeira Seção, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria e Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sérgio Kukina.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO:
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Félix impetra mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato omissivo do Ministro de Estado da Saúde aduzindo, em síntese, que na qualidade de entidade filantrópica presta serviços de saúde à comunidades menos favorecidas na região em que atua e que, em 2016, foi aprovado no Orçamento Geral da União, via emenda parlamentar, o valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para que a referida entidade adquirisse equipamento de ressonância magnética.
Em razão disso, apresentou ao Ministério, via Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - SICONV, proposta de celebração de convênio para a utilização do referido recurso, tombada sob o n. 038271/2016, mas que empenhada a proposta em dezembro de 2016, foi surpreendida com a notícia da existência de pendência perante o CADIN, situação que impossibilitaria a celebração do referido convênio, mas, na sequência, quitou o referido débito, com a exclusão do gravame em questão.
A despeito da quitação, alegou que a autoridade coatora se recusou a firmar o ato, sob o fundamento de que não regularizada a situação no prazo definido.
Afirma a impetrante que tal prazo foi exíguo e que jamais foi notificada sobre a dívida em comento, a qual é indevida porque nunca foi vinculada ao CRA/BA (origem da execução), em pleno final de exercício, empenhou esforços para resolver a situação, razão pela qual tem direito líquido e certo à celebração do Convênio.
Ao sustentar que a verba a ela já vinculada " .. quedará sem destinação em 2017, restando, portanto, inutilizado .. " (fl. 7), e invocando a regra constante no art. 26 da Lei n. 10.522/02, " .. na medida em que o recurso financeiro perderá sua destinação e, a qualquer momento, regressará aos cofres da União .. " (fl. 8), requereu a concessão liminar do pedido, que foi deferida às fls. 263-265.
A autoridade coatora apresentou informações aduzindo em síntese, que a entidade impetrante tinha pendência no seu cadastro no SICONV, devendo regularizar, como também apresentar diversas certidões, devidamente atualizadas, o que por ela não foi feito, motivando a não-celebração do respectivo Convênio (fls. 201-218).
O Ministério Público Federal apresentou parecer pela denegação da ordem (fls. 267-272).
É o relatório.
.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (RELATOR):
Ao conceder a liminar pleiteada, em sede de juízo de reconsideração, diante das fortes razões apresentadas pela impetrante, assim deliberei:
Em detida análise da documentação que instruiu a inicial, verifica-se que a impetrante comprovou que sua dívida, oriunda de execução fiscal movida pelo Conselho Regional de Administração da Bahia, que motivou sua inscrição no CADIN e, consequentemente, impediu a formalização do convênio, foi devidamente quitada (fls. 50-51), com a baixa respectiva (fl. 52-53).
Ao seu turno, a própria autoridade impetrada afirmou expressamente que o motivo de não ter sido celebrado o convênio foi o fato de não ter sido apresentada a certidão de adimplência do CADIN (fl. 203). A propósito:
Contudo, considerando os requisitos estabelecidos na Portaria Interministerial MPF/MF/CGU nº 507/2011, a Impetrante foi comunicada por meio do Ofício Sistema nº 097138MS/SE/FNS, de 21/12/2016 e nº 101254MS/SE/FNS, de 30/12/2016, que encontrava-se pendente de regularização de seu cadastro no Siconv, ocasião em que foi orientada a regularizar a habilitação junto à Divisão de Convênios do seu Estado, bem como apresentar certidão de adimplência no CADIN, e certidões relativas aos tributos da SRF/PGFN, do FGTS, do INSS, da Receita Federal e da Receita Municipal, devidamente atualizadas.
Não há qualquer controvérsia nos autos quanto aos demais requisitos para a celebração do convênio pretendido, também como atesta informação de órgão da autoridade ministerial:
Em atenção ao solicitado, temos a informar que a impetrante Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Felix apresentou em 14/12/2016, a Proposta nº 038271/2016, para fins de celebração de Convênio com esta pasta Ministerial, tendo por objeto a "aquisição de equipamento e material permanente para unidade de atenção especializada em saúde, no valor global de R$ 3.600.000,00, sendo R$ 1.935.296,00 valor de repasse e R$ 1.664.704,00 valor de contrapartida.
..
Na ocasião, a entidade foi alertada que o não atendimento das pendências supracitadas até o dia 30/12/2016, impossibilitaria a celebração do Convênio para o exercício de 2016, bem como implicaria na rejeição e/ou arquivamento da Proposta apresentada pela Impetrante.
No valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para a aquisição do equipamento hospitalar, a emenda que proporcionou o repasse da verba também é incontroversa nos autos, tanto pelo documento de fl. 39, quanto pelas informações constantes do espelho da proposta do convênio (fls. 40-41).
Com a proximidade do fim do ano em curso, caso não aproveitada, a referida verba retornará aos cofres públicos, inviabilizando a aquisição do equipamento hospitalar, que tem evidente importância na área de saúde no Município de São Félix/BA, na atuação perante pessoas menos favorecidas de toda região.
Dessa forma, evidenciados tanto o fumus boni iuris quanto o periculum in mora, é de se deferir a pretensão liminar.
Nesse panorama, impende considerar que já fora determinada a celebração do referido Convênio, tendo a impetrante, por meio da documentação e razões acostadas aos autos, demonstrado seu alegado direito líquido e certo, no que a liminar merece ser ratificada.
Ante o exposto, concedo a ordem.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, A Primeira Seção, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria e Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sérgio Kukina.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO:
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Félix impetra mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato omissivo do Ministro de Estado da Saúde aduzindo, em síntese, que na qualidade de entidade filantrópica presta serviços de saúde à comunidades menos favorecidas na região em que atua e que, em 2016, foi aprovado no Orçamento Geral da União, via emenda parlamentar, o valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para que a referida entidade adquirisse equipamento de ressonância magnética.
Em razão disso, apresentou ao Ministério, via Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasse - SICONV, proposta de celebração de convênio para a utilização do referido recurso, tombada sob o n. 038271/2016, mas que empenhada a proposta em dezembro de 2016, foi surpreendida com a notícia da existência de pendência perante o CADIN, situação que impossibilitaria a celebração do referido convênio, mas, na sequência, quitou o referido débito, com a exclusão do gravame em questão.
A despeito da quitação, alegou que a autoridade coatora se recusou a firmar o ato, sob o fundamento de que não regularizada a situação no prazo definido.
Afirma a impetrante que tal prazo foi exíguo e que jamais foi notificada sobre a dívida em comento, a qual é indevida porque nunca foi vinculada ao CRA/BA (origem da execução), em pleno final de exercício, empenhou esforços para resolver a situação, razão pela qual tem direito líquido e certo à celebração do Convênio.
Ao sustentar que a verba a ela já vinculada " .. quedará sem destinação em 2017, restando, portanto, inutilizado .. " (fl. 7), e invocando a regra constante no art. 26 da Lei n. 10.522/02, " .. na medida em que o recurso financeiro perderá sua destinação e, a qualquer momento, regressará aos cofres da União .. " (fl. 8), requereu a concessão liminar do pedido, que foi deferida às fls. 263-265.
A autoridade coatora apresentou informações aduzindo em síntese, que a entidade impetrante tinha pendência no seu cadastro no SICONV, devendo regularizar, como também apresentar diversas certidões, devidamente atualizadas, o que por ela não foi feito, motivando a não-celebração do respectivo Convênio (fls. 201-218).
O Ministério Público Federal apresentou parecer pela denegação da ordem (fls. 267-272).
É o relatório.
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VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (RELATOR):
Ao conceder a liminar pleiteada, em sede de juízo de reconsideração, diante das fortes razões apresentadas pela impetrante, assim deliberei:
Em detida análise da documentação que instruiu a inicial, verifica-se que a impetrante comprovou que sua dívida, oriunda de execução fiscal movida pelo Conselho Regional de Administração da Bahia, que motivou sua inscrição no CADIN e, consequentemente, impediu a formalização do convênio, foi devidamente quitada (fls. 50-51), com a baixa respectiva (fl. 52-53).
Ao seu turno, a própria autoridade impetrada afirmou expressamente que o motivo de não ter sido celebrado o convênio foi o fato de não ter sido apresentada a certidão de adimplência do CADIN (fl. 203). A propósito:
Contudo, considerando os requisitos estabelecidos na Portaria Interministerial MPF/MF/CGU nº 507/2011, a Impetrante foi comunicada por meio do Ofício Sistema nº 097138MS/SE/FNS, de 21/12/2016 e nº 101254MS/SE/FNS, de 30/12/2016, que encontrava-se pendente de regularização de seu cadastro no Siconv, ocasião em que foi orientada a regularizar a habilitação junto à Divisão de Convênios do seu Estado, bem como apresentar certidão de adimplência no CADIN, e certidões relativas aos tributos da SRF/PGFN, do FGTS, do INSS, da Receita Federal e da Receita Municipal, devidamente atualizadas.
Não há qualquer controvérsia nos autos quanto aos demais requisitos para a celebração do convênio pretendido, também como atesta informação de órgão da autoridade ministerial:
Em atenção ao solicitado, temos a informar que a impetrante Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Felix apresentou em 14/12/2016, a Proposta nº 038271/2016, para fins de celebração de Convênio com esta pasta Ministerial, tendo por objeto a "aquisição de equipamento e material permanente para unidade de atenção especializada em saúde, no valor global de R$ 3.600.000,00, sendo R$ 1.935.296,00 valor de repasse e R$ 1.664.704,00 valor de contrapartida.
..
Na ocasião, a entidade foi alertada que o não atendimento das pendências supracitadas até o dia 30/12/2016, impossibilitaria a celebração do Convênio para o exercício de 2016, bem como implicaria na rejeição e/ou arquivamento da Proposta apresentada pela Impetrante.
No valor de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) para a aquisição do equipamento hospitalar, a emenda que proporcionou o repasse da verba também é incontroversa nos autos, tanto pelo documento de fl. 39, quanto pelas informações constantes do espelho da proposta do convênio (fls. 40-41).
Com a proximidade do fim do ano em curso, caso não aproveitada, a referida verba retornará aos cofres públicos, inviabilizando a aquisição do equipamento hospitalar, que tem evidente importância na área de saúde no Município de São Félix/BA, na atuação perante pessoas menos favorecidas de toda região.
Dessa forma, evidenciados tanto o fumus boni iuris quanto o periculum in mora, é de se deferir a pretensão liminar.
Nesse panorama, impende considerar que já fora determinada a celebração do referido Convênio, tendo a impetrante, por meio da documentação e razões acostadas aos autos, demonstrado seu alegado direito líquido e certo, no que a liminar merece ser ratificada.
Ante o exposto, concedo a ordem.
É o voto. | EMENTA
ADMINISTRATIVO. MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE. OMISSÃO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA. CONVÊNIO. VERBA APROVADA NO ORÇAMENTO DA UNIÃO. EMENDA PARLAMENTAR. PRAZO EXÍGUO PARA SUA UTILIZAÇÃO. NOTÍCIA DE PENDÊNCIA NO CADIN. DÉBITO QUITADO. COMPROVAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
I - Mandado de segurança impetrado por entidade filantrópica, contra ato omissivo do Ministro da Saúde, objetivando a celebração de convênio para utilização de recurso, devidamente aprovado no Orçamento Geral da União, via emenda parlamentar, para aquisição de equipamento de ressonância magnética.
II - Alegou-se surpresa quanto à notícia de pendência perante o CADIN, situação que impossibilitaria a celebração do referido Convênio, mas sustenta a impetrante a quitação do referido débito, inclusive com a exclusão do gravame em questão.
III - Liminar deferida.
IV - A autoridade coatora afirmou que o Convênio não foi assinado em razão de não ter sido apresentada a certidão de adimplência do CADIN, no que, devidamente comprovada a quitação da referida dívida, com a respectiva baixa, evidencia-se o alegado direito líquido e certo da entidade impetrante, sendo premente acolher-se o pedido, sob pena de perder-se a referida verba, já devidamente vinculada a tal ato, em decorrência da mudança do exercício fiscal.
V - Ordem concedida. | ADMINISTRATIVO. MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE. OMISSÃO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. AQUISIÇÃO DE EQUIPAMENTO DE RESSONÂNCIA MAGNÉTICA. CONVÊNIO. VERBA APROVADA NO ORÇAMENTO DA UNIÃO. EMENDA PARLAMENTAR. PRAZO EXÍGUO PARA SUA UTILIZAÇÃO. NOTÍCIA DE PENDÊNCIA NO CADIN. DÉBITO QUITADO. COMPROVAÇÃO. LIMINAR DEFERIDA. EXISTÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. | I - Mandado de segurança impetrado por entidade filantrópica, contra ato omissivo do Ministro da Saúde, objetivando a celebração de convênio para utilização de recurso, devidamente aprovado no Orçamento Geral da União, via emenda parlamentar, para aquisição de equipamento de ressonância magnética.
II - Alegou-se surpresa quanto à notícia de pendência perante o CADIN, situação que impossibilitaria a celebração do referido Convênio, mas sustenta a impetrante a quitação do referido débito, inclusive com a exclusão do gravame em questão.
III - Liminar deferida.
IV - A autoridade coatora afirmou que o Convênio não foi assinado em razão de não ter sido apresentada a certidão de adimplência do CADIN, no que, devidamente comprovada a quitação da referida dívida, com a respectiva baixa, evidencia-se o alegado direito líquido e certo da entidade impetrante, sendo premente acolher-se o pedido, sob pena de perder-se a referida verba, já devidamente vinculada a tal ato, em decorrência da mudança do exercício fiscal.
V - Ordem concedida. | N |
146,136,271 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III -Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois o fato da paciente transportar diversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, sem remissão às peculiaridades dos fatos, não demonstra que a paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Ao revés, dos relatos dos agentes de polícia, observa-se que um deles relatou que "nunca teve problema com a ré anteriormente e nem mesmo os outros agentes penitenciários".In casu, sendo a paciente primária e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, aliados à pequena quantidade de droga apreendida, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo.
IV - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Na hipótese, considerando a primariedade da paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - OPretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus,impetrado em favor de JULIANA DA SILVA LEITE contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado por infração ao art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso III, ambos da Lei nº 11.343/06, às penas de 05 anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 583 dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que negou provimento ao apelo,nos termos do acórdão juntado às fls. 332-366, com a seguinte ementa:
"APELAÇÃO Tráfico de drogas Sentença condenatória Absolvição Descabimento Materialidade e autoria comprovadas Conduta que se amolda ao art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 Prova cabal a demonstrar que a recorrente trazia consigo e guardava as drogas apreendidas para fins de tráfico Depoimentos dos agentes penitenciários coerentes e coesos, os quais têm o condão de embasar o decreto condenatório Tese defensiva de existência de coação moral irresistível Excludente de culpabilidade não comprovada pela defesa Causa de aumento de pena prevista no artigo 40, III, da Lei nº 11.343/06 configurada Pena corretamente calculada, de forma fundamentada e respeitado o critério trifásico, contudo redimensionada Quantidade de drogas que não se mostra exorbitante (7,9 gramas de cocaína)Possibilidade de aplicação da redutora prevista no artigo 33, parágrafo 4º,da Lei nº 11.343/06, em patamar intermediário, uma vez que a recorrente é primária e portadora de bons antecedentes, mas efetuava o tráfico de droga extremamente deletéria Regime aberto adequado e compatível com o quantum da reprimenda imposta, em consonância com o atual entendimento firmado nas Cortes Superiores Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos diante da reprovabilidade da conduta perpetrada RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO."
No presente writ, o impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que a paciente é primária, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-15).
As informações foram prestadas às fls. 406-407 e 411-466.
O Ministério Público Federal, às fls. 468-476, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"PENAL -PROCESSUAL PENAL -HABEAS CORPUS -CRIME PREVISTO NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE -TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO REDUTOR DESTINADO AO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE COCAÍNA DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. MAIOR REPROVABILIDE DA CONDUTA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDADO NA VIA ESTREITADO HC. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. PRECEDENTES DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INOCORRÊNCIA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III -Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois o fato da paciente transportar diversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, sem remissão às peculiaridades dos fatos, não demonstra que a paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Ao revés, dos relatos dos agentes de polícia, observa-se que um deles relatou que "nunca teve problema com a ré anteriormente e nem mesmo os outros agentes penitenciários".In casu, sendo a paciente primária e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, aliados à pequena quantidade de droga apreendida, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo.
IV - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Na hipótese, considerando a primariedade da paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - OPretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que apaciente é primária, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"Por derradeiro, não era mesmo o caso de ser aplicado o redutor previsto no parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06,eis que a meu sentir, não parece razoável que a acusada, que transportava diversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, pudesse ser considerada como pequena traficante, a despeito de sua primariedade, mesmo porque esta simplória qualificação é permeada por um revés de complexidade."
O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Na espécie,não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois o fato dapaciente transportardiversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, sem remissão às peculiaridades dos fatos,não demonstra que a paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.
Ao revés, dos relatos dos agentes de polícia, observa-se que um deles relatou que "nunca teve problema com a ré anteriormente e nem mesmo os outros agentes penitenciários".
Assim, in casu, sendo a paciente primária e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, aliados à pequena quantidade de droga apreendida, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços), reduzindo a pena do crime de tráfico de entorpecentes, para 01 (um) ano e 08 (oito) meses, e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.Por fim, presente a causa modificadora da pena referente aoart. 40, inciso IIIda Lei nº 11.343/06, torno-a definitiva em 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, e 193 dias-multa.
Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte Superior:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. NATUREZA DA DROGA. QUANTIDADE ÍNFIMA (1,1 G). APLICAÇÃO DO REDUTOR NO MÍNIMO LEGAL. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO DESFAVORÁVEL. MODO SEMIABERTO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
3. Não há bis in idem nas decisões impugnadas, quando, no cálculo da pena, foram considerados argumentos distintos para majorar a pena-base (o envolvimento de inúmeros adolescentes) e para definir o índice de redução, pela causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (a natureza da droga).
4. É manifestamente desproporcional a redução da pena no mínimo legal (1/6), pela incidência da minorante em questão, com fulcro, apenas, na natureza do entorpecente (cocaína), diante da ínfima quantia da substância apreendida (1,1 g), aliada ao fato de que a paciente é primária e não há prova de que se dedica ao tráfico de entorpecentes ou integre organização criminosa. Aplicação do índice de diminuição em 2/3. Precedente.
5. Fixada a sanção corporal em patamar inferior a quatro anos de reclusão e sendo desfavoráveis as circunstâncias do delito, que justificaram o aumento da pena-base, revela-se correta a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva, nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no grau máximo, redimensionando a pena da paciente para 1 anos e 10 meses de reclusão mais 166 dias-multa" (HC n. 372.496/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 7/12/2016, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. ALTERAÇÃO DE REGIME. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. PREJUDICIALIDADE. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PATAMAR MÁXIMO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (3,0g de cocaína), legítima é a aplicação da causa especial de diminuição (art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a pena imposta ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, mais o pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, mantidos, no mais, os termos da condenação" (HC n. 362.968/SP, Sexta turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 22/11/2016, grifei).
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
..
7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente"(HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
.. 3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY". (HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu, verifica-se que a pena-base foi fixada no mínimo legal, ao passo em que a causa especial de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, nesta oportunidade, foi aplicada no grau máximo.
Nesse compasso, considerando a primariedade da paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício, para aplicar a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 nopatamar máximo e estabelecer a sanção em01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, e 193 dias-multa, bem como fixar o regime prisional aberto, para o início do cumprimento da penae determinar a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes do artigo 44 do Código Penal, a ser estabelecida pelo Juízo a quo.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus,impetrado em favor de JULIANA DA SILVA LEITE contra acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado por infração ao art. 33, caput, c.c. art. 40, inciso III, ambos da Lei nº 11.343/06, às penas de 05 anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 583 dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que negou provimento ao apelo,nos termos do acórdão juntado às fls. 332-366, com a seguinte ementa:
"APELAÇÃO Tráfico de drogas Sentença condenatória Absolvição Descabimento Materialidade e autoria comprovadas Conduta que se amolda ao art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06 Prova cabal a demonstrar que a recorrente trazia consigo e guardava as drogas apreendidas para fins de tráfico Depoimentos dos agentes penitenciários coerentes e coesos, os quais têm o condão de embasar o decreto condenatório Tese defensiva de existência de coação moral irresistível Excludente de culpabilidade não comprovada pela defesa Causa de aumento de pena prevista no artigo 40, III, da Lei nº 11.343/06 configurada Pena corretamente calculada, de forma fundamentada e respeitado o critério trifásico, contudo redimensionada Quantidade de drogas que não se mostra exorbitante (7,9 gramas de cocaína)Possibilidade de aplicação da redutora prevista no artigo 33, parágrafo 4º,da Lei nº 11.343/06, em patamar intermediário, uma vez que a recorrente é primária e portadora de bons antecedentes, mas efetuava o tráfico de droga extremamente deletéria Regime aberto adequado e compatível com o quantum da reprimenda imposta, em consonância com o atual entendimento firmado nas Cortes Superiores Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos diante da reprovabilidade da conduta perpetrada RECURSO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO."
No presente writ, o impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que a paciente é primária, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-15).
As informações foram prestadas às fls. 406-407 e 411-466.
O Ministério Público Federal, às fls. 468-476, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"PENAL -PROCESSUAL PENAL -HABEAS CORPUS -CRIME PREVISTO NA LEGISLAÇÃO EXTRAVAGANTE -TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. APLICAÇÃO DO REDUTOR DESTINADO AO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. TRÁFICO DE COCAÍNA DENTRO DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL. MAIOR REPROVABILIDE DA CONDUTA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VEDADO NA VIA ESTREITADO HC. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. PRECEDENTES DO STJ. CONSTRANGIMENTO ILEGAL - INOCORRÊNCIA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que apaciente é primária, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dedique às atividades criminosas e nem que integre organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"Por derradeiro, não era mesmo o caso de ser aplicado o redutor previsto no parágrafo 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06,eis que a meu sentir, não parece razoável que a acusada, que transportava diversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, pudesse ser considerada como pequena traficante, a despeito de sua primariedade, mesmo porque esta simplória qualificação é permeada por um revés de complexidade."
O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Na espécie,não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois o fato dapaciente transportardiversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, sem remissão às peculiaridades dos fatos,não demonstra que a paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.
Ao revés, dos relatos dos agentes de polícia, observa-se que um deles relatou que "nunca teve problema com a ré anteriormente e nem mesmo os outros agentes penitenciários".
Assim, in casu, sendo a paciente primária e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, aliados à pequena quantidade de droga apreendida, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços), reduzindo a pena do crime de tráfico de entorpecentes, para 01 (um) ano e 08 (oito) meses, e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.Por fim, presente a causa modificadora da pena referente aoart. 40, inciso IIIda Lei nº 11.343/06, torno-a definitiva em 01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, e 193 dias-multa.
Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte Superior:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. NATUREZA DA DROGA. QUANTIDADE ÍNFIMA (1,1 G). APLICAÇÃO DO REDUTOR NO MÍNIMO LEGAL. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO DESFAVORÁVEL. MODO SEMIABERTO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
3. Não há bis in idem nas decisões impugnadas, quando, no cálculo da pena, foram considerados argumentos distintos para majorar a pena-base (o envolvimento de inúmeros adolescentes) e para definir o índice de redução, pela causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (a natureza da droga).
4. É manifestamente desproporcional a redução da pena no mínimo legal (1/6), pela incidência da minorante em questão, com fulcro, apenas, na natureza do entorpecente (cocaína), diante da ínfima quantia da substância apreendida (1,1 g), aliada ao fato de que a paciente é primária e não há prova de que se dedica ao tráfico de entorpecentes ou integre organização criminosa. Aplicação do índice de diminuição em 2/3. Precedente.
5. Fixada a sanção corporal em patamar inferior a quatro anos de reclusão e sendo desfavoráveis as circunstâncias do delito, que justificaram o aumento da pena-base, revela-se correta a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva, nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no grau máximo, redimensionando a pena da paciente para 1 anos e 10 meses de reclusão mais 166 dias-multa" (HC n. 372.496/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 7/12/2016, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. ALTERAÇÃO DE REGIME. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. PREJUDICIALIDADE. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PATAMAR MÁXIMO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (3,0g de cocaína), legítima é a aplicação da causa especial de diminuição (art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes. 4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a pena imposta ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, mais o pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, mantidos, no mais, os termos da condenação" (HC n. 362.968/SP, Sexta turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 22/11/2016, grifei).
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
..
7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente"(HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
.. 3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY". (HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu, verifica-se que a pena-base foi fixada no mínimo legal, ao passo em que a causa especial de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, nesta oportunidade, foi aplicada no grau máximo.
Nesse compasso, considerando a primariedade da paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício, para aplicar a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 nopatamar máximo e estabelecer a sanção em01 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, e 193 dias-multa, bem como fixar o regime prisional aberto, para o início do cumprimento da penae determinar a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes do artigo 44 do Código Penal, a ser estabelecida pelo Juízo a quo.
É o voto. | EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III -Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois o fato da paciente transportar diversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, sem remissão às peculiaridades dos fatos, não demonstra que a paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Ao revés, dos relatos dos agentes de polícia, observa-se que um deles relatou que "nunca teve problema com a ré anteriormente e nem mesmo os outros agentes penitenciários".In casu, sendo a paciente primária e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, aliados à pequena quantidade de droga apreendida, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo.
IV - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Na hipótese, considerando a primariedade da paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - OPretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA.HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III -Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois o fato da paciente transportar diversas porções de cocaína, com o intuito de inserir tal entorpecente em ambiente carcerário, sem remissão às peculiaridades dos fatos, não demonstra que a paciente se dedicava às atividades criminosas, nem que integrava organização criminosa.Ao revés, dos relatos dos agentes de polícia, observa-se que um deles relatou que "nunca teve problema com a ré anteriormente e nem mesmo os outros agentes penitenciários".In casu, sendo a paciente primária e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, aliados à pequena quantidade de droga apreendida, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo.
IV - OPlenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Na hipótese, considerando a primariedade da paciente e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que faz jus ao regime aberto para início de cumprimento de pena, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - OPretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | N |
146,151,030 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGASE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.1,7 KG DE MACONHA.. DECRETO CALCADO NAGARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, INIDONEIDADE. ALUSÃO A UM SUPOSTO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA DESPIDA DEELEMENTOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTAÇÃO EM SEDE DE JULGAMENTO DEHABEAS CORPUS. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR CAUTELARES DIVERSAS. LIMINAR RATIFICADA.
Ordem concedida para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) obrigação de comparecer em juízo sempre que intimado; b) proibição de mudar de domicílio sem prévia autorização judicial; e c) proibição de manter contato com o corréu (Matheus Fernandes Raposo), sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto (Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal da comarca de Sinop/MT).
RELATÓRIO
Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício deJoão Vítor Ferreira da Silveira,apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que denegou oHC n.1013151-04.2021.8.11.0000.
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante e denunciado com outro corréupela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico(Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal dacomarca de Sinop/MT).
As circunstâncias da prisão foram assim sintetizadas na peça acusatória (fls. 107/108):
..
Consta dos inclusos autos de inquérito policial que de data ainda não precisada até o dia 19 de julho de 2021, em Sinop-MT, JOÃO VITOR FERREIRA DA SILVEIRA e MATHEUS FERNANDES RAPOSO se associaram para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
Consta ainda dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 19 de julho de 2021, por volta das 12h, na rua JB13, residencial Bouganville, em Sinop-MT, JOÃO VITOR FERREIRA DA SILVEIRA e MATHEUS FERNANDES RAPOSO, agindo em coautoria, caracterizada pela unidade de desígnios e atuação conjunta visando um fim comum, transportaram e trouxeram consigo, para fins de comercialização, 07 tabletes e 03 "trouxas" de substância entorpecente vulgarmente conhecida como maconha, com massa bruta total de 1.758,5g (mil, setecentos e cinquenta e oito gramas e cinco decigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Apurou-se que de data ainda não precisada nos autos até o dia 19 de julho de 2021, em Sinop-MT, os indiciados se associaram para a prática do crime de tráfico ilícito de drogas, passando, desde então, a agirem em comunhão de esforços naquela atividade delituosa.
Apurou-se ainda que no dia dos fatos policiais militares receberam informações anônimas de que no bairro Bouganville estaria ocorrendo tráfico de drogas e que os traficantes utilizariam uma motoneta, de cor preta, para a entrega dos entorpecentes. Diante disso, os policiais intensificaram as rondas no referido bairro e, durante o patrulhamento, lograram êxito em encontrar uma motoneta com as mesmas características sendo conduzida pelo indiciado MATHEUS e com o indiciado JOÃO VITOR na garupa.
Relatou-se que os policiais militares realizaram a abordagem e localizaram na mochila que o indiciado JOÃO VITOR portava várias porções de maconha, distribuídas em formas de tabletes e "trouxas",com massa bruta total de 1.758,5g (mil, setecentos e cinquenta e oito gramas e cinco decigramas), além de uma balança de precisão, a quantia de R$ 465,50 (quatrocentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos) e rolos de papel filme. Já com o indiciado MATHEUS foi encontrada a quantia de R$ 90,00 (noventa reais).
Demonstrou-se que os indiciados transportavam e traziam consigo a droga acima descrita, para fins de comercialização, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Relatou-se ainda que ao ser indagado sobre a procedência da droga, o indiciado JOÃO VITOR informou que teria adquirido o entorpecente da organização criminosa "Comando Vermelho" pelo valor de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais), admitindo ainda que paga uma taxa de R$ 100,00 (cem reais) para poder comercializar o entorpecente nesta cidade.
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A prisão em flagrante foi convertida em preventiva aos seguintes fundamentos (fls. 75/77 - grifo nosso):
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No caso em tela, em relação a presença dos elementos objetivos necessários para que haja a decretação da prisão preventiva não há qualquer dúvida, haja vista que há fortes indícios de que o autuado João Vitor Ferreirada Silveira praticou os delitos previstos nos artigos 33 e 35, da Lei n. 11.343/06, cuja pena é superior a quatro anos de reclusão para o crime de tráfico.
Com efeito, os indícios suficientes de autoria decorrem dos elementos de prova acostados aos autos. Neste sentido o auto de prisão em flagrante delito, instruído com o boletim de ocorrência n. 2021.180758, depoimento dos policiais que efetuaram a prisão e das testemunhas e, especialmente, pelo auto de apreensão n. 2021.16.225352 (ID.60947869/p.12), bem como laudo de constatação de droga n.500.2.04.2021.008363-01, o qual apresentou resultado positivo para a presença de "Cannabis sativa L." (maconha) (ID.60947869/p.33-35).
Ademais, quando da prisão em flagrante, o autuado João Vitor Ferreira da Silveira disse aos policiais militares que efetuaram sua prisão que "havia comprado a droga da organização criminosa comando vermelho (CV) e que teria pago R$ 2.800,00," bem como que "paga uma taxa de R$ 100,00 para poder comercializar" (ID.60948967/p.13-16) e, embora tenha mudado sua versão dos fatos quando do depoimento perante a Autoridade Policial, indicando que a substância entorpecente foi adquirida para consumo pessoal, a quantidade de droga apreendida (aproximadamente 1.700g), separadas em porções e tabletes, conforme auto de apreensão e laudo de constatação de droga, ratificam os indícios de traficância.
Cumpre destacar, também, que a pena máxima dos delitos em comento ultrapassa quatro anos de reclusão, de forma que a segregação encontra amparo legal, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, está consubstanciada nos autosa presença do requisito subjetivo, que, no caso em tela, consiste na garantia da ordem pública, a fim de assegurar que o acusado não se envolva no cometimento de novos crimes.
Além disso, as condições subjetivas favoráveis do autuado, tais como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, por si só, não obstam asegregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Logo, até que venham aos autos maiores informações acerca dos fatos, necessário o encarceramento provisório para fins de se resguardar a garantia da ordem pública.
..
Inconformada, a defesa impetrouhabeas corpusno Tribunal de Justiça local, sendo a ordem denegada (fls. 95/104).
Ainda irresignada, a defesa impetrou o presentewrit, suscitando inidoneidade dos fundamentos lançados no decreto de prisão, pugnando, em liminar e no mérito, pela revogação da prisão preventiva, ainda que mediante fixação de cautelares diversas.
Em decisão exarada às fls. 120/123, deferi a liminar para substituir a prisão preventiva por cautelares diversas.
Instado a se manifestar na condição decustos legis, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, nos termos do parecer assim ementado (fl. 127):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA ILEGAL APREENDIDA. CONDIÇÕES PESSOAIS SUBJETIVAS NÃO GARANTEM A LIBERDADE AO RÉU, AUTOMATICAMENTE, QUANDO PRESENTES OS REQUISITOS PARA A IMPOSIÇÃO DA PREVENTIVA.PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM, REVOGANDO-SE A LIMINAR JÁ CONCEDIDA.
É o relatório.
EMENTA
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGASE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.1,7 KG DE MACONHA.. DECRETO CALCADO NAGARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, INIDONEIDADE. ALUSÃO A UM SUPOSTO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA DESPIDA DEELEMENTOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTAÇÃO EM SEDE DE JULGAMENTO DEHABEAS CORPUS. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR CAUTELARES DIVERSAS. LIMINAR RATIFICADA.
Ordem concedida para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) obrigação de comparecer em juízo sempre que intimado; b) proibição de mudar de domicílio sem prévia autorização judicial; e c) proibição de manter contato com o corréu (Matheus Fernandes Raposo), sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto (Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal da comarca de Sinop/MT).
VOTO
A ordem merece concessão.
Veja-se que o Juízo processante não declinou nenhum fundamento concreto apto a justificar a necessidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública, sendo que aalusão a um suposto risco de reiteração delitiva é vaga, despida de elemento concreto apto a respaldar a convicção nesse sentido (fls. 75/77 - grifo nosso):
..
No caso em tela, em relação a presença dos elementos objetivos necessários para que haja a decretação da prisão preventiva não há qualquer dúvida, haja vista que há fortes indícios de que o autuado João Vitor Ferreira da Silveira praticou os delitos previstos nos artigos 33 e 35, da Lei n. 11.343/06, cuja pena é superior a quatro anos de reclusão para o crime de tráfico.
Com efeito, os indícios suficientes de autoria decorrem dos elementos de prova acostados aos autos. Neste sentido o auto de prisão em flagrante delito, instruído com o boletim de ocorrência n. 2021.180758, depoimento dos policiais que efetuaram a prisão e das testemunhas e, especialmente, pelo auto de apreensão n. 2021.16.225352 (ID.60947869/p.12), bem como laudo de constatação de droga n. 500.2.04.2021.008363-01, o qual apresentou resultado positivo para a presença de "Cannabis sativa L." (maconha) (ID.60947869/p.33-35).
Ademais, quando da prisão em flagrante, o autuado João Vitor Ferreira da Silveira disse aos policiais militares que efetuaram sua prisão que "havia comprado a droga da organização criminosa comando vermelho (CV) e que teria pago R$ 2.800,00," bem como que "paga uma taxa de R$ 100,00 para poder comercializar" (ID.60948967/p.13-16) e, embora tenha mudado sua versão dos fatos quando do depoimento perante a Autoridade Policial, indicando que a substância entorpecente foi adquirida para consumo pessoal, a quantidade de droga apreendida (aproximadamente 1.700g), separadas em porções e tabletes, conforme auto de apreensão e laudo de constatação de droga, ratificam os indícios de traficância.
Cumpre destacar, também, que a pena máxima dos delitos em comento ultrapassa quatro anos de reclusão, de forma que a segregação encontra amparo legal, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, está consubstanciada nos autos a presença do requisito subjetivo, que, no caso em tela, consiste na garantia da ordem pública, a fim de assegurar que o acusado não se envolva no cometimento de novos crimes.
Além disso, as condições subjetivas favoráveis do autuado, tais como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, por si só, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Logo, até que venham aos autos maiores informações acerca dos fatos, necessário o encarceramento provisório para fins de se resguardar a garantia da ordem pública.
..
Em casos que tais, a jurisprudência desta Corte tem orientando no sentido da inidoneidade da fundamentação:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.AGRAVO DESPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. Em que pese a menção sobre a materialidade e os indícios de autoria, ante o relato acerca das circunstâncias do caso concreto, pelas decisões precedentes, nota-se que a segregação cautelar do paciente foi decretada sem elementos suficientes que justifiquem a imprescindibilidade da medida para a garantia da ordem pública.
3. A quantidade de substância entorpecente apreendida por ocasião do flagrante - cerca de 50,6g de maconha - não é expressiva para, por si só, justificar a necessidade da medida extrema e não há nenhum dado indicativo de que o paciente esteja envolvido de forma profunda com a criminalidade, constando dos autos que se trata de réu primário.
4. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(AgRg no RHC n. 152.431/MG, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20/9/2021 - grifo nosso)
..
3. Como reiteradamente tem asseverado esta Corte, a gravidade abstrata do delito, com meras suposições de reiteração delitiva ou de fuga, e com simples referências a elementos inerentes ao tipo penal supostamente violado, não são fundamentos idôneos para amparar o juízo de cautelaridade (HC n. 468.723/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/2/2019, DJe 11/3/2019).
4. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, nos Autos n. 1500145-24.2019.8.26.0581, da 1ª Vara da comarca de São Manuel/SP, substituindo-a por medidas alternativas a serem implementadas pelo Magistrado de piso, consistentes em: a) comparecimento quinzenal em juízo para informar e justificar suas atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de manter contato com qualquer pessoa vinculada aos fatos sob apuração (art. 319, III, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno (art. 319, V, do CPP) - isso, sob o compromisso de comparecimento a todos os atos processuais e sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos novos e concretos para tanto. Liminar confirmada.
(HC n. 614.127/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, DJe 7/12/2020 - grifo nosso)
Embora a Corte de origem, ao denegar o writ originário, tenha aludido à gravidade concreta do tráfico (extraída da quantidade de drogas apreendidas) - fl. 100, verifica-se que tal fundamentação não constou da decisão que decretou a prisão preventiva (fls. 71/80), sendo vedado o acréscimo de fundamento em sede de acórdão exarado no julgamento de habeas corpus.
Nesse sentido, destaco o seguinte precedente: RHC n. 118.097/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 5/12/2019.
Ademais, o crime noticiado foi cometido sem violência nem grave ameaça à pessoa, sendo o paciente, aparentemente, réu primário.
Importante salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a prisão cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade, devendo-se sempre verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto.
Ante o exposto, ratificando a liminar, concedo a ordemparasubstituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) obrigação de comparecer em juízo sempre que intimado; b) proibição de mudar de domicílio sem prévia autorização judicial; e c) proibição de manter contato com o corréu (Matheus Fernandes Raposo), sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto (Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal da comarca de Sinop/MT). | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se dehabeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício deJoão Vítor Ferreira da Silveira,apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que denegou oHC n.1013151-04.2021.8.11.0000.
Consta dos autos que o paciente foi preso em flagrante e denunciado com outro corréupela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico(Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal dacomarca de Sinop/MT).
As circunstâncias da prisão foram assim sintetizadas na peça acusatória (fls. 107/108):
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Consta dos inclusos autos de inquérito policial que de data ainda não precisada até o dia 19 de julho de 2021, em Sinop-MT, JOÃO VITOR FERREIRA DA SILVEIRA e MATHEUS FERNANDES RAPOSO se associaram para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
Consta ainda dos inclusos autos de inquérito policial que no dia 19 de julho de 2021, por volta das 12h, na rua JB13, residencial Bouganville, em Sinop-MT, JOÃO VITOR FERREIRA DA SILVEIRA e MATHEUS FERNANDES RAPOSO, agindo em coautoria, caracterizada pela unidade de desígnios e atuação conjunta visando um fim comum, transportaram e trouxeram consigo, para fins de comercialização, 07 tabletes e 03 "trouxas" de substância entorpecente vulgarmente conhecida como maconha, com massa bruta total de 1.758,5g (mil, setecentos e cinquenta e oito gramas e cinco decigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Apurou-se que de data ainda não precisada nos autos até o dia 19 de julho de 2021, em Sinop-MT, os indiciados se associaram para a prática do crime de tráfico ilícito de drogas, passando, desde então, a agirem em comunhão de esforços naquela atividade delituosa.
Apurou-se ainda que no dia dos fatos policiais militares receberam informações anônimas de que no bairro Bouganville estaria ocorrendo tráfico de drogas e que os traficantes utilizariam uma motoneta, de cor preta, para a entrega dos entorpecentes. Diante disso, os policiais intensificaram as rondas no referido bairro e, durante o patrulhamento, lograram êxito em encontrar uma motoneta com as mesmas características sendo conduzida pelo indiciado MATHEUS e com o indiciado JOÃO VITOR na garupa.
Relatou-se que os policiais militares realizaram a abordagem e localizaram na mochila que o indiciado JOÃO VITOR portava várias porções de maconha, distribuídas em formas de tabletes e "trouxas",com massa bruta total de 1.758,5g (mil, setecentos e cinquenta e oito gramas e cinco decigramas), além de uma balança de precisão, a quantia de R$ 465,50 (quatrocentos e sessenta e cinco reais e cinquenta centavos) e rolos de papel filme. Já com o indiciado MATHEUS foi encontrada a quantia de R$ 90,00 (noventa reais).
Demonstrou-se que os indiciados transportavam e traziam consigo a droga acima descrita, para fins de comercialização, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Relatou-se ainda que ao ser indagado sobre a procedência da droga, o indiciado JOÃO VITOR informou que teria adquirido o entorpecente da organização criminosa "Comando Vermelho" pelo valor de R$ 2.800,00 (dois mil e oitocentos reais), admitindo ainda que paga uma taxa de R$ 100,00 (cem reais) para poder comercializar o entorpecente nesta cidade.
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A prisão em flagrante foi convertida em preventiva aos seguintes fundamentos (fls. 75/77 - grifo nosso):
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No caso em tela, em relação a presença dos elementos objetivos necessários para que haja a decretação da prisão preventiva não há qualquer dúvida, haja vista que há fortes indícios de que o autuado João Vitor Ferreirada Silveira praticou os delitos previstos nos artigos 33 e 35, da Lei n. 11.343/06, cuja pena é superior a quatro anos de reclusão para o crime de tráfico.
Com efeito, os indícios suficientes de autoria decorrem dos elementos de prova acostados aos autos. Neste sentido o auto de prisão em flagrante delito, instruído com o boletim de ocorrência n. 2021.180758, depoimento dos policiais que efetuaram a prisão e das testemunhas e, especialmente, pelo auto de apreensão n. 2021.16.225352 (ID.60947869/p.12), bem como laudo de constatação de droga n.500.2.04.2021.008363-01, o qual apresentou resultado positivo para a presença de "Cannabis sativa L." (maconha) (ID.60947869/p.33-35).
Ademais, quando da prisão em flagrante, o autuado João Vitor Ferreira da Silveira disse aos policiais militares que efetuaram sua prisão que "havia comprado a droga da organização criminosa comando vermelho (CV) e que teria pago R$ 2.800,00," bem como que "paga uma taxa de R$ 100,00 para poder comercializar" (ID.60948967/p.13-16) e, embora tenha mudado sua versão dos fatos quando do depoimento perante a Autoridade Policial, indicando que a substância entorpecente foi adquirida para consumo pessoal, a quantidade de droga apreendida (aproximadamente 1.700g), separadas em porções e tabletes, conforme auto de apreensão e laudo de constatação de droga, ratificam os indícios de traficância.
Cumpre destacar, também, que a pena máxima dos delitos em comento ultrapassa quatro anos de reclusão, de forma que a segregação encontra amparo legal, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, está consubstanciada nos autosa presença do requisito subjetivo, que, no caso em tela, consiste na garantia da ordem pública, a fim de assegurar que o acusado não se envolva no cometimento de novos crimes.
Além disso, as condições subjetivas favoráveis do autuado, tais como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, por si só, não obstam asegregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Logo, até que venham aos autos maiores informações acerca dos fatos, necessário o encarceramento provisório para fins de se resguardar a garantia da ordem pública.
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Inconformada, a defesa impetrouhabeas corpusno Tribunal de Justiça local, sendo a ordem denegada (fls. 95/104).
Ainda irresignada, a defesa impetrou o presentewrit, suscitando inidoneidade dos fundamentos lançados no decreto de prisão, pugnando, em liminar e no mérito, pela revogação da prisão preventiva, ainda que mediante fixação de cautelares diversas.
Em decisão exarada às fls. 120/123, deferi a liminar para substituir a prisão preventiva por cautelares diversas.
Instado a se manifestar na condição decustos legis, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, nos termos do parecer assim ementado (fl. 127):
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA ILEGAL APREENDIDA. CONDIÇÕES PESSOAIS SUBJETIVAS NÃO GARANTEM A LIBERDADE AO RÉU, AUTOMATICAMENTE, QUANDO PRESENTES OS REQUISITOS PARA A IMPOSIÇÃO DA PREVENTIVA.PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM, REVOGANDO-SE A LIMINAR JÁ CONCEDIDA.
É o relatório.
VOTO
A ordem merece concessão.
Veja-se que o Juízo processante não declinou nenhum fundamento concreto apto a justificar a necessidade da prisão preventiva para garantia da ordem pública, sendo que aalusão a um suposto risco de reiteração delitiva é vaga, despida de elemento concreto apto a respaldar a convicção nesse sentido (fls. 75/77 - grifo nosso):
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No caso em tela, em relação a presença dos elementos objetivos necessários para que haja a decretação da prisão preventiva não há qualquer dúvida, haja vista que há fortes indícios de que o autuado João Vitor Ferreira da Silveira praticou os delitos previstos nos artigos 33 e 35, da Lei n. 11.343/06, cuja pena é superior a quatro anos de reclusão para o crime de tráfico.
Com efeito, os indícios suficientes de autoria decorrem dos elementos de prova acostados aos autos. Neste sentido o auto de prisão em flagrante delito, instruído com o boletim de ocorrência n. 2021.180758, depoimento dos policiais que efetuaram a prisão e das testemunhas e, especialmente, pelo auto de apreensão n. 2021.16.225352 (ID.60947869/p.12), bem como laudo de constatação de droga n. 500.2.04.2021.008363-01, o qual apresentou resultado positivo para a presença de "Cannabis sativa L." (maconha) (ID.60947869/p.33-35).
Ademais, quando da prisão em flagrante, o autuado João Vitor Ferreira da Silveira disse aos policiais militares que efetuaram sua prisão que "havia comprado a droga da organização criminosa comando vermelho (CV) e que teria pago R$ 2.800,00," bem como que "paga uma taxa de R$ 100,00 para poder comercializar" (ID.60948967/p.13-16) e, embora tenha mudado sua versão dos fatos quando do depoimento perante a Autoridade Policial, indicando que a substância entorpecente foi adquirida para consumo pessoal, a quantidade de droga apreendida (aproximadamente 1.700g), separadas em porções e tabletes, conforme auto de apreensão e laudo de constatação de droga, ratificam os indícios de traficância.
Cumpre destacar, também, que a pena máxima dos delitos em comento ultrapassa quatro anos de reclusão, de forma que a segregação encontra amparo legal, nos termos do artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
Do mesmo modo, está consubstanciada nos autos a presença do requisito subjetivo, que, no caso em tela, consiste na garantia da ordem pública, a fim de assegurar que o acusado não se envolva no cometimento de novos crimes.
Além disso, as condições subjetivas favoráveis do autuado, tais como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, por si só, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Logo, até que venham aos autos maiores informações acerca dos fatos, necessário o encarceramento provisório para fins de se resguardar a garantia da ordem pública.
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Em casos que tais, a jurisprudência desta Corte tem orientando no sentido da inidoneidade da fundamentação:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INSUFICIENTE. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA. AUSÊNCIA DE EXCEPCIONALIDADE. APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.AGRAVO DESPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. Em que pese a menção sobre a materialidade e os indícios de autoria, ante o relato acerca das circunstâncias do caso concreto, pelas decisões precedentes, nota-se que a segregação cautelar do paciente foi decretada sem elementos suficientes que justifiquem a imprescindibilidade da medida para a garantia da ordem pública.
3. A quantidade de substância entorpecente apreendida por ocasião do flagrante - cerca de 50,6g de maconha - não é expressiva para, por si só, justificar a necessidade da medida extrema e não há nenhum dado indicativo de que o paciente esteja envolvido de forma profunda com a criminalidade, constando dos autos que se trata de réu primário.
4. Agravo Regimental a que se nega provimento.
(AgRg no RHC n. 152.431/MG, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 20/9/2021 - grifo nosso)
..
3. Como reiteradamente tem asseverado esta Corte, a gravidade abstrata do delito, com meras suposições de reiteração delitiva ou de fuga, e com simples referências a elementos inerentes ao tipo penal supostamente violado, não são fundamentos idôneos para amparar o juízo de cautelaridade (HC n. 468.723/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 21/2/2019, DJe 11/3/2019).
4. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, nos Autos n. 1500145-24.2019.8.26.0581, da 1ª Vara da comarca de São Manuel/SP, substituindo-a por medidas alternativas a serem implementadas pelo Magistrado de piso, consistentes em: a) comparecimento quinzenal em juízo para informar e justificar suas atividades (art. 319, I, do CPP); b) proibição de manter contato com qualquer pessoa vinculada aos fatos sob apuração (art. 319, III, do CPP); c) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial (art. 319, IV, do CPP); e d) recolhimento domiciliar no período noturno (art. 319, V, do CPP) - isso, sob o compromisso de comparecimento a todos os atos processuais e sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos novos e concretos para tanto. Liminar confirmada.
(HC n. 614.127/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, DJe 7/12/2020 - grifo nosso)
Embora a Corte de origem, ao denegar o writ originário, tenha aludido à gravidade concreta do tráfico (extraída da quantidade de drogas apreendidas) - fl. 100, verifica-se que tal fundamentação não constou da decisão que decretou a prisão preventiva (fls. 71/80), sendo vedado o acréscimo de fundamento em sede de acórdão exarado no julgamento de habeas corpus.
Nesse sentido, destaco o seguinte precedente: RHC n. 118.097/MG, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 5/12/2019.
Ademais, o crime noticiado foi cometido sem violência nem grave ameaça à pessoa, sendo o paciente, aparentemente, réu primário.
Importante salientar que, com o advento da Lei n. 12.403/2011, a prisão cautelar passou a ser, mais ainda, a mais excepcional das medidas, devendo ser aplicada somente quando comprovada a inequívoca necessidade, devendo-se sempre verificar se existem medidas alternativas à prisão adequadas ao caso concreto.
Ante o exposto, ratificando a liminar, concedo a ordemparasubstituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) obrigação de comparecer em juízo sempre que intimado; b) proibição de mudar de domicílio sem prévia autorização judicial; e c) proibição de manter contato com o corréu (Matheus Fernandes Raposo), sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto (Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal da comarca de Sinop/MT). | EMENTA
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGASE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.1,7 KG DE MACONHA.. DECRETO CALCADO NAGARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, INIDONEIDADE. ALUSÃO A UM SUPOSTO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA DESPIDA DEELEMENTOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTAÇÃO EM SEDE DE JULGAMENTO DEHABEAS CORPUS. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR CAUTELARES DIVERSAS. LIMINAR RATIFICADA.
Ordem concedida para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) obrigação de comparecer em juízo sempre que intimado; b) proibição de mudar de domicílio sem prévia autorização judicial; e c) proibição de manter contato com o corréu (Matheus Fernandes Raposo), sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto (Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal da comarca de Sinop/MT). | HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGASE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO.1,7 KG DE MACONHA.. DECRETO CALCADO NAGARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, INIDONEIDADE. ALUSÃO A UM SUPOSTO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA DESPIDA DEELEMENTOS CONCRETOS. IMPOSSIBILIDADE DE ACRÉSCIMO DE FUNDAMENTAÇÃO EM SEDE DE JULGAMENTO DEHABEAS CORPUS. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR CAUTELARES DIVERSAS. LIMINAR RATIFICADA. | Ordem concedida para substituir a prisão preventiva imposta ao paciente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) obrigação de comparecer em juízo sempre que intimado; b) proibição de mudar de domicílio sem prévia autorização judicial; e c) proibição de manter contato com o corréu (Matheus Fernandes Raposo), sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva em caso de descumprimento de quaisquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto (Processo n. 1015425-90.2021.8.11.0015, em curso na 4ª Vara Criminal da comarca de Sinop/MT). | N |
140,920,370 | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. POSSIBILIDADE. REGRA DE PROGRESSIVIDADE DAS CAUTELARES DE NATUREZA PROCESSUAL.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade de droga apreendida. Ocorre que, não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
3. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelares disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
4. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de REGINALDO ZUQUI apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (HC n. 2179948-33.2021.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006), em razão da apreensão de aproximadamente 672g (seiscentos e setenta e dois gramas) de maconha. Essa prisão foi convertida em preventiva.
O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus que visava a revogação dessa custódia.
Daí o presente writ, no qual a defesa alega que o paciente sofre constrangimento ilegal, visto que "se encontra preso sem ao menos saber quem é o juiz que irá julgar sua causa, não obstante a falta da escolha de um juízo impede até mesmo que a denúncia, já oferecida pelo Ministério Público, seja recebida e, o que é mais grave, esse não sabe a quem recorrer" (e-STJ fl. 7).
Sustenta, ainda, que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea.
Ao final, requer a revogação da prisão preventiva.
O pleito liminar foi indeferido.
Prestadas as informações, opinou o Ministério Público Federal pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
O Juízo de piso indeferiu o pedido de liberdade provisória conforme os seguintes argumentos (e-STJ fls. 41/44):
De início, observo tratar de prisão preventiva decorrente de conversão de flagrante por haver prova da materialidade delitiva (laudo de fls.19/20), suficientes indícios de autoria e presença dos motivos ensejadores da prisão preventiva consistente na garantia da ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.
Os argumentos trazidos pela defesa sobre não existirem nos autos elementos que atestem risco da liberdade do acusado à sociedade, indícios de que pretenda delinquir, tumultuar o curso do processo ou a aplicação da lei penal, não merecem prosperar.
É que pelo que dos autos consta, o acusado foi encontrado com grande quantidade de entorpecente (672g de maconha). Além disso, como explicitado na decisão de fls. 80/86, a droga já estava parcialmente embalada em dois tijolos maiores e cinco porções menores. As porções menores indicam que a droga estava pronta para comercialização. A localização de plástico filme no local, o mesmo que a droga estava embalada, também reforça o entendimento acima. Não ignoro que no local também tenham sido apreendidos dois cachimbos, todavia, a condição de usuário não é incompatível com a traficância.
Destaca-se ainda que já havia notícias de que no local dos fatos já estava sendo praticado o tráfico pelo autuado, tanto que existia em seu desfavor, mandado de prisão temporária e de busca e apreensão. Desta forma, em liberdade, o investigado encontrará estímulo para retornar a prática delitiva, sendo sua prisão necessária para a garantia da ordem pública.
A manutenção da prisão provisória também se faz necessária para fins de assegurar futura citação e comparecimento pessoal do réu à instrução processual, a fim de se buscar a verdade real dos fatos, nada garantindo que permanecerá no distrito de culpa, caso seja colocado em liberdade.
Por fim, considerando os fortes indícios de autoria e a grande quantidade de droga apreendida, se condenado, o acusado estará sujeito a uma pena privativa de liberdade rigorosa, o que poderá servir de estímulo para fuga, tornando-se assim, a manutenção da prisão como necessária também para assegurar a aplicação da lei penal.
..
Assim atenta ao fato de existir prova da materialidade do delito e suficientes indícios da autoria, restando demonstrada a presença de motivo ensejador da prisão preventiva (garantia da ordem pública, conveniência da instrução processual e aplicação da lei penal), mantenho a decisão de fls. 80/86 proferida no Plantão Judiciário que CONVERTEU a prisão em flagrante do averiguado nos termos do artigo 310, inciso II e 313, inciso I, ambos do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 12.403/2011, posto que presentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, bem como porque se revelam inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão e, por consequência, INDEFIRO o pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA em favor do investigado REGINALDO ZUQUI. (Grifei.)
Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, o paciente possui condições pessoais favoráveis, devendo-se destacar, ainda, que a quantidade de droga apreendida - a saber, 672g (seiscentos e setenta e dois gramas) de maconha - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
2. O decreto de prisão preventiva apontou o fato de os recorrentes haverem sido presos "com grande quantidade de cocaína (92 pinos) .. de modo que a prisão cautelar se mostra imprescindível para garantir a ordem pública".
3. As demais considerações externadas pelo Magistrado, atinentes à vedação legal à liberdade provisória e à necessidade da cautela para a aplicação da lei penal, devem ser afastadas, pois é imprescindível a análise dos requisitos do art. 312 do CPP nos casos de tráfico de entorpecentes e não foram indicados, no édito prisional, comportamentos dos réus tendentes a esquivarem-se da responsabilização penal (tentativa de fuga, obstrução de prova etc.).
4. Em que pese a concreta fundamentação da custódia para garantia da ordem pública, na miríade de providências cautelares previstas nos arts. 319, 320 e 321, todos do CPP, a decretação da prisão preventiva será, como densificação do princípio da proibição de excesso, a medida extrema a ser adotada, somente para aquelas situações em que as alternativas legais à prisão não se mostrarem aptas e suficientes a proteger o bem ameaçado pela irrestrita e plena liberdade do indiciado ou acusado.
5. Sob a influência do princípio da proporcionalidade e considerando que os recorrentes são primários, possuem ocupação lícita e residência fixa, foram surpreendidos dentro de veículo (condutor e passageiros) com 68,2 g de cocaína, sem investigações policiais prévias ou maiores sinais de que se dedicavam ao tráfico de drogas de forma profissional ou de que integrassem organização criminosa, é adequada a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, para a mesma proteção da ordem pública (art. 319, I, II e V, do CPP).
6. Recurso ordinário provido para substituir a prisão preventiva dos recorrentes pelas medidas previstas no art. 319, I, II e V, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do juiz natural da causa indicar cabíveis e adequadas.
(RHC n. 83.174/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/5/2017, DJe 23/6/2017.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar e quando realmente se mostre necessária e adequada às circunstâncias em que cometido o delito e às condições pessoais do agente. Inteligência do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal.
2. Na espécie, a segregação antecipada se mostra desproporcional, revelando-se devida e suficiente a imposição de medidas cautelares alternativas, considerando-se a primariedade da acusada (sem registro de envolvimento em quaisquer delitos anteriores, com residência fixa) e as circunstâncias do crime (trata-se de pequena traficante, que leva droga para o estabelecimento prisional do companheiro, por vinculação afetiva).
3. Ordem concedida a fim de revogar a prisão preventiva da ora paciente, impondo-se-lhe, em substituição, as medidas cautelares alternativas descritas no art. 319, I e II, do Código de Processo Penal (comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz de origem, para informar seu endereço e justificar suas atividades, e proibição de frequentar unidade prisional para visita ao marido/companheiro, enquanto perdurar o processo criminal), sem prejuízo de outras medidas que o Juízo a quo julgar cabíveis e adequadas ao caso.
(HC n. 356.509/SP, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, relator para acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 28/6/2016, DJe 3/8/2016, grifei.)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ELEMENTARES DO TIPO PENAL. PACIENTE PRIMÁRIO, PORTADOR DE BONS ANTECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. MEDIDAS CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. HC NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
3. No caso, a decisão singular não apontou dados concretos, à luz do art. 312 do Código de Processo Penal, a respaldar a restrição da liberdade do paciente; somente faz referência às elementares do tipo penal e à gravidade abstrata do delito.
4. Condições subjetivas favoráveis, conquanto não sejam garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas, quando não for demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva, máxime diante das peculiaridades do caso concreto, em que o acusado foi flagrado na posse de 21,29g de cocaína e crack, sendo adequada e proporcional a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Precedentes.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para revogar o decreto prisional do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso, substituindo a segregação preventiva por medidas cautelares diversas, à critério do juízo processante, sem prejuízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada.
(HC n. 380.308/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017, grifei.)
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de REGINALDO ZUQUI apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (HC n. 2179948-33.2021.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante pelo crime de tráfico de drogas (art. 33 da Lei n. 11.343/2006), em razão da apreensão de aproximadamente 672g (seiscentos e setenta e dois gramas) de maconha. Essa prisão foi convertida em preventiva.
O Tribunal de origem denegou a ordem de habeas corpus que visava a revogação dessa custódia.
Daí o presente writ, no qual a defesa alega que o paciente sofre constrangimento ilegal, visto que "se encontra preso sem ao menos saber quem é o juiz que irá julgar sua causa, não obstante a falta da escolha de um juízo impede até mesmo que a denúncia, já oferecida pelo Ministério Público, seja recebida e, o que é mais grave, esse não sabe a quem recorrer" (e-STJ fl. 7).
Sustenta, ainda, que o decreto de prisão preventiva carece de fundamentação idônea.
Ao final, requer a revogação da prisão preventiva.
O pleito liminar foi indeferido.
Prestadas as informações, opinou o Ministério Público Federal pela denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Insta consignar, preliminarmente, que a regra, em nosso ordenamento jurídico, é a liberdade. Assim, a prisão de natureza cautelar revela-se cabível tão somente quando, a par de indícios do cometimento do delito (fumus commissi delicti), estiver concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Decorre de comando constitucional expresso que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI). Portanto, há de se exigir que o decreto de prisão preventiva esteja sempre concretamente fundamentado.
O Juízo de piso indeferiu o pedido de liberdade provisória conforme os seguintes argumentos (e-STJ fls. 41/44):
De início, observo tratar de prisão preventiva decorrente de conversão de flagrante por haver prova da materialidade delitiva (laudo de fls.19/20), suficientes indícios de autoria e presença dos motivos ensejadores da prisão preventiva consistente na garantia da ordem pública, assegurar a aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.
Os argumentos trazidos pela defesa sobre não existirem nos autos elementos que atestem risco da liberdade do acusado à sociedade, indícios de que pretenda delinquir, tumultuar o curso do processo ou a aplicação da lei penal, não merecem prosperar.
É que pelo que dos autos consta, o acusado foi encontrado com grande quantidade de entorpecente (672g de maconha). Além disso, como explicitado na decisão de fls. 80/86, a droga já estava parcialmente embalada em dois tijolos maiores e cinco porções menores. As porções menores indicam que a droga estava pronta para comercialização. A localização de plástico filme no local, o mesmo que a droga estava embalada, também reforça o entendimento acima. Não ignoro que no local também tenham sido apreendidos dois cachimbos, todavia, a condição de usuário não é incompatível com a traficância.
Destaca-se ainda que já havia notícias de que no local dos fatos já estava sendo praticado o tráfico pelo autuado, tanto que existia em seu desfavor, mandado de prisão temporária e de busca e apreensão. Desta forma, em liberdade, o investigado encontrará estímulo para retornar a prática delitiva, sendo sua prisão necessária para a garantia da ordem pública.
A manutenção da prisão provisória também se faz necessária para fins de assegurar futura citação e comparecimento pessoal do réu à instrução processual, a fim de se buscar a verdade real dos fatos, nada garantindo que permanecerá no distrito de culpa, caso seja colocado em liberdade.
Por fim, considerando os fortes indícios de autoria e a grande quantidade de droga apreendida, se condenado, o acusado estará sujeito a uma pena privativa de liberdade rigorosa, o que poderá servir de estímulo para fuga, tornando-se assim, a manutenção da prisão como necessária também para assegurar a aplicação da lei penal.
..
Assim atenta ao fato de existir prova da materialidade do delito e suficientes indícios da autoria, restando demonstrada a presença de motivo ensejador da prisão preventiva (garantia da ordem pública, conveniência da instrução processual e aplicação da lei penal), mantenho a decisão de fls. 80/86 proferida no Plantão Judiciário que CONVERTEU a prisão em flagrante do averiguado nos termos do artigo 310, inciso II e 313, inciso I, ambos do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei 12.403/2011, posto que presentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, bem como porque se revelam inadequadas e insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão e, por consequência, INDEFIRO o pedido de LIBERDADE PROVISÓRIA em favor do investigado REGINALDO ZUQUI. (Grifei.)
Não obstante, ao examinar o trecho acima transcrito, entendo que a fundamentação apresentada, embora demonstre o periculum libertatis, é insuficiente para a imposição da prisão cautelar.
Como é cediço, a custódia cautelar é providência extrema, que, como tal, somente deve ser ordenada em caráter excepcional, conforme disciplina expressamente o art. 282, § 6º, do Diploma Processual Penal, segundo o qual "a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada".
Nos dizeres de Aury Lopes Jr., "a medida alternativa somente deverá ser utilizada quando cabível a prisão preventiva, mas, em razão da proporcionalidade, houver outra restrição menos onerosa que sirva para tutelar aquela situação. .. As medidas cautelares diversas da prisão devem priorizar o caráter substitutivo, ou seja, como alternativas à prisão cautelar, reservando a prisão preventiva como último instrumento a ser utilizado" (Lopes Jr., Aury. Direito Processual Penal. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 86).
Consoante se extrai dos autos, o paciente possui condições pessoais favoráveis, devendo-se destacar, ainda, que a quantidade de droga apreendida - a saber, 672g (seiscentos e setenta e dois gramas) de maconha - justifica, tão somente, a imposição de medidas cautelares alternativas, revelando-se a prisão, in casu, medida desproporcional.
Assim, entendo ser suficiente a imposição de medidas alternativas à prisão, com base no art. 319 do Código de Processo Penal, a fim de garantir a ordem pública, a instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Nesse sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. POSSIBILIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme em assinalar que a determinação de segregar o réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve efetivar-se apenas se indicada, em dados concretos dos autos, a necessidade da cautela (periculum libertatis), à luz do disposto no art. 312 do CPP.
2. O decreto de prisão preventiva apontou o fato de os recorrentes haverem sido presos "com grande quantidade de cocaína (92 pinos) .. de modo que a prisão cautelar se mostra imprescindível para garantir a ordem pública".
3. As demais considerações externadas pelo Magistrado, atinentes à vedação legal à liberdade provisória e à necessidade da cautela para a aplicação da lei penal, devem ser afastadas, pois é imprescindível a análise dos requisitos do art. 312 do CPP nos casos de tráfico de entorpecentes e não foram indicados, no édito prisional, comportamentos dos réus tendentes a esquivarem-se da responsabilização penal (tentativa de fuga, obstrução de prova etc.).
4. Em que pese a concreta fundamentação da custódia para garantia da ordem pública, na miríade de providências cautelares previstas nos arts. 319, 320 e 321, todos do CPP, a decretação da prisão preventiva será, como densificação do princípio da proibição de excesso, a medida extrema a ser adotada, somente para aquelas situações em que as alternativas legais à prisão não se mostrarem aptas e suficientes a proteger o bem ameaçado pela irrestrita e plena liberdade do indiciado ou acusado.
5. Sob a influência do princípio da proporcionalidade e considerando que os recorrentes são primários, possuem ocupação lícita e residência fixa, foram surpreendidos dentro de veículo (condutor e passageiros) com 68,2 g de cocaína, sem investigações policiais prévias ou maiores sinais de que se dedicavam ao tráfico de drogas de forma profissional ou de que integrassem organização criminosa, é adequada a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, para a mesma proteção da ordem pública (art. 319, I, II e V, do CPP).
6. Recurso ordinário provido para substituir a prisão preventiva dos recorrentes pelas medidas previstas no art. 319, I, II e V, sem prejuízo de outras medidas que o prudente arbítrio do juiz natural da causa indicar cabíveis e adequadas.
(RHC n. 83.174/SP, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/5/2017, DJe 23/6/2017.)
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. POSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar e quando realmente se mostre necessária e adequada às circunstâncias em que cometido o delito e às condições pessoais do agente. Inteligência do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal.
2. Na espécie, a segregação antecipada se mostra desproporcional, revelando-se devida e suficiente a imposição de medidas cautelares alternativas, considerando-se a primariedade da acusada (sem registro de envolvimento em quaisquer delitos anteriores, com residência fixa) e as circunstâncias do crime (trata-se de pequena traficante, que leva droga para o estabelecimento prisional do companheiro, por vinculação afetiva).
3. Ordem concedida a fim de revogar a prisão preventiva da ora paciente, impondo-se-lhe, em substituição, as medidas cautelares alternativas descritas no art. 319, I e II, do Código de Processo Penal (comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo Juiz de origem, para informar seu endereço e justificar suas atividades, e proibição de frequentar unidade prisional para visita ao marido/companheiro, enquanto perdurar o processo criminal), sem prejuízo de outras medidas que o Juízo a quo julgar cabíveis e adequadas ao caso.
(HC n. 356.509/SP, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, relator para acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 28/6/2016, DJe 3/8/2016, grifei.)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ELRES DO TIPO PENAL. PACIENTE PRIMÁRIO, PORTADOR DE BONS ANTECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REVOGAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. MEDIDAS CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO. HC NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
3. No caso, a decisão singular não apontou dados concretos, à luz do art. 312 do Código de Processo Penal, a respaldar a restrição da liberdade do paciente; somente faz referência às elementares do tipo penal e à gravidade abstrata do delito.
4. Condições subjetivas favoráveis, conquanto não sejam garantidoras de eventual direito à soltura, merecem ser devidamente valoradas, quando não for demonstrada a real indispensabilidade da medida constritiva, máxime diante das peculiaridades do caso concreto, em que o acusado foi flagrado na posse de 21,29g de cocaína e crack, sendo adequada e proporcional a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. Precedentes.
5. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para revogar o decreto prisional do paciente, salvo se por outro motivo estiver preso, substituindo a segregação preventiva por medidas cautelares diversas, à critério do juízo processante, sem prejuízo da decretação de nova prisão, desde que concretamente fundamentada.
(HC n. 380.308/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017, grifei.)
Essas considerações analisadas em conjunto levam-me a crer ser desproporcional a imposição da prisão preventiva, revelando-se mais adequada a imposição de medidas cautelares alternativas, em observância à regra de progressividade das restrições pessoais, disposta no art. 282, §§ 4º e 6º, do Código de Processo Penal, ao determinar, expressa e cumulativamente, que apenas em último caso será decretada a custódia preventiva e ainda quando não for cabível sua substituição por outra cautelar menos gravosa.
Na espécie, insta salientar que o Magistrado que conduz o feito em primeiro grau, por estar próximo aos fatos, possui melhores condições de decidir quais medidas são adequadas ao caso em comento.
Ante o exposto, concedo a ordem para substituir a prisão preventiva por outras medidas cautelares constantes do art. 319 do Código de Processo Penal a serem definidas pelo Juízo local.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. POSSIBILIDADE. REGRA DE PROGRESSIVIDADE DAS CAUTELARES DE NATUREZA PROCESSUAL.
A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade de droga apreendida. Ocorre que, não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
3. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelares disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
4. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. | PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. POSSIBILIDADE. REGRA DE PROGRESSIVIDADE DAS CAUTELARES DE NATUREZA PROCESSUAL. | A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis.
2. Na espécie, a prisão preventiva foi decretada em razão da quantidade de droga apreendida. Ocorre que, não obstante a quantidade de droga apreendida não possa ser considerada pequena, também não é, por outro lado, indicativa, por si só, da periculosidade do agente, a ponto de justificar o encarceramento preventivo. Some-se a isso que o paciente ostenta condições pessoais favoráveis.
3. Assim, as particularidades do caso demonstram a suficiência, adequação e proporcionalidade da imposição das medidas menos severas previstas no art. 319, em atenção ao preceito de progressividade das cautelares disposto no art. 282, §§ 4º e 6º, todos do Código de Processo Penal.
4. Ordem concedida para substituir a prisão preventiva por medidas cautelares diversas a serem fixadas pelo Juiz singular. | N |
146,136,275 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, sem remissão às peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstraque os pacientes se dedicavam às atividades criminosas,nem que integravam organização criminosa.Assim, in casu, sendo os pacientes primários e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços).
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Considerando a primariedade dos pacientes e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazem jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de LUCAS GOMES DOS SANTOS e GUILHERME ARAUJO DA SILVA contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que ospacientes foram condenados por infração ao art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, às penas de 05 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 500 dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que negou provimento ao apelo, nos termos do acórdão juntado às fls. 127-132.
No presente writ, o impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que os paciente são primários, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dediquem às atividades criminosas e nem que integrem organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-12).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 136-137).
As informações foram prestadas às fls. 143-158.
O Ministério Público Federal, às fls. 160-169, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA REDUTORA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º11.343/2006. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. ART.33, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO, E CASO CONHECIDA, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, sem remissão às peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstraque os pacientes se dedicavam às atividades criminosas,nem que integravam organização criminosa.Assim, in casu, sendo os pacientes primários e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços).
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Considerando a primariedade dos pacientes e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazem jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que os pacientes são primários, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dediquem às atividades criminosas e nem que integrem organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"Realmente, a meu ver, não era o caso de se aplicar o redutor previsto no § 4º, do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, pois, como bem justificado na r. sentença recorrida, a quantidade de drogas apreendida revela que, apesar de primários, os apelantes não eram iniciantes nessa atividade criminosa, visto que dificilmente se confia considerável quantidade de entorpecente a um traficante de primeira viagem.
Aqui, não há falar-se em ocorrência de bis in idem, como alegado pela Defesa, pois a quantidade de drogas apreendida foi levada em conta apenas na terceira fase da dosimetria, tendo as penas-base sido fixadas no mínimo legal na primeira etapa.
O regime inicial fechado, estabelecido na origem, também deve ser preservado, em que pese o quantum da reprimenda corporal aplicada, tendo em vista a gravidade concreta do delito, evidenciada pela quantidade e variedade de droga apreendida, a denotar que os apelantes se dedicam a atividades criminosas, demonstrando, portanto, maior periculosidade, o que justifica, a meu ver, a imposição do regime prisional mais rigoroso (cf. artigo 33, § 3º, do Código Penal);ainda que não se considere que o crime por eles ora perpetrado seja equiparado aos hediondos."
O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes apreendidos, sem remissão às peculiaridades das circunstânciasdos fatos, não demonstram que os pacientes se dedicavam às atividades criminosas, nem que integravam organização criminosa.
Assim, in casu, sendo os pacientesprimários e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços), reduzindo a pena do crime de tráfico de entorpecentes, para 01 (um) ano e 08 (oito) meses, e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.
Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte Superior:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. NATUREZA DA DROGA. QUANTIDADE ÍNFIMA (1,1 G). APLICAÇÃO DO REDUTOR NO MÍNIMO LEGAL. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO DESFAVORÁVEL. MODO SEMIABERTO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Não há bis in idem nas decisões impugnadas, quando, no cálculo da pena, foram considerados argumentos distintos para majorar a pena-base (o envolvimento de inúmeros adolescentes) e para definir o índice de redução, pela causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (a natureza da droga).
4. É manifestamente desproporcional a redução da pena no mínimo legal (1/6), pela incidência da minorante em questão, com fulcro, apenas, na natureza do entorpecente (cocaína), diante da ínfima quantia da substância apreendida (1,1 g), aliada ao fato de que a paciente é primária e não há prova de que se dedica ao tráfico de entorpecentes ou integre organização criminosa. Aplicação do índice de diminuição em 2/3. Precedente.
5. Fixada a sanção corporal em patamar inferior a quatro anos de reclusão e sendo desfavoráveis as circunstâncias do delito, que justificaram o aumento da pena-base, revela-se correta a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva, nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no grau máximo, redimensionando a pena da paciente para 1 anos e 10 meses de reclusão mais 166 dias-multa" (HC n. 372.496/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 7/12/2016, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. ALTERAÇÃO DE REGIME. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. PREJUDICIALIDADE. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PATAMAR MÁXIMO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (3,0g de cocaína), legítima é a aplicação da causa especial de diminuição (art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes.
4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a pena imposta ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, mais o pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, mantidos, no mais, os termos da condenação" (HC n. 362.968/SP, Sexta turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 22/11/2016, grifei).
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
.. 7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente"(HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
.. 3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY". (HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu, verifica-se que a pena-base foi fixada no mínimo legal, ao passo em que a causa especial de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, nesta oportunidade, foi aplicada no grau máximo.
Nesse compasso, considerando a primariedade dos pacientes e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazemjus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício, para aplicar a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no patamar máximo e estabelecer a sanção para cada paciente em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, bem como fixar o regime prisional aberto, para o início do cumprimento das penas e determinar a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes do artigo 44 do Código Penal, a ser estabelecida pelo Juízo a quo.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido e conceder "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de LUCAS GOMES DOS SANTOS e GUILHERME ARAUJO DA SILVA contra o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
Depreende-se dos autos que ospacientes foram condenados por infração ao art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06, às penas de 05 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e 500 dias-multa.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação à Corte a quo, que negou provimento ao apelo, nos termos do acórdão juntado às fls. 127-132.
No presente writ, o impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que os paciente são primários, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dediquem às atividades criminosas e nem que integrem organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Requer, ao final, a concessão da ordem, para que incida o privilégio descrito no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, bem como a readequação do regime prisional, e a substituição da pena privativa de liberdade, por restritivas de direito (fls. 3-12).
O pedido liminar foi indeferido (fls. 136-137).
As informações foram prestadas às fls. 143-158.
O Ministério Público Federal, às fls. 160-169, manifestou-se nos termos da seguinte ementa:
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA. NÃO APLICAÇÃO DA CAUSA REDUTORA PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º11.343/2006. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. ART.33, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DA IMPETRAÇÃO, E CASO CONHECIDA, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM."
É o relatório.
VOTO
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Destarte, passo ao exame das razões veiculadas no mandamus.
O impetrante sustenta que não houve fundamentação idônea a justificar a não aplicação da redutora capitulada no parágrafo 4º, do art. 33 da Lei n. 11.343/06, vez que os pacientes são primários, de bons antecedentes, bem como não há provas de que se dediquem às atividades criminosas e nem que integrem organizações criminosas.
Igualmente, alega a afronta aos enunciados das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e Súmula n. 440 desta Corte Superior, ao argumento de que o regime inicial de cumprimento de pena foi fixado com base na gravidade abstrata do delito.
Quanto aos punctum saliens, o Tribunal de origem, quando do julgamento do recurso de apelação, assim se pronunciou, in verbis:
"Realmente, a meu ver, não era o caso de se aplicar o redutor previsto no § 4º, do artigo 33 da Lei nº 11.343/06, pois, como bem justificado na r. sentença recorrida, a quantidade de drogas apreendida revela que, apesar de primários, os apelantes não eram iniciantes nessa atividade criminosa, visto que dificilmente se confia considerável quantidade de entorpecente a um traficante de primeira viagem.
Aqui, não há falar-se em ocorrência de bis in idem, como alegado pela Defesa, pois a quantidade de drogas apreendida foi levada em conta apenas na terceira fase da dosimetria, tendo as penas-base sido fixadas no mínimo legal na primeira etapa.
O regime inicial fechado, estabelecido na origem, também deve ser preservado, em que pese o quantum da reprimenda corporal aplicada, tendo em vista a gravidade concreta do delito, evidenciada pela quantidade e variedade de droga apreendida, a denotar que os apelantes se dedicam a atividades criminosas, demonstrando, portanto, maior periculosidade, o que justifica, a meu ver, a imposição do regime prisional mais rigoroso (cf. artigo 33, § 3º, do Código Penal);ainda que não se considere que o crime por eles ora perpetrado seja equiparado aos hediondos."
O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes apreendidos, sem remissão às peculiaridades das circunstânciasdos fatos, não demonstram que os pacientes se dedicavam às atividades criminosas, nem que integravam organização criminosa.
Assim, in casu, sendo os pacientesprimários e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços), reduzindo a pena do crime de tráfico de entorpecentes, para 01 (um) ano e 08 (oito) meses, e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa.
Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte Superior:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE BIS IN IDEM. NATUREZA DA DROGA. QUANTIDADE ÍNFIMA (1,1 G). APLICAÇÃO DO REDUTOR NO MÍNIMO LEGAL. DESPROPORCIONALIDADE. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIA DO DELITO DESFAVORÁVEL. MODO SEMIABERTO. MANIFESTA ILEGALIDADE VERIFICADA. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Não há bis in idem nas decisões impugnadas, quando, no cálculo da pena, foram considerados argumentos distintos para majorar a pena-base (o envolvimento de inúmeros adolescentes) e para definir o índice de redução, pela causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei de Drogas (a natureza da droga).
4. É manifestamente desproporcional a redução da pena no mínimo legal (1/6), pela incidência da minorante em questão, com fulcro, apenas, na natureza do entorpecente (cocaína), diante da ínfima quantia da substância apreendida (1,1 g), aliada ao fato de que a paciente é primária e não há prova de que se dedica ao tráfico de entorpecentes ou integre organização criminosa. Aplicação do índice de diminuição em 2/3. Precedente.
5. Fixada a sanção corporal em patamar inferior a quatro anos de reclusão e sendo desfavoráveis as circunstâncias do delito, que justificaram o aumento da pena-base, revela-se correta a imposição do regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva, nos termos do art. 33, § 2º, "b", e § 3º, c/c o art. 59, ambos do Código Penal.
6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, no grau máximo, redimensionando a pena da paciente para 1 anos e 10 meses de reclusão mais 166 dias-multa" (HC n. 372.496/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 7/12/2016, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. VIA INADEQUADA. ALTERAÇÃO DE REGIME. SUBSTITUIÇÃO DE PENA. CONCESSÃO DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. PREJUDICIALIDADE. DOSIMETRIA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. PATAMAR MÁXIMO. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
.. 3. Fixada a pena-base no mínimo legal e apreendida pequena quantidade de droga (3,0g de cocaína), legítima é a aplicação da causa especial de diminuição (art. 33, §4º da Lei nº 11.343/2006) pelo seu máximo, ou seja, dois terços. Precedentes.
4. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, a fim de reduzir a pena imposta ao paciente para 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão, mais o pagamento de 333 (trezentos e trinta e três) dias-multa, mantidos, no mais, os termos da condenação" (HC n. 362.968/SP, Sexta turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 22/11/2016, grifei).
Em relação ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo.
Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal. Esse também é entendimento perfilhado por esta Corte, in verbis:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS, PORTE ILEGAL DE ARMA E RECEPTAÇÃO. PENAL. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. REDUÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE. MINORANTE PREVISTA NO § 4.º DO ART. 33 DA NOVA LEI DE TÓXICOS. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. DESCABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. SANÇÃO MAIOR QUE QUATRO ANOS. FIXAÇÃO DO REGIME SEMIABERTO. RÉU PRIMÁRIO E SEM MAUS ANTECEDENTES. ADEQUAÇÃO. ORDEM DE HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.
.. 7. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
8. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réu primário e com bons antecedentes, não existe razão para negar o regime inicial semiaberto.
9. Ordem de habeas corpus não conhecida. Ordem de habeas corpus concedida, de ofício, para, mantida a condenação, fixar o regime inicial semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao Paciente"(HC n. 239.999/MS, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 21/8/2014, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. OCORRÊNCIA. IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE REVISÃO CRIMINAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO. QUANTUM DE INCIDÊNCIA. ILEGALIDADE MANIFESTA. AUSÊNCIA. QUANTIDADE DE DROGAS. REGIME FECHADO FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ E NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. REGIME DIVERSO DO FECHADO. POSSIBILIDADE EM TESE. AFERIÇÃO IN CONCRETO DEVE SER REALIZADA PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
.. 3. Esta Corte, na esteira do posicionamento do Supremo Tribunal Federal, entende ser possível nas condenações por tráfico de drogas, em tese, a fixação de regime menos gravoso, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, sempre tendo em conta as particularidades do caso concreto.
4. In casu, a imposição do regime inicial fechado baseou-se, exclusivamente, na hediondez e na gravidade abstrata do delito, em manifesta contrariedade ao hodierno entendimento dos Tribunais Superiores. Ademais, sequer foi analisada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY.
5. Com o trânsito em julgado da condenação, cabe ao Juízo das Execuções avaliar o caso sub judice, uma vez que o Tribunal a quo não procedeu à análise dos elementos concretos constantes dos autos à luz das balizas delineadas pelo arts. 33, §§ 2º e 3º, e 44 e incisos, do Código Penal.
6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, tão somente para que, afastadas a obrigatoriedade do regime inicial fechado no tocante ao crime de tráfico de drogas e a fundamentação referente à gravidade abstrata do delito, o Juízo das Execuções, analisando o caso concreto, avalie a possibilidade de modificação do regime inicial de cumprimento de pena, quanto aos três pacientes, e de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, quanto aos pacientes DEIVID e SIDNEY". (HC n. 271.147/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 26/9/2014, grifei).
Dessa forma, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso, é necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
In casu, verifica-se que a pena-base foi fixada no mínimo legal, ao passo em que a causa especial de diminuição de pena, prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, nesta oportunidade, foi aplicada no grau máximo.
Nesse compasso, considerando a primariedade dos pacientes e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazemjus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
Finalmente, cumpre registrar que o Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício, para aplicar a causa especial de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 no patamar máximo e estabelecer a sanção para cada paciente em 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, e 166 (cento e sessenta e seis) dias-multa, bem como fixar o regime prisional aberto, para o início do cumprimento das penas e determinar a conversão da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, nos moldes do artigo 44 do Código Penal, a ser estabelecida pelo Juízo a quo.
É o voto. | EMENTA
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, sem remissão às peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstraque os pacientes se dedicavam às atividades criminosas,nem que integravam organização criminosa.Assim, in casu, sendo os pacientes primários e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços).
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Considerando a primariedade dos pacientes e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazem jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. REGIME FECHADO. GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.
II - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/06, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
III - Na espécie, não houve fundamentação idônea a lastrear o afastamento da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois apenas a apreensão de suposta grande quantidade de entorpecentes, sem remissão às peculiaridades das circunstâncias dos fatos, não demonstraque os pacientes se dedicavam às atividades criminosas,nem que integravam organização criminosa.Assim, in casu, sendo os pacientes primários e fixada a pena-base no mínimo legal, eis que favoráveis todas as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, forçoso reconhecer a possibilidade de aplicação da causa especial de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06, no seu patamar máximo, 2/3 (dois terços).
IV - O Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
V - Considerando a primariedade dos pacientes e o quantum de pena estabelecido, forçoso concluir que fazem jus ao regime aberto para início de cumprimento das penas, ex vi do art. 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do Estatuto Penal, bem como de acordo com o entendimento constante das Súmulas n. 718 e n. 719 do Supremo Tribunal Federal e da Súmula n. 440 desta Corte Superior.
VI - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão proferida por ocasião do julgamento do HC n. 97.256/RS, ao considerar inconstitucional a vedação legal à substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, contida no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/06 (cuja execução foi suspensa pelo Senado Federal por meio da Resolução n. 5 de 16/2/2012), permitiu a concessão da benesse aos condenados pelo crime de tráfico de drogas, desde que preenchidos os requisitos insertos no art. 44 do Código Penal, como ocorre no presente caso.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. | N |
140,395,973 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
ACÓRDÃO
Após o voto-vista regimental do relator rejeitando a questão de ordem suscitada e dando provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno de ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e OUTRO, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno (fls. 3.729-3.745) interposto por ESPÓLIO DE ESSÊNCIO COLLADO e PILAR COLLADO GARCIA contra decisão (fls. 3.609-3.612 e fls. 3.688-3.691) da lavra do então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Narram os autos que ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS promoveram ação de divisão (CPC/73, art. 967 e seguintes), em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O il. Juízo da 2ª Vara de Chapadão do Sul proferiu sentença, nos seguintes termos:
"Trata-se de ação de divisão prevista no art. 967 e seguintes do CPC, em sua fase executiva, onde os requerentes, após ajuizarem a competente ação divisória da denominada "Fazenda Campo Alegre", ingressaram com a presente execução judicial.
A sentença de primeira fase transitou em julgado (f. 991, verso) e, após o trâmite previsto na lei processual, foi deliberada acerca da partilha do imóvel, nos termos do artigo 979 do CPC, estabelecendo caber a cada condômino a área devidamente descrita e individualizada pelo perito nomeado, conforme mapa e memorial descritivo de f. 1.593/1.594, determinando-se a demarcação dos quinhões e competente memorial descritivo (f.1.737/1.743).
Apresentado o laudo pericial com respectivo memorial descritivo e ouvidas as partes, foi determinada, à f. 2063/2064, a expedição de Auto de Divisão. A determinação foi cumprida em 17 de maio de 2012, consoante certidão de f. 2.221 e Auto de f. 2.222/2.286.
Diante do exposto, HOMOLOGO o auto de divisão de f. 2.222/2.286 e por consequência a divisão executada nos presentes autos, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno os requeridos Selvino Rotili, Caetano Rotili e Celso Izidoro Rotili ao pagamento das custas processuais, eis que tão somente os mesmos se opuseram à execução, bem como a arcarem com honorários a favor do patrono dos autores que, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC, arbitro em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Expeça-se mandado de averbação ou registro (podendo a serventia imobiliária criar até novas matrículas, dando-se baixa nas anteriores, se for o caso) para cumprimento imediato, uma vez que eventual recurso da presente será recebido tão somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520, I do CPC. Instrua-se tal mandado com o Auto de Divisão, laudo pericial e memoriais descritivos.
Esse próprio mandado servirá de folha de pagamento, considerando as peculiaridades do caso, além do que a folha de pagamento é terminologia antiga, sendo relevante apenas o correto registro imobiliário." (fl. 2.767; grifou-se)
Irresignados com tal decisum, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi parcialmente conhecida e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
"APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTES QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referentes ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa."
Em face deste v. acórdão, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, agitaram embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) os quais foram rejeitados, ao passo que os aclaratórios (fls. 3.110-3.111) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ foram acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos do v. acórdão às fls. 3.136-3.157.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o v. acórdão recorrido não está fundamentado nem sanou todos os vícios suscitados nos embargos de declaração. Como dito, o apelo nobre foi provido nesse ponto, ficando prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em razão da assunção deste relator ao cargo de Corregedor-Geral da Justiça Federal (CJF), os autos foram atribuídos ao em. Ministro Lázaro Guimarães, conforme consta à fl. 3.608.
O em. Ministro Lázaro Guimarães acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, nos termos da decisão ora agravada, da qual se decalca o seguinte excerto da fundamentação (fls. 3.611-3.612):
"Evidencia-se, no caso, omissão do acórdão recorrido em apreciar as alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial.
Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionadas."
Em face dessa decisão, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões."
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra."
(destaques no original)
Inconformados, ESSÊNCIO COLLADO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO aviaram o agravo interno (fls. 3.729-3.745) ora em exame.
Com o retorno deste relator às atividades jurisdicionais perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ensejando o fim da convocação do douto Magistrado acima referido, foram os presentes autos conclusos a esta relatoria para análise do apelo.
Nas razões do agravo interno, ESSÊNCIO COLLADO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO "(..) requer o direito de pugnar à Vossa Excelência que reconsidere a decisão prolatada, uma vez que no julgado do Resp. 1.296.917-MS, a matéria posta à exame nestes autos, foi devidamente apreciada e transitara em julgado em 16/11/2016, tendo em vista que a causa de pedir são idênticos e dessa forma pedidos repetitivos devem ser apreciados o que não aconteceu quando da apreciação de fls. 3579 a 3602 os elementos de fato e de direito ali apontados versam sobre a incidência de coisa julgada material por colegiado" (fls. 3.744-3745).
Ao final, requerem a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnação (fls. 3.807-3.813), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
O agravo em apreço não merece prosperar, na medida em que os agravantes não apresentaram argumentos jurídicos aptos a modificar a decisão vergastada.
Conforme relatado, o então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, proferiu a decisão ora agravada, para dar parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anulando o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e os subsequentes, e determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-MS para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito.
Compulsando os autos, infere-se que a decisão agravada deve ser confirmada, uma vez que, data venia, o eg. TJ-MS deixou de analisar teses essenciais para a completa prestação jurisdicional ao caso.
Com efeito, os embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTTILI e OUTROS suscitaram omissões do v. acórdão da apelação, quanto à não realização de audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto das razões dos aclaratórios:
"Todos os interessados, autores e recorrentes foram envolvidos no conflito da divisão judicial sobre uma área de terras na região de Chapadão do Sul/MS, que o próprio e ilustre Relator, fez questão de colocar como premissas de suas decisões dentre elas destacando:
1) A sentença deve ser tornada sem efeito, pois questões incidentais na discussão do plano de divisão proposto foram omitidas de fundamentação, inclusive, ressalta que foram relegadas na fase do conhecimento relegando para a fase de execução, que nem constaram do relatório da referida sentença.
2) Durante o trâmite processual diversas foram as insurgências contra os laudos periciais apresentados, sendo certo que o julgador olvidou-se quanto ao pedido de realização de audiência para a oitiva do perito judicial, situação essa que também autoriza a declaração de insubsistência da sentença apelada.
3) No curso da fase executiva foram ingressadas com ações incidentais, as quais na sua ótica, teriam o condão de suspender o presente cumprimento de sentença, providência essa que, entretanto, não fora observada pelo julgador, cabendo, também por esse motivo, a declaração de insubsistência do respectivo provimento jurisdicional.
4) Os parâmetros e considerações lançadas pelo Sr. Perito Judicial encontram-se equivocados, já que não refletem a realidade, devendo o profissional ser ouvido pessoalmente para os devidos esclarecimentos.
5) Não se mostra correta a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios No valor de R$ 40.000,00, tampouco nas custas processuais.
AS QUESTÕES A SEREM ESCLARECIDAS EM GRAU DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
Em primeira omissão, nulo, s.m.j, está o julgamento efetuado no Tribunal de Justiça, quando foram anexados documentos novos pela parte ex adversa ou apelada e formulada manifestação a respeito, quando deveria ter dado vistas para os demais recorrentes para manifestar, pois a contrario sensu ocorre o cerceamento de defesa.
Não se tratou de mera juntada de petição de desistência, mas de juntada de documentos e acréscimo de sustentações a respeito do conflito, motivo porque o patrono dos demais recorrentes tinha que ter sido intimado para manifestar, obedecendo aos princípios do contencioso e do due processo f Law que são garantias constitucionais capituladas no art. 5º, inc. LIV e LV da CF/88.
A não abertura de prazo pra manifestação dos ora Embargantes fere o art. 398 do Código de Processo Civil "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." Pois conforme dito anteriormente não trata apenas de um pedido de desistência.
Em segunda obscuridade, as nulidades fundamentais de cerceamento de defesa, todas elencadas na segunda fase do processo de divisão, NÃO ESPECIFICADAS NO ACÓRDÃO, é a única oportunidade que a parte interessada e beneficiária da alegação tinha para impugnar e os seus argumentos quando relevantes devem ser objeto de dilação probatória e de abrangente fundamentação, o que, com o perdão da palavra, não houve no caso sub judice.
Por isso, o voto do Revisor afronta a lei e o direito, porque atos judiciais e/ou processuais quando realizados com ofensa a direitos da parte litigante por criar nulidades ABSOLUTAS na segunda fase da lide, viola o art. 166, II e IV, art. 168 e 169 do Código Civil, de modo que simplesmente não existe coisa julgada, como pretendeu o Revisor. NULIDADES NÃO CONVALESCE COM 0 TEMPO E NÃO EXISTE PRECLUSÇAO CONSUMATIVA POR NULIDADES ABSOLUTAS. 0 NULO NÃO PRODUZ EFEITO NO MUNDO JURÍDICO E NEM CONVALESCE COM O TEMPO.
O voto do Revisor feriu de morte o art. 970, 979 e 980 do Código de Processo Civil, em especial o art. 979, que assim dispõe:
Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 963 e 964, as seguintes regras:
I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;
II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;
III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;
IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro.
De modo que todos os incidentes deverão ser argüidos somente quando da apresentação do laudo em juízo com o plano de partilha e, foi o que aconteceu no caso sub judice, a insurgência objetiva e fundamentada que deveriam ser esclarecidas em audiência e não foram, como a sentença de homologação não fundamentou quantum satis, de modo a cumprir o art. 458, II do Código de Processo Civil, podendo dizer que foi citra petita.
Se não bastasse tudo isso, cumpre ainda salientar que a decisão na fase de deliberação da partilha, E DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA.
Há de ser esclarecido a natureza da decisão recorrida e por outro lado, é nula porque não se trata de SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA, considerando que havia contencioso, de modo que a mesma é insubsistente, bem como, eivada de nulidades absolutas, MOTIVO PORQUE, SIMPLESMENTE NÃO EXISTE COISA JULGADA COMO QUIS 0 V. ACÓRDÃO.
Outrossim, não se aplica ao caso em comento o principio da unirrecorribilidade, para negar provimento ao recurso de apelação, pois na realidade a r. sentença de primeiro grau foi atacada através do competente e cabível recurso de apelação, motivo pelo qual deveria ter sido apreciado o mérito do recurso de apelação pelo revisor, eis que não a que se falar em preclusão consumativa ou coisa julgada.
Neste aspecto deve haver esclarecimento porque ocorreu obscuridade e manifesto cerceamento de defesa, inclusive, com referência aos pontos alegados que não fora objeto de fundamentação quantum satis.
Em terceira obscuridade, nulidades absolutas por error in procedendo et in judicando, não transitam em julgado, nem se pode falar em preclusão consumativa, quando a lide está em plena discussão na seara dos recursos. Os argumentos foram alegados na fase própria, está pendente de recurso em grau de apelação, de modo que não há de falar em perda de oportunidade de alegar o direito.
O Ilustre e honrado Relator, como sendo um homem justo e honrado, especificou os casos de nulidades que não foram respondidas pelo voto divergente as afirmativas do relator consistente no seguinte:
1º Nulidade da sentença homologatória por cerceamento de defesa, vez que não foram enfrentadas e sequer relatadas as questões argüidas pela Família Rottili quanto as máculas do laudo pericial, as quais tiveram a análise relegada para a fase da execução.
2º Nulidade da sentença porque, embora durante todo o processo tenha havido discordância sobre o laudo pericial, apontando-se diversas omissões e irregularidades, quando terminado e entregue o laudo de plano de divisão e de cortes geodésicos, o Magistrado deixou de designar audiência para ouvir as partes e os peritos a fim de que fossem justificados os defeitos alegados. Assim, diz que a falta de Audiência nulifica o processo por manifesto cerceamento de defesa.
3º que a sentença não poderia ter sido proferida, por afronta ao art. 265, IV a do Código de Processo Civil, ou seja, a concessão de quinhões só poderia ocorrer, após o julgamento das ações incidentes que versam sobre o mesmo objeto da causa e atribuem nulidade ao laudo pericial.
4º No mérito, sustentam, mais uma vez que o laudo pericial padece de nulidades, que não se homologa plano de divisão contestado e impugnado sem audiência e sem julgar por sentença na forma do art. 458 do CPC. Ademais alega que não se concebe que os apelantes sejam condenados em R$ 20.000,00 a título de honorários advocatícios, bem como apagar despesas de honorários e outros encargos, vez que a sentença objurgada não apreciou os argumentos e interesses dos condenados.
Fecha o relator que a preliminar de nulidade da sentença porque as questões alçadas ainda na fase de conhecimento referentes às benfeitorias e frutos existentes no imóvel, não foram objetivamente analisados nos autos executivos, sendo tal omissão repetida na sentença recorrida, momento para que sejam apreciados os direitos dos condôminos (fls.2288), LOGO SERIA SENTENÇA CITRA PETITA.
Nulidades absolutas alegadas in tempore próprio, não transitam em julgado e que a DECISÃO DE HOMOLOGAÇÃO, não cabe no caso, porque tem natureza apenas INTERLOCUTORIA, enquanto que a decisão só poderia ser julgada por sentença em face do contencioso no plano de divisão.
Neste aspecto devem ser esclarecidos tais argumentos, mostrando objetivamente em que trechos da sentença ou da decisão homologatória teria sido rechaçados as nulidades alegadas, para aplicar o art. 301, §§ 1º ao 3º, do CPC, já que não existe qualquer reprodução sentença ou decisão, anteriormente proferida, porque não FOI OBJETIVADO NO VOTO DO REFERIDO REVISOR."
Por sua vez, o eg. TJ-MS rejeitou tal recurso, nos termos do v. acórdão de fls. 3.136-3.157, sem, data venia, analisar e sanar os vícios apontados, os quais têm relevância para o resultado da lide.
No apelo nobre, ao apontar ofensa ao art. 535 do CPC/73, foram reiterados os alegados vícios, como se infere das razões recursais às fls. 3.193-3.230.
Nesse panorama, tem-se que o apelo merece provimento pela ofensa ao art. 535 do CPC/73, pois está configurada a ofensa a temas essenciais ao deslinde da controvérsia.
Como sabido, caso a eg. Corte Estadual não se manifeste sobre tema necessário ao desate da contenda, fica obstaculizado o acesso à instância extrema, cabendo à parte vencida invocar, como no caso, a infringência do art. 535 do CPC/73, a fim de anular o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo supra o vício existente. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO MANTIDA.
1. Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022 do CPC/2015, devendo o recurso especial ser provido para anular o acórdão, com determinação de retorno dos autos à origem, para que seja suprido o vício.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.113.795/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 1º/03/2018, DJe de 15/03/2018 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TELEFONIA. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MODALIDADE. PCT. OMISSÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Há violação do art. 1.022 do CPC/15 quando, apesar do requerimento da parte, a Corte de origem se recusa a se manifestar sobre as questões federais que lhe foram apresentadas por ocasião dos embargos de declaração, relevantes ao deslinde da controvérsia.
2. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam sanados os vícios verificados."
(AgInt nos EDcl no REsp 1.702.509/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe de 24/08/2018 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (IFPD) E INVALIDEZ LABORATIVA PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (ILPD). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. APOSENTADORIA. ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. PERÍCIA. NECESSIDADE.
(..)
4. O acórdão recorrido não se manifestou sobre questões essenciais para o julgamento da causa, pressuposto indispensável para o exame do recurso especial, motivo pelo qual reconhece-se a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 952.515/SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/6/2017 - grifou-se)
No caso em apreço, foi alegada e demonstrada a ofensa ao art. 535 do CPC/73, de modo que deve ser confirmada a decisão ora agravada.
É importante consignar, ainda, que eventuais efeitos de outros processos relacionados à lide, como alega a parte ora agravante, o REsp 1.296.917/MS e outros mencionados, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Com essas considerações, conclui-se que o agravo interno não merece prosperar.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Retomando o julgamento, após vista regimental, relembro o caso.
Trata-se de execução de sentença proferida em ação de divisão de imóvel rural, com extinção da comunhão sobre a área total do imóvel, julgada procedente (v. fls. 407 a 499).
Na sessão de julgamento realizada em 5/dez/2019, de três agravos internos interpostos contra decisão monocrática da lavra do anterior relator, eminente Ministro Lázaro Guimarães, que dera parcial provimento ao recurso especial dos ora agravados ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO para reconhecer a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo, apresentei votos, como relator sucessor, confirmando a referida decisão monocrática.
O eminente Ministro Marco Buzzi pediu vista e, na sessão de julgamento de 5/mai/2020, suscitou questão de ordem no sentido de anular o julgamento dos agravos internos em exame, porque os votos anteriores desta relatoria, negando provimento aos agravos internos, não teriam examinado a petição de fls. 3.817/3.851, na qual se noticia o julgamento do REsp 1.817.845/MS, originário de ação indenizatória decorrente de ato ilícito e assédio processual na qual a eg. Terceira Turma reconheceu a má-fé processual dos ora agravados.
Adiantou, então, que, em tese, caso superada a questão de ordem, inauguraria divergência para dar provimento aos agravos internos, uma vez que entendia ter o v. acórdão estadual examinado devidamente os temas apontados no recurso especial como omissos e, por tal razão, rejeitava a alegada violação ao art. 535 do CPC/73.
- I -
Em razão da questão de ordem suscitada, solicitei vista regimental, para exame da petição indicada, a qual, de fato, não fora apreciada.
Na referida petição, noticia-se que, nos autos do REsp 1.817.845/MS, de relatoria para acórdão da em. Ministra Nancy Andrighi, relativo a ação indenizatória, os ora agravados foram condenados a indenizar os ora agravantes a título de danos morais e materiais por "assédio processual", por terem proposto diversas ações e incidentes processuais referentes ao mesmo litígio trazido nestes autos.
Em suas considerações iniciais sobre aquela controvérsia, a il. Ministra Nancy Andrighi delimitou o objeto da demanda registrando que uma das matrizes daquela ação indenizatória seria justamente a ação divisória originária da presente execução, que, à época do julgamento do REsp 1.817.845/MS, continuava em tramitação e ainda não havia recebido a sentença homologatória, na segunda fase da demanda. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do voto ali proferido:
"A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos).
A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995.
É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento - e estamos no ano de 2019 - a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação.
Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos.
Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981.
Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994.
Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011.
Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011.
É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros." (fls. 1.588/1.590 daqueles autos)
A em. Ministra Nancy Andrighi assinala, em seu voto, que o abuso processual estaria configurado em razão da propositura, pelos ora agravados, de diversas ações e incidentes processuais, após o trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos agravantes sobre os 1.500 hectares de terra da "Fazenda Campo Alegre". É o que se verifica no seguinte trecho do voto da il. Relatora:
"A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje - ano de 2019 - não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981.
Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Superior Tribunal de Justiça Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário.
A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como - e sobretudo - com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra.
A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes.
Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes - de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes -, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes.
É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.
Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.
Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados." (fls. 1.600/1.601 daqueles autos)
Com estas considerações, entendo que a decisão proferida naquele REsp 1.817.845/MS não atrai a competência para o julgamento deste recurso especial, uma vez que, como bem apontado pela il. Ministra Nancy Andrighi, a ação divisória executada nestes autos não se confunde com a ação indenizatória ali apreciada, pois a presente ação é uma das matrizes daquela demanda, juntamente com a ação de usucapião e outras também intentadas pelos ora agravados. Portanto, aquele julgamento não tem o condão de afetar diretamente o direito reclamado neste recurso especial, nesta outra ação.
Desse modo, não há vício a ensejar a anulação do julgamento dos presentes agravos internos, conjuntamente ora apreciados, motivo pelo qual, com a devida venia, dou por superada a questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Marco Buzzi.
- II -
Por outro lado, avançando no exame do agravo interno no recurso especial e considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Marco Buzzi, tem-se que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois, de fato, não houve ofensa ao art. 535 do CPC/73 no v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça.
Com efeito, o eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos, como se infere da leitura dos seguintes excertos do v. acórdão estadual:
- Referente às conclusões do laudo pericial
"Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4.466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial."
"Trata-se de procedimento recursal de Agravo contra decisão proferida pelo juízo da 2" Vara, da Comarca de Chapadão do Sul, interposto em face da decisão que deliberou a partilha, nos autos da Execução de Título Executivo Judicial, n. 046990002239.
(..)
Passo, então, a deliberar sobre a partilha de parte do imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", transcrito sob o nº 2560 do Cartório de Registro de Imóveis de Paranaíba, que perfaz 13.510,6589 ha mais o excesso encontrado, totalizando 13.885,6768 ha.
Para tanto adoto como principal elemento balisador os amplos e minuciosos laudos periciais anexos aos autos, que seguiu todas as resoluções já traçadas pela sentença executada e, bem assim, todo o suporte fático apresentado no curso destes autos. Por esta razão, a tabela abaixo que conta com a compensação e distribuição - - decorrente da área titulada e excesso encontrado é capaz de demonstrar a área total que cabe a cada condômino, que é devidamente complementada pelo mapa geral do plano de divisão constante à fl. 1.593/1.594 dos autos:
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra- se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário." (fl. 3.105)
- No tocante à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fl. 3.106)
- No pertinente à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide
"Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas." (fl. 3.106)
Na leitura dos excertos ora transcritos, verifica-se que, de fato, o v. acórdão estadual não foi omisso, o que enseja a rejeição da alegada ofensa ao art. 535 do CPC/73.
- III -
Assim, a decisão agravada deve ser reconsiderada, passando-se ao exame dos demais temas trazidos no especial, que tinham sido considerados prejudicados na decisão ora atacada.
Avançando, no apelo especial, alega-se cerceamento de defesa e violação aos arts. 398 do CPC/73 e ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Para os recorrentes, teria havido cerceamento de defesa porque o eg. Tribunal de origem teria considerado diversos documentos juntados pela parte contrária, sem a abertura de prazo para manifestação dos ora recorrentes, o que também violaria o due process of law.
De plano, não se conhece da alegada violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88, pois se trata de matéria constitucional, cujo exame compete ao col. Supremo Tribunal Federal, consoante preconiza o art. 102 da Carta Magna.
No tocante ao art. 398 do CPC/73, é valiosa a transcrição do seguinte excerto do v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração, na origem:
"Alegam os embargantes omissão no tocante à inobservância ao princípio do devido processo legal, por não ter sido oportunizado aos embargantes que se manifestassem acerca da petição de desistência do recurso (f. 2524/2526), ato que deveria ser feito, porque tal petição traz acréscimos de sustentação relevantes, de modo que, tal falta, enseja no cerceamento de defesa e infringe o disposto no art. 398 do CPC.
Como se vê dos autos, às fls. 2524-2526 foi acostada petição pugnando-se pela desistência do recurso em relação a Selvino Rotili e sua esposa Arminda Nicole Rotili, pedido que foi homologado quando do julgamento do acórdão.
(..)
Outrossim, cabe afirmar que a petição de fl. 2533-2536 foi analisada somente quanto ao pedido de desistência e que nada que mais conste lá foi considerado, como bem pode ser observado do acórdão de fl. 2543-2561.
Vê-se que o embargante, embora alegue que foi prejudicado, não apontou nenhum prejuízo concreto decorrente da juntada da referida petição. E sabido que sem prejuízo não há falar em nulidade.
Desse modo, não há falar na aponta omissão." (fls. 3.119/3.121)
Na leitura do excerto ora transcrito, não se verifica ofensa ao referido dispositivo legal. Isso, porque os recorrentes não afirmam qual o prejuízo que supostamente tenham sofrido da análise e acolhida de petição, sobre a qual o eg. Tribunal a quo analisou apenas o pedido de desistência, que pode ser requerido pela parte a qualquer momento, nos termos do art. 501 do CPC/73.
Assim, considerando-se que, pelo princípio da instrumentalidade das formas, inexiste nulidade sem prejuízo, deve ser rejeitada a tese de cerceamento de defesa, bem como a suposta ofensa ao art. 398 do CPC/73.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta eg. Quarta Turma:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte, em face do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
2. "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação na imprensa oficial, enseja a ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para a interposição do recurso cabível" (AgInt no AREsp 1.483.050/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17.9.2019, DJe de 3.10.2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.151.934/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 16/11/2020, DJe de 20/11/2020, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.
1. O Enunciado Administrativo n. 2 do STJ determina que, na hipótese de recursos interpostos contra decisões publicadas na vigência do CPC/73, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência desta Corte. 2. O Tribunal local dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Não havendo qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, inocorrente a ofensa ao artigo 535 do CPC/73.
3. A ausência de impugnação a fundamento do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283/STF, aplicável por analogia.
3.1. Encontrando-se o aresto de origem em sintonia com a jurisprudência consolidada nesta Corte, a Súmula 83 do STJ serve de óbice ao processamento do recurso especial especial, tanto pela alínea "a" como pela alínea "c", a qual viabilizaria o reclamo pelo dissídio jurisprudencial.
4. O STJ tem entendimento no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
4.1. Esta Corte Superior tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), o que não foi demonstrado no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 891.141/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe de 11/11/2019, g.n.)
Por seu turno, ainda sustentando cerceamento de defesa, defendem os recorrentes violação aos arts. 433 e 435 do CPC/73, medida em que o il. Magistrado de piso teria prolatado sentença homologatória, sem a necessária audiência para que as partes pudessem fazer questionamento pessoalmente ao Sr. Perito.
Nesse ponto, o eg. Tribunal de origem, de forma clara, afirmou que o laudo pericial fora analisado, questionado e debatido diversas vezes pelos litigantes, concluindo que a designação de audiência era desnecessária, e que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente. É o que se infere da leitura dos seguintes trechos do acórdão estadual, repita-se:
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fls. 3.149/3.150)
Consoante a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar os esclarecimentos, formulando, desde logo, os pontos a serem esclarecidos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERÍCIA.
ESCLARECIMENTOS. ARTS. 435 E 454 DO CPC/73. REQUERIMENTO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Nos termos do artigo 435 do revogado Código de Processo Civil, é dever da parte que pretender esclarecimentos do perito requerer a sua intimação para comparecer em audiência e formular, desde logo, as perguntas a serem feitas.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.051.959/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 07/11/2017, DJe de 20/11/2017, g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESOBSTRUÇÃO DE LOGRADOURO PÚBLICO. ART. 435 DO CPC. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. NULIDADE DE SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESITOS RESPONDIDOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima "pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo.
2. O art. 435 do CPC estabelece ser dever da parte, quando da apresentação ao juízo de requerimento da intimação para comparecimento do perito em audiência, que formule, desde logo, as perguntas que entender necessárias sob a forma de quesitos.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte, nas hipóteses em que não há mais dúvidas a esclarecer, a ausência do perito em audiência não configura nulidade. Precedente.
4. No caso, tendo sido devidamente respondidos pelo perito os quesitos apresentados pela parte, na mesma oportunidade em que este comunicou ao juízo a impossibilidade de seu comparecimento na data aprazada para realização da audiência de instrução, sua ausência no referido ato judicial não é capaz de por si só nulificá-lo.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.320.105/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 1º/10/2015, DJe de 08/10/2015, g.n.)
Nesse cenário, considerando-se as várias manifestações e esclarecimentos já prestados pelo perito e levando-se em conta que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, a eg. Corte Estadual entendeu correto dispensar a referida audiência, o que efetivamente não acarretou cerceamento de defesa, ao contrário do que dizem os recorrentes no especial.
Melhor sorte não merece o apelo nobre quanto à ofensa aos arts. 166, II e IV, 168 e 169 do Código Civil. Apontando violação a tais normas, os recorrentes afirmam que:
"O acórdão ofende ainda o Art. 166, II e IV, e os art . 168 e 169 do Código Civil, ou seja, sobre as nulidades arguidas não se faz coisa julgada, como também, é impossível de haver coisa julgada ou mesmo prescrição consumativa quando se está diante de nulidades absolutas não geram tais direitos e nem o Magistrado não pode decidir nestes termos sem provocação ou pedido da parte contrária - ne procedat iudex ex officio - nestes casos. Nulidades não se absolutas não convalesce com o tempo e isso não foi fundamentado e homologação é nula de pleno jure, porque havia contencioso." (fl. 3.217, g. n.)
Como sabido, o recurso especial é o instrumento processual adequado para discutir violação ou divergência jurisprudencial quanto a lei federal, conforme preconiza o art. 105, III, a e c, da CF/88. Nesse diapasão, para atender tal mister, é necessário que nas razões recursais sejam apresentados argumentos jurídicos claros e precisos sobre como o eg. Tribunal a quo teria violado ou interpretado de forma divergente determinado dispositivo de lei federal.
No caso, as razões recursais ora transcritas não trazem argumentação jurídica apta a demonstrar como os referidos artigos foram violados ou interpretados de forma equivocada pela eg. Corte Estadual. Nesse cenário, as razões do apelo nobre representam meras alegações genéricas de violação da lei federal, o que configura deficiência na fundamentação recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF, aplicada por analogia. Nesse sentido, confiram-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (..). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ.
(..)
2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
(..)
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 613.606/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 9/5/2017, DJe de 17/5/2017 - g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/1973) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A alegação genérica de ofensa a dispositivo da lei federal, sem a demonstração, de forma clara e precisa, de que modo o acórdão recorrido o teria contrariado, atrai, por analogia, a Súmula 284 do STF.
(..)
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 518.058/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016 - g. n.)
Outrossim, o recurso também não merece acolhida pelo malferimento ao art. 265, IV, do CPC/73. Quanto ao tema, defendem os recorrentes que a "(..) familia Rotilli ingressou com as seguintes ações conexas à famigerada divisão, a saber: - Embargos de Retenção, que tem finalidade de reter a coisa dados os investimentos monstruosos feitos em parte da área discutida, devido posse ancianíssima ou a longissimi temporis. - Ação declaratória negativa de domínio, c.c nulidade absoluta do laudo pericial da divisão, que a sentença ora recorrida veio a homologar, quando não podia. - Ação de usucapião contra o condomínio com base em prescrição aquisitiva. - Existe pendente, ainda, ação de terceiro, cujo interessado é Benevenuto Otoni, sobre nulidades absolutas de certidões e documentos falsos que foram usados na divisão" (fl. 3.220). Asseveram, ainda, que, "(..) em havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis (fl. 3.220).
Sem razão os recorrentes.
A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da paralisação consoante as circunstâncias.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior: "A paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" (AgInt no AREsp 846.717/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017).
2. No presente caso, a revisão do entendimento do acórdão recorrido, e o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de decidir sobre a existência ou não de prejudicialidade externa, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão impugnado, com o revolvimento das provas carradas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.743.319/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe de 26/08/2021, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. QUESTÃO FÁTICA QUE ENSEJOU PAGAMENTO DO SEGURO APRECIADA EM OUTRA DEMANDA DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA ANÁLISE. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 469 E 472 DO CPC/73. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. "Embora recomendável, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a suspensão dos processos individuais envolvendo a mesma questão, a fim de evitar conflitos entre soluções dadas em cada feito, caberá ao prudente arbítrio do juízo local aferir a viabilidade da suspensão processual, à vista das peculiaridades concretas dos casos pendentes e de outros bens jurídicos igualmente perseguidos pelo ordenamento jurídico" (REsp 1.240.808/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe de 14/04/2011).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 374.577/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020, g.n.)
No presente caso, como os próprios recorrentes afirmam, eles ajuizaram diversas ações no decurso de anos visando o mesmo objetivo, qual seja, questionar, por meios processuais, a divisão de terras objeto destes autos. E, uma vez propondo inúmeras ações, sustentam que o julgamento e respectiva homologação seria nulo, porque os processos deveriam ser julgados em conjunto, porque conexos.
A toda evidência, a argumentação possui frágil sustentação jurídica e evidente propósito protelatório, na medida em que acolher tal tese levaria a um círculo vicioso, pois bastaria propor uma ação e, tempos depois, provocar algum incidente processual para se forçar a anulação do julgamento da primeira ação, justamente porque não se julgaram as duas ações em conjunto. Nesse contexto, não se infere no caso ofensa ao referido art. 265 do CPC/73.
O recurso também não merece guarida pela alínea c do permissivo constitucional, em razão da ausência de similitude fático-jurídica entre o acórdão estadual e os três paradigmas apresentados, não sendo atendidas as regras do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015, combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ.
Nessa linha de intelecção, destacam-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
(..)
2. No caso, a recorrente não logrou demonstrar a divergência jurisprudencial nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Isto porque a interposição de recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional reclama o cotejo analítico dos julgados confrontados a fim de restarem demonstradas a similitude fática e a adoção de teses divergentes, máxime quando não configurada a notoriedade do dissídio.
3. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.832.858/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe de 07/05/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. MATÉRIA DE FATO DELINEADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
(..)
3. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 708.394/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 20/04/2020, DJe de 24/04/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 833, VIII, DO CPC/2015 E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
(..)
2. O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, à míngua do indispensável cotejo analítico.
3. Ademais, há ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma capaz de evidenciar o dissídio jurisprudencial.
4. Agravo interno não provido."
(AgInt nos EDcl no AREsp 1.357.083/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. em 29/4/2019, DJe de 2/5/2019 - g. n.)
Com estas considerações, conclui-se que o recurso especial não merece prosperar.
Ante o exposto:
a) rejeita-se a questão de ordem suscitada;
b) dá-se provimento aos três agravos internos para reconsiderar a decisão agravada; e
c) em novo exame, conhece-se em parte do recurso especial e, na extensão, nega-se-lhe provimento.
É como voto. | ACÓRDÃO
Após o voto-vista regimental do relator rejeitando a questão de ordem suscitada e dando provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno de ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e OUTRO, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno (fls. 3.729-3.745) interposto por ESPÓLIO DE ESSÊNCIO COLLADO e PILAR COLLADO GARCIA contra decisão (fls. 3.609-3.612 e fls. 3.688-3.691) da lavra do então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Narram os autos que ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS promoveram ação de divisão (CPC/73, art. 967 e seguintes), em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O il. Juízo da 2ª Vara de Chapadão do Sul proferiu sentença, nos seguintes termos:
"Trata-se de ação de divisão prevista no art. 967 e seguintes do CPC, em sua fase executiva, onde os requerentes, após ajuizarem a competente ação divisória da denominada "Fazenda Campo Alegre", ingressaram com a presente execução judicial.
A sentença de primeira fase transitou em julgado (f. 991, verso) e, após o trâmite previsto na lei processual, foi deliberada acerca da partilha do imóvel, nos termos do artigo 979 do CPC, estabelecendo caber a cada condômino a área devidamente descrita e individualizada pelo perito nomeado, conforme mapa e memorial descritivo de f. 1.593/1.594, determinando-se a demarcação dos quinhões e competente memorial descritivo (f.1.737/1.743).
Apresentado o laudo pericial com respectivo memorial descritivo e ouvidas as partes, foi determinada, à f. 2063/2064, a expedição de Auto de Divisão. A determinação foi cumprida em 17 de maio de 2012, consoante certidão de f. 2.221 e Auto de f. 2.222/2.286.
Diante do exposto, HOMOLOGO o auto de divisão de f. 2.222/2.286 e por consequência a divisão executada nos presentes autos, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno os requeridos Selvino Rotili, Caetano Rotili e Celso Izidoro Rotili ao pagamento das custas processuais, eis que tão somente os mesmos se opuseram à execução, bem como a arcarem com honorários a favor do patrono dos autores que, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC, arbitro em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Expeça-se mandado de averbação ou registro (podendo a serventia imobiliária criar até novas matrículas, dando-se baixa nas anteriores, se for o caso) para cumprimento imediato, uma vez que eventual recurso da presente será recebido tão somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520, I do CPC. Instrua-se tal mandado com o Auto de Divisão, laudo pericial e memoriais descritivos.
Esse próprio mandado servirá de folha de pagamento, considerando as peculiaridades do caso, além do que a folha de pagamento é terminologia antiga, sendo relevante apenas o correto registro imobiliário." (fl. 2.767; grifou-se)
Irresignados com tal decisum, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi parcialmente conhecida e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
"APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTES QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referentes ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa."
Em face deste v. acórdão, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, agitaram embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) os quais foram rejeitados, ao passo que os aclaratórios (fls. 3.110-3.111) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ foram acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos do v. acórdão às fls. 3.136-3.157.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o v. acórdão recorrido não está fundamentado nem sanou todos os vícios suscitados nos embargos de declaração. Como dito, o apelo nobre foi provido nesse ponto, ficando prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em razão da assunção deste relator ao cargo de Corregedor-Geral da Justiça Federal (CJF), os autos foram atribuídos ao em. Ministro Lázaro Guimarães, conforme consta à fl. 3.608.
O em. Ministro Lázaro Guimarães acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, nos termos da decisão ora agravada, da qual se decalca o seguinte excerto da fundamentação (fls. 3.611-3.612):
"Evidencia-se, no caso, omissão do acórdão recorrido em apreciar as alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial.
Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionadas."
Em face dessa decisão, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões."
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra."
(destaques no original)
Inconformados, ESSÊNCIO COLLADO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO aviaram o agravo interno (fls. 3.729-3.745) ora em exame.
Com o retorno deste relator às atividades jurisdicionais perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ensejando o fim da convocação do douto Magistrado acima referido, foram os presentes autos conclusos a esta relatoria para análise do apelo.
Nas razões do agravo interno, ESSÊNCIO COLLADO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO "(..) requer o direito de pugnar à Vossa Excelência que reconsidere a decisão prolatada, uma vez que no julgado do Resp. 1.296.917-MS, a matéria posta à exame nestes autos, foi devidamente apreciada e transitara em julgado em 16/11/2016, tendo em vista que a causa de pedir são idênticos e dessa forma pedidos repetitivos devem ser apreciados o que não aconteceu quando da apreciação de fls. 3579 a 3602 os elementos de fato e de direito ali apontados versam sobre a incidência de coisa julgada material por colegiado" (fls. 3.744-3745).
Ao final, requerem a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnação (fls. 3.807-3.813), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
O agravo em apreço não merece prosperar, na medida em que os agravantes não apresentaram argumentos jurídicos aptos a modificar a decisão vergastada.
Conforme relatado, o então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, proferiu a decisão ora agravada, para dar parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anulando o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e os subsequentes, e determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-MS para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito.
Compulsando os autos, infere-se que a decisão agravada deve ser confirmada, uma vez que, data venia, o eg. TJ-MS deixou de analisar teses essenciais para a completa prestação jurisdicional ao caso.
Com efeito, os embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTTILI e OUTROS suscitaram omissões do v. acórdão da apelação, quanto à não realização de audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto das razões dos aclaratórios:
"Todos os interessados, autores e recorrentes foram envolvidos no conflito da divisão judicial sobre uma área de terras na região de Chapadão do Sul/MS, que o próprio e ilustre Relator, fez questão de colocar como premissas de suas decisões dentre elas destacando:
1) A sentença deve ser tornada sem efeito, pois questões incidentais na discussão do plano de divisão proposto foram omitidas de fundamentação, inclusive, ressalta que foram relegadas na fase do conhecimento relegando para a fase de execução, que nem constaram do relatório da referida sentença.
2) Durante o trâmite processual diversas foram as insurgências contra os laudos periciais apresentados, sendo certo que o julgador olvidou-se quanto ao pedido de realização de audiência para a oitiva do perito judicial, situação essa que também autoriza a declaração de insubsistência da sentença apelada.
3) No curso da fase executiva foram ingressadas com ações incidentais, as quais na sua ótica, teriam o condão de suspender o presente cumprimento de sentença, providência essa que, entretanto, não fora observada pelo julgador, cabendo, também por esse motivo, a declaração de insubsistência do respectivo provimento jurisdicional.
4) Os parâmetros e considerações lançadas pelo Sr. Perito Judicial encontram-se equivocados, já que não refletem a realidade, devendo o profissional ser ouvido pessoalmente para os devidos esclarecimentos.
5) Não se mostra correta a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios No valor de R$ 40.000,00, tampouco nas custas processuais.
AS QUESTÕES A SEREM ESCLARECIDAS EM GRAU DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
Em primeira omissão, nulo, s.m.j, está o julgamento efetuado no Tribunal de Justiça, quando foram anexados documentos novos pela parte ex adversa ou apelada e formulada manifestação a respeito, quando deveria ter dado vistas para os demais recorrentes para manifestar, pois a contrario sensu ocorre o cerceamento de defesa.
Não se tratou de mera juntada de petição de desistência, mas de juntada de documentos e acréscimo de sustentações a respeito do conflito, motivo porque o patrono dos demais recorrentes tinha que ter sido intimado para manifestar, obedecendo aos princípios do contencioso e do due processo f Law que são garantias constitucionais capituladas no art. 5º, inc. LIV e LV da CF/88.
A não abertura de prazo pra manifestação dos ora Embargantes fere o art. 398 do Código de Processo Civil "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." Pois conforme dito anteriormente não trata apenas de um pedido de desistência.
Em segunda obscuridade, as nulidades fundamentais de cerceamento de defesa, todas elencadas na segunda fase do processo de divisão, NÃO ESPECIFICADAS NO ACÓRDÃO, é a única oportunidade que a parte interessada e beneficiária da alegação tinha para impugnar e os seus argumentos quando relevantes devem ser objeto de dilação probatória e de abrangente fundamentação, o que, com o perdão da palavra, não houve no caso sub judice.
Por isso, o voto do Revisor afronta a lei e o direito, porque atos judiciais e/ou processuais quando realizados com ofensa a direitos da parte litigante por criar nulidades ABSOLUTAS na segunda fase da lide, viola o art. 166, II e IV, art. 168 e 169 do Código Civil, de modo que simplesmente não existe coisa julgada, como pretendeu o Revisor. NULIDADES NÃO CONVALESCE COM 0 TEMPO E NÃO EXISTE PRECLUSÇAO CONSUMATIVA POR NULIDADES ABSOLUTAS. 0 NULO NÃO PRODUZ EFEITO NO MUNDO JURÍDICO E NEM CONVALESCE COM O TEMPO.
O voto do Revisor feriu de morte o art. 970, 979 e 980 do Código de Processo Civil, em especial o art. 979, que assim dispõe:
Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 963 e 964, as seguintes regras:
I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;
II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;
III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;
IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro.
De modo que todos os incidentes deverão ser argüidos somente quando da apresentação do laudo em juízo com o plano de partilha e, foi o que aconteceu no caso sub judice, a insurgência objetiva e fundamentada que deveriam ser esclarecidas em audiência e não foram, como a sentença de homologação não fundamentou quantum satis, de modo a cumprir o art. 458, II do Código de Processo Civil, podendo dizer que foi citra petita.
Se não bastasse tudo isso, cumpre ainda salientar que a decisão na fase de deliberação da partilha, E DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA.
Há de ser esclarecido a natureza da decisão recorrida e por outro lado, é nula porque não se trata de SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA, considerando que havia contencioso, de modo que a mesma é insubsistente, bem como, eivada de nulidades absolutas, MOTIVO PORQUE, SIMPLESMENTE NÃO EXISTE COISA JULGADA COMO QUIS 0 V. ACÓRDÃO.
Outrossim, não se aplica ao caso em comento o principio da unirrecorribilidade, para negar provimento ao recurso de apelação, pois na realidade a r. sentença de primeiro grau foi atacada através do competente e cabível recurso de apelação, motivo pelo qual deveria ter sido apreciado o mérito do recurso de apelação pelo revisor, eis que não a que se falar em preclusão consumativa ou coisa julgada.
Neste aspecto deve haver esclarecimento porque ocorreu obscuridade e manifesto cerceamento de defesa, inclusive, com referência aos pontos alegados que não fora objeto de fundamentação quantum satis.
Em terceira obscuridade, nulidades absolutas por error in procedendo et in judicando, não transitam em julgado, nem se pode falar em preclusão consumativa, quando a lide está em plena discussão na seara dos recursos. Os argumentos foram alegados na fase própria, está pendente de recurso em grau de apelação, de modo que não há de falar em perda de oportunidade de alegar o direito.
O Ilustre e honrado Relator, como sendo um homem justo e honrado, especificou os casos de nulidades que não foram respondidas pelo voto divergente as afirmativas do relator consistente no seguinte:
1º Nulidade da sentença homologatória por cerceamento de defesa, vez que não foram enfrentadas e sequer relatadas as questões argüidas pela Família Rottili quanto as máculas do laudo pericial, as quais tiveram a análise relegada para a fase da execução.
2º Nulidade da sentença porque, embora durante todo o processo tenha havido discordância sobre o laudo pericial, apontando-se diversas omissões e irregularidades, quando terminado e entregue o laudo de plano de divisão e de cortes geodésicos, o Magistrado deixou de designar audiência para ouvir as partes e os peritos a fim de que fossem justificados os defeitos alegados. Assim, diz que a falta de Audiência nulifica o processo por manifesto cerceamento de defesa.
3º que a sentença não poderia ter sido proferida, por afronta ao art. 265, IV a do Código de Processo Civil, ou seja, a concessão de quinhões só poderia ocorrer, após o julgamento das ações incidentes que versam sobre o mesmo objeto da causa e atribuem nulidade ao laudo pericial.
4º No mérito, sustentam, mais uma vez que o laudo pericial padece de nulidades, que não se homologa plano de divisão contestado e impugnado sem audiência e sem julgar por sentença na forma do art. 458 do CPC. Ademais alega que não se concebe que os apelantes sejam condenados em R$ 20.000,00 a título de honorários advocatícios, bem como apagar despesas de honorários e outros encargos, vez que a sentença objurgada não apreciou os argumentos e interesses dos condenados.
Fecha o relator que a preliminar de nulidade da sentença porque as questões alçadas ainda na fase de conhecimento referentes às benfeitorias e frutos existentes no imóvel, não foram objetivamente analisados nos autos executivos, sendo tal omissão repetida na sentença recorrida, momento para que sejam apreciados os direitos dos condôminos (fls.2288), LOGO SERIA SENTENÇA CITRA PETITA.
Nulidades absolutas alegadas in tempore próprio, não transitam em julgado e que a DECISÃO DE HOMOLOGAÇÃO, não cabe no caso, porque tem natureza apenas INTERLOCUTORIA, enquanto que a decisão só poderia ser julgada por sentença em face do contencioso no plano de divisão.
Neste aspecto devem ser esclarecidos tais argumentos, mostrando objetivamente em que trechos da sentença ou da decisão homologatória teria sido rechaçados as nulidades alegadas, para aplicar o art. 301, §§ 1º ao 3º, do CPC, já que não existe qualquer reprodução sentença ou decisão, anteriormente proferida, porque não FOI OBJETIVADO NO VOTO DO REFERIDO REVISOR."
Por sua vez, o eg. TJ-MS rejeitou tal recurso, nos termos do v. acórdão de fls. 3.136-3.157, sem, data venia, analisar e sanar os vícios apontados, os quais têm relevância para o resultado da lide.
No apelo nobre, ao apontar ofensa ao art. 535 do CPC/73, foram reiterados os alegados vícios, como se infere das razões recursais às fls. 3.193-3.230.
Nesse panorama, tem-se que o apelo merece provimento pela ofensa ao art. 535 do CPC/73, pois está configurada a ofensa a temas essenciais ao deslinde da controvérsia.
Como sabido, caso a eg. Corte Estadual não se manifeste sobre tema necessário ao desate da contenda, fica obstaculizado o acesso à instância extrema, cabendo à parte vencida invocar, como no caso, a infringência do art. 535 do CPC/73, a fim de anular o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo supra o vício existente. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO MANTIDA.
1. Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022 do CPC/2015, devendo o recurso especial ser provido para anular o acórdão, com determinação de retorno dos autos à origem, para que seja suprido o vício.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.113.795/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 1º/03/2018, DJe de 15/03/2018 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TELEFONIA. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MODALIDADE. PCT. OMISSÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Há violação do art. 1.022 do CPC/15 quando, apesar do requerimento da parte, a Corte de origem se recusa a se manifestar sobre as questões federais que lhe foram apresentadas por ocasião dos embargos de declaração, relevantes ao deslinde da controvérsia.
2. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam sanados os vícios verificados."
(AgInt nos EDcl no REsp 1.702.509/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe de 24/08/2018 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (IFPD) E INVALIDEZ LABORATIVA PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (ILPD). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. APOSENTADORIA. ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. PERÍCIA. NECESSIDADE.
(..)
4. O acórdão recorrido não se manifestou sobre questões essenciais para o julgamento da causa, pressuposto indispensável para o exame do recurso especial, motivo pelo qual reconhece-se a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 952.515/SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/6/2017 - grifou-se)
No caso em apreço, foi alegada e demonstrada a ofensa ao art. 535 do CPC/73, de modo que deve ser confirmada a decisão ora agravada.
É importante consignar, ainda, que eventuais efeitos de outros processos relacionados à lide, como alega a parte ora agravante, o REsp 1.296.917/MS e outros mencionados, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Com essas considerações, conclui-se que o agravo interno não merece prosperar.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Retomando o julgamento, após vista regimental, relembro o caso.
Trata-se de execução de sentença proferida em ação de divisão de imóvel rural, com extinção da comunhão sobre a área total do imóvel, julgada procedente (v. fls. 407 a 499).
Na sessão de julgamento realizada em 5/dez/2019, de três agravos internos interpostos contra decisão monocrática da lavra do anterior relator, eminente Ministro Lázaro Guimarães, que dera parcial provimento ao recurso especial dos ora agravados ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO para reconhecer a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo, apresentei votos, como relator sucessor, confirmando a referida decisão monocrática.
O eminente Ministro Marco Buzzi pediu vista e, na sessão de julgamento de 5/mai/2020, suscitou questão de ordem no sentido de anular o julgamento dos agravos internos em exame, porque os votos anteriores desta relatoria, negando provimento aos agravos internos, não teriam examinado a petição de fls. 3.817/3.851, na qual se noticia o julgamento do REsp 1.817.845/MS, originário de ação indenizatória decorrente de ato ilícito e assédio processual na qual a eg. Terceira Turma reconheceu a má-fé processual dos ora agravados.
Adiantou, então, que, em tese, caso superada a questão de ordem, inauguraria divergência para dar provimento aos agravos internos, uma vez que entendia ter o v. acórdão estadual examinado devidamente os temas apontados no recurso especial como omissos e, por tal razão, rejeitava a alegada violação ao art. 535 do CPC/73.
- I -
Em razão da questão de ordem suscitada, solicitei vista regimental, para exame da petição indicada, a qual, de fato, não fora apreciada.
Na referida petição, noticia-se que, nos autos do REsp 1.817.845/MS, de relatoria para acórdão da em. Ministra Nancy Andrighi, relativo a ação indenizatória, os ora agravados foram condenados a indenizar os ora agravantes a título de danos morais e materiais por "assédio processual", por terem proposto diversas ações e incidentes processuais referentes ao mesmo litígio trazido nestes autos.
Em suas considerações iniciais sobre aquela controvérsia, a il. Ministra Nancy Andrighi delimitou o objeto da demanda registrando que uma das matrizes daquela ação indenizatória seria justamente a ação divisória originária da presente execução, que, à época do julgamento do REsp 1.817.845/MS, continuava em tramitação e ainda não havia recebido a sentença homologatória, na segunda fase da demanda. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do voto ali proferido:
"A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos).
A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995.
É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento - e estamos no ano de 2019 - a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação.
Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos.
Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981.
Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994.
Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011.
Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011.
É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros." (fls. 1.588/1.590 daqueles autos)
A em. Ministra Nancy Andrighi assinala, em seu voto, que o abuso processual estaria configurado em razão da propositura, pelos ora agravados, de diversas ações e incidentes processuais, após o trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos agravantes sobre os 1.500 hectares de terra da "Fazenda Campo Alegre". É o que se verifica no seguinte trecho do voto da il. Relatora:
"A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje - ano de 2019 - não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981.
Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Superior Tribunal de Justiça Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário.
A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como - e sobretudo - com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra.
A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes.
Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes - de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes -, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes.
É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.
Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.
Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados." (fls. 1.600/1.601 daqueles autos)
Com estas considerações, entendo que a decisão proferida naquele REsp 1.817.845/MS não atrai a competência para o julgamento deste recurso especial, uma vez que, como bem apontado pela il. Ministra Nancy Andrighi, a ação divisória executada nestes autos não se confunde com a ação indenizatória ali apreciada, pois a presente ação é uma das matrizes daquela demanda, juntamente com a ação de usucapião e outras também intentadas pelos ora agravados. Portanto, aquele julgamento não tem o condão de afetar diretamente o direito reclamado neste recurso especial, nesta outra ação.
Desse modo, não há vício a ensejar a anulação do julgamento dos presentes agravos internos, conjuntamente ora apreciados, motivo pelo qual, com a devida venia, dou por superada a questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Marco Buzzi.
- II -
Por outro lado, avançando no exame do agravo interno no recurso especial e considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Marco Buzzi, tem-se que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois, de fato, não houve ofensa ao art. 535 do CPC/73 no v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça.
Com efeito, o eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos, como se infere da leitura dos seguintes excertos do v. acórdão estadual:
- Referente às conclusões do laudo pericial
"Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4.466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial."
"Trata-se de procedimento recursal de Agravo contra decisão proferida pelo juízo da 2" Vara, da Comarca de Chapadão do Sul, interposto em face da decisão que deliberou a partilha, nos autos da Execução de Título Executivo Judicial, n. 046990002239.
(..)
Passo, então, a deliberar sobre a partilha de parte do imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", transcrito sob o nº 2560 do Cartório de Registro de Imóveis de Paranaíba, que perfaz 13.510,6589 ha mais o excesso encontrado, totalizando 13.885,6768 ha.
Para tanto adoto como principal elemento balisador os amplos e minuciosos laudos periciais anexos aos autos, que seguiu todas as resoluções já traçadas pela sentença executada e, bem assim, todo o suporte fático apresentado no curso destes autos. Por esta razão, a tabela abaixo que conta com a compensação e distribuição - - decorrente da área titulada e excesso encontrado é capaz de demonstrar a área total que cabe a cada condômino, que é devidamente complementada pelo mapa geral do plano de divisão constante à fl. 1.593/1.594 dos autos:
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra- se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário." (fl. 3.105)
- No tocante à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fl. 3.106)
- No pertinente à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide
"Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas." (fl. 3.106)
Na leitura dos excertos ora transcritos, verifica-se que, de fato, o v. acórdão estadual não foi omisso, o que enseja a rejeição da alegada ofensa ao art. 535 do CPC/73.
- III -
Assim, a decisão agravada deve ser reconsiderada, passando-se ao exame dos demais temas trazidos no especial, que tinham sido considerados prejudicados na decisão ora atacada.
Avançando, no apelo especial, alega-se cerceamento de defesa e violação aos arts. 398 do CPC/73 e ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Para os recorrentes, teria havido cerceamento de defesa porque o eg. Tribunal de origem teria considerado diversos documentos juntados pela parte contrária, sem a abertura de prazo para manifestação dos ora recorrentes, o que também violaria o due process of law.
De plano, não se conhece da alegada violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88, pois se trata de matéria constitucional, cujo exame compete ao col. Supremo Tribunal Federal, consoante preconiza o art. 102 da Carta Magna.
No tocante ao art. 398 do CPC/73, é valiosa a transcrição do seguinte excerto do v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração, na origem:
"Alegam os embargantes omissão no tocante à inobservância ao princípio do devido processo legal, por não ter sido oportunizado aos embargantes que se manifestassem acerca da petição de desistência do recurso (f. 2524/2526), ato que deveria ser feito, porque tal petição traz acréscimos de sustentação relevantes, de modo que, tal falta, enseja no cerceamento de defesa e infringe o disposto no art. 398 do CPC.
Como se vê dos autos, às fls. 2524-2526 foi acostada petição pugnando-se pela desistência do recurso em relação a Selvino Rotili e sua esposa Arminda Nicole Rotili, pedido que foi homologado quando do julgamento do acórdão.
(..)
Outrossim, cabe afirmar que a petição de fl. 2533-2536 foi analisada somente quanto ao pedido de desistência e que nada que mais conste lá foi considerado, como bem pode ser observado do acórdão de fl. 2543-2561.
Vê-se que o embargante, embora alegue que foi prejudicado, não apontou nenhum prejuízo concreto decorrente da juntada da referida petição. E sabido que sem prejuízo não há falar em nulidade.
Desse modo, não há falar na aponta omissão." (fls. 3.119/3.121)
Na leitura do excerto ora transcrito, não se verifica ofensa ao referido dispositivo legal. Isso, porque os recorrentes não afirmam qual o prejuízo que supostamente tenham sofrido da análise e acolhida de petição, sobre a qual o eg. Tribunal a quo analisou apenas o pedido de desistência, que pode ser requerido pela parte a qualquer momento, nos termos do art. 501 do CPC/73.
Assim, considerando-se que, pelo princípio da instrumentalidade das formas, inexiste nulidade sem prejuízo, deve ser rejeitada a tese de cerceamento de defesa, bem como a suposta ofensa ao art. 398 do CPC/73.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta eg. Quarta Turma:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte, em face do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
2. "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação na imprensa oficial, enseja a ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para a interposição do recurso cabível" (AgInt no AREsp 1.483.050/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17.9.2019, DJe de 3.10.2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.151.934/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 16/11/2020, DJe de 20/11/2020, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.
1. O Enunciado Administrativo n. 2 do STJ determina que, na hipótese de recursos interpostos contra decisões publicadas na vigência do CPC/73, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência desta Corte. 2. O Tribunal local dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Não havendo qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, inocorrente a ofensa ao artigo 535 do CPC/73.
3. A ausência de impugnação a fundamento do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283/STF, aplicável por analogia.
3.1. Encontrando-se o aresto de origem em sintonia com a jurisprudência consolidada nesta Corte, a Súmula 83 do STJ serve de óbice ao processamento do recurso especial especial, tanto pela alínea "a" como pela alínea "c", a qual viabilizaria o reclamo pelo dissídio jurisprudencial.
4. O STJ tem entendimento no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
4.1. Esta Corte Superior tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), o que não foi demonstrado no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 891.141/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe de 11/11/2019, g.n.)
Por seu turno, ainda sustentando cerceamento de defesa, defendem os recorrentes violação aos arts. 433 e 435 do CPC/73, medida em que o il. Magistrado de piso teria prolatado sentença homologatória, sem a necessária audiência para que as partes pudessem fazer questionamento pessoalmente ao Sr. Perito.
Nesse ponto, o eg. Tribunal de origem, de forma clara, afirmou que o laudo pericial fora analisado, questionado e debatido diversas vezes pelos litigantes, concluindo que a designação de audiência era desnecessária, e que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente. É o que se infere da leitura dos seguintes trechos do acórdão estadual, repita-se:
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fls. 3.149/3.150)
Consoante a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar os esclarecimentos, formulando, desde logo, os pontos a serem esclarecidos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERÍCIA.
ESCLARECIMENTOS. ARTS. 435 E 454 DO CPC/73. REQUERIMENTO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Nos termos do artigo 435 do revogado Código de Processo Civil, é dever da parte que pretender esclarecimentos do perito requerer a sua intimação para comparecer em audiência e formular, desde logo, as perguntas a serem feitas.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.051.959/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 07/11/2017, DJe de 20/11/2017, g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESOBSTRUÇÃO DE LOGRADOURO PÚBLICO. ART. 435 DO CPC. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. NULIDADE DE SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESITOS RESPONDIDOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima "pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo.
2. O art. 435 do CPC estabelece ser dever da parte, quando da apresentação ao juízo de requerimento da intimação para comparecimento do perito em audiência, que formule, desde logo, as perguntas que entender necessárias sob a forma de quesitos.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte, nas hipóteses em que não há mais dúvidas a esclarecer, a ausência do perito em audiência não configura nulidade. Precedente.
4. No caso, tendo sido devidamente respondidos pelo perito os quesitos apresentados pela parte, na mesma oportunidade em que este comunicou ao juízo a impossibilidade de seu comparecimento na data aprazada para realização da audiência de instrução, sua ausência no referido ato judicial não é capaz de por si só nulificá-lo.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.320.105/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 1º/10/2015, DJe de 08/10/2015, g.n.)
Nesse cenário, considerando-se as várias manifestações e esclarecimentos já prestados pelo perito e levando-se em conta que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, a eg. Corte Estadual entendeu correto dispensar a referida audiência, o que efetivamente não acarretou cerceamento de defesa, ao contrário do que dizem os recorrentes no especial.
Melhor sorte não merece o apelo nobre quanto à ofensa aos arts. 166, II e IV, 168 e 169 do Código Civil. Apontando violação a tais normas, os recorrentes afirmam que:
"O acórdão ofende ainda o Art. 166, II e IV, e os art . 168 e 169 do Código Civil, ou seja, sobre as nulidades arguidas não se faz coisa julgada, como também, é impossível de haver coisa julgada ou mesmo prescrição consumativa quando se está diante de nulidades absolutas não geram tais direitos e nem o Magistrado não pode decidir nestes termos sem provocação ou pedido da parte contrária - ne procedat iudex ex officio - nestes casos. Nulidades não se absolutas não convalesce com o tempo e isso não foi fundamentado e homologação é nula de pleno jure, porque havia contencioso." (fl. 3.217, g. n.)
Como sabido, o recurso especial é o instrumento processual adequado para discutir violação ou divergência jurisprudencial quanto a lei federal, conforme preconiza o art. 105, III, a e c, da CF/88. Nesse diapasão, para atender tal mister, é necessário que nas razões recursais sejam apresentados argumentos jurídicos claros e precisos sobre como o eg. Tribunal a quo teria violado ou interpretado de forma divergente determinado dispositivo de lei federal.
No caso, as razões recursais ora transcritas não trazem argumentação jurídica apta a demonstrar como os referidos artigos foram violados ou interpretados de forma equivocada pela eg. Corte Estadual. Nesse cenário, as razões do apelo nobre representam meras alegações genéricas de violação da lei federal, o que configura deficiência na fundamentação recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF, aplicada por analogia. Nesse sentido, confiram-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (..). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ.
(..)
2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
(..)
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 613.606/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 9/5/2017, DJe de 17/5/2017 - g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/1973) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A alegação genérica de ofensa a dispositivo da lei federal, sem a demonstração, de forma clara e precisa, de que modo o acórdão recorrido o teria contrariado, atrai, por analogia, a Súmula 284 do STF.
(..)
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 518.058/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016 - g. n.)
Outrossim, o recurso também não merece acolhida pelo malferimento ao art. 265, IV, do CPC/73. Quanto ao tema, defendem os recorrentes que a "(..) familia Rotilli ingressou com as seguintes ações conexas à famigerada divisão, a saber: - Embargos de Retenção, que tem finalidade de reter a coisa dados os investimentos monstruosos feitos em parte da área discutida, devido posse ancianíssima ou a longissimi temporis. - Ação declaratória negativa de domínio, c.c nulidade absoluta do laudo pericial da divisão, que a sentença ora recorrida veio a homologar, quando não podia. - Ação de usucapião contra o condomínio com base em prescrição aquisitiva. - Existe pendente, ainda, ação de terceiro, cujo interessado é Benevenuto Otoni, sobre nulidades absolutas de certidões e documentos falsos que foram usados na divisão" (fl. 3.220). Asseveram, ainda, que, "(..) em havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis (fl. 3.220).
Sem razão os recorrentes.
A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da paralisação consoante as circunstâncias.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior: "A paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" (AgInt no AREsp 846.717/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017).
2. No presente caso, a revisão do entendimento do acórdão recorrido, e o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de decidir sobre a existência ou não de prejudicialidade externa, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão impugnado, com o revolvimento das provas carradas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.743.319/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe de 26/08/2021, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. QUESTÃO FÁTICA QUE ENSEJOU PAGAMENTO DO SEGURO APRECIADA EM OUTRA DEMANDA DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA ANÁLISE. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 469 E 472 DO CPC/73. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. "Embora recomendável, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a suspensão dos processos individuais envolvendo a mesma questão, a fim de evitar conflitos entre soluções dadas em cada feito, caberá ao prudente arbítrio do juízo local aferir a viabilidade da suspensão processual, à vista das peculiaridades concretas dos casos pendentes e de outros bens jurídicos igualmente perseguidos pelo ordenamento jurídico" (REsp 1.240.808/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe de 14/04/2011).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 374.577/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020, g.n.)
No presente caso, como os próprios recorrentes afirmam, eles ajuizaram diversas ações no decurso de anos visando o mesmo objetivo, qual seja, questionar, por meios processuais, a divisão de terras objeto destes autos. E, uma vez propondo inúmeras ações, sustentam que o julgamento e respectiva homologação seria nulo, porque os processos deveriam ser julgados em conjunto, porque conexos.
A toda evidência, a argumentação possui frágil sustentação jurídica e evidente propósito protelatório, na medida em que acolher tal tese levaria a um círculo vicioso, pois bastaria propor uma ação e, tempos depois, provocar algum incidente processual para se forçar a anulação do julgamento da primeira ação, justamente porque não se julgaram as duas ações em conjunto. Nesse contexto, não se infere no caso ofensa ao referido art. 265 do CPC/73.
O recurso também não merece guarida pela alínea c do permissivo constitucional, em razão da ausência de similitude fático-jurídica entre o acórdão estadual e os três paradigmas apresentados, não sendo atendidas as regras do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015, combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ.
Nessa linha de intelecção, destacam-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
(..)
2. No caso, a recorrente não logrou demonstrar a divergência jurisprudencial nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Isto porque a interposição de recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional reclama o cotejo analítico dos julgados confrontados a fim de restarem demonstradas a similitude fática e a adoção de teses divergentes, máxime quando não configurada a notoriedade do dissídio.
3. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.832.858/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe de 07/05/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. MATÉRIA DE FATO DELINEADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
(..)
3. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 708.394/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 20/04/2020, DJe de 24/04/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 833, VIII, DO CPC/2015 E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
(..)
2. O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, à míngua do indispensável cotejo analítico.
3. Ademais, há ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma capaz de evidenciar o dissídio jurisprudencial.
4. Agravo interno não provido."
(AgInt nos EDcl no AREsp 1.357.083/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. em 29/4/2019, DJe de 2/5/2019 - g. n.)
Com estas considerações, conclui-se que o recurso especial não merece prosperar.
Ante o exposto:
a) rejeita-se a questão de ordem suscitada;
b) dá-se provimento aos três agravos internos para reconsiderar a decisão agravada; e
c) em novo exame, conhece-se em parte do recurso especial e, na extensão, nega-se-lhe provimento.
É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. | PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. | 1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. | N |
138,549,525 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada, e em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
ACÓRDÃO
Após o voto-vista regimental do relator rejeitando a questão de ordem suscitada e dando provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno de ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno (fls. 3.696-3.726) interposto por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS contra decisão (fls. 3.609-3.612 e fls. 3.688-3.691), da lavra do então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Narram os autos que ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS promoveram ação de divisão (CPC/73, art. 967 e seguintes), em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O il. Juízo da 2ª Vara de Chapadão do Sul proferiu sentença, nos seguintes termos:
"Trata-se de ação de divisão prevista no art. 967 e seguintes do CPC, em sua fase executiva, onde os requerentes, após ajuizarem a competente ação divisória da denominada "Fazenda Campo Alegre", ingressaram com a presente execução judicial.
A sentença de primeira fase transitou em julgado (f. 991, verso) e, após o trâmite previsto na lei processual, foi deliberada acerca da partilha do imóvel, nos termos do artigo 979 do CPC, estabelecendo caber a cada condômino a área devidamente descrita e individualizada pelo perito nomeado, conforme mapa e memorial descritivo de f. 1.593/1.594, determinando-se a demarcação dos quinhões e competente memorial descritivo (f.1.737/1.743).
Apresentado o laudo pericial com respectivo memorial descritivo e ouvidas as partes, foi determinada, à f. 2063/2064, a expedição de Auto de Divisão. A determinação foi cumprida em 17 de maio de 2012, consoante certidão de f. 2.221 e Auto de f. 2.222/2.286.
Diante do exposto, HOMOLOGO o auto de divisão de f. 2.222/2.286 e por consequência a divisão executada nos presentes autos, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno os requeridos Selvino Rotili, Caetano Rotili e Celso Izidoro Rotili ao pagamento das custas processuais, eis que tão somente os mesmos se opuseram à execução, bem como a arcarem com honorários a favor do patrono dos autores que, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC, arbitro em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Expeça-se mandado de averbação ou registro (podendo a serventia imobiliária criar até novas matrículas, dando-se baixa nas anteriores, se for o caso) para cumprimento imediato, uma vez que eventual recurso da presente será recebido tão somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520, I do CPC. Instrua-se tal mandado com o Auto de Divisão, laudo pericial e memoriais descritivos.
Esse próprio mandado servirá de folha de pagamento, considerando as peculiaridades do caso, além do que a folha de pagamento é terminologia antiga, sendo relevante apenas o correto registro imobiliário." (fl. 2.767; grifou-se)
Irresignados com tal decisum, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi parcialmente conhecida e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
"APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTES QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referentes ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa."
Em face deste v. acórdão, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, agitaram embargos de declaração (fls. 3.113-3.119), os quais foram rejeitados.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o v. acórdão recorrido não está fundamentado nem sanou todos os vícios suscitados nos embargos de declaração. Como dito, o apelo nobre foi provido nesse ponto, ficando prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em razão da assunção deste relator ao cargo do Corregedor-Geral da Justiça Federal (CJF), os autos foram atribuídos ao em. Ministro Lázaro Guimarães, conforme consta à fl. 3.608.
O em. Ministro Lázaro Guimarães acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, nos termos da decisão ora agravada, da qual se decalca o seguinte excerto da fundamentação (fls. 3.611-3.612):
"Evidencia-se, no caso, omissão do acórdão recorrido em apreciar as alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial.
Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionadas."
Em face desta decisão, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões.
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra." (destaques no original)
Inconformados, ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS aviaram o agravo interno (fls. 3.696-3.726) ora em exame.
Com o retorno deste relator às atividades jurisdicionais perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ensejando o fim da convocação do douto Magistrado acima referido, foram os presentes autos conclusos a esta relatoria para análise do apelo.
Nas razões do agravo interno, ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS afirmam que deve haver o "chamamento do feito à ordem" para analisar a petição de fls. 3.579-3.602, na qual se noticiou o julgamento, com trânsito em julgado, do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do em. Ministro Luis Felipe Salomão, suscitando efeitos jurídicos daquele julgado no presente feito.
Sustentam, também, que "(..) os propósitos especificados pelos agravados - em qualquer hipótese, já efetivamente repelidos e trânsitos em julgado - , os quais expõem profusamente as falácias, aleivosias e sub-repções em detrimento dos agravantes na ação divisória e execução de sentença judicial 0000223-39.1999.8.12.0046, ou no Recurso Especial presente, em que, primordial e iterativamente, já se posicionam efetivamente repelidos e inapelavelmente abrangidos pelos efeitos da coisa julgada, como pronta e induvidosamente alentam todos os julgados ora colacionados e reiterados ao crivo desse SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA" (fls. 3.723-3.724 - destaques no original).
Ao final, requerem a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnação (fls. 3.799-3.804), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
O agravo em apreço não merece prosperar, na medida em que os agravantes não apresentaram argumentos jurídicos aptos a modificar a decisão vergastada.
Conforme relatado, o então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, proferiu a decisão ora agravada, para dar parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anulando o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e os subsequentes, e determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-MS para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito.
Compulsando os autos, infere-se que a decisão agravada deve ser confirmada, uma vez que, data venia, o eg. TJ-MS deixou de analisar teses essenciais para a completa prestação jurisdicional ao caso.
Com efeito, os embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTTILI e OUTROS, como bem assentou o em. Ministro Lázaro Guimarães, suscitaram omissões do v. acórdão da apelação, quanto à não realização de audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto das razões dos aclaratórios:
"Todos os interessados, autores e recorrentes foram envolvidos no conflito da divisão judicial sobre uma área de terras na região de Chapadão do Sul/MS, que o próprio e ilustre Relator, fez questão de colocar como premissas de suas decisões dentre elas destacando:
1) A sentença deve ser tornada sem efeito, pois questões incidentais na discussão do plano de divisão proposto foram omitidas de fundamentação, inclusive, ressalta que foram relegadas na fase do conhecimento relegando para a fase de execução, que nem constaram do relatório da referida sentença.
2) Durante o trâmite processual diversas foram as insurgências contra os laudos periciais apresentados, sendo certo que o julgador olvidou-se quanto ao pedido de realização de audiência para a oitiva do perito judicial, situação essa que também autoriza a declaração de insubsistência da sentença apelada.
3) No curso da fase executiva foram ingressadas com ações incidentais, as quais na sua ótica, teriam o condão de suspender o presente cumprimento de sentença, providência essa que, entretanto, não fora observada pelo julgador, cabendo, também por esse motivo, a declaração de insubsistência do respectivo provimento jurisdicional.
4) Os parâmetros e considerações lançadas pelo Sr. Perito Judicial encontram-se equivocados, já que não refletem a realidade, devendo o profissional ser ouvido pessoalmente para os devidos esclarecimentos.
5) Não se mostra correta a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios No valor de R$ 40.000,00, tampouco nas custas processuais.
AS QUESTÕES A SEREM ESCLARECIDAS EM GRAU DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
Em primeira omissão, nulo, s.m.j, está o julgamento efetuado no Tribunal de Justiça, quando foram anexados documentos novos pela parte ex adversa ou apelada e formulada manifestação a respeito, quando deveria ter dado vistas para os demais recorrentes para manifestar, pois a contrario sensu ocorre o cerceamento de defesa.
Não se tratou de mera juntada de petição de desistência, mas de juntada de documentos e acréscimo de sustentações a respeito do conflito, motivo porque o patrono dos demais recorrentes tinha que ter sido intimado para manifestar, obedecendo aos princípios do contencioso e do due processo f Law que são garantias constitucionais capituladas no art. 5º, inc. LIV e LV da CF/88.
A não abertura de prazo pra manifestação dos ora Embargantes fere o art. 398 do Código de Processo Civil "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." Pois conforme dito anteriormente não trata apenas de um pedido de desistência.
Em segunda obscuridade, as nulidades fundamentais de cerceamento de defesa, todas elencadas na segunda fase do processo de divisão, NÃO ESPECIFICADAS NO ACÓRDÃO, é a única oportunidade que a parte interessada e beneficiária da alegação tinha para impugnar e os seus argumentos quando relevantes devem ser objeto de dilação probatória e de abrangente fundamentação, o que, com o perdão da palavra, não houve no caso sub judice.
Por isso, o voto do Revisor afronta a lei e o direito, porque atos judiciais e/ou processuais quando realizados com ofensa a direitos da parte litigante por criar nulidades ABSOLUTAS na segunda fase da lide, viola o art. 166, II e IV, art. 168 e 169 do Código Civil, de modo que simplesmente não existe coisa julgada, como pretendeu o Revisor. NULIDADES NÃO CONVALESCE COM 0 TEMPO E NÃO EXISTE PRECLUSÇAO CONSUMATIVA POR NULIDADES ABSOLUTAS. 0 NULO NÃO PRODUZ EFEITO NO MUNDO JURÍDICO E NEM CONVALESCE COM O TEMPO.
O voto do Revisor feriu de morte o art. 970, 979 e 980 do Código de Processo Civil, em especial o art. 979, que assim dispõe:
Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 963 e 964, as seguintes regras:
I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;
II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;
III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;
IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro.
De modo que todos os incidentes deverão ser argüidos somente quando da apresentação do laudo em juízo com o plano de partilha e, foi o que aconteceu no caso sub judice, a insurgência objetiva e fundamentada que deveriam ser esclarecidas em audiência e não foram, como a sentença de homologação não fundamentou quantum satis, de modo a cumprir o art. 458, II do Código de Processo Civil, podendo dizer que foi citra petita.
Se não bastasse tudo isso, cumpre ainda salientar que a decisão na fase de deliberação da partilha, E DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA.
Há de ser esclarecido a natureza da decisão recorrida e por outro lado, é nula porque não se trata de SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA, considerando que havia contencioso, de modo que a mesma é insubsistente, bem como, eivada de nulidades absolutas, MOTIVO PORQUE, SIMPLESMENTE NÃO EXISTE COISA JULGADA COMO QUIS 0 V. ACÓRDÃO.
Outrossim, não se aplica ao caso em comento o principio da unirrecorribilidade, para negar provimento ao recurso de apelação, pois na realidade a r. sentença de primeiro grau foi atacada através do competente e cabível recurso de apelação, motivo pelo qual deveria ter sido apreciado o mérito do recurso de apelação pelo revisor, eis que não a que se falar em preclusão consumativa ou coisa julgada.
Neste aspecto deve haver esclarecimento porque ocorreu obscuridade e manifesto cerceamento de defesa, inclusive, com referência aos pontos alegados que não fora objeto de fundamentação quantum satis.
Em terceira obscuridade, nulidades absolutas por error in procedendo et in judicando, não transitam em julgado, nem se pode falar em preclusão consumativa, quando a lide está em plena discussão na seara dos recursos. Os argumentos foram alegados na fase própria, está pendente de recurso em grau de apelação, de modo que não há de falar em perda de oportunidade de alegar o direito.
O Ilustre e honrado Relator, como sendo um homem justo e honrado, especificou os casos de nulidades que não foram respondidas pelo voto divergente as afirmativas do relator consistente no seguinte:
1º Nulidade da sentença homologatória por cerceamento de defesa, vez que não foram enfrentadas e sequer relatadas as questões argüidas pela Família Rottili quanto as máculas do laudo pericial, as quais tiveram a análise relegada para a fase da execução.
2º Nulidade da sentença porque, embora durante todo o processo tenha havido discordância sobre o laudo pericial, apontando-se diversas omissões e irregularidades, quando terminado e entregue o laudo de plano de divisão e de cortes geodésicos, o Magistrado deixou de designar audiência para ouvir as partes e os peritos a fim de que fossem justificados os defeitos alegados. Assim, diz que a falta de Audiência nulifica o processo por manifesto cerceamento de defesa.
3º que a sentença não poderia ter sido proferida, por afronta ao art. 265, IV a do Código de Processo Civil, ou seja, a concessão de quinhões só poderia ocorrer, após o julgamento das ações incidentes que versam sobre o mesmo objeto da causa e atribuem nulidade ao laudo pericial.
4º No mérito, sustentam, mais uma vez que o laudo pericial padece de nulidades, que não se homologa plano de divisão contestado e impugnado sem audiência e sem julgar por sentença na forma do art. 458 do CPC. Ademais alega que não se concebe que os apelantes sejam condenados em R$ 20.000,00 a título de honorários advocatícios, bem como apagar despesas de honorários e outros encargos, vez que a sentença objurgada não apreciou os argumentos e interesses dos condenados.
Fecha o relator que a preliminar de nulidade da sentença porque as questões alçadas ainda na fase de conhecimento referentes às benfeitorias e frutos existentes no imóvel, não foram objetivamente analisados nos autos executivos, sendo tal omissão repetida na sentença recorrida, momento para que sejam apreciados os direitos dos condôminos (fls.2288), LOGO SERIA SENTENÇA CITRA PETITA.
Nulidades absolutas alegadas in tempore próprio, não transitam em julgado e que a DECISÃO DE HOMOLOGAÇÃO, não cabe no caso, porque tem natureza apenas INTERLOCUTORIA, enquanto que a decisão só poderia ser julgada por sentença em face do contencioso no plano de divisão.
Neste aspecto devem ser esclarecidos tais argumentos, mostrando objetivamente em que trechos da sentença ou da decisão homologatória teria sido rechaçados as nulidades alegadas, para aplicar o art. 301, §§ 1º ao 3º, do CPC, já que não existe qualquer reprodução sentença ou decisão, anteriormente proferida, porque não FOI OBJETIVADO NO VOTO DO REFERIDO REVISOR."
Por sua vez, o eg. TJ-MS rejeitou tal recurso, nos termos do v. acórdão de fls. 3.136-3.157, sem, data venia, analisar e sanar os vícios apontados, os quais têm relevância para o resultado da lide.
No apelo nobre, ao apontar ofensa ao art. 535 do CPC/73, foram reiterados os alegados vícios, como se infere das razões do apelo nobre (fls. 3.193-3.230).
Nesse panorama, tem-se que o apelo merece provimento pela ofensa ao art. 535 do CPC/73, pois está configurada a ofensa a temas essenciais ao deslinde da controvérsia.
Como sabido, caso a eg. Corte Estadual não se manifeste sobre tema necessário ao desate da contenda, fica obstaculizado o acesso à instância extrema, cabendo à parte vencida invocar, como no caso, a infringência do art. 535 do CPC/73, a fim de anular o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo supra o vício existente. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO MANTIDA.
1. Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022 do CPC/2015, devendo o recurso especial ser provido para anular o acórdão, com determinação de retorno dos autos à origem, para que seja suprido o vício.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.113.795/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 1º/03/2018, DJe de 15/03/2018 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TELEFONIA. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MODALIDADE. PCT. OMISSÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Há violação do art. 1.022 do CPC/15 quando, apesar do requerimento da parte, a Corte de origem se recusa a se manifestar sobre as questões federais que lhe foram apresentadas por ocasião dos embargos de declaração, relevantes ao deslinde da controvérsia.
2. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam sanados os vícios verificados."
(AgInt nos EDcl no REsp 1.702.509/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe de 24/08/2018 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (IFPD) E INVALIDEZ LABORATIVA PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (ILPD). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. APOSENTADORIA. ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. PERÍCIA. NECESSIDADE.
(..)
4. O acórdão recorrido não se manifestou sobre questões essenciais para o julgamento da causa, pressuposto indispensável para o exame do recurso especial, motivo pelo qual reconhece-se a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 952.515/SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/6/2017 - grifou-se)
No caso em apreço, foi alegada e demonstrada a ofensa ao art. 535 do CPC/73, de modo que deve ser confirmada a decisão ora agravada.
É importante consignar, ainda, que é inviável o suposto "chamamento do feito à ordem", ante o não exame de petição dos ora agravantes às fls. 3.579-3.602, na qual foi noticiado o trânsito em julgado do REsp 1.296.917/MS. Com efeito, no recurso especial dos ora agravados, foi acolhida a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, ficando prejudicado, ainda, o exame do mérito. Por sua vez, eventuais efeitos de outros processos, como alegam os agravantes na referida petição e no agravo interno em liça, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Com essas considerações, conclui-se que o apelo não merece prosperar.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
QUESTÃO DE ORDEM
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:
Cuida-se de agravos internos (fls. 3.696-3.726, 3.729-3.745 e 3.747-3.792) interpostos respectivamente por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS, ESPÓLIO DE ESSÊNCIO COLLADO E OUTRO e MAURÍCIO JORGE MUNIZ contra as decisões de fls. 3.609-3.612 e 3.688-3.691, da lavra do então relator, e. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional ante a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Depreende-se dos autos que ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS promoveram ação de divisão, em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O magistrado a quo proferiu sentença (fl. 2.767) para homologar o auto de divisão, com a determinação de expedição de mandado de averbação ou registro imobiliário.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, interpuseram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi conhecida em parte e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTE QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referente ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa.
Os primeiros embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTILI e OUTROS foram rejeitados, sendo os aclaratórios (fls. 3.110-3.111) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos do acórdão às fls. 3.136-3.157.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTILI e OUTROS foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73, enquanto que os aclaratórios (fls. 3.164-3.166) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ foram rejeitados, consoante o aresto às fls. 3.180-3.183.
CAETANO ROTTILI e OUTROS, interpuseram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o acórdão recorrido não estaria adequadamente fundamentado, tampouco teria sanado todos os vícios suscitados nos embargos de declaração.
No mérito, apontaram, além de dissídio jurisprudencial, malferimento aos arts. 433 e 435 do CPC/73, ao argumento de que esses artigos "(..) impõem a realização de audiência de instrução e julgamento quando as partes, justificadamente, postularem os necessários esclarecimentos a respeito do laudo pericial, como ocorre no caso em debate" (fls. 3.215).
Aduziram infringência aos arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002, afirmando a ocorrência de nulidades absolutas a afastar a aplicação do instituto da coisa julgada.
Sustentaram, além de dissídio jurisprudencial, violação ao art. 398 do CPC/73, pois o acórdão estadual "(..) formulou expresso juízo de valor sobre vários documentos novos, anexados pelos recorridos - SEM DAR PRÉVIA CIÊNCIA OU VISTA dos referidos documentos, o que caracteriza, SEM SOBRA DE DÚVIDAS GRAVE OFENSA AO CONTRADITÓRIO" (fls. 3.218).
Indicaram, ainda, malferimento, ao art. 265, IV, do CPC/73 ao argumento de que "(..) havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis" (fls. 3.220).
Os autos subiram ao exame desta Corte Superior.
Na petição de fls. 3579-3602, ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS, ora agravantes, noticiaram, em caráter de urgência, em síntese: a) já ter havido prévia e contenciosa conferência da respectiva divisão proprietária das terras que transitou em julgado em 20/03/1995; b) existir deliberação judicial emanada do RESP 1.296.917/MS, relator e. Ministro Luis Felipe Salomão, transitada em julgado, oriunda do agravo de instrumento nº 2010.037263-4/0000/00 que enseja efeitos preclusivos e prejudiciais à questão travada no reclamo dada a identidade de partes, causa de pedir e pedido; e, c) ocorrência de má-fé processual.
Sem a análise do quanto aduzido na petição acima noticiada, o reclamo foi provido pelo então relator e. Ministro Lázaro Guimarães que acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73 e cassou o acórdão embargado para que o Tribunal de origem sanasse o vício de omissão acerca da não apreciação das "alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial". Em consequência, reputou prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em face da referida deliberação, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões.
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra." (destaques no original)
Inconformados, ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS manejaram o agravo interno de fls. 3.696-3.726 no qual afirmam a necessidade de que ocorra o "chamamento do feito à ordem" para analisar a petição de fls. 3.579-3.602, na qual se noticiou o julgamento, com trânsito em julgado, do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do e. Ministro Luis Felipe Salomão, suscitando efeitos jurídicos daquele julgado no presente feito.
Sustentam, também, que "(..) os propósitos especificados pelos agravados - em qualquer hipótese, já efetivamente repelidos e trânsitos em julgado - , os quais expõem profusamente as falácias, aleivosias e sub-repções em detrimento dos agravantes na ação divisória e execução de sentença judicial 0000223-39.1999.8.12.0046, ou no Recurso Especial presente, em que, primordial e iterativamente, já se posicionam efetivamente repelidos e inapelavelmente abrangidos pelos efeitos da coisa julgada, como pronta e induvidosamente alentam todos os julgados ora colacionados e reiterados ao crivo desse SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA" (fls. 3.723-3.724).
Ao final, requerem a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a Quarta Turma.
Nas razões do agravo interno de fls. 3.729-3.745, o ESPÓLIO DE ESSÊNCIO COLLADO E OUTRO "(..) requer o direito de pugnar à Vossa Excelência que reconsidere a decisão prolatada, uma vez que no julgado do Resp. 1.296.917-MS, a matéria posta à exame nestes autos, foi devidamente apreciada e transitara em julgado em 16/11/2016, tendo em vista que a causa de pedir são idênticos e dessa forma pedidos repetitivos devem ser apreciados o que não aconteceu quando da apreciação de fls. 3579 a 3602 os elementos de fato e de direito ali apontados versam sobre a incidência de coisa julgada material por colegiado" (fls. 3.744-3745).
No agravo interno de MAURÍCIO JORGE MUNIZ (fls. 3.747-3.792) afirma que a suposta ofensa ao art. 535 do CPC/73 já teria sido analisada nos autos do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do e. Ministro Luis Felipe Salomão, transitado em julgado em 16/11/2018.
Sustenta violação ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, na medida em que as decisões agravadas - que deram provimento ao REsp da parte contrária para reconhecer a violação ao art. 535 do CPC/73 - não analisaram alegações trazidas na impugnação dos aclaratórios, quanto aos efeitos do julgamento do REsp 1.296.917/MS nestes autos.
Aduz, também, que não há como "(..) acolher a ofensa ao art. 535 do CPC/73, vez que ainda que houvesse alegada omissão, que não há, ainda assim a recepção do recurso estaria fadada ao insucesso, vez que não transporia o obste da jurisprudência consolidada desta Turma e do STJ", quanto à alegada ofensa ao art. 265 do CPC/73.
Assevera, ainda, quanto ao art. 433 do CPC/73, que somente "(..) na segunda apelação interposta (fls. 2.809-2.825) é que o houve a inovação recursal, onde se insurgem contra a não realização da audiência ora reclamada e, como visto alhures, nunca houve pedido expresso da realização desta" (fl. 3.790).
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnações (fls. 3.799-3.804 e 3.806-3.813), pelo desprovimento do recurso.
Na petição de fls. 3.817-3.851, ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS noticiaram a existência de fato superveniente e extintivo do direito reclamado no recurso especial, porquanto no âmbito do REsp nº 1.817.845/MS (2016/0147826-7), originário do processo nº 0800706-16.2011.8.12.0046 - ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes de ato ilícito e assédio processual, movida pelos agravantes e outros em face dos agravados -, esta Corte Superior, o colegiado da Terceira Turma, relatora para acórdão a e. Ministra Nancy Andrighi, reconheceu o dever de indenizar ante a existência de má-fé processual pelo uso abusivo, indevido, sucessivo e repetitivo, nos últimos 39 anos, de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas unicamente com propósito doloso pelos usurpadores da terra que visavam retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários.
Afirmaram os peticionantes que a ocorrência de abuso do direito de ação e de defesa, por parte dos ora agravados, tendo em vista o ajuizamento sucessivo e repetitivo de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com flagrante propósito doloso e de má-fé, incluem todas as razões e manifestações aduzidas pelos agravados no contexto do presente feito, motivo pelo qual, por corroborar a referida deliberação ao quanto aduzido no agravo interno deve o petitório ser apreciado por influenciar no julgamento da questão.
Por oportuno, transcreve-se a ementa do referido julgado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. OMISSÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. QUESTÃO DECIDIDA. ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO E DE DEFESA. RECONHECIMENTO COMO ATO ILÍCITO. POSSIBILIDADE. PRÉVIA TIPIFICAÇÃO LEGAL DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. AJUIZAMENTO SUCESSIVO E REPETITIVO DE AÇÕES TEMERÁRIAS, DESPROVIDAS DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E INTENTADAS COM PROPÓSITO DOLOSO. MÁ UTILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE AÇÃO E DEFESA. POSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE TERRAS AGRÍCOLAS PRODUTIVAS MEDIANTE PROCURAÇÃO FALSA POR QUASE 40 ANOS. DESAPOSSAMENTO INDEVIDO DOS LEGÍTIMOS PROPRIETÁRIOS E HERDEIROS E MANUTENÇÃO DE POSSE INJUSTA SOBRE O BEM MEDIANTE USO DE QUASE 10 AÇÕES OU PROCEDIMENTOS SEM FUNDAMENTAÇÃO PLAUSÍVEL, SENDO 04 DELAS NO CURTO LAPSO TEMPORAL CORRESPONDENTE À ÉPOCA DA ORDEM JUDICIAL DE RESTITUIÇÃO DA ÁREA E IMISSÃO NA POSSE DOS HERDEIROS, OCORRIDA EM 2011. PROPRIEDADE DOS HERDEIROS QUE HAVIA SIDO DECLARADA EM 1ª FASE DE AÇÃO DIVISÓRIA EM 1995. ABUSO PROCESSUAL A PARTIR DO QUAL FOI POSSÍVEL USURPAR, COM EXPERIMENTO DE LUCRO, AMPLA ÁREA AGRÍCOLA. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS, A SEREM LIQUIDADOS POR ARBITRAMENTO. PRIVAÇÃO DA ÁREA DE PROPRIEDADE DA ENTIDADE FAMILIAR, FORMADA INCLUSIVE POR MENORES DE TENRA IDADE. LONGO E EXCESSIVO PERÍODO DE PRIVAÇÃO, PROTRAÍDO NO TEMPO POR ATOS DOLOSOS E ABUSIVOS DE QUEM SABIA NÃO SER PROPRIETÁRIO DA ÁREA. ABALO DE NATUREZA MORAL CONFIGURADO. MODIFICAÇÃO DO TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. NECESSIDADE, NA HIPÓTESE, DE EXAME DE CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS NÃO DELINEADAS NO ACÓRDÃO. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
1- Ação ajuizada em 08/11/2011. Recursos especiais interpostos em 15/08/2014 e 19/08/2014.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve omissão ou obscuridade relevante no acórdão recorrido; (ii) se o ajuizamento de sucessivas ações judiciais pode configurar o ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa; (iii) se o abuso processual pode acarretar danos de natureza patrimonial ou moral; (iv) o termo inicial do prazo prescricional da ação de reparação de danos fundada em abuso processual.
3- Ausente omissão ou obscuridade no acórdão recorrido que se pronuncia, ainda que sucintamente, sobre as questões suscitadas pela parte, tornando prequestionada a matéria que se pretende ver examinada no recurso especial, não há que se falar em violação ao art. 535, I e II, do CPC/73.
4- Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais.
5- O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde.
Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça.
6- Hipótese em que, nos quase 39 anos de litígio envolvendo as terras que haviam sido herdadas pelos autores e de cujo uso e fruição foram privados por intermédio de procuração falsa datada do ano de 1970, foram ajuizadas, a pretexto de defender uma propriedade sabidamente inexistente, quase 10 ações ou procedimentos administrativos desprovidos de fundamentação minimamente plausível, sendo que 04 destas ações foram ajuizadas em um ínfimo espaço de tempo - 03 meses, entre setembro e novembro de 2011 -, justamente à época da ordem judicial que determinou a restituição da área e a imissão na posse aos autores.
7- O uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 14 anos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória não pode ser qualificado como lícito e de boa-fé nesse contexto, de modo que é correto afirmar que, a partir da coisa julgada formada na primeira fase, os usurpadores assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos legítimos proprietários.
8- Dado que a área usurpada por quem se valeu do abuso processual para retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários era de natureza agrícola e considerando que o plantio ocorrido na referida área evidentemente gerou lucros aos réus, deve ser reconhecido o dever de reparar os danos de natureza patrimonial, a serem liquidados por arbitramento, observado o período dos 03 últimos anos anteriores ao ajuizamento da presente ação, excluídas da condenação a pretensão de recomposição pela alegada retirada ilegal de madeira e pela recomposição de supostos danos ambientais, que não foram suficientemente comprovados.
9- Considerando a relação familiar existente entre os proprietários originários das terras usurpadas e os autores da ação, o longo período de que foram privados do bem que sempre lhes pertenceu, inclusive durante tenra idade, mediante o uso desenfreado de sucessivos estratagemas processuais fundados na má-fé, no dolo e na fraude, configura-se igualmente a existência do dever de reparar os danos de natureza extrapatrimonial que do ato ilícito de abuso processual decorrem, restabelecendo-se, quanto ao ponto, a sentença de procedência.
10- É inadmissível o exame da questão relacionada ao termo inicial da prescrição da pretensão reparatória quando, para a sua modificação, houver a necessidade de reexame de elementos fático-probatórios não descritos no acórdão recorrido, como, por exemplo, o exame da data em que cada um dos muitos herdeiros atingiu a maioridade civil.
11- Não se conhece do recurso especial fundado na divergência quando ausente o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma invocado, sobretudo quando se verifica, da simples leitura da ementa, a notória dessemelhança fática entre os julgados alegadamente conflitantes.
12- Recursos especiais conhecidos e parcialmente providos.
(REsp 1817845/MS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 17/10/2019) - grifos nossos
O e. relator, Ministro Raul Araújo, já no retorno das funções exercidas perante o CJF, nos judiciosos votos que apresenta, nega provimento aos agravos internos mantendo a fundamentação acerca da negativa de prestação jurisdicional.
Relativamente à apontada omissão atinente ao "chamamento do feito à ordem" asseverado na petição de fls. 3579-3602, aduz o seguinte:
É importante consignar, ainda, que inviável a alegada o suposto (sic) "chamamento do feito à ordem", ante o não exame de petição dos ora Agravante à fls. 3.579-3.602 na qual foi noticiado o trânsito em julgado do Resp n. 1.296.917/MS. Com efeito, no recurso especial dos ora Agravados foi acolhida a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, ficando prejudicado, ainda, o exame do mérito. Por sua vez, eventuais efeitos de outros processos, como alegam os agravantes na referida petição e no agravo interno em liça, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp n. 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
O e. relator não tece considerações acerca do quanto alegado no petitório de fls. 3.817-3.851 conforme referido pelo advogado da tribuna.
Dada a relevância da questão posta a julgamento pedi vista antecipada dos autos para melhor exame da controvérsia.
É o relatório.
Apresenta-se essa questão de ordem e propõe-se o cancelamento do julgamento dos agravos internos e, consequentemente, dos pedidos de vista formulados a fim de que os autos retornem ao exame do e. relator para que proceda à análise do quanto aduzido nas petições apresentadas, essas que evocam fatos e questões processuais supervenientes aptas a influenciarem no julgamento da controvérsia.
De início, é prudente mencionar que, em tese, divergiria do e. relator para dar provimento aos agravos internos e afastar a mencionada negativa de prestação jurisdicional tecida nas preliminares do recurso especial, porquanto a Corte local, na compreensão deste signatário, teria analisado detidamente cada uma das omissões apontadas, não sendo viável cogitar em violação ao artigo 535 do CPC/73 em razão do pronunciamento não ter sido favorável à tese dos então recorrentes.
Para elucidar, os motivos aduzidos para o acolhimento do apontado vício no julgado dizem respeito "à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial", os quais foram objeto de expressa, adequada e bem fundamentada análise nos seguintes trechos do acórdão recorrido que são, nesta oportunidade, delimitados em tópicos para uma melhor compreensão dos pontos.
a) Do teor do laudo pericial:
Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial.
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra-se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário.
b) Da apontada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento:
Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura.
c) Das ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide:
Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas.
Em verdade, tal argumentação, não passa de mais uma tentativa de sobrestar ao máximo o deslinde do caso.
Como se vê, em tese, as temáticas apontadas como omitidas foram, no sentir deste signatário, apreciadas de modo claro e bem fundamentado pela Corte local, a ensejar o afastamento da apontada preliminar de negativa de prestação jurisdicional.
No entanto, por ora, deixa-se de proferir voto divergente pois, apesar dos pedidos de vista formulados, existem temáticas precedentes e eventualmente prejudiciais ao julgamento do feito cuja análise do relator afigura-se imprescindível.
É certo que sobre a petição de fls. 3817-3851, na qual noticiado o julgamento do REsp nº 1.817.845/MS - originário do processo nº 0800706-16.2011.8.12.0046, ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes de ato ilícito e assédio processual, no âmbito do qual o colegiado da Terceira Turma reconheceu o dever de indenizar ante a existência de má-fé processual pelo uso abusivo, indevido, sucessivo e repetitivo, nos últimos 39 anos, de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas unicamente com propósito doloso pelos usurpadores da terra (leia-se, ora agravados/recorrentes) que visavam retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários -, não teceu o e. relator qualquer consideração.
Certamente, o quanto aduzido no referido petitório, atinente ao fato superveniente relativo ao julgamento do REsp nº 1.817.845/MS, tem o condão de influenciar sobremaneira o desate da presente controvérsia, notadamente quando estabelecido pela Corte local no presente feito que, no tocante às matérias concernentes ao laudo pericial e nulidade do processo ante a não designação de audiência, essas já foram apreciadas em diversas outras oportunidades e quanto às demais ações ajuizadas - essas reputadas inclusive pelo STJ como temerárias, indevidas, sucessivas e repetitivas - não influenciariam a homologação da divisão, pois as questões referentes à divisibilidade da área e às apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada.
Ademais, ainda que tenha o e. relator tecido considerações - já no voto do agravo interno - acerca do quanto aduzido no primeiro petitório apresentado às fls. 3579-3602, asseverando que apenas analisou a tese de violação a artigo 535 do CPC/73 e não o mérito da questão controvertida e que o acolhimento da preliminar de negativa de prestação jurisdicional teria o condão de transferir à Corte local o exame aprofundado das questões prejudiciais, é certo que essas mesmas questões prejudiciais influenciam primeiro e principalmente o exame a ser realizado no âmbito desta Corte Superior, notadamente quando delas é possível extrair a repetição de argumentos e entraves processuais manejados pelos supostos usurpadores da terra, que apenas visam retardar, ainda mais, a imissão de posse dos legítimos proprietários.
Não é por outra razão que o legislador processual previu, expressamente que, se depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Assim, em razão do todo exposto, propõe-se a presente questão de ordem para cancelar o julgamento dos agravos internos e, consequentemente, dos pedidos de vista formulados a fim de que os autos retornem ao exame do e. relator para que proceda à análise do quanto aduzido nas petições apresentadas, essas que evocam fatos e questões processuais supervenientes aptas a influenciarem no julgamento da controvérsia.
É a proposição.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Retomando o julgamento, após vista regimental, relembro o caso.
Trata-se de execução de sentença proferida em ação de divisão de imóvel rural, com extinção da comunhão sobre a área total do imóvel, julgada procedente (v. fls. 407 a 499).
Na sessão de julgamento realizada em 5/dez/2019, de três agravos internos interpostos contra decisão monocrática da lavra do anterior relator, eminente Ministro Lázaro Guimarães, que dera parcial provimento ao recurso especial dos ora agravados ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO para reconhecer a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo, apresentei votos, como relator sucessor, confirmando a referida decisão monocrática.
O eminente Ministro Marco Buzzi pediu vista e, na sessão de julgamento de 5/mai/2020, suscitou questão de ordem no sentido de anular o julgamento dos agravos internos em exame, porque os votos anteriores desta relatoria, negando provimento aos agravos internos, não teriam examinado a petição de fls. 3.817/3.851, na qual se noticia o julgamento do REsp 1.817.845/MS, originário de ação indenizatória decorrente de ato ilícito e assédio processual na qual a eg. Terceira Turma reconheceu a má-fé processual dos ora agravados.
Adiantou, então, que, em tese, caso superada a questão de ordem, inauguraria divergência para dar provimento aos agravos internos, uma vez que entendia ter o v. acórdão estadual examinado devidamente os temas apontados no recurso especial como omissos e, por tal razão, rejeitava a alegada violação ao art. 535 do CPC/73.
- I -
Em razão da questão de ordem suscitada, solicitei vista regimental, para exame da petição indicada, a qual, de fato, não fora apreciada.
Na referida petição, noticia-se que, nos autos do REsp 1.817.845/MS, de relatoria para acórdão da em. Ministra Nancy Andrighi, relativo a ação indenizatória, os ora agravados foram condenados a indenizar os ora agravantes a título de danos morais e materiais por "assédio processual", por terem proposto diversas ações e incidentes processuais referentes ao mesmo litígio trazido nestes autos.
Em suas considerações iniciais sobre aquela controvérsia, a il. Ministra Nancy Andrighi delimitou o objeto da demanda registrando que uma das matrizes daquela ação indenizatória seria justamente a ação divisória originária da presente execução, que, à época do julgamento do REsp 1.817.845/MS, continuava em tramitação e ainda não havia recebido a sentença homologatória, na segunda fase da demanda. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do voto ali proferido:
"A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos).
A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995.
É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento - e estamos no ano de 2019 - a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação.
Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos.
Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981.
Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994.
Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011.
Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011.
É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros." (fls. 1.588/1.590 daqueles autos)
A em. Ministra Nancy Andrighi assinala, em seu voto, que o abuso processual estaria configurado em razão da propositura, pelos ora agravados, de diversas ações e incidentes processuais, após o trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos agravantes sobre os 1.500 hectares de terra da "Fazenda Campo Alegre". É o que se verifica no seguinte trecho do voto da il. Relatora:
"A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje - ano de 2019 - não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981.
Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Superior Tribunal de Justiça Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário.
A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como - e sobretudo - com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra.
A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes.
Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes - de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes -, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes.
É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.
Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.
Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados." (fls. 1.600/1.601 daqueles autos)
Com estas considerações, entendo que a decisão proferida naquele REsp 1.817.845/MS não atrai a competência para o julgamento deste recurso especial, uma vez que, como bem apontado pela il. Ministra Nancy Andrighi, a ação divisória executada nestes autos não se confunde com a ação indenizatória ali apreciada, pois a presente ação é uma das matrizes daquela demanda, juntamente com a ação de usucapião e outras também intentadas pelos ora agravados. Portanto, aquele julgamento não tem o condão de afetar diretamente o direito reclamado neste recurso especial, nesta outra ação.
Desse modo, não há vício a ensejar a anulação do julgamento dos presentes agravos internos, conjuntamente ora apreciados, motivo pelo qual, com a devida venia, dou por superada a questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Marco Buzzi.
- II -
Por outro lado, avançando no exame do agravo interno no recurso especial e considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Marco Buzzi, tem-se que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois, de fato, não houve ofensa ao art. 535 do CPC/73 no v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça.
Com efeito, o eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos, como se infere da leitura dos seguintes excertos do v. acórdão estadual:
- Referente às conclusões do laudo pericial
"Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4.466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial."
"Trata-se de procedimento recursal de Agravo contra decisão proferida pelo juízo da 2" Vara, da Comarca de Chapadão do Sul, interposto em face da decisão que deliberou a partilha, nos autos da Execução de Título Executivo Judicial, n. 046990002239.
(..)
Passo, então, a deliberar sobre a partilha de parte do imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", transcrito sob o nº 2560 do Cartório de Registro de Imóveis de Paranaíba, que perfaz 13.510,6589 ha mais o excesso encontrado, totalizando 13.885,6768 ha.
Para tanto adoto como principal elemento balisador os amplos e minuciosos laudos periciais anexos aos autos, que seguiu todas as resoluções já traçadas pela sentença executada e, bem assim, todo o suporte fático apresentado no curso destes autos. Por esta razão, a tabela abaixo que conta com a compensação e distribuição - - decorrente da área titulada e excesso encontrado é capaz de demonstrar a área total que cabe a cada condômino, que é devidamente complementada pelo mapa geral do plano de divisão constante à fl. 1.593/1.594 dos autos:
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra- se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário." (fl. 3.105)
- No tocante à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fl. 3.106)
- No pertinente à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide
"Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas." (fl. 3.106)
Na leitura dos excertos ora transcritos, verifica-se que, de fato, o v. acórdão estadual não foi omisso, o que enseja a rejeição da alegada ofensa ao art. 535 do CPC/73.
- III -
Assim, a decisão agravada deve ser reconsiderada, passando-se ao exame dos demais temas trazidos no especial, que tinham sido considerados prejudicados na decisão ora atacada.
Avançando, no apelo especial, alega-se cerceamento de defesa e violação aos arts. 398 do CPC/73 e ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Para os recorrentes, teria havido cerceamento de defesa porque o eg. Tribunal de origem teria considerado diversos documentos juntados pela parte contrária, sem a abertura de prazo para manifestação dos ora recorrentes, o que também violaria o due process of law.
De plano, não se conhece da alegada violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88, pois se trata de matéria constitucional, cujo exame compete ao col. Supremo Tribunal Federal, consoante preconiza o art. 102 da Carta Magna.
No tocante ao art. 398 do CPC/73, é valiosa a transcrição do seguinte excerto do v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração, na origem:
"Alegam os embargantes omissão no tocante à inobservância ao princípio do devido processo legal, por não ter sido oportunizado aos embargantes que se manifestassem acerca da petição de desistência do recurso (f. 2524/2526), ato que deveria ser feito, porque tal petição traz acréscimos de sustentação relevantes, de modo que, tal falta, enseja no cerceamento de defesa e infringe o disposto no art. 398 do CPC.
Como se vê dos autos, às fls. 2524-2526 foi acostada petição pugnando-se pela desistência do recurso em relação a Selvino Rotili e sua esposa Arminda Nicole Rotili, pedido que foi homologado quando do julgamento do acórdão.
(..)
Outrossim, cabe afirmar que a petição de fl. 2533-2536 foi analisada somente quanto ao pedido de desistência e que nada que mais conste lá foi considerado, como bem pode ser observado do acórdão de fl. 2543-2561.
Vê-se que o embargante, embora alegue que foi prejudicado, não apontou nenhum prejuízo concreto decorrente da juntada da referida petição. E sabido que sem prejuízo não há falar em nulidade.
Desse modo, não há falar na aponta omissão." (fls. 3.119/3.121)
Na leitura do excerto ora transcrito, não se verifica ofensa ao referido dispositivo legal. Isso, porque os recorrentes não afirmam qual o prejuízo que supostamente tenham sofrido da análise e acolhida de petição, sobre a qual o eg. Tribunal a quo analisou apenas o pedido de desistência, que pode ser requerido pela parte a qualquer momento, nos termos do art. 501 do CPC/73.
Assim, considerando-se que, pelo princípio da instrumentalidade das formas, inexiste nulidade sem prejuízo, deve ser rejeitada a tese de cerceamento de defesa, bem como a suposta ofensa ao art. 398 do CPC/73.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta eg. Quarta Turma:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte, em face do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
2. "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação na imprensa oficial, enseja a ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para a interposição do recurso cabível" (AgInt no AREsp 1.483.050/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17.9.2019, DJe de 3.10.2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.151.934/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 16/11/2020, DJe de 20/11/2020, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.
1. O Enunciado Administrativo n. 2 do STJ determina que, na hipótese de recursos interpostos contra decisões publicadas na vigência do CPC/73, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência desta Corte. 2. O Tribunal local dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Não havendo qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, inocorrente a ofensa ao artigo 535 do CPC/73.
3. A ausência de impugnação a fundamento do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283/STF, aplicável por analogia.
3.1. Encontrando-se o aresto de origem em sintonia com a jurisprudência consolidada nesta Corte, a Súmula 83 do STJ serve de óbice ao processamento do recurso especial especial, tanto pela alínea "a" como pela alínea "c", a qual viabilizaria o reclamo pelo dissídio jurisprudencial.
4. O STJ tem entendimento no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
4.1. Esta Corte Superior tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), o que não foi demonstrado no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 891.141/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe de 11/11/2019, g.n.)
Por seu turno, ainda sustentando cerceamento de defesa, defendem os recorrentes violação aos arts. 433 e 435 do CPC/73, medida em que o il. Magistrado de piso teria prolatado sentença homologatória, sem a necessária audiência para que as partes pudessem fazer questionamento pessoalmente ao Sr. Perito.
Nesse ponto, o eg. Tribunal de origem, de forma clara, afirmou que o laudo pericial fora analisado, questionado e debatido diversas vezes pelos litigantes, concluindo que a designação de audiência era desnecessária, e que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente. É o que se infere da leitura dos seguintes trechos do acórdão estadual, repita-se:
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fls. 3.149/3.150)
Consoante a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar os esclarecimentos, formulando, desde logo, os pontos a serem esclarecidos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERÍCIA.
ESCLARECIMENTOS. ARTS. 435 E 454 DO CPC/73. REQUERIMENTO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Nos termos do artigo 435 do revogado Código de Processo Civil, é dever da parte que pretender esclarecimentos do perito requerer a sua intimação para comparecer em audiência e formular, desde logo, as perguntas a serem feitas.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.051.959/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 07/11/2017, DJe de 20/11/2017, g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESOBSTRUÇÃO DE LOGRADOURO PÚBLICO. ART. 435 DO CPC. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. NULIDADE DE SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESITOS RESPONDIDOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima "pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo.
2. O art. 435 do CPC estabelece ser dever da parte, quando da apresentação ao juízo de requerimento da intimação para comparecimento do perito em audiência, que formule, desde logo, as perguntas que entender necessárias sob a forma de quesitos.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte, nas hipóteses em que não há mais dúvidas a esclarecer, a ausência do perito em audiência não configura nulidade. Precedente.
4. No caso, tendo sido devidamente respondidos pelo perito os quesitos apresentados pela parte, na mesma oportunidade em que este comunicou ao juízo a impossibilidade de seu comparecimento na data aprazada para realização da audiência de instrução, sua ausência no referido ato judicial não é capaz de por si só nulificá-lo.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.320.105/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 1º/10/2015, DJe de 08/10/2015, g.n.)
Nesse cenário, considerando-se as várias manifestações e esclarecimentos já prestados pelo perito e levando-se em conta que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, a eg. Corte Estadual entendeu correto dispensar a referida audiência, o que efetivamente não acarretou cerceamento de defesa, ao contrário do que dizem os recorrentes no especial.
Melhor sorte não merece o apelo nobre quanto à ofensa aos arts. 166, II e IV, 168 e 169 do Código Civil. Apontando violação a tais normas, os recorrentes afirmam que:
"O acórdão ofende ainda o Art. 166, II e IV, e os art . 168 e 169 do Código Civil, ou seja, sobre as nulidades arguidas não se faz coisa julgada, como também, é impossível de haver coisa julgada ou mesmo prescrição consumativa quando se está diante de nulidades absolutas não geram tais direitos e nem o Magistrado não pode decidir nestes termos sem provocação ou pedido da parte contrária - ne procedat iudex ex officio - nestes casos. Nulidades não se absolutas não convalesce com o tempo e isso não foi fundamentado e homologação é nula de pleno jure, porque havia contencioso." (fl. 3.217, g. n.)
Como sabido, o recurso especial é o instrumento processual adequado para discutir violação ou divergência jurisprudencial quanto a lei federal, conforme preconiza o art. 105, III, a e c, da CF/88. Nesse diapasão, para atender tal mister, é necessário que nas razões recursais sejam apresentados argumentos jurídicos claros e precisos sobre como o eg. Tribunal a quo teria violado ou interpretado de forma divergente determinado dispositivo de lei federal.
No caso, as razões recursais ora transcritas não trazem argumentação jurídica apta a demonstrar como os referidos artigos foram violados ou interpretados de forma equivocada pela eg. Corte Estadual. Nesse cenário, as razões do apelo nobre representam meras alegações genéricas de violação da lei federal, o que configura deficiência na fundamentação recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF, aplicada por analogia. Nesse sentido, confiram-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (..). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ.
(..)
2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
(..)
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 613.606/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 9/5/2017, DJe de 17/5/2017 - g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/1973) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A alegação genérica de ofensa a dispositivo da lei federal, sem a demonstração, de forma clara e precisa, de que modo o acórdão recorrido o teria contrariado, atrai, por analogia, a Súmula 284 do STF.
(..)
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 518.058/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016 - g. n.)
Outrossim, o recurso também não merece acolhida pelo malferimento ao art. 265, IV, do CPC/73. Quanto ao tema, defendem os recorrentes que a "(..) familia Rotilli ingressou com as seguintes ações conexas à famigerada divisão, a saber: - Embargos de Retenção, que tem finalidade de reter a coisa dados os investimentos monstruosos feitos em parte da área discutida, devido posse ancianíssima ou a longissimi temporis. - Ação declaratória negativa de domínio, c.c nulidade absoluta do laudo pericial da divisão, que a sentença ora recorrida veio a homologar, quando não podia. - Ação de usucapião contra o condomínio com base em prescrição aquisitiva. - Existe pendente, ainda, ação de terceiro, cujo interessado é Benevenuto Otoni, sobre nulidades absolutas de certidões e documentos falsos que foram usados na divisão" (fl. 3.220). Asseveram, ainda, que, "(..) em havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis (fl. 3.220).
Sem razão os recorrentes.
A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da paralisação consoante as circunstâncias.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior: "A paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" (AgInt no AREsp 846.717/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017).
2. No presente caso, a revisão do entendimento do acórdão recorrido, e o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de decidir sobre a existência ou não de prejudicialidade externa, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão impugnado, com o revolvimento das provas carradas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.743.319/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe de 26/08/2021, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. QUESTÃO FÁTICA QUE ENSEJOU PAGAMENTO DO SEGURO APRECIADA EM OUTRA DEMANDA DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA ANÁLISE. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 469 E 472 DO CPC/73. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. "Embora recomendável, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a suspensão dos processos individuais envolvendo a mesma questão, a fim de evitar conflitos entre soluções dadas em cada feito, caberá ao prudente arbítrio do juízo local aferir a viabilidade da suspensão processual, à vista das peculiaridades concretas dos casos pendentes e de outros bens jurídicos igualmente perseguidos pelo ordenamento jurídico" (REsp 1.240.808/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe de 14/04/2011).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 374.577/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020, g.n.)
No presente caso, como os próprios recorrentes afirmam, eles ajuizaram diversas ações no decurso de anos visando o mesmo objetivo, qual seja, questionar, por meios processuais, a divisão de terras objeto destes autos. E, uma vez propondo inúmeras ações, sustentam que o julgamento e respectiva homologação seria nulo, porque os processos deveriam ser julgados em conjunto, porque conexos.
A toda evidência, a argumentação possui frágil sustentação jurídica e evidente propósito protelatório, na medida em que acolher tal tese levaria a um círculo vicioso, pois bastaria propor uma ação e, tempos depois, provocar algum incidente processual para se forçar a anulação do julgamento da primeira ação, justamente porque não se julgaram as duas ações em conjunto. Nesse contexto, não se infere no caso ofensa ao referido art. 265 do CPC/73.
O recurso também não merece guarida pela alínea c do permissivo constitucional, em razão da ausência de similitude fático-jurídica entre o acórdão estadual e os três paradigmas apresentados, não sendo atendidas as regras do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015, combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ.
Nessa linha de intelecção, destacam-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
(..)
2. No caso, a recorrente não logrou demonstrar a divergência jurisprudencial nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Isto porque a interposição de recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional reclama o cotejo analítico dos julgados confrontados a fim de restarem demonstradas a similitude fática e a adoção de teses divergentes, máxime quando não configurada a notoriedade do dissídio.
3. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.832.858/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe de 07/05/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. MATÉRIA DE FATO DELINEADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
(..)
3. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 708.394/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 20/04/2020, DJe de 24/04/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 833, VIII, DO CPC/2015 E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
(..)
2. O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, à míngua do indispensável cotejo analítico.
3. Ademais, há ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma capaz de evidenciar o dissídio jurisprudencial.
4. Agravo interno não provido."
(AgInt nos EDcl no AREsp 1.357.083/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. em 29/4/2019, DJe de 2/5/2019 - g. n.)
Com estas considerações, conclui-se que o recurso especial não merece prosperar.
Ante o exposto:
a) rejeita-se a questão de ordem suscitada;
b) dá-se provimento aos três agravos internos para reconsiderar a decisão agravada; e
c) em novo exame, conhece-se em parte do recurso especial e, na extensão, nega-se-lhe provimento.
É como voto. | ACÓRDÃO
Após o voto-vista regimental do relator rejeitando a questão de ordem suscitada e dando provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno de ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno (fls. 3.696-3.726) interposto por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS contra decisão (fls. 3.609-3.612 e fls. 3.688-3.691), da lavra do então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Narram os autos que ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS promoveram ação de divisão (CPC/73, art. 967 e seguintes), em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O il. Juízo da 2ª Vara de Chapadão do Sul proferiu sentença, nos seguintes termos:
"Trata-se de ação de divisão prevista no art. 967 e seguintes do CPC, em sua fase executiva, onde os requerentes, após ajuizarem a competente ação divisória da denominada "Fazenda Campo Alegre", ingressaram com a presente execução judicial.
A sentença de primeira fase transitou em julgado (f. 991, verso) e, após o trâmite previsto na lei processual, foi deliberada acerca da partilha do imóvel, nos termos do artigo 979 do CPC, estabelecendo caber a cada condômino a área devidamente descrita e individualizada pelo perito nomeado, conforme mapa e memorial descritivo de f. 1.593/1.594, determinando-se a demarcação dos quinhões e competente memorial descritivo (f.1.737/1.743).
Apresentado o laudo pericial com respectivo memorial descritivo e ouvidas as partes, foi determinada, à f. 2063/2064, a expedição de Auto de Divisão. A determinação foi cumprida em 17 de maio de 2012, consoante certidão de f. 2.221 e Auto de f. 2.222/2.286.
Diante do exposto, HOMOLOGO o auto de divisão de f. 2.222/2.286 e por consequência a divisão executada nos presentes autos, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno os requeridos Selvino Rotili, Caetano Rotili e Celso Izidoro Rotili ao pagamento das custas processuais, eis que tão somente os mesmos se opuseram à execução, bem como a arcarem com honorários a favor do patrono dos autores que, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC, arbitro em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Expeça-se mandado de averbação ou registro (podendo a serventia imobiliária criar até novas matrículas, dando-se baixa nas anteriores, se for o caso) para cumprimento imediato, uma vez que eventual recurso da presente será recebido tão somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520, I do CPC. Instrua-se tal mandado com o Auto de Divisão, laudo pericial e memoriais descritivos.
Esse próprio mandado servirá de folha de pagamento, considerando as peculiaridades do caso, além do que a folha de pagamento é terminologia antiga, sendo relevante apenas o correto registro imobiliário." (fl. 2.767; grifou-se)
Irresignados com tal decisum, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi parcialmente conhecida e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
"APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTES QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referentes ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa."
Em face deste v. acórdão, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, agitaram embargos de declaração (fls. 3.113-3.119), os quais foram rejeitados.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o v. acórdão recorrido não está fundamentado nem sanou todos os vícios suscitados nos embargos de declaração. Como dito, o apelo nobre foi provido nesse ponto, ficando prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em razão da assunção deste relator ao cargo do Corregedor-Geral da Justiça Federal (CJF), os autos foram atribuídos ao em. Ministro Lázaro Guimarães, conforme consta à fl. 3.608.
O em. Ministro Lázaro Guimarães acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, nos termos da decisão ora agravada, da qual se decalca o seguinte excerto da fundamentação (fls. 3.611-3.612):
"Evidencia-se, no caso, omissão do acórdão recorrido em apreciar as alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial.
Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionadas."
Em face desta decisão, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões.
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra." (destaques no original)
Inconformados, ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS aviaram o agravo interno (fls. 3.696-3.726) ora em exame.
Com o retorno deste relator às atividades jurisdicionais perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ensejando o fim da convocação do douto Magistrado acima referido, foram os presentes autos conclusos a esta relatoria para análise do apelo.
Nas razões do agravo interno, ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS afirmam que deve haver o "chamamento do feito à ordem" para analisar a petição de fls. 3.579-3.602, na qual se noticiou o julgamento, com trânsito em julgado, do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do em. Ministro Luis Felipe Salomão, suscitando efeitos jurídicos daquele julgado no presente feito.
Sustentam, também, que "(..) os propósitos especificados pelos agravados - em qualquer hipótese, já efetivamente repelidos e trânsitos em julgado - , os quais expõem profusamente as falácias, aleivosias e sub-repções em detrimento dos agravantes na ação divisória e execução de sentença judicial 0000223-39.1999.8.12.0046, ou no Recurso Especial presente, em que, primordial e iterativamente, já se posicionam efetivamente repelidos e inapelavelmente abrangidos pelos efeitos da coisa julgada, como pronta e induvidosamente alentam todos os julgados ora colacionados e reiterados ao crivo desse SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA" (fls. 3.723-3.724 - destaques no original).
Ao final, requerem a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnação (fls. 3.799-3.804), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
O agravo em apreço não merece prosperar, na medida em que os agravantes não apresentaram argumentos jurídicos aptos a modificar a decisão vergastada.
Conforme relatado, o então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, proferiu a decisão ora agravada, para dar parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anulando o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e os subsequentes, e determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-MS para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito.
Compulsando os autos, infere-se que a decisão agravada deve ser confirmada, uma vez que, data venia, o eg. TJ-MS deixou de analisar teses essenciais para a completa prestação jurisdicional ao caso.
Com efeito, os embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTTILI e OUTROS, como bem assentou o em. Ministro Lázaro Guimarães, suscitaram omissões do v. acórdão da apelação, quanto à não realização de audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto das razões dos aclaratórios:
"Todos os interessados, autores e recorrentes foram envolvidos no conflito da divisão judicial sobre uma área de terras na região de Chapadão do Sul/MS, que o próprio e ilustre Relator, fez questão de colocar como premissas de suas decisões dentre elas destacando:
1) A sentença deve ser tornada sem efeito, pois questões incidentais na discussão do plano de divisão proposto foram omitidas de fundamentação, inclusive, ressalta que foram relegadas na fase do conhecimento relegando para a fase de execução, que nem constaram do relatório da referida sentença.
2) Durante o trâmite processual diversas foram as insurgências contra os laudos periciais apresentados, sendo certo que o julgador olvidou-se quanto ao pedido de realização de audiência para a oitiva do perito judicial, situação essa que também autoriza a declaração de insubsistência da sentença apelada.
3) No curso da fase executiva foram ingressadas com ações incidentais, as quais na sua ótica, teriam o condão de suspender o presente cumprimento de sentença, providência essa que, entretanto, não fora observada pelo julgador, cabendo, também por esse motivo, a declaração de insubsistência do respectivo provimento jurisdicional.
4) Os parâmetros e considerações lançadas pelo Sr. Perito Judicial encontram-se equivocados, já que não refletem a realidade, devendo o profissional ser ouvido pessoalmente para os devidos esclarecimentos.
5) Não se mostra correta a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios No valor de R$ 40.000,00, tampouco nas custas processuais.
AS QUESTÕES A SEREM ESCLARECIDAS EM GRAU DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
Em primeira omissão, nulo, s.m.j, está o julgamento efetuado no Tribunal de Justiça, quando foram anexados documentos novos pela parte ex adversa ou apelada e formulada manifestação a respeito, quando deveria ter dado vistas para os demais recorrentes para manifestar, pois a contrario sensu ocorre o cerceamento de defesa.
Não se tratou de mera juntada de petição de desistência, mas de juntada de documentos e acréscimo de sustentações a respeito do conflito, motivo porque o patrono dos demais recorrentes tinha que ter sido intimado para manifestar, obedecendo aos princípios do contencioso e do due processo f Law que são garantias constitucionais capituladas no art. 5º, inc. LIV e LV da CF/88.
A não abertura de prazo pra manifestação dos ora Embargantes fere o art. 398 do Código de Processo Civil "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." Pois conforme dito anteriormente não trata apenas de um pedido de desistência.
Em segunda obscuridade, as nulidades fundamentais de cerceamento de defesa, todas elencadas na segunda fase do processo de divisão, NÃO ESPECIFICADAS NO ACÓRDÃO, é a única oportunidade que a parte interessada e beneficiária da alegação tinha para impugnar e os seus argumentos quando relevantes devem ser objeto de dilação probatória e de abrangente fundamentação, o que, com o perdão da palavra, não houve no caso sub judice.
Por isso, o voto do Revisor afronta a lei e o direito, porque atos judiciais e/ou processuais quando realizados com ofensa a direitos da parte litigante por criar nulidades ABSOLUTAS na segunda fase da lide, viola o art. 166, II e IV, art. 168 e 169 do Código Civil, de modo que simplesmente não existe coisa julgada, como pretendeu o Revisor. NULIDADES NÃO CONVALESCE COM 0 TEMPO E NÃO EXISTE PRECLUSÇAO CONSUMATIVA POR NULIDADES ABSOLUTAS. 0 NULO NÃO PRODUZ EFEITO NO MUNDO JURÍDICO E NEM CONVALESCE COM O TEMPO.
O voto do Revisor feriu de morte o art. 970, 979 e 980 do Código de Processo Civil, em especial o art. 979, que assim dispõe:
Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 963 e 964, as seguintes regras:
I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;
II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;
III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;
IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro.
De modo que todos os incidentes deverão ser argüidos somente quando da apresentação do laudo em juízo com o plano de partilha e, foi o que aconteceu no caso sub judice, a insurgência objetiva e fundamentada que deveriam ser esclarecidas em audiência e não foram, como a sentença de homologação não fundamentou quantum satis, de modo a cumprir o art. 458, II do Código de Processo Civil, podendo dizer que foi citra petita.
Se não bastasse tudo isso, cumpre ainda salientar que a decisão na fase de deliberação da partilha, E DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA.
Há de ser esclarecido a natureza da decisão recorrida e por outro lado, é nula porque não se trata de SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA, considerando que havia contencioso, de modo que a mesma é insubsistente, bem como, eivada de nulidades absolutas, MOTIVO PORQUE, SIMPLESMENTE NÃO EXISTE COISA JULGADA COMO QUIS 0 V. ACÓRDÃO.
Outrossim, não se aplica ao caso em comento o principio da unirrecorribilidade, para negar provimento ao recurso de apelação, pois na realidade a r. sentença de primeiro grau foi atacada através do competente e cabível recurso de apelação, motivo pelo qual deveria ter sido apreciado o mérito do recurso de apelação pelo revisor, eis que não a que se falar em preclusão consumativa ou coisa julgada.
Neste aspecto deve haver esclarecimento porque ocorreu obscuridade e manifesto cerceamento de defesa, inclusive, com referência aos pontos alegados que não fora objeto de fundamentação quantum satis.
Em terceira obscuridade, nulidades absolutas por error in procedendo et in judicando, não transitam em julgado, nem se pode falar em preclusão consumativa, quando a lide está em plena discussão na seara dos recursos. Os argumentos foram alegados na fase própria, está pendente de recurso em grau de apelação, de modo que não há de falar em perda de oportunidade de alegar o direito.
O Ilustre e honrado Relator, como sendo um homem justo e honrado, especificou os casos de nulidades que não foram respondidas pelo voto divergente as afirmativas do relator consistente no seguinte:
1º Nulidade da sentença homologatória por cerceamento de defesa, vez que não foram enfrentadas e sequer relatadas as questões argüidas pela Família Rottili quanto as máculas do laudo pericial, as quais tiveram a análise relegada para a fase da execução.
2º Nulidade da sentença porque, embora durante todo o processo tenha havido discordância sobre o laudo pericial, apontando-se diversas omissões e irregularidades, quando terminado e entregue o laudo de plano de divisão e de cortes geodésicos, o Magistrado deixou de designar audiência para ouvir as partes e os peritos a fim de que fossem justificados os defeitos alegados. Assim, diz que a falta de Audiência nulifica o processo por manifesto cerceamento de defesa.
3º que a sentença não poderia ter sido proferida, por afronta ao art. 265, IV a do Código de Processo Civil, ou seja, a concessão de quinhões só poderia ocorrer, após o julgamento das ações incidentes que versam sobre o mesmo objeto da causa e atribuem nulidade ao laudo pericial.
4º No mérito, sustentam, mais uma vez que o laudo pericial padece de nulidades, que não se homologa plano de divisão contestado e impugnado sem audiência e sem julgar por sentença na forma do art. 458 do CPC. Ademais alega que não se concebe que os apelantes sejam condenados em R$ 20.000,00 a título de honorários advocatícios, bem como apagar despesas de honorários e outros encargos, vez que a sentença objurgada não apreciou os argumentos e interesses dos condenados.
Fecha o relator que a preliminar de nulidade da sentença porque as questões alçadas ainda na fase de conhecimento referentes às benfeitorias e frutos existentes no imóvel, não foram objetivamente analisados nos autos executivos, sendo tal omissão repetida na sentença recorrida, momento para que sejam apreciados os direitos dos condôminos (fls.2288), LOGO SERIA SENTENÇA CITRA PETITA.
Nulidades absolutas alegadas in tempore próprio, não transitam em julgado e que a DECISÃO DE HOMOLOGAÇÃO, não cabe no caso, porque tem natureza apenas INTERLOCUTORIA, enquanto que a decisão só poderia ser julgada por sentença em face do contencioso no plano de divisão.
Neste aspecto devem ser esclarecidos tais argumentos, mostrando objetivamente em que trechos da sentença ou da decisão homologatória teria sido rechaçados as nulidades alegadas, para aplicar o art. 301, §§ 1º ao 3º, do CPC, já que não existe qualquer reprodução sentença ou decisão, anteriormente proferida, porque não FOI OBJETIVADO NO VOTO DO REFERIDO REVISOR."
Por sua vez, o eg. TJ-MS rejeitou tal recurso, nos termos do v. acórdão de fls. 3.136-3.157, sem, data venia, analisar e sanar os vícios apontados, os quais têm relevância para o resultado da lide.
No apelo nobre, ao apontar ofensa ao art. 535 do CPC/73, foram reiterados os alegados vícios, como se infere das razões do apelo nobre (fls. 3.193-3.230).
Nesse panorama, tem-se que o apelo merece provimento pela ofensa ao art. 535 do CPC/73, pois está configurada a ofensa a temas essenciais ao deslinde da controvérsia.
Como sabido, caso a eg. Corte Estadual não se manifeste sobre tema necessário ao desate da contenda, fica obstaculizado o acesso à instância extrema, cabendo à parte vencida invocar, como no caso, a infringência do art. 535 do CPC/73, a fim de anular o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo supra o vício existente. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO MANTIDA.
1. Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022 do CPC/2015, devendo o recurso especial ser provido para anular o acórdão, com determinação de retorno dos autos à origem, para que seja suprido o vício.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.113.795/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 1º/03/2018, DJe de 15/03/2018 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TELEFONIA. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MODALIDADE. PCT. OMISSÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Há violação do art. 1.022 do CPC/15 quando, apesar do requerimento da parte, a Corte de origem se recusa a se manifestar sobre as questões federais que lhe foram apresentadas por ocasião dos embargos de declaração, relevantes ao deslinde da controvérsia.
2. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam sanados os vícios verificados."
(AgInt nos EDcl no REsp 1.702.509/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe de 24/08/2018 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (IFPD) E INVALIDEZ LABORATIVA PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (ILPD). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. APOSENTADORIA. ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. PERÍCIA. NECESSIDADE.
(..)
4. O acórdão recorrido não se manifestou sobre questões essenciais para o julgamento da causa, pressuposto indispensável para o exame do recurso especial, motivo pelo qual reconhece-se a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 952.515/SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/6/2017 - grifou-se)
No caso em apreço, foi alegada e demonstrada a ofensa ao art. 535 do CPC/73, de modo que deve ser confirmada a decisão ora agravada.
É importante consignar, ainda, que é inviável o suposto "chamamento do feito à ordem", ante o não exame de petição dos ora agravantes às fls. 3.579-3.602, na qual foi noticiado o trânsito em julgado do REsp 1.296.917/MS. Com efeito, no recurso especial dos ora agravados, foi acolhida a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, ficando prejudicado, ainda, o exame do mérito. Por sua vez, eventuais efeitos de outros processos, como alegam os agravantes na referida petição e no agravo interno em liça, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Com essas considerações, conclui-se que o apelo não merece prosperar.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
QUESTÃO DE ORDEM
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:
Cuida-se de agravos internos (fls. 3.696-3.726, 3.729-3.745 e 3.747-3.792) interpostos respectivamente por ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS, ESPÓLIO DE ESSÊNCIO COLLADO E OUTRO e MAURÍCIO JORGE MUNIZ contra as decisões de fls. 3.609-3.612 e 3.688-3.691, da lavra do então relator, e. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ocorrência de negativa de prestação jurisdicional ante a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Depreende-se dos autos que ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS promoveram ação de divisão, em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O magistrado a quo proferiu sentença (fl. 2.767) para homologar o auto de divisão, com a determinação de expedição de mandado de averbação ou registro imobiliário.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, interpuseram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi conhecida em parte e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTE QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referente ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa.
Os primeiros embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTILI e OUTROS foram rejeitados, sendo os aclaratórios (fls. 3.110-3.111) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos do acórdão às fls. 3.136-3.157.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTILI e OUTROS foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73, enquanto que os aclaratórios (fls. 3.164-3.166) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ foram rejeitados, consoante o aresto às fls. 3.180-3.183.
CAETANO ROTTILI e OUTROS, interpuseram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o acórdão recorrido não estaria adequadamente fundamentado, tampouco teria sanado todos os vícios suscitados nos embargos de declaração.
No mérito, apontaram, além de dissídio jurisprudencial, malferimento aos arts. 433 e 435 do CPC/73, ao argumento de que esses artigos "(..) impõem a realização de audiência de instrução e julgamento quando as partes, justificadamente, postularem os necessários esclarecimentos a respeito do laudo pericial, como ocorre no caso em debate" (fls. 3.215).
Aduziram infringência aos arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002, afirmando a ocorrência de nulidades absolutas a afastar a aplicação do instituto da coisa julgada.
Sustentaram, além de dissídio jurisprudencial, violação ao art. 398 do CPC/73, pois o acórdão estadual "(..) formulou expresso juízo de valor sobre vários documentos novos, anexados pelos recorridos - SEM DAR PRÉVIA CIÊNCIA OU VISTA dos referidos documentos, o que caracteriza, SEM SOBRA DE DÚVIDAS GRAVE OFENSA AO CONTRADITÓRIO" (fls. 3.218).
Indicaram, ainda, malferimento, ao art. 265, IV, do CPC/73 ao argumento de que "(..) havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis" (fls. 3.220).
Os autos subiram ao exame desta Corte Superior.
Na petição de fls. 3579-3602, ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS, ora agravantes, noticiaram, em caráter de urgência, em síntese: a) já ter havido prévia e contenciosa conferência da respectiva divisão proprietária das terras que transitou em julgado em 20/03/1995; b) existir deliberação judicial emanada do RESP 1.296.917/MS, relator e. Ministro Luis Felipe Salomão, transitada em julgado, oriunda do agravo de instrumento nº 2010.037263-4/0000/00 que enseja efeitos preclusivos e prejudiciais à questão travada no reclamo dada a identidade de partes, causa de pedir e pedido; e, c) ocorrência de má-fé processual.
Sem a análise do quanto aduzido na petição acima noticiada, o reclamo foi provido pelo então relator e. Ministro Lázaro Guimarães que acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73 e cassou o acórdão embargado para que o Tribunal de origem sanasse o vício de omissão acerca da não apreciação das "alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial". Em consequência, reputou prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em face da referida deliberação, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões.
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra." (destaques no original)
Inconformados, ALBERTO JORGE MUNIZ e OUTROS manejaram o agravo interno de fls. 3.696-3.726 no qual afirmam a necessidade de que ocorra o "chamamento do feito à ordem" para analisar a petição de fls. 3.579-3.602, na qual se noticiou o julgamento, com trânsito em julgado, do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do e. Ministro Luis Felipe Salomão, suscitando efeitos jurídicos daquele julgado no presente feito.
Sustentam, também, que "(..) os propósitos especificados pelos agravados - em qualquer hipótese, já efetivamente repelidos e trânsitos em julgado - , os quais expõem profusamente as falácias, aleivosias e sub-repções em detrimento dos agravantes na ação divisória e execução de sentença judicial 0000223-39.1999.8.12.0046, ou no Recurso Especial presente, em que, primordial e iterativamente, já se posicionam efetivamente repelidos e inapelavelmente abrangidos pelos efeitos da coisa julgada, como pronta e induvidosamente alentam todos os julgados ora colacionados e reiterados ao crivo desse SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA" (fls. 3.723-3.724).
Ao final, requerem a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a Quarta Turma.
Nas razões do agravo interno de fls. 3.729-3.745, o ESPÓLIO DE ESSÊNCIO COLLADO E OUTRO "(..) requer o direito de pugnar à Vossa Excelência que reconsidere a decisão prolatada, uma vez que no julgado do Resp. 1.296.917-MS, a matéria posta à exame nestes autos, foi devidamente apreciada e transitara em julgado em 16/11/2016, tendo em vista que a causa de pedir são idênticos e dessa forma pedidos repetitivos devem ser apreciados o que não aconteceu quando da apreciação de fls. 3579 a 3602 os elementos de fato e de direito ali apontados versam sobre a incidência de coisa julgada material por colegiado" (fls. 3.744-3745).
No agravo interno de MAURÍCIO JORGE MUNIZ (fls. 3.747-3.792) afirma que a suposta ofensa ao art. 535 do CPC/73 já teria sido analisada nos autos do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do e. Ministro Luis Felipe Salomão, transitado em julgado em 16/11/2018.
Sustenta violação ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, na medida em que as decisões agravadas - que deram provimento ao REsp da parte contrária para reconhecer a violação ao art. 535 do CPC/73 - não analisaram alegações trazidas na impugnação dos aclaratórios, quanto aos efeitos do julgamento do REsp 1.296.917/MS nestes autos.
Aduz, também, que não há como "(..) acolher a ofensa ao art. 535 do CPC/73, vez que ainda que houvesse alegada omissão, que não há, ainda assim a recepção do recurso estaria fadada ao insucesso, vez que não transporia o obste da jurisprudência consolidada desta Turma e do STJ", quanto à alegada ofensa ao art. 265 do CPC/73.
Assevera, ainda, quanto ao art. 433 do CPC/73, que somente "(..) na segunda apelação interposta (fls. 2.809-2.825) é que o houve a inovação recursal, onde se insurgem contra a não realização da audiência ora reclamada e, como visto alhures, nunca houve pedido expresso da realização desta" (fl. 3.790).
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnações (fls. 3.799-3.804 e 3.806-3.813), pelo desprovimento do recurso.
Na petição de fls. 3.817-3.851, ALBERTO JORGE MUNIZ E OUTROS noticiaram a existência de fato superveniente e extintivo do direito reclamado no recurso especial, porquanto no âmbito do REsp nº 1.817.845/MS (2016/0147826-7), originário do processo nº 0800706-16.2011.8.12.0046 - ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes de ato ilícito e assédio processual, movida pelos agravantes e outros em face dos agravados -, esta Corte Superior, o colegiado da Terceira Turma, relatora para acórdão a e. Ministra Nancy Andrighi, reconheceu o dever de indenizar ante a existência de má-fé processual pelo uso abusivo, indevido, sucessivo e repetitivo, nos últimos 39 anos, de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas unicamente com propósito doloso pelos usurpadores da terra que visavam retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários.
Afirmaram os peticionantes que a ocorrência de abuso do direito de ação e de defesa, por parte dos ora agravados, tendo em vista o ajuizamento sucessivo e repetitivo de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas com flagrante propósito doloso e de má-fé, incluem todas as razões e manifestações aduzidas pelos agravados no contexto do presente feito, motivo pelo qual, por corroborar a referida deliberação ao quanto aduzido no agravo interno deve o petitório ser apreciado por influenciar no julgamento da questão.
Por oportuno, transcreve-se a ementa do referido julgado:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. OMISSÃO E OBSCURIDADE. INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. QUESTÃO DECIDIDA. ABUSO DO DIREITO DE AÇÃO E DE DEFESA. RECONHECIMENTO COMO ATO ILÍCITO. POSSIBILIDADE. PRÉVIA TIPIFICAÇÃO LEGAL DAS CONDUTAS. DESNECESSIDADE. AJUIZAMENTO SUCESSIVO E REPETITIVO DE AÇÕES TEMERÁRIAS, DESPROVIDAS DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA E INTENTADAS COM PROPÓSITO DOLOSO. MÁ UTILIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE AÇÃO E DEFESA. POSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE TERRAS AGRÍCOLAS PRODUTIVAS MEDIANTE PROCURAÇÃO FALSA POR QUASE 40 ANOS. DESAPOSSAMENTO INDEVIDO DOS LEGÍTIMOS PROPRIETÁRIOS E HERDEIROS E MANUTENÇÃO DE POSSE INJUSTA SOBRE O BEM MEDIANTE USO DE QUASE 10 AÇÕES OU PROCEDIMENTOS SEM FUNDAMENTAÇÃO PLAUSÍVEL, SENDO 04 DELAS NO CURTO LAPSO TEMPORAL CORRESPONDENTE À ÉPOCA DA ORDEM JUDICIAL DE RESTITUIÇÃO DA ÁREA E IMISSÃO NA POSSE DOS HERDEIROS, OCORRIDA EM 2011. PROPRIEDADE DOS HERDEIROS QUE HAVIA SIDO DECLARADA EM 1ª FASE DE AÇÃO DIVISÓRIA EM 1995. ABUSO PROCESSUAL A PARTIR DO QUAL FOI POSSÍVEL USURPAR, COM EXPERIMENTO DE LUCRO, AMPLA ÁREA AGRÍCOLA. DANOS MATERIAIS CONFIGURADOS, A SEREM LIQUIDADOS POR ARBITRAMENTO. PRIVAÇÃO DA ÁREA DE PROPRIEDADE DA ENTIDADE FAMILIAR, FORMADA INCLUSIVE POR MENORES DE TENRA IDADE. LONGO E EXCESSIVO PERÍODO DE PRIVAÇÃO, PROTRAÍDO NO TEMPO POR ATOS DOLOSOS E ABUSIVOS DE QUEM SABIA NÃO SER PROPRIETÁRIO DA ÁREA. ABALO DE NATUREZA MORAL CONFIGURADO. MODIFICAÇÃO DO TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO. NECESSIDADE, NA HIPÓTESE, DE EXAME DE CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICO-PROBATÓRIAS NÃO DELINEADAS NO ACÓRDÃO. SÚMULA 7/STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
1- Ação ajuizada em 08/11/2011. Recursos especiais interpostos em 15/08/2014 e 19/08/2014.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se houve omissão ou obscuridade relevante no acórdão recorrido; (ii) se o ajuizamento de sucessivas ações judiciais pode configurar o ato ilícito de abuso do direito de ação ou de defesa; (iii) se o abuso processual pode acarretar danos de natureza patrimonial ou moral; (iv) o termo inicial do prazo prescricional da ação de reparação de danos fundada em abuso processual.
3- Ausente omissão ou obscuridade no acórdão recorrido que se pronuncia, ainda que sucintamente, sobre as questões suscitadas pela parte, tornando prequestionada a matéria que se pretende ver examinada no recurso especial, não há que se falar em violação ao art. 535, I e II, do CPC/73.
4- Embora não seja da tradição do direito processual civil brasileiro, é admissível o reconhecimento da existência do ato ilícito de abuso processual, tais como o abuso do direito fundamental de ação ou de defesa, não apenas em hipóteses previamente tipificadas na legislação, mas também quando configurada a má utilização dos direitos fundamentais processuais.
5- O ardil, não raro, é camuflado e obscuro, de modo a embaralhar as vistas de quem precisa encontrá-lo. O chicaneiro nunca se apresenta como tal, mas, ao revés, age alegadamente sob o manto dos princípios mais caros, como o acesso à justiça, o devido processo legal e a ampla defesa, para cometer e ocultar as suas vilezas. O abuso se configura não pelo que se revela, mas pelo que se esconde.
Por esses motivos, é preciso repensar o processo à luz dos mais basilares cânones do próprio direito, não para frustrar o regular exercício dos direitos fundamentais pelo litigante sério e probo, mas para refrear aqueles que abusam dos direitos fundamentais por mero capricho, por espírito emulativo, por dolo ou que, em ações ou incidentes temerários, veiculem pretensões ou defesas frívolas, aptas a tornar o processo um simulacro de processo ao nobre albergue do direito fundamental de acesso à justiça.
6- Hipótese em que, nos quase 39 anos de litígio envolvendo as terras que haviam sido herdadas pelos autores e de cujo uso e fruição foram privados por intermédio de procuração falsa datada do ano de 1970, foram ajuizadas, a pretexto de defender uma propriedade sabidamente inexistente, quase 10 ações ou procedimentos administrativos desprovidos de fundamentação minimamente plausível, sendo que 04 destas ações foram ajuizadas em um ínfimo espaço de tempo - 03 meses, entre setembro e novembro de 2011 -, justamente à época da ordem judicial que determinou a restituição da área e a imissão na posse aos autores.
7- O uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 14 anos subsequentes ao trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória não pode ser qualificado como lícito e de boa-fé nesse contexto, de modo que é correto afirmar que, a partir da coisa julgada formada na primeira fase, os usurpadores assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos legítimos proprietários.
8- Dado que a área usurpada por quem se valeu do abuso processual para retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários era de natureza agrícola e considerando que o plantio ocorrido na referida área evidentemente gerou lucros aos réus, deve ser reconhecido o dever de reparar os danos de natureza patrimonial, a serem liquidados por arbitramento, observado o período dos 03 últimos anos anteriores ao ajuizamento da presente ação, excluídas da condenação a pretensão de recomposição pela alegada retirada ilegal de madeira e pela recomposição de supostos danos ambientais, que não foram suficientemente comprovados.
9- Considerando a relação familiar existente entre os proprietários originários das terras usurpadas e os autores da ação, o longo período de que foram privados do bem que sempre lhes pertenceu, inclusive durante tenra idade, mediante o uso desenfreado de sucessivos estratagemas processuais fundados na má-fé, no dolo e na fraude, configura-se igualmente a existência do dever de reparar os danos de natureza extrapatrimonial que do ato ilícito de abuso processual decorrem, restabelecendo-se, quanto ao ponto, a sentença de procedência.
10- É inadmissível o exame da questão relacionada ao termo inicial da prescrição da pretensão reparatória quando, para a sua modificação, houver a necessidade de reexame de elementos fático-probatórios não descritos no acórdão recorrido, como, por exemplo, o exame da data em que cada um dos muitos herdeiros atingiu a maioridade civil.
11- Não se conhece do recurso especial fundado na divergência quando ausente o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e o paradigma invocado, sobretudo quando se verifica, da simples leitura da ementa, a notória dessemelhança fática entre os julgados alegadamente conflitantes.
12- Recursos especiais conhecidos e parcialmente providos.
(REsp 1817845/MS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 17/10/2019) - grifos nossos
O e. relator, Ministro Raul Araújo, já no retorno das funções exercidas perante o CJF, nos judiciosos votos que apresenta, nega provimento aos agravos internos mantendo a fundamentação acerca da negativa de prestação jurisdicional.
Relativamente à apontada omissão atinente ao "chamamento do feito à ordem" asseverado na petição de fls. 3579-3602, aduz o seguinte:
É importante consignar, ainda, que inviável a alegada o suposto (sic) "chamamento do feito à ordem", ante o não exame de petição dos ora Agravante à fls. 3.579-3.602 na qual foi noticiado o trânsito em julgado do Resp n. 1.296.917/MS. Com efeito, no recurso especial dos ora Agravados foi acolhida a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, ficando prejudicado, ainda, o exame do mérito. Por sua vez, eventuais efeitos de outros processos, como alegam os agravantes na referida petição e no agravo interno em liça, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp n. 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
O e. relator não tece considerações acerca do quanto alegado no petitório de fls. 3.817-3.851 conforme referido pelo advogado da tribuna.
Dada a relevância da questão posta a julgamento pedi vista antecipada dos autos para melhor exame da controvérsia.
É o relatório.
Apresenta-se essa questão de ordem e propõe-se o cancelamento do julgamento dos agravos internos e, consequentemente, dos pedidos de vista formulados a fim de que os autos retornem ao exame do e. relator para que proceda à análise do quanto aduzido nas petições apresentadas, essas que evocam fatos e questões processuais supervenientes aptas a influenciarem no julgamento da controvérsia.
De início, é prudente mencionar que, em tese, divergiria do e. relator para dar provimento aos agravos internos e afastar a mencionada negativa de prestação jurisdicional tecida nas preliminares do recurso especial, porquanto a Corte local, na compreensão deste signatário, teria analisado detidamente cada uma das omissões apontadas, não sendo viável cogitar em violação ao artigo 535 do CPC/73 em razão do pronunciamento não ter sido favorável à tese dos então recorrentes.
Para elucidar, os motivos aduzidos para o acolhimento do apontado vício no julgado dizem respeito "à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial", os quais foram objeto de expressa, adequada e bem fundamentada análise nos seguintes trechos do acórdão recorrido que são, nesta oportunidade, delimitados em tópicos para uma melhor compreensão dos pontos.
a) Do teor do laudo pericial:
Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial.
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra-se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário.
b) Da apontada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento:
Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura.
c) Das ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide:
Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas.
Em verdade, tal argumentação, não passa de mais uma tentativa de sobrestar ao máximo o deslinde do caso.
Como se vê, em tese, as temáticas apontadas como omitidas foram, no sentir deste signatário, apreciadas de modo claro e bem fundamentado pela Corte local, a ensejar o afastamento da apontada preliminar de negativa de prestação jurisdicional.
No entanto, por ora, deixa-se de proferir voto divergente pois, apesar dos pedidos de vista formulados, existem temáticas precedentes e eventualmente prejudiciais ao julgamento do feito cuja análise do relator afigura-se imprescindível.
É certo que sobre a petição de fls. 3817-3851, na qual noticiado o julgamento do REsp nº 1.817.845/MS - originário do processo nº 0800706-16.2011.8.12.0046, ação indenizatória por danos materiais e morais decorrentes de ato ilícito e assédio processual, no âmbito do qual o colegiado da Terceira Turma reconheceu o dever de indenizar ante a existência de má-fé processual pelo uso abusivo, indevido, sucessivo e repetitivo, nos últimos 39 anos, de ações temerárias, desprovidas de fundamentação idônea e intentadas unicamente com propósito doloso pelos usurpadores da terra (leia-se, ora agravados/recorrentes) que visavam retardar a imissão na posse dos legítimos proprietários -, não teceu o e. relator qualquer consideração.
Certamente, o quanto aduzido no referido petitório, atinente ao fato superveniente relativo ao julgamento do REsp nº 1.817.845/MS, tem o condão de influenciar sobremaneira o desate da presente controvérsia, notadamente quando estabelecido pela Corte local no presente feito que, no tocante às matérias concernentes ao laudo pericial e nulidade do processo ante a não designação de audiência, essas já foram apreciadas em diversas outras oportunidades e quanto às demais ações ajuizadas - essas reputadas inclusive pelo STJ como temerárias, indevidas, sucessivas e repetitivas - não influenciariam a homologação da divisão, pois as questões referentes à divisibilidade da área e às apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada.
Ademais, ainda que tenha o e. relator tecido considerações - já no voto do agravo interno - acerca do quanto aduzido no primeiro petitório apresentado às fls. 3579-3602, asseverando que apenas analisou a tese de violação a artigo 535 do CPC/73 e não o mérito da questão controvertida e que o acolhimento da preliminar de negativa de prestação jurisdicional teria o condão de transferir à Corte local o exame aprofundado das questões prejudiciais, é certo que essas mesmas questões prejudiciais influenciam primeiro e principalmente o exame a ser realizado no âmbito desta Corte Superior, notadamente quando delas é possível extrair a repetição de argumentos e entraves processuais manejados pelos supostos usurpadores da terra, que apenas visam retardar, ainda mais, a imissão de posse dos legítimos proprietários.
Não é por outra razão que o legislador processual previu, expressamente que, se depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento do mérito, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a decisão.
Assim, em razão do todo exposto, propõe-se a presente questão de ordem para cancelar o julgamento dos agravos internos e, consequentemente, dos pedidos de vista formulados a fim de que os autos retornem ao exame do e. relator para que proceda à análise do quanto aduzido nas petições apresentadas, essas que evocam fatos e questões processuais supervenientes aptas a influenciarem no julgamento da controvérsia.
É a proposição.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Retomando o julgamento, após vista regimental, relembro o caso.
Trata-se de execução de sentença proferida em ação de divisão de imóvel rural, com extinção da comunhão sobre a área total do imóvel, julgada procedente (v. fls. 407 a 499).
Na sessão de julgamento realizada em 5/dez/2019, de três agravos internos interpostos contra decisão monocrática da lavra do anterior relator, eminente Ministro Lázaro Guimarães, que dera parcial provimento ao recurso especial dos ora agravados ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO para reconhecer a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo, apresentei votos, como relator sucessor, confirmando a referida decisão monocrática.
O eminente Ministro Marco Buzzi pediu vista e, na sessão de julgamento de 5/mai/2020, suscitou questão de ordem no sentido de anular o julgamento dos agravos internos em exame, porque os votos anteriores desta relatoria, negando provimento aos agravos internos, não teriam examinado a petição de fls. 3.817/3.851, na qual se noticia o julgamento do REsp 1.817.845/MS, originário de ação indenizatória decorrente de ato ilícito e assédio processual na qual a eg. Terceira Turma reconheceu a má-fé processual dos ora agravados.
Adiantou, então, que, em tese, caso superada a questão de ordem, inauguraria divergência para dar provimento aos agravos internos, uma vez que entendia ter o v. acórdão estadual examinado devidamente os temas apontados no recurso especial como omissos e, por tal razão, rejeitava a alegada violação ao art. 535 do CPC/73.
- I -
Em razão da questão de ordem suscitada, solicitei vista regimental, para exame da petição indicada, a qual, de fato, não fora apreciada.
Na referida petição, noticia-se que, nos autos do REsp 1.817.845/MS, de relatoria para acórdão da em. Ministra Nancy Andrighi, relativo a ação indenizatória, os ora agravados foram condenados a indenizar os ora agravantes a título de danos morais e materiais por "assédio processual", por terem proposto diversas ações e incidentes processuais referentes ao mesmo litígio trazido nestes autos.
Em suas considerações iniciais sobre aquela controvérsia, a il. Ministra Nancy Andrighi delimitou o objeto da demanda registrando que uma das matrizes daquela ação indenizatória seria justamente a ação divisória originária da presente execução, que, à época do julgamento do REsp 1.817.845/MS, continuava em tramitação e ainda não havia recebido a sentença homologatória, na segunda fase da demanda. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do voto ali proferido:
"A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos).
A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995.
É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento - e estamos no ano de 2019 - a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação.
Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos.
Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981.
Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994.
Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011.
Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011.
É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros." (fls. 1.588/1.590 daqueles autos)
A em. Ministra Nancy Andrighi assinala, em seu voto, que o abuso processual estaria configurado em razão da propositura, pelos ora agravados, de diversas ações e incidentes processuais, após o trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos agravantes sobre os 1.500 hectares de terra da "Fazenda Campo Alegre". É o que se verifica no seguinte trecho do voto da il. Relatora:
"A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje - ano de 2019 - não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981.
Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Superior Tribunal de Justiça Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário.
A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como - e sobretudo - com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra.
A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes.
Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes - de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes -, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes.
É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.
Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.
Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados." (fls. 1.600/1.601 daqueles autos)
Com estas considerações, entendo que a decisão proferida naquele REsp 1.817.845/MS não atrai a competência para o julgamento deste recurso especial, uma vez que, como bem apontado pela il. Ministra Nancy Andrighi, a ação divisória executada nestes autos não se confunde com a ação indenizatória ali apreciada, pois a presente ação é uma das matrizes daquela demanda, juntamente com a ação de usucapião e outras também intentadas pelos ora agravados. Portanto, aquele julgamento não tem o condão de afetar diretamente o direito reclamado neste recurso especial, nesta outra ação.
Desse modo, não há vício a ensejar a anulação do julgamento dos presentes agravos internos, conjuntamente ora apreciados, motivo pelo qual, com a devida venia, dou por superada a questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Marco Buzzi.
- II -
Por outro lado, avançando no exame do agravo interno no recurso especial e considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Marco Buzzi, tem-se que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois, de fato, não houve ofensa ao art. 535 do CPC/73 no v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça.
Com efeito, o eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos, como se infere da leitura dos seguintes excertos do v. acórdão estadual:
- Referente às conclusões do laudo pericial
"Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4.466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial."
"Trata-se de procedimento recursal de Agravo contra decisão proferida pelo juízo da 2" Vara, da Comarca de Chapadão do Sul, interposto em face da decisão que deliberou a partilha, nos autos da Execução de Título Executivo Judicial, n. 046990002239.
(..)
Passo, então, a deliberar sobre a partilha de parte do imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", transcrito sob o nº 2560 do Cartório de Registro de Imóveis de Paranaíba, que perfaz 13.510,6589 ha mais o excesso encontrado, totalizando 13.885,6768 ha.
Para tanto adoto como principal elemento balisador os amplos e minuciosos laudos periciais anexos aos autos, que seguiu todas as resoluções já traçadas pela sentença executada e, bem assim, todo o suporte fático apresentado no curso destes autos. Por esta razão, a tabela abaixo que conta com a compensação e distribuição - - decorrente da área titulada e excesso encontrado é capaz de demonstrar a área total que cabe a cada condômino, que é devidamente complementada pelo mapa geral do plano de divisão constante à fl. 1.593/1.594 dos autos:
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra- se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário." (fl. 3.105)
- No tocante à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fl. 3.106)
- No pertinente à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide
"Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas." (fl. 3.106)
Na leitura dos excertos ora transcritos, verifica-se que, de fato, o v. acórdão estadual não foi omisso, o que enseja a rejeição da alegada ofensa ao art. 535 do CPC/73.
- III -
Assim, a decisão agravada deve ser reconsiderada, passando-se ao exame dos demais temas trazidos no especial, que tinham sido considerados prejudicados na decisão ora atacada.
Avançando, no apelo especial, alega-se cerceamento de defesa e violação aos arts. 398 do CPC/73 e ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Para os recorrentes, teria havido cerceamento de defesa porque o eg. Tribunal de origem teria considerado diversos documentos juntados pela parte contrária, sem a abertura de prazo para manifestação dos ora recorrentes, o que também violaria o due process of law.
De plano, não se conhece da alegada violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88, pois se trata de matéria constitucional, cujo exame compete ao col. Supremo Tribunal Federal, consoante preconiza o art. 102 da Carta Magna.
No tocante ao art. 398 do CPC/73, é valiosa a transcrição do seguinte excerto do v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração, na origem:
"Alegam os embargantes omissão no tocante à inobservância ao princípio do devido processo legal, por não ter sido oportunizado aos embargantes que se manifestassem acerca da petição de desistência do recurso (f. 2524/2526), ato que deveria ser feito, porque tal petição traz acréscimos de sustentação relevantes, de modo que, tal falta, enseja no cerceamento de defesa e infringe o disposto no art. 398 do CPC.
Como se vê dos autos, às fls. 2524-2526 foi acostada petição pugnando-se pela desistência do recurso em relação a Selvino Rotili e sua esposa Arminda Nicole Rotili, pedido que foi homologado quando do julgamento do acórdão.
(..)
Outrossim, cabe afirmar que a petição de fl. 2533-2536 foi analisada somente quanto ao pedido de desistência e que nada que mais conste lá foi considerado, como bem pode ser observado do acórdão de fl. 2543-2561.
Vê-se que o embargante, embora alegue que foi prejudicado, não apontou nenhum prejuízo concreto decorrente da juntada da referida petição. E sabido que sem prejuízo não há falar em nulidade.
Desse modo, não há falar na aponta omissão." (fls. 3.119/3.121)
Na leitura do excerto ora transcrito, não se verifica ofensa ao referido dispositivo legal. Isso, porque os recorrentes não afirmam qual o prejuízo que supostamente tenham sofrido da análise e acolhida de petição, sobre a qual o eg. Tribunal a quo analisou apenas o pedido de desistência, que pode ser requerido pela parte a qualquer momento, nos termos do art. 501 do CPC/73.
Assim, considerando-se que, pelo princípio da instrumentalidade das formas, inexiste nulidade sem prejuízo, deve ser rejeitada a tese de cerceamento de defesa, bem como a suposta ofensa ao art. 398 do CPC/73.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta eg. Quarta Turma:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte, em face do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
2. "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação na imprensa oficial, enseja a ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para a interposição do recurso cabível" (AgInt no AREsp 1.483.050/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17.9.2019, DJe de 3.10.2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.151.934/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 16/11/2020, DJe de 20/11/2020, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.
1. O Enunciado Administrativo n. 2 do STJ determina que, na hipótese de recursos interpostos contra decisões publicadas na vigência do CPC/73, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência desta Corte. 2. O Tribunal local dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Não havendo qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, inocorrente a ofensa ao artigo 535 do CPC/73.
3. A ausência de impugnação a fundamento do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283/STF, aplicável por analogia.
3.1. Encontrando-se o aresto de origem em sintonia com a jurisprudência consolidada nesta Corte, a Súmula 83 do STJ serve de óbice ao processamento do recurso especial especial, tanto pela alínea "a" como pela alínea "c", a qual viabilizaria o reclamo pelo dissídio jurisprudencial.
4. O STJ tem entendimento no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
4.1. Esta Corte Superior tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), o que não foi demonstrado no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 891.141/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe de 11/11/2019, g.n.)
Por seu turno, ainda sustentando cerceamento de defesa, defendem os recorrentes violação aos arts. 433 e 435 do CPC/73, medida em que o il. Magistrado de piso teria prolatado sentença homologatória, sem a necessária audiência para que as partes pudessem fazer questionamento pessoalmente ao Sr. Perito.
Nesse ponto, o eg. Tribunal de origem, de forma clara, afirmou que o laudo pericial fora analisado, questionado e debatido diversas vezes pelos litigantes, concluindo que a designação de audiência era desnecessária, e que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente. É o que se infere da leitura dos seguintes trechos do acórdão estadual, repita-se:
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fls. 3.149/3.150)
Consoante a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar os esclarecimentos, formulando, desde logo, os pontos a serem esclarecidos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERÍCIA.
ESCLARECIMENTOS. ARTS. 435 E 454 DO CPC/73. REQUERIMENTO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Nos termos do artigo 435 do revogado Código de Processo Civil, é dever da parte que pretender esclarecimentos do perito requerer a sua intimação para comparecer em audiência e formular, desde logo, as perguntas a serem feitas.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.051.959/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 07/11/2017, DJe de 20/11/2017, g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESOBSTRUÇÃO DE LOGRADOURO PÚBLICO. ART. 435 DO CPC. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. NULIDADE DE SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESITOS RESPONDIDOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima "pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo.
2. O art. 435 do CPC estabelece ser dever da parte, quando da apresentação ao juízo de requerimento da intimação para comparecimento do perito em audiência, que formule, desde logo, as perguntas que entender necessárias sob a forma de quesitos.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte, nas hipóteses em que não há mais dúvidas a esclarecer, a ausência do perito em audiência não configura nulidade. Precedente.
4. No caso, tendo sido devidamente respondidos pelo perito os quesitos apresentados pela parte, na mesma oportunidade em que este comunicou ao juízo a impossibilidade de seu comparecimento na data aprazada para realização da audiência de instrução, sua ausência no referido ato judicial não é capaz de por si só nulificá-lo.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.320.105/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 1º/10/2015, DJe de 08/10/2015, g.n.)
Nesse cenário, considerando-se as várias manifestações e esclarecimentos já prestados pelo perito e levando-se em conta que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, a eg. Corte Estadual entendeu correto dispensar a referida audiência, o que efetivamente não acarretou cerceamento de defesa, ao contrário do que dizem os recorrentes no especial.
Melhor sorte não merece o apelo nobre quanto à ofensa aos arts. 166, II e IV, 168 e 169 do Código Civil. Apontando violação a tais normas, os recorrentes afirmam que:
"O acórdão ofende ainda o Art. 166, II e IV, e os art . 168 e 169 do Código Civil, ou seja, sobre as nulidades arguidas não se faz coisa julgada, como também, é impossível de haver coisa julgada ou mesmo prescrição consumativa quando se está diante de nulidades absolutas não geram tais direitos e nem o Magistrado não pode decidir nestes termos sem provocação ou pedido da parte contrária - ne procedat iudex ex officio - nestes casos. Nulidades não se absolutas não convalesce com o tempo e isso não foi fundamentado e homologação é nula de pleno jure, porque havia contencioso." (fl. 3.217, g. n.)
Como sabido, o recurso especial é o instrumento processual adequado para discutir violação ou divergência jurisprudencial quanto a lei federal, conforme preconiza o art. 105, III, a e c, da CF/88. Nesse diapasão, para atender tal mister, é necessário que nas razões recursais sejam apresentados argumentos jurídicos claros e precisos sobre como o eg. Tribunal a quo teria violado ou interpretado de forma divergente determinado dispositivo de lei federal.
No caso, as razões recursais ora transcritas não trazem argumentação jurídica apta a demonstrar como os referidos artigos foram violados ou interpretados de forma equivocada pela eg. Corte Estadual. Nesse cenário, as razões do apelo nobre representam meras alegações genéricas de violação da lei federal, o que configura deficiência na fundamentação recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF, aplicada por analogia. Nesse sentido, confiram-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (..). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ.
(..)
2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
(..)
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 613.606/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 9/5/2017, DJe de 17/5/2017 - g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/1973) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A alegação genérica de ofensa a dispositivo da lei federal, sem a demonstração, de forma clara e precisa, de que modo o acórdão recorrido o teria contrariado, atrai, por analogia, a Súmula 284 do STF.
(..)
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 518.058/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016 - g. n.)
Outrossim, o recurso também não merece acolhida pelo malferimento ao art. 265, IV, do CPC/73. Quanto ao tema, defendem os recorrentes que a "(..) familia Rotilli ingressou com as seguintes ações conexas à famigerada divisão, a saber: - Embargos de Retenção, que tem finalidade de reter a coisa dados os investimentos monstruosos feitos em parte da área discutida, devido posse ancianíssima ou a longissimi temporis. - Ação declaratória negativa de domínio, c.c nulidade absoluta do laudo pericial da divisão, que a sentença ora recorrida veio a homologar, quando não podia. - Ação de usucapião contra o condomínio com base em prescrição aquisitiva. - Existe pendente, ainda, ação de terceiro, cujo interessado é Benevenuto Otoni, sobre nulidades absolutas de certidões e documentos falsos que foram usados na divisão" (fl. 3.220). Asseveram, ainda, que, "(..) em havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis (fl. 3.220).
Sem razão os recorrentes.
A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da paralisação consoante as circunstâncias.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior: "A paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" (AgInt no AREsp 846.717/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017).
2. No presente caso, a revisão do entendimento do acórdão recorrido, e o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de decidir sobre a existência ou não de prejudicialidade externa, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão impugnado, com o revolvimento das provas carradas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.743.319/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe de 26/08/2021, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. QUESTÃO FÁTICA QUE ENSEJOU PAGAMENTO DO SEGURO APRECIADA EM OUTRA DEMANDA DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA ANÁLISE. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 469 E 472 DO CPC/73. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. "Embora recomendável, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a suspensão dos processos individuais envolvendo a mesma questão, a fim de evitar conflitos entre soluções dadas em cada feito, caberá ao prudente arbítrio do juízo local aferir a viabilidade da suspensão processual, à vista das peculiaridades concretas dos casos pendentes e de outros bens jurídicos igualmente perseguidos pelo ordenamento jurídico" (REsp 1.240.808/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe de 14/04/2011).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 374.577/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020, g.n.)
No presente caso, como os próprios recorrentes afirmam, eles ajuizaram diversas ações no decurso de anos visando o mesmo objetivo, qual seja, questionar, por meios processuais, a divisão de terras objeto destes autos. E, uma vez propondo inúmeras ações, sustentam que o julgamento e respectiva homologação seria nulo, porque os processos deveriam ser julgados em conjunto, porque conexos.
A toda evidência, a argumentação possui frágil sustentação jurídica e evidente propósito protelatório, na medida em que acolher tal tese levaria a um círculo vicioso, pois bastaria propor uma ação e, tempos depois, provocar algum incidente processual para se forçar a anulação do julgamento da primeira ação, justamente porque não se julgaram as duas ações em conjunto. Nesse contexto, não se infere no caso ofensa ao referido art. 265 do CPC/73.
O recurso também não merece guarida pela alínea c do permissivo constitucional, em razão da ausência de similitude fático-jurídica entre o acórdão estadual e os três paradigmas apresentados, não sendo atendidas as regras do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015, combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ.
Nessa linha de intelecção, destacam-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
(..)
2. No caso, a recorrente não logrou demonstrar a divergência jurisprudencial nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Isto porque a interposição de recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional reclama o cotejo analítico dos julgados confrontados a fim de restarem demonstradas a similitude fática e a adoção de teses divergentes, máxime quando não configurada a notoriedade do dissídio.
3. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.832.858/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe de 07/05/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. MATÉRIA DE FATO DELINEADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
(..)
3. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 708.394/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 20/04/2020, DJe de 24/04/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 833, VIII, DO CPC/2015 E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
(..)
2. O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, à míngua do indispensável cotejo analítico.
3. Ademais, há ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma capaz de evidenciar o dissídio jurisprudencial.
4. Agravo interno não provido."
(AgInt nos EDcl no AREsp 1.357.083/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. em 29/4/2019, DJe de 2/5/2019 - g. n.)
Com estas considerações, conclui-se que o recurso especial não merece prosperar.
Ante o exposto:
a) rejeita-se a questão de ordem suscitada;
b) dá-se provimento aos três agravos internos para reconsiderar a decisão agravada; e
c) em novo exame, conhece-se em parte do recurso especial e, na extensão, nega-se-lhe provimento.
É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada, e em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. | PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. | 1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada, e em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. | N |
140,396,000 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
ACÓRDÃO
Após o voto-vista regimental do relator rejeitando a questão de ordem suscitada e dando provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno de MAURÍCIO JORGE MUNIZ, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno (fls. 3.748-3.792) interposto por MAURÍCIO JORGE MUNIZ contra decisão (fls. 3.609-3.612 e fls. 3.688-3.691), da lavra do então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI E OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Narram os autos que ALBERTO JORGE MUNIZ, ora agravante, e OUTROS promoveram ação de divisão (CPC/73, art. 967 e seguintes), em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O il. Juízo da 2ª Vara de Chapadão do Sul proferiu sentença, nos seguintes termos:
"Trata-se de ação de divisão prevista no art. 967 e seguintes do CPC, em sua fase executiva, onde os requerentes, após ajuizarem a competente ação divisória da denominada "Fazenda Campo Alegre", ingressaram com a presente execução judicial.
A sentença de primeira fase transitou em julgado (f. 991, verso) e, após o trâmite previsto na lei processual, foi deliberada acerca da partilha do imóvel, nos termos do artigo 979 do CPC, estabelecendo caber a cada condômino a área devidamente descrita e individualizada pelo perito nomeado, conforme mapa e memorial descritivo de f. 1.593/1.594, determinando-se a demarcação dos quinhões e competente memorial descritivo (f.1.737/1.743).
Apresentado o laudo pericial com respectivo memorial descritivo e ouvidas as partes, foi determinada, à f. 2063/2064, a expedição de Auto de Divisão. A determinação foi cumprida em 17 de maio de 2012, consoante certidão de f. 2.221 e Auto de f. 2.222/2.286.
Diante do exposto, HOMOLOGO o auto de divisão de f. 2.222/2.286 e por consequência a divisão executada nos presentes autos, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno os requeridos Selvino Rotili, Caetano Rotili e Celso Izidoro Rotili ao pagamento das custas processuais, eis que tão somente os mesmos se opuseram à execução, bem como a arcarem com honorários a favor do patrono dos autores que, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC, arbitro em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Expeça-se mandado de averbação ou registro (podendo a serventia imobiliária criar até novas matrículas, dando-se baixa nas anteriores, se for o caso) para cumprimento imediato, uma vez que eventual recurso da presente será recebido tão somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520, I do CPC. Instrua-se tal mandado com o Auto de Divisão, laudo pericial e memoriais descritivos.
Esse próprio mandado servirá de folha de pagamento, considerando as peculiaridades do caso, além do que a folha de pagamento é terminologia antiga, sendo relevante apenas o correto registro imobiliário." (fl. 2.767; grifou-se)
Irresignados com tal decisum, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi parcialmente conhecida e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
"APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTES QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referentes ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa."
Em face deste v. acórdão, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, agitaram embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) os quais foram rejeitados, ao passo que os aclaratórios (fls. 3.110-3.111) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ foram acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos do v. acórdão às fls. 3.136-3.157.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73, ao passo que os aclaratórios (fls. 3.164-3.166) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ, ora agravante, foram rejeitados, consoante v. aresto às fls. 3.180-3.183.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o v. acórdão recorrido não está fundamentado nem sanou todos os vícios suscitados nos embargos de declaração. Como dito, o apelo nobre foi provido nesse ponto, ficando prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em razão da assunção deste relator ao cargo do Corregedor-Geral da Justiça Federal (CJF), os autos foram atribuídos ao em. Ministro Lázaro Guimarães, conforme consta à fl. 3.608.
O em. Ministro Lázaro Guimarães acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, nos termos da decisão ora agravada, da qual se decalca o seguinte excerto da fundamentação (fls. 3.611-3.612):
"Evidencia-se, no caso, omissão do acórdão recorrido em apreciar as alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial.
Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionadas."
Em face desta decisão, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões.
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra." (destaques no original)
Inconformado, MAURÍCIO JORGE MUNIZ aviou o agravo interno (fls. 3.747-3.792) ora em exame.
Com o retorno deste relator às atividades jurisdicionais perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ensejando o fim da convocação do douto Magistrado acima referido, foram os presentes autos conclusos a esta relatoria para análise do apelo.
Nas razões do agravo interno, MAURÍCIO JORGE MUNIZ afirma que a suposta ofensa ao art. 535 do CPC/73 já teria sido analisada nos autos do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do em. Ministro Luis Felipe Salomão, transitado em julgado em 16/11/2018.
Sustenta, também, malferimento ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, na medida em que as decisões agravadas - que deram provimento ao REsp da parte contrária para reconhecer a violação ao art. 535 do CPC/73 - não analisaram alegações trazidas na impugnação dos aclaratórios, quanto aos efeitos do julgamento do REsp 1.296.917/MS nestes autos.
Aduz, também, que não há como "(..) acolher a ofensa ao art. 535 do CPC/73, vez que ainda que houvesse alegada omissão, que não há, ainda assim a recepção do recurso estaria fadada ao insucesso, vez que não transporia o obste da jurisprudência consolidada desta Turma e do STJ", quanto à alegada ofensa ao art. 265 do CPC/73.
Sustenta, ainda, quanto ao art. 433 do CPC/73, que somente "(..) na segunda apelação interposta (fls. 2.809-2.825) é que o houve a inovação recursal, onde se insurgem contra a não realização da audiência ora reclamada e, como visto alhures, nunca houve pedido expresso da realização desta" (fl. 3.790).
Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnação (fls. 3.807-3.813), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Inicialmente, rejeita-se a alegada ofensa ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, uma vez que, de minudente leitura da impugnação (fls. 3.665-3.677) dos embargos de declaração e da decisão ora agravada, infere-se que a referida decisão está devidamente fundamentada.
Avançando, passa-se ao exame da decisão ora agravada no ponto que deu parcial provimento ao recurso especial de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, acolhendo a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73.
Com efeito, o agravo em apreço não merece prosperar, na medida em que o agravante não apresentou argumentos jurídicos aptos a modificar a decisão vergastada.
Conforme relatado, o então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, proferiu a decisão ora agravada para dar parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anulando o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e os subsequentes, e determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-MS para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito.
Compulsando os autos, infere-se que a decisão agravada deve ser confirmada, uma vez que, data venia, o eg. TJ-MS deixou de analisar teses essenciais para a completa prestação jurisdicional ao caso.
Com efeito, os embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTTILI e OUTROS, como bem assentou o em. Ministro Lázaro Guimarães, suscitaram omissões do v. acórdão da apelação, quanto à não realização de audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto das razões dos aclaratórios:
"Todos os interessados, autores e recorrentes foram envolvidos no conflito da divisão judicial sobre uma área de terras na região de Chapadão do Sul/MS, que o próprio e ilustre Relator, fez questão de colocar como premissas de suas decisões dentre elas destacando:
1) A sentença deve ser tornada sem efeito, pois questões incidentais na discussão do plano de divisão proposto foram omitidas de fundamentação, inclusive, ressalta que foram relegadas na fase do conhecimento relegando para a fase de execução, que nem constaram do relatório da referida sentença.
2) Durante o trâmite processual diversas foram as insurgências contra os laudos periciais apresentados, sendo certo que o julgador olvidou-se quanto ao pedido de realização de audiência para a oitiva do perito judicial, situação essa que também autoriza a declaração de insubsistência da sentença apelada.
3) No curso da fase executiva foram ingressadas com ações incidentais, as quais na sua ótica, teriam o condão de suspender o presente cumprimento de sentença, providência essa que, entretanto, não fora observada pelo julgador, cabendo, também por esse motivo, a declaração de insubsistência do respectivo provimento jurisdicional.
4) Os parâmetros e considerações lançadas pelo Sr. Perito Judicial encontram-se equivocados, já que não refletem a realidade, devendo o profissional ser ouvido pessoalmente para os devidos esclarecimentos.
5) Não se mostra correta a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios No valor de R$ 40.000,00, tampouco nas custas processuais.
AS QUESTÕES A SEREM ESCLARECIDAS EM GRAU DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
Em primeira omissão, nulo, s.m.j, está o julgamento efetuado no Tribunal de Justiça, quando foram anexados documentos novos pela parte ex adversa ou apelada e formulada manifestação a respeito, quando deveria ter dado vistas para os demais recorrentes para manifestar, pois a contrario sensu ocorre o cerceamento de defesa.
Não se tratou de mera juntada de petição de desistência, mas de juntada de documentos e acréscimo de sustentações a respeito do conflito, motivo porque o patrono dos demais recorrentes tinha que ter sido intimado para manifestar, obedecendo aos princípios do contencioso e do due processo f Law que são garantias constitucionais capituladas no art. 5º, inc. LIV e LV da CF/88.
A não abertura de prazo pra manifestação dos ora Embargantes fere o art. 398 do Código de Processo Civil "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." Pois conforme dito anteriormente não trata apenas de um pedido de desistência.
Em segunda obscuridade, as nulidades fundamentais de cerceamento de defesa, todas elencadas na segunda fase do processo de divisão, NÃO ESPECIFICADAS NO ACÓRDÃO, é a única oportunidade que a parte interessada e beneficiária da alegação tinha para impugnar e os seus argumentos quando relevantes devem ser objeto de dilação probatória e de abrangente fundamentação, o que, com o perdão da palavra, não houve no caso sub judice.
Por isso, o voto do Revisor afronta a lei e o direito, porque atos judiciais e/ou processuais quando realizados com ofensa a direitos da parte litigante por criar nulidades ABSOLUTAS na segunda fase da lide, viola o art. 166, II e IV, art. 168 e 169 do Código Civil, de modo que simplesmente não existe coisa julgada, como pretendeu o Revisor. NULIDADES NÃO CONVALESCE COM 0 TEMPO E NÃO EXISTE PRECLUSÇAO CONSUMATIVA POR NULIDADES ABSOLUTAS. 0 NULO NÃO PRODUZ EFEITO NO MUNDO JURÍDICO E NEM CONVALESCE COM O TEMPO.
O voto do Revisor feriu de morte o art. 970, 979 e 980 do Código de Processo Civil, em especial o art. 979, que assim dispõe:
Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 963 e 964, as seguintes regras:
I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;
II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;
III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;
IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro.
De modo que todos os incidentes deverão ser argüidos somente quando da apresentação do laudo em juízo com o plano de partilha e, foi o que aconteceu no caso sub judice, a insurgência objetiva e fundamentada que deveriam ser esclarecidas em audiência e não foram, como a sentença de homologação não fundamentou quantum satis, de modo a cumprir o art. 458, II do Código de Processo Civil, podendo dizer que foi citra petita.
Se não bastasse tudo isso, cumpre ainda salientar que a decisão na fase de deliberação da partilha, E DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA.
Há de ser esclarecido a natureza da decisão recorrida e por outro lado, é nula porque não se trata de SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA, considerando que havia contencioso, de modo que a mesma é insubsistente, bem como, eivada de nulidades absolutas, MOTIVO PORQUE, SIMPLESMENTE NÃO EXISTE COISA JULGADA COMO QUIS 0 V. ACÓRDÃO.
Outrossim, não se aplica ao caso em comento o principio da unirrecorribilidade, para negar provimento ao recurso de apelação, pois na realidade a r. sentença de primeiro grau foi atacada através do competente e cabível recurso de apelação, motivo pelo qual deveria ter sido apreciado o mérito do recurso de apelação pelo revisor, eis que não a que se falar em preclusão consumativa ou coisa julgada.
Neste aspecto deve haver esclarecimento porque ocorreu obscuridade e manifesto cerceamento de defesa, inclusive, com referência aos pontos alegados que não fora objeto de fundamentação quantum satis.
Em terceira obscuridade, nulidades absolutas por error in procedendo et in judicando, não transitam em julgado, nem se pode falar em preclusão consumativa, quando a lide está em plena discussão na seara dos recursos. Os argumentos foram alegados na fase própria, está pendente de recurso em grau de apelação, de modo que não há de falar em perda de oportunidade de alegar o direito.
O Ilustre e honrado Relator, como sendo um homem justo e honrado, especificou os casos de nulidades que não foram respondidas pelo voto divergente as afirmativas do relator consistente no seguinte:
1º Nulidade da sentença homologatória por cerceamento de defesa, vez que não foram enfrentadas e sequer relatadas as questões argüidas pela Família Rottili quanto as máculas do laudo pericial, as quais tiveram a análise relegada para a fase da execução.
2º Nulidade da sentença porque, embora durante todo o processo tenha havido discordância sobre o laudo pericial, apontando-se diversas omissões e irregularidades, quando terminado e entregue o laudo de plano de divisão e de cortes geodésicos, o Magistrado deixou de designar audiência para ouvir as partes e os peritos a fim de que fossem justificados os defeitos alegados. Assim, diz que a falta de Audiência nulifica o processo por manifesto cerceamento de defesa.
3º que a sentença não poderia ter sido proferida, por afronta ao art. 265, IV a do Código de Processo Civil, ou seja, a concessão de quinhões só poderia ocorrer, após o julgamento das ações incidentes que versam sobre o mesmo objeto da causa e atribuem nulidade ao laudo pericial.
4º No mérito, sustentam, mais uma vez que o laudo pericial padece de nulidades, que não se homologa plano de divisão contestado e impugnado sem audiência e sem julgar por sentença na forma do art. 458 do CPC. Ademais alega que não se concebe que os apelantes sejam condenados em R$ 20.000,00 a título de honorários advocatícios, bem como apagar despesas de honorários e outros encargos, vez que a sentença objurgada não apreciou os argumentos e interesses dos condenados.
Fecha o relator que a preliminar de nulidade da sentença porque as questões alçadas ainda na fase de conhecimento referentes às benfeitorias e frutos existentes no imóvel, não foram objetivamente analisados nos autos executivos, sendo tal omissão repetida na sentença recorrida, momento para que sejam apreciados os direitos dos condôminos (fls.2288), LOGO SERIA SENTENÇA CITRA PETITA.
Nulidades absolutas alegadas in tempore próprio, não transitam em julgado e que a DECISÃO DE HOMOLOGAÇÃO, não cabe no caso, porque tem natureza apenas INTERLOCUTORIA, enquanto que a decisão só poderia ser julgada por sentença em face do contencioso no plano de divisão.
Neste aspecto devem ser esclarecidos tais argumentos, mostrando objetivamente em que trechos da sentença ou da decisão homologatória teria sido rechaçados as nulidades alegadas, para aplicar o art. 301, §§ 1º ao 3º, do CPC, já que não existe qualquer reprodução sentença ou decisão, anteriormente proferida, porque não FOI OBJETIVADO NO VOTO DO REFERIDO REVISOR."
Por sua vez, o eg. TJ-MS rejeitou tal recurso, nos termos do v. acórdão de fls. 3.136-3.157, sem, data venia, analisar e sanar os vícios apontados, os quais têm relevância para o resultado da lide.
No apelo nobre, ao apontar ofensa ao art. 535 do CPC/73, foram reiterados os alegados vícios, como se infere das razões recursais às fls. 3.193-3.230.
Nesse panorama, tem-se que o apelo merece provimento pela ofensa ao art. 535 do CPC/73, pois está configurada a ofensa a temas essenciais ao deslinde da controvérsia.
Como sabido, caso a eg. Corte Estadual não se manifeste sobre tema necessário ao desate da contenda, fica obstaculizado o acesso à instância extrema, cabendo à parte vencida invocar, como no caso, a infringência do art. 535 do CPC/73, a fim de anular o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo supra o vício existente. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO MANTIDA.
1. Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022 do CPC/2015, devendo o recurso especial ser provido para anular o acórdão, com determinação de retorno dos autos à origem, para que seja suprido o vício.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.113.795/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 1º/03/2018, DJe de 15/03/2018 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TELEFONIA. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MODALIDADE. PCT. OMISSÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Há violação do art. 1.022 do CPC/15 quando, apesar do requerimento da parte, a Corte de origem se recusa a se manifestar sobre as questões federais que lhe foram apresentadas por ocasião dos embargos de declaração, relevantes ao deslinde da controvérsia.
2. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam sanados os vícios verificados."
(AgInt nos EDcl no REsp 1.702.509/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe de 24/08/2018 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (IFPD) E INVALIDEZ LABORATIVA PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (ILPD). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. APOSENTADORIA. ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. PERÍCIA. NECESSIDADE.
(..)
4. O acórdão recorrido não se manifestou sobre questões essenciais para o julgamento da causa, pressuposto indispensável para o exame do recurso especial, motivo pelo qual reconhece-se a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 952.515/SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/6/2017 - grifou-se)
No caso em apreço, foi alegada e demonstrada a ofensa ao art. 535 do CPC/73, de modo que deve ser confirmada a decisão ora agravada.
É importante consignar, ainda, que eventuais efeitos de outros processos relacionados à lide, como alega a parte ora agravante, o REsp 1.296.917/MS e outros mencionados, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Finalmente, impende salientar que, como assentado na decisão agravada, o exame das matérias referentes à alegada ofensa aos arts. 265 e 433 do CPC/73 ficou prejudicado com o acolhimento da preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73 que determinou o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo.
Com essas considerações, conclui-se que o agravo interno não merece prosperar.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Retomando o julgamento, após vista regimental, relembro o caso.
Trata-se de execução de sentença proferida em ação de divisão de imóvel rural, com extinção da comunhão sobre a área total do imóvel, julgada procedente (v. fls. 407 a 499).
Na sessão de julgamento realizada em 5/dez/2019, de três agravos internos interpostos contra decisão monocrática da lavra do anterior relator, eminente Ministro Lázaro Guimarães, que dera parcial provimento ao recurso especial dos ora agravados ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO para reconhecer a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo, apresentei votos, como relator sucessor, confirmando a referida decisão monocrática.
O eminente Ministro Marco Buzzi pediu vista e, na sessão de julgamento de 5/mai/2020, suscitou questão de ordem no sentido de anular o julgamento dos agravos internos em exame, porque os votos anteriores desta relatoria, negando provimento aos agravos internos, não teriam examinado a petição de fls. 3.817/3.851, na qual se noticia o julgamento do REsp 1.817.845/MS, originário de ação indenizatória decorrente de ato ilícito e assédio processual na qual a eg. Terceira Turma reconheceu a má-fé processual dos ora agravados.
Adiantou, então, que, em tese, caso superada a questão de ordem, inauguraria divergência para dar provimento aos agravos internos, uma vez que entendia ter o v. acórdão estadual examinado devidamente os temas apontados no recurso especial como omissos e, por tal razão, rejeitava a alegada violação ao art. 535 do CPC/73.
- I -
Em razão da questão de ordem suscitada, solicitei vista regimental, para exame da petição indicada, a qual, de fato, não fora apreciada.
Na referida petição, noticia-se que, nos autos do REsp 1.817.845/MS, de relatoria para acórdão da em. Ministra Nancy Andrighi, relativo a ação indenizatória, os ora agravados foram condenados a indenizar os ora agravantes a título de danos morais e materiais por "assédio processual", por terem proposto diversas ações e incidentes processuais referentes ao mesmo litígio trazido nestes autos.
Em suas considerações iniciais sobre aquela controvérsia, a il. Ministra Nancy Andrighi delimitou o objeto da demanda registrando que uma das matrizes daquela ação indenizatória seria justamente a ação divisória originária da presente execução, que, à época do julgamento do REsp 1.817.845/MS, continuava em tramitação e ainda não havia recebido a sentença homologatória, na segunda fase da demanda. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do voto ali proferido:
"A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos).
A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995.
É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento - e estamos no ano de 2019 - a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação.
Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos.
Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981.
Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994.
Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011.
Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011.
É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros." (fls. 1.588/1.590 daqueles autos)
A em. Ministra Nancy Andrighi assinala, em seu voto, que o abuso processual estaria configurado em razão da propositura, pelos ora agravados, de diversas ações e incidentes processuais, após o trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos agravantes sobre os 1.500 hectares de terra da "Fazenda Campo Alegre". É o que se verifica no seguinte trecho do voto da il. Relatora:
"A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje - ano de 2019 - não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981.
Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Superior Tribunal de Justiça Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário.
A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como - e sobretudo - com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra.
A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes.
Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes - de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes -, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes.
É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.
Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.
Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados." (fls. 1.600/1.601 daqueles autos)
Com estas considerações, entendo que a decisão proferida naquele REsp 1.817.845/MS não atrai a competência para o julgamento deste recurso especial, uma vez que, como bem apontado pela il. Ministra Nancy Andrighi, a ação divisória executada nestes autos não se confunde com a ação indenizatória ali apreciada, pois a presente ação é uma das matrizes daquela demanda, juntamente com a ação de usucapião e outras também intentadas pelos ora agravados. Portanto, aquele julgamento não tem o condão de afetar diretamente o direito reclamado neste recurso especial, nesta outra ação.
Desse modo, não há vício a ensejar a anulação do julgamento dos presentes agravos internos, conjuntamente ora apreciados, motivo pelo qual, com a devida venia, dou por superada a questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Marco Buzzi.
- II -
Por outro lado, avançando no exame do agravo interno no recurso especial e considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Marco Buzzi, tem-se que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois, de fato, não houve ofensa ao art. 535 do CPC/73 no v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça.
Com efeito, o eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos, como se infere da leitura dos seguintes excertos do v. acórdão estadual:
- Referente às conclusões do laudo pericial
"Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4.466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial."
"Trata-se de procedimento recursal de Agravo contra decisão proferida pelo juízo da 2" Vara, da Comarca de Chapadão do Sul, interposto em face da decisão que deliberou a partilha, nos autos da Execução de Título Executivo Judicial, n. 046990002239.
(..)
Passo, então, a deliberar sobre a partilha de parte do imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", transcrito sob o nº 2560 do Cartório de Registro de Imóveis de Paranaíba, que perfaz 13.510,6589 ha mais o excesso encontrado, totalizando 13.885,6768 ha.
Para tanto adoto como principal elemento balisador os amplos e minuciosos laudos periciais anexos aos autos, que seguiu todas as resoluções já traçadas pela sentença executada e, bem assim, todo o suporte fático apresentado no curso destes autos. Por esta razão, a tabela abaixo que conta com a compensação e distribuição - - decorrente da área titulada e excesso encontrado é capaz de demonstrar a área total que cabe a cada condômino, que é devidamente complementada pelo mapa geral do plano de divisão constante à fl. 1.593/1.594 dos autos:
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra- se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário." (fl. 3.105)
- No tocante à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fl. 3.106)
- No pertinente à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide
"Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas." (fl. 3.106)
Na leitura dos excertos ora transcritos, verifica-se que, de fato, o v. acórdão estadual não foi omisso, o que enseja a rejeição da alegada ofensa ao art. 535 do CPC/73.
- III -
Assim, a decisão agravada deve ser reconsiderada, passando-se ao exame dos demais temas trazidos no especial, que tinham sido considerados prejudicados na decisão ora atacada.
Avançando, no apelo especial, alega-se cerceamento de defesa e violação aos arts. 398 do CPC/73 e ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Para os recorrentes, teria havido cerceamento de defesa porque o eg. Tribunal de origem teria considerado diversos documentos juntados pela parte contrária, sem a abertura de prazo para manifestação dos ora recorrentes, o que também violaria o due process of law.
De plano, não se conhece da alegada violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88, pois se trata de matéria constitucional, cujo exame compete ao col. Supremo Tribunal Federal, consoante preconiza o art. 102 da Carta Magna.
No tocante ao art. 398 do CPC/73, é valiosa a transcrição do seguinte excerto do v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração, na origem:
"Alegam os embargantes omissão no tocante à inobservância ao princípio do devido processo legal, por não ter sido oportunizado aos embargantes que se manifestassem acerca da petição de desistência do recurso (f. 2524/2526), ato que deveria ser feito, porque tal petição traz acréscimos de sustentação relevantes, de modo que, tal falta, enseja no cerceamento de defesa e infringe o disposto no art. 398 do CPC.
Como se vê dos autos, às fls. 2524-2526 foi acostada petição pugnando-se pela desistência do recurso em relação a Selvino Rotili e sua esposa Arminda Nicole Rotili, pedido que foi homologado quando do julgamento do acórdão.
(..)
Outrossim, cabe afirmar que a petição de fl. 2533-2536 foi analisada somente quanto ao pedido de desistência e que nada que mais conste lá foi considerado, como bem pode ser observado do acórdão de fl. 2543-2561.
Vê-se que o embargante, embora alegue que foi prejudicado, não apontou nenhum prejuízo concreto decorrente da juntada da referida petição. E sabido que sem prejuízo não há falar em nulidade.
Desse modo, não há falar na aponta omissão." (fls. 3.119/3.121)
Na leitura do excerto ora transcrito, não se verifica ofensa ao referido dispositivo legal. Isso, porque os recorrentes não afirmam qual o prejuízo que supostamente tenham sofrido da análise e acolhida de petição, sobre a qual o eg. Tribunal a quo analisou apenas o pedido de desistência, que pode ser requerido pela parte a qualquer momento, nos termos do art. 501 do CPC/73.
Assim, considerando-se que, pelo princípio da instrumentalidade das formas, inexiste nulidade sem prejuízo, deve ser rejeitada a tese de cerceamento de defesa, bem como a suposta ofensa ao art. 398 do CPC/73.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta eg. Quarta Turma:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte, em face do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
2. "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação na imprensa oficial, enseja a ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para a interposição do recurso cabível" (AgInt no AREsp 1.483.050/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17.9.2019, DJe de 3.10.2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.151.934/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 16/11/2020, DJe de 20/11/2020, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.
1. O Enunciado Administrativo n. 2 do STJ determina que, na hipótese de recursos interpostos contra decisões publicadas na vigência do CPC/73, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência desta Corte. 2. O Tribunal local dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Não havendo qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, inocorrente a ofensa ao artigo 535 do CPC/73.
3. A ausência de impugnação a fundamento do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283/STF, aplicável por analogia.
3.1. Encontrando-se o aresto de origem em sintonia com a jurisprudência consolidada nesta Corte, a Súmula 83 do STJ serve de óbice ao processamento do recurso especial especial, tanto pela alínea "a" como pela alínea "c", a qual viabilizaria o reclamo pelo dissídio jurisprudencial.
4. O STJ tem entendimento no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
4.1. Esta Corte Superior tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), o que não foi demonstrado no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 891.141/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe de 11/11/2019, g.n.)
Por seu turno, ainda sustentando cerceamento de defesa, defendem os recorrentes violação aos arts. 433 e 435 do CPC/73, medida em que o il. Magistrado de piso teria prolatado sentença homologatória, sem a necessária audiência para que as partes pudessem fazer questionamento pessoalmente ao Sr. Perito.
Nesse ponto, o eg. Tribunal de origem, de forma clara, afirmou que o laudo pericial fora analisado, questionado e debatido diversas vezes pelos litigantes, concluindo que a designação de audiência era desnecessária, e que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente. É o que se infere da leitura dos seguintes trechos do acórdão estadual, repita-se:
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fls. 3.149/3.150)
Consoante a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar os esclarecimentos, formulando, desde logo, os pontos a serem esclarecidos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERÍCIA.
ESCLARECIMENTOS. ARTS. 435 E 454 DO CPC/73. REQUERIMENTO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Nos termos do artigo 435 do revogado Código de Processo Civil, é dever da parte que pretender esclarecimentos do perito requerer a sua intimação para comparecer em audiência e formular, desde logo, as perguntas a serem feitas.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.051.959/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 07/11/2017, DJe de 20/11/2017, g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESOBSTRUÇÃO DE LOGRADOURO PÚBLICO. ART. 435 DO CPC. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. NULIDADE DE SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESITOS RESPONDIDOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima "pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo.
2. O art. 435 do CPC estabelece ser dever da parte, quando da apresentação ao juízo de requerimento da intimação para comparecimento do perito em audiência, que formule, desde logo, as perguntas que entender necessárias sob a forma de quesitos.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte, nas hipóteses em que não há mais dúvidas a esclarecer, a ausência do perito em audiência não configura nulidade. Precedente.
4. No caso, tendo sido devidamente respondidos pelo perito os quesitos apresentados pela parte, na mesma oportunidade em que este comunicou ao juízo a impossibilidade de seu comparecimento na data aprazada para realização da audiência de instrução, sua ausência no referido ato judicial não é capaz de por si só nulificá-lo.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.320.105/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 1º/10/2015, DJe de 08/10/2015, g.n.)
Nesse cenário, considerando-se as várias manifestações e esclarecimentos já prestados pelo perito e levando-se em conta que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, a eg. Corte Estadual entendeu correto dispensar a referida audiência, o que efetivamente não acarretou cerceamento de defesa, ao contrário do que dizem os recorrentes no especial.
Melhor sorte não merece o apelo nobre quanto à ofensa aos arts. 166, II e IV, 168 e 169 do Código Civil. Apontando violação a tais normas, os recorrentes afirmam que:
"O acórdão ofende ainda o Art. 166, II e IV, e os art . 168 e 169 do Código Civil, ou seja, sobre as nulidades arguidas não se faz coisa julgada, como também, é impossível de haver coisa julgada ou mesmo prescrição consumativa quando se está diante de nulidades absolutas não geram tais direitos e nem o Magistrado não pode decidir nestes termos sem provocação ou pedido da parte contrária - ne procedat iudex ex officio - nestes casos. Nulidades não se absolutas não convalesce com o tempo e isso não foi fundamentado e homologação é nula de pleno jure, porque havia contencioso." (fl. 3.217, g. n.)
Como sabido, o recurso especial é o instrumento processual adequado para discutir violação ou divergência jurisprudencial quanto a lei federal, conforme preconiza o art. 105, III, a e c, da CF/88. Nesse diapasão, para atender tal mister, é necessário que nas razões recursais sejam apresentados argumentos jurídicos claros e precisos sobre como o eg. Tribunal a quo teria violado ou interpretado de forma divergente determinado dispositivo de lei federal.
No caso, as razões recursais ora transcritas não trazem argumentação jurídica apta a demonstrar como os referidos artigos foram violados ou interpretados de forma equivocada pela eg. Corte Estadual. Nesse cenário, as razões do apelo nobre representam meras alegações genéricas de violação da lei federal, o que configura deficiência na fundamentação recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF, aplicada por analogia. Nesse sentido, confiram-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (..). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ.
(..)
2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
(..)
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 613.606/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 9/5/2017, DJe de 17/5/2017 - g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/1973) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A alegação genérica de ofensa a dispositivo da lei federal, sem a demonstração, de forma clara e precisa, de que modo o acórdão recorrido o teria contrariado, atrai, por analogia, a Súmula 284 do STF.
(..)
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 518.058/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016 - g. n.)
Outrossim, o recurso também não merece acolhida pelo malferimento ao art. 265, IV, do CPC/73. Quanto ao tema, defendem os recorrentes que a "(..) familia Rotilli ingressou com as seguintes ações conexas à famigerada divisão, a saber: - Embargos de Retenção, que tem finalidade de reter a coisa dados os investimentos monstruosos feitos em parte da área discutida, devido posse ancianíssima ou a longissimi temporis. - Ação declaratória negativa de domínio, c.c nulidade absoluta do laudo pericial da divisão, que a sentença ora recorrida veio a homologar, quando não podia. - Ação de usucapião contra o condomínio com base em prescrição aquisitiva. - Existe pendente, ainda, ação de terceiro, cujo interessado é Benevenuto Otoni, sobre nulidades absolutas de certidões e documentos falsos que foram usados na divisão" (fl. 3.220). Asseveram, ainda, que, "(..) em havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis (fl. 3.220).
Sem razão os recorrentes.
A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da paralisação consoante as circunstâncias.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior: "A paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" (AgInt no AREsp 846.717/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017).
2. No presente caso, a revisão do entendimento do acórdão recorrido, e o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de decidir sobre a existência ou não de prejudicialidade externa, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão impugnado, com o revolvimento das provas carradas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.743.319/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe de 26/08/2021, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. QUESTÃO FÁTICA QUE ENSEJOU PAGAMENTO DO SEGURO APRECIADA EM OUTRA DEMANDA DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA ANÁLISE. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 469 E 472 DO CPC/73. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. "Embora recomendável, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a suspensão dos processos individuais envolvendo a mesma questão, a fim de evitar conflitos entre soluções dadas em cada feito, caberá ao prudente arbítrio do juízo local aferir a viabilidade da suspensão processual, à vista das peculiaridades concretas dos casos pendentes e de outros bens jurídicos igualmente perseguidos pelo ordenamento jurídico" (REsp 1.240.808/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe de 14/04/2011).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 374.577/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020, g.n.)
No presente caso, como os próprios recorrentes afirmam, eles ajuizaram diversas ações no decurso de anos visando o mesmo objetivo, qual seja, questionar, por meios processuais, a divisão de terras objeto destes autos. E, uma vez propondo inúmeras ações, sustentam que o julgamento e respectiva homologação seria nulo, porque os processos deveriam ser julgados em conjunto, porque conexos.
A toda evidência, a argumentação possui frágil sustentação jurídica e evidente propósito protelatório, na medida em que acolher tal tese levaria a um círculo vicioso, pois bastaria propor uma ação e, tempos depois, provocar algum incidente processual para se forçar a anulação do julgamento da primeira ação, justamente porque não se julgaram as duas ações em conjunto. Nesse contexto, não se infere no caso ofensa ao referido art. 265 do CPC/73.
O recurso também não merece guarida pela alínea c do permissivo constitucional, em razão da ausência de similitude fático-jurídica entre o acórdão estadual e os três paradigmas apresentados, não sendo atendidas as regras do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015, combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ.
Nessa linha de intelecção, destacam-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
(..)
2. No caso, a recorrente não logrou demonstrar a divergência jurisprudencial nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Isto porque a interposição de recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional reclama o cotejo analítico dos julgados confrontados a fim de restarem demonstradas a similitude fática e a adoção de teses divergentes, máxime quando não configurada a notoriedade do dissídio.
3. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.832.858/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe de 07/05/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. MATÉRIA DE FATO DELINEADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
(..)
3. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 708.394/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 20/04/2020, DJe de 24/04/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 833, VIII, DO CPC/2015 E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
(..)
2. O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, à míngua do indispensável cotejo analítico.
3. Ademais, há ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma capaz de evidenciar o dissídio jurisprudencial.
4. Agravo interno não provido."
(AgInt nos EDcl no AREsp 1.357.083/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. em 29/4/2019, DJe de 2/5/2019 - g. n.)
Com estas considerações, conclui-se que o recurso especial não merece prosperar.
Ante o exposto:
a) rejeita-se a questão de ordem suscitada;
b) dá-se provimento aos três agravos internos para reconsiderar a decisão agravada; e
c) em novo exame, conhece-se em parte do recurso especial e, na extensão, nega-se-lhe provimento.
É como voto. | ACÓRDÃO
Após o voto-vista regimental do relator rejeitando a questão de ordem suscitada e dando provimento ao agravo interno, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno de MAURÍCIO JORGE MUNIZ, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, na extensão, negar-lhe provimento. A Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti e os Srs. Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno (fls. 3.748-3.792) interposto por MAURÍCIO JORGE MUNIZ contra decisão (fls. 3.609-3.612 e fls. 3.688-3.691), da lavra do então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, que deu parcial provimento ao recurso especial (fls. 3.193-3.230) de SELVINO ROTTILI E OUTROS, ora agravados, para reconhecer a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Narram os autos que ALBERTO JORGE MUNIZ, ora agravante, e OUTROS promoveram ação de divisão (CPC/73, art. 967 e seguintes), em fase de execução, em desfavor de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, referente ao imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", situado em Chapadão do Sul/MS.
O il. Juízo da 2ª Vara de Chapadão do Sul proferiu sentença, nos seguintes termos:
"Trata-se de ação de divisão prevista no art. 967 e seguintes do CPC, em sua fase executiva, onde os requerentes, após ajuizarem a competente ação divisória da denominada "Fazenda Campo Alegre", ingressaram com a presente execução judicial.
A sentença de primeira fase transitou em julgado (f. 991, verso) e, após o trâmite previsto na lei processual, foi deliberada acerca da partilha do imóvel, nos termos do artigo 979 do CPC, estabelecendo caber a cada condômino a área devidamente descrita e individualizada pelo perito nomeado, conforme mapa e memorial descritivo de f. 1.593/1.594, determinando-se a demarcação dos quinhões e competente memorial descritivo (f.1.737/1.743).
Apresentado o laudo pericial com respectivo memorial descritivo e ouvidas as partes, foi determinada, à f. 2063/2064, a expedição de Auto de Divisão. A determinação foi cumprida em 17 de maio de 2012, consoante certidão de f. 2.221 e Auto de f. 2.222/2.286.
Diante do exposto, HOMOLOGO o auto de divisão de f. 2.222/2.286 e por consequência a divisão executada nos presentes autos, para que produza seus jurídicos e legais efeitos.
Condeno os requeridos Selvino Rotili, Caetano Rotili e Celso Izidoro Rotili ao pagamento das custas processuais, eis que tão somente os mesmos se opuseram à execução, bem como a arcarem com honorários a favor do patrono dos autores que, nos termos do § 4º do artigo 20 do CPC, arbitro em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Expeça-se mandado de averbação ou registro (podendo a serventia imobiliária criar até novas matrículas, dando-se baixa nas anteriores, se for o caso) para cumprimento imediato, uma vez que eventual recurso da presente será recebido tão somente no efeito devolutivo, nos termos do artigo 520, I do CPC. Instrua-se tal mandado com o Auto de Divisão, laudo pericial e memoriais descritivos.
Esse próprio mandado servirá de folha de pagamento, considerando as peculiaridades do caso, além do que a folha de pagamento é terminologia antiga, sendo relevante apenas o correto registro imobiliário." (fl. 2.767; grifou-se)
Irresignados com tal decisum, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram apelação (fls. 2.809-2.825), a qual foi parcialmente conhecida e, nessa extensão, parcialmente provida, nos termos do v. acórdão assim ementado (fls. 3.089-3.090):
"APELAÇÃO CÍVEL - DIVISÃO - HOMOLOGAÇÃO DE LAUDO DE PARTILHA - PEDIDO DE DESISTÊNCIA DO RECURSO FEITO POR UM DOS APELANTES - HOMOLOGAÇÃO - RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, EM RELAÇÃO AOS DEMAIS APELANTES - QUESTÕES REFERENTES AO LAUDO PERICIAL JÁ APRECIADAS - PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE E PRECLUSÃO CONSUMATIVA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADA - AÇÕES INCIDENTES QUE NÃO INVIABILIZAM O JULGAMENTO DA PRESENTE LIDE - EVIDENTE INTENÇÃO DE SOBRESTAR O DESLINDE DO FEITO - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS NA PRIMEIRA FASE DO PROCEDIMENTO - SEGUNDA FASE EM QUE NÃO SE TEM MAIS LITÍGIO - RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO PARCIALMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. Pedido de desistência do recurso poderá ser feito a qualquer tempo enquanto não ultimado seu julgamento, não se exigindo anuência dos recorridos ou litisconsortes. No caso, homologado pedido de desistência de um dos apelantes, sendo recebido o recurso em relação aos demais recorrentes.
2. Todas as questões arguidas pelas partes, referentes ao laudo pericial homologado na segunda fase da divisória, foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário, inclusive por este Tribunal, tendo o perito por diversas vezes prestado explicações e, quando necessário, corrigido imperfeições, em demanda de que arrasta há décadas. Evidente intuito procrastinatório. Recurso não conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa.
3. Ações incidentais que não obstaculizam o proferimento da sentença homologatória do laudo pericial. Apontadas máculas no laudo pericial que já foram apreciadas exaustivamente e, portanto, acobertadas pela coisa julgada.
4. Na ação de divisão há duas fases, a primeira - contenciosa - e a fase executiva ou técnica, em que não há mais falar em vencido e vencedor. Logo, na segunda fase do procedimento não há condenação em honorários advocatícios, os quais são arbitrados somente na fase contenciosa."
Em face deste v. acórdão, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, agitaram embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) os quais foram rejeitados, ao passo que os aclaratórios (fls. 3.110-3.111) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ foram acolhidos, sem efeitos infringentes, nos termos do v. acórdão às fls. 3.136-3.157.
Os segundos embargos de declaração (fls. 3.162-3.163) de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, foram acolhidos para corrigir erro material quanto à suposta aplicação de multa do art. 538, parágrafo único, do CPC/73, ao passo que os aclaratórios (fls. 3.164-3.166) de MAURÍCIO JORGE MUNIZ, ora agravante, foram rejeitados, consoante v. aresto às fls. 3.180-3.183.
Irresignados, CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, manejaram recurso especial (fls. 3.193-3.220) alegando, preliminarmente, violação aos arts. 458, II, e 535, I e II, do CPC/73, sob o argumento de que o v. acórdão recorrido não está fundamentado nem sanou todos os vícios suscitados nos embargos de declaração. Como dito, o apelo nobre foi provido nesse ponto, ficando prejudicada a análise das alegadas ofensas aos arts. 265, IV, 398, 433 e 435 do CPC/73 e arts. 166, II, 168 e 169 do Código Civil de 2002.
Em razão da assunção deste relator ao cargo do Corregedor-Geral da Justiça Federal (CJF), os autos foram atribuídos ao em. Ministro Lázaro Guimarães, conforme consta à fl. 3.608.
O em. Ministro Lázaro Guimarães acolheu a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73, nos termos da decisão ora agravada, da qual se decalca o seguinte excerto da fundamentação (fls. 3.611-3.612):
"Evidencia-se, no caso, omissão do acórdão recorrido em apreciar as alegações referentes à falta de fundamentação quanto à dispensa da audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial.
Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionadas."
Em face desta decisão, CAETANO ROTTILI e OUTROS opuseram embargos de declaração (fls. 3.615-3.618), os quais foram acolhidos, sem efeitos infringentes, conforme decisão da qual se extrai o seguinte trecho (fl. 3.690):
"Assim sendo, para fins de afastar quaisquer questionamentos, sanando omissão, recomendável a modificação do dispositivo da decisão embargada, nos seguintes termos:
- Onde se lê à fls. 3.612:
"Ante o exposto, reconheço a violação do art. 535 do CPC de 1973 e dou provimento ao recurso especial para que o eg. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul aprecie as questões acima mencionada."
- Leia-se:
"Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anular o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e, por consequência o v. aresto de fls. 3.180-3.183 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito, sanando as omissões ora reconhecidos, ficando prejudicada a análise das demais questões.
Com essas considerações, tem-se como sanada a omissão apontada.
Ante o exposto, acolho os embargos de declaração, sem efeitos infringentes, tão-somente para sanar omissão, nos termos da fundamentação supra." (destaques no original)
Inconformado, MAURÍCIO JORGE MUNIZ aviou o agravo interno (fls. 3.747-3.792) ora em exame.
Com o retorno deste relator às atividades jurisdicionais perante a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ensejando o fim da convocação do douto Magistrado acima referido, foram os presentes autos conclusos a esta relatoria para análise do apelo.
Nas razões do agravo interno, MAURÍCIO JORGE MUNIZ afirma que a suposta ofensa ao art. 535 do CPC/73 já teria sido analisada nos autos do REsp 1.296.917/MS, de relatoria do em. Ministro Luis Felipe Salomão, transitado em julgado em 16/11/2018.
Sustenta, também, malferimento ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, na medida em que as decisões agravadas - que deram provimento ao REsp da parte contrária para reconhecer a violação ao art. 535 do CPC/73 - não analisaram alegações trazidas na impugnação dos aclaratórios, quanto aos efeitos do julgamento do REsp 1.296.917/MS nestes autos.
Aduz, também, que não há como "(..) acolher a ofensa ao art. 535 do CPC/73, vez que ainda que houvesse alegada omissão, que não há, ainda assim a recepção do recurso estaria fadada ao insucesso, vez que não transporia o obste da jurisprudência consolidada desta Turma e do STJ", quanto à alegada ofensa ao art. 265 do CPC/73.
Sustenta, ainda, quanto ao art. 433 do CPC/73, que somente "(..) na segunda apelação interposta (fls. 2.809-2.825) é que o houve a inovação recursal, onde se insurgem contra a não realização da audiência ora reclamada e, como visto alhures, nunca houve pedido expresso da realização desta" (fl. 3.790).
Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Intimados, CAETANO ROTTILI e OUTROS apresentaram impugnação (fls. 3.807-3.813), pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Inicialmente, rejeita-se a alegada ofensa ao art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015, uma vez que, de minudente leitura da impugnação (fls. 3.665-3.677) dos embargos de declaração e da decisão ora agravada, infere-se que a referida decisão está devidamente fundamentada.
Avançando, passa-se ao exame da decisão ora agravada no ponto que deu parcial provimento ao recurso especial de CAETANO ROTTILI e OUTROS, ora agravados, acolhendo a preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73.
Com efeito, o agravo em apreço não merece prosperar, na medida em que o agravante não apresentou argumentos jurídicos aptos a modificar a decisão vergastada.
Conforme relatado, o então relator, em. Ministro Lázaro Guimarães, proferiu a decisão ora agravada para dar parcial provimento ao recurso especial, reconhecendo a violação ao art. 535 do CPC/73, anulando o v. acórdão de fls. 3.136-3.157 e os subsequentes, e determinar o retorno dos autos ao eg. TJ-MS para promover novo julgamento dos embargos de declaração de fls. 3.113-3.119 e dos embargos de declaração de fls. 3.110-3.111, como entender de direito.
Compulsando os autos, infere-se que a decisão agravada deve ser confirmada, uma vez que, data venia, o eg. TJ-MS deixou de analisar teses essenciais para a completa prestação jurisdicional ao caso.
Com efeito, os embargos de declaração (fls. 3.113-3.119) opostos por CAETANO ROTTILI e OUTROS, como bem assentou o em. Ministro Lázaro Guimarães, suscitaram omissões do v. acórdão da apelação, quanto à não realização de audiência de instrução e julgamento, na qual as partes teriam oportunidade de obter esclarecimentos do perito, além da questão relativa à discussão em processos conexos sobre a área dividenda e o teor do laudo pericial. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto das razões dos aclaratórios:
"Todos os interessados, autores e recorrentes foram envolvidos no conflito da divisão judicial sobre uma área de terras na região de Chapadão do Sul/MS, que o próprio e ilustre Relator, fez questão de colocar como premissas de suas decisões dentre elas destacando:
1) A sentença deve ser tornada sem efeito, pois questões incidentais na discussão do plano de divisão proposto foram omitidas de fundamentação, inclusive, ressalta que foram relegadas na fase do conhecimento relegando para a fase de execução, que nem constaram do relatório da referida sentença.
2) Durante o trâmite processual diversas foram as insurgências contra os laudos periciais apresentados, sendo certo que o julgador olvidou-se quanto ao pedido de realização de audiência para a oitiva do perito judicial, situação essa que também autoriza a declaração de insubsistência da sentença apelada.
3) No curso da fase executiva foram ingressadas com ações incidentais, as quais na sua ótica, teriam o condão de suspender o presente cumprimento de sentença, providência essa que, entretanto, não fora observada pelo julgador, cabendo, também por esse motivo, a declaração de insubsistência do respectivo provimento jurisdicional.
4) Os parâmetros e considerações lançadas pelo Sr. Perito Judicial encontram-se equivocados, já que não refletem a realidade, devendo o profissional ser ouvido pessoalmente para os devidos esclarecimentos.
5) Não se mostra correta a sua condenação ao pagamento de honorários advocatícios No valor de R$ 40.000,00, tampouco nas custas processuais.
AS QUESTÕES A SEREM ESCLARECIDAS EM GRAU DE EMBARGOS DECLARATÓRIOS
Em primeira omissão, nulo, s.m.j, está o julgamento efetuado no Tribunal de Justiça, quando foram anexados documentos novos pela parte ex adversa ou apelada e formulada manifestação a respeito, quando deveria ter dado vistas para os demais recorrentes para manifestar, pois a contrario sensu ocorre o cerceamento de defesa.
Não se tratou de mera juntada de petição de desistência, mas de juntada de documentos e acréscimo de sustentações a respeito do conflito, motivo porque o patrono dos demais recorrentes tinha que ter sido intimado para manifestar, obedecendo aos princípios do contencioso e do due processo f Law que são garantias constitucionais capituladas no art. 5º, inc. LIV e LV da CF/88.
A não abertura de prazo pra manifestação dos ora Embargantes fere o art. 398 do Código de Processo Civil "Sempre que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias." Pois conforme dito anteriormente não trata apenas de um pedido de desistência.
Em segunda obscuridade, as nulidades fundamentais de cerceamento de defesa, todas elencadas na segunda fase do processo de divisão, NÃO ESPECIFICADAS NO ACÓRDÃO, é a única oportunidade que a parte interessada e beneficiária da alegação tinha para impugnar e os seus argumentos quando relevantes devem ser objeto de dilação probatória e de abrangente fundamentação, o que, com o perdão da palavra, não houve no caso sub judice.
Por isso, o voto do Revisor afronta a lei e o direito, porque atos judiciais e/ou processuais quando realizados com ofensa a direitos da parte litigante por criar nulidades ABSOLUTAS na segunda fase da lide, viola o art. 166, II e IV, art. 168 e 169 do Código Civil, de modo que simplesmente não existe coisa julgada, como pretendeu o Revisor. NULIDADES NÃO CONVALESCE COM 0 TEMPO E NÃO EXISTE PRECLUSÇAO CONSUMATIVA POR NULIDADES ABSOLUTAS. 0 NULO NÃO PRODUZ EFEITO NO MUNDO JURÍDICO E NEM CONVALESCE COM O TEMPO.
O voto do Revisor feriu de morte o art. 970, 979 e 980 do Código de Processo Civil, em especial o art. 979, que assim dispõe:
Art. 979. Ouvidas as partes, no prazo comum de 10 (dez) dias, sobre o cálculo e o plano da divisão, deliberará o juiz a partilha. Em cumprimento desta decisão, procederá o agrimensor, assistido pelos arbitradores, à demarcação dos quinhões, observando, além do disposto nos arts. 963 e 964, as seguintes regras:
I - as benfeitorias comuns, que não comportarem divisão cômoda, serão adjudicadas a um dos condôminos mediante compensação;
II - instituir-se-ão as servidões, que forem indispensáveis, em favor de uns quinhões sobre os outros, incluindo o respectivo valor no orçamento para que, não se tratando de servidões naturais, seja compensado o condômino aquinhoado com o prédio serviente;
III - as benfeitorias particulares dos condôminos, que excederem a área a que têm direito, serão adjudicadas ao quinhoeiro vizinho mediante reposição;
IV - se outra coisa não acordarem as partes, as compensações e reposições serão feitas em dinheiro.
De modo que todos os incidentes deverão ser argüidos somente quando da apresentação do laudo em juízo com o plano de partilha e, foi o que aconteceu no caso sub judice, a insurgência objetiva e fundamentada que deveriam ser esclarecidas em audiência e não foram, como a sentença de homologação não fundamentou quantum satis, de modo a cumprir o art. 458, II do Código de Processo Civil, podendo dizer que foi citra petita.
Se não bastasse tudo isso, cumpre ainda salientar que a decisão na fase de deliberação da partilha, E DE NATUREZA INTERLOCUTÓRIA.
Há de ser esclarecido a natureza da decisão recorrida e por outro lado, é nula porque não se trata de SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA, considerando que havia contencioso, de modo que a mesma é insubsistente, bem como, eivada de nulidades absolutas, MOTIVO PORQUE, SIMPLESMENTE NÃO EXISTE COISA JULGADA COMO QUIS 0 V. ACÓRDÃO.
Outrossim, não se aplica ao caso em comento o principio da unirrecorribilidade, para negar provimento ao recurso de apelação, pois na realidade a r. sentença de primeiro grau foi atacada através do competente e cabível recurso de apelação, motivo pelo qual deveria ter sido apreciado o mérito do recurso de apelação pelo revisor, eis que não a que se falar em preclusão consumativa ou coisa julgada.
Neste aspecto deve haver esclarecimento porque ocorreu obscuridade e manifesto cerceamento de defesa, inclusive, com referência aos pontos alegados que não fora objeto de fundamentação quantum satis.
Em terceira obscuridade, nulidades absolutas por error in procedendo et in judicando, não transitam em julgado, nem se pode falar em preclusão consumativa, quando a lide está em plena discussão na seara dos recursos. Os argumentos foram alegados na fase própria, está pendente de recurso em grau de apelação, de modo que não há de falar em perda de oportunidade de alegar o direito.
O Ilustre e honrado Relator, como sendo um homem justo e honrado, especificou os casos de nulidades que não foram respondidas pelo voto divergente as afirmativas do relator consistente no seguinte:
1º Nulidade da sentença homologatória por cerceamento de defesa, vez que não foram enfrentadas e sequer relatadas as questões argüidas pela Família Rottili quanto as máculas do laudo pericial, as quais tiveram a análise relegada para a fase da execução.
2º Nulidade da sentença porque, embora durante todo o processo tenha havido discordância sobre o laudo pericial, apontando-se diversas omissões e irregularidades, quando terminado e entregue o laudo de plano de divisão e de cortes geodésicos, o Magistrado deixou de designar audiência para ouvir as partes e os peritos a fim de que fossem justificados os defeitos alegados. Assim, diz que a falta de Audiência nulifica o processo por manifesto cerceamento de defesa.
3º que a sentença não poderia ter sido proferida, por afronta ao art. 265, IV a do Código de Processo Civil, ou seja, a concessão de quinhões só poderia ocorrer, após o julgamento das ações incidentes que versam sobre o mesmo objeto da causa e atribuem nulidade ao laudo pericial.
4º No mérito, sustentam, mais uma vez que o laudo pericial padece de nulidades, que não se homologa plano de divisão contestado e impugnado sem audiência e sem julgar por sentença na forma do art. 458 do CPC. Ademais alega que não se concebe que os apelantes sejam condenados em R$ 20.000,00 a título de honorários advocatícios, bem como apagar despesas de honorários e outros encargos, vez que a sentença objurgada não apreciou os argumentos e interesses dos condenados.
Fecha o relator que a preliminar de nulidade da sentença porque as questões alçadas ainda na fase de conhecimento referentes às benfeitorias e frutos existentes no imóvel, não foram objetivamente analisados nos autos executivos, sendo tal omissão repetida na sentença recorrida, momento para que sejam apreciados os direitos dos condôminos (fls.2288), LOGO SERIA SENTENÇA CITRA PETITA.
Nulidades absolutas alegadas in tempore próprio, não transitam em julgado e que a DECISÃO DE HOMOLOGAÇÃO, não cabe no caso, porque tem natureza apenas INTERLOCUTORIA, enquanto que a decisão só poderia ser julgada por sentença em face do contencioso no plano de divisão.
Neste aspecto devem ser esclarecidos tais argumentos, mostrando objetivamente em que trechos da sentença ou da decisão homologatória teria sido rechaçados as nulidades alegadas, para aplicar o art. 301, §§ 1º ao 3º, do CPC, já que não existe qualquer reprodução sentença ou decisão, anteriormente proferida, porque não FOI OBJETIVADO NO VOTO DO REFERIDO REVISOR."
Por sua vez, o eg. TJ-MS rejeitou tal recurso, nos termos do v. acórdão de fls. 3.136-3.157, sem, data venia, analisar e sanar os vícios apontados, os quais têm relevância para o resultado da lide.
No apelo nobre, ao apontar ofensa ao art. 535 do CPC/73, foram reiterados os alegados vícios, como se infere das razões recursais às fls. 3.193-3.230.
Nesse panorama, tem-se que o apelo merece provimento pela ofensa ao art. 535 do CPC/73, pois está configurada a ofensa a temas essenciais ao deslinde da controvérsia.
Como sabido, caso a eg. Corte Estadual não se manifeste sobre tema necessário ao desate da contenda, fica obstaculizado o acesso à instância extrema, cabendo à parte vencida invocar, como no caso, a infringência do art. 535 do CPC/73, a fim de anular o acórdão recorrido para que o Tribunal a quo supra o vício existente. Confiram-se, por oportuno, os seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015 CONFIGURADA. OMISSÃO QUANTO A ASPECTO FÁTICO RELEVANTE PARA O DESLINDE DO FEITO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÃO MANTIDA.
1. Deixando a Corte local de se manifestar sobre questão relevante apontada em embargos de declaração que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo, tem-se por configurada a violação do art. 1.022 do CPC/2015, devendo o recurso especial ser provido para anular o acórdão, com determinação de retorno dos autos à origem, para que seja suprido o vício.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.113.795/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 1º/03/2018, DJe de 15/03/2018 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. TELEFONIA. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA. AÇÃO DE ADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MODALIDADE. PCT. OMISSÃO E OBSCURIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. OCORRÊNCIA. AGRAVO INTERNO PROVIDO.
1. Há violação do art. 1.022 do CPC/15 quando, apesar do requerimento da parte, a Corte de origem se recusa a se manifestar sobre as questões federais que lhe foram apresentadas por ocasião dos embargos de declaração, relevantes ao deslinde da controvérsia.
2. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial, determinando-se o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que sejam sanados os vícios verificados."
(AgInt nos EDcl no REsp 1.702.509/SP, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES - DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO -, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe de 24/08/2018 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/1973. OCORRÊNCIA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. LIMITAÇÃO DE COBERTURA. INVALIDEZ FUNCIONAL PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (IFPD) E INVALIDEZ LABORATIVA PERMANENTE TOTAL POR DOENÇA (ILPD). INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. APOSENTADORIA. ÓRGÃO PREVIDENCIÁRIO. PERÍCIA. NECESSIDADE.
(..)
4. O acórdão recorrido não se manifestou sobre questões essenciais para o julgamento da causa, pressuposto indispensável para o exame do recurso especial, motivo pelo qual reconhece-se a ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil.
5. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 952.515/SC, Relatora a Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 2/6/2017 - grifou-se)
No caso em apreço, foi alegada e demonstrada a ofensa ao art. 535 do CPC/73, de modo que deve ser confirmada a decisão ora agravada.
É importante consignar, ainda, que eventuais efeitos de outros processos relacionados à lide, como alega a parte ora agravante, o REsp 1.296.917/MS e outros mencionados, poderão ser analisados pelo eg. TJ-MS, na medida em que a violação ao art. 535 do CPC/73, ora reconhecida, cinge-se, também, a discussão acerca de processos conexos a este feito. De fato, se o trânsito em julgado do referido REsp 1.296.917/MS é conexo e, por consequência, tem efeitos jurídicos sobre este processo, tal fato corrobora que o eg. Tribunal a quo deixou de de manifestar sobre tema essencial ao deslinde da controvérsia, o que evidencia a ofensa ao art. 535 do CPC/73.
Finalmente, impende salientar que, como assentado na decisão agravada, o exame das matérias referentes à alegada ofensa aos arts. 265 e 433 do CPC/73 ficou prejudicado com o acolhimento da preliminar de violação ao art. 535 do CPC/73 que determinou o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo.
Com essas considerações, conclui-se que o agravo interno não merece prosperar.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.
É como voto.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Retomando o julgamento, após vista regimental, relembro o caso.
Trata-se de execução de sentença proferida em ação de divisão de imóvel rural, com extinção da comunhão sobre a área total do imóvel, julgada procedente (v. fls. 407 a 499).
Na sessão de julgamento realizada em 5/dez/2019, de três agravos internos interpostos contra decisão monocrática da lavra do anterior relator, eminente Ministro Lázaro Guimarães, que dera parcial provimento ao recurso especial dos ora agravados ESSÊNCIO COLLADO - ESPÓLIO e PILAR COLLADO GARCIA - ESPÓLIO para reconhecer a violação ao art. 535 do Código de Processo Civil de 1973 e determinar o retorno dos autos ao eg. Tribunal a quo, apresentei votos, como relator sucessor, confirmando a referida decisão monocrática.
O eminente Ministro Marco Buzzi pediu vista e, na sessão de julgamento de 5/mai/2020, suscitou questão de ordem no sentido de anular o julgamento dos agravos internos em exame, porque os votos anteriores desta relatoria, negando provimento aos agravos internos, não teriam examinado a petição de fls. 3.817/3.851, na qual se noticia o julgamento do REsp 1.817.845/MS, originário de ação indenizatória decorrente de ato ilícito e assédio processual na qual a eg. Terceira Turma reconheceu a má-fé processual dos ora agravados.
Adiantou, então, que, em tese, caso superada a questão de ordem, inauguraria divergência para dar provimento aos agravos internos, uma vez que entendia ter o v. acórdão estadual examinado devidamente os temas apontados no recurso especial como omissos e, por tal razão, rejeitava a alegada violação ao art. 535 do CPC/73.
- I -
Em razão da questão de ordem suscitada, solicitei vista regimental, para exame da petição indicada, a qual, de fato, não fora apreciada.
Na referida petição, noticia-se que, nos autos do REsp 1.817.845/MS, de relatoria para acórdão da em. Ministra Nancy Andrighi, relativo a ação indenizatória, os ora agravados foram condenados a indenizar os ora agravantes a título de danos morais e materiais por "assédio processual", por terem proposto diversas ações e incidentes processuais referentes ao mesmo litígio trazido nestes autos.
Em suas considerações iniciais sobre aquela controvérsia, a il. Ministra Nancy Andrighi delimitou o objeto da demanda registrando que uma das matrizes daquela ação indenizatória seria justamente a ação divisória originária da presente execução, que, à época do julgamento do REsp 1.817.845/MS, continuava em tramitação e ainda não havia recebido a sentença homologatória, na segunda fase da demanda. A título elucidativo, transcreve-se o seguinte excerto do voto ali proferido:
"A presente ação indenizatória tem, em uma de suas matrizes, uma ação de divisão de terras particulares ajuizada pelos recorrentes em face dos recorridos no ano de 1988, mas que tem como elemento causal uma procuração incontroversamente falsa, datada de 1970, que fora utilizada para sucessivas e ilícitas cessões da área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre (no próprio ano de 1970, para Ayrton Teixeira Gomes; no ano de 1972, para Eduardo Monteiro e, finalmente, em 1974, para os recorridos).
A referida ação divisória, a propósito, continua em tramitação até o presente momento. Em se tratando de ação de procedimento especial submetida a procedimento bifásico, no qual a sentença proferida em 1ª fase reconhece o direito de dividir o imóvel comum e extingue o condomínio e a sentença proferida em 2ª fase efetiva o quinhão de cada parte e a própria linha divisória, é fato incontroverso que apenas a sentença proferida na 1ª fase, de procedência do pedido formulado pelos recorrentes, efetivamente transitou em julgado no ano de 1995.
É digno de registro, pois, que não foi proferida até o momento - e estamos no ano de 2019 - a sentença homologatória que encerra a 2ª fase da referida ação.
Desde o surgimento da controvérsia entre as partes, no ano de 1970, há mais de 39 (trinta e nove) anos, computam-se quase 10 (dez) ações judiciais ou processos administrativos, ajuizados pelos recorridos.
Embora a ação divisória, que foi proposta pelos recorrentes, tenha sido ajuizada apenas em 1988, nota-se ter havido ação de usucapião proposta pelos recorridos já no ano de 1981.
Após a propositura da ação divisória, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994.
Anote-se que, conquanto a área de mais de 1.500 hectares denominada Fazenda Campo Alegre tenha sido objeto de sentença divisória proferida em 1ª fase (reconhecimento do direito de dividir e extinção do condomínio) no ano de 1995, é fato incontroverso que a área apenas foi restituída aos recorrentes em Outubro de 2011.
Nesse particular, é preciso fazer um importante registro. Além das multicitadas ações ajuizadas pelos recorridos antes ou durante a ação divisória, verifica-se que, contemporaneamente à ordem judicial de restituição da área e imissão na posse dos recorrentes, os recorridos propuseram, quase simultaneamente: (i) ação declaratória e embargos de terceiro em Setembro de 2011; (ii) medida cautelar em Outubro de 2011; e (iii) mandado de segurança em Novembro de 2011.
É nesse contexto que se desenvolve a presente ação de reparação de danos materiais e morais, ajuizada justamente em Novembro de 2011, que tem como causa de pedir a prática de atos de assédio processual dos recorridos que teriam, por consequência, privado os recorrentes, por décadas, de usar, dispor e fruir da propriedade familiar de que são herdeiros." (fls. 1.588/1.590 daqueles autos)
A em. Ministra Nancy Andrighi assinala, em seu voto, que o abuso processual estaria configurado em razão da propositura, pelos ora agravados, de diversas ações e incidentes processuais, após o trânsito em julgado da sentença proferida na primeira fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos agravantes sobre os 1.500 hectares de terra da "Fazenda Campo Alegre". É o que se verifica no seguinte trecho do voto da il. Relatora:
"A despeito de a posse sobre a área ter sido objeto de formal reclamação dos recorrentes apenas em 1988, ano em que ajuizada a ação divisória que até hoje - ano de 2019 - não transitou em julgado em segunda fase, fato é que antes disso já havia litigância entre as partes, eis que os recorridos haviam ajuizado precedentemente uma ação de usucapião em 1981.
Até esse momento, ainda se poderia cogitar de uma mera discussão judicial sobre a posse e a propriedade dos mais de 1.500 hectares da Fazenda Superior Tribunal de Justiça Campo Alegre, que traduziria, nessa ótica, tão somente o lícito ato de deduzir pretensões perante o Poder Judiciário.
A tese de exercício lícito do direito de ação começa a derruir, entretanto, quando se verifica que, após o ajuizamento das referidas ações, sobrevieram embargos de terceiro (em 1989), ação de obrigação de fazer (em 1990 e com trânsito em julgado em 2006) e procedimento administrativo em 1994, bem como - e sobretudo - com o trânsito em julgado, em 1995, da sentença proferida na 1ª fase da ação divisória, em que se declarou o direito de dividir o imóvel e a propriedade dos recorrentes sobre os mencionados 1.500 hectares de terra.
A partir desse momento, a privação de uso da propriedade rural pelos recorrentes ganha outros e mais sérios contornos, tendo em vista a existência de uma decisão judicial definitiva que, conquanto pendente de concretização no plano fático mediante a efetivação da linha divisória, delimitou a propriedade dos recorrentes.
Nesse contexto, o uso exclusivo da área alheia para o cultivo agrícola pelos 16 anos subsequentes - de 1995 a 2011, ano em que a área foi efetivamente restituída aos recorrentes -, não mais pode ser qualificado como lícito e de boa-fé no contexto anteriormente delineado, de modo que é correto afirmar que, a partir de 1995, os recorridos assumiram o risco de reparar os danos causados pela demora na efetivação da tutela específica de imissão na posse dos recorrentes.
É interessante observar, aliás, que o autor que usufrui de uma tutela de urgência responderá objetivamente pelos prejuízos que a efetivação da medida causou à parte adversa se a futura sentença de mérito lhe for desfavorável (art. 811, I, do CPC/73; art. 302, I, do CPC/15), de modo que, com muito mais razão, a parte que usufrui de um bem que sabidamente não lhe pertence por força de decisão de mérito definitiva quanto à propriedade deverá reparar os prejuízos decorrentes dessa iniciativa.
Ademais, merece especial destaque e atenção o fato de que os recorridos, exatamente às vésperas da tardia restituição de área e imissão na posse dos recorrentes ocorrida em Outubro de 2011, não titubearam em, sem qualquer pejo, ajuizar sucessivamente 04 novas ações judiciais, todas no período entre Setembro de 2011 e Novembro de 2011, todas elas sem qualquer fundamento relevante e todas manejadas quando já estava consolidada, há mais de 16 anos, a propriedade dos recorrentes.
Esse conjunto de fatos no contexto em que se desenvolveu o litígio havido entre as partes não deixa dúvidas, data maxima venia, de que os recorridos efetivamente abusaram do direito de ação e de defesa e, mais do que isso, que desses abusos processuais sobrevieram danos materiais e morais que precisam ser reparados." (fls. 1.600/1.601 daqueles autos)
Com estas considerações, entendo que a decisão proferida naquele REsp 1.817.845/MS não atrai a competência para o julgamento deste recurso especial, uma vez que, como bem apontado pela il. Ministra Nancy Andrighi, a ação divisória executada nestes autos não se confunde com a ação indenizatória ali apreciada, pois a presente ação é uma das matrizes daquela demanda, juntamente com a ação de usucapião e outras também intentadas pelos ora agravados. Portanto, aquele julgamento não tem o condão de afetar diretamente o direito reclamado neste recurso especial, nesta outra ação.
Desse modo, não há vício a ensejar a anulação do julgamento dos presentes agravos internos, conjuntamente ora apreciados, motivo pelo qual, com a devida venia, dou por superada a questão de ordem suscitada pelo eminente Ministro Marco Buzzi.
- II -
Por outro lado, avançando no exame do agravo interno no recurso especial e considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Marco Buzzi, tem-se que a decisão agravada deve ser reconsiderada, pois, de fato, não houve ofensa ao art. 535 do CPC/73 no v. acórdão do eg. Tribunal de Justiça.
Com efeito, o eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos, como se infere da leitura dos seguintes excertos do v. acórdão estadual:
- Referente às conclusões do laudo pericial
"Como bem salientado pelo Relator, diversas vezes os apelantes manifestaram contra o laudo pericial, contudo, vê-se dos autos que todas essas irresignações foram apreciadas e reapreciadas pelo judiciário. Inúmeras foram as manifestações do perito, a fim de prestar esclarecimentos, e diversas as complementações ao laudo pericial.
Acerca da matrícula 4.466 houve extensa explicação do perito no Laudo Pericial de fl. 1550-1571, o qual foi impugnado às fls. 1608-1623. Mais uma vez o perito prestou esclarecimentos - fls. 1713-1720 e - os requeridos se insurgiram (fls. 1723-1730). Tais questões foram apreciadas na sentença que deliberou a partilha - fls. 1737-1743 mesma ocasião em que foram apreciadas as argumentações referentes às benfeitorias.
Dessa decisão foi interposto o agravo de instrumento nº 2010.037263-4 - relatado pelo Des. Fernando Mauro Moreira Marinho - ao qual se negou provimento, mantendo-se hígido o laudo pericial."
"Trata-se de procedimento recursal de Agravo contra decisão proferida pelo juízo da 2" Vara, da Comarca de Chapadão do Sul, interposto em face da decisão que deliberou a partilha, nos autos da Execução de Título Executivo Judicial, n. 046990002239.
(..)
Passo, então, a deliberar sobre a partilha de parte do imóvel denominado "Fazenda Campo Alegre", transcrito sob o nº 2560 do Cartório de Registro de Imóveis de Paranaíba, que perfaz 13.510,6589 ha mais o excesso encontrado, totalizando 13.885,6768 ha.
Para tanto adoto como principal elemento balisador os amplos e minuciosos laudos periciais anexos aos autos, que seguiu todas as resoluções já traçadas pela sentença executada e, bem assim, todo o suporte fático apresentado no curso destes autos. Por esta razão, a tabela abaixo que conta com a compensação e distribuição - - decorrente da área titulada e excesso encontrado é capaz de demonstrar a área total que cabe a cada condômino, que é devidamente complementada pelo mapa geral do plano de divisão constante à fl. 1.593/1.594 dos autos:
(..)
Nessa oportunidade, acompanhando o voto do Relator, consignei que: "De fato, ao que tudo indica, as partes agravantes não concordam com a perícia do expert, porque não lhes é favorável, o que não significa dizer que o laudo encontra- se maculado por vícios procedimentais."
Assim, resta evidente que o presente recurso de apelação não deve ser conhecido nos pontos que ataca o laudo pericial, por força do princípio da unirrecorribilidade e da preclusão consumativa, pois as questões alçadas já foram apreciadas anteriormente pelo Poder Judiciário." (fl. 3.105)
- No tocante à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fl. 3.106)
- No pertinente à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide
"Assim, tenho que o presente recurso somente deve ser conhecido quanto à alegação de que a sentença não poderia ter sido proferida enquanto não julgadas ações incidentes, que versam sobre o mesmo objeto da presente causa e também atribuem nulidade ao laudo pericial e quanto aos honorários advocatícios arbitrados em RS 20.000,00.
Quanto às demais ações ajuizadas, sem razão o apelante, vez que, como já dito, as questões referentes à divisibilidade da área e as apontadas máculas do laudo pericial, já foram apreciadas exaustivamente, e estão acobertadas pela coisa julgada. Assim, não vislumbro o porquê deste processo, que se arrasta há décadas, ser suspenso.
Inexiste nulidade, pois a sentença ora objurgada independia do julgamento das outras ações ajuizadas." (fl. 3.106)
Na leitura dos excertos ora transcritos, verifica-se que, de fato, o v. acórdão estadual não foi omisso, o que enseja a rejeição da alegada ofensa ao art. 535 do CPC/73.
- III -
Assim, a decisão agravada deve ser reconsiderada, passando-se ao exame dos demais temas trazidos no especial, que tinham sido considerados prejudicados na decisão ora atacada.
Avançando, no apelo especial, alega-se cerceamento de defesa e violação aos arts. 398 do CPC/73 e ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88.
Para os recorrentes, teria havido cerceamento de defesa porque o eg. Tribunal de origem teria considerado diversos documentos juntados pela parte contrária, sem a abertura de prazo para manifestação dos ora recorrentes, o que também violaria o due process of law.
De plano, não se conhece da alegada violação ao art. 5º, LIV e LV, da CF/88, pois se trata de matéria constitucional, cujo exame compete ao col. Supremo Tribunal Federal, consoante preconiza o art. 102 da Carta Magna.
No tocante ao art. 398 do CPC/73, é valiosa a transcrição do seguinte excerto do v. acórdão que rejeitou os embargos de declaração, na origem:
"Alegam os embargantes omissão no tocante à inobservância ao princípio do devido processo legal, por não ter sido oportunizado aos embargantes que se manifestassem acerca da petição de desistência do recurso (f. 2524/2526), ato que deveria ser feito, porque tal petição traz acréscimos de sustentação relevantes, de modo que, tal falta, enseja no cerceamento de defesa e infringe o disposto no art. 398 do CPC.
Como se vê dos autos, às fls. 2524-2526 foi acostada petição pugnando-se pela desistência do recurso em relação a Selvino Rotili e sua esposa Arminda Nicole Rotili, pedido que foi homologado quando do julgamento do acórdão.
(..)
Outrossim, cabe afirmar que a petição de fl. 2533-2536 foi analisada somente quanto ao pedido de desistência e que nada que mais conste lá foi considerado, como bem pode ser observado do acórdão de fl. 2543-2561.
Vê-se que o embargante, embora alegue que foi prejudicado, não apontou nenhum prejuízo concreto decorrente da juntada da referida petição. E sabido que sem prejuízo não há falar em nulidade.
Desse modo, não há falar na aponta omissão." (fls. 3.119/3.121)
Na leitura do excerto ora transcrito, não se verifica ofensa ao referido dispositivo legal. Isso, porque os recorrentes não afirmam qual o prejuízo que supostamente tenham sofrido da análise e acolhida de petição, sobre a qual o eg. Tribunal a quo analisou apenas o pedido de desistência, que pode ser requerido pela parte a qualquer momento, nos termos do art. 501 do CPC/73.
Assim, considerando-se que, pelo princípio da instrumentalidade das formas, inexiste nulidade sem prejuízo, deve ser rejeitada a tese de cerceamento de defesa, bem como a suposta ofensa ao art. 398 do CPC/73.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta eg. Quarta Turma:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE. CARGA DOS AUTOS PELO ADVOGADO DA PARTE. CIÊNCIA INEQUÍVOCA.
1. A jurisprudência do STJ firmou o entendimento no sentido de que a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte, em face do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief).
2. "O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que a carga dos autos pelo advogado da parte, antes de sua intimação por meio de publicação na imprensa oficial, enseja a ciência inequívoca da decisão que lhe é adversa, iniciando a partir daí a contagem do prazo para a interposição do recurso cabível" (AgInt no AREsp 1.483.050/DF, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17.9.2019, DJe de 3.10.2019).
3. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 1.151.934/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 16/11/2020, DJe de 20/11/2020, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE INTERDITO PROIBITÓRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS.
1. O Enunciado Administrativo n. 2 do STJ determina que, na hipótese de recursos interpostos contra decisões publicadas na vigência do CPC/73, devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência desta Corte. 2. O Tribunal local dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Não havendo qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, inocorrente a ofensa ao artigo 535 do CPC/73.
3. A ausência de impugnação a fundamento do acórdão recorrido atrai o óbice da Súmula 283/STF, aplicável por analogia.
3.1. Encontrando-se o aresto de origem em sintonia com a jurisprudência consolidada nesta Corte, a Súmula 83 do STJ serve de óbice ao processamento do recurso especial especial, tanto pela alínea "a" como pela alínea "c", a qual viabilizaria o reclamo pelo dissídio jurisprudencial.
4. O STJ tem entendimento no sentido de que não se faz necessária nova publicação nos casos de adiamento de processo de pauta, desde que o novo julgamento ocorra em tempo razoável, tal como ocorreu na espécie. Precedentes.
4.1. Esta Corte Superior tem iterativamente assentado que a decretação de nulidade de atos processuais depende de efetiva demonstração de prejuízo da parte interessada, por prevalência do princípio da instrumentalidade das formas (pas de nullité sans grief), o que não foi demonstrado no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 891.141/MS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe de 11/11/2019, g.n.)
Por seu turno, ainda sustentando cerceamento de defesa, defendem os recorrentes violação aos arts. 433 e 435 do CPC/73, medida em que o il. Magistrado de piso teria prolatado sentença homologatória, sem a necessária audiência para que as partes pudessem fazer questionamento pessoalmente ao Sr. Perito.
Nesse ponto, o eg. Tribunal de origem, de forma clara, afirmou que o laudo pericial fora analisado, questionado e debatido diversas vezes pelos litigantes, concluindo que a designação de audiência era desnecessária, e que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente. É o que se infere da leitura dos seguintes trechos do acórdão estadual, repita-se:
"Outrossim, merece destaque o fato de que não há falar em necessidade de designação de audiência de instrução, para que o perito prestasse esclarecimentos, vez que, como já dito, nada mais havia a ser esclarecido ou debatido acerca do laudo pericial.
Ademais, a obrigatoriedade de a homologação ocorrer em audiência de instrução e julgamento, especialmente designada para tal fim, era providência exigível no Código de Processo Civil de 1939, a qual foi desprezada quando do surgimento do Código de Processo Civil de 1973. Logo, evidentemente, que não há mais falar em tal obrigatoriedade.
Outrossim, destaco que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, o que, a princípio, de nada adiantaria, pois as partes são leigas na técnica de agrimensura." (fls. 3.149/3.150)
Consoante a jurisprudência desta Corte, nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar os esclarecimentos, formulando, desde logo, os pontos a serem esclarecidos. Nesse sentido, colhem-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PERÍCIA.
ESCLARECIMENTOS. ARTS. 435 E 454 DO CPC/73. REQUERIMENTO. AUSÊNCIA. NÃO PROVIMENTO.
1. Nos termos do artigo 435 do revogado Código de Processo Civil, é dever da parte que pretender esclarecimentos do perito requerer a sua intimação para comparecer em audiência e formular, desde logo, as perguntas a serem feitas.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.051.959/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 07/11/2017, DJe de 20/11/2017, g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DESOBSTRUÇÃO DE LOGRADOURO PÚBLICO. ART. 435 DO CPC. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA. PRESCINDIBILIDADE NO CASO. NULIDADE DE SENTENÇA. NÃO OCORRÊNCIA. QUESITOS RESPONDIDOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO.
1. O sistema das nulidades processuais é informado pela máxima "pas de nullité sans grief", segundo a qual não se decreta nulidade sem prejuízo.
2. O art. 435 do CPC estabelece ser dever da parte, quando da apresentação ao juízo de requerimento da intimação para comparecimento do perito em audiência, que formule, desde logo, as perguntas que entender necessárias sob a forma de quesitos.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte, nas hipóteses em que não há mais dúvidas a esclarecer, a ausência do perito em audiência não configura nulidade. Precedente.
4. No caso, tendo sido devidamente respondidos pelo perito os quesitos apresentados pela parte, na mesma oportunidade em que este comunicou ao juízo a impossibilidade de seu comparecimento na data aprazada para realização da audiência de instrução, sua ausência no referido ato judicial não é capaz de por si só nulificá-lo.
5. Agravo regimental não provido."
(AgRg no REsp 1.320.105/PB, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 1º/10/2015, DJe de 08/10/2015, g.n.)
Nesse cenário, considerando-se as várias manifestações e esclarecimentos já prestados pelo perito e levando-se em conta que não houve pedido expresso para que o perito fosse ouvido pessoalmente, a eg. Corte Estadual entendeu correto dispensar a referida audiência, o que efetivamente não acarretou cerceamento de defesa, ao contrário do que dizem os recorrentes no especial.
Melhor sorte não merece o apelo nobre quanto à ofensa aos arts. 166, II e IV, 168 e 169 do Código Civil. Apontando violação a tais normas, os recorrentes afirmam que:
"O acórdão ofende ainda o Art. 166, II e IV, e os art . 168 e 169 do Código Civil, ou seja, sobre as nulidades arguidas não se faz coisa julgada, como também, é impossível de haver coisa julgada ou mesmo prescrição consumativa quando se está diante de nulidades absolutas não geram tais direitos e nem o Magistrado não pode decidir nestes termos sem provocação ou pedido da parte contrária - ne procedat iudex ex officio - nestes casos. Nulidades não se absolutas não convalesce com o tempo e isso não foi fundamentado e homologação é nula de pleno jure, porque havia contencioso." (fl. 3.217, g. n.)
Como sabido, o recurso especial é o instrumento processual adequado para discutir violação ou divergência jurisprudencial quanto a lei federal, conforme preconiza o art. 105, III, a e c, da CF/88. Nesse diapasão, para atender tal mister, é necessário que nas razões recursais sejam apresentados argumentos jurídicos claros e precisos sobre como o eg. Tribunal a quo teria violado ou interpretado de forma divergente determinado dispositivo de lei federal.
No caso, as razões recursais ora transcritas não trazem argumentação jurídica apta a demonstrar como os referidos artigos foram violados ou interpretados de forma equivocada pela eg. Corte Estadual. Nesse cenário, as razões do apelo nobre representam meras alegações genéricas de violação da lei federal, o que configura deficiência na fundamentação recursal, atraindo o óbice da Súmula 284/STF, aplicada por analogia. Nesse sentido, confiram-se:
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. (..). FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284 DO STF. REEXAME DE PROVA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL. ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ.
(..)
2. Nos casos em que a arguição de ofensa a dispositivo de lei federal é genérica, sem demonstração efetiva da contrariedade, aplica-se ao recurso especial, por analogia, o entendimento da Súmula 284 do Supremo Tribunal Federal.
(..)
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 613.606/PR, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 9/5/2017, DJe de 17/5/2017 - g.n.)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/1973) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE NEGATIVAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA DEMANDADA.
1. A alegação genérica de ofensa a dispositivo da lei federal, sem a demonstração, de forma clara e precisa, de que modo o acórdão recorrido o teria contrariado, atrai, por analogia, a Súmula 284 do STF.
(..)
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 518.058/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2016, DJe de 28/10/2016 - g. n.)
Outrossim, o recurso também não merece acolhida pelo malferimento ao art. 265, IV, do CPC/73. Quanto ao tema, defendem os recorrentes que a "(..) familia Rotilli ingressou com as seguintes ações conexas à famigerada divisão, a saber: - Embargos de Retenção, que tem finalidade de reter a coisa dados os investimentos monstruosos feitos em parte da área discutida, devido posse ancianíssima ou a longissimi temporis. - Ação declaratória negativa de domínio, c.c nulidade absoluta do laudo pericial da divisão, que a sentença ora recorrida veio a homologar, quando não podia. - Ação de usucapião contra o condomínio com base em prescrição aquisitiva. - Existe pendente, ainda, ação de terceiro, cujo interessado é Benevenuto Otoni, sobre nulidades absolutas de certidões e documentos falsos que foram usados na divisão" (fl. 3.220). Asseveram, ainda, que, "(..) em havendo processos conexos cujo objeto implicava diretamente sobre a área dividenda e o teor ou conteúdo do laudo pericial, não poderia ter sido proferido sentença simplesmente homologatória de quinhões e ainda determinando averbação no registro de imóveis (fl. 3.220).
Sem razão os recorrentes.
A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da paralisação consoante as circunstâncias.
A propósito, confiram-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA. MATÉRIA QUE DEMANDA REEXAME DE FATOS E PROVAS. SUMULA 7 DO STJ.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior: "A paralisação do processo em virtude de prejudicialidade externa não possui caráter obrigatório, cabendo ao juízo local aferir a plausibilidade da suspensão consoante as circunstâncias do caso concreto" (AgInt no AREsp 846.717/RS, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 30/11/2017).
2. No presente caso, a revisão do entendimento do acórdão recorrido, e o acolhimento da pretensão recursal, no sentido de decidir sobre a existência ou não de prejudicialidade externa, demandaria a alteração das premissas fático-probatórias estabelecidas pelo acórdão impugnado, com o revolvimento das provas carradas aos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.743.319/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe de 26/08/2021, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO. PREJUDICIALIDADE EXTERNA. QUESTÃO FÁTICA QUE ENSEJOU PAGAMENTO DO SEGURO APRECIADA EM OUTRA DEMANDA DE RESSARCIMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE NOVA ANÁLISE. SEGURANÇA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 469 E 472 DO CPC/73. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
1. "Embora recomendável, em nome da segurança jurídica e da economia processual, a suspensão dos processos individuais envolvendo a mesma questão, a fim de evitar conflitos entre soluções dadas em cada feito, caberá ao prudente arbítrio do juízo local aferir a viabilidade da suspensão processual, à vista das peculiaridades concretas dos casos pendentes e de outros bens jurídicos igualmente perseguidos pelo ordenamento jurídico" (REsp 1.240.808/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 07/04/2011, DJe de 14/04/2011).
2. Agravo interno desprovido. (AgInt no AREsp 374.577/RS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, j. em 26/10/2020, DJe de 24/11/2020, g.n.)
No presente caso, como os próprios recorrentes afirmam, eles ajuizaram diversas ações no decurso de anos visando o mesmo objetivo, qual seja, questionar, por meios processuais, a divisão de terras objeto destes autos. E, uma vez propondo inúmeras ações, sustentam que o julgamento e respectiva homologação seria nulo, porque os processos deveriam ser julgados em conjunto, porque conexos.
A toda evidência, a argumentação possui frágil sustentação jurídica e evidente propósito protelatório, na medida em que acolher tal tese levaria a um círculo vicioso, pois bastaria propor uma ação e, tempos depois, provocar algum incidente processual para se forçar a anulação do julgamento da primeira ação, justamente porque não se julgaram as duas ações em conjunto. Nesse contexto, não se infere no caso ofensa ao referido art. 265 do CPC/73.
O recurso também não merece guarida pela alínea c do permissivo constitucional, em razão da ausência de similitude fático-jurídica entre o acórdão estadual e os três paradigmas apresentados, não sendo atendidas as regras do art. 1.029, § 1º, do CPC/2015, combinado com o art. 255, § 1º, do RISTJ.
Nessa linha de intelecção, destacam-se os seguintes julgados:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO - INSURGÊNCIA RECURSAL DA AUTORA.
(..)
2. No caso, a recorrente não logrou demonstrar a divergência jurisprudencial nos moldes exigidos pelos artigos 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ. Isto porque a interposição de recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional reclama o cotejo analítico dos julgados confrontados a fim de restarem demonstradas a similitude fática e a adoção de teses divergentes, máxime quando não configurada a notoriedade do dissídio.
3. Agravo interno desprovido."
(AgInt no REsp 1.832.858/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/05/2020, DJe de 07/05/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. CIRURGIA PLÁSTICA. MATÉRIA DE FATO DELINEADA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL COMPROVADO.
(..)
3. À caracterização do dissídio jurisprudencial, nos termos dos artigos 541, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e 255, parágrafos 1º e 2º, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, é necessária a demonstração da similitude de panorama de fato e da divergência na interpretação do direito entre os acórdãos confrontados.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 708.394/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, j. em 20/04/2020, DJe de 24/04/2020 - g. n.)
"AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MONITÓRIA. IMPENHORABILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 833, VIII, DO CPC/2015 E DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 7 DO STJ. FALTA DE COTEJO ANALÍTICO E SIMILITUDE FÁTICA.
(..)
2. O dissídio jurisprudencial não foi devidamente demonstrado, à míngua do indispensável cotejo analítico.
3. Ademais, há ausência de similitude fática entre o acórdão recorrido e o paradigma capaz de evidenciar o dissídio jurisprudencial.
4. Agravo interno não provido."
(AgInt nos EDcl no AREsp 1.357.083/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, j. em 29/4/2019, DJe de 2/5/2019 - g. n.)
Com estas considerações, conclui-se que o recurso especial não merece prosperar.
Ante o exposto:
a) rejeita-se a questão de ordem suscitada;
b) dá-se provimento aos três agravos internos para reconsiderar a decisão agravada; e
c) em novo exame, conhece-se em parte do recurso especial e, na extensão, nega-se-lhe provimento.
É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. | PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVISÃO DE IMÓVEL RURAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO JULGAMENTO DESTE AGRAVO INTERNO. INEXISTÊNCIA. QUESTÃO DE ORDEM. SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC/73. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPARECIMENTO DO PERITO EM AUDIÊNCIA (CPC/73, ART. 435). PRESCINDIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO (SÚMULA 284/STF). AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE EXTERNA (CPC/73, ART. 265). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA. AGRAVO PROVIDO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO. | 1. A decisão proferida no REsp 1.817.845/MS (Rel. Min. NANCY ANDRIGHI), tirado de ação indenizatória, não atrai a competência interna da TERCEIRA TURMA para o julgamento do presente recurso especial e seus consectários, uma vez que a ação divisória executada nestes autos é apenas uma das causas de pedir daquela ação indenizatória por "assédio processual", e não tem, portanto, o condão de afetar diretamente o direito reclamado nesta outra ação. Questão de ordem superada.
2. O eg. Tribunal Estadual examinou os pontos indicados como omissos no tocante às conclusões do laudo pericial, à questionada necessidade de designação de audiência de instrução e julgamento e à alegação de ações conexas aptas a influenciar no julgamento da lide, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC/73.
3. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a nulidade somente é declarada quando demonstrado o efetivo prejuízo à parte. Na hipótese, os agravantes não apontam qual o prejuízo supostamente sofrido em decorrência da análise e acolhida de petição de desistência do recurso da parte agravada, razão pela qual deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa.
4. Nos termos do art. 435 do CPC/73, cabe à parte interessada requerer a presença do perito em audiência para apresentar esclarecimentos. No caso, considerando as várias manifestações e esclarecimentos prestados pelo expert nos autos e não ter havido pedido expresso para que fosse ouvido pessoalmente, o Tribunal de Justiça entendeu por dispensar a referida audiência, o que não configura cerceamento de defesa.
5. A ausência de fundamentação adequada acerca do dispositivo de lei federal supostamente violado impede a abertura da instância especial, nos termos da Súmula 284 do STF, aplicável, por analogia, nesta Corte.
6. A suspensão do processo ante a existência de prejudicialidade externa com outra demanda ou incidente não possui caráter obrigatório, cabendo ao julgador aferir, no caso concreto, a plausibilidade da pretensão. No caso, a argumentação jurídica acerca da nulidade da homologação da divisão de terras em razão da ausência de julgamento conjunto com outros inúmeros incidentes suscitados pela própria parte é frágil, possuindo nítido propósito protelatório, porquanto induziria a um círculo vicioso no qual se provocam incidentes processuais somente para forçar a anulação da ação originária em razão da ausência de julgamento conjunto.
7. Dissídio jurisprudencial não demonstrado em face da ausência de similitude fático-jurídica entre o v. acórdão estadual e o paradigma.
8. Agravo interno a que se dá provimento, para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, conhecer em parte do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento. | N |
144,827,077 | EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS E IMUNIDADE JUDICIAL DO ADVOGADO. OFENSAS A PROMOTOR DE JUSTIÇA. EXCESSOS CONFIGURADOS. REVISÃO DO VALOR DA REPARAÇÃO. CABIMENTO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não há violação do art. 535 do CPC/73 quando o eg. Tribunal estadual aprecia a controvérsia em sua inteireza e de forma fundamentada.
2. "A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade e não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem" (AgInt no REsp 1.879.141/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 12/4/2021, DJe de 16/4/2021).
3. "A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado" (REsp 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017).
4. No caso, pela descrição dos fatos trazida no v. acórdão recorrido, observa-se que a situação exposta denota circunstância excepcional, ensejadora de reparação por danos morais, pois houve excessos na atuação do advogado ora recorrente, importando significativa e anormal violação a direitos da personalidade do promovente, especialmente durante entrevista a órgão de imprensa, na qual o recorrente indevidamente imputou, ao Promotor de Justiça recorrido, condutas ofensivas, exorbitando dos deveres profissionais.
5. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto nas hipóteses em que constatado excesso, distanciando-se dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, o montante fixado pelas instâncias ordinárias mostra-se passível de revisão.
6. Agravo interno a que se dá parcial provimento para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, acolher em parte o agravo, para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Cuida-se de agravo interno, interposto por MARCELO HENRIQUE, contra decisão de fls. 919/924, que conheceu do agravo para negar provimento ao recurso especial, sob os fundamentos de: (a) ausência de violação do art. 535 do CPC/73; (b) incidência da Súmula 7 do STJ para alterar as premissas de responsabilidade pelo danos morais causados ao agravado; e (c) impossibilidade de revisão do quantum indenizatório porque não se mostra exorbitante.
Nas razões do agravo interno, o agravante sustenta: 1) violação do art. 535 do CPC/73; 2) inaplicabilidade da Súmula 7 do STJ, ante a desnecessidade de análise do conjunto probatório; e 3) exorbitância do valor fixado a título de danos morais, pois alcança mais de trezentos mil reais.
Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Apresentada impugnação do agravo interno às fls. 941/945.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se, na origem, de ação de indenização por danos morais proposta pelo ora agravado, julgada procedente para condenar o agravante ao pagamento de R$46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais) pelos danos morais causados.
Inicialmente, nas razões do presente agravo, reitera o recorrente a alegação de violação do art. 535 do CPC/73. Ocorre que, na leitura do v. acórdão estadual, verifica-se haver a eg. Corte de origem dirimido, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.
É uníssona a jurisprudência deste eg. Tribunal no sentido de não estar o magistrado obrigado a responder a todos os argumentos apresentados pelos litigantes, bastando aprecie a lide em sua inteireza, com suficiente fundamentação. Nesse sentido, destacam-se:
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO MONITÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS-EMBARGANTES.
(..)
2. A Corte de origem dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Dessa forma, à míngua de qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, não se verifica a ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973.
(..)
6. Agravo interno desprovido."
(AgInt no AREsp 362.110/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe de 23/03/2017, g.n.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA LIDE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 535 DO CPC/1973 (CORRESPONDENTE AO ART. 1.022 DO CPC/2015). DECISÃO MANTIDA.
1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973, correspondente ao art.1.022 do CPC/2015, quando a Corte local pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 988.556/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe de 17/03/2017, g.n.)
Alega o agravante que, "considerando que o recorrente possui imunidade profissional para o exercício livre e desimpedido da Advocacia (art. 133, CF; e, arts. 5º; 7º, §2º; e, 31, §§1º e 2º, da Lei nº 8.906/94), não se mostra adequado responsabilizá-lo pelo pagamento de indenização por danos morais à parte contrária, quando o seu agir deu-se dentro dos limites da sua função de advogado, haja vista que, como se disse, simplesmente apresentou fatos à Corregedoria e concedeu uma única entrevista a um jornal que lhe procurou, ainda mais ao se ter em mente que não houve o cometimento de excesso frente aos parâmetros normativos constantes das regras insculpidas nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil" (fl. 934).
Sobre a questão, nos termos da jurisprudência desta Corte, a imunidade judicial conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade, não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem. Nesse sentido:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OFENSA. INEXISTÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CARÊNCIA DA AÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA Nº 283/STF. ATO ILÍCITO. CONDUTA CRIMINOSA. IMPUTAÇÃO . OFENSA À HONRA. DANO MORAL CONFIGURADO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. ESTATUTO DA OAB. IMUNIDADE PROFISSIONAL RELATIVA.
LEGALIDADE E RAZOABILIDADE. DIREITOS DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. NÃO ABRANGÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser possível ao relator dar ou negar provimento ao recurso especial, em decisão monocrática, nas hipótese s em que há jurisprudência dominante quanto ao tema ou se tratar de recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida (artigo 932, III e IV, do Código de Processo Civil de 2015).
3. Na hipótese, inexiste afronta ao princípio da colegialidade e/ou cerceamento de defesa, pois a possibilidade de interposição de agravo interno contra a decisão monocrática permite que a matéria seja apreciada pela Turma, afastando eventual vício.
4. Não viola os arts. 489, § 1º, II, e 1.022, I e II, do Código de Processo Civil de 2015 nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para a resolução da causa, porém diversa da pretendida pelo recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta.
5. A ausência de impugnação de um fundamento suficiente do acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso, incidindo o disposto na Súmula nº 283/STF.
6. No caso concreto, rever o entendimento da Corte local, de houve ofensa à honra em virtude de ato ilícito praticado pela agravante, que indevidamente imputou ao agravado condutas criminosas e ofensivas, caracterizando o dano moral, demandaria o reexame fático-probatório dos autos, procedimento inadmissível em recurso especial devido ao óbice da Súmula nº 7/STJ.
7. A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade e não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem. Aplicável, portanto, a inteligência da Súmula nº 568/STJ.
8. Agravo interno não provido."
(AgInt no REsp 1.879.141/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2021, DJe de 16/04/2021, g.n.)
"RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. OFENSA PRATICADA POR ADVOGADO CONTRA PROMOTORA DE JUSTIÇA. CONDUTA NÃO ABRANGIDA PELA IMUNIDADE PROFISSIONAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO. REVISÃO DO VALOR NO STJ.
1 - A imunidade profissional estabelecida pelo art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/94, não abrange os excessos configuradores de delito de calúnia e desacato e tem como pressuposto que "as supostas ofensas guardem pertinência com a discussão da causa e não degenerem em abuso, em epítetos e contumélias pessoais contra o juiz, absolutamente dispensáveis ao exercício do nobre múnus da advocacia" (passagem extraída do voto Ministro Sepúlveda Pertence no HC 80.536-1-DF).
2 - Precedentes do STJ no sentido de que tal imunidade não é absoluta, não alcançando os excessos desnecessários ao debate da causa cometidos contra a honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária.
3 - O valor devido a título de danos morais é passível de revisão na via do recurso especial se manifestamente excessivo ou irrisório. Redução do valor da indenização, tendo em vista os parâmetros da jurisprudência do STJ, e levadas em consideração as circunstâncias do caso concreto, notadamente a gravidade das ofensas.
4 - Recurso especial a que se dá parcial provimento provimento."
(REsp 919.656/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe de 12/11/2010, g.n.)
Já no que tange aos danos morais, em regra, para sua configuração, há necessidade de comprovação de circunstâncias específicas no caso concreto, capazes de gerar dor e sofrimento ao ofendido indenizáveis. Nesse sentido:
"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ACORDO. QUITAÇÃO DO CONTRATO. DEMORA NA LIBERAÇÃO DO GRAVAME SOBRE O BEM JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO.
1. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC/2015, é de rigor a rejeição dos embargos de declaração.
2. A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado.
3. Desse modo, ausentes circunstâncias excepcionais devidamente comprovadas, a simples demora da instituição financeira em, quitado o contrato, providenciar a liberação do gravame de alienação fiduciária sobre o veículo junto ao órgão de trânsito competente não enseja, por si só, dano moral indenizável.
4. Recurso especial não provido."
(REsp n. 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017, g.n.)
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VEÍCULO AUTOMOTOR. BAIXA DE GRAVAME. DEMORA. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. Considera-se deficiente a fundamentação do recurso especial que alega ofensa ao art. 535 do CPC e não demonstra, clara e objetivamente, qual ponto omisso, contraditório ou obscuro do acórdão recorrido não foi sanado no julgamento dos embargos de declaração.
2. O inadimplemento contratual gera, ordinariamente, os efeitos estabelecidos no art. 389 do Código Civil, segundo o qual, "não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".
3. Somente haverá indenização por danos morais se, além do descumprimento do contrato, ficar demonstrada circunstância especial capaz de atingir os direitos de personalidade, o que não se confunde com o mero dissabor.
4. O simples atraso em baixar gravame de alienação fiduciária no registro do veículo automotor não é apto a gerar, in re ipsa, dano moral, sendo indispensável demonstrar a presença de efetivas consequências que ultrapassem os aborrecimentos normais vinculados a descumprimento contratual. Nessa linha: REsp n. 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe 31.5.2017.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido."
(REsp 1.599.224/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe de 16/08/2017, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. IMÓVEL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel. Na hipótese, a conduta da construtora extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, não se caracterizando como mero inadimplemento contratual.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe de 16/11/2018, g.n.)
No caso em exame, o eg. Tribunal a quo concluiu ter havido ofensa à honra, à imagem e à privacidade do agravado, Promotor de Justiça, a quem indevidamente o ora recorrente imputou condutas ofensivas, exorbitando os deveres profissionais do advogado. É o que se extrai do seguinte trecho do v. acórdão recorrido:
"Em relação ao mérito, a r. sentença deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, os quais ficam inteiramente adotados como razão de decidir. O art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal estabelece que:
"Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la".
Consigna-se que a r. sentença bem apreciou a matéria aqui debatida, como se evidencia:
(..) Trata-se de ação de reparação de danos morais pela conduta ilícita civil imputada pelo réu. Todavia, é preciso decidir-se incidentalmente se o autor agiu corretamente na sua função ministerial, ainda que este juízo não seja o competente para julgar a questão correicional e criminal, mas é preciso analisar os fatos, o pedido de perícia, indicação do médico Guaraci Silveira Garcia e o arquivamento do IP., para se aferir se o réu estava defendendo seus clientes, no exercício de suas prerrogativas, ou estava ofendendo o autor. O autor pediu o arquivamento do inquérito policial. Apesar de outras diligências, apesar da representação na Corregedoria do Ministério Público, apesar da atuação do réu, o inquérito foi definitivamente arquivado, tendo o MM. Juiz Criminal consignado que, segundo a perícia feita pelo IMESC: "os procedimentos adotados pela equipe de neonatologia que atendeu o recém nascido foram precisos e adequados" (fl.471). O requerido também representou o autor na Corregedoria do Ministério Público (fls.188/195), pedindo a instauração de processo administrativo e a representação também foi arquivada, porque o órgão competente entendeu que o autor atuou dentro dos seus limites funcionais (fls. 335/342). O requerido também representou os três médicos (fls. 357) que participaram do triste evento que vitimou a criança Rogério Samuel da Silva, representação nas esferas estadual e federal e os médicos não foram penalizados. Pelo Parecer do C. R. M não houve falha no atendimento médico. O parecer aprovado em Reunião de Câmara e homologado em Reunião Plenária (fls.12/19). Depois que o requerido reclamou da suspeita de suspeição do médico Guaraci, nova perícia foi feita no IMESC, a pedido do autor e a perícia concluiu que não houve culpa dos médicos indiciados (fl. 468). Isto tudo permite concluir que o autor agiu corretamente quando pediu o arquivamento do inquérito policial. Após a profunda análise e investigação policial, várias perícias e colheitas de provas em vários órgãos, constata-se que o convencimento do autor estava correto. O requerido, a seu turno, não trilhou o mesmo caminho. O contestante disse que não advogava para os pais da criança na esfera criminal, porque eles não tinham condições econômicas de pagarem seus honorários, mesmo assim tomou a iniciativa de representar o autor na Corregedoria (fls. 188/195), representar os médicos nos órgãos de classe (fls. 335) e divulgar inverdades perante a imprensa (fls. 28). Se não tinha procuração, se não fora contratado, atuou na esfera criminal por sua conta e risco. É evidente que os pais da criança sequer sabem o que é uma representação na Corregedoria e no órgão de classe, o que ficou patente em suas oitivas de fls. 309/310. O requerido sustenta que sua atuação profissional foi correta, mas desconfiando de si mesmo, quer que prevaleça a idéia de que apenas atuava em nome do casal. Na verdade, a conduta do réu não foi nada profissional, no sentido de respeito à boa técnica do direito. Do parecer ministerial pedindo o arquivamento do inquérito policial caberia a ação penal privada subsidiária da pública, nos termos do artigo 29 do CPP. Portanto, a atuação técnica para resguardar os interesses do casal seria a apresentação da peça jurídica pertinente (queixa-crime), para combater a decisão de arquivamento, ao invés de partir para representações junto a órgãos de classe e divulgação na imprensa dos fatos, aliás, de maneira improdutiva, mesmo porque, somente a queixa crime promoveria a ação penal. Entrevistas no jornal ou representações na Corregedoria e nos órgãos de classe médica não dariam andamento ao inquérito policial, se esta era a vontade dos pais da criança. Ofender pessoalmente os personagens do triste evento que vitimou o infante, no caso o autor e os médicos, não é o mesmo que oferecer a peça jurídica certa para promover a ação penal. Portanto, o requerido, partindo para ofensas pessoais, não atuou dentro dos limites da inviolabilidade constitucional do advogado. Tal prerrogativa, fundamental no Estado de Direito, diga-se de passagem, é muito importante para que a sociedade possa se defender e exigir seus direitos, com todos os processos e recursos pertinentes. Assim, o advogado que recorre, que defende seu constituído dentro do processo, é, não só, um defensor do cliente, mas defensor de uma sociedade justa. Sair ofendendo a honra alheia pela imprensa, para denegrir a moral dos outros não é atuar nos limites constitucionais referidos.
Pela prova oral está claro que o casal "autorizou" o réu a procurar a imprensa e divulgar seus nomes. Portanto, a família "autorizou" que o réu divulgasse seus nomes junto à imprensa, mas em nenhum momento o casal pediu que o réu trilhasse o caminho da ilicitude, ofendendo a honra do autor. Consigna-se que o réu atuou fora do direito, porque praticou ilícito civil e ilícito penal, tanto que foi denunciado formalmente na justiça criminal. (..).
Ao jogar suspeitas sobre a conduta do autor, o réu ofendeu a sua moral. Um homem demora trinta anos para construir sua imagem pública, trabalhando dia após dia, e de uma hora para outra é tornado público que ele não está sendo honesto. É público e notório, e também consta nos autos, que o jornal que divulgou os fatos é o maior da região e um dos maiores do interior do Estado de São Paulo. Tem tiragem de cerca de 20.000 (vinte mil) exemplares e ainda divulga suas notícias pela Internet (fls. 332). O dano extrapatrimonial realmente foi muito grande. Quanto ao fato do autor ter indicado um médico que poderia ter algum relacionamento com um dos indiciados, ao término da instrução ficou aclarado que o médico efetuou a perícia de maneira isenta e sua conclusão foi a mesma da perícia do IMESC e do processo administrativo dos órgãos de classe médica. Também ficou demonstrado que o autor não sabia que o médico poderia ter algum vínculo de amizade com um dos suspeitos (fls. 25/26). E mais, o próprio médico disse que apesar de ter dividido um prédio um período com um dos indiciados, não tinha sociedade ou amizade com o mesmo (fls. 311/312). Finalmente, ficou patente a alta especialidade do médico indicado para perito (fls. 311/312), de forma que sua indicação era oportuna naquele momento, para evitar-se a prescrição do feito criminal, como consignou o autor em sua quota. De qualquer forma, se há um perito suspeito, o caminho e comunicar o fato nos autos e pedir a substituição, por petição ou exceção, mas nunca divulgando pela imprensa, como foi feito. Assim, para este juízo não há qualquer dúvida de que o autor tinha a melhor das intenções ao indicar um perito especialista para agilizar a investigação criminal, como também não há qualquer dúvida que o réu tinha a pior das intenções ao procurar a imprensa. Agiu com dolo intenso, animus de denegrir o autor, fato que realmente conseguiu, porque as palavras lançadas ao vento, as suspeitas publicadas na imprensa, não mais poderão voltar atrás.
A testemunha Robledo Matos Alves de Morais, magistrado que presidia o feito criminal, disse que o autor ficou indignado com as inverdades publicadas na imprensa a mando do réu, que o autor ficou moralmente abalado e que o autor tem reputação ilibada (fls.295/296). Comprovou- se o dano moral (sem grifos no original).
A tais razões de decidir, acrescente-se que os direitos à imagem e à privacidade estão previstos na Constituição Federal, conforme disposição contida no artigo 5º, inciso X:
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
(fls. 808/810, g.n.)
No caso concreto, pela descrição dos fatos trazida no v. acórdão, observa-se que a situação exposta nos autos denota circunstância excepcional, ensejadora de reparação por danos morais, pois houve excessos na atuação do ora recorrente, importando significativa e anormal violação a direitos da personalidade do promovente, conforme se infere da narrativa feita pelo eg. Tribunal a quo.
Assiste razão ao agravante, contudo, no que diz respeito ao valor arbitrado a título de danos morais.
O eg. Superior Tribunal de Justiça firmou orientação de ser admissível o exame do valor fixado a título de danos morais em hipóteses em que verificada a exorbitância ou a índole irrisória da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ATROPELAMENTO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. Não constatada violação aos artigos 458, II e 535, II, do CPC/73, porquanto todas as questões submetidas a julgamento foram apreciadas pelo órgão julgador, com fundamentação clara, coerente e suficiente.
2. Para o reconhecimento da existência de causa excludente do nexo causal, concernente à culpa exclusiva das vítimas, seria imprescindível o revolvimento dos fatos e provas juntadas aos autos, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais fixado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do óbice da Súmula 7 do STJ. No caso dos autos, verifica-se que o quantum estabelecido pelo Tribunal a quo não se mostra desproporcional, a justificar sua reavaliação em recurso especial.
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 513.191/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe de 23/08/2017, g.n.)
Na presente hipótese, as instâncias ordinárias fixaram o valor da indenização em R$ 46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais). Considerando casos semelhantes, julgados nesta Corte, o montante mostra-se excessivo, impondo-se sua revisão com o fito de atender-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, evitando o indesejado enriquecimento sem causa do autor da ação indenizatória, sem, contudo, ignorar o caráter preventivo e pedagógico inerente ao instituto da responsabilidade civil. A propósito:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABUSO NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO JORNALÍSTICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM RAZOÁVEL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência firmada no âmbito do eg. Superior Tribunal de Justiça entende que há configuração de dano moral quando a matéria jornalística não se limita a tecer críticas prudentes - animus criticandi - ou a narrar fatos de interesse público - animus narrandi.
2. Na hipótese, tem-se que a matéria jornalística incorreu em abuso no exercício da liberdade de expressão jornalística, ao trazer informações não comprovadas sobre a vida pessoal e financeira dos autores, sem nenhum interesse público, evidenciando caráter exclusivamente sensacionalista.
3. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto por esta Corte tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade. No caso, o montante fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autor, totalizando R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), não é exorbitante nem desproporcional aos danos sofridos pelos recorridos.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.744.881/SP, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe de 07/04/2021, g.n.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÕES PEJORATIVAS EM REDES SOCIAIS. ART. 535 DO CPC/73. OMISSÃO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR. DECISÃO PROFERIDA COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS. VALOR INDENIZATÓRIO. VERBA FIXADA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA.
1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos no Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Tendo o acórdão recorrido se manifestado clara e fundamentadamente sobre os temas suscitados na lide, ainda que de forma contrária ao interesse do recorrente, não há que se falar em omissão e fundamentação deficiente.
3. O Tribunal a quo, mediante a análise da circunstância fática da causa, entendeu configurado o dano moral em virtude de publicação de matéria ofensiva a honra da parte autora, fixando a respectiva reparação. Rever tal entendimento encontra óbice no enunciado da Súmula nº 7 do STJ.
4. Não se mostra necessária a intervenção desta Corte visando a revisão do valor indenizatório por dano moral, fixado em R$ 20.000, 00 (vinte mil reais), por não se mostrar irrisório ou abusivo, e por cumprir o dúplice caráter inibitório/reparatório.
5. Em virtude do não provimento do presente recurso, e da anterior advertência em relação a aplicabilidade do NCPC, aplica-se ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei.
6. Agravo interno não provido, com imposição de multa."
(AgInt no AREsp 1.120.178/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe de 1º/08/2018, g.n.)
Assim, entende-se ser desarrazoado o quantum fixado, de modo que se impõe novo arbitramento do montante indenizatório, no valor de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta data (Súmula 362/STJ), com juros de mora a partir da citação.
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao agravo interno para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais, na forma acima.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Quarta Turma, por unanimidade, acolher em parte o agravo, para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Cuida-se de agravo interno, interposto por MARCELO HENRIQUE, contra decisão de fls. 919/924, que conheceu do agravo para negar provimento ao recurso especial, sob os fundamentos de: (a) ausência de violação do art. 535 do CPC/73; (b) incidência da Súmula 7 do STJ para alterar as premissas de responsabilidade pelo danos morais causados ao agravado; e (c) impossibilidade de revisão do quantum indenizatório porque não se mostra exorbitante.
Nas razões do agravo interno, o agravante sustenta: 1) violação do art. 535 do CPC/73; 2) inaplicabilidade da Súmula 7 do STJ, ante a desnecessidade de análise do conjunto probatório; e 3) exorbitância do valor fixado a título de danos morais, pois alcança mais de trezentos mil reais.
Ao final, requer a reconsideração da decisão agravada ou, se mantida, seja o presente feito levado a julgamento perante a eg. Quarta Turma.
Apresentada impugnação do agravo interno às fls. 941/945.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se, na origem, de ação de indenização por danos morais proposta pelo ora agravado, julgada procedente para condenar o agravante ao pagamento de R$46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais) pelos danos morais causados.
Inicialmente, nas razões do presente agravo, reitera o recorrente a alegação de violação do art. 535 do CPC/73. Ocorre que, na leitura do v. acórdão estadual, verifica-se haver a eg. Corte de origem dirimido, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide.
É uníssona a jurisprudência deste eg. Tribunal no sentido de não estar o magistrado obrigado a responder a todos os argumentos apresentados pelos litigantes, bastando aprecie a lide em sua inteireza, com suficiente fundamentação. Nesse sentido, destacam-se:
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO MONITÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS RÉUS-EMBARGANTES.
(..)
2. A Corte de origem dirimiu a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. Dessa forma, à míngua de qualquer omissão, contradição ou obscuridade no aresto recorrido, não se verifica a ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil de 1973.
(..)
6. Agravo interno desprovido."
(AgInt no AREsp 362.110/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 16/03/2017, DJe de 23/03/2017, g.n.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO DE TODAS AS QUESTÕES RELEVANTES DA LIDE PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 535 DO CPC/1973 (CORRESPONDENTE AO ART. 1.022 DO CPC/2015). DECISÃO MANTIDA.
1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973, correspondente ao art.1.022 do CPC/2015, quando a Corte local pronunciou-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo.
2. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 988.556/MS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe de 17/03/2017, g.n.)
Alega o agravante que, "considerando que o recorrente possui imunidade profissional para o exercício livre e desimpedido da Advocacia (art. 133, CF; e, arts. 5º; 7º, §2º; e, 31, §§1º e 2º, da Lei nº 8.906/94), não se mostra adequado responsabilizá-lo pelo pagamento de indenização por danos morais à parte contrária, quando o seu agir deu-se dentro dos limites da sua função de advogado, haja vista que, como se disse, simplesmente apresentou fatos à Corregedoria e concedeu uma única entrevista a um jornal que lhe procurou, ainda mais ao se ter em mente que não houve o cometimento de excesso frente aos parâmetros normativos constantes das regras insculpidas nos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil" (fl. 934).
Sobre a questão, nos termos da jurisprudência desta Corte, a imunidade judicial conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade, não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem. Nesse sentido:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. OFENSA. INEXISTÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. CARÊNCIA DA AÇÃO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA Nº 283/STF. ATO ILÍCITO. CONDUTA CRIMINOSA. IMPUTAÇÃO . OFENSA À HONRA. DANO MORAL CONFIGURADO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 7/STJ. ESTATUTO DA OAB. IMUNIDADE PROFISSIONAL RELATIVA.
LEGALIDADE E RAZOABILIDADE. DIREITOS DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. NÃO ABRANGÊNCIA.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de ser possível ao relator dar ou negar provimento ao recurso especial, em decisão monocrática, nas hipótese s em que há jurisprudência dominante quanto ao tema ou se tratar de recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida (artigo 932, III e IV, do Código de Processo Civil de 2015).
3. Na hipótese, inexiste afronta ao princípio da colegialidade e/ou cerceamento de defesa, pois a possibilidade de interposição de agravo interno contra a decisão monocrática permite que a matéria seja apreciada pela Turma, afastando eventual vício.
4. Não viola os arts. 489, § 1º, II, e 1.022, I e II, do Código de Processo Civil de 2015 nem importa em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que adota fundamentação suficiente para a resolução da causa, porém diversa da pretendida pelo recorrente, decidindo de modo integral a controvérsia posta.
5. A ausência de impugnação de um fundamento suficiente do acórdão recorrido enseja o não conhecimento do recurso, incidindo o disposto na Súmula nº 283/STF.
6. No caso concreto, rever o entendimento da Corte local, de houve ofensa à honra em virtude de ato ilícito praticado pela agravante, que indevidamente imputou ao agravado condutas criminosas e ofensivas, caracterizando o dano moral, demandaria o reexame fático-probatório dos autos, procedimento inadmissível em recurso especial devido ao óbice da Súmula nº 7/STJ.
7. A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade e não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem. Aplicável, portanto, a inteligência da Súmula nº 568/STJ.
8. Agravo interno não provido."
(AgInt no REsp 1.879.141/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2021, DJe de 16/04/2021, g.n.)
"RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. OFENSA PRATICADA POR ADVOGADO CONTRA PROMOTORA DE JUSTIÇA. CONDUTA NÃO ABRANGIDA PELA IMUNIDADE PROFISSIONAL. MONTANTE INDENIZATÓRIO. REVISÃO DO VALOR NO STJ.
1 - A imunidade profissional estabelecida pelo art. 7º, § 2º, da Lei 8.906/94, não abrange os excessos configuradores de delito de calúnia e desacato e tem como pressuposto que "as supostas ofensas guardem pertinência com a discussão da causa e não degenerem em abuso, em epítetos e contumélias pessoais contra o juiz, absolutamente dispensáveis ao exercício do nobre múnus da advocacia" (passagem extraída do voto Ministro Sepúlveda Pertence no HC 80.536-1-DF).
2 - Precedentes do STJ no sentido de que tal imunidade não é absoluta, não alcançando os excessos desnecessários ao debate da causa cometidos contra a honra de quaisquer das pessoas envolvidas no processo, seja o magistrado, a parte, o membro do Ministério Público, o serventuário ou o advogado da parte contrária.
3 - O valor devido a título de danos morais é passível de revisão na via do recurso especial se manifestamente excessivo ou irrisório. Redução do valor da indenização, tendo em vista os parâmetros da jurisprudência do STJ, e levadas em consideração as circunstâncias do caso concreto, notadamente a gravidade das ofensas.
4 - Recurso especial a que se dá parcial provimento provimento."
(REsp 919.656/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe de 12/11/2010, g.n.)
Já no que tange aos danos morais, em regra, para sua configuração, há necessidade de comprovação de circunstâncias específicas no caso concreto, capazes de gerar dor e sofrimento ao ofendido indenizáveis. Nesse sentido:
"DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. AUSÊNCIA. FINANCIAMENTO DE VEÍCULO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. ACORDO. QUITAÇÃO DO CONTRATO. DEMORA NA LIBERAÇÃO DO GRAVAME SOBRE O BEM JUNTO AO ÓRGÃO DE TRÂNSITO COMPETENTE. DANO MORAL NÃO CARACTERIZADO.
1. Ausentes os vícios do art. 1.022 do CPC/2015, é de rigor a rejeição dos embargos de declaração.
2. A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado.
3. Desse modo, ausentes circunstâncias excepcionais devidamente comprovadas, a simples demora da instituição financeira em, quitado o contrato, providenciar a liberação do gravame de alienação fiduciária sobre o veículo junto ao órgão de trânsito competente não enseja, por si só, dano moral indenizável.
4. Recurso especial não provido."
(REsp n. 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017, g.n.)
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. VEÍCULO AUTOMOTOR. BAIXA DE GRAVAME. DEMORA. DANO MORAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
1. Considera-se deficiente a fundamentação do recurso especial que alega ofensa ao art. 535 do CPC e não demonstra, clara e objetivamente, qual ponto omisso, contraditório ou obscuro do acórdão recorrido não foi sanado no julgamento dos embargos de declaração.
2. O inadimplemento contratual gera, ordinariamente, os efeitos estabelecidos no art. 389 do Código Civil, segundo o qual, "não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado".
3. Somente haverá indenização por danos morais se, além do descumprimento do contrato, ficar demonstrada circunstância especial capaz de atingir os direitos de personalidade, o que não se confunde com o mero dissabor.
4. O simples atraso em baixar gravame de alienação fiduciária no registro do veículo automotor não é apto a gerar, in re ipsa, dano moral, sendo indispensável demonstrar a presença de efetivas consequências que ultrapassem os aborrecimentos normais vinculados a descumprimento contratual. Nessa linha: REsp n. 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.5.2017, DJe 31.5.2017.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e desprovido."
(REsp 1.599.224/RS, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe de 16/08/2017, g.n.)
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. IMÓVEL. VÍCIOS DE CONSTRUÇÃO. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. O dano moral, na ocorrência de vícios de construção, não se presume, configurando-se apenas quando houver circunstâncias excepcionais que, devidamente comprovadas, importem em significativa e anormal violação de direito da personalidade dos proprietários do imóvel. Na hipótese, a conduta da construtora extrapolou o simples aborrecimento ou dissabor, causando séria angústia e sofrimento íntimo aos autores e sua família, não se caracterizando como mero inadimplemento contratual.
3. Agravo interno não provido."
(AgInt no AREsp 1.288.145/DF, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2018, DJe de 16/11/2018, g.n.)
No caso em exame, o eg. Tribunal a quo concluiu ter havido ofensa à honra, à imagem e à privacidade do agravado, Promotor de Justiça, a quem indevidamente o ora recorrente imputou condutas ofensivas, exorbitando os deveres profissionais do advogado. É o que se extrai do seguinte trecho do v. acórdão recorrido:
"Em relação ao mérito, a r. sentença deve ser confirmada por seus próprios fundamentos, os quais ficam inteiramente adotados como razão de decidir. O art. 252 do Regimento Interno deste Tribunal estabelece que:
"Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos da decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la".
Consigna-se que a r. sentença bem apreciou a matéria aqui debatida, como se evidencia:
(..) Trata-se de ação de reparação de danos morais pela conduta ilícita civil imputada pelo réu. Todavia, é preciso decidir-se incidentalmente se o autor agiu corretamente na sua função ministerial, ainda que este juízo não seja o competente para julgar a questão correicional e criminal, mas é preciso analisar os fatos, o pedido de perícia, indicação do médico Guaraci Silveira Garcia e o arquivamento do IP., para se aferir se o réu estava defendendo seus clientes, no exercício de suas prerrogativas, ou estava ofendendo o autor. O autor pediu o arquivamento do inquérito policial. Apesar de outras diligências, apesar da representação na Corregedoria do Ministério Público, apesar da atuação do réu, o inquérito foi definitivamente arquivado, tendo o MM. Juiz Criminal consignado que, segundo a perícia feita pelo IMESC: "os procedimentos adotados pela equipe de neonatologia que atendeu o recém nascido foram precisos e adequados" (fl.471). O requerido também representou o autor na Corregedoria do Ministério Público (fls.188/195), pedindo a instauração de processo administrativo e a representação também foi arquivada, porque o órgão competente entendeu que o autor atuou dentro dos seus limites funcionais (fls. 335/342). O requerido também representou os três médicos (fls. 357) que participaram do triste evento que vitimou a criança Rogério Samuel da Silva, representação nas esferas estadual e federal e os médicos não foram penalizados. Pelo Parecer do C. R. M não houve falha no atendimento médico. O parecer aprovado em Reunião de Câmara e homologado em Reunião Plenária (fls.12/19). Depois que o requerido reclamou da suspeita de suspeição do médico Guaraci, nova perícia foi feita no IMESC, a pedido do autor e a perícia concluiu que não houve culpa dos médicos indiciados (fl. 468). Isto tudo permite concluir que o autor agiu corretamente quando pediu o arquivamento do inquérito policial. Após a profunda análise e investigação policial, várias perícias e colheitas de provas em vários órgãos, constata-se que o convencimento do autor estava correto. O requerido, a seu turno, não trilhou o mesmo caminho. O contestante disse que não advogava para os pais da criança na esfera criminal, porque eles não tinham condições econômicas de pagarem seus honorários, mesmo assim tomou a iniciativa de representar o autor na Corregedoria (fls. 188/195), representar os médicos nos órgãos de classe (fls. 335) e divulgar inverdades perante a imprensa (fls. 28). Se não tinha procuração, se não fora contratado, atuou na esfera criminal por sua conta e risco. É evidente que os pais da criança sequer sabem o que é uma representação na Corregedoria e no órgão de classe, o que ficou patente em suas oitivas de fls. 309/310. O requerido sustenta que sua atuação profissional foi correta, mas desconfiando de si mesmo, quer que prevaleça a idéia de que apenas atuava em nome do casal. Na verdade, a conduta do réu não foi nada profissional, no sentido de respeito à boa técnica do direito. Do parecer ministerial pedindo o arquivamento do inquérito policial caberia a ação penal privada subsidiária da pública, nos termos do artigo 29 do CPP. Portanto, a atuação técnica para resguardar os interesses do casal seria a apresentação da peça jurídica pertinente (queixa-crime), para combater a decisão de arquivamento, ao invés de partir para representações junto a órgãos de classe e divulgação na imprensa dos fatos, aliás, de maneira improdutiva, mesmo porque, somente a queixa crime promoveria a ação penal. Entrevistas no jornal ou representações na Corregedoria e nos órgãos de classe médica não dariam andamento ao inquérito policial, se esta era a vontade dos pais da criança. Ofender pessoalmente os personagens do triste evento que vitimou o infante, no caso o autor e os médicos, não é o mesmo que oferecer a peça jurídica certa para promover a ação penal. Portanto, o requerido, partindo para ofensas pessoais, não atuou dentro dos limites da inviolabilidade constitucional do advogado. Tal prerrogativa, fundamental no Estado de Direito, diga-se de passagem, é muito importante para que a sociedade possa se defender e exigir seus direitos, com todos os processos e recursos pertinentes. Assim, o advogado que recorre, que defende seu constituído dentro do processo, é, não só, um defensor do cliente, mas defensor de uma sociedade justa. Sair ofendendo a honra alheia pela imprensa, para denegrir a moral dos outros não é atuar nos limites constitucionais referidos.
Pela prova oral está claro que o casal "autorizou" o réu a procurar a imprensa e divulgar seus nomes. Portanto, a família "autorizou" que o réu divulgasse seus nomes junto à imprensa, mas em nenhum momento o casal pediu que o réu trilhasse o caminho da ilicitude, ofendendo a honra do autor. Consigna-se que o réu atuou fora do direito, porque praticou ilícito civil e ilícito penal, tanto que foi denunciado formalmente na justiça criminal. (..).
Ao jogar suspeitas sobre a conduta do autor, o réu ofendeu a sua moral. Um homem demora trinta anos para construir sua imagem pública, trabalhando dia após dia, e de uma hora para outra é tornado público que ele não está sendo honesto. É público e notório, e também consta nos autos, que o jornal que divulgou os fatos é o maior da região e um dos maiores do interior do Estado de São Paulo. Tem tiragem de cerca de 20.000 (vinte mil) exemplares e ainda divulga suas notícias pela Internet (fls. 332). O dano extrapatrimonial realmente foi muito grande. Quanto ao fato do autor ter indicado um médico que poderia ter algum relacionamento com um dos indiciados, ao término da instrução ficou aclarado que o médico efetuou a perícia de maneira isenta e sua conclusão foi a mesma da perícia do IMESC e do processo administrativo dos órgãos de classe médica. Também ficou demonstrado que o autor não sabia que o médico poderia ter algum vínculo de amizade com um dos suspeitos (fls. 25/26). E mais, o próprio médico disse que apesar de ter dividido um prédio um período com um dos indiciados, não tinha sociedade ou amizade com o mesmo (fls. 311/312). Finalmente, ficou patente a alta especialidade do médico indicado para perito (fls. 311/312), de forma que sua indicação era oportuna naquele momento, para evitar-se a prescrição do feito criminal, como consignou o autor em sua quota. De qualquer forma, se há um perito suspeito, o caminho e comunicar o fato nos autos e pedir a substituição, por petição ou exceção, mas nunca divulgando pela imprensa, como foi feito. Assim, para este juízo não há qualquer dúvida de que o autor tinha a melhor das intenções ao indicar um perito especialista para agilizar a investigação criminal, como também não há qualquer dúvida que o réu tinha a pior das intenções ao procurar a imprensa. Agiu com dolo intenso, animus de denegrir o autor, fato que realmente conseguiu, porque as palavras lançadas ao vento, as suspeitas publicadas na imprensa, não mais poderão voltar atrás.
A testemunha Robledo Matos Alves de Morais, magistrado que presidia o feito criminal, disse que o autor ficou indignado com as inverdades publicadas na imprensa a mando do réu, que o autor ficou moralmente abalado e que o autor tem reputação ilibada (fls.295/296). Comprovou- se o dano moral (sem grifos no original).
A tais razões de decidir, acrescente-se que os direitos à imagem e à privacidade estão previstos na Constituição Federal, conforme disposição contida no artigo 5º, inciso X:
X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
(fls. 808/810, g.n.)
No caso concreto, pela descrição dos fatos trazida no v. acórdão, observa-se que a situação exposta nos autos denota circunstância excepcional, ensejadora de reparação por danos morais, pois houve excessos na atuação do ora recorrente, importando significativa e anormal violação a direitos da personalidade do promovente, conforme se infere da narrativa feita pelo eg. Tribunal a quo.
Assiste razão ao agravante, contudo, no que diz respeito ao valor arbitrado a título de danos morais.
O eg. Superior Tribunal de Justiça firmou orientação de ser admissível o exame do valor fixado a título de danos morais em hipóteses em que verificada a exorbitância ou a índole irrisória da importância arbitrada, em flagrante ofensa aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. A propósito:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - ATROPELAMENTO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA RÉ.
1. Não constatada violação aos artigos 458, II e 535, II, do CPC/73, porquanto todas as questões submetidas a julgamento foram apreciadas pelo órgão julgador, com fundamentação clara, coerente e suficiente.
2. Para o reconhecimento da existência de causa excludente do nexo causal, concernente à culpa exclusiva das vítimas, seria imprescindível o revolvimento dos fatos e provas juntadas aos autos, incidindo, na espécie, o óbice da Súmula 7 deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Somente em hipóteses excepcionais, quando irrisório ou exorbitante o valor da indenização por danos morais fixado na origem, a jurisprudência desta Corte permite o afastamento do óbice da Súmula 7 do STJ. No caso dos autos, verifica-se que o quantum estabelecido pelo Tribunal a quo não se mostra desproporcional, a justificar sua reavaliação em recurso especial.
4. Agravo regimental desprovido."
(AgRg no AREsp 513.191/DF, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/08/2017, DJe de 23/08/2017, g.n.)
Na presente hipótese, as instâncias ordinárias fixaram o valor da indenização em R$ 46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais). Considerando casos semelhantes, julgados nesta Corte, o montante mostra-se excessivo, impondo-se sua revisão com o fito de atender-se aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, evitando o indesejado enriquecimento sem causa do autor da ação indenizatória, sem, contudo, ignorar o caráter preventivo e pedagógico inerente ao instituto da responsabilidade civil. A propósito:
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ABUSO NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO JORNALÍSTICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM RAZOÁVEL. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência firmada no âmbito do eg. Superior Tribunal de Justiça entende que há configuração de dano moral quando a matéria jornalística não se limita a tecer críticas prudentes - animus criticandi - ou a narrar fatos de interesse público - animus narrandi.
2. Na hipótese, tem-se que a matéria jornalística incorreu em abuso no exercício da liberdade de expressão jornalística, ao trazer informações não comprovadas sobre a vida pessoal e financeira dos autores, sem nenhum interesse público, evidenciando caráter exclusivamente sensacionalista.
3. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto por esta Corte tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade. No caso, o montante fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada autor, totalizando R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), não é exorbitante nem desproporcional aos danos sofridos pelos recorridos.
4. Agravo interno a que se nega provimento."
(AgInt no AREsp 1.744.881/SP, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2021, DJe de 07/04/2021, g.n.)
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICAÇÕES PEJORATIVAS EM REDES SOCIAIS. ART. 535 DO CPC/73. OMISSÃO INEXISTENTE. DEVER DE INDENIZAR. DECISÃO PROFERIDA COM BASE NAS PROVAS DOS AUTOS. VALOR INDENIZATÓRIO. VERBA FIXADA EM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REEXAME. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA.
1. Aplica-se o NCPC a este julgamento ante os termos no Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Tendo o acórdão recorrido se manifestado clara e fundamentadamente sobre os temas suscitados na lide, ainda que de forma contrária ao interesse do recorrente, não há que se falar em omissão e fundamentação deficiente.
3. O Tribunal a quo, mediante a análise da circunstância fática da causa, entendeu configurado o dano moral em virtude de publicação de matéria ofensiva a honra da parte autora, fixando a respectiva reparação. Rever tal entendimento encontra óbice no enunciado da Súmula nº 7 do STJ.
4. Não se mostra necessária a intervenção desta Corte visando a revisão do valor indenizatório por dano moral, fixado em R$ 20.000, 00 (vinte mil reais), por não se mostrar irrisório ou abusivo, e por cumprir o dúplice caráter inibitório/reparatório.
5. Em virtude do não provimento do presente recurso, e da anterior advertência em relação a aplicabilidade do NCPC, aplica-se ao caso a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do NCPC, no percentual de 3% sobre o valor atualizado da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito da respectiva quantia, nos termos do § 5º daquele artigo de lei.
6. Agravo interno não provido, com imposição de multa."
(AgInt no AREsp 1.120.178/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe de 1º/08/2018, g.n.)
Assim, entende-se ser desarrazoado o quantum fixado, de modo que se impõe novo arbitramento do montante indenizatório, no valor de R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta data (Súmula 362/STJ), com juros de mora a partir da citação.
Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao agravo interno para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais, na forma acima.
É como voto. | EMENTA
RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS E IMUNIDADE JUDICIAL DO ADVOGADO. OFENSAS A PROMOTOR DE JUSTIÇA. EXCESSOS CONFIGURADOS. REVISÃO DO VALOR DA REPARAÇÃO. CABIMENTO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não há violação do art. 535 do CPC/73 quando o eg. Tribunal estadual aprecia a controvérsia em sua inteireza e de forma fundamentada.
2. "A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade e não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem" (AgInt no REsp 1.879.141/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 12/4/2021, DJe de 16/4/2021).
3. "A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado" (REsp 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017).
4. No caso, pela descrição dos fatos trazida no v. acórdão recorrido, observa-se que a situação exposta denota circunstância excepcional, ensejadora de reparação por danos morais, pois houve excessos na atuação do advogado ora recorrente, importando significativa e anormal violação a direitos da personalidade do promovente, especialmente durante entrevista a órgão de imprensa, na qual o recorrente indevidamente imputou, ao Promotor de Justiça recorrido, condutas ofensivas, exorbitando dos deveres profissionais.
5. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto nas hipóteses em que constatado excesso, distanciando-se dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, o montante fixado pelas instâncias ordinárias mostra-se passível de revisão.
6. Agravo interno a que se dá parcial provimento para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais. | RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS E IMUNIDADE JUDICIAL DO ADVOGADO. OFENSAS A PROMOTOR DE JUSTIÇA. EXCESSOS CONFIGURADOS. REVISÃO DO VALOR DA REPARAÇÃO. CABIMENTO. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. | 1. Não há violação do art. 535 do CPC/73 quando o eg. Tribunal estadual aprecia a controvérsia em sua inteireza e de forma fundamentada.
2. "A imunidade conferida ao advogado para o pleno exercício de suas funções não possui caráter absoluto, devendo observar os parâmetros da legalidade e da razoabilidade e não abarcando violações de direitos da personalidade, notadamente da honra e da imagem" (AgInt no REsp 1.879.141/MS, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, j. em 12/4/2021, DJe de 16/4/2021).
3. "A configuração do dano moral pressupõe uma grave agressão ou atentado a direito da personalidade, capaz de provocar sofrimentos e humilhações intensos, descompondo o equilíbrio psicológico do indivíduo por um período de tempo desarrazoado" (REsp 1.653.865/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, j. em 23.5.2017, DJe de 31.5.2017).
4. No caso, pela descrição dos fatos trazida no v. acórdão recorrido, observa-se que a situação exposta denota circunstância excepcional, ensejadora de reparação por danos morais, pois houve excessos na atuação do advogado ora recorrente, importando significativa e anormal violação a direitos da personalidade do promovente, especialmente durante entrevista a órgão de imprensa, na qual o recorrente indevidamente imputou, ao Promotor de Justiça recorrido, condutas ofensivas, exorbitando dos deveres profissionais.
5. O valor arbitrado pelas instâncias ordinárias a título de indenização por danos morais pode ser revisto nas hipóteses em que constatado excesso, distanciando-se dos padrões de razoabilidade e proporcionalidade. Na hipótese, o montante fixado pelas instâncias ordinárias mostra-se passível de revisão.
6. Agravo interno a que se dá parcial provimento para reduzir o montante da indenização fixada a título de danos morais. | N |
99,776,484 | EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. ART. 20, §3º, DO CPC/1973. TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. OFENSA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e o artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil de 1973.
2. A base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. No caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
4. Ação rescisória procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão julgando improcedente a ação rescisória, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira, decide a Segunda Seção, por maioria, julgar procedente a ação rescisória para negar provimento ao recurso especial, nos termos dos votos dos Srs. Ministros Relator e Revisor. Os Srs. Ministros Marco Buzzi (Revisor), Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Vencidos os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de ação rescisória, com pedido de tutela antecipada, proposta em 9/8/2016, por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), objetivando desconstituição de acórdão da Quarta Turma, prolatado no REsp nº 1.360.424/MS (e-STJ fls. 1.869-1.924), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, que conferiu provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI.
Noticiam os autos que Sanesul - Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul S.A. - propôs, em 1997, a denominada "ação declaratória, cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição de indébito e perdas e danos" contra o Banco Brascan S.A. e o autor da presente ação rescisória, afirmando que celebrou contrato de empréstimo em valor correspondente a R$ 5.993.263,57 (cinco milhões novecentos e noventa e três mil duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos) e que, mesmo após algumas renegociações, não conseguiu mais arcar com o pagamento das prestações em virtude dos altos encargos praticados (e-STJ fls. 49-115).
Na referida ação foram formulados os seguintes pedidos:
"(..)
10.1- QUANTO À AÇÃO DECLARATÓRIA
a) declarar ilegal e inconstitucional a cobrança de juros acima do limite de 12% ao ano e bem assim que o lucro bancário da operação não pode em qualquer caso superar 20% do custo de captação, na forma da Lei;
b) declarar ilegal a cobrança de juros capitalizados para a modalidade de mútuo contratado;
c) declarar ilegal a utilização do indexador TAXA ANBID como fator de correção da moeda sobre todos os saldos devedores e parcelas cobradas, e declarando legal o IGP-M desde o 1º contrato;
d) declarar ilegal a cobrança de multa e comissão de permanência sobre as prestações que já contém juros remuneratórios embutidos e bem assim a cobrança de novos juros remuneratórios sobre as parcelas já incrementadas, por si, e pela inexistência de mora culposa;
e) declarar nulas as respectivas cláusulas contratuais do contrato original e suas renegociações, cujas ilegalidades e potestatividade forem reconhecidas, tal como exposto nesta inicial e pedido;
f) declarar serem indevidas as multas e comissões de permanência cobradas, em razão do atraso ter decorrido do excesso de cobrança praticado pelos Réus, ou, se devidos, determinar a sua incidência sobre o principal atualizado, sem os juros;
g) declarar o caráter potestativo das cláusulas objeto das declarações acima, ex vi do artigo 115 do Código Civil, e dos dispositivos pertinentes do Código de Defesa do Consumidor e ainda em face do artigo 11 do Decreto 22.626/33 e artigo 4º letra "b" da Lei 1521/51 e par. 2º do art. 192 da Constituição Federal e Lei de Usura;
10.2- QUANTO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO
a) condenar os Réus a devolver à Autora, as quantias pagas não só indevidamente como também à maior, em consonância com as declarações acima (item 10.1);
b) corrigir a quantia a ser restituída, a partir dos indevidos desembolsos, pelo IGP-M, e mais os juros à taxa de 12% ao ano, até o efetivo pagamento;
10.3- QUANTO À MODIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS
a) reduzir a cobrança de encargos (juros e outros acréscimos) que seriam os lucros do Réu a 20% (vinte por cento) sobre a taxa de captação de CDB"s no mercado para bancos de primeira linha ou à variação do IGP-M e juros não capitalizados de 12% ao ano, o que for menor;
b) adaptar o contrato aos pedidos declaratórios formulados no item 10.1;
10.4- QUANTO ÀS PERDAS E DANOS
a) condenar os Réus por danos morais, consoante o prudente arbítrio deste MM. Juízo, porém, valorado em pelo menos 100 (cem) vezes o total da restituição apurada e atualizada até o efetivo pagamento;
b) condenar os Réus por danos materiais, mediante a aplicação da 1ª parte do artigo 1.531 do Código Civil, e mais os danos emergentes e os lucros cessantes, seja pelo ônus de contratação de empréstimos junto a instituições financeiras para pagar os excessos cobrados pelos Réus, seja pela perda da aplicação financeira dos recursos que estariam disponíveis;
10.5- determinar a compensação de débitos e créditos até onde efetivamente se compensarem, com a conseqüente quitação da dívida no limite encontrado;
10.6- condenar os Réus nas custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação" (e-STJ fls. 113-115 - grifou-se).
Propôs, ainda, "medida cautelar inominada de depósito" a fim de depositar a quantia mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para afastar os efeitos da mora.
O juízo de primeiro grau, em julgamento conjunto com a precedente ação cautelar, proferiu sentença com o seguinte dispositivo:
"(..) julgo procedente, em parte, a ação Declaratória, c.c. Ordinária de Modificação de Cláusulas, Repetição de Indébito e Perdas e Danos promovida por SANESUL - EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A., em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO BOAVISTA INTER-ATLÂNTICO S.A., para declarar nulas as cláusulas contratuais que prevêem juros acima do limite constitucional de 12% ao ano e cobrança de comissão de permanência cumulada com a correção monetária, afastando a chamada Taxa ANBID.
Em conseqüência declaro o direito da autora em ver a dívida corrigida pelo IGP-M com juros fixados em 12% ao ano, capitalizados anualmente, declarando também a importância de R$ 2.800.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), acrescidos de juros 0,5% (meio por cento) ano mês e atualização monetária pelo mesmo índice a contar de 31.05.99, data em que o valor foi encontrado pelo perito oficial.
Julgo, outrossim, improcedentes os pedidos de condenação em dano material e moral, bem como em danos emergentes e lucros cessantes.
Acolho, por derradeiro, o pedido cautelar e confirmo a liminar reconhecendo a presença dos pressupostos que a ensejam, periculum in mora e fumus boni iuris.
Condeno os réus a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC, levando em consideração também que a sua atuação deu-se também na ação cautelar de igual complexidade que a ação principal, devendo também aqueles suportar as custas processuais e honorários do perito corrigidos a contar do efetivo desembolso" (e-STJ fls. 125-127 - grifou-se).
A sentença foi mantida pelo Tribunal local em acórdão assim ementado:
"RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ORDINÁRIA DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PERDAS E DANOS - MÚTUO BANCÁRIO - DISCUSSÃO - CONTRATO DE ADESÃO - APLICAÇÃO DO CDC - ABUSO DE DIREITO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - CORREÇÃO MONETÁRIA TAXA ANBID - SUBSTITUIÇÃO PELO IGP-M - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - EXCLUSÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - RECURSO IMPROVIDO.
Contrato de adesão: os contratos em que as cláusulas são preestabelecidas, não oportunizando ao contratante o direito de discussão trata-se de contrato de adesão, cabendo ao Poder Judiciário, a revisão das cláusulas consideradas leoninas, se porventura existirem.
A aplicação do CDC: havendo a prestação de serviços ou fornecimento de produtos (art. 2º, caput), não importando que o contratante seja pessoa física ou jurídica. O hábito de contratar não descaracteriza a hipossuficiência.
Abuso de direito: não se caracteriza o abuso de direito no fato de a contratante, primeiramente, aceitar as condições impostas pelo contrato para, posteriormente, vir a juízo pleitear a sua revisão, uma vez que o princípio do pacta sunt servanda não pode prevalecer sobre a legislação em geral, caso fique caracterizado prática de ilegalidades.
Taxa de juros: o art. 192, § 3º, da CF/88 tem autonomia, cuja aplicabilidade não depende de futura regulamentação, mostrando-se correta a fixação da referida taxa no patamar de 12% ao ano.
Capitalização de juros: a capitalização de juros não é admitida, em se tratando de contrato de mútuo.
Correção monetária: a taxa ANBID não é fator de correção monetária porque traduz variações de custo primário de captação de depósitos à prazo fixo, trazendo em si, embutida, taxa de juros, devendo ser substituída pelo IGP-M/FGV, que bem reflete a inflação ocorrente.
Comissão de permanência: nos termos da Súmula 30 do STJ, a comissão de permanência não é admitida ante a inclusão da correção monetária.
Repetição de indébito: os valores cobrados a mais devem ser devolvidos, não pela aplicação do art. 965, do CPC, mas com base no art. 4º, § 3º, da Lei 1.521/51 (crimes contra a economia popular).
RECURSO ADESIVO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS - ALTERAÇÃO DE 0,5% PARA 1,0% - DANOS MORAIS, MATERIAIS, EMERGENTES E LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO DA MORA CULPOSA - RECURSO IMPROVIDO.
Limitação da taxa de juros: a questão da limitação da taxa de juros restou prejudicada, uma vez que restou decidida na apelação sobre a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88.
Juros na repetição do indébito: quando não convencionada pelas partes, nos termos do art. 1062, do CC, a taxa de juros moratórios será de 6% ao ano.
Danos morais, materiais, emergentes e lucros cessantes: os danos morais só são devidos à pessoa jurídica, quando atingida a honra objetiva perante terceiros. Para a aplicação dos danos morais, materiais e emergentes, se faz necessária a prova dos prejuízos. Não havendo prova, não há falar em fixação dos danos.
Ausência de mora culposa: a matéria que não fez parte do pedido inicial da ação, tampouco foi apreciada na sentença de primeiro grau, não é matéria a ser analisada em segundo grau" (e-STJ fls. 141-142).
Seguiu-se recurso extraordinário interposto pelos réus, que foi provido pelo Supremo Tribunal Federal para afastar a limitação de juros de 12% (doze por cento), o que ensejou a redução do montante a ser repetido.
Após o trânsito em julgado, foi iniciado o cumprimento de sentença pelo advogado Edson Macari na parte que condenou os executados no pagamento de honorários advocatícios (e-STJ fls. 147-151), tendo sido oferecidas impugnações pelos Bancos Brascan S.A. e Boavista Interatlântico S.A.
As impugnações foram acolhidas
"(..) para o fito específico de aclarar que o percentual dos honorários advocatícios devidos ao impugnado (15%) devem incidir sobre o valor de R$ 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos), data-base de 31/05/1999, reconhecendo o excesso de execução do que sobejou no bojo da execução em apenso" (e-STJ fl. 159).
Os agravos de instrumento interpostos pelos impugnantes não foram providos. Já o agravo de instrumento interposto pelo impugnado foi parcialmente provido a fim de redistribuir os ônus da sucumbência fixados na impugnação.
O aresto recebeu a seguinte ementa:
"AGRAVOS DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS. RECURSOS INTERPOSTOS CONTRA A MESMA DECISÃO E QUE CONTÊM QUESTÕES PREJUDICIAIS ENTRE SI. FEITOS REUNIDOS PARA JULGAMENTO EM ACÓRDÃO ÚNICO. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEITADAS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA EXECUÇÃO PRINCIPAL. REJEITADO. PREJUDICIAL DE COISA JULGADA QUE NÃO IMPEDE O CONHECIMENTO DE ALEGAÇÃO DE EXCESSO. QUANTUM EXECUTADO. LIMITES DO TÍTULO OBJETO DO CUMPRIMENTO. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS AUMENTADOS. AGRAVOS INTERPOSTOS PELOS IMPUGNANTES NÃO PROVIDOS. AGRAVO INTERPOSTO PELO IMPUGNADO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não conhecer do recurso pelo simples fato de os recorrentes não terem atravessado simples petição de reiteração após a prolação de decisão rejeitando embargos de declaração significa apegar-se demasiadamente em formalismos, circunstância que, na instância ordinária, ao contrário do que ocorre nas vias especial e extraordinária (Súmula n. 418 do STJ) não deve ser utilizada como fundamento, para que o Tribunal não conheça da questão.
O agravo deve ser conhecido quando instruído com documentos obrigatórios e essenciais para a compreensão da questão.
Não há nada que impeça que o advogado inicie o cumprimento de sentença de seus honorários antes do trânsito em julgado dos embargos à execução do crédito principal, situação na qual o advogado deverá apresentar o valor que entende devido e poderá sujeitar-se a impugnações.
A coisa julgada que incide sobre a fixação de honorários em percentual sobre a condenação não impede a apreciação de alegação de excesso de execução.
Se a sentença executada dispôs expressamente que o percentual arbitrado a título de honorários deveria incidir sobre o valor da condenação à repetição de indébito, não há como admitir a incidência do percentual sobre o capítulo do decisum que declarou quitada a dívida.
Não deve ser admitido, através de alegações de erro de cálculo, a rediscussão de encargos já acobertados pelo manto da coisa julgada.
Quando ambos os litigantes saem vencedores e vencidos, ainda que em proporção diferente, a sucumbência deve, nos termos do caput do artigo 21 do CPC, ser proporcionalmente distribuída e compensada.
Devem ser consideradas no arbitramento dos honorários a importância econômica, a complexidade e a duração da causa, devendo-se, portanto, ser mantidos os honorários fixados em valor que guarde relação com esses requisitos" (e-STJ fls. 161 e 175).
Referido julgamento ensejou a interposição de recurso especial (e-STJ fls. 1.490-1.533) por Edson Macari.
Após o juízo positivo de admissibilidade na origem, o recurso especial ascendeu a esta Corte, recebendo o nº 1.360.424/MS.
Em suas razões (e-STJ fls. 1.490-1.533), o então recorrente apontou, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 20, § 3º, 467, 468 e 471 do Código de Processo Civil de 1973.
Sustentou, em síntese, que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de os honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deve incidir também sobre a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999) -, e não apenas sobre o valor da repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999) -, sob pena de ofensa à coisa julgada.
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo Relator Ministro Luis Felipe Salomão, "a fim de que os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença" (e-STJ fl. 1.876).
A egrégia Quarta Turma, ao apreciar o recurso de agravo regimental, negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido" (e-STJ fls. 1.914-1.915).
O acórdão ainda foi objeto de embargos de divergência, que foram indeferidos liminarmente pelo Ministro João Otávio de Noronha (e-STJ fls. 1.998-2.000), decisão esta mantida em agravo regimental pela Segunda Seção (e-STJ fls. 2.035-2.039), tendo o acórdão transitado em julgado em 12/5/2015 (e-STJ fl. 2.044).
Na presente ação rescisória (e-STJ fls. 1-33), o autor - BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A. -, com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), sustenta, em síntese, que o acórdão rescindendo foi proferido contra literal disposição dos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, além de incidir em ofensa à coisa julgada.
Aduz, inicialmente, que "o v. acórdão rescindendo (..) consagrou solução jurídica totalmente distinta e incompatível com a coisa julgada, com base no entendimento de que a expressão "valor da condenação" deveria equivaler a "valor do proveito econômico alcançado na demanda"" (e-STJ fl. 12).
Sustenta que, "ao contrário do afirmado no v. acórdão rescindendo, a orientação nele traçada não se ateve aos limites da mera interpretação do título judicial exequendo, pois, como já visto, é manifesta a dissonância com os próprios termos da decisão transitada em julgado, com o pedido expressamente formulado na ação e com a necessária exegese estrita do comando decisório" (e-STJ fl. 13).
A seu ver, "a pretensa "interpretação" do título executivo levada a efeito pelo v. acórdão rescindendo é manifestamente incompatível com o próprio conceito jurídico-processual do termo "condenação", constante do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC de 1973, dispositivo no qual a decisão exequenda se baseou de forma explícita para fixação dos honorários sucumbenciais" (e-STJ fl. 14).
Assinala que, "embora a ação objetivasse também a concessão de provimento de natureza declaratória, além dos pedidos condenatórios deduzidos, o fato é que a decisão exequenda determinou a fixação de honorários consoante a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, isto é, em percentual sobre o valor da condenação" (e-STJ fl. 17).
Sustenta que, "estabelecida a verba honorária conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, em sentença transitada em julgado, jamais podia o v. acórdão rescindendo, em recurso decorrente de impugnação à execução, afastar a base de cálculo correspondente ao "valor da condenação" para substituí-la pelo "valor do proveito econômico pretendido pelo autor", sobretudo porque tais conceitos, como visto, não são sinônimos" (e-STJ fl. 18).
Segundo argumenta, "a alegação de que a sentença exequenda deveria considerar, no dimensionamento da verba honorária, o benefício econômico correspondente ao provimento declaratório, deveria ter sido suscitada mediante os recursos cabíveis durante a fase de conhecimento, não se podendo considerar tal matéria como objeto de "condenação implícita" no título judicial" (e-STJ fl. 21).
Afirma ter passado "despercebido no v. acórdão rescindendo que os precedentes nele invocados para amparar a tese de que os honorários deveriam corresponder ao "proveito econômico" não foram proferidos em ações condenatórias, tendo sido fixados com apoio no § 4º do artigo 20 do CPC/1973, e não em seu § 3º, tal como se deu no título judicial de que cuidam os autos" (e-STJ fl. 22).
Alega que "o v. acórdão rescindendo incorreu em violação manifesta da norma jurídica inscrita no parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73 - vigente à época dos fatos -, pois conferiu indevido elastério e desvirtuou por completo o conceito de "valor da condenação" estabelecido no aludido preceito legal" (e-STJ fl. 23).
Aduz que, "por semelhante razão, incorreu o v. acórdão rescindendo também em ofensa manifesta ao parágrafo 4º do artigo 20 do CPC/73, que restou substancialmente esvaziado, sobretudo no que concerne às ações "em que não há condenação"" (e-STJ fl. 23).
Assevera, por fim, que o acórdão rescindendo "também viola manifestamente os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes, resultando na possibilidade de se transformar o devedor em credor no âmbito das ações revisionais, como no caso dos autos" (e-STJ fl. 26).
Requereu, além de tutela de urgência, a rescisão do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.360.424/MS e, em novo julgamento, o seu não provimento.
O depósito prévio (artigo 968, inciso II, do CPC/2015) veio acostado à fl. 2.062 (e-STJ).
O pedido liminar foi deferido e determinada a citação do réu Edson Macari (e-STJ fls. 2.066-2.072).
À fl. 2.085 (e-STJ), certificou-se que foi promovida a retificação da autuação para incluir como parte ré Luiz Epelbaum.
Os réus apresentaram contestação às fls. 2.104-2.161 e fls. 2.430-2.510 (e-STJ).
Em suas contestações, os réus defendem o acerto da decisão rescindenda que, a seu ver, teria se limitado a interpretar o título executivo, reconhecendo que no valor da condenação inclui-se o valor do proveito econômico da demanda.
Afirmam que a ação rescisória não é sucedâneo do recurso próprio não utilizado no momento oportuno, tampouco constitui remédio para corrigir eventual injustiça da decisão.
Aduzem que os pontos discutidos na rescisória são totalmente estranhos à matéria que foi objeto da decisão rescindenda.
Sustentam que não cabe ação rescisória para discutir a irrisoriedade ou a exorbitância da verba honorária ou por violação de súmula.
Pugnam, por fim, pela improcedência da ação rescisória.
Tendo em vista a apresentação de petição conjunta informando a existência de tratativas para a celebração de acordo (e-STJ fl. 2.860), foi deferido o pedido de suspensão do processo pelo prazo de 30 (trinta) dias (e-STJ fl. 2.864).
Escoado o prazo, o autor se manifestou acerca das contestações (e-STJ fls. 2.893-2.903).
Sendo desnecessária a produção de provas, abriu-se vista ao autor e aos réus, sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias, para as razões finais, que vieram aos autos às fls. 2.910-2.921 e 2.924-2.957 (e-STJ).
O Ministério Público Federal ofereceu parecer no sentido da procedência da ação rescisória como se colhe da ementa:
"AÇÃO RESCISÓRIA. CPC/2015, art. 966, IV e V. Ofensa à coisa julgada e violação manifesta a norma jurídica. CPC/1973, art. 20, §§ 3º e 4º. Fixação de honorários de sucumbência. Provimento jurisdicional de cunho declaratório e condenatório (declaração de nulidade de cláusula contratual e condenação à restituição de quantia). Sucumbência fixada sobre o valor da condenação. Recurso especial provido para inserir, na base de cálculo da verba sucumbencial, o proveito econômico auferido com a declaração de nulidade. Violação à norma jurídica configurada. Sistemática da fixação dos honorários sucumbenciais à luz do CPC/1973. Doutrina. "Valor da condenação". Prevalência do conteúdo condenatório do provimento de mérito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Decisum rescindendo que, ademais, prolatado no âmbito de recurso especial interposto na fase de execução do feito originário, reformou decisão judicial transitada em julgado. Violação à coisa julgada também caracterizada. Precedentes. Parecer pelo provimento da ação rescisória" (e-STJ fl. 2.973).
É o relatório.
EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. ART. 20, §3º, DO CPC/1973. TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. OFENSA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e o artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil de 1973.
2. A base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. No caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
4. Ação rescisória procedente.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): De início, cumpre relembrar que a Segunda Seção, acolhendo questão de ordem suscitada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, nos autos da AR nº 5.931/SP, decidiu que, quanto às hipóteses de cabimento da ação rescisória, a possibilidade de rescisão da decisão rege-se pela lei vigente ao tempo do seu trânsito em julgado.
No caso dos autos, o acórdão rescindendo transitou em julgado em 12/5/2015 (e-STJ fl. 2.044), de modo que as hipóteses legais de cabimento devem seguir o regramento previsto no diploma processual civil anterior (Código de Processo Civil de 1973).
Não se pode perder de vista, contudo, que a indicação errônea de um inciso por outro, ou até mesmo a indicação do artigo 485, em vez do seu correspondente no novo Código (artigo 966), ou vice-versa, não vincula o magistrado, tampouco representa algum entrave ao conhecimento da ação rescisória, porquanto o que tem relevo são os fatos e os fundamentos invocados como causa de pedir, sendo lícito ao órgão julgador emprestar-lhes a devida qualificação jurídica nos termos dos brocardos iura novit curia e mihi factum, dabo tibi ius.
Assim, a despeito de a petição inicial da ação rescisória ora em julgamento ter invocado os incisos IV ("ofender a coisa julgada") e V ("violar manifestamente norma jurídica") do artigo 966 do Código de Processo Civil de 2015, da análise da petição inicial, extrai-se que os fatos e os fundamentos invocados como causa de pedir ajustam-se com perfeição às hipóteses de cabimento de ação rescisória previstas nos incisos IV ("ofender a coisa julgada") e V ("violar literal disposição de lei") do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973.
Nesse contexto, tendo em vista a integral adequação dos fatos que integram a causa de pedir com o regramento anterior (ofensa à coisa julgada e ofensa da literal disposição dos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal), não há nenhum óbice ao prosseguimento na análise do mérito.
Essa foi, inclusive, a orientação prevalecente na Segunda Seção quando do julgamento da ação rescisória supramencionada (AR nº 5.931/SP).
Ainda em preliminar, cumpre refutar a alegação apresentada nas contestações de que a ação rescisória seria inadmissível para desconstituir decisão que deixou de tratar das teses que amparam o pedido de rescisão porque não suscitada a matéria nas contrarrazões ao recurso especial, no agravo regimental ou nos embargos de divergência que se seguiram.
Prevalece nesta Corte a orientação de que a ação rescisória não está sujeita ao requisito do prequestionamento, de modo que, identificada hipótese legal de rescindibilidade, torna-se irrelevante o fato de não ter sido interposto recurso eventualmente cabível.
Isso se deve não somente à falta de previsão legal, mas também à própria natureza jurídica do instituto, em razão de se tratar de ação originária e não de recurso.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO RESCINDENDA DO STJ QUE RESTABELECEU A SENTENÇA INCLUSIVE QUANTO AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PREQUESTIONAMENTO INEXIGÍVEL EM AÇÃO RESCISÓRIA.
1. A questão referente à verba honorária foi enfrentada pela decisão rescindenda, ainda que esta tenha meramente restabelecido a sentença quanto àquele tópico, sem aprofundar-se na fundamentação pertinente aos critérios legais de fixação de honorários.
2. A preclusão não é obstáculo ao cabimento da ação rescisória. A ação rescisória é cabível exatamente quando ocorre a preclusão máxima, decorrente da coisa julgada. O fato de não ter sido interposto algum recurso eventualmente cabível, ou tê-lo sido sem a invocação de determinado dispositivo legal, não impede o ajuizamento de ação rescisória, se a decisão rescindenda incidir em alguma das hipóteses de rescisão previstas no art. 485 do CPC. Não se exige exaurimento de instância como pressuposto para a ação rescisória.
3. A jurisprudência unânime desta Corte estabelece que a ação rescisória não está sujeita ao requisito do prequestionamento para que seja admitida, seja em razão da falta de previsão legal para tanto, bem como da própria natureza jurídica do instituto e em razão de tratar-se de ação originária e não de recurso.
4. Agravo regimental a que se dá provimento, para que prossiga a tramitação da ação rescisória".
(AgRg na AR 4.459/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 1º/02/2016 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, C/C ART. 487, II, DO CPC. PRELIMINARES: IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, DECADÊNCIA, PREQUESTIONAMENTO, LITISCONSÓRCIO, QUERELA NULLITATIS. CISÃO PARCIAL DE EMPRESA POSTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. SOLIDARIEDADE PASSIVA QUANTO AOS DÉBITOS DA SOCIEDADE CINDIDA. OBRIGAÇÃO DA RÉ DE COMUNICAR. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAR NULIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
1. A impugnação ao valor da causa deve ser rejeitada por já haver trânsito em julgado sobre a questão.
2. O prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória inicia-se quando não for mais cabível recurso do último pronunciamento judicial, nos termos da Súmula 401/STJ.
3. Admite-se ação rescisória por violação de lei, mesmo que a decisão rescindenda não tenha emitido juízo sobre o dispositivo supostamente violado. Na ação rescisória dispensa-se o prequestionamento. Precedentes.
4. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em litisconsórcio unitário, todos os que foram parte no processo cuja sentença é objeto de rescisão.
5. Por alegada inexistência de citação, é possível debater-se a ausência de litisconsortes passivos necessários e a conseqüente anulação do feito rescindendo, tanto em ação rescisória quanto por meio de querela nullitatis, pois neste caso há concurso de ações. Precedentes.
6. Operada a cisão parcial, cria-se um vínculo de solidariedade passiva das sociedades beneficiárias quanto aos débitos anteriores da sociedade cindida, atingindo todas as sociedades interessadas (§ 3º art. 42 CPC).
7. Ocorrida a cisão parcial posteriormente ao ajuizamento da ação que pleiteava rescisão contratual e indenização, era obrigação da parte ré comunicar ao Juízo o fato, portanto há impossibilidade de alegar a nulidade que deu causa (art. 243 do CPC).
8. Ação rescisória improcedente".
(AR 3.234/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 14/02/2014 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO. PREQUESTIONAMENTO: DISPENSA. PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO: ART. 97 DA CF E SÚMULA VINCULANTE 10/STF. COFINS. SOCIEDADES COOPERATIVAS. REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA.
1. A ação rescisória é ação originária (e não recurso especial), não estando sujeita a qualquer mecanismo de "prequestionamento". Precedentes do STF e do STJ.
2. Relativamente às sociedades cooperativas, o art. 6º, I da LC 70/91 concedeu isenção da COFINS quanto "aos atos cooperativos próprios de suas finalidades". Essa isenção foi, todavia, expressamente revogada pelo art. 23, II, a, da MP1.858-6, de 29.06.99, dispositivo reproduzido por atos normativos subseqüentes, até o art. 93, II, a, da MP 2.158-35.
3. O acórdão rescindendo negou aplicação a essa norma revogadora, por considerá-la ilegítima, decidindo a causa em sentido a ela oposto: afirmando a existência de isenção em relação a "(..) atos tipicamente cooperativos, isto é, aqueles correspondentes à atividade fim das cooperativas".
4. Ao afastar a aplicação da norma sem a declaração formal de sua inconstitucionalidade, o acórdão ofendeu o princípio da reserva de plenário estabelecida no art. 97 da CF (Súmula Vinculante 10/STF). Precedentes da Seção em casos análogos.
5. Acolhimento do pedido de rescisão, com retorno dos autos principais ao órgão fracionário para o julgamento do recurso especial".
(AR 4.202/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 29/09/2010 - grifou-se)
Além disso, preenchidos os demais pressupostos genéricos e específicos para o cabimento da ação rescisória, impõe-se a apreciação do mérito da irresignação.
Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger o provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e a literal disposição de algum dos artigos apontados como malferidos na petição inicial (artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal).
Consta dos autos que na ação declaratória que deu origem ao título judicial exequendo foi formulado, ao lado dos pedidos declaratórios, de repetição de indébito, de modificação de cláusulas contratuais e de indenização por danos morais e materiais, pedido de condenação dos réus "nas custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação;" (e-STJ fl. 115 - grifou-se).
A sentença exequenda julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na inicial para declarar a nulidade das cláusulas do contrato de mútuo entabulado entre as instituições financeiras e a empresa Sanesul, patrocinada pelo advogado Edson Macari, que previam a cobrança de juros acima de 12% (doze por cento) ao ano, e de comissão de permanência cumulada com correção monetária e a aplicação da Taxa ANBID.
Em consequência, considerou quitada a dívida e condenou as instituições financeiras a restituírem à empresa autora - Sanesul - a quantia de R$ 2.800.769,63 (dois milhões oitocentos mil setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos).
Quanto aos pedidos de condenação em danos materiais e morais, bem como aos pedidos de danos emergentes e lucros cessantes, foram julgados improcedentes.
Fixou, por derradeiro, os honorários advocatícios em "15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo-se ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC" (e-STJ fl. 126 - grifou-se).
O montante a ser repetido sofreu redução posterior, tendo em vista o provimento de recurso extraordinário interposto pelos réus para afastar a limitação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, consolidando o valor histórico de R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos).
No cumprimento de sentença promovido pelo advogado relativamente aos honorários advocatícios, o exequente tomou como base de cálculo para incidência do percentual de 15% (quinze por cento), não só o valor da condenação, estimada após atualização em R$ 4.173.173,32 (quatro milhões cento e setenta e três mil cento e setenta e três reais e trinta e dois centavos), mas também o montante equivalente a R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos), que representava a dívida que foi considerada quitada, cujo valor atualizado até a data de 31/3/2005 corresponderia a R$ 28.068.646,90 (vinte e oito milhões sessenta e oito mil seiscentos e quarenta e seis reais e noventa centavos), atingindo um valor global de R$ 32.241.820,22 (trinta e dois milhões duzentos e quarenta e um mil oitocentos e vinte reais e vinte e dois centavos).
Nessas condições, apresentou planilha de cálculo executando o montante de R$ 4.836.273,00 (quatro milhões oitocentos e trinta e seis mil duzentos e setenta e três reais) (e-STJ fls. 147-155).
As impugnações ao cumprimento de sentença apresentadas pelos executados foram acolhidas para reconhecer o excesso de execução, de modo a decotar do cálculo apresentado pelo exequente a quantia relativa ao aspecto declaratório, sob os seguintes fundamentos:
"(..)
Com efeito, evidencia-se dos autos que o título executivo que dá suporte ao procedimento de cumprimento de sentença/execução (fls. 112/122) foi expresso em determinar a nulidade das cláusulas do contrato encetado entre as partes que previam cobrança de: a) juros acima de 12% (doze por cento) ao mês; b) comissão de permanência cumulada com a correção monetária; e c) afastamento da taxa Anbid, com correção pelo IGP-M (FGV). Referido "decisum", ainda, condenou os impugnantes a restituírem à empresa patrocinada judicialmente pelo ora impugnado o montante, à época, de R$ 2.800.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta três centavos), fixando honorários advocatícios na ordem de "15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação".
Já se percebe desde logo, portanto, em singela análise do título, que o impugnado, de fato, pretende outorgar ao capítulo da parte dispositiva da sentença uma interpretação elástica totalmente equivocada quando elaboração dos cálculos que deram suporte ao procedimento de excussão, isto porque, como já afirmado, o "decisum" foi expresso em determinar que o percentual de honorários somente tem como base de cálculo o valor da condenação, ou seja, o montante a ser restituído pelos impugnantes à empresa representada pelo impugnado, e não sobre a parte declaratória do dispositivo (quitação da dívida), como pretendido pelo impugnado.
Ademais, o capítulo declaratório, como sabido e ressabido, não se traduz em proveito econômico algum propriamente dito, não tendo sido considerada na decisão, sequer implicitamente, como objeto de base de cálculo para fins de sucumbência. Seria o caso, quando muito, de fixação da verba honorária, neste particular, nos moldes do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil.
É necessário consignar também que quando do julgamento do Recurso Extraordinário interposto conjuntamente pelos ora impugnantes (fls. 99 dos autos 001.09.008151-0), o Supremo Tribunal Federal afastou a limitação de juros 12% (doze por cento), o que culminou com a redução do montante a ser repetido, reduzindo, também, via de consequência, por óbvio, a base de cálculo dos honorários advocatícios.
A perícia realizada na fase de conhecimento (cópia às fls. 27/68 da execução), e que serviu de base para a condenação, também realizou os cálculos sem a limitação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, na forma como determinada pelo Supremo Tribunal Federal, encontrando o estudo, nessa hipótese, o valor de R$. 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos) na data base de 31/05/1999 (fls. 35 da execução). Portanto, sem necessidade de maiores digressões a respeito, dada a nitidez da questão, esse é o valor a ser utilizado como base de cálculo para a contagem dos honorários" (e-STJ fls. 157-158 - grifos no original).
Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal de origem, o que ensejou a interposição de recurso especial nesta Corte, por meio do qual o recorrente voltou a sustentar que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deve incidir também sobre a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999), e não apenas sobre o valor da repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999).
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo Relator Ministro Luis Felipe Salomão, "a fim de que os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados (..)" (e-STJ fl. 1.876).
Para tanto, valeu-se a decisão rescindenda dos seguintes fundamentos:
(i) "o juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação" (e-STJ fl. 1.871);
(ii) "em linha de princípio, é plenamente possível que o juízo da liquidação interprete o título judicial para dele extrair seu real significado, e tal providência não vulnera o princípio da fidelidade ao título" (e-STJ fl. 1.871);
(iii) segundo a doutrina, ""é liquidável na execução não só o que na sentença é expresso, mas tudo o que nela é virtualmente compreendido", de modo que, amiúde, será exigido do Juízo algum grau de investigação intelectiva, sempre dentro dos lindes traçados pelo título liquidando" (e-STJ fl. 1.871);
(iv) "Especialmente em liquidações de sentença cujo comando não se revela infenso a duplo sentido ou ambiguidade, deve o magistrado adotar como interpretação, entre as possíveis, a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial. E, adotando-se tal providência, não se há falar em ofensa à coisa julgada, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado. Apenas se põe às claras o exato alcance da tutela antes prestada" (e-STJ fl. 1.871-1.872);
(v) ao se debruçar sobre o quanto decidido na sentença exequenda, "a Corte a quo, não obstante o reconhecimento de quitação da dívida no bojo da ação de conhecimento, concluiu pela impossibilidade de incluir esse valor na base de cálculo dos honorários advocatícios" (e-STJ fl. 1.875); e
(vi) "a interpretação do comando sentencial - "valor da condenação" - que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda" (e-STJ fl. 1.875).
Com efeito, é certo que este Tribunal Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o dispositivo da sentença exequenda pode ser interpretado pelo juízo da liquidação e essa interpretação envolve não apenas a parte dispositiva da sentença isoladamente, mas, igualmente, a sua fundamentação a fim de atingir o real sentido e alcance do comando sentencial.
E que, além disso, quando o título judicial se revela ambíguo, dando ensejo a mais de uma interpretação, deve o órgão julgador escolher aquela que mais se harmoniza com o ordenamento jurídico, sem que isso implique em ofensa à coisa julgada.
No caso dos autos, contudo, o dispositivo da sentença exequenda não apresenta nenhuma ambiguidade. Ao contrário, foi categórico ao fixar a condenação dos réus "a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação" (e-STJ fl. 126 - grifou-se).
Ademais, não é possível extrair da fundamentação nenhuma passagem que revele, ainda que minimamente, a intenção do magistrado sentenciante de fazer inserir na base de cálculo da verba honorária o capítulo atinente ao provimento declaratório.
Nesse contexto, não havia margem para substituir, como fez a decisão rescindenda, o parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação) por "proveito econômico almejado pela demandante" - conceitos jurídicos sabidamente distintos -, alterando indevidamente a base de cálculo da verba honorária após o trânsito em julgado, afastando-se não apenas da legislação de regência (que prevê que "os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação"), mas também do pedido formulado pelo próprio requerente na sua petição inicial da ação declaratória ("honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação;" - e-STJ fl. 115 - grifou-se).
A distinção entre os conceitos de "condenação" e de "proveito econômico" ficou ainda mais nítida após o advento do Código de Processo Civil de 2015, que, em seu artigo 85, § 2º, acrescentou dois novos parâmetros de fixação dos honorários, além da condenação: proveito econômico obtido e valor atualizado da causa: "Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (..)".
A doutrina majoritária reconhece que existe uma ordem de preferência desses critérios na fixação dos honorários advocatícios, de modo que, havendo condenação, devem os percentuais de 10 a 20% incidir sobre esse montante.
Apenas na hipótese de não haver condenação, é que se cogita do proveito econômico e, por último, não sendo possível mensurar o proveito econômico, passa-se a considerar o valor atualizado da causa como base de cálculo dos honorários.
A respeito:
"(..)
A conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85 do Código de Processo Civil conduz à obtenção da seguinte ordem de preferência na adoção de critérios para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais:
(I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º);
(II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º);
Por fim,
(III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).
(..)
Assim, em regra, os honorários sucumbenciais devem ser fixados com observância da seguinte ordem de preferência: a) sobre o valor da condenação; b) não havendo condenação ou não sendo possível valer-se da condenação, utiliza-se (b.l) o proveito econômico obtido pelo vencedor ou, como última hipótese, (b.2) recorre-se ao valor da causa" (ARAÚJO FILHO, Raul. Juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios sucumvenciais no novo CPC. Doutrina: edição comemorativa 30 anos do STJ. Brasília, 2019, pág. 744-745 - grifou-se).
Logo, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, viola, ainda, a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
A jurisprudência desta Corte encontra-se consolidada no sentido de que os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insuscetíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada, consoante se observa dos seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE SOB PENA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA.
1. Os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insusceptíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada. (v.g. AgRg no AREsp 64.052/MA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 05/03/2015 )
2. Agravo regimental não provido".
(AgRg no AREsp 614.798/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 26/03/2015 - grifou-se)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DE CRITÉRIOS E BASE DE CÁLCULO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. Os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insusceptíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada.
2. Agravo regimental não provido".
(AgRg no REsp 1.132.780/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. PRECEDENTES STJ.
1. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não é possível, em execução, alterar a base de cálculo dos honorários advocatícios fixada na sentença transitada em julgado, sob pena de ofensa à coisa julgada. Nesse sentido: AgRg no Ag 1.392.020/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 21/8/2012; AgRg no REsp 1.174.925/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 19/3/2012; REsp 886.178/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJe 25/2/2010; AgRg no REsp 1.070.280/TO, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJe 27/4/2009.
2. Agravo Regimental não provido".
(AgRg no AgRg no REsp 1.345.685/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 12/06/2013 - grifou-se)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. PRECEDENTES.
1. Em sede de embargos à execução, é incabível revisar o valor da verba honorária fixada no título executivo judicial que ampara a pretensão executória, sob pena de violação à coisa julgada.
2. Agravo regimental improvido".
(AgRg no REsp 1.174.925/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 19/03/2012 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. CARÊNCIA. SÚMULA 356/STF. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTO INATACADO, SUFICIENTE PARA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. SÚMULA 283/STF. BASE DE CÁLCULO. MODIFICAÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
(..)
4. Esta Corte tem entendimento assente no sentido de que não é possível modificar, em sede de execução, a base de cálculo sobre a qual devem incidir os honorários advocatícios, sob pena de ofensa à coisa julgada.
5. Para que se enfraquecessem as razões do acórdão recorrido far-se-ia necessária a incursão no conjunto fático-probatório da demanda, providência vedada nesta fase processual por obediência à súmula 7/STJ.
6. É cediço o entendimento no sentido de que o dissídio pretoriano precisa ser demonstrado de forma analítica, com transcrição de trechos dos acórdãos divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não se aperfeiçoando pela simples citação de ementas (art. 255 e parágrafos do RISTJ), sem o que estará deficiente a fundamentação do recurso especial, incidindo, pois, a censura da súmula 284/STF.
7. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no REsp 1.070.280/TO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009 - grifou-se)
Assim, fixados os honorários, no processo de conhecimento, em percentual sobre determinada base de cálculo, não pode o juízo, na fase de execução, a pretexto de corrigir erro material ou eventual injustiça, modificar ou ampliar essa base de cálculo, sob pena de ofensa à coisa julgada.
Especificamente sobre o tema, vale citar:
"AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. FASE DE EXECUÇÃO. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
Fixados os honorários de advogado, no processo de conhecimento, em percentual sobre o valor da causa, e advindo o trânsito em julgado, não poderá o Juiz, na fase de execução, a pretexto de correção de erro material, transmudar essa base de cálculo para o valor da condenação, sob pena de violação da coisa julgada.
Agravo improvido".
(AgRg no REsp 769.189/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 03/11/2008 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. COISA JULGADA. VIOLAÇÃO. EXISTÊNCIA.
I - Se a sentença, já trânsita em julgado, ao dar pela procedência da ação de consignação e declarar extinto o processo de execução, determinou que o percentual da verba honorária incidiria apenas sobre o valor atribuído pelo autor à consignatória, é descabida a inclusão na base de cálculo do montante do débito cobrado no processo executivo.
II - Violação à coisa julgada caracterizada.
Recurso provido".
(REsp 871.691/AL, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 01/08/2007 - grifou-se)
"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. IPC DE JANEIRO/89. PERCENTUAL NÃO FIXADO NO ACÓRDÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. FIXAÇÃO EM 42,72% NA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. EXCLUSÃO DE OFÍCIO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO DOS TERMOS INICIAL E FINAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 474 E 610, CPC. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA CAUSA. ALTERAÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO. AFRONTA À COISA JULGADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - O acórdão proferido nos embargos à execução por título judicial não pode contrariar o acórdão transitado em julgado, devendo extrair-lhe o sentido lógico e interpretá-lo por meio da análise integrativa do seu conjunto, sem, contudo, modificá-lo.
II - Transitada em julgado a procedência do pedido de correção monetária pelo IPC, sem menção do percentual aplicável, nem na decisão, nem no pedido, o acórdão proferido nos embargos à execução não ofende o princípio da coisa julgada ao adotar o índice uniformizado na jurisprudência para o mês de janeiro/89.
III - Na execução por título judicial, não se pode excluir de ofício a capitalização mensal, nem alterar os termos inicial e final de incidência dos juros, sob pena de ofensa à coisa julgada.
IV - Arbitrados, no processo de conhecimento, honorários de advogado sobre o valor da causa e advindo o trânsito em julgado, o acórdão proferido nos embargos à execução não pode transmudar essa base de cálculo para valor da condenação.
V - A discussão sobre a pertinência ou não da fixação em honorários sobre o valor da condenação não tem espaço no âmbito da execução de título acobertado pela coisa julgada, o qual está a demandar somente interpretação, que não se confunde com novo julgamento da causa".
(REsp 331.508/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2001, DJ 04/03/2002 - grifou-se)
No caso dos autos, foi alterada a base de cálculo dos honorários advocatícios após o trânsito em julgado, quando do julgamento de recurso especial interposto contra agravo de instrumento oriundo de decisão que acolheu impugnação ao cumprimento de sentença.
Nesse contexto, não há outra solução possível senão julgar procedente a ação rescisória em juízo rescindendo, por ofensa à coisa julgada e ao artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, a fim de desconstituir o acórdão e a decisão monocrática proferida nos autos do REsp nº 1.360.424/MS, e, em juízo rescisório, negar provimento ao recurso especial.
Não foi outra a conclusão alcançada no bem lançado parecer do Ministério Público Federal, cujos fundamentos adoto como reforço de minhas razões de decidir:
"(..)
Como se verifica da parte dispositiva do comando sentencial adunado às fls. 117/127 (e-STJ), foram os réus condenados a "pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação". A leitura do dispositivo, com efeito, parece não abrir margem a interpretação equívoca.
Assim, a reforma empreendida em sede de cognição extraordinária, para que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (como consta da sentença mencionada), a parcela de conteúdo declaratório (in casu, o reconhecimento de quitação de dívida), consubstancia ofensa à literalidade do art. 20, § 3º, do CPC/1973, bem como violação à coisa julgada, consolidada com o trânsito em julgado da sentença exequenda.
Efetivamente, a sentença condenou os réus ao pagamento de valor certo, estabelecendo, conforme a norma em vigor à época de sua prolação, o cálculo da verba sucumbencial sobre o valor da mesma condenação - o que não deve incluir, decerto, a declaração de nulidade de cláusulas do contrato entabulado entre as partes.
É correto afirmar que, na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, o modo de aferição da verba honorária varia de acordo com a natureza do provimento jurisdicional: havendo condenação, incide à hipótese a norma do art. 20, § 3º, do CPC/1973, que estabelece as balizas de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), indicando os parâmetros a serem utilizados pelo Magistrado para a determinação do percentual no caso concreto. Em se tratando de provimento de natureza meramente declaratória, o Magistrado utilizar-se-á dos mesmos critérios do art. 20, § 3º, fixando a verba honorária, todavia, de acordo com "apreciação equitativa".
(..)
Noutra perspectiva, não é demasia consignar que, ainda que a sentença comportasse questionamentos a respeito da (não) inclusão da sucumbência decorrente do provimento declaratório, cuida-se de provimento jurisdicional transitado em julgado, o qual não poderia ter sido modificado em sede de recurso especial" (e-STJ fls. 2.979-2.981 - grifou-se).
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido para rescindir o acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.360.424/MS e, em novo julgamento, negar provimento ao recurso especial, condenando os réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (artigo 85, § 2º, do CPC/2015).
Restitua-se ao autor o depósito a que se refere o artigo 968, inciso II, do CPC/2015.
É o voto.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de ação rescisória, com pedido de tutela antecipada, proposta em 9/8/2016, por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), objetivando desconstituição de acórdão da Quarta Turma, prolatado no REsp nº 1.360.424/MS (e-STJ fls. 1.869-1.924), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, que conferiu provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI.
Noticiam os autos que Sanesul - Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul S.A. - propôs, em 1997, a denominada "ação declaratória, cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição de indébito e perdas e danos" contra o Banco Brascan S.A. e o autor da presente ação rescisória, afirmando que celebrou contrato de empréstimo em valor correspondente a R$ 5.993.263,57 (cinco milhões novecentos e noventa e três mil duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos) e que, mesmo após algumas renegociações, não conseguiu mais arcar com o pagamento das prestações em virtude dos altos encargos praticados (e-STJ fls. 49-115).
Na referida ação foram formulados os seguintes pedidos:
"(..)
10.1- QUANTO À AÇÃO DECLARATÓRIA
a) declarar ilegal e inconstitucional a cobrança de juros acima do limite de 12% ao ano e bem assim que o lucro bancário da operação não pode em qualquer caso superar 20% do custo de captação, na forma da Lei;
b) declarar ilegal a cobrança de juros capitalizados para a modalidade de mútuo contratado;
c) declarar ilegal a utilização do indexador TAXA ANBID como fator de correção da moeda sobre todos os saldos devedores e parcelas cobradas, e declarando legal o IGP-M desde o 1º contrato;
d) declarar ilegal a cobrança de multa e comissão de permanência sobre as prestações que já contém juros remuneratórios embutidos e bem assim a cobrança de novos juros remuneratórios sobre as parcelas já incrementadas, por si, e pela inexistência de mora culposa;
e) declarar nulas as respectivas cláusulas contratuais do contrato original e suas renegociações, cujas ilegalidades e potestatividade forem reconhecidas, tal como exposto nesta inicial e pedido;
f) declarar serem indevidas as multas e comissões de permanência cobradas, em razão do atraso ter decorrido do excesso de cobrança praticado pelos Réus, ou, se devidos, determinar a sua incidência sobre o principal atualizado, sem os juros;
g) declarar o caráter potestativo das cláusulas objeto das declarações acima, ex vi do artigo 115 do Código Civil, e dos dispositivos pertinentes do Código de Defesa do Consumidor e ainda em face do artigo 11 do Decreto 22.626/33 e artigo 4º letra "b" da Lei 1521/51 e par. 2º do art. 192 da Constituição Federal e Lei de Usura;
10.2- QUANTO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO
a) condenar os Réus a devolver à Autora, as quantias pagas não só indevidamente como também à maior, em consonância com as declarações acima (item 10.1);
b) corrigir a quantia a ser restituída, a partir dos indevidos desembolsos, pelo IGP-M, e mais os juros à taxa de 12% ao ano, até o efetivo pagamento;
10.3- QUANTO À MODIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS
a) reduzir a cobrança de encargos (juros e outros acréscimos) que seriam os lucros do Réu a 20% (vinte por cento) sobre a taxa de captação de CDB"s no mercado para bancos de primeira linha ou à variação do IGP-M e juros não capitalizados de 12% ao ano, o que for menor;
b) adaptar o contrato aos pedidos declaratórios formulados no item 10.1;
10.4- QUANTO ÀS PERDAS E DANOS
a) condenar os Réus por danos morais, consoante o prudente arbítrio deste MM. Juízo, porém, valorado em pelo menos 100 (cem) vezes o total da restituição apurada e atualizada até o efetivo pagamento;
b) condenar os Réus por danos materiais, mediante a aplicação da 1ª parte do artigo 1.531 do Código Civil, e mais os danos emergentes e os lucros cessantes, seja pelo ônus de contratação de empréstimos junto a instituições financeiras para pagar os excessos cobrados pelos Réus, seja pela perda da aplicação financeira dos recursos que estariam disponíveis;
10.5- determinar a compensação de débitos e créditos até onde efetivamente se compensarem, com a conseqüente quitação da dívida no limite encontrado;
10.6- condenar os Réus nas custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação" (e-STJ fls. 113-115 - grifou-se).
Propôs, ainda, "medida cautelar inominada de depósito" a fim de depositar a quantia mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para afastar os efeitos da mora.
O juízo de primeiro grau, em julgamento conjunto com a precedente ação cautelar, proferiu sentença com o seguinte dispositivo:
"(..) julgo procedente, em parte, a ação Declaratória, c.c. Ordinária de Modificação de Cláusulas, Repetição de Indébito e Perdas e Danos promovida por SANESUL - EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A., em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO BOAVISTA INTER-ATLÂNTICO S.A., para declarar nulas as cláusulas contratuais que prevêem juros acima do limite constitucional de 12% ao ano e cobrança de comissão de permanência cumulada com a correção monetária, afastando a chamada Taxa ANBID.
Em conseqüência declaro o direito da autora em ver a dívida corrigida pelo IGP-M com juros fixados em 12% ao ano, capitalizados anualmente, declarando também a importância de R$ 2.800.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), acrescidos de juros 0,5% (meio por cento) ano mês e atualização monetária pelo mesmo índice a contar de 31.05.99, data em que o valor foi encontrado pelo perito oficial.
Julgo, outrossim, improcedentes os pedidos de condenação em dano material e moral, bem como em danos emergentes e lucros cessantes.
Acolho, por derradeiro, o pedido cautelar e confirmo a liminar reconhecendo a presença dos pressupostos que a ensejam, periculum in mora e fumus boni iuris.
Condeno os réus a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC, levando em consideração também que a sua atuação deu-se também na ação cautelar de igual complexidade que a ação principal, devendo também aqueles suportar as custas processuais e honorários do perito corrigidos a contar do efetivo desembolso" (e-STJ fls. 125-127 - grifou-se).
A sentença foi mantida pelo Tribunal local em acórdão assim ementado:
"RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ORDINÁRIA DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PERDAS E DANOS - MÚTUO BANCÁRIO - DISCUSSÃO - CONTRATO DE ADESÃO - APLICAÇÃO DO CDC - ABUSO DE DIREITO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - CORREÇÃO MONETÁRIA TAXA ANBID - SUBSTITUIÇÃO PELO IGP-M - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - EXCLUSÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - RECURSO IMPROVIDO.
Contrato de adesão: os contratos em que as cláusulas são preestabelecidas, não oportunizando ao contratante o direito de discussão trata-se de contrato de adesão, cabendo ao Poder Judiciário, a revisão das cláusulas consideradas leoninas, se porventura existirem.
A aplicação do CDC: havendo a prestação de serviços ou fornecimento de produtos (art. 2º, caput), não importando que o contratante seja pessoa física ou jurídica. O hábito de contratar não descaracteriza a hipossuficiência.
Abuso de direito: não se caracteriza o abuso de direito no fato de a contratante, primeiramente, aceitar as condições impostas pelo contrato para, posteriormente, vir a juízo pleitear a sua revisão, uma vez que o princípio do pacta sunt servanda não pode prevalecer sobre a legislação em geral, caso fique caracterizado prática de ilegalidades.
Taxa de juros: o art. 192, § 3º, da CF/88 tem autonomia, cuja aplicabilidade não depende de futura regulamentação, mostrando-se correta a fixação da referida taxa no patamar de 12% ao ano.
Capitalização de juros: a capitalização de juros não é admitida, em se tratando de contrato de mútuo.
Correção monetária: a taxa ANBID não é fator de correção monetária porque traduz variações de custo primário de captação de depósitos à prazo fixo, trazendo em si, embutida, taxa de juros, devendo ser substituída pelo IGP-M/FGV, que bem reflete a inflação ocorrente.
Comissão de permanência: nos termos da Súmula 30 do STJ, a comissão de permanência não é admitida ante a inclusão da correção monetária.
Repetição de indébito: os valores cobrados a mais devem ser devolvidos, não pela aplicação do art. 965, do CPC, mas com base no art. 4º, § 3º, da Lei 1.521/51 (crimes contra a economia popular).
RECURSO ADESIVO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS - ALTERAÇÃO DE 0,5% PARA 1,0% - DANOS MORAIS, MATERIAIS, EMERGENTES E LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO DA MORA CULPOSA - RECURSO IMPROVIDO.
Limitação da taxa de juros: a questão da limitação da taxa de juros restou prejudicada, uma vez que restou decidida na apelação sobre a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88.
Juros na repetição do indébito: quando não convencionada pelas partes, nos termos do art. 1062, do CC, a taxa de juros moratórios será de 6% ao ano.
Danos morais, materiais, emergentes e lucros cessantes: os danos morais só são devidos à pessoa jurídica, quando atingida a honra objetiva perante terceiros. Para a aplicação dos danos morais, materiais e emergentes, se faz necessária a prova dos prejuízos. Não havendo prova, não há falar em fixação dos danos.
Ausência de mora culposa: a matéria que não fez parte do pedido inicial da ação, tampouco foi apreciada na sentença de primeiro grau, não é matéria a ser analisada em segundo grau" (e-STJ fls. 141-142).
Seguiu-se recurso extraordinário interposto pelos réus, que foi provido pelo Supremo Tribunal Federal para afastar a limitação de juros de 12% (doze por cento), o que ensejou a redução do montante a ser repetido.
Após o trânsito em julgado, foi iniciado o cumprimento de sentença pelo advogado Edson Macari na parte que condenou os executados no pagamento de honorários advocatícios (e-STJ fls. 147-151), tendo sido oferecidas impugnações pelos Bancos Brascan S.A. e Boavista Interatlântico S.A.
As impugnações foram acolhidas
"(..) para o fito específico de aclarar que o percentual dos honorários advocatícios devidos ao impugnado (15%) devem incidir sobre o valor de R$ 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos), data-base de 31/05/1999, reconhecendo o excesso de execução do que sobejou no bojo da execução em apenso" (e-STJ fl. 159).
Os agravos de instrumento interpostos pelos impugnantes não foram providos. Já o agravo de instrumento interposto pelo impugnado foi parcialmente provido a fim de redistribuir os ônus da sucumbência fixados na impugnação.
O aresto recebeu a seguinte ementa:
"AGRAVOS DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS. RECURSOS INTERPOSTOS CONTRA A MESMA DECISÃO E QUE CONTÊM QUESTÕES PREJUDICIAIS ENTRE SI. FEITOS REUNIDOS PARA JULGAMENTO EM ACÓRDÃO ÚNICO. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEITADAS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA EXECUÇÃO PRINCIPAL. REJEITADO. PREJUDICIAL DE COISA JULGADA QUE NÃO IMPEDE O CONHECIMENTO DE ALEGAÇÃO DE EXCESSO. QUANTUM EXECUTADO. LIMITES DO TÍTULO OBJETO DO CUMPRIMENTO. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS AUMENTADOS. AGRAVOS INTERPOSTOS PELOS IMPUGNANTES NÃO PROVIDOS. AGRAVO INTERPOSTO PELO IMPUGNADO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não conhecer do recurso pelo simples fato de os recorrentes não terem atravessado simples petição de reiteração após a prolação de decisão rejeitando embargos de declaração significa apegar-se demasiadamente em formalismos, circunstância que, na instância ordinária, ao contrário do que ocorre nas vias especial e extraordinária (Súmula n. 418 do STJ) não deve ser utilizada como fundamento, para que o Tribunal não conheça da questão.
O agravo deve ser conhecido quando instruído com documentos obrigatórios e essenciais para a compreensão da questão.
Não há nada que impeça que o advogado inicie o cumprimento de sentença de seus honorários antes do trânsito em julgado dos embargos à execução do crédito principal, situação na qual o advogado deverá apresentar o valor que entende devido e poderá sujeitar-se a impugnações.
A coisa julgada que incide sobre a fixação de honorários em percentual sobre a condenação não impede a apreciação de alegação de excesso de execução.
Se a sentença executada dispôs expressamente que o percentual arbitrado a título de honorários deveria incidir sobre o valor da condenação à repetição de indébito, não há como admitir a incidência do percentual sobre o capítulo do decisum que declarou quitada a dívida.
Não deve ser admitido, através de alegações de erro de cálculo, a rediscussão de encargos já acobertados pelo manto da coisa julgada.
Quando ambos os litigantes saem vencedores e vencidos, ainda que em proporção diferente, a sucumbência deve, nos termos do caput do artigo 21 do CPC, ser proporcionalmente distribuída e compensada.
Devem ser consideradas no arbitramento dos honorários a importância econômica, a complexidade e a duração da causa, devendo-se, portanto, ser mantidos os honorários fixados em valor que guarde relação com esses requisitos" (e-STJ fls. 161 e 175).
Referido julgamento ensejou a interposição de recurso especial (e-STJ fls. 1.490-1.533) por Edson Macari.
Após o juízo positivo de admissibilidade na origem, o recurso especial ascendeu a esta Corte, recebendo o nº 1.360.424/MS.
Em suas razões (e-STJ fls. 1.490-1.533), o então recorrente apontou, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 20, § 3º, 467, 468 e 471 do Código de Processo Civil de 1973.
Sustentou, em síntese, que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de os honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deve incidir também sobre a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999) -, e não apenas sobre o valor da repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999) -, sob pena de ofensa à coisa julgada.
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo Relator Ministro Luis Felipe Salomão, "a fim de que os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença" (e-STJ fl. 1.876).
A egrégia Quarta Turma, ao apreciar o recurso de agravo regimental, negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido" (e-STJ fls. 1.914-1.915).
O acórdão ainda foi objeto de embargos de divergência, que foram indeferidos liminarmente pelo Ministro João Otávio de Noronha (e-STJ fls. 1.998-2.000), decisão esta mantida em agravo regimental pela Segunda Seção (e-STJ fls. 2.035-2.039), tendo o acórdão transitado em julgado em 12/5/2015 (e-STJ fl. 2.044).
Na presente ação rescisória (e-STJ fls. 1-33), o autor - BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A. -, com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), sustenta, em síntese, que o acórdão rescindendo foi proferido contra literal disposição dos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, além de incidir em ofensa à coisa julgada.
Aduz, inicialmente, que "o v. acórdão rescindendo (..) consagrou solução jurídica totalmente distinta e incompatível com a coisa julgada, com base no entendimento de que a expressão "valor da condenação" deveria equivaler a "valor do proveito econômico alcançado na demanda"" (e-STJ fl. 12).
Sustenta que, "ao contrário do afirmado no v. acórdão rescindendo, a orientação nele traçada não se ateve aos limites da mera interpretação do título judicial exequendo, pois, como já visto, é manifesta a dissonância com os próprios termos da decisão transitada em julgado, com o pedido expressamente formulado na ação e com a necessária exegese estrita do comando decisório" (e-STJ fl. 13).
A seu ver, "a pretensa "interpretação" do título executivo levada a efeito pelo v. acórdão rescindendo é manifestamente incompatível com o próprio conceito jurídico-processual do termo "condenação", constante do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC de 1973, dispositivo no qual a decisão exequenda se baseou de forma explícita para fixação dos honorários sucumbenciais" (e-STJ fl. 14).
Assinala que, "embora a ação objetivasse também a concessão de provimento de natureza declaratória, além dos pedidos condenatórios deduzidos, o fato é que a decisão exequenda determinou a fixação de honorários consoante a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, isto é, em percentual sobre o valor da condenação" (e-STJ fl. 17).
Sustenta que, "estabelecida a verba honorária conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, em sentença transitada em julgado, jamais podia o v. acórdão rescindendo, em recurso decorrente de impugnação à execução, afastar a base de cálculo correspondente ao "valor da condenação" para substituí-la pelo "valor do proveito econômico pretendido pelo autor", sobretudo porque tais conceitos, como visto, não são sinônimos" (e-STJ fl. 18).
Segundo argumenta, "a alegação de que a sentença exequenda deveria considerar, no dimensionamento da verba honorária, o benefício econômico correspondente ao provimento declaratório, deveria ter sido suscitada mediante os recursos cabíveis durante a fase de conhecimento, não se podendo considerar tal matéria como objeto de "condenação implícita" no título judicial" (e-STJ fl. 21).
Afirma ter passado "despercebido no v. acórdão rescindendo que os precedentes nele invocados para amparar a tese de que os honorários deveriam corresponder ao "proveito econômico" não foram proferidos em ações condenatórias, tendo sido fixados com apoio no § 4º do artigo 20 do CPC/1973, e não em seu § 3º, tal como se deu no título judicial de que cuidam os autos" (e-STJ fl. 22).
Alega que "o v. acórdão rescindendo incorreu em violação manifesta da norma jurídica inscrita no parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73 - vigente à época dos fatos -, pois conferiu indevido elastério e desvirtuou por completo o conceito de "valor da condenação" estabelecido no aludido preceito legal" (e-STJ fl. 23).
Aduz que, "por semelhante razão, incorreu o v. acórdão rescindendo também em ofensa manifesta ao parágrafo 4º do artigo 20 do CPC/73, que restou substancialmente esvaziado, sobretudo no que concerne às ações "em que não há condenação"" (e-STJ fl. 23).
Assevera, por fim, que o acórdão rescindendo "também viola manifestamente os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes, resultando na possibilidade de se transformar o devedor em credor no âmbito das ações revisionais, como no caso dos autos" (e-STJ fl. 26).
Requereu, além de tutela de urgência, a rescisão do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.360.424/MS e, em novo julgamento, o seu não provimento.
O depósito prévio (artigo 968, inciso II, do CPC/2015) veio acostado à fl. 2.062 (e-STJ).
O pedido liminar foi deferido e determinada a citação do réu Edson Macari (e-STJ fls. 2.066-2.072).
À fl. 2.085 (e-STJ), certificou-se que foi promovida a retificação da autuação para incluir como parte ré Luiz Epelbaum.
Os réus apresentaram contestação às fls. 2.104-2.161 e fls. 2.430-2.510 (e-STJ).
Em suas contestações, os réus defendem o acerto da decisão rescindenda que, a seu ver, teria se limitado a interpretar o título executivo, reconhecendo que no valor da condenação inclui-se o valor do proveito econômico da demanda.
Afirmam que a ação rescisória não é sucedâneo do recurso próprio não utilizado no momento oportuno, tampouco constitui remédio para corrigir eventual injustiça da decisão.
Aduzem que os pontos discutidos na rescisória são totalmente estranhos à matéria que foi objeto da decisão rescindenda.
Sustentam que não cabe ação rescisória para discutir a irrisoriedade ou a exorbitância da verba honorária ou por violação de súmula.
Pugnam, por fim, pela improcedência da ação rescisória.
Tendo em vista a apresentação de petição conjunta informando a existência de tratativas para a celebração de acordo (e-STJ fl. 2.860), foi deferido o pedido de suspensão do processo pelo prazo de 30 (trinta) dias (e-STJ fl. 2.864).
Escoado o prazo, o autor se manifestou acerca das contestações (e-STJ fls. 2.893-2.903).
Sendo desnecessária a produção de provas, abriu-se vista ao autor e aos réus, sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias, para as razões finais, que vieram aos autos às fls. 2.910-2.921 e 2.924-2.957 (e-STJ).
O Ministério Público Federal ofereceu parecer no sentido da procedência da ação rescisória como se colhe da ementa:
"AÇÃO RESCISÓRIA. CPC/2015, art. 966, IV e V. Ofensa à coisa julgada e violação manifesta a norma jurídica. CPC/1973, art. 20, §§ 3º e 4º. Fixação de honorários de sucumbência. Provimento jurisdicional de cunho declaratório e condenatório (declaração de nulidade de cláusula contratual e condenação à restituição de quantia). Sucumbência fixada sobre o valor da condenação. Recurso especial provido para inserir, na base de cálculo da verba sucumbencial, o proveito econômico auferido com a declaração de nulidade. Violação à norma jurídica configurada. Sistemática da fixação dos honorários sucumbenciais à luz do CPC/1973. Doutrina. "Valor da condenação". Prevalência do conteúdo condenatório do provimento de mérito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Decisum rescindendo que, ademais, prolatado no âmbito de recurso especial interposto na fase de execução do feito originário, reformou decisão judicial transitada em julgado. Violação à coisa julgada também caracterizada. Precedentes. Parecer pelo provimento da ação rescisória" (e-STJ fl. 2.973).
É o relatório.
À revisão.
VOTO-REVISÃO
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:
Cuida-se de ação rescisória, com pedido liminar, manejada por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., com amparo no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), objetivando desconstituir acórdão proferido pelo colegiado da Quarta Turma no bojo do AgRg no REsp nº 1.360.424/MS, no qual negado provimento ao agravo regimental e mantida a deliberação monocrática exarada pelo Ministro Luis Felipe Salomão que conferiu provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI para determinar que "os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença" (fl. 1.876).
O acórdão ainda foi objeto de embargos de divergência, que foram indeferidos liminarmente (fls. 1.998-2.000), decisão esta mantida em agravo regimental pela Segunda Seção (fls. 2.035-2.039), tendo o acórdão transitado em julgado em 12/05/2015 (fl. 2.044).
Afirma a financeira nessa ação rescisória que o acórdão rescindendo foi proferido em literal violação aos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, além de incidir em ofensa à coisa julgada ao compreender que a expressão valor da condenação deveria equivaler a valor do proveito econômico alcançado na demanda, deixando de se ater aos limites estabelecidos no título judicial exequendo.
Assinala que, "embora a ação objetivasse também a concessão de provimento de natureza declaratória, além dos pedidos condenatórios deduzidos, o fato é que a decisão exequenda determinou a fixação de honorários consoante a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, isto é, em percentual sobre o valor da condenação" (fl. 17).
Sustenta, também, que "estabelecida a verba honorária conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, em sentença transitada em julgado, jamais podia o v. acórdão rescindendo, em recurso decorrente de impugnação à execução, afastar a base de cálculo correspondente ao "valor da condenação" para substituí-la pelo "valor do proveito econômico pretendido pelo autor", sobretudo porque tais conceitos, como visto, não são sinônimos" (fl. 18).
Assevera, por fim, que o acórdão rescindendo também viola os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), "pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes, resultando na possibilidade de se transformar o devedor em credor no âmbito das ações revisionais, como no caso dos autos" (fl. 26).
Em síntese, cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda como base para a fixação dos honorários advocatícios (condenação), por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e a literal disposição dos artigos apontados como malferidos na petição inicial.
Realizado o trâmite processual no âmbito desta Corte Superior, com o deferimento do pleito liminar (decisão de fls. 2.066-2.072) e apresentação das contestações (fls. 2.104-2.161 e 2.430-2.510), os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal que exarou parecer pela procedência da ação rescisória.
O e. relator, Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, no voto que apresenta, julga procedente o pedido rescisório para negar provimento ao recurso especial, condenando os réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (artigo 85, § 2º, do CPC/2015), restituindo-se ao autor o depósito a que se refere o artigo 968, inciso II, do CPC/2015.
Sua Excelência aduz que a base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada e no caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
Vieram os autos conclusos para revisão.
É o relatório.
Voto
Acompanha-se o bem lançado voto do relator, para julgar procedente o pedido rescisório e, em consequência, negar provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI, porquanto a jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de que os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insuscetíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada.
Depreende-se dos autos que na ação que deu origem ao título judicial exequendo os honorários advocatícios foram estabelecidos em "15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo-se ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC" (fl. 126).
No cumprimento de sentença relativamente aos honorários advocatícios, fora apresentada planilha de cálculo para amparar execução do montante de R$ 4.836.273,00 (quatro milhões oitocentos e trinta e seis mil duzentos e setenta e três reais), tomando como base de cálculo não apenas o valor da condenação, estimada após atualização em R$ 4.173.173,32 (quatro milhões cento e setenta e três mil cento e setenta e três reais e trinta e dois centavos), mas também o montante representativo da dívida considerada quitada, essa que devidamente atualizada atingiria um valor global de R$ 32.241.820,22 (trinta e dois milhões duzentos e quarenta e um mil oitocentos e vinte reais e vinte e dois centavos).
As impugnações ao cumprimento de sentença apresentadas pelos executados foram acolhidas para reconhecer o excesso de execução, de modo a decotar do cálculo apresentado pelo exequente a quantia relativa ao aspecto declaratório (fls. 157-158).
Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal a quo, dando ensejo à interposição de recurso especial por meio do qual o recorrente sustentou que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deveria abarcar, também, a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999), e não apenas o quantum atinente à repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999).
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão, a fim de que os honorários advocatícios fossem calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados (fl. 1.876), utilizando, na oportunidade, o entendimento segundo o qual pode o juízo da liquidação interpretar o título judicial para dele extrair o seu real significado, pois "é liquidável na execução não só o que na sentença é expresso, mas tudo o que nela é virtualmente compreendido".
Asseverou, também, que "a interpretação do comando sentencial - "valor da condenação" - que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda" (e-STJ fl. 1.875)
Pois bem, como cediço, é possível promover a interpretação do dispositivo da sentença exequenda para extrair o adequado alcance do comando sentencial, notadamente quando o título judicial se revelar ambíguo.
Contudo, na presente hipótese, o dispositivo da sentença exequenda é claro e categórico na fixação dos honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (fl. 126), não se depreendendo do título executivo qualquer ambiguidade ou espaço para interpretação conforme a fim de inserir no comando sentencial objeto de execução verbas supostamente relativas ao proveito declaratório, porquanto o parâmetro adotado (condenação) é absolutamente distinto de eventual proveito econômico almejado pela demandante, tanto que o novo ordenamento processual (CPC/2015) estabeleceu uma ordem para a fixação dos honorários, sendo que apenas na hipótese de inexistir condenação é que se cogitará do proveito econômico e caso não seja esse mensurável é que se considerará o valor atualizado da causa como base de cálculo dos honorários.
Esse entendimento foi sedimentado no âmbito da Segunda Seção desta Corte Superior no bojo do REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019, a qual definiu que a fixação dos honorários de sucumbência, sob a égide do CPC/201 5, sujeita-se à seguinte ordem de preferência:
(I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)
Assim, tal como referido pelo e. relator desta ação rescisória, "a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, viola, ainda, a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda".
Efetivamente, fora alterada a base de cálculo dos honorários advocatícios após o trânsito em julgado do título judicial, quando do julgamento de recurso especial interposto contra deliberação que acolheu impugnação ao cumprimento de sentença.
Nesse contexto, acompanha-se o e. relator quanto à procedência da ação rescisória por ofensa à coisa julgada e ao artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituindo-se o acórdão e a decisão monocrática proferida nos autos do REsp nº 1.360.424/MS, para em juízo rescisório, negar provimento ao recurso especial.
É o voto.
VOTO-VISTA
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de ação rescisória ajuizada por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S/A contra EDSON MACARI e LUIZ EPELBAUM, por meio da qual se pretende rescindir acórdão proferido pela 4ª Turma desta Corte por ocasião do julgamento do AgRg no REsp 1.360.424/MS, publicado no DJe de 11/03/2014.
Na petição inicial da ação rescisória (fls. 1/33, e-STJ), são deduzidas duas causas de pedir, a saber: (i) ofensa à coisa julgada, porque o acórdão rescindendo, ao incluir, na fase de cumprimento, o benefício econômico obtido pela parte com a tutela declaratória na base de cálculo dos honorários advocatícios, teria violado a sentença de mérito proferida na fase de conhecimento, que teria fixado os honorários advocatícios apenas com base no valor da condenação; (ii) violação de literal disposição de lei, pois o acórdão rescindendo, ao deixar de distinguir os diferentes regimes de fixação dos honorários advocatícios nas tutelas declaratória e condenatória, teria violado as regras do art. 20, §3º e 4º, do CPC/73, do art. 884 do CC/2002 e art. 5º, LIV, da CF/88.
Voto do e. Relator, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva: julgou procedente o pedido rescindente e, em juízo rescisório, negou provimento ao recurso especial, ao fundamento de que "a base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada", razão pela qual "a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda".
Voto do e. Min. Luís Felipe Salomão: abriu a divergência para julgar improcedente o pedido rescindente, ao fundamento de que, sendo lícito ao julgador interpretar o título executivo judicial para dele extrair seu verdadeiro sentido, não houve, no acórdão rescindendo, ofensa à coisa julgada ou à literal disposição legal, pois a tutela declaratória de quitação e a tutela condenatória de repetição do indébito eram indissociáveis, motivo pelo qual a locução "valor da condenação", existente no dispositivo da sentença, deve ser interpretada de modo amplo, compreendendo o proveito econômico integralmente obtido pela parte e não apenas o específico valor correspondente ao acolhimento do pedido de índole condenatória.
Em razão das especificidades da causa, pedi vista para melhor exame da controvérsia.
Revisados os fatos, decide-se.
01) Como ressaltado no voto do e. Relator, faz coisa julgada material o capítulo da sentença de mérito em que são arbitrados os honorários advocatícios de sucumbência, incluindo a definição da base de cálculo aplicável na hipótese.
02) Essa é a jurisprudência dominante desta Corte, com destaque para os seguintes precedentes de todas as Turmas do Superior Tribunal de Justiça em que a matéria é discutida: AgRg no REsp 1.132.780/PE, 3ª Turma, DJe 04/12/2014; AgRg no AgRg no REsp 1.345.685/RS, 2ª Turma, DJe 12/06/2013; AgRg no AI 1.376.807/SP, 4ª Turma, DJe 06/12/2012 e AgRg no Ag 1.071.289/RS, 1ª Turma, DJe 01/07/2009.
03) Na hipótese, a sentença proferida na fase de conhecimento havia condenado o autor tendo como base de cálculo o valor da condenação, de modo que esse critério não poderia ter sido alterado para o proveito econômico na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada.
04) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas vênias à divergência, adiro ao voto do e. Relator, no sentido de JULGAR PROCEDENTE a presente ação rescisória e, em juízo rescisório, negar provimento ao recurso especial.
VOTO VENCIDO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. Cuida-se de ação rescisória ajuizada em 9/8/2016 por Banco Boavista Interatlântico S.A., com fundamento no art. 966, IV e V, do CPC (arts. 485, IV e V, do CPC/1973), visando à desconstituição de acórdão da Quarta Turma, proferido no AgRg no REsp 1.360.424-MS, que confirmou a decisão monocrática desta relatoria, dando parcial provimento ao recurso especial para determinar que "os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença".
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido.
Interpostos embargos de divergência, foram indeferidos liminarmente, portanto sem exame do mérito.
O autor informa que, na origem, foi ajuizada "ação declaratória cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição do indébito e perdas e danos" em face do Banco autor e do Banco Brascan S.A., tendo sido julgado parcialmente procedente o pedido de declaração de nulidade das cláusulas do contrato de mútuo, em razão da cobrança indevida de juros, de comissão de permanência cumulada com correção monetária e da errônea aplicação da Taxa ANBID, condenando as entidades financeiras a restituírem o valor de R$ 2.800.769,63 e fixando os honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC/1973.
Acresce que os pedidos de danos material, moral, emergentes e lucros cessantes foram julgados improcedentes e que seu conteúdo econômico era muito superior aos que foram julgados procedentes, o que certamente foi levado em consideração por ocasião do arbitramento da verba sucumbencial.
Contudo, assevera que o primeiro réu, na fase de cumprimento de sentença, adicionou ao valor da condenação base de cálculo da verba honorária o valor do pedido declaratório de quitação da dívida, equivalente a R$ 13.270.722,60, o qual ainda foi atualizado com os encargos da dívida declarados nulos na ação originária, totalizando o montante de R$ 32.241.820,22 (valores de 2005).
Aduz que as impugnações ao cumprimento de sentença foram parcialmente acolhidas, em decisão confirmada pela Corte local.
Sustenta que a decisão rescindenda alterou a coisa julgada formada no processo de conhecimento, distorcendo e ampliando indevidamente o significado da expressão "valor da condenação", contida no referido artigo do CPC/1973 e reproduzida na parte dispositiva do título judicial exequendo (violação dos arts. 467 e seguintes do CPC/1973 e art. 5º, XXXVI, da Constituição da República), ao determinar, na fase de cumprimento de sentença, que o cálculo da verba honorária considerasse não somente o valor econômico do provimento condenatório (repetição de indébito), mas também o valor do provimento judicial declaratório (quitação da dívida).
Outrossim, segundo alega, o acórdão rescindendo teria violado os arts. 20, §§ 3º e 4º, do CPC de 1973, porquanto a fixação de honorários sucumbenciais, com fundamento no § 3º do artigo 20 do CPC/73 como ocorreu no caso em exame , não poderia adotar base de cálculo diversa do "valor da condenação", entendido como o valor correspondente ao conteúdo econômico da prestação imposta ao réu.
Entende que também houve a violação dos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilitou a fixação de honorários manifestamente exorbitantes (arts. 884 do CC e 5º, LIV, da Constituição da Federal).
Foi deferido o pedido liminar pelo eminente Ministro relator, para suspender a execução do julgado rescindendo até o julgamento final deste feito (fls. 2.066-2.072)
Os réus apresentaram contestação às fls. 2.104-2.428 e 2.430-2.510.
O Ministério Público Federal, em parecer às fls. 2.973-2.981, pugnou pelo provimento do pedido formulado na presente ação rescisória.
Na sessão de 12.8.2020, o eminente relator apresentou voto julgando procedente a ação rescisória, nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. ART. 20, § 3º, DO CPC/1973. TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. OFENSA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973.
2. A base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. No caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de
ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
4. Ação rescisória procedente.
O eminente Ministro Marco Buzzi revisor acompanhou o relator "quanto à procedência da ação rescisória por ofensa à coisa julgada e ao artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituindo-se o acórdão e a decisão monocrática proferida nos autos do REsp 1.360.424/MS, para em juízo rescisório negar provimento ao recurso especial".
Pedi vista antecipada dos autos para mais acurada análise.
É o relatório complementar.
2. Em um primeiro momento, faz-se mister empreender um breve escorço fático com o desiderato de melhor realçar a questão sob julgamento.
Inicialmente, EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A. - SANESUL ajuizou "ação declaratória cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição de indébito e perdas e danos" em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO INTERATLÂNTICO S.A. (este, o autor da presente ação rescisória), no início do ano de 1997.
É possível depreender dos autos iniciais que a autora da ação principal, premida pela carência de recursos para otimizar sua atividade essencial de abastecimento de água e esgoto sanitário à população e confiante que teria reciprocidade de tratamento com equilíbrio contratual, celebrou com o primeiro réu (da ação principal), em meados de 1994, contrato de empréstimo, recebendo a quantia mutuada de Cr$ 10.000.000.000,00 (dez bilhões de cruzeiros reais), correspondentes a R$ 5.993.263,57 (cinco milhões, novecentos e noventa e três mil, duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos).
A autora vinha mantendo os pagamentos, mas, com o desmedido acréscimo dos valores apresentados para cobrança e dos ônus que sempre lhe foram impostos, inconformou-se e muniu-se de subsídios, objetivando verificar a exatidão e a pertinência do montante já cobrado e do que ainda se pretendia cobrar, situação que ensejou algumas renegociações e consequentes aditivos.
Assim, com o primeiro aditivo, o primeiro réu cedeu para o segundo (autor da ação principal) metade dos direitos, dilatando-se o prazo de pagamento para 20 meses, ocasião em que foram novamente impostos juros remuneratórios sobre os já embutidos e mantido o indexador primitivo (Taxa ANBID).
O segundo aditivo foi firmado após inúmeras amortizações sucessivas, com novo desdobramento de prestações, determinando-se mais 18 prestações com o mesmo indexador e os mesmos juros de 2% ao mês, avençados desde a primeira contratação, ao tempo em que a inflação mensal oscilava em torno de 1% ao mês.
A autora da ação principal informa que foi, ainda, obrigada a manter caucionadas as contas dos consumidores, determinando-se à instituição financeira dos seus recursos Banco Bamerindus a provisão de recursos da arrecadação para satisfazer os valores que se tornassem vencidos, carta que outorgava poderes exorbitantes, até para efetuar pagamentos (em causa própria).
Dessa forma, os réus informaram à autora que iriam contra ela propor ação judicial caso não efetuados os pagamentos das onerosíssimas prestações, além de inscrevê-la no SERASA, com o bloqueio de sua conta no Banco Bamerindus, o que poderia levar à paralisação total dos serviços essenciais à população.
Assim, com o escopo de impedir a cristalização de tais ilegalidades, ingressou com a ação indicada acima, alegando em síntese: a) a nulidade dos indexadores que não refletissem a desvalorização da moeda; b) a nulidade dos índices de reajuste pela taxa ANBID; c) a capitalização indevida de juros; d) a devolução dos juros cobrados a maior; e) a impossibilidade de, em contrato de adesão, violar-se a comutatividade; f) a a possibilidade de revisar-se judicialmente contrato bancário; g) a violação do direito do consumidor; h) a caracterização da lesão, tendo em vista a ilegalidade da cobrança de encargos por mora não culposa; i) a repetição do indébito; j) a declaração de nulidade das cláusulas contratuais abusivas; k) a indenização por perdas e danos materiais e a compensação dos danos morais.
Deu-se à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) em janeiro de 1997.
Na sentença, proferida em janeiro de 2001, isto é, após o transcurso de quatro anos do ajuizamento da exordial, julgou-se parcialmente procedente o pedido, consoante se observa na transcrição do dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente, em parte, a ação Declaratória, c.c. Ordinária de Modificação de Cláusulas, Repetição de Indébito e Perdas e Danos promovida por SANESUL - EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A., em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., para declarar nulas as cláusulas contratuais que prevêem juros acima do limite constitucional de 12% ao ano e cobrança de comissão de permanência cumulada com a correção monetária, afastando a chamada Taxa ANBID.
Em consequência, declaro o direito da autora em ver a dívida corrigida pelo IGP-M com juros fixados em 12% ao ano, capitalizados anualmente, declarando também a dívida quitada, razão porque acolho o pedido de repetição de indébito para condenar os réus a restituírem à autora a importância de R$ 2.800.000.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), acrescidos de juros de 0,5% (meio por cento) ano mês (sic) e atualização monetária pelo mesmo índice a contar de 31.05.99, data em que o valor foi encontrado pelo perito oficial.
Julgo, outrossim, improcedentes os pedidos de condenação em dano material e moral, bem como em danos emergentes e lucros cessantes.
Acolho, por derradeiro, o pedido cautelar e confirmo a liminar reconhecendo a presença dos pressupostos que a ensejam, periculum in mora e fumus boni iuris.
Condeno os réus a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo-se ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC, levando-se em consideração também que a sua atuação deu-se também na ação cautelar de igual complexidade que a ação principal, devendo também aqueles suportar as custas processuais e honorários advocatícios do perito corrigidos a contar do efetivo desembolso.
.. (Fls. 125-127, g.n.)
Ambas as partes recorreram da sentença, que foi mantida pelo Tribunal local (fls. 129-142) em acórdão datado de setembro de 2002, assim ementado:
RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ORDINÁRIA DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PERDAS E DANOS - MÚTUO BANCÁRIO - DISCUSSÃO - CONTRATO DE ADESÃO - APLICAÇÃO DO CDC - ABUSO DE DIREITO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - CORREÇÃO MONETÁRIA - TAXA ANBID - SUBSTITUIÇÃO PELO IGP-M - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - EXCLUSÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - RECURSO IMPROVIDO.
Contrato de adesão: os contratos em que as cláusulas são preestabelecidas, não oportunizando ao contratante o direito de discussão trata-se de contrato de adesão, cabendo ao Poder Judiciário, a revisão das cláusulas consideradas leoninas, se porventura existirem.
A aplicação do CDC: havendo a prestação de serviços ou fornecimento de produtos (art. 2º, caput), não importando que o contratante seja pessoa física ou jurídica. O hábito de contratar não descaracteriza a hipossuficiência.
Abuso de direito: não se caracteriza o abuso de direito no fato de contratante, primeiramente, aceitar as condições impostas pelo contrato para, posteriormente, vir a juízo pleitear a sua revisão, uma vez que o princípio do pacta sunt servanda não pode prevalecer sobre a legislação em geral, caso fique caracterizado prática de ilegalidades.
Taxa de juros: o art. 192, § 3º, da CF/88 tem autonomia, cuja aplicabilidade não depende de futura regulamentação, mostrando-se correta a fixação da referida taxa no patamar de 12% ao ano.
Capitalização de juros: a capitalização de juros não é admitida, em se tratando de contrato de mútuo.
Correção monetária: a taxa ANBID não é fator de correção monetária porque traduz variações de custo primário de captação de depósitos a prazo fixo, trazendo em si, embutida, taxa de juros, devendo ser substituída pelo IGP-M/FGV, que bem reflete a inflação corrente.
Comissão de permanência: nos termos da Súmula 30 do STJ, a comissão de permanência não é admitida ante a inclusão da correção monetária.
Repetição de indébito: os valores cobrados a mais devem ser devolvidos, não pela aplicação do art. 965, do CPC, mas com base no art. 4º, § 3º, da Lei 1.521/51 (crimes contra a economia popular)
RECUSO ADESIVO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS - ALTERAÇÃO DE 0,5% PARA 1,0% - DANOS MORAIS, MATERIAIS, EMERGENTES E LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO DA MORA CULPOSA - RECURSO IMPROVIDO.
Limitação da taxa de juros: a questão da limitação da taxa de juros restou prejudicada, uma vez que restou decidida na apelação sobre a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88.
Juros na repetição do indébito: quando não convencionada pelas partes nos ternos do art. 1062, do CC, a taxa de juros moratórios será de 6% ao ano.
Danos morais, materiais, emergentes e lucros cessantes: os danos morais só são devidos à pessoa jurídica, quando atingida a honra objetiva perante terceiros. Para a aplicação dos danos morais, materiais e emergentes, se faz necessária a prova dos prejuízos. Não havendo prova, não há falar em fixação dos danos.
Ausência de mora culposa: a matéria que não fez parte do pedido inicial da ação, tampouco foi apreciada na sentença de primeiro grau, não é matéria a ser analisada em segundo grau.
Passo seguinte, SANESUL ingressou com embargos de declaração, tendo a Corte estadual negado-lhes provimento.
Após o Supremo Tribunal Federal dar provimento ao recurso extraordinário, afastando a limitação de juros de 12%, com a consequente redução do montante a ser repetido, ocorreu o trânsito em julgado em agosto de 2004. Em outras palavras, a duração do processo chegou a quase oito anos.
Em seguida (abril de 2005), iniciou-se a fase de cumprimento de sentença, inaugurada pelo advogado Edson Macari (ora réu da ação rescisória), na parte referente à condenação dos executados ao pagamento de honorários advocatícios, tendo sido oferecidas impugnações pelas instituições financeiras.
As impugnações foram acolhidas para declarar que o percentual dos honorários advocatícios devidos deveria incidir sobre o valor de R$ 1.397.519,03, data-base de 31.5.1999, reconhecendo-se, portanto, o excesso de execução, conforme decisão publicada em 11.11.2010 (fl. 29 dos autos do REsp 1.360.424/MS).
As partes interpuseram agravo de instrumento e, posteriormente, embargos de declaração. Contra essas decisões, ambas interpuseram recurso especial, tendo Edson Macari ainda apresentado recurso extraordinário. O recurso especial do ora autor da rescisória não foi admitido, ao passo que os recursos especial e extraordinário interpostos por Edson Macari tiveram admissibilidade positiva.
A matéria então veio ao Superior Tribunal de Justiça em recurso especial, ficando estabelecido que a interpretação do comando sentencial "valor da condenação" que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado e quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
O entendimento, tomado primeiro por decisão monocrática, foi referendado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, consoante se observa na transcrição da ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido.
Acrescente-se que o acórdão proferido pela Quarta Turma foi, ainda, objeto de embargos de divergência, indeferidos liminarmente pelo eminente Ministro João Otávio de Noronha, decisão essa mantida, em agravo regimental, pela Segunda Seção, com trânsito em julgado em 12.5.2015.
Em outras palavras, a fase executiva dos honorários advocatícios durou mais de dez anos! Caso se adicionasse, nesse período, a fase de conhecimento, são quase dezoito anos de duração processual, em que os ora recorridos se dedicaram, com total zelo profissional, interpondo os recursos e as defesas cabíveis e acompanhando o trâmite processual.
Acrescente-se que a ação principal, além da complexidade, com o exame de várias teses, também se revestia de natureza importantíssima, já que, com o resultado da demanda, com o reconhecimento da dívida quitada pela empresa pública de saneamento, possibilitou-se a manutenção do serviço de água e esgoto sanitário em prol da população da área atendida.
3. Na verdade, observada sempre a devida vênia, como se não bastassem todas as quatro instâncias do Judiciário terem sido percorridas, o autor pretende agora que a causa seja rejulgada, que o juízo da ação rescisória seja mais um degrau revisor.
Alega que o julgado rescindendo ofendeu a coisa julgada e violou literal disposição de lei, nos moldes do disposto no art. 485, IV e V, do CPC/1973, em que pese o fato de a exordial fundamentar-se no art. 966 do CPC/2015.
De fato, como o trânsito em julgado ocorreu antes do início de vigência do CPC/2015, as hipóteses de cabimento da ação rescisória seguem o regramento vigente no diploma processual anterior.
Não se pode olvidar que, objetivando resguardar o instituto da intangibilidade da coisa julgada e, por conseguinte, o princípio da segurança jurídica, o art. 485 do CPC/1973 (art. 966 do CPC/2015) enumera as estritas hipóteses de cabimento da ação rescisória, procedimento de natureza excepcional que visa à desconstituição de decisão transitada em julgado.
Observa-se, contudo, que a viabilidade da ação rescisória por violação literal de lei, como cediço, pressupõe ofensa direta e explícita, não se admitindo a mera afronta reflexa ou indireta.
Na hipótese vertente, retorna a esta Corte Superior a controvérsia sobre definir a extensão do comando contido na sentença transitada em julgado relativo à "condenação", para fins de aferição da base de cálculo de incidência dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Como tive a oportunidade de asserir outrora, quando do julgamento do recurso, o juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e o alcance do comando sentencial mediante a integração do dispositivo com a fundamentação.
Deveras, em linha de princípio, é plenamente possível que o juízo da liquidação interprete o título judicial para dele extrair seu real significado, considerando-se que tal providência não vulnera o princípio da fidelidade ao título pelo qual é regido o incidente, conforme estampado no art. 475-G do CPC/1973: "É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou".
Tal como adverte Araken de Assis, citando Almeida de Souza, "é liquidável na execução não só o que na sentença é expresso, mas tudo o que nela é virtualmente compreendido" (Manual da execução. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 294), de modo que, amiúde, será exigido do Juízo algum grau de investigação intelectiva, sempre dentro dos lindes traçados pelo título liquidando.
Especialmente em liquidações de sentença cujo comando não se revela infenso a duplo sentido ou ambiguidade, deve o magistrado adotar como interpretação, entre as possíveis, a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial.
Adotando-se tal providência, com a máxima vênia, não há falar em ofensa à coisa julgada, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada dele retira. Apenas se põe às claras o exato alcance da tutela antes prestada.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AGRAVANTE.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, inexiste ofensa à coisa julgada quando o magistrado, em sede de cumprimento de sentença, interpreta o título judicial para melhor definir seu alcance e extensão. Precedentes.
1.1. No caso em tela, restou assentado pelo Tribunal local que a condenação estipulada no título exequendo, bem como o modo de cálculo utilizado na liquidação do julgado, obedeceriam às diretrizes contidas no título executivo. Derruir tais conclusões demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte, cabe ao juiz, como destinatário da prova, indeferir as que entender impertinentes, sem que tal implique cerceamento de defesa. Rever as conclusões do órgão julgador quanto à suficiência das provas apresentadas demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência vedada pela Súmula 7 do STJ. Precedentes.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1281209/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 03/02/2020) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. PLANOS DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. AFASTADA. DEFINIÇÃO CLARA DO ALCANCE DA SUCUMBÊNCIA SEM MODIFICAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. FASE DE CONHECIMENTO ENCERRADA COM A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE PAGAR QUANTIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DOS DANOS MORAIS MAIS O MONTANTE ECONÔMICO DO PROCEDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR REALIZADO.
1. Cumprimento de sentença do qual se extrai o presente recurso especial interposto em 27/6/17. Autos conclusos ao gabinete em 25/1º/18. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em definir se há violação da coisa julgada, bem como qual a base de cálculo de honorários advocatícios sucumbenciais na procedência de pedidos de compensação de danos morais e de obrigação de fazer.
3. O juízo da execução pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, mas, nessa operação, nada pode acrescer ou retirar, devendo apenas aclarar o exato alcance da tutela antes prestada. Rejeitada a tese de violação da coisa julgada.
4. O art. 20, § 3º, do CPC/73 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material. Precedente específico.
5. Nos conflitos de direito material entre operadora de plano de saúde e seus beneficiários, acerca do alcance da cobertura de procedimentos médico-hospitalares, é inegável que a obrigação de fazer determinada em sentença não só ostenta natureza condenatória como também possui um montante econômico aferível.
6. O título judicial que transita em julgado com a procedência dos pedidos de natureza cominatória (fornecer a cobertura pleiteada) e de pagar quantia certa (valor arbitrado na compensação dos danos morais) deve ter a sucumbência calculada sobre ambas condenações. Nessas hipóteses, o montante econômico da obrigação de fazer se expressa pelo valor da cobertura indevidamente negada.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1738737/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) g.n.
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PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. CONVERSÃO DE BENEFÍCIO. DECESSO. INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL.
1. O juízo da execução exarou despacho determinando que se oficiasse à União para cumprir a parte líquida do julgado (pagar o auxílio-invalidez no valor equivalente a um dia de soldo de um subtenente) (e-STJ fl. 258).
2. O recorrente alega que recebia 30 diárias de asilado quando da conversão do benefício "diária de asilado" em auxílio-invalidez. Dessa forma, a interpretação do título executivo judicial deveria ser no sentido de determinar o pagamento de 30 diárias de suboficial.
3. O acórdão recorrido concluiu que o título executivo judicial, seja em sua fundamentação, seja no dispositivo, não se refere ao pagamento de 30 (trinta) diárias mensais ao militar reformado. O acórdão exequendo teria determinado expressamente o pagamento do auxílio-invalidez (e não da diária de asilado) no valor equivalente a "um dia de subtenente", que, posteriormente, em aclaratórios, foi alterado pela expressão "um dia de soldo de um subtenente" (e-STJ fl. 342).
4. Como texto, o dispositivo da sentença deve ser interpretado no juízo da liquidação. Para interpretar uma sentença, não basta a leitura de seu dispositivo, o qual deve ser integrado com a fundamentação, que lhe dá o sentido e o alcance. Precedentes.
5. O acórdão exequendo fixou o auxílio invalidez em uma diária do soldo de subtenente, ressalvando, entretanto, que, na legítima substituição da diária de asilado pelo auxílio-invalidez, não pode haver prejuízo patrimonial aos seus titulares, ou seja, é vedada a redução do valor do benefício. Esse é o entendimento que dever orientar o despacho do juízo de execução.
6. Recurso especial provido em parte.
(REsp 1.368.195/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe de 09/04/2013) g.n.
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AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TÍTULO EXECUTIVO. CRITÉRIO INTERPRETATIVO. CONFORMIDADE COM OS LIMITES DA LIDE.
1. "Havendo dúvidas na interpretação do dispositivo da sentença, deve-se preferir a que seja mais conforme à fundamentação e aos limites da lide, em conformidade com o pedido formulado no processo. Não há sentido em se interpretar que foi proferida sentença ultra ou extra petita, se é possível, sem desvirtuar seu conteúdo, interpretá-la em conformidade com os limites do pedido inicial" (REsp 818.614/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 20/11/2006).
2. Caso concreto em que a interpretação da sentença em conformidade com os limites da lide não ampara a pretendida inclusão dos adicionais de trabalho noturno e de alimentação nos cálculos exequendos.
3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1.199.865/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/8/2012, DJe de 24/8/2012) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS. SENTENÇA QUE OS FIXOU EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA. AUSÊNCIA DE VALOR DA CAUSA. INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. OFENSA A COISA JULGADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
I - No caso concreto, a sentença proferida em processo de habilitação de crédito em falência fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, sem que o habilitante houvesse indicado um "valor da causa".
II - A fim emprestar uma repercussão prática a esse título judicial e torná-lo exequível, é possível interpretá-lo de modo a considerar como "valor da causa" a quantia cuja habilitação era pleiteada, já que ela refletia o proveito econômico perseguido.
III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é cediça ao dispor que o processo de execução deve observar, fielmente, o comando sentencial inserido na ação de conhecimento transitada em julgado, sob pena de restar malferida a coisa julgada.
IV - Isso não significa, porém, que a sentença exequenda seja avessa à investigações ou interpretações. Muito pelo contrário. Se apenas a interpretação da lei pode revelar o seu real significado e extensão, também as decisões judiciais, leis dos casos concretos, reclamam esforço hermenêutico que revele o seu significado e extensão.
V - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.030.469/RO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe de 07/06/2010) g.n.
Vale lembrar o memorável magistério de Pontes de Miranda quanto à eficácia preponderante da sentença, no seguinte sentido: "não há nenhuma sentença que seja pura. Nenhuma é somente declarativa. Nenhuma é somente constitutiva. Nenhuma é somente condenatória. Nenhuma é somente mandamental. Nenhuma é somente executiva" (Tratado das Ações. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 124).
Trazendo o pensamento ponteano ao caso concreto, máxime quanto à interpretação da eficácia preponderante presente na decisão transitada em julgado, penso que efetivamente ocorreu a interpretação do título judicial para melhor definir o alcance e a extensão.
Veja-se o que consignou a decisão que acolheu as impugnações ao cumprimento de sentença apresentadas por Banco Brascan S.A. e Banco Boavista Interatlântico S.A.:
..
É necessário consignar também que quando do julgamento do Recurso Extraordinário interposto conjuntamente pelos ora impugnantes (fls. 99 dos autos 001.09.008151-0), o Supremo Tribunal Federal afastou a limitação de juros de 12% (doze por cento), o que culminou com a redução do montante a ser repetido, reduzindo-se, também, via de consequência, por óbvio, a base de cálculo dos honorários advocatícios.
A perícia realizada na fase de conhecimento (cópia às fls. 27/68 da execução), e que serviu de base para a condenação, também realizou os cálculos sem a limitação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, na forma como determinada pelo Supremo Tribunal Federal, encontrando o estudo, nessa hipótese, o valor de R$ 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos) na data base de 31/05/1999 (fls. 35 da execução). Portanto, sem necessidade de maiores digressões a respeito, dada a higidez da questão, esse é o valor a ser utilizado como base de cálculo para a contagem dos honorários.
.. (fl. 25)
Por sua vez, o Tribunal de origem assim se manifestou acerca da interpretação a ser conferida à expressão "condenação", contida na sentença exequenda, nos autos de agravo de instrumento manejado contra a decisão que acolheu as referidas impugnações ao cumprimento de sentença:
..
Já se percebe desde logo, portanto, em singela análise do título, que o impugnado, de fato, pretende outorgar ao capítulo da parte dispositiva da sentença uma interpretação elástica totalmente equivocada quando da elaboração dos cálculos que deram suporte ao procedimento de excussão, isto porque, como já afirmado, o "decisum" foi expresso em determinar que o percentual de honorários somente tem como base de cálculo o valor da condenação, ou seja, o montante a ser restituído pelos impugnantes à empresa representada pelo impugnado, e não sobre a parte declaratória do dispositivo (quitação da dívida), como pretendido pelo impugnado.
Ademais, o capítulo declaratório, como sabido e ressabido, não se traduz em proveito econômico algum propriamente dito, não tendo sido considerada na decisão, sequer implicitamente, como objeto de base de cálculo para fins de sucumbência. Seria o caso, quanto muito, de fixação da verba honorária, neste particular, nos moldes do § 4.º do art. 20 do Código de Processo Civil.
..
(fl. 332)
Em outras palavras, dos trechos acima transcritos, observa-se que a Corte a quo, não obstante o reconhecimento de quitação da dívida no bojo da ação de conhecimento, concluiu pela impossibilidade de incluir esse valor na base de cálculo dos honorários advocatícios.
Urge reiterar aqui que, todavia, consoante secundado pelo precedente de relatoria do eminente Ministro Castro Meira transcrito acima, " c omo texto, o dispositivo da sentença deve ser interpretado no juízo da liquidação. Para interpretar uma sentença, não basta a leitura de seu dispositivo, o qual deve ser integrado com a fundamentação, que lhe dá o sentido e o alcance" (REsp 1.368.195/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 2/4/2013, DJe de 9/4/2013).
Esse entendimento advém de notória regra de hermenêutica jurídica, deduzida do argumento pro subjecta materia, cristalizada no seguinte apotegma: Influi, para a interpretação e a aplicabilidade, o lugar em que um trecho está colocado, de modo a confrontar e procurar conciliar as disposições que se referem ao mesmo assunto, premissa evidentemente adotada, inclusive, na redação de textos jurídicos.
Em escólio lapidar, doutrina Carlos Maximiliano:
.. O valor de cada regra, ou frase, varia conforme o lugar em que se acha .. .
Denomina-se argumento pro subjecta materia o que se deduz do lugar em que se acha um texto .. . "Muitas disposições, observa Dupin, se as generalizassem, conduziriam ao erro os que se deixassem surpreender, visto deverem ser restringidas à rubrica sob a qual estão colocadas; legis mens, et verba ad titulum sub quo sita sunt, accommodanda, et pro subjecta materia vel amplianda vel restringenda" - "o sentido e as palavras da lei devem afeiçoar-se ao título sob o qual se acham colocados; ampliem-se ou restrinjam-se conforme o assunto a que estão subordinados".
..
Tomada a interpretação sob o aspecto formal ou técnico-sistemático, deve-se ter em vista, acima de tudo, o lugar em que um dispositivo se encontra. Especialmente das relações com os parágrafos vizinhos, o instituto a que pertence e o conjunto da legislação se deduzem conclusões de alcance prático, elementos para fixar as raias de domínio da regra positiva.
Até mesmo em se aplicando o processo sistemático de exegese, deve-se ter o cuidado de confrontar e procurar conciliar disposições que se refiram ao mesmo assunto ou à matéria semelhante, embora insertas em leis diversas.
O que caracteriza o verdadeiro jurisconsulto é exatamente a segurança com que descobre a norma apropriada para cada hipótese rara, enquanto os indoutos aplicam a regra geral a simples exceções, ou fazem pior: generalizam preceitos destinados só a estas, forçam analogias, transplantam disposições para terreno que as repele, enquadram os casos de certa categoria em artigos de lei feitos para relações dessemelhantes na essência. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 218 e 220) g.n.
4. A meu sentir, portanto, na hipótese em exame, a interpretação da sentença no juízo de liquidação, bem integrada com a fundamentação, demonstra que o valor declarado quitado também concerne à base de cálculos dos honorários de sucumbência. Isso porque, na fase de cognição, houve o reconhecimento de que a prática do réu (ora autor) agrediu o sistema jurídico, com manifesta ilegalidade no ajuste, por permitir benefício excessivo a ele em detrimento do sacrifício desmedido da autora, em razão da cobrança de encargos excessivos. Cristalizou-se, também, na sentença que a autora de há muito havia quitado o empréstimo, restando-lhe um crédito de R$ 2.800.000,00, e não um saldo devedor de mais de R$ 5.000.000,00 na época dos fatos, com parâmetro no contrato e nas taxas ilegais nele fixadas.
Na própria contestação da presente ação rescisória, informam os requeridos tal questão, que não foi sequer contraditada pelo autor:
"O conteúdo econômico da ação é pertinente, tendo que se reconhecer no processo de conhecimento que o requerente estava a exigir, ilegalmente, uma dívida inexistente de nada menos que R$ 13.270.722,60 (treze milhões, duzentos e setenta mil, setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos), apurada pela decisão singular em 31/05/1999, que hoje atualizada representaria a significativa importância de R$ 3.617,118.562,38 (três bilhões, seiscentos e dezessete milhões, cento e dezoito mil, quinhentos e sessenta e dois reais e trinta e oito centavos), além de ter exigido e recebido um excedente de R$ 1.395.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e cindo mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos), apurado pela perícia na mesma época, sem considerar nestes cálculos a ilegal TAXA ANBID como indexadora do contrato firmado entre as partes, considerada nula pela Súmula 176/STJ." (fls. 2.150-2.151)
Com efeito, a quitação e a restituição do indébito estão tão imbricadas na fundamentação que, no próprio dispositivo, o juízo singular declara a dívida quitada, razão por que acolhe o pedido de repetição de indébito.
É relevante lembrar, aqui, a célebre lição de Liebman ao esclarecer que é correto afirmar que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença, devendo-se dar, contudo, a essa parte a interpretação de sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não só a parte final da sentença, mas também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido os pedidos das partes.
Assim, no caso concreto, a interpretação do comando sentencial "valor da condenação" que melhor se harmoniza com a a fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
Com efeito, os precedentes abaixo bem conceituam que o valor da condenação fixado pelo art. 20, § 3º, do CPC deve ser entendido como o valor pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. PLANOS DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. AFASTADA. DEFINIÇÃO CLARA DO ALCANCE DA SUCUMBÊNCIA SEM MODIFICAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. FASE DE CONHECIMENTO ENCERRADA COM A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE PAGAR QUANTIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DOS DANOS MORAIS MAIS O MONTANTE ECONÔMICO DO PROCEDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR REALIZADO.
1. Cumprimento de sentença do qual se extrai o presente recurso especial interposto em 27/6/17. Autos conclusos ao gabinete em 25/1º/18. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em definir se há violação da coisa julgada, bem como qual a base de cálculo de honorários advocatícios sucumbenciais na procedência de pedidos de compensação de danos morais e de obrigação de fazer.
3. O juízo da execução pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, mas, nessa operação, nada pode acrescer ou retirar, devendo apenas aclarar o exato alcance da tutela antes prestada. Rejeitada a tese de violação da coisa julgada.
4. O art. 20, § 3º, do CPC/73 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material. Precedente específico.
5. Nos conflitos de direito material entre operadora de plano de saúde e seus beneficiários, acerca do alcance da cobertura de procedimentos médico-hospitalares, é inegável que a obrigação de fazer determinada em sentença não só ostenta natureza condenatória como também possui um montante econômico aferível.
6. O título judicial que transita em julgado com a procedência dos pedidos de natureza cominatória (fornecer a cobertura pleiteada) e de pagar quantia certa (valor arbitrado na compensação dos danos morais) deve ter a sucumbência calculada sobre ambas condenações. Nessas hipóteses, o montante econômico da obrigação de fazer se expressa pelo valor da cobertura indevidamente negada.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1738737/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEMANDA PROCEDENTE. BASE DE CÁLCULO. CPC/1973. VALOR DA CONDENAÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. VERBA EXCLUÍDA. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. MEIO COERCITIVO. COISA JULGADA MATERIAL. AUSÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 13/STJ.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se o valor da multa cominatória integra a base de cálculo da verba honorária disciplinada pelo CPC/1973.
2. O art. 20, § 3º, do CPC/1973 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre dez por cento (10%) e vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material.
3. A multa cominatória constitui instrumento de direito processual criado para a efetivação da tutela específica perseguida, ou para a obtenção de resultado prático equivalente, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, constituindo medida de execução indireta.
4. A decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. Precedente da Segunda Seção.
5. As astreintes, por serem um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afastam, na vigência do CPC/1973, da base de cálculo dos honorários advocatícios.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
(REsp 1367212/RR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 01/08/2017) g.n.
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VALOR DA CAUSA - AÇÃO DECLARATÓRIA.
A CIRCUNSTÂNCIA DE TRATAR-SE DE AÇÃO DECLARATÓRIA NÃO SIGNIFICA, POR SI, NÃO TENHA CONTEÚDO ECONÔMICO. PRETENDENDO-SE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE, RELATIVAMENTE A DETERMINADO NEGÓCIO, A SIGNIFICAÇÃO ECONÔMICA DESSE CORRESPONDERIA AO VALOR DA CAUSA.
(REsp 4.242/RJ, Rel. Ministro NILSON NAVES, Rel. p/ Acórdão Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/1990, DJ 22/10/1990, p. 11665)
Vê-se que os precedentes apontam que a sucumbência deverá ser calculada sobre ambas as condenações.
Indaga-se, portanto, qual era o montante econômico da questão litigiosa no caso em apreço. Ora, se a autora da fase de reconhecimento deixou de ser devedora de mais de R$ 5.000.000,00, tendo o empréstimo sido considerado quitado e ainda com direito à percepção do indébito, afigura-se indubitável o direito material pleiteado e, em consequência, o montante econômico da obrigação.
Registre-se, ainda, que a condenação transitada em julgado, ao fixar os honorários sucumbenciais, levou em conta o trabalho desenvolvido nas ações de rito ordinário e cautelar, inclusive foi considerada de igual complexidade em relação à principal, incidindo, obviamente, sobre o capítulo declaratório, a fortiori porque este também se traduz em proveito econômico, consoante se observa nos precedentes citados abaixo, ipsis litteris:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESOLUÇÃO DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. ACOLHIMENTO INTEGRAL DOS PEDIDOS. CULPA PELA RESCISÃO. SÚMULAS 05 E 07/STJ. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS EM DEMANDA COM CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. PROVEITO ECONÔMICO DO LITÍGIO. SOMA DO VALOR DOS PEDIDOS. ARBITRAMENTO NÃO EXAGERADO, OBSERVADAS AS ALÍNEAS DO PARÁGRAFO TERCEIRO DO ARTIGO 20 DO CPC. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1548222/MS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 19/11/2015) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AFRONTA AO ART. 779 DO CC. INDENIZAÇÃO APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS COM BASE NOS FATOS, NAS PROVAS DOS AUTOS E NO CONTRATO FIRMADO. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 3. OFENSA AO ART. 20, § 3º, DO CPC. SENTENÇA QUE EXCLUIU A QUANTIA LEVANTADA À TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA HONORÁRIA QUE DEVE INCIDIR SOBRE A TOTALIDADE DO PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO PELO AUTOR COM A AÇÃO INTENTADA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Consoante se extrai do acórdão de apelação, o Tribunal de origem analisou detidamente os prejuízos que deviam ser indenizados e que possuíam a cobertura da apólice de seguro. Não havia, portanto, nenhum defeito a ser sanado por meio de embargos de declaração, os quais, por isso mesmo, foram corretamente rejeitados. De se ver que esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que o mero descontentamento da parte com o resultado do julgado não configura afronta ao art. 535 do CPC. Ademais, nas razões do recurso especial, a recorrente não indicou precisamente em que teria consistido a omissão no acórdão, de modo que se aplica, no ponto, o enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Em relação à cogitada ofensa ao art. 779 do Código Civil, tem-se que o acórdão de apelação examinou minuciosamente o contrato firmado, os fatos, bem como as provas contidas nos autos, ocasião em chegou à conclusão de que deveria ser mantida a indenização fixada pela sentença de primeiro grau, entendimento este que não pode ser revisto por esta Corte por demandar interpretação de cláusulas contratuais e minucioso exame do conjunto fático-probatório, atraindo a incidência, respectivamente, dos enunciados nos 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
3. De acordo com o princípio da causalidade, a parte que deu causa à propositura da demanda deve responder pelos encargos dela decorrentes. Na hipótese, considerando-se que a recorrente teve que ingressar com a ação judicial também para se ver ressarcida da quantia incontroversa levantada no curso do processo à título de tutela antecipada, são devidos honorários advocatícios sobre a totalidade do proveito econômico obtido pela recorrente com a ação de cobrança, e não apenas sobre a diferença entre a indenização tida por devida em razão do sinistro ocorrido e o valor incontroverso depositado antecipadamente.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1523968/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 16/06/2015) g.n.
Por esses motivos, não vislumbro nenhuma ofensa à coisa julgada, máxime porque considero, conforme salientado alhures, que ocorreu a investigação e a interpretação do título formado na fase de conhecimento, mediante a integração do dispositivo com a fundamentação.
Registre-se, por oportuno, que, na época dos fatos, já vigia o entendimento segundo o qual os honorários advocatícios deveriam ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante, como se extrai dos seguintes precedentes, edificados inclusive com fulcro no art. 20, § 3º, do CP/1973:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING). CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. PROCEDÊNCIA EM PARTE. HONORÁRIOS. EFETIVO PROVEITO ECONÔMICO DA LIDE.
- Procedente em parte o pedido de consignação em pagamento, os honorários de sucumbência devem ser fixados em função do efetivo proveito econômico, consistente na diferença entre as pretensões das partes.
(AgRg no REsp 542.154/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2007, DJ de 16/04/2007, p. 181) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS MONITÓRIOS. PENALIDADE. ARTIGO 1.531 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXISTÊNCIA. DOLO. NECESSIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. PROVEITO ECONÔMICO DA AÇÃO.
I - Se a atuação da instituição financeira, conquanto censurável, não extrapolou os limites da culpa, fica desautorizada a aplicação da penalidade do artigo 1.531 do Código Civil de 1916, a qual exige que a cobrança excessiva tenha caráter doloso. Na hipótese, o banco ajuizou ação monitória e posteriormente, ao proceder à atualização do débito, percebeu que estava cobrando valor quase 6 (seis) vezes superior ao devido, e, imediatamente, corrigiu o equívoco.
II - Por terem fundamentos diferentes, o reconhecimento da litigância de má-fé não importa aplicação automática da penalidade do artigo 1.531 do estatuto revogado.
III - No caso de procedência dos embargos monitórios, os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o proveito econômico obtido, ou seja, a diferença entre o valor cobrado e aquele que se verificou ser efetivamente devido. O reconhecimento do excesso pelo credor, no ponto, equivale ao reconhecimento da procedência do pedido, nos termos do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 730.861/DF, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ de 13/11/2006, p. 252) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EXCIPIENTE. EXCLUSÃO. POLO PASSIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO EM VALOR IRRISÓRIO. INTERVENÇÃO DESTA CORTE. POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o valor arbitrado a título de honorários advocatícios pelo Tribunal local é considerado irrisório, tendo em vista os parâmetros orientadores das alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, a justificar a intervenção excepcional desta Corte.
2. Consoante a jurisprudência pacífica desta Corte Superior, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais pelo exequente em virtude do acolhimento de exceção de pré-executividade.
3. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de honorários advocatícios desde que se revele irrisório ou abusivo.
4. Na fixação dos honorários advocatícios, ainda que com fundamento no art. 20, §4º, do CPC/1973, deve-se levar em consideração as circunstâncias descritas no § 3º desse mesmo dispositivo legal, a saber: o grau de zelo profissional, o local da prestação de serviços, a natureza e importância da causa, o local da prestação do serviço e as dificuldades gerais apresentadas pelo processo.
5. A fixação da verba advocatícia pelo critério de equidade - a ser observado na hipótese - não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo-se adotar como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, ou mesmo ser estabelecida em valor fixo.
6. A jurisprudência desta Corte, levando em consideração os critérios definidos no § 3º do art. 20 do CPC/1973, tem reconhecido que se mostra irrisória a fixação da verba honorária em patamar inferior a 1% (um por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido na demanda, adotando, em regra, aquele percentual como piso mínimo para o arbitramento dos honorários.
7. Levando em consideração o parâmetro adotado pela jurisprudência desta Corte Superior, mostra-se razoável e adequada a fixação do valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) a título de honorários sucumbenciais no incidente de exceção de pré-executividade ora em exame, corrigido monetariamente a partir desta data.
8. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1348272/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 24/10/2017) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALORES IRRISÓRIOS. MAJORAÇÃO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o valor arbitrado a título de honorários advocatícios pelo Tribunal local é de tal modo irrisório, tendo em vista os parâmetros orientadores das alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, que justifique a intervenção excepcional desta Corte.
2. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de honorários advocatícios desde que se revele irrisório ou abusivo.
3. Ao reduzir o valor da verba honorária fixada na sentença, o Tribunal de origem dissentiu dos parâmetros adotados por esta Corte em casos análogos, justificando-se a intervenção excepcional a fim de, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixar a verba honorária em 1% (um por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido com a procedência parcial dos embargos à execução, este acrescido apenas de correção monetária.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1663463/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AFRONTA AO ART. 779 DO CC. INDENIZAÇÃO APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS COM BASE NOS FATOS, NAS PROVAS DOS AUTOS E NO CONTRATO FIRMADO. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 3. OFENSA AO ART. 20, § 3º, DO CPC. SENTENÇA QUE EXCLUIU A QUANTIA LEVANTADA À TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA HONORÁRIA QUE DEVE INCIDIR SOBRE A TOTALIDADE DO PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO PELO AUTOR COM A AÇÃO INTENTADA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Consoante se extrai do acórdão de apelação, o Tribunal de origem analisou detidamente os prejuízos que deviam ser indenizados e que possuíam a cobertura da apólice de seguro. Não havia, portanto, nenhum defeito a ser sanado por meio de embargos de declaração, os quais, por isso mesmo, foram corretamente rejeitados. De se ver que esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que o mero descontentamento da parte com o resultado do julgado não configura afronta ao art. 535 do CPC. Ademais, nas razões do recurso especial, a recorrente não indicou precisamente em que teria consistido a omissão no acórdão, de modo que se aplica, no ponto, o enunciado n.
284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Em relação à cogitada ofensa ao art. 779 do Código Civil, tem-se que o acórdão de apelação examinou minuciosamente o contrato firmado, os fatos, bem como as provas contidas nos autos, ocasião em chegou à conclusão de que deveria ser mantida a indenização fixada pela sentença de primeiro grau, entendimento este que não pode ser revisto por esta Corte por demandar interpretação de cláusulas contratuais e minucioso exame do conjunto fático-probatório, atraindo a incidência, respectivamente, dos enunciados nos 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
3. De acordo com o princípio da causalidade, a parte que deu causa à propositura da demanda deve responder pelos encargos dela decorrentes. Na hipótese, considerando-se que a recorrente teve que ingressar com a ação judicial também para se ver ressarcida da quantia incontroversa levantada no curso do processo à título de tutela antecipada, são devidos honorários advocatícios sobre a totalidade do proveito econômico obtido pela recorrente com a ação de cobrança, e não apenas sobre a diferença entre a indenização tida por devida em razão do sinistro ocorrido e o valor incontroverso depositado antecipadamente.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1523968/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 16/06/2015) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS MONITÓRIOS. PENALIDADE. ARTIGO 1.531 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXISTÊNCIA. DOLO. NECESSIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. PROVEITO ECONÔMICO DA AÇÃO.
I - Se a atuação da instituição financeira, conquanto censurável, não extrapolou os limites da culpa, fica desautorizada a aplicação da penalidade do artigo 1.531 do Código Civil de 1916, a qual exige que a cobrança excessiva tenha caráter doloso.
Na hipótese, o banco ajuizou ação monitória e posteriormente, ao proceder à atualização do débito, percebeu que estava cobrando valor quase 6 (seis) vezes superior ao devido, e, imediatamente, corrigiu o equívoco.
II - Por terem fundamentos diferentes, o reconhecimento da litigância de má-fé não importa aplicação automática da penalidade do artigo 1.531 do estatuto revogado.
III - No caso de procedência dos embargos monitórios, os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o proveito econômico obtido, ou seja, a diferença entre o valor cobrado e aquele que se verificou ser efetivamente devido. O reconhecimento do excesso pelo credor, no ponto, equivale ao reconhecimento da procedência do pedido, nos termos do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 730.861/DF, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ 13/11/2006, p. 252) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONCESSÃO DE LINHAS DE ÔNIBUS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. VALOR DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO DA DEMANDA. ALTERAÇÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Cuida-se, originalmente, de ação declaratória que visa à anulação de edital de licitação para concessão de serviço de transporte público coletivo de passageiros do Município de Nova Iguaçu, e à condenação da municipalidade na obrigação de fazer os levantamentos para eventual indenização das empresas que atualmente detêm contrato com a municipalidade para a prestação do referido serviço. As autoras atribuíram à causa o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
2. As instâncias ordinárias elevaram essa quantia, considerando contrato juntado aos autos pelas empresas/autoras, sob o fundamento de que o montante atribuído à causa, inclusive em ações declaratórias, deve corresponder ao conteúdo econômico que o autor pretende obter com a demanda.
3. A solução integral da controvérsia, suficientemente fundamentada, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
4. In casu, as empresas insurgiram-se contra a realização do certame, ajuizando a presente demanda, na qual alegam ameaça ao seu direito individual, uma vez que a licitação implica extinção indireta dos contratos em vigor. Pretendem, por via transversa, assegurar a manutenção do contrato de prestação de serviço de transporte público de passageiros que firmaram com o ente municipal.
Transcrevo, por oportuno, trechos da petição inicial: "A reunião de tudo isso deixa patenteado que, na hipótese, a pretensão autoral encontra apoio na ordem jurídica vigente, visto ser cabível, mediante tutela jurisdicional, evitar-se que venha se concretizar a ameaça de extinção indireta de contratos que se prenuncia inexorável, tendo em vista o modelo de outorga preconizado. (..) Na hipótese, a extinção indireta dos contratos em vigor é conseqüência imediata e direta do resultado da licitação e a realização desta, claro está, deu-se sem que os referidos princípios fossem respeitados, embora destinados a garantir direito fundamentais das Autoras. Manifesto, pois, o interesse das Autoras em evitar que se concretize a ameaça ao direito individual da cada uma que provém, diretamente, do resultado da licitação. (..) A inclusão das linhas operadas pelas autoras nas áreas de operação arroladas na Tabela II supra, para fins de licitação, implicará, na hipótese, a rescisão indireta e unilateral dos contratos ainda em vigor e em plena execução, conforme se destacou linhas acima, das que saírem vencidas do certame" (fls. 48-80/STJ).
5. Ainda que à primeira vista se trate de ação declaratória de anulação de edital de licitação, exsurge dos autos evidente proveito econômico indireto para as autoras em caso de procedência da demanda. O benefício econômico estimado corresponde ao valor do contrato cuja manutenção as empresas buscam, por via transversa, assegurar na presente lide.
6. É possível adequar o valor da causa, de ofício, quando constatada discrepância entre o benefício econômico pretendido pelo autor e o montante atribuído à causa. Precedentes do STJ.
7. Inviável em Recurso Especial reexaminar as circunstâncias fáticas que levaram o Tribunal a quo a reconhecer a hipótese de excepcionalidade necessária para a alteração de ofício do valor da causa. Aplicação da Súmula 7/STJ.
8. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no Ag 1415022/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 27/08/2012) g.n.
Em igual sentido, cite-se o posicionamento doutrinário, erigido na preeminente lição de Arruda Alvim ao bem conceituar o termo "valor da condenação", inserido no art. 20, § 3º, do CPC:
A incidência da faixa percentual da verba honorária prevista no artigo 20, § 3º, deverá ocorrer quando as sentenças forem emitidas em causas em que não haja condenação, o que eqüivale a dizer em causas de mera declaração ou constitutivas, ou em sentença que tenha dado pela improcedência. Nestas hipóteses inexistirá a base (valor da condenação) para a aplicação do percentual. Entretanto, a base deverá ser o valor do bem jurídico pleiteado e obtido; ou, inversamente (hipótese da improcedência) pretendido e não conseguido, o valor da pretensão"
..
"Onde está escrito valor da condenação, leia-se valor do bem pretendido, nas hipóteses de improcedência; ainda, nas ações constitutivas, entenda-se valor do benefício conseguido. Numa palavra, por valor da condenação compreendam-se essas outras modalidades, pois o legislador "dixit minus quam voluit". Há que se dar a este § 3º interpretação extensiva". (ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 188 e 191)
Em idêntico posicionamento, mencione-se o magistério de Theotonio Negrão:
Onde está escrito "valor da condenação", neste § 3º, deve-se ler conteúdo econômico da causa (art. 258). Atrelando a base de cálculo dos honorários aos valores em jogo, ter-se-á parâmetro seguro e isonômico para sua fixação, sem variações de acordo com a natureza da demanda e conforme esta seja julgada procedente ou improcedente. Aliás, não faz sentido reservar ao advogado do autor cifra representativa da parte do benefício econômico obtido em favor do seu cliente e destinar ao patrono do réu valor calculado em outras bases, que tragam como resultado final quantia menor do que aquela que seria recebida por seu adversário por ocasião do seu sucesso". (NEGRÃO, Theotonio; e GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil. 39 ed. São Paulo: Saraiva, p. 155)
Por fim, na relevante obra Honorários Advocatícios, assim se manifesta o Professor Yussef Said Cahali:
Daí deduzir-se que a sentença será condenatória não apenas quando estimada a condenação em valor econômico determinado desde logo; como, igualmente, no sentido de qualquer proveito patrimonial correspondente ao conteúdo da prestação reconhecida em benefício da pessoa do credor, segundo o direito material. (CAHALI, Yussef Said, Honorários Advocatícios, 4ª ed. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2011, pp. 295-297).
5. Assim, penso que também não houve nenhuma violação literal à disposição de lei, pelas mesmas razões assestadas acima.
Isso também porque, conforme amplamente desenvolvido no presente voto, o valor da condenação fixado pelo art. 20, § 3º, do CPC/1973 deve ser entendido como o valor pretendido pelo demandante, ou seja, como o montante econômico da questão litigiosa, que, no caso sob exame, claramente se revela com a utilização da base de cálculo dos honorários advocatícios acrescida da parte da dívida declarada quitada, por refletir, com exatidão, o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
Além disso, com base nessa premissa, urge reconhecer que houve apenas interpretação jurídica diferente da pretensão do autor, o que afasta qualquer violação literal da lei, máxime porque não se obteve êxito em comprovar a afronta direta e explícita, não se admitindo, conforme salientado outrora, para fins de ajuizamento de ação rescisória, a mera ofensa reflexa ou indireta.
A propósito:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A RESCISÃO DO JULGADO. PEDIDO IMPROCEDENTE.
1. A ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73 (vigente no momento da data da publicação do provimento jurisdicional impugnado), em razão da proteção constitucional à coisa julgada e do princípio da segurança jurídica.
2. Conforme orientação jurisprudencial do STJ, na Ação Rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC/73, a violação de lei deve ser literal, direta, evidente, dispensando o reexame dos fatos da causa, o que, contudo, não configura a hipótese dos autos.
3. Pedido rescisório improcedente.
(AR 3.730/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 01/09/2016) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELO ACÓRDÃO RESCINDENDO. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. OFENSA REFLEXA. IMPOSSIBILIDADE
1. Trata-se de ação rescisória fundada na alegação de erro de fato, por haver o acórdão rescindendo supostamente deixado de considerar a existência de portaria que reajustou as tabelas do SUS, pondo fim à ilegalidade reconhecida na condenação. Afirma a União, ainda, que tal erro causou enriquecimento sem causa para o Hospital, o que constitui violação da literalidade do art. 884 a 886 do Código Civil.
2. A rescisão de decisão judicial transitada em julgada com base no disposto no art. 485,VI, do CPC/73, atual 968, VIII, do CPC/2015, pressupõe que o fato cuja existência (ou inexistência) seja erroneamente admitida pelo acórdão tenha efeitos diretos na prolação da decisão judicial cuja rescisão é pretendida.
3. Não há erro de fato quando o acórdão deixa de se manifestar sobre fato que não integra o objeto da demanda. Hipótese em que o acórdão rescindendo não se manifestou acerca das portarias que alteraram a tabela do SUS, porque a fixação dos limites temporais da condenação do reajuste não fez parte do objeto do processo, somente tendo sido suscitada por ocasião do agravo regimental, que foi improvido por ausência de pré-questionamento.
4. "Eventual violação ao disposto no art. 884 do Código Civil (vedação de enriquecimento sem causa) seria reflexa ao reconhecimento ou não da limitação temporal do reajuste de 9,56% à edição da Portaria GM/MS 1.323/99, questão não apreciada no acórdão rescindendo" (AR 4.527/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 29/04/2013.).
5. A pretensão rescisória, fundada no art. 485, inciso V, CPC, conforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial, tem aplicabilidade quando o aresto ofusca direta e explicitamente a norma jurídica legal, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta. Nesse sentido: AR 1.192/PR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Primeira Seção, DJe 17/11/08.
Ação rescisória improcedente.
(AR 4.264/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 02/05/2016) g.n.
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO CONFIGURAÇÃO. JULGADO FUNDADO NA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. NOVO REJULGAMENTO DA CAUSA EM RESCISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO DE ÍNDOLE RESTRITA. DECISÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. Os embargos de declaração não se prestam para sanar o inconformismo da parte com o resultado desfavorável no julgamento ou para rediscutir matéria já decidida. Logo, o seu não acolhimento, quando manejados nesses termos, não acarreta ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil.
2. A violação a literal dispositivo de lei autoriza o manejo da ação rescisória apenas se do conteúdo do julgado que se pretende rescindir extrai-se ofensa direta a disposição literal de lei, dispensando-se o reexame de fatos da causa.
3. Demanda rescisória não é instrumento hábil a rediscutir a lide, pois é de restrito cabimento, nos termos dos arts. 485 e seguintes do CPC.
4. Decisão recorrida que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, tendo em vista a ausência de argumentos novos aptos a modificá-la.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 450.787/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 26/05/2014) g.n.
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Ação rescisória. Alegação de ofensa à lei.
Não viola a lei o acórdão que, em recurso especial, dirime a controvérsia, prestigiando a jurisprudência firmada no âmbito desta Corte sobre a matéria em discussão, sendo certo que o cabimento da ação rescisória, com fundamento no art. 485, V do CPC, pressupõe que a interpretação conferida ao texto legal, pela decisão rescindenda, represente violação de sua literalidade.
(AR 957/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/03/2000, DJ 14/08/2000, p. 132).
Não se pode olvidar, ainda, que, em consonância com o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, o ajuizamento de ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, do CPC/1973, depende da adoção, pela sentença rescindenda, de interpretação discrepante de tal forma que negue vigência ao dispositivo legal de forma literal, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda ou teratológica, não sendo cabível quando o julgado manifestar uma entre as interpretações possíveis.
Nesse sentido, citem-se os seguintes escólios:
AÇÃO RESCISÓRIA NO RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA DA ENCOL. TERMO LEGAL. DATA DO PRIMEIRO PROTESTO POR FALTA DE PAGAMENTO OU DATA DA DISTRIBUIÇÃO DO PEDIDO DE CONCORDATA PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO. NÃO CABIMENTO. ACÓRDÃO RESCINDENDO QUE OSTENTA EXPRESSO PRONUNCIAMENTO ACERCA DO FATO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI NÃO DEMONSTRADA. RAZOÁVEL INTERPRETAÇÃO DA NORMA. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
1. A ação rescisória fundada em erro de fato pressupõe que a sentença admita um fato inexistente ou considere inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial a esse respeito.
2. No caso em análise, o aresto rescindendo expressamente adotou a data do pedido de concordata como marco para a fixação do termo legal da falência, nos exatos moldes de disposição legal, ocorrendo, portanto, expresso pronunciamento judicial acerca do tema.
3. Do mesmo modo, não configurada a alegada violação a disposição literal de lei, pois, segundo o pacífico entendimento da doutrina e da jurisprudência desta Corte, "entende-se como "violação literal" a que se mostrar de modo evidente, flagrante, manifesto, não se compreendendo como tal a interpretação razoável da norma, embora não a melhor" (Teori Albino Zavascki, in Ação rescisória em matéria constitucional, Revista de Direito Renovar, nº 27).
4. O art. 14 do Decreto-Lei 7.661/45, pretérita Lei de Falências vigente à época dos fatos, previa que a sentença declaratória da falência deveria fixar, "se possível, o termo legal da falência, designando a data em que se tenha caracterizado esse estado, sem poder retrotraí-lo por mais de sessenta dias, contados do primeiro protesto por falta de pagamento, ou do despacho ao requerimento inicial da falência (arts. 8º e 12), ou da distribuição do pedido de concordata preventiva".
5. O ordenamento jurídico então vigente à época da falência da ENCOL não obrigava, como visto, o Magistrado sentenciante a adotar a data do primeiro protesto por falta de pagamento como marco para a fixação do termo legal da quebra, como alega a autora, não havendo falar, portanto, em violação a disposição literal de lei.
6. Ação rescisória improcedente.
(AR 3.662/GO, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA MATÉRIA NÃO APRECIADA EM APELAÇÃO. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA Nº 283 DO STF. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. O acórdão recorrido afirmou que a ação rescisória pretende rediscussão de matéria que não foi sequer apreciada em apelação, visto que o recurso não fora conhecido por deserção. Fundamento não impugnado. Súmula nº 283 do STF.
3. O ajuizamento de ação rescisória com fulcro no art. 485, V, do CPC/73 depende da adoção, pela sentença rescindenda, de interpretação discrepante de tal forma que negue vigência ao dispositivo legal de forma literal, não sendo cabível quando o julgado manifeste uma dentre as interpretações possíveis. Precedentes.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1603758/ES, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2020, DJe 12/06/2020) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO "EX EMPTO". ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128 E 460 DO CPC/73. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DO INDISPENSÁVEL PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF. AFIRMADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO E VÍCIOS INEXISTENTES. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC/73. FLAGRANTE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. CABIMENTO. OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE MALTRATO ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 1.136 DO CC/16. CUMPRIMENTO A CLÁUSULA DE INSTRUMENTO PÚBLICO DE COMPOSIÇÃO. EVIDENTE DESCOMPASSO ENTRE A ÁREA PROMETIDA E A ENTREGUE. APONTADA VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO QUE RECEBEU INTERPRETAÇÃO DIVERSA PELOS TRIBUNAIS PÁTRIOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Aplicabilidade das disposições do NCPC no que se refere aos requisitos de admissibilidade do recurso especial ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. A ausência do indispensável prequestionamento do tema federal impossibilita o conhecimento do recurso especial no que tange a alegada ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC/73. Aplicação, por analogia, das Súmulas nºs. 282 e 356 do STF.
3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional, tampouco em fundamentação deficiente, se o Tribunal de origem apreciou de maneira suficiente e fundamentada as questões que lhe foram deduzidas, apenas solucionando a controvérsia em sentido contrário a pretensão da recorrente. 4. O cabimento da ação rescisória com suporte no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada tivesse contrariado a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, sob pena de se perpetuar a discussão sobre matéria decidida e desrespeitar a segurança jurídica.
4.1. Autorizava-se o exercício da ação rescisória na hipótese porque ficou evidenciado que o ESTADO DE GOIÁS se obrigou, por instrumento público de transação ou composição, a entregar uma coisa certa por outra, com igual extensão de um alqueire goiano, mas a entregou em extensão substancialmente bem menor, superando, em muito, o limite de 1/20 estabelecido no parágrafo único do art. 1.136 do CC/16. Área entregue que nem sequer alcançou metade da estipulada como devida (48.400 m2), por isso, foi imposta a condenação a complementar a área faltante, no longíquo ano de 1953.
4.2. O dever de indenizar corretamente e a forma de cumprimento da obrigação estava tão clara e evidente no instrumento público, que os próprios representantes do ESTADO DE GOIÁS declararam expressamente em juízo que a intenção do ente público nada mais era do que substituir um alqueire goiano de terras por outro desdobrado em lotes, e que se assim não fosse, não teriam subscrito a escritura pública de composição e desistência de direitos, que dava cumprimento à cláusula onerativa da doação primitiva. 4.3. A constatação da flagrante violação a comando legal pelo acórdão rescindendo não exigiu interpretação de cláusula contratual ou reexame ou valoração de matéria probatória, tendo sido possível constatar sem maior esforço interpretativo que o negócio jurídico se realizou vinculadamente a medidas de glebas de terras dadas em transação, o que não permite a sustentação de que a referência da área foi meramente enunciativa. Inaceitabilidade de negócio com cláusula "ad corpus", até porque não expressa.
5. A jurisprudência desta eg. Corte Superior continua firme no entendimento de que o apelo nobre não constitui via adequada para a análise de eventual ofensa a enunciado sumular, por não estar ele compreendido no conceito de lei federal, constante da alínea a do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal. Precedentes.
6. O conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, exige, além da demonstração e comprovação do dissídio jurisprudencial, a indicação de qual dispositivo legal teria sido violado ou objeto de interpretação divergente, entre o acórdão impugnado e os paradigmas, sob pena de incidência, por analogia, da Súmula nº 284 do STF. Precedentes.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1750556/GO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) g.n.
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PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.
1. Pretende a autora a rescisão de acórdão da Primeira Turma que determinou a aplicação do IPC como índice de correção monetária a ser observado para os expurgos inflacionários dos Planos Bresser (junho de 1987), Collor I (maio de 1990) e Collor II (fevereiros de 1991).
2. A Corte Especial, em razão do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, tem afastado a incidência da Súmula 343/STF nos casos em que a interpretação controvertida diz respeito a texto constitucional.
3. Em casos semelhantes, a Suprema Corte tem provido os recursos extraordinários interpostos pela CEF para afastar a aplicação da Súmula 343/STF às ações rescisórias sobre correção monetária de contas vinculadas ao FGTS, determinando o retorno dos autos para prosseguimento do feito. Não incidência da Súmula 343/STF.
4. Por não se tratar de sucedâneo de recurso, a ação rescisória só tem lugar em casos de flagrante transgressão à lei. O fato de o julgado haver adotado a interpretação menos favorável à parte, ou mesmo a pior dentre as possíveis, não justifica o manejo daquela demanda. Não se cuida de via recursal com prazo de dois anos. Precedentes.
5. A simples adoção da interpretação menos comum não constitui vício capaz de desconstituir o julgado, não obstante o atual posicionamento da jurisprudência (Súmula 252/STJ) no sentido de reconhecer que as diferenças de correção monetária dos saldos das contas do FGTS se limitam a janeiro de 1989 (42,72% - IPC) e abril de 1990 (44,80% - IPC).
6. Pedido rescisório improcedente.
(AR 1.545/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 01/10/2010) g.n.
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AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DA AUTORA EM VER RECONHECIDA A SUA QUALIDADE DE ÚNICA HERDEIRA DE PESSOA FALECIDA NO BRASIL. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.
- Há erro de fato, a justificar a propositura da ação rescisória, quando a sentença admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. É indispensável, tanto num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato (art. 485, inc. IX, parágrafos 1º e 2º, do CPC). Requisitos não ocorrentes na espécie. Controvérsia, ademais, que se restringe a questão de direito.
- Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, prospere, é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se "recurso" ordinário com prazo de interposição de dois anos (REsp nº 9.086-SP).
- A ação rescisória não se destina a revisar a justiça da decisão.
Ação julgada improcedente.
(AR 464/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/05/2003, DJ 19/12/2003, p. 310) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA: VIA IMPUGNATIVA ANGUSTA.
VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL EM SUA LITERALIDADE: INOCORRÊNCIA. SUSCITAÇÃO DE INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: FACULDADE DO MAGISTRADO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
I - PARA QUE A AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 485, V, DO CPC, PROSPERE É NECESSÁRIO QUE A INTERPRETAÇÃO DADA PELO "DECISUM" RESCINDENDO SEJA DE TAL MODO ABERRANTE, QUE VIOLE O DISPOSITIVO LEGAL EM SUA LITERALIDADE. SE, AO CONTRÁRIO, O ACÓRDÃO RESCINDENDO ELEGE UMA DENTRE AS INTERPRETAÇÕES CABÍVEIS, AINDA QUE NÃO SEJA A MELHOR, A AÇÃO RESCISÓRIA NÃO MERECE VINGAR, SOB PENA DE TORNAR-SE "RECURSO" ORDINÁRIO COM PRAZO DE "INTERPOSIÇÃO" DE DOIS ANOS. "IN CASU", O ACÓRDÃO RESCINDENDO DEU AO DISPOSITIVO LEGAL INTERPRETAÇÃO NÃO APENAS ACEITÁVEL (O QUE BASTA PARA QUE ELE NÃO SEJA RESCINDIDO), MAS SIM A MELHOR, PELO QUE A AÇÃO RESCISÓRIA MERECIDAMENTE NÃO TEVE SUCESSO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL ESTADUAL. PRECEDENTE DO STJ: AR N. 208/RJ.
PRECEDENTES DO STF: RE N. 50.046 E ERE N. 78.314/RJ.
II - O VOCÁBULO "COMPETE" INSERTO NO "CAPUT" DO ART. 476 DO CPC NÃO EQUIVALE A "DEVE", MAS SIM A "PERTENCE POR DIREITO". PORTANTO, O MAGISTRADO NÃO TEM A OBRIGAÇÃO DE SUSCITAR O INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, MAS SIM A FACULDADE DE FAZÊ-LO. PRECEDENTES DA CORTE: RESP N. 3.835/PR, RMS N. 4.270/SP E RESP N. 52.107/SP.
III - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
(REsp 9.086/SP, Rel. Ministro ADHEMAR MACIEL, SEXTA TURMA, julgado em 29/04/1996, DJ 05/08/1996, p. 26424) g.n.
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Ação rescisória. Ação regressiva da seguradora. Precedentes da Corte.
1. A Corte já assentou que a violação "há de ser aberrante (AR nº 464/RJ, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 19/12/03), extravagante (AgRg na AR 1.882/SC, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 19/12/03), direta e não deduzível a partir de interpretações possíveis (EDcl na AR nº 720/PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/2/03), ultrapassar o limite do razoável e beirar o extravagante (AgRg na AR nº 1.854/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 2/9/02). Não se enquadra nesse cenário a sentença que entende, nos termos do art. 22 da Lei nº 4.591/64, que somente é permitida a reeleição por uma única vez" (REsp nº 595.874/DF, da minha relatoria, DJ de 6/9/04).
2. No caso, não agride o art. 988 do antigo Código Civil, a ponto de justificar a ação rescisória, a interpretação de que pertinente a ação regressiva se a transação ocorreu após o pagamento efetuado pela seguradora relativo ao conserto do veículo.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp 657.154/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2006, DJ 16/04/2007 p. 183). g.n.
Verifica-se, assim, que a simples adoção de interpretação que desagrada o requerente não constitui vício capaz de desconstituir o julgado, não justificando sequer o manejo da ação rescisória.
Como ressaltado pelo Ministro Herman Benjamin no julgamento da AR 1.596/PR, "a Ação Rescisória é inviável para examinar a justiça ou a injustiça da decisão transitada em julgado, tampouco é instrumento de uniformização de jurisprudência. Suas hipóteses são taxativas".
6. Deve-se ressair, ainda, que o autor aponta que ninguém melhor do que o próprio órgão prolator das decisões exequendas o TJMS para interpretar o alcance da coisa julgada no que diz respeito à fixação da verba honorária. Aduz, também, que, a rigor, o STJ não poderia sequer interpretar o título, sob pena de violar-se o art. 105, III, "a" da CF, com fundamento da Súmula 7 do STJ, que obstaria o conhecimento do apelo nobre.
Não obstante, foi a própria Constituição Federal que outorgou, entre os relevantes papéis do Superior Tribunal de Justiça, a função revisora dos julgados dos Tribunais estaduais e dos Tribunais Regionais Federais.
Ademais, conforme salientado outrora, não há falar em violação do art. 105, III, "a", da CF ou de aplicação da Súmula 7 do STJ, quando da apreciação do recurso especial objeto da presente rescisória, visto que a hipótese versa sobre a interpretação de título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, nos moldes dos precedentes citados.
Inclusive, apenas para aclarar essa questão, no próprio acórdão concernente ao AgRg no REsp 1.360.424 - MS, asseverou-se que os precedentes trazidos à colação pelos agravantes (um deles, o ora autor) diziam respeito à impossibilidade de revisão, em recurso especial, dos cálculos apresentados na execução (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.407.710/RS e Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 23.739/SC), não guardando nenhuma similitude com a questão discutida no recurso especial.
O autor sustenta ainda que, se pretendesse levar em conta o "proveito econômico", os honorários teriam sido fixados, na verdade, em favor dos advogados dos bancos, ante a possibilidade de compensação.
Não se pode olvidar, contudo, que, consoante amplamente assestado, houve o reconhecimento inequívoco de cobrança ilegal praticada pela instituição financeira, tanto que tal situação ensejou o reconhecimento da manifesta ilegalidade no ajuste, por permitir benefício excessivo ao banco em detrimento de sacrifício desmedido da autora na fase de conhecimento, em razão da cobrança de encargos ilegais e excessivos.
Em suma, configura verdadeira absurdez, no plano lógico-jurídico, entender, por exemplo que, por causa de o dano moral (entre outros) ter sido negado à autora da fase de conhecimento, tal situação importaria em honorários advocatícios em montante superior ao dos advogados das instituições financeiras. Até porque, como dito acima, a autora passou da condição de devedora de milhões para beneficiária, de modo que, justamente para evitar esse tipo de discrepância, é que os honorários sucumbenciais, no presente caso, devem ter como base de cálculo o valor cobrado pelas instituições financeiras indevidamente, já que anteriormente quitado.
Rememore-se, nesse ponto, a fundamentação adotada pelo juízo de piso: "Entendo que isso não é o correto, pois, se a economia de mercado propicia essa interpretação, compete à Lei disciplinar a voracidade com o que o sistema financeiro avança sobre o patrimônio dos que contratam com as instituições de crédito, pois ao contrário estará oficializada a usura".
O autor defende, por fim, ofensa aos arts. 884 do CC e 5º, LIV, da CF, já que o acórdão rescindendo violou manifestamente os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes.
Todavia, o debate acerca do valor excessivo ou irrisório da verba honorária não comporta apreciação na ação rescisória, na forma da jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Aliás, não é possível afirmar sequer que a ausência de razoabilidade ou de proporcionalidade na fixação dos honorários constitui violação "literal" de dispositivo da lei, como exigia o artigo 485, V, do Código de Processo Civil de 1973.
Nesse sentido, observem-se os seguintes escólios:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. AÇÃO RESCISÓRIA. VERBA HONORÁRIA EXCESSIVA OU IRRISÓRIA FIXADA EM COISA JULGADA. ART. 20, § 3º E § 4º, CPC/1973. NÃO CABIMENTO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A ação rescisória não é o instrumento adequado para discutir ou a irrisoriedade ou a exorbitância da verba honorária.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1450391/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 19/08/2019) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA EM QUE SE DISCUTE FIXAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA. DEBATE ACERCA DO VALOR, SE EXCESSIVO OU IRRISÓRIO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 20 E 485, V, DO CPC. DESCABIMENTO.
"Não cabe ação rescisória para discutir a irrisoriedade ou a exorbitância de verba honorária. Apesar de ser permitido o conhecimento de recurso especial para discutir o quantum fixado a título de verba honorária quando exorbitante ou irrisório, na ação rescisória essa excepcionalidade não é possível já que nem mesmo a injustiça manifesta pode ensejá-la se não houver violação ao direito objetivo. Interpretação que prestigia o caráter excepcionalíssimo da ação rescisória e os valores constitucionais a que visa proteger (efetividade da prestação jurisdicional, segurança jurídica e estabilidade da coisa julgada - art. 5º, XXXVI, da CF/88)." Precedente: REsp 1.217.321/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/10/2012, DJe 18/03/2013.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 320.149/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 26/08/2013) g.n.
PROCESSO CIVIL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITOS. DECRETO-LEI 7.661/45.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RESCISÓRIA.
I - A sentença havida no processo de habilitação de crédito em falência (Decreto-lei 7.661/45), é de natureza meramente declaratória, quando reconhece a existência de crédito inferior àquele indicado pelo habilitante, implica sucumbência parcial.
II - A fixação dos honorários advocatícios feita com base no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, não impõe ao juiz a adoção de um critério específico, podendo ocorrer diretamente pelo arbitramento de um valor certo ou, indiretamente, pela adoção de um percentual sobre o valor da condenação ou da causa.
III - O artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, indicado como violado na ação rescisória, não estabelece nenhum parâmetro legal objetivo para a fixação dos honorários, mas um critério de equidade, ordem subjetiva por excelência. Não é possível afirmar, portanto, que a ausência de razoabilidade ou de proporcionalidade na fixação dos honorários constituam uma violação "literal" ao dispositivo da lei, como está a exigir o artigo 485, V, do Código de Processo Civil.
Recurso Especial improvido
(REsp 827.288/RO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 22/06/2010) g.n.
Outrossim, além de o art. 5º, LIV, da CF destoar completamente do caso concreto, acentua-se que não é permitido ao Superior Tribunal de Justiça adentrar na competência do Supremo Tribunal Federal, nem mesmo para prequestionar matéria constitucional:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. A inexistência de omissão, contradição, obscuridade ou de erro material impede o acolhimento dos embargos de declaração.
2. A atribuição de efeitos infringentes é possível apenas excepcionalmente, quando, observada a presença de omissão, contradição ou obscuridade, sana-se o vício e a decisão, por consequência, é alterada.
3. Ao Superior Tribunal de Justiça não é permitido adentrar na competência do Supremo Tribunal Federal, sequer para prequestionar matéria constitucional suscitada em sede de embargos de declaração, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Constituição Federal.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no AgRg nos EDcl na AR 4.700/PI, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 21/05/2014) g.n.
Em verdade, penso que os argumentos engendrados na rescisória ostentam mero inconformismo com a decisão rescindenda, exsurgindo, portanto, a feição de sucedâneo recursal, sem olvidar-se o fato de o próprio decisum apresentar fundamento congruente com a legislação pátria.
7. Ante o exposto, com a máxima vênia, voto pela improcedência do pedido formulado na presente ação rescisória e condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com as consequências daí decorrentes em relação ao depósito.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Luis Felipe Salomão julgando improcedente a ação rescisória, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira, decide a Segunda Seção, por maioria, julgar procedente a ação rescisória para negar provimento ao recurso especial, nos termos dos votos dos Srs. Ministros Relator e Revisor. Os Srs. Ministros Marco Buzzi (Revisor), Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Nancy Andrighi, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino votaram com o Sr. Ministro Relator.
Vencidos os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Isabel Gallotti.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de ação rescisória, com pedido de tutela antecipada, proposta em 9/8/2016, por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), objetivando desconstituição de acórdão da Quarta Turma, prolatado no REsp nº 1.360.424/MS (e-STJ fls. 1.869-1.924), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, que conferiu provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI.
Noticiam os autos que Sanesul - Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul S.A. - propôs, em 1997, a denominada "ação declaratória, cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição de indébito e perdas e danos" contra o Banco Brascan S.A. e o autor da presente ação rescisória, afirmando que celebrou contrato de empréstimo em valor correspondente a R$ 5.993.263,57 (cinco milhões novecentos e noventa e três mil duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos) e que, mesmo após algumas renegociações, não conseguiu mais arcar com o pagamento das prestações em virtude dos altos encargos praticados (e-STJ fls. 49-115).
Na referida ação foram formulados os seguintes pedidos:
"(..)
10.1- QUANTO À AÇÃO DECLARATÓRIA
a) declarar ilegal e inconstitucional a cobrança de juros acima do limite de 12% ao ano e bem assim que o lucro bancário da operação não pode em qualquer caso superar 20% do custo de captação, na forma da Lei;
b) declarar ilegal a cobrança de juros capitalizados para a modalidade de mútuo contratado;
c) declarar ilegal a utilização do indexador TAXA ANBID como fator de correção da moeda sobre todos os saldos devedores e parcelas cobradas, e declarando legal o IGP-M desde o 1º contrato;
d) declarar ilegal a cobrança de multa e comissão de permanência sobre as prestações que já contém juros remuneratórios embutidos e bem assim a cobrança de novos juros remuneratórios sobre as parcelas já incrementadas, por si, e pela inexistência de mora culposa;
e) declarar nulas as respectivas cláusulas contratuais do contrato original e suas renegociações, cujas ilegalidades e potestatividade forem reconhecidas, tal como exposto nesta inicial e pedido;
f) declarar serem indevidas as multas e comissões de permanência cobradas, em razão do atraso ter decorrido do excesso de cobrança praticado pelos Réus, ou, se devidos, determinar a sua incidência sobre o principal atualizado, sem os juros;
g) declarar o caráter potestativo das cláusulas objeto das declarações acima, ex vi do artigo 115 do Código Civil, e dos dispositivos pertinentes do Código de Defesa do Consumidor e ainda em face do artigo 11 do Decreto 22.626/33 e artigo 4º letra "b" da Lei 1521/51 e par. 2º do art. 192 da Constituição Federal e Lei de Usura;
10.2- QUANTO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO
a) condenar os Réus a devolver à Autora, as quantias pagas não só indevidamente como também à maior, em consonância com as declarações acima (item 10.1);
b) corrigir a quantia a ser restituída, a partir dos indevidos desembolsos, pelo IGP-M, e mais os juros à taxa de 12% ao ano, até o efetivo pagamento;
10.3- QUANTO À MODIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS
a) reduzir a cobrança de encargos (juros e outros acréscimos) que seriam os lucros do Réu a 20% (vinte por cento) sobre a taxa de captação de CDB"s no mercado para bancos de primeira linha ou à variação do IGP-M e juros não capitalizados de 12% ao ano, o que for menor;
b) adaptar o contrato aos pedidos declaratórios formulados no item 10.1;
10.4- QUANTO ÀS PERDAS E DANOS
a) condenar os Réus por danos morais, consoante o prudente arbítrio deste MM. Juízo, porém, valorado em pelo menos 100 (cem) vezes o total da restituição apurada e atualizada até o efetivo pagamento;
b) condenar os Réus por danos materiais, mediante a aplicação da 1ª parte do artigo 1.531 do Código Civil, e mais os danos emergentes e os lucros cessantes, seja pelo ônus de contratação de empréstimos junto a instituições financeiras para pagar os excessos cobrados pelos Réus, seja pela perda da aplicação financeira dos recursos que estariam disponíveis;
10.5- determinar a compensação de débitos e créditos até onde efetivamente se compensarem, com a conseqüente quitação da dívida no limite encontrado;
10.6- condenar os Réus nas custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação" (e-STJ fls. 113-115 - grifou-se).
Propôs, ainda, "medida cautelar inominada de depósito" a fim de depositar a quantia mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para afastar os efeitos da mora.
O juízo de primeiro grau, em julgamento conjunto com a precedente ação cautelar, proferiu sentença com o seguinte dispositivo:
"(..) julgo procedente, em parte, a ação Declaratória, c.c. Ordinária de Modificação de Cláusulas, Repetição de Indébito e Perdas e Danos promovida por SANESUL - EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A., em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO BOAVISTA INTER-ATLÂNTICO S.A., para declarar nulas as cláusulas contratuais que prevêem juros acima do limite constitucional de 12% ao ano e cobrança de comissão de permanência cumulada com a correção monetária, afastando a chamada Taxa ANBID.
Em conseqüência declaro o direito da autora em ver a dívida corrigida pelo IGP-M com juros fixados em 12% ao ano, capitalizados anualmente, declarando também a importância de R$ 2.800.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), acrescidos de juros 0,5% (meio por cento) ano mês e atualização monetária pelo mesmo índice a contar de 31.05.99, data em que o valor foi encontrado pelo perito oficial.
Julgo, outrossim, improcedentes os pedidos de condenação em dano material e moral, bem como em danos emergentes e lucros cessantes.
Acolho, por derradeiro, o pedido cautelar e confirmo a liminar reconhecendo a presença dos pressupostos que a ensejam, periculum in mora e fumus boni iuris.
Condeno os réus a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC, levando em consideração também que a sua atuação deu-se também na ação cautelar de igual complexidade que a ação principal, devendo também aqueles suportar as custas processuais e honorários do perito corrigidos a contar do efetivo desembolso" (e-STJ fls. 125-127 - grifou-se).
A sentença foi mantida pelo Tribunal local em acórdão assim ementado:
"RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ORDINÁRIA DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PERDAS E DANOS - MÚTUO BANCÁRIO - DISCUSSÃO - CONTRATO DE ADESÃO - APLICAÇÃO DO CDC - ABUSO DE DIREITO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - CORREÇÃO MONETÁRIA TAXA ANBID - SUBSTITUIÇÃO PELO IGP-M - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - EXCLUSÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - RECURSO IMPROVIDO.
Contrato de adesão: os contratos em que as cláusulas são preestabelecidas, não oportunizando ao contratante o direito de discussão trata-se de contrato de adesão, cabendo ao Poder Judiciário, a revisão das cláusulas consideradas leoninas, se porventura existirem.
A aplicação do CDC: havendo a prestação de serviços ou fornecimento de produtos (art. 2º, caput), não importando que o contratante seja pessoa física ou jurídica. O hábito de contratar não descaracteriza a hipossuficiência.
Abuso de direito: não se caracteriza o abuso de direito no fato de a contratante, primeiramente, aceitar as condições impostas pelo contrato para, posteriormente, vir a juízo pleitear a sua revisão, uma vez que o princípio do pacta sunt servanda não pode prevalecer sobre a legislação em geral, caso fique caracterizado prática de ilegalidades.
Taxa de juros: o art. 192, § 3º, da CF/88 tem autonomia, cuja aplicabilidade não depende de futura regulamentação, mostrando-se correta a fixação da referida taxa no patamar de 12% ao ano.
Capitalização de juros: a capitalização de juros não é admitida, em se tratando de contrato de mútuo.
Correção monetária: a taxa ANBID não é fator de correção monetária porque traduz variações de custo primário de captação de depósitos à prazo fixo, trazendo em si, embutida, taxa de juros, devendo ser substituída pelo IGP-M/FGV, que bem reflete a inflação ocorrente.
Comissão de permanência: nos termos da Súmula 30 do STJ, a comissão de permanência não é admitida ante a inclusão da correção monetária.
Repetição de indébito: os valores cobrados a mais devem ser devolvidos, não pela aplicação do art. 965, do CPC, mas com base no art. 4º, § 3º, da Lei 1.521/51 (crimes contra a economia popular).
RECURSO ADESIVO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS - ALTERAÇÃO DE 0,5% PARA 1,0% - DANOS MORAIS, MATERIAIS, EMERGENTES E LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO DA MORA CULPOSA - RECURSO IMPROVIDO.
Limitação da taxa de juros: a questão da limitação da taxa de juros restou prejudicada, uma vez que restou decidida na apelação sobre a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88.
Juros na repetição do indébito: quando não convencionada pelas partes, nos termos do art. 1062, do CC, a taxa de juros moratórios será de 6% ao ano.
Danos morais, materiais, emergentes e lucros cessantes: os danos morais só são devidos à pessoa jurídica, quando atingida a honra objetiva perante terceiros. Para a aplicação dos danos morais, materiais e emergentes, se faz necessária a prova dos prejuízos. Não havendo prova, não há falar em fixação dos danos.
Ausência de mora culposa: a matéria que não fez parte do pedido inicial da ação, tampouco foi apreciada na sentença de primeiro grau, não é matéria a ser analisada em segundo grau" (e-STJ fls. 141-142).
Seguiu-se recurso extraordinário interposto pelos réus, que foi provido pelo Supremo Tribunal Federal para afastar a limitação de juros de 12% (doze por cento), o que ensejou a redução do montante a ser repetido.
Após o trânsito em julgado, foi iniciado o cumprimento de sentença pelo advogado Edson Macari na parte que condenou os executados no pagamento de honorários advocatícios (e-STJ fls. 147-151), tendo sido oferecidas impugnações pelos Bancos Brascan S.A. e Boavista Interatlântico S.A.
As impugnações foram acolhidas
"(..) para o fito específico de aclarar que o percentual dos honorários advocatícios devidos ao impugnado (15%) devem incidir sobre o valor de R$ 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos), data-base de 31/05/1999, reconhecendo o excesso de execução do que sobejou no bojo da execução em apenso" (e-STJ fl. 159).
Os agravos de instrumento interpostos pelos impugnantes não foram providos. Já o agravo de instrumento interposto pelo impugnado foi parcialmente provido a fim de redistribuir os ônus da sucumbência fixados na impugnação.
O aresto recebeu a seguinte ementa:
"AGRAVOS DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS. RECURSOS INTERPOSTOS CONTRA A MESMA DECISÃO E QUE CONTÊM QUESTÕES PREJUDICIAIS ENTRE SI. FEITOS REUNIDOS PARA JULGAMENTO EM ACÓRDÃO ÚNICO. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEITADAS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA EXECUÇÃO PRINCIPAL. REJEITADO. PREJUDICIAL DE COISA JULGADA QUE NÃO IMPEDE O CONHECIMENTO DE ALEGAÇÃO DE EXCESSO. QUANTUM EXECUTADO. LIMITES DO TÍTULO OBJETO DO CUMPRIMENTO. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS AUMENTADOS. AGRAVOS INTERPOSTOS PELOS IMPUGNANTES NÃO PROVIDOS. AGRAVO INTERPOSTO PELO IMPUGNADO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não conhecer do recurso pelo simples fato de os recorrentes não terem atravessado simples petição de reiteração após a prolação de decisão rejeitando embargos de declaração significa apegar-se demasiadamente em formalismos, circunstância que, na instância ordinária, ao contrário do que ocorre nas vias especial e extraordinária (Súmula n. 418 do STJ) não deve ser utilizada como fundamento, para que o Tribunal não conheça da questão.
O agravo deve ser conhecido quando instruído com documentos obrigatórios e essenciais para a compreensão da questão.
Não há nada que impeça que o advogado inicie o cumprimento de sentença de seus honorários antes do trânsito em julgado dos embargos à execução do crédito principal, situação na qual o advogado deverá apresentar o valor que entende devido e poderá sujeitar-se a impugnações.
A coisa julgada que incide sobre a fixação de honorários em percentual sobre a condenação não impede a apreciação de alegação de excesso de execução.
Se a sentença executada dispôs expressamente que o percentual arbitrado a título de honorários deveria incidir sobre o valor da condenação à repetição de indébito, não há como admitir a incidência do percentual sobre o capítulo do decisum que declarou quitada a dívida.
Não deve ser admitido, através de alegações de erro de cálculo, a rediscussão de encargos já acobertados pelo manto da coisa julgada.
Quando ambos os litigantes saem vencedores e vencidos, ainda que em proporção diferente, a sucumbência deve, nos termos do caput do artigo 21 do CPC, ser proporcionalmente distribuída e compensada.
Devem ser consideradas no arbitramento dos honorários a importância econômica, a complexidade e a duração da causa, devendo-se, portanto, ser mantidos os honorários fixados em valor que guarde relação com esses requisitos" (e-STJ fls. 161 e 175).
Referido julgamento ensejou a interposição de recurso especial (e-STJ fls. 1.490-1.533) por Edson Macari.
Após o juízo positivo de admissibilidade na origem, o recurso especial ascendeu a esta Corte, recebendo o nº 1.360.424/MS.
Em suas razões (e-STJ fls. 1.490-1.533), o então recorrente apontou, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 20, § 3º, 467, 468 e 471 do Código de Processo Civil de 1973.
Sustentou, em síntese, que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de os honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deve incidir também sobre a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999) -, e não apenas sobre o valor da repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999) -, sob pena de ofensa à coisa julgada.
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo Relator Ministro Luis Felipe Salomão, "a fim de que os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença" (e-STJ fl. 1.876).
A egrégia Quarta Turma, ao apreciar o recurso de agravo regimental, negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido" (e-STJ fls. 1.914-1.915).
O acórdão ainda foi objeto de embargos de divergência, que foram indeferidos liminarmente pelo Ministro João Otávio de Noronha (e-STJ fls. 1.998-2.000), decisão esta mantida em agravo regimental pela Segunda Seção (e-STJ fls. 2.035-2.039), tendo o acórdão transitado em julgado em 12/5/2015 (e-STJ fl. 2.044).
Na presente ação rescisória (e-STJ fls. 1-33), o autor - BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A. -, com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), sustenta, em síntese, que o acórdão rescindendo foi proferido contra literal disposição dos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, além de incidir em ofensa à coisa julgada.
Aduz, inicialmente, que "o v. acórdão rescindendo (..) consagrou solução jurídica totalmente distinta e incompatível com a coisa julgada, com base no entendimento de que a expressão "valor da condenação" deveria equivaler a "valor do proveito econômico alcançado na demanda"" (e-STJ fl. 12).
Sustenta que, "ao contrário do afirmado no v. acórdão rescindendo, a orientação nele traçada não se ateve aos limites da mera interpretação do título judicial exequendo, pois, como já visto, é manifesta a dissonância com os próprios termos da decisão transitada em julgado, com o pedido expressamente formulado na ação e com a necessária exegese estrita do comando decisório" (e-STJ fl. 13).
A seu ver, "a pretensa "interpretação" do título executivo levada a efeito pelo v. acórdão rescindendo é manifestamente incompatível com o próprio conceito jurídico-processual do termo "condenação", constante do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC de 1973, dispositivo no qual a decisão exequenda se baseou de forma explícita para fixação dos honorários sucumbenciais" (e-STJ fl. 14).
Assinala que, "embora a ação objetivasse também a concessão de provimento de natureza declaratória, além dos pedidos condenatórios deduzidos, o fato é que a decisão exequenda determinou a fixação de honorários consoante a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, isto é, em percentual sobre o valor da condenação" (e-STJ fl. 17).
Sustenta que, "estabelecida a verba honorária conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, em sentença transitada em julgado, jamais podia o v. acórdão rescindendo, em recurso decorrente de impugnação à execução, afastar a base de cálculo correspondente ao "valor da condenação" para substituí-la pelo "valor do proveito econômico pretendido pelo autor", sobretudo porque tais conceitos, como visto, não são sinônimos" (e-STJ fl. 18).
Segundo argumenta, "a alegação de que a sentença exequenda deveria considerar, no dimensionamento da verba honorária, o benefício econômico correspondente ao provimento declaratório, deveria ter sido suscitada mediante os recursos cabíveis durante a fase de conhecimento, não se podendo considerar tal matéria como objeto de "condenação implícita" no título judicial" (e-STJ fl. 21).
Afirma ter passado "despercebido no v. acórdão rescindendo que os precedentes nele invocados para amparar a tese de que os honorários deveriam corresponder ao "proveito econômico" não foram proferidos em ações condenatórias, tendo sido fixados com apoio no § 4º do artigo 20 do CPC/1973, e não em seu § 3º, tal como se deu no título judicial de que cuidam os autos" (e-STJ fl. 22).
Alega que "o v. acórdão rescindendo incorreu em violação manifesta da norma jurídica inscrita no parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73 - vigente à época dos fatos -, pois conferiu indevido elastério e desvirtuou por completo o conceito de "valor da condenação" estabelecido no aludido preceito legal" (e-STJ fl. 23).
Aduz que, "por semelhante razão, incorreu o v. acórdão rescindendo também em ofensa manifesta ao parágrafo 4º do artigo 20 do CPC/73, que restou substancialmente esvaziado, sobretudo no que concerne às ações "em que não há condenação"" (e-STJ fl. 23).
Assevera, por fim, que o acórdão rescindendo "também viola manifestamente os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes, resultando na possibilidade de se transformar o devedor em credor no âmbito das ações revisionais, como no caso dos autos" (e-STJ fl. 26).
Requereu, além de tutela de urgência, a rescisão do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.360.424/MS e, em novo julgamento, o seu não provimento.
O depósito prévio (artigo 968, inciso II, do CPC/2015) veio acostado à fl. 2.062 (e-STJ).
O pedido liminar foi deferido e determinada a citação do réu Edson Macari (e-STJ fls. 2.066-2.072).
À fl. 2.085 (e-STJ), certificou-se que foi promovida a retificação da autuação para incluir como parte ré Luiz Epelbaum.
Os réus apresentaram contestação às fls. 2.104-2.161 e fls. 2.430-2.510 (e-STJ).
Em suas contestações, os réus defendem o acerto da decisão rescindenda que, a seu ver, teria se limitado a interpretar o título executivo, reconhecendo que no valor da condenação inclui-se o valor do proveito econômico da demanda.
Afirmam que a ação rescisória não é sucedâneo do recurso próprio não utilizado no momento oportuno, tampouco constitui remédio para corrigir eventual injustiça da decisão.
Aduzem que os pontos discutidos na rescisória são totalmente estranhos à matéria que foi objeto da decisão rescindenda.
Sustentam que não cabe ação rescisória para discutir a irrisoriedade ou a exorbitância da verba honorária ou por violação de súmula.
Pugnam, por fim, pela improcedência da ação rescisória.
Tendo em vista a apresentação de petição conjunta informando a existência de tratativas para a celebração de acordo (e-STJ fl. 2.860), foi deferido o pedido de suspensão do processo pelo prazo de 30 (trinta) dias (e-STJ fl. 2.864).
Escoado o prazo, o autor se manifestou acerca das contestações (e-STJ fls. 2.893-2.903).
Sendo desnecessária a produção de provas, abriu-se vista ao autor e aos réus, sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias, para as razões finais, que vieram aos autos às fls. 2.910-2.921 e 2.924-2.957 (e-STJ).
O Ministério Público Federal ofereceu parecer no sentido da procedência da ação rescisória como se colhe da ementa:
"AÇÃO RESCISÓRIA. CPC/2015, art. 966, IV e V. Ofensa à coisa julgada e violação manifesta a norma jurídica. CPC/1973, art. 20, §§ 3º e 4º. Fixação de honorários de sucumbência. Provimento jurisdicional de cunho declaratório e condenatório (declaração de nulidade de cláusula contratual e condenação à restituição de quantia). Sucumbência fixada sobre o valor da condenação. Recurso especial provido para inserir, na base de cálculo da verba sucumbencial, o proveito econômico auferido com a declaração de nulidade. Violação à norma jurídica configurada. Sistemática da fixação dos honorários sucumbenciais à luz do CPC/1973. Doutrina. "Valor da condenação". Prevalência do conteúdo condenatório do provimento de mérito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Decisum rescindendo que, ademais, prolatado no âmbito de recurso especial interposto na fase de execução do feito originário, reformou decisão judicial transitada em julgado. Violação à coisa julgada também caracterizada. Precedentes. Parecer pelo provimento da ação rescisória" (e-STJ fl. 2.973).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): De início, cumpre relembrar que a Segunda Seção, acolhendo questão de ordem suscitada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, nos autos da AR nº 5.931/SP, decidiu que, quanto às hipóteses de cabimento da ação rescisória, a possibilidade de rescisão da decisão rege-se pela lei vigente ao tempo do seu trânsito em julgado.
No caso dos autos, o acórdão rescindendo transitou em julgado em 12/5/2015 (e-STJ fl. 2.044), de modo que as hipóteses legais de cabimento devem seguir o regramento previsto no diploma processual civil anterior (Código de Processo Civil de 1973).
Não se pode perder de vista, contudo, que a indicação errônea de um inciso por outro, ou até mesmo a indicação do artigo 485, em vez do seu correspondente no novo Código (artigo 966), ou vice-versa, não vincula o magistrado, tampouco representa algum entrave ao conhecimento da ação rescisória, porquanto o que tem relevo são os fatos e os fundamentos invocados como causa de pedir, sendo lícito ao órgão julgador emprestar-lhes a devida qualificação jurídica nos termos dos brocardos iura novit curia e mihi factum, dabo tibi ius.
Assim, a despeito de a petição inicial da ação rescisória ora em julgamento ter invocado os incisos IV ("ofender a coisa julgada") e V ("violar manifestamente norma jurídica") do artigo 966 do Código de Processo Civil de 2015, da análise da petição inicial, extrai-se que os fatos e os fundamentos invocados como causa de pedir ajustam-se com perfeição às hipóteses de cabimento de ação rescisória previstas nos incisos IV ("ofender a coisa julgada") e V ("violar literal disposição de lei") do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973.
Nesse contexto, tendo em vista a integral adequação dos fatos que integram a causa de pedir com o regramento anterior (ofensa à coisa julgada e ofensa da literal disposição dos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal), não há nenhum óbice ao prosseguimento na análise do mérito.
Essa foi, inclusive, a orientação prevalecente na Segunda Seção quando do julgamento da ação rescisória supramencionada (AR nº 5.931/SP).
Ainda em preliminar, cumpre refutar a alegação apresentada nas contestações de que a ação rescisória seria inadmissível para desconstituir decisão que deixou de tratar das teses que amparam o pedido de rescisão porque não suscitada a matéria nas contrarrazões ao recurso especial, no agravo regimental ou nos embargos de divergência que se seguiram.
Prevalece nesta Corte a orientação de que a ação rescisória não está sujeita ao requisito do prequestionamento, de modo que, identificada hipótese legal de rescindibilidade, torna-se irrelevante o fato de não ter sido interposto recurso eventualmente cabível.
Isso se deve não somente à falta de previsão legal, mas também à própria natureza jurídica do instituto, em razão de se tratar de ação originária e não de recurso.
Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO RESCINDENDA DO STJ QUE RESTABELECEU A SENTENÇA INCLUSIVE QUANTO AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PREQUESTIONAMENTO INEXIGÍVEL EM AÇÃO RESCISÓRIA.
1. A questão referente à verba honorária foi enfrentada pela decisão rescindenda, ainda que esta tenha meramente restabelecido a sentença quanto àquele tópico, sem aprofundar-se na fundamentação pertinente aos critérios legais de fixação de honorários.
2. A preclusão não é obstáculo ao cabimento da ação rescisória. A ação rescisória é cabível exatamente quando ocorre a preclusão máxima, decorrente da coisa julgada. O fato de não ter sido interposto algum recurso eventualmente cabível, ou tê-lo sido sem a invocação de determinado dispositivo legal, não impede o ajuizamento de ação rescisória, se a decisão rescindenda incidir em alguma das hipóteses de rescisão previstas no art. 485 do CPC. Não se exige exaurimento de instância como pressuposto para a ação rescisória.
3. A jurisprudência unânime desta Corte estabelece que a ação rescisória não está sujeita ao requisito do prequestionamento para que seja admitida, seja em razão da falta de previsão legal para tanto, bem como da própria natureza jurídica do instituto e em razão de tratar-se de ação originária e não de recurso.
4. Agravo regimental a que se dá provimento, para que prossiga a tramitação da ação rescisória".
(AgRg na AR 4.459/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 1º/02/2016 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, C/C ART. 487, II, DO CPC. PRELIMINARES: IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA, DECADÊNCIA, PREQUESTIONAMENTO, LITISCONSÓRCIO, QUERELA NULLITATIS. CISÃO PARCIAL DE EMPRESA POSTERIORMENTE AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. SOLIDARIEDADE PASSIVA QUANTO AOS DÉBITOS DA SOCIEDADE CINDIDA. OBRIGAÇÃO DA RÉ DE COMUNICAR. IMPOSSIBILIDADE DE ALEGAR NULIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
1. A impugnação ao valor da causa deve ser rejeitada por já haver trânsito em julgado sobre a questão.
2. O prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória inicia-se quando não for mais cabível recurso do último pronunciamento judicial, nos termos da Súmula 401/STJ.
3. Admite-se ação rescisória por violação de lei, mesmo que a decisão rescindenda não tenha emitido juízo sobre o dispositivo supostamente violado. Na ação rescisória dispensa-se o prequestionamento. Precedentes.
4. Nas ações rescisórias integrais devem participar, em litisconsórcio unitário, todos os que foram parte no processo cuja sentença é objeto de rescisão.
5. Por alegada inexistência de citação, é possível debater-se a ausência de litisconsortes passivos necessários e a conseqüente anulação do feito rescindendo, tanto em ação rescisória quanto por meio de querela nullitatis, pois neste caso há concurso de ações. Precedentes.
6. Operada a cisão parcial, cria-se um vínculo de solidariedade passiva das sociedades beneficiárias quanto aos débitos anteriores da sociedade cindida, atingindo todas as sociedades interessadas (§ 3º art. 42 CPC).
7. Ocorrida a cisão parcial posteriormente ao ajuizamento da ação que pleiteava rescisão contratual e indenização, era obrigação da parte ré comunicar ao Juízo o fato, portanto há impossibilidade de alegar a nulidade que deu causa (art. 243 do CPC).
8. Ação rescisória improcedente".
(AR 3.234/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/11/2013, DJe 14/02/2014 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO. PREQUESTIONAMENTO: DISPENSA. PRINCÍPIO DA RESERVA DE PLENÁRIO: ART. 97 DA CF E SÚMULA VINCULANTE 10/STF. COFINS. SOCIEDADES COOPERATIVAS. REVOGAÇÃO DA ISENÇÃO POR MEDIDA PROVISÓRIA.
1. A ação rescisória é ação originária (e não recurso especial), não estando sujeita a qualquer mecanismo de "prequestionamento". Precedentes do STF e do STJ.
2. Relativamente às sociedades cooperativas, o art. 6º, I da LC 70/91 concedeu isenção da COFINS quanto "aos atos cooperativos próprios de suas finalidades". Essa isenção foi, todavia, expressamente revogada pelo art. 23, II, a, da MP1.858-6, de 29.06.99, dispositivo reproduzido por atos normativos subseqüentes, até o art. 93, II, a, da MP 2.158-35.
3. O acórdão rescindendo negou aplicação a essa norma revogadora, por considerá-la ilegítima, decidindo a causa em sentido a ela oposto: afirmando a existência de isenção em relação a "(..) atos tipicamente cooperativos, isto é, aqueles correspondentes à atividade fim das cooperativas".
4. Ao afastar a aplicação da norma sem a declaração formal de sua inconstitucionalidade, o acórdão ofendeu o princípio da reserva de plenário estabelecida no art. 97 da CF (Súmula Vinculante 10/STF). Precedentes da Seção em casos análogos.
5. Acolhimento do pedido de rescisão, com retorno dos autos principais ao órgão fracionário para o julgamento do recurso especial".
(AR 4.202/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 29/09/2010 - grifou-se)
Além disso, preenchidos os demais pressupostos genéricos e específicos para o cabimento da ação rescisória, impõe-se a apreciação do mérito da irresignação.
Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger o provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e a literal disposição de algum dos artigos apontados como malferidos na petição inicial (artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal).
Consta dos autos que na ação declaratória que deu origem ao título judicial exequendo foi formulado, ao lado dos pedidos declaratórios, de repetição de indébito, de modificação de cláusulas contratuais e de indenização por danos morais e materiais, pedido de condenação dos réus "nas custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação;" (e-STJ fl. 115 - grifou-se).
A sentença exequenda julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na inicial para declarar a nulidade das cláusulas do contrato de mútuo entabulado entre as instituições financeiras e a empresa Sanesul, patrocinada pelo advogado Edson Macari, que previam a cobrança de juros acima de 12% (doze por cento) ao ano, e de comissão de permanência cumulada com correção monetária e a aplicação da Taxa ANBID.
Em consequência, considerou quitada a dívida e condenou as instituições financeiras a restituírem à empresa autora - Sanesul - a quantia de R$ 2.800.769,63 (dois milhões oitocentos mil setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos).
Quanto aos pedidos de condenação em danos materiais e morais, bem como aos pedidos de danos emergentes e lucros cessantes, foram julgados improcedentes.
Fixou, por derradeiro, os honorários advocatícios em "15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo-se ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC" (e-STJ fl. 126 - grifou-se).
O montante a ser repetido sofreu redução posterior, tendo em vista o provimento de recurso extraordinário interposto pelos réus para afastar a limitação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, consolidando o valor histórico de R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos).
No cumprimento de sentença promovido pelo advogado relativamente aos honorários advocatícios, o exequente tomou como base de cálculo para incidência do percentual de 15% (quinze por cento), não só o valor da condenação, estimada após atualização em R$ 4.173.173,32 (quatro milhões cento e setenta e três mil cento e setenta e três reais e trinta e dois centavos), mas também o montante equivalente a R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos), que representava a dívida que foi considerada quitada, cujo valor atualizado até a data de 31/3/2005 corresponderia a R$ 28.068.646,90 (vinte e oito milhões sessenta e oito mil seiscentos e quarenta e seis reais e noventa centavos), atingindo um valor global de R$ 32.241.820,22 (trinta e dois milhões duzentos e quarenta e um mil oitocentos e vinte reais e vinte e dois centavos).
Nessas condições, apresentou planilha de cálculo executando o montante de R$ 4.836.273,00 (quatro milhões oitocentos e trinta e seis mil duzentos e setenta e três reais) (e-STJ fls. 147-155).
As impugnações ao cumprimento de sentença apresentadas pelos executados foram acolhidas para reconhecer o excesso de execução, de modo a decotar do cálculo apresentado pelo exequente a quantia relativa ao aspecto declaratório, sob os seguintes fundamentos:
"(..)
Com efeito, evidencia-se dos autos que o título executivo que dá suporte ao procedimento de cumprimento de sentença/execução (fls. 112/122) foi expresso em determinar a nulidade das cláusulas do contrato encetado entre as partes que previam cobrança de: a) juros acima de 12% (doze por cento) ao mês; b) comissão de permanência cumulada com a correção monetária; e c) afastamento da taxa Anbid, com correção pelo IGP-M (FGV). Referido "decisum", ainda, condenou os impugnantes a restituírem à empresa patrocinada judicialmente pelo ora impugnado o montante, à época, de R$ 2.800.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta três centavos), fixando honorários advocatícios na ordem de "15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação".
Já se percebe desde logo, portanto, em singela análise do título, que o impugnado, de fato, pretende outorgar ao capítulo da parte dispositiva da sentença uma interpretação elástica totalmente equivocada quando elaboração dos cálculos que deram suporte ao procedimento de excussão, isto porque, como já afirmado, o "decisum" foi expresso em determinar que o percentual de honorários somente tem como base de cálculo o valor da condenação, ou seja, o montante a ser restituído pelos impugnantes à empresa representada pelo impugnado, e não sobre a parte declaratória do dispositivo (quitação da dívida), como pretendido pelo impugnado.
Ademais, o capítulo declaratório, como sabido e ressabido, não se traduz em proveito econômico algum propriamente dito, não tendo sido considerada na decisão, sequer implicitamente, como objeto de base de cálculo para fins de sucumbência. Seria o caso, quando muito, de fixação da verba honorária, neste particular, nos moldes do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil.
É necessário consignar também que quando do julgamento do Recurso Extraordinário interposto conjuntamente pelos ora impugnantes (fls. 99 dos autos 001.09.008151-0), o Supremo Tribunal Federal afastou a limitação de juros 12% (doze por cento), o que culminou com a redução do montante a ser repetido, reduzindo, também, via de consequência, por óbvio, a base de cálculo dos honorários advocatícios.
A perícia realizada na fase de conhecimento (cópia às fls. 27/68 da execução), e que serviu de base para a condenação, também realizou os cálculos sem a limitação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, na forma como determinada pelo Supremo Tribunal Federal, encontrando o estudo, nessa hipótese, o valor de R$. 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos) na data base de 31/05/1999 (fls. 35 da execução). Portanto, sem necessidade de maiores digressões a respeito, dada a nitidez da questão, esse é o valor a ser utilizado como base de cálculo para a contagem dos honorários" (e-STJ fls. 157-158 - grifos no original).
Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal de origem, o que ensejou a interposição de recurso especial nesta Corte, por meio do qual o recorrente voltou a sustentar que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deve incidir também sobre a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999), e não apenas sobre o valor da repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999).
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo Relator Ministro Luis Felipe Salomão, "a fim de que os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados (..)" (e-STJ fl. 1.876).
Para tanto, valeu-se a decisão rescindenda dos seguintes fundamentos:
(i) "o juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação" (e-STJ fl. 1.871);
(ii) "em linha de princípio, é plenamente possível que o juízo da liquidação interprete o título judicial para dele extrair seu real significado, e tal providência não vulnera o princípio da fidelidade ao título" (e-STJ fl. 1.871);
(iii) segundo a doutrina, ""é liquidável na execução não só o que na sentença é expresso, mas tudo o que nela é virtualmente compreendido", de modo que, amiúde, será exigido do Juízo algum grau de investigação intelectiva, sempre dentro dos lindes traçados pelo título liquidando" (e-STJ fl. 1.871);
(iv) "Especialmente em liquidações de sentença cujo comando não se revela infenso a duplo sentido ou ambiguidade, deve o magistrado adotar como interpretação, entre as possíveis, a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial. E, adotando-se tal providência, não se há falar em ofensa à coisa julgada, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado. Apenas se põe às claras o exato alcance da tutela antes prestada" (e-STJ fl. 1.871-1.872);
(v) ao se debruçar sobre o quanto decidido na sentença exequenda, "a Corte a quo, não obstante o reconhecimento de quitação da dívida no bojo da ação de conhecimento, concluiu pela impossibilidade de incluir esse valor na base de cálculo dos honorários advocatícios" (e-STJ fl. 1.875); e
(vi) "a interpretação do comando sentencial - "valor da condenação" - que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda" (e-STJ fl. 1.875).
Com efeito, é certo que este Tribunal Superior possui entendimento pacífico no sentido de que o dispositivo da sentença exequenda pode ser interpretado pelo juízo da liquidação e essa interpretação envolve não apenas a parte dispositiva da sentença isoladamente, mas, igualmente, a sua fundamentação a fim de atingir o real sentido e alcance do comando sentencial.
E que, além disso, quando o título judicial se revela ambíguo, dando ensejo a mais de uma interpretação, deve o órgão julgador escolher aquela que mais se harmoniza com o ordenamento jurídico, sem que isso implique em ofensa à coisa julgada.
No caso dos autos, contudo, o dispositivo da sentença exequenda não apresenta nenhuma ambiguidade. Ao contrário, foi categórico ao fixar a condenação dos réus "a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação" (e-STJ fl. 126 - grifou-se).
Ademais, não é possível extrair da fundamentação nenhuma passagem que revele, ainda que minimamente, a intenção do magistrado sentenciante de fazer inserir na base de cálculo da verba honorária o capítulo atinente ao provimento declaratório.
Nesse contexto, não havia margem para substituir, como fez a decisão rescindenda, o parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação) por "proveito econômico almejado pela demandante" - conceitos jurídicos sabidamente distintos -, alterando indevidamente a base de cálculo da verba honorária após o trânsito em julgado, afastando-se não apenas da legislação de regência (que prevê que "os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação"), mas também do pedido formulado pelo próprio requerente na sua petição inicial da ação declaratória ("honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação;" - e-STJ fl. 115 - grifou-se).
A distinção entre os conceitos de "condenação" e de "proveito econômico" ficou ainda mais nítida após o advento do Código de Processo Civil de 2015, que, em seu artigo 85, § 2º, acrescentou dois novos parâmetros de fixação dos honorários, além da condenação: proveito econômico obtido e valor atualizado da causa: "Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (..)".
A doutrina majoritária reconhece que existe uma ordem de preferência desses critérios na fixação dos honorários advocatícios, de modo que, havendo condenação, devem os percentuais de 10 a 20% incidir sobre esse montante.
Apenas na hipótese de não haver condenação, é que se cogita do proveito econômico e, por último, não sendo possível mensurar o proveito econômico, passa-se a considerar o valor atualizado da causa como base de cálculo dos honorários.
A respeito:
"(..)
A conjugação dos §§ 2º e 8º do art. 85 do Código de Processo Civil conduz à obtenção da seguinte ordem de preferência na adoção de critérios para a fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais:
(I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º);
(II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º);
Por fim,
(III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º).
(..)
Assim, em regra, os honorários sucumbenciais devem ser fixados com observância da seguinte ordem de preferência: a) sobre o valor da condenação; b) não havendo condenação ou não sendo possível valer-se da condenação, utiliza-se (b.l) o proveito econômico obtido pelo vencedor ou, como última hipótese, (b.2) recorre-se ao valor da causa" (ARAÚJO FILHO, Raul. Juízo de equidade na fixação dos honorários advocatícios sucumvenciais no novo CPC. Doutrina: edição comemorativa 30 anos do STJ. Brasília, 2019, pág. 744-745 - grifou-se).
Logo, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, viola, ainda, a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
A jurisprudência desta Corte encontra-se consolidada no sentido de que os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insuscetíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada, consoante se observa dos seguintes precedentes:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE SOB PENA DE VIOLAÇÃO À COISA JULGADA.
1. Os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insusceptíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada. (v.g. AgRg no AREsp 64.052/MA, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 05/03/2015 )
2. Agravo regimental não provido".
(AgRg no AREsp 614.798/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 26/03/2015 - grifou-se)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DE CRITÉRIOS E BASE DE CÁLCULO. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES.
1. Os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insusceptíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de indevida ofensa à coisa julgada.
2. Agravo regimental não provido".
(AgRg no REsp 1.132.780/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/11/2014, DJe 04/12/2014 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. PRECEDENTES STJ.
1. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, não é possível, em execução, alterar a base de cálculo dos honorários advocatícios fixada na sentença transitada em julgado, sob pena de ofensa à coisa julgada. Nesse sentido: AgRg no Ag 1.392.020/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 21/8/2012; AgRg no REsp 1.174.925/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 19/3/2012; REsp 886.178/RS, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, DJe 25/2/2010; AgRg no REsp 1.070.280/TO, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, Quarta Turma, DJe 27/4/2009.
2. Agravo Regimental não provido".
(AgRg no AgRg no REsp 1.345.685/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/06/2013, DJe 12/06/2013 - grifou-se)
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO EM SEDE DE EMBARGOS À EXECUÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. PRECEDENTES.
1. Em sede de embargos à execução, é incabível revisar o valor da verba honorária fixada no título executivo judicial que ampara a pretensão executória, sob pena de violação à coisa julgada.
2. Agravo regimental improvido".
(AgRg no REsp 1.174.925/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 19/03/2012 - grifou-se)
"AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. CARÊNCIA. SÚMULA 356/STF. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. FUNDAMENTO INATACADO, SUFICIENTE PARA MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO. SÚMULA 283/STF. BASE DE CÁLCULO. MODIFICAÇÃO. EMBARGOS DO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
(..)
4. Esta Corte tem entendimento assente no sentido de que não é possível modificar, em sede de execução, a base de cálculo sobre a qual devem incidir os honorários advocatícios, sob pena de ofensa à coisa julgada.
5. Para que se enfraquecessem as razões do acórdão recorrido far-se-ia necessária a incursão no conjunto fático-probatório da demanda, providência vedada nesta fase processual por obediência à súmula 7/STJ.
6. É cediço o entendimento no sentido de que o dissídio pretoriano precisa ser demonstrado de forma analítica, com transcrição de trechos dos acórdãos divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, não se aperfeiçoando pela simples citação de ementas (art. 255 e parágrafos do RISTJ), sem o que estará deficiente a fundamentação do recurso especial, incidindo, pois, a censura da súmula 284/STF.
7. Agravo regimental desprovido".
(AgRg no REsp 1.070.280/TO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 14/04/2009, DJe 27/04/2009 - grifou-se)
Assim, fixados os honorários, no processo de conhecimento, em percentual sobre determinada base de cálculo, não pode o juízo, na fase de execução, a pretexto de corrigir erro material ou eventual injustiça, modificar ou ampliar essa base de cálculo, sob pena de ofensa à coisa julgada.
Especificamente sobre o tema, vale citar:
"AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. FASE DE EXECUÇÃO. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA.
Fixados os honorários de advogado, no processo de conhecimento, em percentual sobre o valor da causa, e advindo o trânsito em julgado, não poderá o Juiz, na fase de execução, a pretexto de correção de erro material, transmudar essa base de cálculo para o valor da condenação, sob pena de violação da coisa julgada.
Agravo improvido".
(AgRg no REsp 769.189/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 03/11/2008 - grifou-se)
"PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. COISA JULGADA. VIOLAÇÃO. EXISTÊNCIA.
I - Se a sentença, já trânsita em julgado, ao dar pela procedência da ação de consignação e declarar extinto o processo de execução, determinou que o percentual da verba honorária incidiria apenas sobre o valor atribuído pelo autor à consignatória, é descabida a inclusão na base de cálculo do montante do débito cobrado no processo executivo.
II - Violação à coisa julgada caracterizada.
Recurso provido".
(REsp 871.691/AL, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2007, DJ 01/08/2007 - grifou-se)
"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO JUDICIAL. IPC DE JANEIRO/89. PERCENTUAL NÃO FIXADO NO ACÓRDÃO DO PROCESSO DE CONHECIMENTO. FIXAÇÃO EM 42,72% NA EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À COISA JULGADA. CAPITALIZAÇÃO MENSAL. EXCLUSÃO DE OFÍCIO APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO DOS TERMOS INICIAL E FINAL DE INCIDÊNCIA DOS JUROS. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 474 E 610, CPC. HONORÁRIOS DE ADVOGADO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DA CAUSA. ALTERAÇÃO NO PROCESSO DE EXECUÇÃO. AFRONTA À COISA JULGADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I - O acórdão proferido nos embargos à execução por título judicial não pode contrariar o acórdão transitado em julgado, devendo extrair-lhe o sentido lógico e interpretá-lo por meio da análise integrativa do seu conjunto, sem, contudo, modificá-lo.
II - Transitada em julgado a procedência do pedido de correção monetária pelo IPC, sem menção do percentual aplicável, nem na decisão, nem no pedido, o acórdão proferido nos embargos à execução não ofende o princípio da coisa julgada ao adotar o índice uniformizado na jurisprudência para o mês de janeiro/89.
III - Na execução por título judicial, não se pode excluir de ofício a capitalização mensal, nem alterar os termos inicial e final de incidência dos juros, sob pena de ofensa à coisa julgada.
IV - Arbitrados, no processo de conhecimento, honorários de advogado sobre o valor da causa e advindo o trânsito em julgado, o acórdão proferido nos embargos à execução não pode transmudar essa base de cálculo para valor da condenação.
V - A discussão sobre a pertinência ou não da fixação em honorários sobre o valor da condenação não tem espaço no âmbito da execução de título acobertado pela coisa julgada, o qual está a demandar somente interpretação, que não se confunde com novo julgamento da causa".
(REsp 331.508/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 23/10/2001, DJ 04/03/2002 - grifou-se)
No caso dos autos, foi alterada a base de cálculo dos honorários advocatícios após o trânsito em julgado, quando do julgamento de recurso especial interposto contra agravo de instrumento oriundo de decisão que acolheu impugnação ao cumprimento de sentença.
Nesse contexto, não há outra solução possível senão julgar procedente a ação rescisória em juízo rescindendo, por ofensa à coisa julgada e ao artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, a fim de desconstituir o acórdão e a decisão monocrática proferida nos autos do REsp nº 1.360.424/MS, e, em juízo rescisório, negar provimento ao recurso especial.
Não foi outra a conclusão alcançada no bem lançado parecer do Ministério Público Federal, cujos fundamentos adoto como reforço de minhas razões de decidir:
"(..)
Como se verifica da parte dispositiva do comando sentencial adunado às fls. 117/127 (e-STJ), foram os réus condenados a "pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação". A leitura do dispositivo, com efeito, parece não abrir margem a interpretação equívoca.
Assim, a reforma empreendida em sede de cognição extraordinária, para que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (como consta da sentença mencionada), a parcela de conteúdo declaratório (in casu, o reconhecimento de quitação de dívida), consubstancia ofensa à literalidade do art. 20, § 3º, do CPC/1973, bem como violação à coisa julgada, consolidada com o trânsito em julgado da sentença exequenda.
Efetivamente, a sentença condenou os réus ao pagamento de valor certo, estabelecendo, conforme a norma em vigor à época de sua prolação, o cálculo da verba sucumbencial sobre o valor da mesma condenação - o que não deve incluir, decerto, a declaração de nulidade de cláusulas do contrato entabulado entre as partes.
É correto afirmar que, na sistemática do Código de Processo Civil de 1973, o modo de aferição da verba honorária varia de acordo com a natureza do provimento jurisdicional: havendo condenação, incide à hipótese a norma do art. 20, § 3º, do CPC/1973, que estabelece as balizas de 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento), indicando os parâmetros a serem utilizados pelo Magistrado para a determinação do percentual no caso concreto. Em se tratando de provimento de natureza meramente declaratória, o Magistrado utilizar-se-á dos mesmos critérios do art. 20, § 3º, fixando a verba honorária, todavia, de acordo com "apreciação equitativa".
(..)
Noutra perspectiva, não é demasia consignar que, ainda que a sentença comportasse questionamentos a respeito da (não) inclusão da sucumbência decorrente do provimento declaratório, cuida-se de provimento jurisdicional transitado em julgado, o qual não poderia ter sido modificado em sede de recurso especial" (e-STJ fls. 2.979-2.981 - grifou-se).
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido para rescindir o acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.360.424/MS e, em novo julgamento, negar provimento ao recurso especial, condenando os réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (artigo 85, § 2º, do CPC/2015).
Restitua-se ao autor o depósito a que se refere o artigo 968, inciso II, do CPC/2015.
É o voto.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de ação rescisória, com pedido de tutela antecipada, proposta em 9/8/2016, por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), objetivando desconstituição de acórdão da Quarta Turma, prolatado no REsp nº 1.360.424/MS (e-STJ fls. 1.869-1.924), Relator Ministro Luis Felipe Salomão, que conferiu provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI.
Noticiam os autos que Sanesul - Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul S.A. - propôs, em 1997, a denominada "ação declaratória, cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição de indébito e perdas e danos" contra o Banco Brascan S.A. e o autor da presente ação rescisória, afirmando que celebrou contrato de empréstimo em valor correspondente a R$ 5.993.263,57 (cinco milhões novecentos e noventa e três mil duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos) e que, mesmo após algumas renegociações, não conseguiu mais arcar com o pagamento das prestações em virtude dos altos encargos praticados (e-STJ fls. 49-115).
Na referida ação foram formulados os seguintes pedidos:
"(..)
10.1- QUANTO À AÇÃO DECLARATÓRIA
a) declarar ilegal e inconstitucional a cobrança de juros acima do limite de 12% ao ano e bem assim que o lucro bancário da operação não pode em qualquer caso superar 20% do custo de captação, na forma da Lei;
b) declarar ilegal a cobrança de juros capitalizados para a modalidade de mútuo contratado;
c) declarar ilegal a utilização do indexador TAXA ANBID como fator de correção da moeda sobre todos os saldos devedores e parcelas cobradas, e declarando legal o IGP-M desde o 1º contrato;
d) declarar ilegal a cobrança de multa e comissão de permanência sobre as prestações que já contém juros remuneratórios embutidos e bem assim a cobrança de novos juros remuneratórios sobre as parcelas já incrementadas, por si, e pela inexistência de mora culposa;
e) declarar nulas as respectivas cláusulas contratuais do contrato original e suas renegociações, cujas ilegalidades e potestatividade forem reconhecidas, tal como exposto nesta inicial e pedido;
f) declarar serem indevidas as multas e comissões de permanência cobradas, em razão do atraso ter decorrido do excesso de cobrança praticado pelos Réus, ou, se devidos, determinar a sua incidência sobre o principal atualizado, sem os juros;
g) declarar o caráter potestativo das cláusulas objeto das declarações acima, ex vi do artigo 115 do Código Civil, e dos dispositivos pertinentes do Código de Defesa do Consumidor e ainda em face do artigo 11 do Decreto 22.626/33 e artigo 4º letra "b" da Lei 1521/51 e par. 2º do art. 192 da Constituição Federal e Lei de Usura;
10.2- QUANTO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO
a) condenar os Réus a devolver à Autora, as quantias pagas não só indevidamente como também à maior, em consonância com as declarações acima (item 10.1);
b) corrigir a quantia a ser restituída, a partir dos indevidos desembolsos, pelo IGP-M, e mais os juros à taxa de 12% ao ano, até o efetivo pagamento;
10.3- QUANTO À MODIFICAÇÃO DAS CLÁUSULAS
a) reduzir a cobrança de encargos (juros e outros acréscimos) que seriam os lucros do Réu a 20% (vinte por cento) sobre a taxa de captação de CDB"s no mercado para bancos de primeira linha ou à variação do IGP-M e juros não capitalizados de 12% ao ano, o que for menor;
b) adaptar o contrato aos pedidos declaratórios formulados no item 10.1;
10.4- QUANTO ÀS PERDAS E DANOS
a) condenar os Réus por danos morais, consoante o prudente arbítrio deste MM. Juízo, porém, valorado em pelo menos 100 (cem) vezes o total da restituição apurada e atualizada até o efetivo pagamento;
b) condenar os Réus por danos materiais, mediante a aplicação da 1ª parte do artigo 1.531 do Código Civil, e mais os danos emergentes e os lucros cessantes, seja pelo ônus de contratação de empréstimos junto a instituições financeiras para pagar os excessos cobrados pelos Réus, seja pela perda da aplicação financeira dos recursos que estariam disponíveis;
10.5- determinar a compensação de débitos e créditos até onde efetivamente se compensarem, com a conseqüente quitação da dívida no limite encontrado;
10.6- condenar os Réus nas custas e honorários advocatícios de 20% sobre o valor total da condenação" (e-STJ fls. 113-115 - grifou-se).
Propôs, ainda, "medida cautelar inominada de depósito" a fim de depositar a quantia mensal de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para afastar os efeitos da mora.
O juízo de primeiro grau, em julgamento conjunto com a precedente ação cautelar, proferiu sentença com o seguinte dispositivo:
"(..) julgo procedente, em parte, a ação Declaratória, c.c. Ordinária de Modificação de Cláusulas, Repetição de Indébito e Perdas e Danos promovida por SANESUL - EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A., em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO BOAVISTA INTER-ATLÂNTICO S.A., para declarar nulas as cláusulas contratuais que prevêem juros acima do limite constitucional de 12% ao ano e cobrança de comissão de permanência cumulada com a correção monetária, afastando a chamada Taxa ANBID.
Em conseqüência declaro o direito da autora em ver a dívida corrigida pelo IGP-M com juros fixados em 12% ao ano, capitalizados anualmente, declarando também a importância de R$ 2.800.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), acrescidos de juros 0,5% (meio por cento) ano mês e atualização monetária pelo mesmo índice a contar de 31.05.99, data em que o valor foi encontrado pelo perito oficial.
Julgo, outrossim, improcedentes os pedidos de condenação em dano material e moral, bem como em danos emergentes e lucros cessantes.
Acolho, por derradeiro, o pedido cautelar e confirmo a liminar reconhecendo a presença dos pressupostos que a ensejam, periculum in mora e fumus boni iuris.
Condeno os réus a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC, levando em consideração também que a sua atuação deu-se também na ação cautelar de igual complexidade que a ação principal, devendo também aqueles suportar as custas processuais e honorários do perito corrigidos a contar do efetivo desembolso" (e-STJ fls. 125-127 - grifou-se).
A sentença foi mantida pelo Tribunal local em acórdão assim ementado:
"RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ORDINÁRIA DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS, REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PERDAS E DANOS - MÚTUO BANCÁRIO - DISCUSSÃO - CONTRATO DE ADESÃO - APLICAÇÃO DO CDC - ABUSO DE DIREITO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - CORREÇÃO MONETÁRIA TAXA ANBID - SUBSTITUIÇÃO PELO IGP-M - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - EXCLUSÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - RECURSO IMPROVIDO.
Contrato de adesão: os contratos em que as cláusulas são preestabelecidas, não oportunizando ao contratante o direito de discussão trata-se de contrato de adesão, cabendo ao Poder Judiciário, a revisão das cláusulas consideradas leoninas, se porventura existirem.
A aplicação do CDC: havendo a prestação de serviços ou fornecimento de produtos (art. 2º, caput), não importando que o contratante seja pessoa física ou jurídica. O hábito de contratar não descaracteriza a hipossuficiência.
Abuso de direito: não se caracteriza o abuso de direito no fato de a contratante, primeiramente, aceitar as condições impostas pelo contrato para, posteriormente, vir a juízo pleitear a sua revisão, uma vez que o princípio do pacta sunt servanda não pode prevalecer sobre a legislação em geral, caso fique caracterizado prática de ilegalidades.
Taxa de juros: o art. 192, § 3º, da CF/88 tem autonomia, cuja aplicabilidade não depende de futura regulamentação, mostrando-se correta a fixação da referida taxa no patamar de 12% ao ano.
Capitalização de juros: a capitalização de juros não é admitida, em se tratando de contrato de mútuo.
Correção monetária: a taxa ANBID não é fator de correção monetária porque traduz variações de custo primário de captação de depósitos à prazo fixo, trazendo em si, embutida, taxa de juros, devendo ser substituída pelo IGP-M/FGV, que bem reflete a inflação ocorrente.
Comissão de permanência: nos termos da Súmula 30 do STJ, a comissão de permanência não é admitida ante a inclusão da correção monetária.
Repetição de indébito: os valores cobrados a mais devem ser devolvidos, não pela aplicação do art. 965, do CPC, mas com base no art. 4º, § 3º, da Lei 1.521/51 (crimes contra a economia popular).
RECURSO ADESIVO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS - ALTERAÇÃO DE 0,5% PARA 1,0% - DANOS MORAIS, MATERIAIS, EMERGENTES E LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO DA MORA CULPOSA - RECURSO IMPROVIDO.
Limitação da taxa de juros: a questão da limitação da taxa de juros restou prejudicada, uma vez que restou decidida na apelação sobre a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88.
Juros na repetição do indébito: quando não convencionada pelas partes, nos termos do art. 1062, do CC, a taxa de juros moratórios será de 6% ao ano.
Danos morais, materiais, emergentes e lucros cessantes: os danos morais só são devidos à pessoa jurídica, quando atingida a honra objetiva perante terceiros. Para a aplicação dos danos morais, materiais e emergentes, se faz necessária a prova dos prejuízos. Não havendo prova, não há falar em fixação dos danos.
Ausência de mora culposa: a matéria que não fez parte do pedido inicial da ação, tampouco foi apreciada na sentença de primeiro grau, não é matéria a ser analisada em segundo grau" (e-STJ fls. 141-142).
Seguiu-se recurso extraordinário interposto pelos réus, que foi provido pelo Supremo Tribunal Federal para afastar a limitação de juros de 12% (doze por cento), o que ensejou a redução do montante a ser repetido.
Após o trânsito em julgado, foi iniciado o cumprimento de sentença pelo advogado Edson Macari na parte que condenou os executados no pagamento de honorários advocatícios (e-STJ fls. 147-151), tendo sido oferecidas impugnações pelos Bancos Brascan S.A. e Boavista Interatlântico S.A.
As impugnações foram acolhidas
"(..) para o fito específico de aclarar que o percentual dos honorários advocatícios devidos ao impugnado (15%) devem incidir sobre o valor de R$ 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos), data-base de 31/05/1999, reconhecendo o excesso de execução do que sobejou no bojo da execução em apenso" (e-STJ fl. 159).
Os agravos de instrumento interpostos pelos impugnantes não foram providos. Já o agravo de instrumento interposto pelo impugnado foi parcialmente provido a fim de redistribuir os ônus da sucumbência fixados na impugnação.
O aresto recebeu a seguinte ementa:
"AGRAVOS DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS. RECURSOS INTERPOSTOS CONTRA A MESMA DECISÃO E QUE CONTÊM QUESTÕES PREJUDICIAIS ENTRE SI. FEITOS REUNIDOS PARA JULGAMENTO EM ACÓRDÃO ÚNICO. PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO. REJEITADAS. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO JULGAMENTO ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA EXECUÇÃO PRINCIPAL. REJEITADO. PREJUDICIAL DE COISA JULGADA QUE NÃO IMPEDE O CONHECIMENTO DE ALEGAÇÃO DE EXCESSO. QUANTUM EXECUTADO. LIMITES DO TÍTULO OBJETO DO CUMPRIMENTO. REDISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS AUMENTADOS. AGRAVOS INTERPOSTOS PELOS IMPUGNANTES NÃO PROVIDOS. AGRAVO INTERPOSTO PELO IMPUGNADO PARCIALMENTE PROVIDO.
Não conhecer do recurso pelo simples fato de os recorrentes não terem atravessado simples petição de reiteração após a prolação de decisão rejeitando embargos de declaração significa apegar-se demasiadamente em formalismos, circunstância que, na instância ordinária, ao contrário do que ocorre nas vias especial e extraordinária (Súmula n. 418 do STJ) não deve ser utilizada como fundamento, para que o Tribunal não conheça da questão.
O agravo deve ser conhecido quando instruído com documentos obrigatórios e essenciais para a compreensão da questão.
Não há nada que impeça que o advogado inicie o cumprimento de sentença de seus honorários antes do trânsito em julgado dos embargos à execução do crédito principal, situação na qual o advogado deverá apresentar o valor que entende devido e poderá sujeitar-se a impugnações.
A coisa julgada que incide sobre a fixação de honorários em percentual sobre a condenação não impede a apreciação de alegação de excesso de execução.
Se a sentença executada dispôs expressamente que o percentual arbitrado a título de honorários deveria incidir sobre o valor da condenação à repetição de indébito, não há como admitir a incidência do percentual sobre o capítulo do decisum que declarou quitada a dívida.
Não deve ser admitido, através de alegações de erro de cálculo, a rediscussão de encargos já acobertados pelo manto da coisa julgada.
Quando ambos os litigantes saem vencedores e vencidos, ainda que em proporção diferente, a sucumbência deve, nos termos do caput do artigo 21 do CPC, ser proporcionalmente distribuída e compensada.
Devem ser consideradas no arbitramento dos honorários a importância econômica, a complexidade e a duração da causa, devendo-se, portanto, ser mantidos os honorários fixados em valor que guarde relação com esses requisitos" (e-STJ fls. 161 e 175).
Referido julgamento ensejou a interposição de recurso especial (e-STJ fls. 1.490-1.533) por Edson Macari.
Após o juízo positivo de admissibilidade na origem, o recurso especial ascendeu a esta Corte, recebendo o nº 1.360.424/MS.
Em suas razões (e-STJ fls. 1.490-1.533), o então recorrente apontou, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 20, § 3º, 467, 468 e 471 do Código de Processo Civil de 1973.
Sustentou, em síntese, que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de os honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deve incidir também sobre a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999) -, e não apenas sobre o valor da repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999) -, sob pena de ofensa à coisa julgada.
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo Relator Ministro Luis Felipe Salomão, "a fim de que os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença" (e-STJ fl. 1.876).
A egrégia Quarta Turma, ao apreciar o recurso de agravo regimental, negou-lhe provimento, nos termos da seguinte ementa:
"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido" (e-STJ fls. 1.914-1.915).
O acórdão ainda foi objeto de embargos de divergência, que foram indeferidos liminarmente pelo Ministro João Otávio de Noronha (e-STJ fls. 1.998-2.000), decisão esta mantida em agravo regimental pela Segunda Seção (e-STJ fls. 2.035-2.039), tendo o acórdão transitado em julgado em 12/5/2015 (e-STJ fl. 2.044).
Na presente ação rescisória (e-STJ fls. 1-33), o autor - BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A. -, com base no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), sustenta, em síntese, que o acórdão rescindendo foi proferido contra literal disposição dos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, além de incidir em ofensa à coisa julgada.
Aduz, inicialmente, que "o v. acórdão rescindendo (..) consagrou solução jurídica totalmente distinta e incompatível com a coisa julgada, com base no entendimento de que a expressão "valor da condenação" deveria equivaler a "valor do proveito econômico alcançado na demanda"" (e-STJ fl. 12).
Sustenta que, "ao contrário do afirmado no v. acórdão rescindendo, a orientação nele traçada não se ateve aos limites da mera interpretação do título judicial exequendo, pois, como já visto, é manifesta a dissonância com os próprios termos da decisão transitada em julgado, com o pedido expressamente formulado na ação e com a necessária exegese estrita do comando decisório" (e-STJ fl. 13).
A seu ver, "a pretensa "interpretação" do título executivo levada a efeito pelo v. acórdão rescindendo é manifestamente incompatível com o próprio conceito jurídico-processual do termo "condenação", constante do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC de 1973, dispositivo no qual a decisão exequenda se baseou de forma explícita para fixação dos honorários sucumbenciais" (e-STJ fl. 14).
Assinala que, "embora a ação objetivasse também a concessão de provimento de natureza declaratória, além dos pedidos condenatórios deduzidos, o fato é que a decisão exequenda determinou a fixação de honorários consoante a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, isto é, em percentual sobre o valor da condenação" (e-STJ fl. 17).
Sustenta que, "estabelecida a verba honorária conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, em sentença transitada em julgado, jamais podia o v. acórdão rescindendo, em recurso decorrente de impugnação à execução, afastar a base de cálculo correspondente ao "valor da condenação" para substituí-la pelo "valor do proveito econômico pretendido pelo autor", sobretudo porque tais conceitos, como visto, não são sinônimos" (e-STJ fl. 18).
Segundo argumenta, "a alegação de que a sentença exequenda deveria considerar, no dimensionamento da verba honorária, o benefício econômico correspondente ao provimento declaratório, deveria ter sido suscitada mediante os recursos cabíveis durante a fase de conhecimento, não se podendo considerar tal matéria como objeto de "condenação implícita" no título judicial" (e-STJ fl. 21).
Afirma ter passado "despercebido no v. acórdão rescindendo que os precedentes nele invocados para amparar a tese de que os honorários deveriam corresponder ao "proveito econômico" não foram proferidos em ações condenatórias, tendo sido fixados com apoio no § 4º do artigo 20 do CPC/1973, e não em seu § 3º, tal como se deu no título judicial de que cuidam os autos" (e-STJ fl. 22).
Alega que "o v. acórdão rescindendo incorreu em violação manifesta da norma jurídica inscrita no parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73 - vigente à época dos fatos -, pois conferiu indevido elastério e desvirtuou por completo o conceito de "valor da condenação" estabelecido no aludido preceito legal" (e-STJ fl. 23).
Aduz que, "por semelhante razão, incorreu o v. acórdão rescindendo também em ofensa manifesta ao parágrafo 4º do artigo 20 do CPC/73, que restou substancialmente esvaziado, sobretudo no que concerne às ações "em que não há condenação"" (e-STJ fl. 23).
Assevera, por fim, que o acórdão rescindendo "também viola manifestamente os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes, resultando na possibilidade de se transformar o devedor em credor no âmbito das ações revisionais, como no caso dos autos" (e-STJ fl. 26).
Requereu, além de tutela de urgência, a rescisão do acórdão proferido no Recurso Especial nº 1.360.424/MS e, em novo julgamento, o seu não provimento.
O depósito prévio (artigo 968, inciso II, do CPC/2015) veio acostado à fl. 2.062 (e-STJ).
O pedido liminar foi deferido e determinada a citação do réu Edson Macari (e-STJ fls. 2.066-2.072).
À fl. 2.085 (e-STJ), certificou-se que foi promovida a retificação da autuação para incluir como parte ré Luiz Epelbaum.
Os réus apresentaram contestação às fls. 2.104-2.161 e fls. 2.430-2.510 (e-STJ).
Em suas contestações, os réus defendem o acerto da decisão rescindenda que, a seu ver, teria se limitado a interpretar o título executivo, reconhecendo que no valor da condenação inclui-se o valor do proveito econômico da demanda.
Afirmam que a ação rescisória não é sucedâneo do recurso próprio não utilizado no momento oportuno, tampouco constitui remédio para corrigir eventual injustiça da decisão.
Aduzem que os pontos discutidos na rescisória são totalmente estranhos à matéria que foi objeto da decisão rescindenda.
Sustentam que não cabe ação rescisória para discutir a irrisoriedade ou a exorbitância da verba honorária ou por violação de súmula.
Pugnam, por fim, pela improcedência da ação rescisória.
Tendo em vista a apresentação de petição conjunta informando a existência de tratativas para a celebração de acordo (e-STJ fl. 2.860), foi deferido o pedido de suspensão do processo pelo prazo de 30 (trinta) dias (e-STJ fl. 2.864).
Escoado o prazo, o autor se manifestou acerca das contestações (e-STJ fls. 2.893-2.903).
Sendo desnecessária a produção de provas, abriu-se vista ao autor e aos réus, sucessivamente, pelo prazo de 10 (dez) dias, para as razões finais, que vieram aos autos às fls. 2.910-2.921 e 2.924-2.957 (e-STJ).
O Ministério Público Federal ofereceu parecer no sentido da procedência da ação rescisória como se colhe da ementa:
"AÇÃO RESCISÓRIA. CPC/2015, art. 966, IV e V. Ofensa à coisa julgada e violação manifesta a norma jurídica. CPC/1973, art. 20, §§ 3º e 4º. Fixação de honorários de sucumbência. Provimento jurisdicional de cunho declaratório e condenatório (declaração de nulidade de cláusula contratual e condenação à restituição de quantia). Sucumbência fixada sobre o valor da condenação. Recurso especial provido para inserir, na base de cálculo da verba sucumbencial, o proveito econômico auferido com a declaração de nulidade. Violação à norma jurídica configurada. Sistemática da fixação dos honorários sucumbenciais à luz do CPC/1973. Doutrina. "Valor da condenação". Prevalência do conteúdo condenatório do provimento de mérito. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Decisum rescindendo que, ademais, prolatado no âmbito de recurso especial interposto na fase de execução do feito originário, reformou decisão judicial transitada em julgado. Violação à coisa julgada também caracterizada. Precedentes. Parecer pelo provimento da ação rescisória" (e-STJ fl. 2.973).
É o relatório.
À revisão.
VOTO-REVISÃO
O SR. MINISTRO MARCO BUZZI:
Cuida-se de ação rescisória, com pedido liminar, manejada por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., com amparo no artigo 966, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 2015 (correspondente ao artigo 485, incisos IV e V, do Código de Processo Civil de 1973), objetivando desconstituir acórdão proferido pelo colegiado da Quarta Turma no bojo do AgRg no REsp nº 1.360.424/MS, no qual negado provimento ao agravo regimental e mantida a deliberação monocrática exarada pelo Ministro Luis Felipe Salomão que conferiu provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI para determinar que "os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença" (fl. 1.876).
O acórdão ainda foi objeto de embargos de divergência, que foram indeferidos liminarmente (fls. 1.998-2.000), decisão esta mantida em agravo regimental pela Segunda Seção (fls. 2.035-2.039), tendo o acórdão transitado em julgado em 12/05/2015 (fl. 2.044).
Afirma a financeira nessa ação rescisória que o acórdão rescindendo foi proferido em literal violação aos artigos 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil de 1973, 884 do Código Civil e 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, além de incidir em ofensa à coisa julgada ao compreender que a expressão valor da condenação deveria equivaler a valor do proveito econômico alcançado na demanda, deixando de se ater aos limites estabelecidos no título judicial exequendo.
Assinala que, "embora a ação objetivasse também a concessão de provimento de natureza declaratória, além dos pedidos condenatórios deduzidos, o fato é que a decisão exequenda determinou a fixação de honorários consoante a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, isto é, em percentual sobre o valor da condenação" (fl. 17).
Sustenta, também, que "estabelecida a verba honorária conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 20 do CPC/73, em sentença transitada em julgado, jamais podia o v. acórdão rescindendo, em recurso decorrente de impugnação à execução, afastar a base de cálculo correspondente ao "valor da condenação" para substituí-la pelo "valor do proveito econômico pretendido pelo autor", sobretudo porque tais conceitos, como visto, não são sinônimos" (fl. 18).
Assevera, por fim, que o acórdão rescindendo também viola os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), "pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes, resultando na possibilidade de se transformar o devedor em credor no âmbito das ações revisionais, como no caso dos autos" (fl. 26).
Em síntese, cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda como base para a fixação dos honorários advocatícios (condenação), por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e a literal disposição dos artigos apontados como malferidos na petição inicial.
Realizado o trâmite processual no âmbito desta Corte Superior, com o deferimento do pleito liminar (decisão de fls. 2.066-2.072) e apresentação das contestações (fls. 2.104-2.161 e 2.430-2.510), os autos foram remetidos ao Ministério Público Federal que exarou parecer pela procedência da ação rescisória.
O e. relator, Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, no voto que apresenta, julga procedente o pedido rescisório para negar provimento ao recurso especial, condenando os réus ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (artigo 85, § 2º, do CPC/2015), restituindo-se ao autor o depósito a que se refere o artigo 968, inciso II, do CPC/2015.
Sua Excelência aduz que a base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada e no caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
Vieram os autos conclusos para revisão.
É o relatório.
Voto
Acompanha-se o bem lançado voto do relator, para julgar procedente o pedido rescisório e, em consequência, negar provimento ao recurso especial interposto por EDSON MACARI, porquanto a jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de que os critérios, os percentuais e a base de cálculo da verba honorária são insuscetíveis de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada.
Depreende-se dos autos que na ação que deu origem ao título judicial exequendo os honorários advocatícios foram estabelecidos em "15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo-se ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC" (fl. 126).
No cumprimento de sentença relativamente aos honorários advocatícios, fora apresentada planilha de cálculo para amparar execução do montante de R$ 4.836.273,00 (quatro milhões oitocentos e trinta e seis mil duzentos e setenta e três reais), tomando como base de cálculo não apenas o valor da condenação, estimada após atualização em R$ 4.173.173,32 (quatro milhões cento e setenta e três mil cento e setenta e três reais e trinta e dois centavos), mas também o montante representativo da dívida considerada quitada, essa que devidamente atualizada atingiria um valor global de R$ 32.241.820,22 (trinta e dois milhões duzentos e quarenta e um mil oitocentos e vinte reais e vinte e dois centavos).
As impugnações ao cumprimento de sentença apresentadas pelos executados foram acolhidas para reconhecer o excesso de execução, de modo a decotar do cálculo apresentado pelo exequente a quantia relativa ao aspecto declaratório (fls. 157-158).
Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal a quo, dando ensejo à interposição de recurso especial por meio do qual o recorrente sustentou que o percentual de 15% (quinze por cento), fixado a título de honorários advocatícios na ação de conhecimento sobre o valor da condenação, deveria abarcar, também, a quantia declarada quitada - R$ 13.270.722,60 (treze milhões duzentos e setenta mil setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos - em valores de maio/1999), e não apenas o quantum atinente à repetição do indébito - R$ 1.397.519,03 (um milhão trezentos e noventa e sete mil quinhentos e dezenove reais e três centavos - em valores de maio/1999).
O referido recurso foi provido por meio de decisão monocrática, proferida pelo e. Ministro Luis Felipe Salomão, a fim de que os honorários advocatícios fossem calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados (fl. 1.876), utilizando, na oportunidade, o entendimento segundo o qual pode o juízo da liquidação interpretar o título judicial para dele extrair o seu real significado, pois "é liquidável na execução não só o que na sentença é expresso, mas tudo o que nela é virtualmente compreendido".
Asseverou, também, que "a interpretação do comando sentencial - "valor da condenação" - que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda" (e-STJ fl. 1.875)
Pois bem, como cediço, é possível promover a interpretação do dispositivo da sentença exequenda para extrair o adequado alcance do comando sentencial, notadamente quando o título judicial se revelar ambíguo.
Contudo, na presente hipótese, o dispositivo da sentença exequenda é claro e categórico na fixação dos honorários advocatícios em 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação (fl. 126), não se depreendendo do título executivo qualquer ambiguidade ou espaço para interpretação conforme a fim de inserir no comando sentencial objeto de execução verbas supostamente relativas ao proveito declaratório, porquanto o parâmetro adotado (condenação) é absolutamente distinto de eventual proveito econômico almejado pela demandante, tanto que o novo ordenamento processual (CPC/2015) estabeleceu uma ordem para a fixação dos honorários, sendo que apenas na hipótese de inexistir condenação é que se cogitará do proveito econômico e caso não seja esse mensurável é que se considerará o valor atualizado da causa como base de cálculo dos honorários.
Esse entendimento foi sedimentado no âmbito da Segunda Seção desta Corte Superior no bojo do REsp 1746072/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/02/2019, DJe 29/03/2019, a qual definiu que a fixação dos honorários de sucumbência, sob a égide do CPC/201 5, sujeita-se à seguinte ordem de preferência:
(I) primeiro, quando houver condenação, devem ser fixados entre 10% e 20% sobre o montante desta (art. 85, § 2º); (II) segundo, não havendo condenação, serão também fixados entre 10% e 20%, das seguintes bases de cálculo: (II.a) sobre o proveito econômico obtido pelo vencedor (art. 85, § 2º); ou (II.b) não sendo possível mensurar o proveito econômico obtido, sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º); por fim, (III) havendo ou não condenação, nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou em que o valor da causa for muito baixo, deverão, só então, ser fixados por apreciação equitativa (art. 85, § 8º)
Assim, tal como referido pelo e. relator desta ação rescisória, "a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, viola, ainda, a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda".
Efetivamente, fora alterada a base de cálculo dos honorários advocatícios após o trânsito em julgado do título judicial, quando do julgamento de recurso especial interposto contra deliberação que acolheu impugnação ao cumprimento de sentença.
Nesse contexto, acompanha-se o e. relator quanto à procedência da ação rescisória por ofensa à coisa julgada e ao artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituindo-se o acórdão e a decisão monocrática proferida nos autos do REsp nº 1.360.424/MS, para em juízo rescisório, negar provimento ao recurso especial.
É o voto.
VOTO-VISTA
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI:
Cuida-se de ação rescisória ajuizada por BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S/A contra EDSON MACARI e LUIZ EPELBAUM, por meio da qual se pretende rescindir acórdão proferido pela 4ª Turma desta Corte por ocasião do julgamento do AgRg no REsp 1.360.424/MS, publicado no DJe de 11/03/2014.
Na petição inicial da ação rescisória (fls. 1/33, e-STJ), são deduzidas duas causas de pedir, a saber: (i) ofensa à coisa julgada, porque o acórdão rescindendo, ao incluir, na fase de cumprimento, o benefício econômico obtido pela parte com a tutela declaratória na base de cálculo dos honorários advocatícios, teria violado a sentença de mérito proferida na fase de conhecimento, que teria fixado os honorários advocatícios apenas com base no valor da condenação; (ii) violação de literal disposição de lei, pois o acórdão rescindendo, ao deixar de distinguir os diferentes regimes de fixação dos honorários advocatícios nas tutelas declaratória e condenatória, teria violado as regras do art. 20, §3º e 4º, do CPC/73, do art. 884 do CC/2002 e art. 5º, LIV, da CF/88.
Voto do e. Relator, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva: julgou procedente o pedido rescindente e, em juízo rescisório, negou provimento ao recurso especial, ao fundamento de que "a base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada", razão pela qual "a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda".
Voto do e. Min. Luís Felipe Salomão: abriu a divergência para julgar improcedente o pedido rescindente, ao fundamento de que, sendo lícito ao julgador interpretar o título executivo judicial para dele extrair seu verdadeiro sentido, não houve, no acórdão rescindendo, ofensa à coisa julgada ou à literal disposição legal, pois a tutela declaratória de quitação e a tutela condenatória de repetição do indébito eram indissociáveis, motivo pelo qual a locução "valor da condenação", existente no dispositivo da sentença, deve ser interpretada de modo amplo, compreendendo o proveito econômico integralmente obtido pela parte e não apenas o específico valor correspondente ao acolhimento do pedido de índole condenatória.
Em razão das especificidades da causa, pedi vista para melhor exame da controvérsia.
Revisados os fatos, decide-se.
01) Como ressaltado no voto do e. Relator, faz coisa julgada material o capítulo da sentença de mérito em que são arbitrados os honorários advocatícios de sucumbência, incluindo a definição da base de cálculo aplicável na hipótese.
02) Essa é a jurisprudência dominante desta Corte, com destaque para os seguintes precedentes de todas as Turmas do Superior Tribunal de Justiça em que a matéria é discutida: AgRg no REsp 1.132.780/PE, 3ª Turma, DJe 04/12/2014; AgRg no AgRg no REsp 1.345.685/RS, 2ª Turma, DJe 12/06/2013; AgRg no AI 1.376.807/SP, 4ª Turma, DJe 06/12/2012 e AgRg no Ag 1.071.289/RS, 1ª Turma, DJe 01/07/2009.
03) Na hipótese, a sentença proferida na fase de conhecimento havia condenado o autor tendo como base de cálculo o valor da condenação, de modo que esse critério não poderia ter sido alterado para o proveito econômico na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada.
04) Forte nessas razões, rogando as mais respeitosas vênias à divergência, adiro ao voto do e. Relator, no sentido de JULGAR PROCEDENTE a presente ação rescisória e, em juízo rescisório, negar provimento ao recurso especial.
VOTO VENCIDO
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. Cuida-se de ação rescisória ajuizada em 9/8/2016 por Banco Boavista Interatlântico S.A., com fundamento no art. 966, IV e V, do CPC (arts. 485, IV e V, do CPC/1973), visando à desconstituição de acórdão da Quarta Turma, proferido no AgRg no REsp 1.360.424-MS, que confirmou a decisão monocrática desta relatoria, dando parcial provimento ao recurso especial para determinar que "os honorários advocatícios sejam calculados com base no valor da quantia declarada quitada e no valor a ser repetido, devidamente atualizados, afastada a condenação em honorários advocatícios em sede de impugnação ao cumprimento de sentença".
O acórdão recebeu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido.
Interpostos embargos de divergência, foram indeferidos liminarmente, portanto sem exame do mérito.
O autor informa que, na origem, foi ajuizada "ação declaratória cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição do indébito e perdas e danos" em face do Banco autor e do Banco Brascan S.A., tendo sido julgado parcialmente procedente o pedido de declaração de nulidade das cláusulas do contrato de mútuo, em razão da cobrança indevida de juros, de comissão de permanência cumulada com correção monetária e da errônea aplicação da Taxa ANBID, condenando as entidades financeiras a restituírem o valor de R$ 2.800.769,63 e fixando os honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º, do CPC/1973.
Acresce que os pedidos de danos material, moral, emergentes e lucros cessantes foram julgados improcedentes e que seu conteúdo econômico era muito superior aos que foram julgados procedentes, o que certamente foi levado em consideração por ocasião do arbitramento da verba sucumbencial.
Contudo, assevera que o primeiro réu, na fase de cumprimento de sentença, adicionou ao valor da condenação base de cálculo da verba honorária o valor do pedido declaratório de quitação da dívida, equivalente a R$ 13.270.722,60, o qual ainda foi atualizado com os encargos da dívida declarados nulos na ação originária, totalizando o montante de R$ 32.241.820,22 (valores de 2005).
Aduz que as impugnações ao cumprimento de sentença foram parcialmente acolhidas, em decisão confirmada pela Corte local.
Sustenta que a decisão rescindenda alterou a coisa julgada formada no processo de conhecimento, distorcendo e ampliando indevidamente o significado da expressão "valor da condenação", contida no referido artigo do CPC/1973 e reproduzida na parte dispositiva do título judicial exequendo (violação dos arts. 467 e seguintes do CPC/1973 e art. 5º, XXXVI, da Constituição da República), ao determinar, na fase de cumprimento de sentença, que o cálculo da verba honorária considerasse não somente o valor econômico do provimento condenatório (repetição de indébito), mas também o valor do provimento judicial declaratório (quitação da dívida).
Outrossim, segundo alega, o acórdão rescindendo teria violado os arts. 20, §§ 3º e 4º, do CPC de 1973, porquanto a fixação de honorários sucumbenciais, com fundamento no § 3º do artigo 20 do CPC/73 como ocorreu no caso em exame , não poderia adotar base de cálculo diversa do "valor da condenação", entendido como o valor correspondente ao conteúdo econômico da prestação imposta ao réu.
Entende que também houve a violação dos princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilitou a fixação de honorários manifestamente exorbitantes (arts. 884 do CC e 5º, LIV, da Constituição da Federal).
Foi deferido o pedido liminar pelo eminente Ministro relator, para suspender a execução do julgado rescindendo até o julgamento final deste feito (fls. 2.066-2.072)
Os réus apresentaram contestação às fls. 2.104-2.428 e 2.430-2.510.
O Ministério Público Federal, em parecer às fls. 2.973-2.981, pugnou pelo provimento do pedido formulado na presente ação rescisória.
Na sessão de 12.8.2020, o eminente relator apresentou voto julgando procedente a ação rescisória, nos termos da seguinte ementa:
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. ART. 20, § 3º, DO CPC/1973. TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. OFENSA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e o artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973.
2. A base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. No caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de
ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
4. Ação rescisória procedente.
O eminente Ministro Marco Buzzi revisor acompanhou o relator "quanto à procedência da ação rescisória por ofensa à coisa julgada e ao artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil de 1973, desconstituindo-se o acórdão e a decisão monocrática proferida nos autos do REsp 1.360.424/MS, para em juízo rescisório negar provimento ao recurso especial".
Pedi vista antecipada dos autos para mais acurada análise.
É o relatório complementar.
2. Em um primeiro momento, faz-se mister empreender um breve escorço fático com o desiderato de melhor realçar a questão sob julgamento.
Inicialmente, EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A. - SANESUL ajuizou "ação declaratória cumulada com ação ordinária de modificação de cláusulas, repetição de indébito e perdas e danos" em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO INTERATLÂNTICO S.A. (este, o autor da presente ação rescisória), no início do ano de 1997.
É possível depreender dos autos iniciais que a autora da ação principal, premida pela carência de recursos para otimizar sua atividade essencial de abastecimento de água e esgoto sanitário à população e confiante que teria reciprocidade de tratamento com equilíbrio contratual, celebrou com o primeiro réu (da ação principal), em meados de 1994, contrato de empréstimo, recebendo a quantia mutuada de Cr$ 10.000.000.000,00 (dez bilhões de cruzeiros reais), correspondentes a R$ 5.993.263,57 (cinco milhões, novecentos e noventa e três mil, duzentos e sessenta e três reais e cinquenta e sete centavos).
A autora vinha mantendo os pagamentos, mas, com o desmedido acréscimo dos valores apresentados para cobrança e dos ônus que sempre lhe foram impostos, inconformou-se e muniu-se de subsídios, objetivando verificar a exatidão e a pertinência do montante já cobrado e do que ainda se pretendia cobrar, situação que ensejou algumas renegociações e consequentes aditivos.
Assim, com o primeiro aditivo, o primeiro réu cedeu para o segundo (autor da ação principal) metade dos direitos, dilatando-se o prazo de pagamento para 20 meses, ocasião em que foram novamente impostos juros remuneratórios sobre os já embutidos e mantido o indexador primitivo (Taxa ANBID).
O segundo aditivo foi firmado após inúmeras amortizações sucessivas, com novo desdobramento de prestações, determinando-se mais 18 prestações com o mesmo indexador e os mesmos juros de 2% ao mês, avençados desde a primeira contratação, ao tempo em que a inflação mensal oscilava em torno de 1% ao mês.
A autora da ação principal informa que foi, ainda, obrigada a manter caucionadas as contas dos consumidores, determinando-se à instituição financeira dos seus recursos Banco Bamerindus a provisão de recursos da arrecadação para satisfazer os valores que se tornassem vencidos, carta que outorgava poderes exorbitantes, até para efetuar pagamentos (em causa própria).
Dessa forma, os réus informaram à autora que iriam contra ela propor ação judicial caso não efetuados os pagamentos das onerosíssimas prestações, além de inscrevê-la no SERASA, com o bloqueio de sua conta no Banco Bamerindus, o que poderia levar à paralisação total dos serviços essenciais à população.
Assim, com o escopo de impedir a cristalização de tais ilegalidades, ingressou com a ação indicada acima, alegando em síntese: a) a nulidade dos indexadores que não refletissem a desvalorização da moeda; b) a nulidade dos índices de reajuste pela taxa ANBID; c) a capitalização indevida de juros; d) a devolução dos juros cobrados a maior; e) a impossibilidade de, em contrato de adesão, violar-se a comutatividade; f) a a possibilidade de revisar-se judicialmente contrato bancário; g) a violação do direito do consumidor; h) a caracterização da lesão, tendo em vista a ilegalidade da cobrança de encargos por mora não culposa; i) a repetição do indébito; j) a declaração de nulidade das cláusulas contratuais abusivas; k) a indenização por perdas e danos materiais e a compensação dos danos morais.
Deu-se à causa o valor de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) em janeiro de 1997.
Na sentença, proferida em janeiro de 2001, isto é, após o transcurso de quatro anos do ajuizamento da exordial, julgou-se parcialmente procedente o pedido, consoante se observa na transcrição do dispositivo:
Diante do exposto, julgo procedente, em parte, a ação Declaratória, c.c. Ordinária de Modificação de Cláusulas, Repetição de Indébito e Perdas e Danos promovida por SANESUL - EMPRESA DE SANEAMENTO DE MATO GROSSO DO SUL S.A., em face de BANCO BRASCAN S.A. e BANCO BOAVISTA INTERATLÂNTICO S.A., para declarar nulas as cláusulas contratuais que prevêem juros acima do limite constitucional de 12% ao ano e cobrança de comissão de permanência cumulada com a correção monetária, afastando a chamada Taxa ANBID.
Em consequência, declaro o direito da autora em ver a dívida corrigida pelo IGP-M com juros fixados em 12% ao ano, capitalizados anualmente, declarando também a dívida quitada, razão porque acolho o pedido de repetição de indébito para condenar os réus a restituírem à autora a importância de R$ 2.800.000.769,63 (dois milhões, oitocentos mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e três centavos), acrescidos de juros de 0,5% (meio por cento) ano mês (sic) e atualização monetária pelo mesmo índice a contar de 31.05.99, data em que o valor foi encontrado pelo perito oficial.
Julgo, outrossim, improcedentes os pedidos de condenação em dano material e moral, bem como em danos emergentes e lucros cessantes.
Acolho, por derradeiro, o pedido cautelar e confirmo a liminar reconhecendo a presença dos pressupostos que a ensejam, periculum in mora e fumus boni iuris.
Condeno os réus a pagarem honorários em favor do patrono do autor em percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor da condenação, atendendo-se ao que dispõe o art. 20 § 3º do CPC, levando-se em consideração também que a sua atuação deu-se também na ação cautelar de igual complexidade que a ação principal, devendo também aqueles suportar as custas processuais e honorários advocatícios do perito corrigidos a contar do efetivo desembolso.
.. (Fls. 125-127, g.n.)
Ambas as partes recorreram da sentença, que foi mantida pelo Tribunal local (fls. 129-142) em acórdão datado de setembro de 2002, assim ementado:
RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DECLARATÓRIA C/C ORDINÁRIA DE MODIFICAÇÃO DE CLÁUSULAS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO E PERDAS E DANOS - MÚTUO BANCÁRIO - DISCUSSÃO - CONTRATO DE ADESÃO - APLICAÇÃO DO CDC - ABUSO DE DIREITO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - CORREÇÃO MONETÁRIA - TAXA ANBID - SUBSTITUIÇÃO PELO IGP-M - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - EXCLUSÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - RECURSO IMPROVIDO.
Contrato de adesão: os contratos em que as cláusulas são preestabelecidas, não oportunizando ao contratante o direito de discussão trata-se de contrato de adesão, cabendo ao Poder Judiciário, a revisão das cláusulas consideradas leoninas, se porventura existirem.
A aplicação do CDC: havendo a prestação de serviços ou fornecimento de produtos (art. 2º, caput), não importando que o contratante seja pessoa física ou jurídica. O hábito de contratar não descaracteriza a hipossuficiência.
Abuso de direito: não se caracteriza o abuso de direito no fato de contratante, primeiramente, aceitar as condições impostas pelo contrato para, posteriormente, vir a juízo pleitear a sua revisão, uma vez que o princípio do pacta sunt servanda não pode prevalecer sobre a legislação em geral, caso fique caracterizado prática de ilegalidades.
Taxa de juros: o art. 192, § 3º, da CF/88 tem autonomia, cuja aplicabilidade não depende de futura regulamentação, mostrando-se correta a fixação da referida taxa no patamar de 12% ao ano.
Capitalização de juros: a capitalização de juros não é admitida, em se tratando de contrato de mútuo.
Correção monetária: a taxa ANBID não é fator de correção monetária porque traduz variações de custo primário de captação de depósitos a prazo fixo, trazendo em si, embutida, taxa de juros, devendo ser substituída pelo IGP-M/FGV, que bem reflete a inflação corrente.
Comissão de permanência: nos termos da Súmula 30 do STJ, a comissão de permanência não é admitida ante a inclusão da correção monetária.
Repetição de indébito: os valores cobrados a mais devem ser devolvidos, não pela aplicação do art. 965, do CPC, mas com base no art. 4º, § 3º, da Lei 1.521/51 (crimes contra a economia popular)
RECUSO ADESIVO - LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS - REPETIÇÃO DO INDÉBITO - JUROS MORATÓRIOS - ALTERAÇÃO DE 0,5% PARA 1,0% - DANOS MORAIS, MATERIAIS, EMERGENTES E LUCROS CESSANTES - EXCLUSÃO DA MORA CULPOSA - RECURSO IMPROVIDO.
Limitação da taxa de juros: a questão da limitação da taxa de juros restou prejudicada, uma vez que restou decidida na apelação sobre a auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º, da CF/88.
Juros na repetição do indébito: quando não convencionada pelas partes nos ternos do art. 1062, do CC, a taxa de juros moratórios será de 6% ao ano.
Danos morais, materiais, emergentes e lucros cessantes: os danos morais só são devidos à pessoa jurídica, quando atingida a honra objetiva perante terceiros. Para a aplicação dos danos morais, materiais e emergentes, se faz necessária a prova dos prejuízos. Não havendo prova, não há falar em fixação dos danos.
Ausência de mora culposa: a matéria que não fez parte do pedido inicial da ação, tampouco foi apreciada na sentença de primeiro grau, não é matéria a ser analisada em segundo grau.
Passo seguinte, SANESUL ingressou com embargos de declaração, tendo a Corte estadual negado-lhes provimento.
Após o Supremo Tribunal Federal dar provimento ao recurso extraordinário, afastando a limitação de juros de 12%, com a consequente redução do montante a ser repetido, ocorreu o trânsito em julgado em agosto de 2004. Em outras palavras, a duração do processo chegou a quase oito anos.
Em seguida (abril de 2005), iniciou-se a fase de cumprimento de sentença, inaugurada pelo advogado Edson Macari (ora réu da ação rescisória), na parte referente à condenação dos executados ao pagamento de honorários advocatícios, tendo sido oferecidas impugnações pelas instituições financeiras.
As impugnações foram acolhidas para declarar que o percentual dos honorários advocatícios devidos deveria incidir sobre o valor de R$ 1.397.519,03, data-base de 31.5.1999, reconhecendo-se, portanto, o excesso de execução, conforme decisão publicada em 11.11.2010 (fl. 29 dos autos do REsp 1.360.424/MS).
As partes interpuseram agravo de instrumento e, posteriormente, embargos de declaração. Contra essas decisões, ambas interpuseram recurso especial, tendo Edson Macari ainda apresentado recurso extraordinário. O recurso especial do ora autor da rescisória não foi admitido, ao passo que os recursos especial e extraordinário interpostos por Edson Macari tiveram admissibilidade positiva.
A matéria então veio ao Superior Tribunal de Justiça em recurso especial, ficando estabelecido que a interpretação do comando sentencial "valor da condenação" que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado e quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
O entendimento, tomado primeiro por decisão monocrática, foi referendado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, consoante se observa na transcrição da ementa:
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÕES AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PREVENÇÃO. ART. 71, § 4º, DO RISTJ. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO, DE OFÍCIO, E REQUERIMENTO PELA PARTE ATÉ O INÍCIO DO JULGAMENTO DO RECURSO. PREVENÇÃO DE NATUREZA RELATIVA. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS EM AÇÃO DE CONHECIMENTO. SENTENÇA QUE DECLARA QUITADA A DÍVIDA E CONDENA OS RÉUS EM REPETIR O INDÉBITO. BASE DE CÁLCULO. INCLUSÃO DO VALOR DECLARADO QUITADO. PROVEITO ECONÔMICO DA DEMANDA.
1. A competência traçada pelo art. 71 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ é de natureza relativa, porquanto regulada por regimento interno, de sorte que deve ser suscitada após a distribuição do feito até o início do julgamento, consoante disposição do parágrafo 4º do referido dispositivo regimental. Precedentes.
2. Versando o mérito do recurso especial acerca da interpretação do título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, ressoa inaplicável o óbice contido na Súmula 7/STJ.
3. O juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada é dele retirado, apenas aclarando o exato alcance da tutela antes prestada.
4. Os honorários advocatícios, consoante a remansosa jurisprudência desta Corte Superior, devem ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante.
5. Dessa sorte, no caso dos autos, a interpretação do comando sentencial que melhor se harmoniza com a sua fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
6. Agravo regimental não provido.
Acrescente-se que o acórdão proferido pela Quarta Turma foi, ainda, objeto de embargos de divergência, indeferidos liminarmente pelo eminente Ministro João Otávio de Noronha, decisão essa mantida, em agravo regimental, pela Segunda Seção, com trânsito em julgado em 12.5.2015.
Em outras palavras, a fase executiva dos honorários advocatícios durou mais de dez anos! Caso se adicionasse, nesse período, a fase de conhecimento, são quase dezoito anos de duração processual, em que os ora recorridos se dedicaram, com total zelo profissional, interpondo os recursos e as defesas cabíveis e acompanhando o trâmite processual.
Acrescente-se que a ação principal, além da complexidade, com o exame de várias teses, também se revestia de natureza importantíssima, já que, com o resultado da demanda, com o reconhecimento da dívida quitada pela empresa pública de saneamento, possibilitou-se a manutenção do serviço de água e esgoto sanitário em prol da população da área atendida.
3. Na verdade, observada sempre a devida vênia, como se não bastassem todas as quatro instâncias do Judiciário terem sido percorridas, o autor pretende agora que a causa seja rejulgada, que o juízo da ação rescisória seja mais um degrau revisor.
Alega que o julgado rescindendo ofendeu a coisa julgada e violou literal disposição de lei, nos moldes do disposto no art. 485, IV e V, do CPC/1973, em que pese o fato de a exordial fundamentar-se no art. 966 do CPC/2015.
De fato, como o trânsito em julgado ocorreu antes do início de vigência do CPC/2015, as hipóteses de cabimento da ação rescisória seguem o regramento vigente no diploma processual anterior.
Não se pode olvidar que, objetivando resguardar o instituto da intangibilidade da coisa julgada e, por conseguinte, o princípio da segurança jurídica, o art. 485 do CPC/1973 (art. 966 do CPC/2015) enumera as estritas hipóteses de cabimento da ação rescisória, procedimento de natureza excepcional que visa à desconstituição de decisão transitada em julgado.
Observa-se, contudo, que a viabilidade da ação rescisória por violação literal de lei, como cediço, pressupõe ofensa direta e explícita, não se admitindo a mera afronta reflexa ou indireta.
Na hipótese vertente, retorna a esta Corte Superior a controvérsia sobre definir a extensão do comando contido na sentença transitada em julgado relativo à "condenação", para fins de aferição da base de cálculo de incidência dos honorários advocatícios sucumbenciais.
Como tive a oportunidade de asserir outrora, quando do julgamento do recurso, o juízo de liquidação pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e o alcance do comando sentencial mediante a integração do dispositivo com a fundamentação.
Deveras, em linha de princípio, é plenamente possível que o juízo da liquidação interprete o título judicial para dele extrair seu real significado, considerando-se que tal providência não vulnera o princípio da fidelidade ao título pelo qual é regido o incidente, conforme estampado no art. 475-G do CPC/1973: "É defeso, na liquidação, discutir de novo a lide ou modificar a sentença que a julgou".
Tal como adverte Araken de Assis, citando Almeida de Souza, "é liquidável na execução não só o que na sentença é expresso, mas tudo o que nela é virtualmente compreendido" (Manual da execução. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 294), de modo que, amiúde, será exigido do Juízo algum grau de investigação intelectiva, sempre dentro dos lindes traçados pelo título liquidando.
Especialmente em liquidações de sentença cujo comando não se revela infenso a duplo sentido ou ambiguidade, deve o magistrado adotar como interpretação, entre as possíveis, a que melhor se harmoniza com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial.
Adotando-se tal providência, com a máxima vênia, não há falar em ofensa à coisa julgada, uma vez que a mera interpretação do título nada acrescenta a ele e nada dele retira. Apenas se põe às claras o exato alcance da tutela antes prestada.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes precedentes:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA RECURSAL DA AGRAVANTE.
1. De acordo com a jurisprudência desta Corte, inexiste ofensa à coisa julgada quando o magistrado, em sede de cumprimento de sentença, interpreta o título judicial para melhor definir seu alcance e extensão. Precedentes.
1.1. No caso em tela, restou assentado pelo Tribunal local que a condenação estipulada no título exequendo, bem como o modo de cálculo utilizado na liquidação do julgado, obedeceriam às diretrizes contidas no título executivo. Derruir tais conclusões demandaria revolvimento de matéria fático-probatória. Incidência da Súmula 7/STJ.
2. Segundo a jurisprudência desta Corte, cabe ao juiz, como destinatário da prova, indeferir as que entender impertinentes, sem que tal implique cerceamento de defesa. Rever as conclusões do órgão julgador quanto à suficiência das provas apresentadas demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência vedada pela Súmula 7 do STJ. Precedentes.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 1281209/ES, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 03/02/2020) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLR. PLANOS DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. AFASTADA. DEFINIÇÃO CLARA DO ALCANCE DA SUCUMBÊNCIA SEM MODIFICAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. FASE DE CONHECIMENTO ENCERRADA COM A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE PAGAR QUANTIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DOS DANOS MORAIS MAIS O MONTANTE ECONÔMICO DO PROCEDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR REALIZADO.
1. Cumprimento de sentença do qual se extrai o presente recurso especial interposto em 27/6/17. Autos conclusos ao gabinete em 25/1º/18. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em definir se há violação da coisa julgada, bem como qual a base de cálculo de honorários advocatícios sucumbenciais na procedência de pedidos de compensação de danos morais e de obrigação de fazer.
3. O juízo da execução pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, mas, nessa operação, nada pode acrescer ou retirar, devendo apenas aclarar o exato alcance da tutela antes prestada. Rejeitada a tese de violação da coisa julgada.
4. O art. 20, § 3º, do CPC/73 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material. Precedente específico.
5. Nos conflitos de direito material entre operadora de plano de saúde e seus beneficiários, acerca do alcance da cobertura de procedimentos médico-hospitalares, é inegável que a obrigação de fazer determinada em sentença não só ostenta natureza condenatória como também possui um montante econômico aferível.
6. O título judicial que transita em julgado com a procedência dos pedidos de natureza cominatória (fornecer a cobertura pleiteada) e de pagar quantia certa (valor arbitrado na compensação dos danos morais) deve ter a sucumbência calculada sobre ambas condenações. Nessas hipóteses, o montante econômico da obrigação de fazer se expressa pelo valor da cobertura indevidamente negada.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1738737/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) g.n.
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PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. CONVERSÃO DE BENEFÍCIO. DECESSO. INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL.
1. O juízo da execução exarou despacho determinando que se oficiasse à União para cumprir a parte líquida do julgado (pagar o auxílio-invalidez no valor equivalente a um dia de soldo de um subtenente) (e-STJ fl. 258).
2. O recorrente alega que recebia 30 diárias de asilado quando da conversão do benefício "diária de asilado" em auxílio-invalidez. Dessa forma, a interpretação do título executivo judicial deveria ser no sentido de determinar o pagamento de 30 diárias de suboficial.
3. O acórdão recorrido concluiu que o título executivo judicial, seja em sua fundamentação, seja no dispositivo, não se refere ao pagamento de 30 (trinta) diárias mensais ao militar reformado. O acórdão exequendo teria determinado expressamente o pagamento do auxílio-invalidez (e não da diária de asilado) no valor equivalente a "um dia de subtenente", que, posteriormente, em aclaratórios, foi alterado pela expressão "um dia de soldo de um subtenente" (e-STJ fl. 342).
4. Como texto, o dispositivo da sentença deve ser interpretado no juízo da liquidação. Para interpretar uma sentença, não basta a leitura de seu dispositivo, o qual deve ser integrado com a fundamentação, que lhe dá o sentido e o alcance. Precedentes.
5. O acórdão exequendo fixou o auxílio invalidez em uma diária do soldo de subtenente, ressalvando, entretanto, que, na legítima substituição da diária de asilado pelo auxílio-invalidez, não pode haver prejuízo patrimonial aos seus titulares, ou seja, é vedada a redução do valor do benefício. Esse é o entendimento que dever orientar o despacho do juízo de execução.
6. Recurso especial provido em parte.
(REsp 1.368.195/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe de 09/04/2013) g.n.
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AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TÍTULO EXECUTIVO. CRITÉRIO INTERPRETATIVO. CONFORMIDADE COM OS LIMITES DA LIDE.
1. "Havendo dúvidas na interpretação do dispositivo da sentença, deve-se preferir a que seja mais conforme à fundamentação e aos limites da lide, em conformidade com o pedido formulado no processo. Não há sentido em se interpretar que foi proferida sentença ultra ou extra petita, se é possível, sem desvirtuar seu conteúdo, interpretá-la em conformidade com os limites do pedido inicial" (REsp 818.614/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ 20/11/2006).
2. Caso concreto em que a interpretação da sentença em conformidade com os limites da lide não ampara a pretendida inclusão dos adicionais de trabalho noturno e de alimentação nos cálculos exequendos.
3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1.199.865/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/8/2012, DJe de 24/8/2012) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE HONORÁRIOS. SENTENÇA QUE OS FIXOU EM PERCENTUAL SOBRE O VALOR DA CAUSA. AUSÊNCIA DE VALOR DA CAUSA. INTERPRETAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. OFENSA A COISA JULGADA. NÃO CARACTERIZAÇÃO.
I - No caso concreto, a sentença proferida em processo de habilitação de crédito em falência fixou honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa, sem que o habilitante houvesse indicado um "valor da causa".
II - A fim emprestar uma repercussão prática a esse título judicial e torná-lo exequível, é possível interpretá-lo de modo a considerar como "valor da causa" a quantia cuja habilitação era pleiteada, já que ela refletia o proveito econômico perseguido.
III - A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é cediça ao dispor que o processo de execução deve observar, fielmente, o comando sentencial inserido na ação de conhecimento transitada em julgado, sob pena de restar malferida a coisa julgada.
IV - Isso não significa, porém, que a sentença exequenda seja avessa à investigações ou interpretações. Muito pelo contrário. Se apenas a interpretação da lei pode revelar o seu real significado e extensão, também as decisões judiciais, leis dos casos concretos, reclamam esforço hermenêutico que revele o seu significado e extensão.
V - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no Ag 1.030.469/RO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe de 07/06/2010) g.n.
Vale lembrar o memorável magistério de Pontes de Miranda quanto à eficácia preponderante da sentença, no seguinte sentido: "não há nenhuma sentença que seja pura. Nenhuma é somente declarativa. Nenhuma é somente constitutiva. Nenhuma é somente condenatória. Nenhuma é somente mandamental. Nenhuma é somente executiva" (Tratado das Ações. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, p. 124).
Trazendo o pensamento ponteano ao caso concreto, máxime quanto à interpretação da eficácia preponderante presente na decisão transitada em julgado, penso que efetivamente ocorreu a interpretação do título judicial para melhor definir o alcance e a extensão.
Veja-se o que consignou a decisão que acolheu as impugnações ao cumprimento de sentença apresentadas por Banco Brascan S.A. e Banco Boavista Interatlântico S.A.:
..
É necessário consignar também que quando do julgamento do Recurso Extraordinário interposto conjuntamente pelos ora impugnantes (fls. 99 dos autos 001.09.008151-0), o Supremo Tribunal Federal afastou a limitação de juros de 12% (doze por cento), o que culminou com a redução do montante a ser repetido, reduzindo-se, também, via de consequência, por óbvio, a base de cálculo dos honorários advocatícios.
A perícia realizada na fase de conhecimento (cópia às fls. 27/68 da execução), e que serviu de base para a condenação, também realizou os cálculos sem a limitação de juros de 12% (doze por cento) ao ano, na forma como determinada pelo Supremo Tribunal Federal, encontrando o estudo, nessa hipótese, o valor de R$ 1.397.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e sete mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos) na data base de 31/05/1999 (fls. 35 da execução). Portanto, sem necessidade de maiores digressões a respeito, dada a higidez da questão, esse é o valor a ser utilizado como base de cálculo para a contagem dos honorários.
.. (fl. 25)
Por sua vez, o Tribunal de origem assim se manifestou acerca da interpretação a ser conferida à expressão "condenação", contida na sentença exequenda, nos autos de agravo de instrumento manejado contra a decisão que acolheu as referidas impugnações ao cumprimento de sentença:
..
Já se percebe desde logo, portanto, em singela análise do título, que o impugnado, de fato, pretende outorgar ao capítulo da parte dispositiva da sentença uma interpretação elástica totalmente equivocada quando da elaboração dos cálculos que deram suporte ao procedimento de excussão, isto porque, como já afirmado, o "decisum" foi expresso em determinar que o percentual de honorários somente tem como base de cálculo o valor da condenação, ou seja, o montante a ser restituído pelos impugnantes à empresa representada pelo impugnado, e não sobre a parte declaratória do dispositivo (quitação da dívida), como pretendido pelo impugnado.
Ademais, o capítulo declaratório, como sabido e ressabido, não se traduz em proveito econômico algum propriamente dito, não tendo sido considerada na decisão, sequer implicitamente, como objeto de base de cálculo para fins de sucumbência. Seria o caso, quanto muito, de fixação da verba honorária, neste particular, nos moldes do § 4.º do art. 20 do Código de Processo Civil.
..
(fl. 332)
Em outras palavras, dos trechos acima transcritos, observa-se que a Corte a quo, não obstante o reconhecimento de quitação da dívida no bojo da ação de conhecimento, concluiu pela impossibilidade de incluir esse valor na base de cálculo dos honorários advocatícios.
Urge reiterar aqui que, todavia, consoante secundado pelo precedente de relatoria do eminente Ministro Castro Meira transcrito acima, " c omo texto, o dispositivo da sentença deve ser interpretado no juízo da liquidação. Para interpretar uma sentença, não basta a leitura de seu dispositivo, o qual deve ser integrado com a fundamentação, que lhe dá o sentido e o alcance" (REsp 1.368.195/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 2/4/2013, DJe de 9/4/2013).
Esse entendimento advém de notória regra de hermenêutica jurídica, deduzida do argumento pro subjecta materia, cristalizada no seguinte apotegma: Influi, para a interpretação e a aplicabilidade, o lugar em que um trecho está colocado, de modo a confrontar e procurar conciliar as disposições que se referem ao mesmo assunto, premissa evidentemente adotada, inclusive, na redação de textos jurídicos.
Em escólio lapidar, doutrina Carlos Maximiliano:
.. O valor de cada regra, ou frase, varia conforme o lugar em que se acha .. .
Denomina-se argumento pro subjecta materia o que se deduz do lugar em que se acha um texto .. . "Muitas disposições, observa Dupin, se as generalizassem, conduziriam ao erro os que se deixassem surpreender, visto deverem ser restringidas à rubrica sob a qual estão colocadas; legis mens, et verba ad titulum sub quo sita sunt, accommodanda, et pro subjecta materia vel amplianda vel restringenda" - "o sentido e as palavras da lei devem afeiçoar-se ao título sob o qual se acham colocados; ampliem-se ou restrinjam-se conforme o assunto a que estão subordinados".
..
Tomada a interpretação sob o aspecto formal ou técnico-sistemático, deve-se ter em vista, acima de tudo, o lugar em que um dispositivo se encontra. Especialmente das relações com os parágrafos vizinhos, o instituto a que pertence e o conjunto da legislação se deduzem conclusões de alcance prático, elementos para fixar as raias de domínio da regra positiva.
Até mesmo em se aplicando o processo sistemático de exegese, deve-se ter o cuidado de confrontar e procurar conciliar disposições que se refiram ao mesmo assunto ou à matéria semelhante, embora insertas em leis diversas.
O que caracteriza o verdadeiro jurisconsulto é exatamente a segurança com que descobre a norma apropriada para cada hipótese rara, enquanto os indoutos aplicam a regra geral a simples exceções, ou fazem pior: generalizam preceitos destinados só a estas, forçam analogias, transplantam disposições para terreno que as repele, enquadram os casos de certa categoria em artigos de lei feitos para relações dessemelhantes na essência. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, pp. 218 e 220) g.n.
4. A meu sentir, portanto, na hipótese em exame, a interpretação da sentença no juízo de liquidação, bem integrada com a fundamentação, demonstra que o valor declarado quitado também concerne à base de cálculos dos honorários de sucumbência. Isso porque, na fase de cognição, houve o reconhecimento de que a prática do réu (ora autor) agrediu o sistema jurídico, com manifesta ilegalidade no ajuste, por permitir benefício excessivo a ele em detrimento do sacrifício desmedido da autora, em razão da cobrança de encargos excessivos. Cristalizou-se, também, na sentença que a autora de há muito havia quitado o empréstimo, restando-lhe um crédito de R$ 2.800.000,00, e não um saldo devedor de mais de R$ 5.000.000,00 na época dos fatos, com parâmetro no contrato e nas taxas ilegais nele fixadas.
Na própria contestação da presente ação rescisória, informam os requeridos tal questão, que não foi sequer contraditada pelo autor:
"O conteúdo econômico da ação é pertinente, tendo que se reconhecer no processo de conhecimento que o requerente estava a exigir, ilegalmente, uma dívida inexistente de nada menos que R$ 13.270.722,60 (treze milhões, duzentos e setenta mil, setecentos e vinte e dois reais e sessenta centavos), apurada pela decisão singular em 31/05/1999, que hoje atualizada representaria a significativa importância de R$ 3.617,118.562,38 (três bilhões, seiscentos e dezessete milhões, cento e dezoito mil, quinhentos e sessenta e dois reais e trinta e oito centavos), além de ter exigido e recebido um excedente de R$ 1.395.519,03 (um milhão, trezentos e noventa e cindo mil, quinhentos e dezenove reais e três centavos), apurado pela perícia na mesma época, sem considerar nestes cálculos a ilegal TAXA ANBID como indexadora do contrato firmado entre as partes, considerada nula pela Súmula 176/STJ." (fls. 2.150-2.151)
Com efeito, a quitação e a restituição do indébito estão tão imbricadas na fundamentação que, no próprio dispositivo, o juízo singular declara a dívida quitada, razão por que acolhe o pedido de repetição de indébito.
É relevante lembrar, aqui, a célebre lição de Liebman ao esclarecer que é correto afirmar que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença, devendo-se dar, contudo, a essa parte a interpretação de sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não só a parte final da sentença, mas também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido os pedidos das partes.
Assim, no caso concreto, a interpretação do comando sentencial "valor da condenação" que melhor se harmoniza com a a fundamentação e com o ordenamento jurídico, seja no aspecto processual seja no substancial, é a que também insere na base de cálculo dos honorários advocatícios o valor da dívida declarado quitado, mercê de refletir com exatidão o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
Com efeito, os precedentes abaixo bem conceituam que o valor da condenação fixado pelo art. 20, § 3º, do CPC deve ser entendido como o valor pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLR. PLANOS DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA. AFASTADA. DEFINIÇÃO CLARA DO ALCANCE DA SUCUMBÊNCIA SEM MODIFICAÇÃO DO TÍTULO JUDICIAL. FASE DE CONHECIMENTO ENCERRADA COM A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE PAGAR QUANTIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM 15% SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. BASE DE CÁLCULO. VALOR DOS DANOS MORAIS MAIS O MONTANTE ECONÔMICO DO PROCEDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR REALIZADO.
1. Cumprimento de sentença do qual se extrai o presente recurso especial interposto em 27/6/17. Autos conclusos ao gabinete em 25/1º/18. Julgamento: CPC/73.
2. O propósito recursal consiste em definir se há violação da coisa julgada, bem como qual a base de cálculo de honorários advocatícios sucumbenciais na procedência de pedidos de compensação de danos morais e de obrigação de fazer.
3. O juízo da execução pode interpretar o título formado na fase de conhecimento, com o escopo de liquidá-lo, extraindo-se o sentido e alcance do comando sentencial mediante integração de seu dispositivo com a sua fundamentação, mas, nessa operação, nada pode acrescer ou retirar, devendo apenas aclarar o exato alcance da tutela antes prestada. Rejeitada a tese de violação da coisa julgada.
4. O art. 20, § 3º, do CPC/73 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre 10% e 20% sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material. Precedente específico.
5. Nos conflitos de direito material entre operadora de plano de saúde e seus beneficiários, acerca do alcance da cobertura de procedimentos médico-hospitalares, é inegável que a obrigação de fazer determinada em sentença não só ostenta natureza condenatória como também possui um montante econômico aferível.
6. O título judicial que transita em julgado com a procedência dos pedidos de natureza cominatória (fornecer a cobertura pleiteada) e de pagar quantia certa (valor arbitrado na compensação dos danos morais) deve ter a sucumbência calculada sobre ambas condenações. Nessas hipóteses, o montante econômico da obrigação de fazer se expressa pelo valor da cobertura indevidamente negada.
7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
(REsp 1738737/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEMANDA PROCEDENTE. BASE DE CÁLCULO. CPC/1973. VALOR DA CONDENAÇÃO. MULTA COMINATÓRIA. VERBA EXCLUÍDA. NATUREZA JURÍDICA DIVERSA. MEIO COERCITIVO. COISA JULGADA MATERIAL. AUSÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 13/STJ.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se o valor da multa cominatória integra a base de cálculo da verba honorária disciplinada pelo CPC/1973.
2. O art. 20, § 3º, do CPC/1973 estipula que os honorários de advogado, quando procedente o pedido da inicial, serão fixados entre dez por cento (10%) e vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, a qual deve ser entendida como o valor do bem pretendido pelo demandante, ou seja, o montante econômico da questão litigiosa conforme o direito material.
3. A multa cominatória constitui instrumento de direito processual criado para a efetivação da tutela específica perseguida, ou para a obtenção de resultado prático equivalente, nas ações de obrigação de fazer ou não fazer, constituindo medida de execução indireta.
4. A decisão que arbitra astreintes não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. Precedente da Segunda Seção.
5. As astreintes, por serem um meio de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não ostentam caráter condenatório, tampouco transitam em julgado, o que as afastam, na vigência do CPC/1973, da base de cálculo dos honorários advocatícios.
6. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido.
(REsp 1367212/RR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 01/08/2017) g.n.
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VALOR DA CAUSA - AÇÃO DECLARATÓRIA.
A CIRCUNSTÂNCIA DE TRATAR-SE DE AÇÃO DECLARATÓRIA NÃO SIGNIFICA, POR SI, NÃO TENHA CONTEÚDO ECONÔMICO. PRETENDENDO-SE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE, RELATIVAMENTE A DETERMINADO NEGÓCIO, A SIGNIFICAÇÃO ECONÔMICA DESSE CORRESPONDERIA AO VALOR DA CAUSA.
(REsp 4.242/RJ, Rel. Ministro NILSON NAVES, Rel. p/ Acórdão Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/1990, DJ 22/10/1990, p. 11665)
Vê-se que os precedentes apontam que a sucumbência deverá ser calculada sobre ambas as condenações.
Indaga-se, portanto, qual era o montante econômico da questão litigiosa no caso em apreço. Ora, se a autora da fase de reconhecimento deixou de ser devedora de mais de R$ 5.000.000,00, tendo o empréstimo sido considerado quitado e ainda com direito à percepção do indébito, afigura-se indubitável o direito material pleiteado e, em consequência, o montante econômico da obrigação.
Registre-se, ainda, que a condenação transitada em julgado, ao fixar os honorários sucumbenciais, levou em conta o trabalho desenvolvido nas ações de rito ordinário e cautelar, inclusive foi considerada de igual complexidade em relação à principal, incidindo, obviamente, sobre o capítulo declaratório, a fortiori porque este também se traduz em proveito econômico, consoante se observa nos precedentes citados abaixo, ipsis litteris:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESOLUÇÃO DE CONTRATO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS. ACOLHIMENTO INTEGRAL DOS PEDIDOS. CULPA PELA RESCISÃO. SÚMULAS 05 E 07/STJ. ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS EM DEMANDA COM CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. PROVEITO ECONÔMICO DO LITÍGIO. SOMA DO VALOR DOS PEDIDOS. ARBITRAMENTO NÃO EXAGERADO, OBSERVADAS AS ALÍNEAS DO PARÁGRAFO TERCEIRO DO ARTIGO 20 DO CPC. SÚMULA 07/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
(AgRg no REsp 1548222/MS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe 19/11/2015) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AFRONTA AO ART. 779 DO CC. INDENIZAÇÃO APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS COM BASE NOS FATOS, NAS PROVAS DOS AUTOS E NO CONTRATO FIRMADO. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 3. OFENSA AO ART. 20, § 3º, DO CPC. SENTENÇA QUE EXCLUIU A QUANTIA LEVANTADA À TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA HONORÁRIA QUE DEVE INCIDIR SOBRE A TOTALIDADE DO PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO PELO AUTOR COM A AÇÃO INTENTADA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Consoante se extrai do acórdão de apelação, o Tribunal de origem analisou detidamente os prejuízos que deviam ser indenizados e que possuíam a cobertura da apólice de seguro. Não havia, portanto, nenhum defeito a ser sanado por meio de embargos de declaração, os quais, por isso mesmo, foram corretamente rejeitados. De se ver que esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que o mero descontentamento da parte com o resultado do julgado não configura afronta ao art. 535 do CPC. Ademais, nas razões do recurso especial, a recorrente não indicou precisamente em que teria consistido a omissão no acórdão, de modo que se aplica, no ponto, o enunciado n. 284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Em relação à cogitada ofensa ao art. 779 do Código Civil, tem-se que o acórdão de apelação examinou minuciosamente o contrato firmado, os fatos, bem como as provas contidas nos autos, ocasião em chegou à conclusão de que deveria ser mantida a indenização fixada pela sentença de primeiro grau, entendimento este que não pode ser revisto por esta Corte por demandar interpretação de cláusulas contratuais e minucioso exame do conjunto fático-probatório, atraindo a incidência, respectivamente, dos enunciados nos 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
3. De acordo com o princípio da causalidade, a parte que deu causa à propositura da demanda deve responder pelos encargos dela decorrentes. Na hipótese, considerando-se que a recorrente teve que ingressar com a ação judicial também para se ver ressarcida da quantia incontroversa levantada no curso do processo à título de tutela antecipada, são devidos honorários advocatícios sobre a totalidade do proveito econômico obtido pela recorrente com a ação de cobrança, e não apenas sobre a diferença entre a indenização tida por devida em razão do sinistro ocorrido e o valor incontroverso depositado antecipadamente.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1523968/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 16/06/2015) g.n.
Por esses motivos, não vislumbro nenhuma ofensa à coisa julgada, máxime porque considero, conforme salientado alhures, que ocorreu a investigação e a interpretação do título formado na fase de conhecimento, mediante a integração do dispositivo com a fundamentação.
Registre-se, por oportuno, que, na época dos fatos, já vigia o entendimento segundo o qual os honorários advocatícios deveriam ter como parâmetro o proveito econômico almejado pela parte demandante, como se extrai dos seguintes precedentes, edificados inclusive com fulcro no art. 20, § 3º, do CP/1973:
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO. ARRENDAMENTO MERCANTIL (LEASING). CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. PROCEDÊNCIA EM PARTE. HONORÁRIOS. EFETIVO PROVEITO ECONÔMICO DA LIDE.
- Procedente em parte o pedido de consignação em pagamento, os honorários de sucumbência devem ser fixados em função do efetivo proveito econômico, consistente na diferença entre as pretensões das partes.
(AgRg no REsp 542.154/DF, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/03/2007, DJ de 16/04/2007, p. 181) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS MONITÓRIOS. PENALIDADE. ARTIGO 1.531 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXISTÊNCIA. DOLO. NECESSIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. PROVEITO ECONÔMICO DA AÇÃO.
I - Se a atuação da instituição financeira, conquanto censurável, não extrapolou os limites da culpa, fica desautorizada a aplicação da penalidade do artigo 1.531 do Código Civil de 1916, a qual exige que a cobrança excessiva tenha caráter doloso. Na hipótese, o banco ajuizou ação monitória e posteriormente, ao proceder à atualização do débito, percebeu que estava cobrando valor quase 6 (seis) vezes superior ao devido, e, imediatamente, corrigiu o equívoco.
II - Por terem fundamentos diferentes, o reconhecimento da litigância de má-fé não importa aplicação automática da penalidade do artigo 1.531 do estatuto revogado.
III - No caso de procedência dos embargos monitórios, os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o proveito econômico obtido, ou seja, a diferença entre o valor cobrado e aquele que se verificou ser efetivamente devido. O reconhecimento do excesso pelo credor, no ponto, equivale ao reconhecimento da procedência do pedido, nos termos do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 730.861/DF, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ de 13/11/2006, p. 252) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EXCIPIENTE. EXCLUSÃO. POLO PASSIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO EM VALOR IRRISÓRIO. INTERVENÇÃO DESTA CORTE. POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o valor arbitrado a título de honorários advocatícios pelo Tribunal local é considerado irrisório, tendo em vista os parâmetros orientadores das alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, a justificar a intervenção excepcional desta Corte.
2. Consoante a jurisprudência pacífica desta Corte Superior, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais pelo exequente em virtude do acolhimento de exceção de pré-executividade.
3. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de honorários advocatícios desde que se revele irrisório ou abusivo.
4. Na fixação dos honorários advocatícios, ainda que com fundamento no art. 20, §4º, do CPC/1973, deve-se levar em consideração as circunstâncias descritas no § 3º desse mesmo dispositivo legal, a saber: o grau de zelo profissional, o local da prestação de serviços, a natureza e importância da causa, o local da prestação do serviço e as dificuldades gerais apresentadas pelo processo.
5. A fixação da verba advocatícia pelo critério de equidade - a ser observado na hipótese - não está adstrita aos limites percentuais de 10% e 20%, podendo-se adotar como base de cálculo o valor dado à causa ou à condenação, ou mesmo ser estabelecida em valor fixo.
6. A jurisprudência desta Corte, levando em consideração os critérios definidos no § 3º do art. 20 do CPC/1973, tem reconhecido que se mostra irrisória a fixação da verba honorária em patamar inferior a 1% (um por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido na demanda, adotando, em regra, aquele percentual como piso mínimo para o arbitramento dos honorários.
7. Levando em consideração o parâmetro adotado pela jurisprudência desta Corte Superior, mostra-se razoável e adequada a fixação do valor de R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) a título de honorários sucumbenciais no incidente de exceção de pré-executividade ora em exame, corrigido monetariamente a partir desta data.
8. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1348272/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 24/10/2017) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PROCEDÊNCIA PARCIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VALORES IRRISÓRIOS. MAJORAÇÃO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o valor arbitrado a título de honorários advocatícios pelo Tribunal local é de tal modo irrisório, tendo em vista os parâmetros orientadores das alíneas "a", "b" e "c" do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil de 1973, que justifique a intervenção excepcional desta Corte.
2. O Superior Tribunal de Justiça, afastando a incidência da Súmula nº 7/STJ, tem reexaminado o montante fixado pelas instâncias ordinárias a título de honorários advocatícios desde que se revele irrisório ou abusivo.
3. Ao reduzir o valor da verba honorária fixada na sentença, o Tribunal de origem dissentiu dos parâmetros adotados por esta Corte em casos análogos, justificando-se a intervenção excepcional a fim de, em observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixar a verba honorária em 1% (um por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido com a procedência parcial dos embargos à execução, este acrescido apenas de correção monetária.
4. Recurso especial provido.
(REsp 1663463/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/08/2017, DJe 29/08/2017) g.n.
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RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE SEGURO. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. 2. AFRONTA AO ART. 779 DO CC. INDENIZAÇÃO APURADA PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS COM BASE NOS FATOS, NAS PROVAS DOS AUTOS E NO CONTRATO FIRMADO. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ. 3. OFENSA AO ART. 20, § 3º, DO CPC. SENTENÇA QUE EXCLUIU A QUANTIA LEVANTADA À TÍTULO DE TUTELA ANTECIPADA DA BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VERBA HONORÁRIA QUE DEVE INCIDIR SOBRE A TOTALIDADE DO PROVEITO ECONÔMICO OBTIDO PELO AUTOR COM A AÇÃO INTENTADA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Consoante se extrai do acórdão de apelação, o Tribunal de origem analisou detidamente os prejuízos que deviam ser indenizados e que possuíam a cobertura da apólice de seguro. Não havia, portanto, nenhum defeito a ser sanado por meio de embargos de declaração, os quais, por isso mesmo, foram corretamente rejeitados. De se ver que esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que o mero descontentamento da parte com o resultado do julgado não configura afronta ao art. 535 do CPC. Ademais, nas razões do recurso especial, a recorrente não indicou precisamente em que teria consistido a omissão no acórdão, de modo que se aplica, no ponto, o enunciado n.
284 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Em relação à cogitada ofensa ao art. 779 do Código Civil, tem-se que o acórdão de apelação examinou minuciosamente o contrato firmado, os fatos, bem como as provas contidas nos autos, ocasião em chegou à conclusão de que deveria ser mantida a indenização fixada pela sentença de primeiro grau, entendimento este que não pode ser revisto por esta Corte por demandar interpretação de cláusulas contratuais e minucioso exame do conjunto fático-probatório, atraindo a incidência, respectivamente, dos enunciados nos 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.
3. De acordo com o princípio da causalidade, a parte que deu causa à propositura da demanda deve responder pelos encargos dela decorrentes. Na hipótese, considerando-se que a recorrente teve que ingressar com a ação judicial também para se ver ressarcida da quantia incontroversa levantada no curso do processo à título de tutela antecipada, são devidos honorários advocatícios sobre a totalidade do proveito econômico obtido pela recorrente com a ação de cobrança, e não apenas sobre a diferença entre a indenização tida por devida em razão do sinistro ocorrido e o valor incontroverso depositado antecipadamente.
4. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1523968/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 16/06/2015) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS MONITÓRIOS. PENALIDADE. ARTIGO 1.531 DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. EXISTÊNCIA. DOLO. NECESSIDADE. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. IRRELEVÂNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. PROVEITO ECONÔMICO DA AÇÃO.
I - Se a atuação da instituição financeira, conquanto censurável, não extrapolou os limites da culpa, fica desautorizada a aplicação da penalidade do artigo 1.531 do Código Civil de 1916, a qual exige que a cobrança excessiva tenha caráter doloso.
Na hipótese, o banco ajuizou ação monitória e posteriormente, ao proceder à atualização do débito, percebeu que estava cobrando valor quase 6 (seis) vezes superior ao devido, e, imediatamente, corrigiu o equívoco.
II - Por terem fundamentos diferentes, o reconhecimento da litigância de má-fé não importa aplicação automática da penalidade do artigo 1.531 do estatuto revogado.
III - No caso de procedência dos embargos monitórios, os honorários advocatícios devem ser calculados sobre o proveito econômico obtido, ou seja, a diferença entre o valor cobrado e aquele que se verificou ser efetivamente devido. O reconhecimento do excesso pelo credor, no ponto, equivale ao reconhecimento da procedência do pedido, nos termos do artigo 269, inciso II, do Código de Processo Civil.
Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 730.861/DF, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ 13/11/2006, p. 252) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONCESSÃO DE LINHAS DE ÔNIBUS. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. VALOR DA CAUSA. CONTEÚDO ECONÔMICO DA DEMANDA. ALTERAÇÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. Cuida-se, originalmente, de ação declaratória que visa à anulação de edital de licitação para concessão de serviço de transporte público coletivo de passageiros do Município de Nova Iguaçu, e à condenação da municipalidade na obrigação de fazer os levantamentos para eventual indenização das empresas que atualmente detêm contrato com a municipalidade para a prestação do referido serviço. As autoras atribuíram à causa o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).
2. As instâncias ordinárias elevaram essa quantia, considerando contrato juntado aos autos pelas empresas/autoras, sob o fundamento de que o montante atribuído à causa, inclusive em ações declaratórias, deve corresponder ao conteúdo econômico que o autor pretende obter com a demanda.
3. A solução integral da controvérsia, suficientemente fundamentada, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
4. In casu, as empresas insurgiram-se contra a realização do certame, ajuizando a presente demanda, na qual alegam ameaça ao seu direito individual, uma vez que a licitação implica extinção indireta dos contratos em vigor. Pretendem, por via transversa, assegurar a manutenção do contrato de prestação de serviço de transporte público de passageiros que firmaram com o ente municipal.
Transcrevo, por oportuno, trechos da petição inicial: "A reunião de tudo isso deixa patenteado que, na hipótese, a pretensão autoral encontra apoio na ordem jurídica vigente, visto ser cabível, mediante tutela jurisdicional, evitar-se que venha se concretizar a ameaça de extinção indireta de contratos que se prenuncia inexorável, tendo em vista o modelo de outorga preconizado. (..) Na hipótese, a extinção indireta dos contratos em vigor é conseqüência imediata e direta do resultado da licitação e a realização desta, claro está, deu-se sem que os referidos princípios fossem respeitados, embora destinados a garantir direito fundamentais das Autoras. Manifesto, pois, o interesse das Autoras em evitar que se concretize a ameaça ao direito individual da cada uma que provém, diretamente, do resultado da licitação. (..) A inclusão das linhas operadas pelas autoras nas áreas de operação arroladas na Tabela II supra, para fins de licitação, implicará, na hipótese, a rescisão indireta e unilateral dos contratos ainda em vigor e em plena execução, conforme se destacou linhas acima, das que saírem vencidas do certame" (fls. 48-80/STJ).
5. Ainda que à primeira vista se trate de ação declaratória de anulação de edital de licitação, exsurge dos autos evidente proveito econômico indireto para as autoras em caso de procedência da demanda. O benefício econômico estimado corresponde ao valor do contrato cuja manutenção as empresas buscam, por via transversa, assegurar na presente lide.
6. É possível adequar o valor da causa, de ofício, quando constatada discrepância entre o benefício econômico pretendido pelo autor e o montante atribuído à causa. Precedentes do STJ.
7. Inviável em Recurso Especial reexaminar as circunstâncias fáticas que levaram o Tribunal a quo a reconhecer a hipótese de excepcionalidade necessária para a alteração de ofício do valor da causa. Aplicação da Súmula 7/STJ.
8. Agravo Regimental não provido.
(AgRg no Ag 1415022/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2012, DJe 27/08/2012) g.n.
Em igual sentido, cite-se o posicionamento doutrinário, erigido na preeminente lição de Arruda Alvim ao bem conceituar o termo "valor da condenação", inserido no art. 20, § 3º, do CPC:
A incidência da faixa percentual da verba honorária prevista no artigo 20, § 3º, deverá ocorrer quando as sentenças forem emitidas em causas em que não haja condenação, o que eqüivale a dizer em causas de mera declaração ou constitutivas, ou em sentença que tenha dado pela improcedência. Nestas hipóteses inexistirá a base (valor da condenação) para a aplicação do percentual. Entretanto, a base deverá ser o valor do bem jurídico pleiteado e obtido; ou, inversamente (hipótese da improcedência) pretendido e não conseguido, o valor da pretensão"
..
"Onde está escrito valor da condenação, leia-se valor do bem pretendido, nas hipóteses de improcedência; ainda, nas ações constitutivas, entenda-se valor do benefício conseguido. Numa palavra, por valor da condenação compreendam-se essas outras modalidades, pois o legislador "dixit minus quam voluit". Há que se dar a este § 3º interpretação extensiva". (ALVIM, Arruda. Código de Processo Civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, pp. 188 e 191)
Em idêntico posicionamento, mencione-se o magistério de Theotonio Negrão:
Onde está escrito "valor da condenação", neste § 3º, deve-se ler conteúdo econômico da causa (art. 258). Atrelando a base de cálculo dos honorários aos valores em jogo, ter-se-á parâmetro seguro e isonômico para sua fixação, sem variações de acordo com a natureza da demanda e conforme esta seja julgada procedente ou improcedente. Aliás, não faz sentido reservar ao advogado do autor cifra representativa da parte do benefício econômico obtido em favor do seu cliente e destinar ao patrono do réu valor calculado em outras bases, que tragam como resultado final quantia menor do que aquela que seria recebida por seu adversário por ocasião do seu sucesso". (NEGRÃO, Theotonio; e GOUVÊA, José Roberto F. Código de Processo Civil. 39 ed. São Paulo: Saraiva, p. 155)
Por fim, na relevante obra Honorários Advocatícios, assim se manifesta o Professor Yussef Said Cahali:
Daí deduzir-se que a sentença será condenatória não apenas quando estimada a condenação em valor econômico determinado desde logo; como, igualmente, no sentido de qualquer proveito patrimonial correspondente ao conteúdo da prestação reconhecida em benefício da pessoa do credor, segundo o direito material. (CAHALI, Yussef Said, Honorários Advocatícios, 4ª ed. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2011, pp. 295-297).
5. Assim, penso que também não houve nenhuma violação literal à disposição de lei, pelas mesmas razões assestadas acima.
Isso também porque, conforme amplamente desenvolvido no presente voto, o valor da condenação fixado pelo art. 20, § 3º, do CPC/1973 deve ser entendido como o valor pretendido pelo demandante, ou seja, como o montante econômico da questão litigiosa, que, no caso sob exame, claramente se revela com a utilização da base de cálculo dos honorários advocatícios acrescida da parte da dívida declarada quitada, por refletir, com exatidão, o proveito econômico alcançado com a propositura da demanda.
Além disso, com base nessa premissa, urge reconhecer que houve apenas interpretação jurídica diferente da pretensão do autor, o que afasta qualquer violação literal da lei, máxime porque não se obteve êxito em comprovar a afronta direta e explícita, não se admitindo, conforme salientado outrora, para fins de ajuizamento de ação rescisória, a mera ofensa reflexa ou indireta.
A propósito:
AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS LEGAIS PARA A RESCISÃO DO JULGADO. PEDIDO IMPROCEDENTE.
1. A ação rescisória é medida excepcional, cabível nos limites das hipóteses taxativas de rescindibilidade previstas no art. 485 do CPC/73 (vigente no momento da data da publicação do provimento jurisdicional impugnado), em razão da proteção constitucional à coisa julgada e do princípio da segurança jurídica.
2. Conforme orientação jurisprudencial do STJ, na Ação Rescisória fundada no inciso V do art. 485 do CPC/73, a violação de lei deve ser literal, direta, evidente, dispensando o reexame dos fatos da causa, o que, contudo, não configura a hipótese dos autos.
3. Pedido rescisório improcedente.
(AR 3.730/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 01/09/2016) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. QUESTÃO NÃO APRECIADA PELO ACÓRDÃO RESCINDENDO. VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSITIVO DE LEI. OFENSA REFLEXA. IMPOSSIBILIDADE
1. Trata-se de ação rescisória fundada na alegação de erro de fato, por haver o acórdão rescindendo supostamente deixado de considerar a existência de portaria que reajustou as tabelas do SUS, pondo fim à ilegalidade reconhecida na condenação. Afirma a União, ainda, que tal erro causou enriquecimento sem causa para o Hospital, o que constitui violação da literalidade do art. 884 a 886 do Código Civil.
2. A rescisão de decisão judicial transitada em julgada com base no disposto no art. 485,VI, do CPC/73, atual 968, VIII, do CPC/2015, pressupõe que o fato cuja existência (ou inexistência) seja erroneamente admitida pelo acórdão tenha efeitos diretos na prolação da decisão judicial cuja rescisão é pretendida.
3. Não há erro de fato quando o acórdão deixa de se manifestar sobre fato que não integra o objeto da demanda. Hipótese em que o acórdão rescindendo não se manifestou acerca das portarias que alteraram a tabela do SUS, porque a fixação dos limites temporais da condenação do reajuste não fez parte do objeto do processo, somente tendo sido suscitada por ocasião do agravo regimental, que foi improvido por ausência de pré-questionamento.
4. "Eventual violação ao disposto no art. 884 do Código Civil (vedação de enriquecimento sem causa) seria reflexa ao reconhecimento ou não da limitação temporal do reajuste de 9,56% à edição da Portaria GM/MS 1.323/99, questão não apreciada no acórdão rescindendo" (AR 4.527/SC, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/04/2013, DJe 29/04/2013.).
5. A pretensão rescisória, fundada no art. 485, inciso V, CPC, conforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial, tem aplicabilidade quando o aresto ofusca direta e explicitamente a norma jurídica legal, não se admitindo a mera ofensa reflexa ou indireta. Nesse sentido: AR 1.192/PR, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, Primeira Seção, DJe 17/11/08.
Ação rescisória improcedente.
(AR 4.264/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/04/2016, DJe 02/05/2016) g.n.
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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. NÃO CONFIGURAÇÃO. JULGADO FUNDADO NA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. NOVO REJULGAMENTO DA CAUSA EM RESCISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. AÇÃO DE ÍNDOLE RESTRITA. DECISÃO MANTIDA PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.
1. Os embargos de declaração não se prestam para sanar o inconformismo da parte com o resultado desfavorável no julgamento ou para rediscutir matéria já decidida. Logo, o seu não acolhimento, quando manejados nesses termos, não acarreta ofensa ao artigo 535 do Código de Processo Civil.
2. A violação a literal dispositivo de lei autoriza o manejo da ação rescisória apenas se do conteúdo do julgado que se pretende rescindir extrai-se ofensa direta a disposição literal de lei, dispensando-se o reexame de fatos da causa.
3. Demanda rescisória não é instrumento hábil a rediscutir a lide, pois é de restrito cabimento, nos termos dos arts. 485 e seguintes do CPC.
4. Decisão recorrida que deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, tendo em vista a ausência de argumentos novos aptos a modificá-la.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 450.787/GO, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 26/05/2014) g.n.
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Ação rescisória. Alegação de ofensa à lei.
Não viola a lei o acórdão que, em recurso especial, dirime a controvérsia, prestigiando a jurisprudência firmada no âmbito desta Corte sobre a matéria em discussão, sendo certo que o cabimento da ação rescisória, com fundamento no art. 485, V do CPC, pressupõe que a interpretação conferida ao texto legal, pela decisão rescindenda, represente violação de sua literalidade.
(AR 957/SP, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/03/2000, DJ 14/08/2000, p. 132).
Não se pode olvidar, ainda, que, em consonância com o entendimento perfilhado pelo Superior Tribunal de Justiça, o ajuizamento de ação rescisória, com fulcro no art. 485, V, do CPC/1973, depende da adoção, pela sentença rescindenda, de interpretação discrepante de tal forma que negue vigência ao dispositivo legal de forma literal, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda ou teratológica, não sendo cabível quando o julgado manifestar uma entre as interpretações possíveis.
Nesse sentido, citem-se os seguintes escólios:
AÇÃO RESCISÓRIA NO RECURSO ESPECIAL. FALÊNCIA DA ENCOL. TERMO LEGAL. DATA DO PRIMEIRO PROTESTO POR FALTA DE PAGAMENTO OU DATA DA DISTRIBUIÇÃO DO PEDIDO DE CONCORDATA PREVENTIVA. ALEGAÇÃO DE ERRO DE FATO. NÃO CABIMENTO. ACÓRDÃO RESCINDENDO QUE OSTENTA EXPRESSO PRONUNCIAMENTO ACERCA DO FATO. VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI NÃO DEMONSTRADA. RAZOÁVEL INTERPRETAÇÃO DA NORMA. AÇÃO RESCISÓRIA IMPROCEDENTE.
1. A ação rescisória fundada em erro de fato pressupõe que a sentença admita um fato inexistente ou considere inexistente um fato efetivamente ocorrido, sendo indispensável, em ambos os casos, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial a esse respeito.
2. No caso em análise, o aresto rescindendo expressamente adotou a data do pedido de concordata como marco para a fixação do termo legal da falência, nos exatos moldes de disposição legal, ocorrendo, portanto, expresso pronunciamento judicial acerca do tema.
3. Do mesmo modo, não configurada a alegada violação a disposição literal de lei, pois, segundo o pacífico entendimento da doutrina e da jurisprudência desta Corte, "entende-se como "violação literal" a que se mostrar de modo evidente, flagrante, manifesto, não se compreendendo como tal a interpretação razoável da norma, embora não a melhor" (Teori Albino Zavascki, in Ação rescisória em matéria constitucional, Revista de Direito Renovar, nº 27).
4. O art. 14 do Decreto-Lei 7.661/45, pretérita Lei de Falências vigente à época dos fatos, previa que a sentença declaratória da falência deveria fixar, "se possível, o termo legal da falência, designando a data em que se tenha caracterizado esse estado, sem poder retrotraí-lo por mais de sessenta dias, contados do primeiro protesto por falta de pagamento, ou do despacho ao requerimento inicial da falência (arts. 8º e 12), ou da distribuição do pedido de concordata preventiva".
5. O ordenamento jurídico então vigente à época da falência da ENCOL não obrigava, como visto, o Magistrado sentenciante a adotar a data do primeiro protesto por falta de pagamento como marco para a fixação do termo legal da quebra, como alega a autora, não havendo falar, portanto, em violação a disposição literal de lei.
6. Ação rescisória improcedente.
(AR 3.662/GO, Rel. Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 23/05/2018, DJe 30/05/2018) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO LITERAL DE DISPOSITIVO DE LEI. INOCORRÊNCIA MATÉRIA NÃO APRECIADA EM APELAÇÃO. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA Nº 283 DO STF. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. O acórdão recorrido afirmou que a ação rescisória pretende rediscussão de matéria que não foi sequer apreciada em apelação, visto que o recurso não fora conhecido por deserção. Fundamento não impugnado. Súmula nº 283 do STF.
3. O ajuizamento de ação rescisória com fulcro no art. 485, V, do CPC/73 depende da adoção, pela sentença rescindenda, de interpretação discrepante de tal forma que negue vigência ao dispositivo legal de forma literal, não sendo cabível quando o julgado manifeste uma dentre as interpretações possíveis. Precedentes.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1603758/ES, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/06/2020, DJe 12/06/2020) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO PROFERIDA EM AÇÃO "EX EMPTO". ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 128 E 460 DO CPC/73. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DO INDISPENSÁVEL PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF. AFIRMADA OFENSA AO ART. 535 DO CPC/73. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO E VÍCIOS INEXISTENTES. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V, DO CPC/73. FLAGRANTE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. CABIMENTO. OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE MALTRATO ÀS DISPOSIÇÕES DO ART. 1.136 DO CC/16. CUMPRIMENTO A CLÁUSULA DE INSTRUMENTO PÚBLICO DE COMPOSIÇÃO. EVIDENTE DESCOMPASSO ENTRE A ÁREA PROMETIDA E A ENTREGUE. APONTADA VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE LEGISLAÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO QUE RECEBEU INTERPRETAÇÃO DIVERSA PELOS TRIBUNAIS PÁTRIOS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284 DO STF. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. Aplicabilidade das disposições do NCPC no que se refere aos requisitos de admissibilidade do recurso especial ao caso concreto ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.
2. A ausência do indispensável prequestionamento do tema federal impossibilita o conhecimento do recurso especial no que tange a alegada ofensa aos arts. 128 e 460 do CPC/73. Aplicação, por analogia, das Súmulas nºs. 282 e 356 do STF.
3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional, tampouco em fundamentação deficiente, se o Tribunal de origem apreciou de maneira suficiente e fundamentada as questões que lhe foram deduzidas, apenas solucionando a controvérsia em sentido contrário a pretensão da recorrente. 4. O cabimento da ação rescisória com suporte no art. 485, V, do CPC/73, pressupõe a demonstração clara e inequívoca de que a decisão de mérito impugnada tivesse contrariado a literalidade do dispositivo legal suscitado, atribuindo-lhe interpretação jurídica absurda, teratológica ou insustentável, sob pena de se perpetuar a discussão sobre matéria decidida e desrespeitar a segurança jurídica.
4.1. Autorizava-se o exercício da ação rescisória na hipótese porque ficou evidenciado que o ESTADO DE GOIÁS se obrigou, por instrumento público de transação ou composição, a entregar uma coisa certa por outra, com igual extensão de um alqueire goiano, mas a entregou em extensão substancialmente bem menor, superando, em muito, o limite de 1/20 estabelecido no parágrafo único do art. 1.136 do CC/16. Área entregue que nem sequer alcançou metade da estipulada como devida (48.400 m2), por isso, foi imposta a condenação a complementar a área faltante, no longíquo ano de 1953.
4.2. O dever de indenizar corretamente e a forma de cumprimento da obrigação estava tão clara e evidente no instrumento público, que os próprios representantes do ESTADO DE GOIÁS declararam expressamente em juízo que a intenção do ente público nada mais era do que substituir um alqueire goiano de terras por outro desdobrado em lotes, e que se assim não fosse, não teriam subscrito a escritura pública de composição e desistência de direitos, que dava cumprimento à cláusula onerativa da doação primitiva. 4.3. A constatação da flagrante violação a comando legal pelo acórdão rescindendo não exigiu interpretação de cláusula contratual ou reexame ou valoração de matéria probatória, tendo sido possível constatar sem maior esforço interpretativo que o negócio jurídico se realizou vinculadamente a medidas de glebas de terras dadas em transação, o que não permite a sustentação de que a referência da área foi meramente enunciativa. Inaceitabilidade de negócio com cláusula "ad corpus", até porque não expressa.
5. A jurisprudência desta eg. Corte Superior continua firme no entendimento de que o apelo nobre não constitui via adequada para a análise de eventual ofensa a enunciado sumular, por não estar ele compreendido no conceito de lei federal, constante da alínea a do inciso III do artigo 105 da Constituição Federal. Precedentes.
6. O conhecimento do recurso especial pela alínea c do permissivo constitucional, exige, além da demonstração e comprovação do dissídio jurisprudencial, a indicação de qual dispositivo legal teria sido violado ou objeto de interpretação divergente, entre o acórdão impugnado e os paradigmas, sob pena de incidência, por analogia, da Súmula nº 284 do STF. Precedentes.
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1750556/GO, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019) g.n.
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PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. FGTS. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS.
1. Pretende a autora a rescisão de acórdão da Primeira Turma que determinou a aplicação do IPC como índice de correção monetária a ser observado para os expurgos inflacionários dos Planos Bresser (junho de 1987), Collor I (maio de 1990) e Collor II (fevereiros de 1991).
2. A Corte Especial, em razão do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, tem afastado a incidência da Súmula 343/STF nos casos em que a interpretação controvertida diz respeito a texto constitucional.
3. Em casos semelhantes, a Suprema Corte tem provido os recursos extraordinários interpostos pela CEF para afastar a aplicação da Súmula 343/STF às ações rescisórias sobre correção monetária de contas vinculadas ao FGTS, determinando o retorno dos autos para prosseguimento do feito. Não incidência da Súmula 343/STF.
4. Por não se tratar de sucedâneo de recurso, a ação rescisória só tem lugar em casos de flagrante transgressão à lei. O fato de o julgado haver adotado a interpretação menos favorável à parte, ou mesmo a pior dentre as possíveis, não justifica o manejo daquela demanda. Não se cuida de via recursal com prazo de dois anos. Precedentes.
5. A simples adoção da interpretação menos comum não constitui vício capaz de desconstituir o julgado, não obstante o atual posicionamento da jurisprudência (Súmula 252/STJ) no sentido de reconhecer que as diferenças de correção monetária dos saldos das contas do FGTS se limitam a janeiro de 1989 (42,72% - IPC) e abril de 1990 (44,80% - IPC).
6. Pedido rescisório improcedente.
(AR 1.545/PR, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 01/10/2010) g.n.
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AÇÃO RESCISÓRIA. PRETENSÃO DA AUTORA EM VER RECONHECIDA A SUA QUALIDADE DE ÚNICA HERDEIRA DE PESSOA FALECIDA NO BRASIL. ERRO DE FATO E VIOLAÇÃO DE LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI.
- Há erro de fato, a justificar a propositura da ação rescisória, quando a sentença admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. É indispensável, tanto num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia nem pronunciamento judicial sobre o fato (art. 485, inc. IX, parágrafos 1º e 2º, do CPC). Requisitos não ocorrentes na espécie. Controvérsia, ademais, que se restringe a questão de direito.
- Para que a ação rescisória fundada no art. 485, V, do CPC, prospere, é necessário que a interpretação dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo aberrante que viole o dispositivo legal em sua literalidade. Se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se "recurso" ordinário com prazo de interposição de dois anos (REsp nº 9.086-SP).
- A ação rescisória não se destina a revisar a justiça da decisão.
Ação julgada improcedente.
(AR 464/RJ, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/05/2003, DJ 19/12/2003, p. 310) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA: VIA IMPUGNATIVA ANGUSTA.
VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVO LEGAL EM SUA LITERALIDADE: INOCORRÊNCIA. SUSCITAÇÃO DE INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA: FACULDADE DO MAGISTRADO. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
I - PARA QUE A AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 485, V, DO CPC, PROSPERE É NECESSÁRIO QUE A INTERPRETAÇÃO DADA PELO "DECISUM" RESCINDENDO SEJA DE TAL MODO ABERRANTE, QUE VIOLE O DISPOSITIVO LEGAL EM SUA LITERALIDADE. SE, AO CONTRÁRIO, O ACÓRDÃO RESCINDENDO ELEGE UMA DENTRE AS INTERPRETAÇÕES CABÍVEIS, AINDA QUE NÃO SEJA A MELHOR, A AÇÃO RESCISÓRIA NÃO MERECE VINGAR, SOB PENA DE TORNAR-SE "RECURSO" ORDINÁRIO COM PRAZO DE "INTERPOSIÇÃO" DE DOIS ANOS. "IN CASU", O ACÓRDÃO RESCINDENDO DEU AO DISPOSITIVO LEGAL INTERPRETAÇÃO NÃO APENAS ACEITÁVEL (O QUE BASTA PARA QUE ELE NÃO SEJA RESCINDIDO), MAS SIM A MELHOR, PELO QUE A AÇÃO RESCISÓRIA MERECIDAMENTE NÃO TEVE SUCESSO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL ESTADUAL. PRECEDENTE DO STJ: AR N. 208/RJ.
PRECEDENTES DO STF: RE N. 50.046 E ERE N. 78.314/RJ.
II - O VOCÁBULO "COMPETE" INSERTO NO "CAPUT" DO ART. 476 DO CPC NÃO EQUIVALE A "DEVE", MAS SIM A "PERTENCE POR DIREITO". PORTANTO, O MAGISTRADO NÃO TEM A OBRIGAÇÃO DE SUSCITAR O INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA, MAS SIM A FACULDADE DE FAZÊ-LO. PRECEDENTES DA CORTE: RESP N. 3.835/PR, RMS N. 4.270/SP E RESP N. 52.107/SP.
III - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.
(REsp 9.086/SP, Rel. Ministro ADHEMAR MACIEL, SEXTA TURMA, julgado em 29/04/1996, DJ 05/08/1996, p. 26424) g.n.
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Ação rescisória. Ação regressiva da seguradora. Precedentes da Corte.
1. A Corte já assentou que a violação "há de ser aberrante (AR nº 464/RJ, Relator o Ministro Barros Monteiro, DJ de 19/12/03), extravagante (AgRg na AR 1.882/SC, Relator o Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 19/12/03), direta e não deduzível a partir de interpretações possíveis (EDcl na AR nº 720/PR, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJ de 17/2/03), ultrapassar o limite do razoável e beirar o extravagante (AgRg na AR nº 1.854/SP, Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 2/9/02). Não se enquadra nesse cenário a sentença que entende, nos termos do art. 22 da Lei nº 4.591/64, que somente é permitida a reeleição por uma única vez" (REsp nº 595.874/DF, da minha relatoria, DJ de 6/9/04).
2. No caso, não agride o art. 988 do antigo Código Civil, a ponto de justificar a ação rescisória, a interpretação de que pertinente a ação regressiva se a transação ocorreu após o pagamento efetuado pela seguradora relativo ao conserto do veículo.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp 657.154/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/12/2006, DJ 16/04/2007 p. 183). g.n.
Verifica-se, assim, que a simples adoção de interpretação que desagrada o requerente não constitui vício capaz de desconstituir o julgado, não justificando sequer o manejo da ação rescisória.
Como ressaltado pelo Ministro Herman Benjamin no julgamento da AR 1.596/PR, "a Ação Rescisória é inviável para examinar a justiça ou a injustiça da decisão transitada em julgado, tampouco é instrumento de uniformização de jurisprudência. Suas hipóteses são taxativas".
6. Deve-se ressair, ainda, que o autor aponta que ninguém melhor do que o próprio órgão prolator das decisões exequendas o TJMS para interpretar o alcance da coisa julgada no que diz respeito à fixação da verba honorária. Aduz, também, que, a rigor, o STJ não poderia sequer interpretar o título, sob pena de violar-se o art. 105, III, "a" da CF, com fundamento da Súmula 7 do STJ, que obstaria o conhecimento do apelo nobre.
Não obstante, foi a própria Constituição Federal que outorgou, entre os relevantes papéis do Superior Tribunal de Justiça, a função revisora dos julgados dos Tribunais estaduais e dos Tribunais Regionais Federais.
Ademais, conforme salientado outrora, não há falar em violação do art. 105, III, "a", da CF ou de aplicação da Súmula 7 do STJ, quando da apreciação do recurso especial objeto da presente rescisória, visto que a hipótese versa sobre a interpretação de título executivo, sem a incursão nos elementos fático-probatórios dos autos, nos moldes dos precedentes citados.
Inclusive, apenas para aclarar essa questão, no próprio acórdão concernente ao AgRg no REsp 1.360.424 - MS, asseverou-se que os precedentes trazidos à colação pelos agravantes (um deles, o ora autor) diziam respeito à impossibilidade de revisão, em recurso especial, dos cálculos apresentados na execução (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 1.407.710/RS e Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial 23.739/SC), não guardando nenhuma similitude com a questão discutida no recurso especial.
O autor sustenta ainda que, se pretendesse levar em conta o "proveito econômico", os honorários teriam sido fixados, na verdade, em favor dos advogados dos bancos, ante a possibilidade de compensação.
Não se pode olvidar, contudo, que, consoante amplamente assestado, houve o reconhecimento inequívoco de cobrança ilegal praticada pela instituição financeira, tanto que tal situação ensejou o reconhecimento da manifesta ilegalidade no ajuste, por permitir benefício excessivo ao banco em detrimento de sacrifício desmedido da autora na fase de conhecimento, em razão da cobrança de encargos ilegais e excessivos.
Em suma, configura verdadeira absurdez, no plano lógico-jurídico, entender, por exemplo que, por causa de o dano moral (entre outros) ter sido negado à autora da fase de conhecimento, tal situação importaria em honorários advocatícios em montante superior ao dos advogados das instituições financeiras. Até porque, como dito acima, a autora passou da condição de devedora de milhões para beneficiária, de modo que, justamente para evitar esse tipo de discrepância, é que os honorários sucumbenciais, no presente caso, devem ter como base de cálculo o valor cobrado pelas instituições financeiras indevidamente, já que anteriormente quitado.
Rememore-se, nesse ponto, a fundamentação adotada pelo juízo de piso: "Entendo que isso não é o correto, pois, se a economia de mercado propicia essa interpretação, compete à Lei disciplinar a voracidade com o que o sistema financeiro avança sobre o patrimônio dos que contratam com as instituições de crédito, pois ao contrário estará oficializada a usura".
O autor defende, por fim, ofensa aos arts. 884 do CC e 5º, LIV, da CF, já que o acórdão rescindendo violou manifestamente os princípios da vedação ao enriquecimento sem causa e do devido processo legal substantivo (razoabilidade e proporcionalidade), pois a solução jurídica por ele adotada possibilita a fixação de honorários manifestamente exorbitantes.
Todavia, o debate acerca do valor excessivo ou irrisório da verba honorária não comporta apreciação na ação rescisória, na forma da jurisprudência pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Aliás, não é possível afirmar sequer que a ausência de razoabilidade ou de proporcionalidade na fixação dos honorários constitui violação "literal" de dispositivo da lei, como exigia o artigo 485, V, do Código de Processo Civil de 1973.
Nesse sentido, observem-se os seguintes escólios:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. AÇÃO RESCISÓRIA. VERBA HONORÁRIA EXCESSIVA OU IRRISÓRIA FIXADA EM COISA JULGADA. ART. 20, § 3º E § 4º, CPC/1973. NÃO CABIMENTO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A ação rescisória não é o instrumento adequado para discutir ou a irrisoriedade ou a exorbitância da verba honorária.
2. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1450391/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 19/08/2019) g.n.
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PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA EM QUE SE DISCUTE FIXAÇÃO DE VERBA HONORÁRIA. DEBATE ACERCA DO VALOR, SE EXCESSIVO OU IRRISÓRIO. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 20 E 485, V, DO CPC. DESCABIMENTO.
"Não cabe ação rescisória para discutir a irrisoriedade ou a exorbitância de verba honorária. Apesar de ser permitido o conhecimento de recurso especial para discutir o quantum fixado a título de verba honorária quando exorbitante ou irrisório, na ação rescisória essa excepcionalidade não é possível já que nem mesmo a injustiça manifesta pode ensejá-la se não houver violação ao direito objetivo. Interpretação que prestigia o caráter excepcionalíssimo da ação rescisória e os valores constitucionais a que visa proteger (efetividade da prestação jurisdicional, segurança jurídica e estabilidade da coisa julgada - art. 5º, XXXVI, da CF/88)." Precedente: REsp 1.217.321/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/10/2012, DJe 18/03/2013.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 320.149/PE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/08/2013, DJe 26/08/2013) g.n.
PROCESSO CIVIL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITOS. DECRETO-LEI 7.661/45.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RESCISÓRIA.
I - A sentença havida no processo de habilitação de crédito em falência (Decreto-lei 7.661/45), é de natureza meramente declaratória, quando reconhece a existência de crédito inferior àquele indicado pelo habilitante, implica sucumbência parcial.
II - A fixação dos honorários advocatícios feita com base no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, não impõe ao juiz a adoção de um critério específico, podendo ocorrer diretamente pelo arbitramento de um valor certo ou, indiretamente, pela adoção de um percentual sobre o valor da condenação ou da causa.
III - O artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil, indicado como violado na ação rescisória, não estabelece nenhum parâmetro legal objetivo para a fixação dos honorários, mas um critério de equidade, ordem subjetiva por excelência. Não é possível afirmar, portanto, que a ausência de razoabilidade ou de proporcionalidade na fixação dos honorários constituam uma violação "literal" ao dispositivo da lei, como está a exigir o artigo 485, V, do Código de Processo Civil.
Recurso Especial improvido
(REsp 827.288/RO, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 22/06/2010) g.n.
Outrossim, além de o art. 5º, LIV, da CF destoar completamente do caso concreto, acentua-se que não é permitido ao Superior Tribunal de Justiça adentrar na competência do Supremo Tribunal Federal, nem mesmo para prequestionar matéria constitucional:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO MATERIAL. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITOS INFRINGENTES. IMPOSSIBILIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.
1. A inexistência de omissão, contradição, obscuridade ou de erro material impede o acolhimento dos embargos de declaração.
2. A atribuição de efeitos infringentes é possível apenas excepcionalmente, quando, observada a presença de omissão, contradição ou obscuridade, sana-se o vício e a decisão, por consequência, é alterada.
3. Ao Superior Tribunal de Justiça não é permitido adentrar na competência do Supremo Tribunal Federal, sequer para prequestionar matéria constitucional suscitada em sede de embargos de declaração, sob pena de violar a rígida distribuição de competência recursal disposta na Constituição Federal.
4. Embargos de declaração rejeitados.
(EDcl no AgRg nos EDcl na AR 4.700/PI, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/05/2014, DJe 21/05/2014) g.n.
Em verdade, penso que os argumentos engendrados na rescisória ostentam mero inconformismo com a decisão rescindenda, exsurgindo, portanto, a feição de sucedâneo recursal, sem olvidar-se o fato de o próprio decisum apresentar fundamento congruente com a legislação pátria.
7. Ante o exposto, com a máxima vênia, voto pela improcedência do pedido formulado na presente ação rescisória e condeno o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, com as consequências daí decorrentes em relação ao depósito.
É como voto. | EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. ART. 20, §3º, DO CPC/1973. TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. OFENSA.
1. Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e o artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil de 1973.
2. A base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. No caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
4. Ação rescisória procedente. | AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. CONDENAÇÃO. ART. 20, §3º, DO CPC/1973. TRÂNSITO EM JULGADO. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COISA JULGADA. OFENSA. | 1. Cinge-se a controvérsia a saber se a substituição, na fase de cumprimento de sentença, do parâmetro adotado pela sentença exequenda (condenação), utilizado como base de cálculo dos honorários advocatícios, por "proveito econômico", de modo a abranger provimento de conteúdo declaratório, ofende a coisa julgada e o artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil de 1973.
2. A base de cálculo da verba honorária é insuscetível de modificação na execução ou na fase de cumprimento da sentença, sob pena de ofensa à coisa julgada. Precedentes.
3. No caso dos autos, a determinação contida no acórdão rescindendo de que o cálculo da verba honorária abrangesse, além do valor da condenação (correspondente à repetição do indébito), outra parcela, de conteúdo declaratório (consistente no reconhecimento de quitação de dívida), além de ofender o comando expresso do § 3º do artigo 20 do CPC/1973, também violou a coisa julgada formada com o trânsito em julgado da referida sentença exequenda.
4. Ação rescisória procedente. | N |
141,285,645 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO EM CADASTRO DE RESERVA. RECLASSIFICAÇÃO. CONCORRENTES MAIS BEM CLASSIFICADOS. INSUBSISTÊNCIA DA POSSE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, a teor da Súmula 07/STJ.
2. No caso concreto, tanto para a confirmação dos fundamentos do acórdão impugnado, quanto para o acolhimento das razões recursais e eventual reforma dele, seria necessária a revisitação da cronologia de atos administrativos que regulavam a classificação dos candidatos e a formação do cadastro de reserva, bem como a interpretação deles, com o fim de saber se prevalecia ou não o direito do ora recorrido, mas essa prática encontra vedação no teor do referido enunciado sumular.
3. Agravo interno provido para não conhecer do recurso especial.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Assusete Magalhães, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, a Turma, por maioria, deu provimento ao agravo interno para não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Francisco Falcão e Herman Benjamin."
Votaram com o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques o Sr. Ministro Og Fernandes e a Sra. Ministra Assusete Magalhães.
VOTO VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO:
O recurso de agravo interno não merece provimento.
Nos termos do enunciado n. 568 da Súmula desta Corte Superior e do art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, o relator está autorizado a decidir monocraticamente quando houver jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Assim, não há que se falar em ilegalidade relativamente a este ponto.
A parte agravante insiste nos mesmos argumentos já analisados na decisão recorrida.
Sem razão a parte agravante.
Na origem, trata-se de mandado de segurança em que a parte impetrante pretende a nomeação para o cargo de Contador do quadro-geral do Estado de Tocantins. No Tribunal de origem, concedeu-se a segurança para determinar a nomeação da parte impetrante.
O concurso disponibilizou 83 vagas, sendo 60 para provimento efetivo e 23 para cadastro de reserva, sendo que a impetrante alcançou a 127ª colocação, ficando, assim, a princípio, eliminada do certame. Após, houve alteração no edital do concurso, aumentando o número de vagas para cadastro de reserva, com nomeação de 99 candidatos. Desses, 34 não atenderam à convocação. Determinou-se, então, administrativamente, a exclusão da cláusula de barreira de eliminação dos candidatos não classificados até o limite de vagas. Em seguida, a própria administração anulou o ato administrativo anterior e determinou o restabelecimento da mencionada cláusula de barreira, com a ressalva apenas do direito daqueles que foram empossados, o que não é o caso da impetrante.
Na Corte de origem, considerou-se que, no caso em exame, apesar de a impetrante não ter sido nomeada, quando do restabelecimento da cláusula de barreira, ela já tinha adquirido o direito à nomeação em razão do desinteresse do direito de posse de candidatos melhores classificados do que ela, em número suficiente para alcançar a sua classificação.
As premissas fáticas que norteiam a controvérsia estão postas no acórdão objeto do recurso especial, razão pela qual não incide o óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
O candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para formação cadastro de reserva possui mera expectativa de direito à nomeação, convolando-se em direito subjetivo somente na hipótese de comprovação do surgimento de cargos efetivos durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-las.
Como a impetrante alcançou a 127ª colocação e não tomou posse no período em que permaneceu cancelada a cláusula de barreira, ela não tem direito líquido e certo à nomeação.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o mero surgimento de novas vagas não confere automaticamente direito líquido e certo à nomeação aos candidatos aprovados fora das vagas previstas em edital ou em vaga para cadastro de reserva. Tal preenchimento estará sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Nesse sentido: AgRg no RMS 45.464/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 29/10/2014; AgRg no RMS 47.953/SP, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado cm 15.3.2016, publicado no DJe de 29.3.2016; (RMS 54.063/R0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 17.8.2017, publicado no DJe de 13.9.2017.
Além da necessidade da comprovação do surgimento de vagas bastantes para garantir a nomeação, deve ser igualmente comprovado o interesse inequívoco da administração em preenchê-las, o que não ficou suficientemente demonstrado no caso dos autos.
A vacância alegada pela impetrante não gera automaticamente à candidata direito líquido e certo à nomeação, pois tal procedimento deverá respeitar juízo de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública.
Correta, portanto, a decisão monocrática ora atacada que deu provimento ao recurso especial do Estado do Tocantins para reformar o acórdão recorrido e denegar a segurança.
Ante o exposto, não havendo razões para modificar a decisão recorrida, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO EM CADASTRO DE RESERVA. RECLASSIFICAÇÃO. CONCORRENTES MAIS BEM CLASSIFICADOS. INSUBSISTÊNCIA DA POSSE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, a teor da Súmula 07/STJ.
2. No caso concreto, tanto para a confirmação dos fundamentos do acórdão impugnado, quanto para o acolhimento das razões recursais e eventual reforma dele, seria necessária a revisitação da cronologia de atos administrativos que regulavam a classificação dos candidatos e a formação do cadastro de reserva, bem como a interpretação deles, com o fim de saber se prevalecia ou não o direito do ora recorrido, mas essa prática encontra vedação no teor do referido enunciado sumular.
3. Agravo interno provido para não conhecer do recurso especial.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES: O Estado do Tocantins interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição da República, contra o acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, assim ementado:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no 001/QUADRO- GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas- TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
Tratava-se de ação de mandado de segurança impetrada no contexto de concurso público para o provimento de cargos do quadro geral do Estado do Tocantins.
A agravante disputou uma das 83 (oitenta e três) vagas para o cargo de contador das quais sessenta eram para provimento imediato e as outras vinte e três para formação de cadastro de reserva, tendo se classificado na centésima vigésima sétima colocação.
Sustentava que haviam sido nomeados 99 (noventa e nove) candidatos, mas que desse total 34 (trinta e quatro) deixaram de atender à convocação para a posse, ou não apresentaram todos os documentos, daí ensejando a sua reclassificação e a necessidade de observância do seu direito à nomeação, esse direito devidamente reconhecido, por maioria de votos, pelo Tribunal da origem.
O recurso especial fundou-se apenas em argumento de violação ao art. 1.º da Lei 12.016/2009, porque a verdade dos fatos era que a condição de aprovado da ora recorrida passara a existir apenas quando ocorrida uma alteração editalícia, a qual, contudo, veio posteriormente a ser anulada, a fim de que, então, se restabelecesse o regramento pelo qual seria considerado eliminado o candidato que não estivesse classificado até o limite de vagas, ou seja, a situação era de eliminação por cláusula de barreira posteriormente anulada e em seguida restabelecida, mas isso, todavia, devidamente resguardado pelos próprios atos administrativos.
Sua Excelência o Eminente Ministro Relator houve de prover o apelo raro ao considerar que a situação da recorrida era simplesmente a de aprovada em cadastro de reserva e que a isso se aplicava a jurisprudência que não reconhecia direito algum a esse tipo de candidato.
Ao manter o resultado na via do agravo interno, pedi vista dos autos porque a mim não parece sequer possível o conhecimento do apelo raro, quanto menos a acolhida das suas razões.
Há considerar-se primordialmente que o acórdão da origem resultou em julgamento majoritário para a concessão da ordem mandamental, o julgamento estribando-se em interpretação específicas de regramentos editalícios e de atos normativos infralegais os quais, para cada uma das correntes divergentes, chancelaria ou não a pretensão mandamental.
Segundo se apreende do acórdão, o edital dispunha inicialmente de um determinado contingente de vagas para o cargo em questão, prevendo ainda certo montante de vagas para a inserção em cadastro de reserva, o que em tese deixaria a ora recorrida eliminada do certame, porque classificada em 127.º (centésimo vigésimo sétimo) lugar, incindindo cláusula de barreira.
No entanto, houve a alteração posterior do edital em duas ocasiões distintas, a primeira delas para suprimir o regramento que limitava o número de candidatos inseridos no cadastro de reserva, daí provocando a modificação da situação da ora recorrida para que, então, passasse a figurar como cadastro de reserva, e numa segunda oportunidade houve a anulação dessa revogação, a fim de que, portanto, tornasse a valer a referida limitação de apenas um classificado em cadastro de reserva.
O voto condutor da maioria, no entanto, a despeito de reconhecer essa situação, descreveu que a anulação ocorrera em momento posterior em que os atos de posse dos mais bem classificados já haviam sido desconsiderados e que a ora recorrida já havia, portanto, sido reclassificada, adquirindo o direito à nomeação, senão vejamos (e-STJ fls. 1088/1094):
Inicialmente, convém esclarecer que o Concurso Público para Provimento de Cargos do Quadro-Geral de Servidores do Poder Executivo, regido pelo Edital n o 001/QUADRO-GERAL/2012, de 4 de maio de 2012, se encontra em plena vigência, já que teve o prazo de validade prorrogado até dezembro de 2016, pelo Decreto n o 5.169/14, publicado no DOE n o 4.277.
Conforme visto, a impetrante almeja sua nomeação e posse no cargo de Contador para o Município de Palmas-TO, no Concurso Público do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual ofertou 83 (três) vagas, sendo 60 (sessenta) de provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva.
Infere-se dos autos que, inicialmente, a impetrante foi considerada eliminada do certame, por não ter figurado dentre os 83 (oitenta e três) primeiros colocados.
Apenas atingiu o status de aprovada e classificada, na 127ª colocação no certame, em decorrência do Edital n o 019/2014, publicado no Diário Oficial n o 4.276, de 11/12/2014, o qual revogou o item 15.1.5 do Edital n o 001/ QUADRO-GERAL /2012, de 4/5/2012, que previa a eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso.
Em 15/4/2015 o Secretário de Estado da Administração, por meio do Edital n o 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial n o 4.360, de 23/4/2015, anulou, com efeito ex nunc, o Edital n o 019/QUADROGERAL/2012, de 22/6/2012 e o Edital n o 020/QUADRO-GERAL/2014, de 10/12/2014, ao argumento de estarem eivados de ilegalidade Acontece que, embora o Edital n o 021/QUADRO-GERAL/2015 tenha anulado os Editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 (que excluiu o item 15.1.5 do Edital n o 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva), ressalvou o direito de terceiros de boa-fé que foram empossados pelas nomeações contidas no Ato n.º 2.201-NM, publicado no Diário Oficial n.º 4.285, de 23 de dezembro de 2014 e no Ato n.º 2.117-NM, publicado no Diário Oficial n.º 4.285, de 23 de dezembro de 2014.
No caso em exame, apesar de a impetrante não ter sido nomeada pelos atos supracitados, quando da publicação Edital n.º 021/QUADRO-GERAL/2015, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão do desinteresse do direito de posse de candidatos melhores classificados do que ela, em número suficiente para alcançar a sua classificação.
Seria contraditório e afrontaria os princípios da isonomia e segurança jurídica ressalvar os direitos dos candidatos que tomaram posse na vigência dos Editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 e deixar de lado os candidatos que, na vigência dos supracitados editais, adquiriram direito à nomeação em razão da ausência de posse, exoneração ou vacância de cargos, e que somente não foram contemplados pelos atos de nomeação por omissão da Administração Pública.
Da análise dos autos, constata-se que foram nomeados 99 (noventa e nove) candidatos para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas-TO, sendo que pelo menos 32 (trinta e dois) deles, antes da publicação do Edital n o 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial n o 4.360, de 23/4/2015, não tomaram posse ou tiverem este direito decaído.
Denota-se do Diário Oficial n o 4.079, de 28/2/2014, especificamente das Portarias TSE n os 210, 211, 213 e 232, todas de 26/2/2014, que 17 (dezessete) candidatos tiveram seu direito de posse decaído ou a posse tornada sem efeito por não ter entrado em exercício dentro do prazo legal (9 2 5 1).
Verifica-se, ainda, no Diário Oficial n o 4.082, de 7/3/2014, que 1 (um) candidato teve seu direito de posse decaído pela Portaria n o 244 TSE, de 27/2/2014.
Por fim, denota-se do Ofício/SECAD/GASEC N o 1280/2015 e do Diário Oficial n o 4.373, de 13/5/2015, especificamente da Portaria n o 553, de 7/5/2015, que das nomeações determinadas pelo Ato 2.084-NM (publicado no Diário Oficial n o 4.277, de 12/12/2014), 14 (quatorze) candidatos não tomaram posse e tiveram suas nomeações tornadas sem efeito.
Ademais, a despeito de a Administração ter, somente em 13/5/2015, por meio da Portaria n o 553, de 7/5/2015, tornado público a insubsistência de nomeações determinadas pelo Ato n o 2.084-NM, referida portaria não pode ser considerada como fato gerador do direito invocado pela impetrante, uma vez que apenas formalizou publicamente situação ocorrida em momento anterior à anulação dos editais acima referidos, levando-se em consideração a data das nomeações (dezembro de 2014), e o prazo legal que os candidatos dispunham para tomar posse e entrar em exercício. Mesmo se consideramos a hipóteses de ter havido pedido de prorrogação, o prazo estabelecido para os candidatos melhor classificados tomarem posse no cargo já teria encerrado antes da publicação do Edital n o 021/QUADRO GERAL/2015.
Sendo assim, referida situação privilegiou a impetrante, classificada na 127ª posição, pois as vagas não preenchidas em razão da decadência do direito de posse de candidatos nomeados geram direito subjetivo aos candidatos seguintes na ordem de classificação, haja vista a existência de interesse do Estado do Tocantins no preenchimento da vaga.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 837311, com Repercussão Geral reconhecida:
..
No presente caso, a Administração Pública Estadual claramente evidenciou a necessidade de preenchimento das vagas. Desta maneira, o ato de convocação de aprovados, diante da declaração da decadência do direito de posse de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, deixou de ser discricionário para se tornar vinculado, pois passou a impetrante a se enquadrar dentro do número de vagas convocadas.
O quadro fático delineado revela, assim, a necessidade da concessão da segurança.
Posto isso, conheço do presente writ e concedo a segurança almejada, para determinar a nomeação da impetrante PAULA BARROS BRITO CAETANO no cargo de Contador, no Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, com lotação no Município de Palmas-TO.
(Destacamos)
Dessa forma, tanto para a confirmação dos fundamentos do acórdão, quanto para o acolhimento das razões recursais e eventual reforma dele, seria necessária a revisitação da cronologia desses atos administrativos bem como a interpretação deles, com o fim de saber se prevalecia ou não o direito da ora recorrida, mas essa prática encontra vedação no teor da Súmula 07/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
Colho da nossa jurisprudência, de minha lavra, precedente sobre o mesmo certame e a semelhante situação fática:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. PRETENSÃO DE REFAZIMENTO DE TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. OCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO. GREVE NO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO. REJEIÇÃO DA PRETENSÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. DESCARACTERIZAÇÃO. INDEFERIMENTO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INCOMPLETA. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO CONTRÁRIO AOS INTERESSES DA PARTE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. O mero julgamento da causa em sentido contrário aos interesses e à pretensão de uma das partes não caracteriza a ausência de prestação jurisdicional tampouco viola o art. 1.022 do CPC/2015. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Inteligência da Súmula 07/STJ.
3. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
(AREsp 1243453/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018)
Assim, com vênias do eminente Relator, dou provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão monocrática de e-STJ fls. 1205/1210 e não conhecer do recurso especial, mantendo, portanto, a concessão da segurança.
Deixo de condenar em honorários recursais tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009 (RMS 51.721/ES, de minha relatoria, Segunda Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 14/10/2016).
É o voto.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Eminentes Pares, faço aqui análise objetiva da questão trazida, em que controvertem o e. Relator, Ministro Francisco Falcão, e o e. Ministro Mauro Campbell Marques.
O e. Relator conclui, em síntese, que a aprovação fora do número de vagas confere mera expectativa de direito, e que o simples surgimento de novas vagas não confere automaticamente direito líquido e certo à nomeação, pois o respectivo preenchimento está sujeito ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública.
O e. Ministro Mauro Campbell Marques diverge quanto ao conhecimento do Recurso Especial. Afirma que o fundamento adotado no acórdão do Tribunal de origem consignou uma sequência cronológica de fatos impassíveis de revisão, conforme Súmula 7/STJ, motivo pelo qual dá provimento ao Agravo Interno para reconsiderar a monocrática e não conhecer do Recurso Especial do Estado de Tocantins.
Com relação ao conhecimento, peço vênias ao e. Ministro Mauro Campbell Marques para superá-lo, já que as razões recursais evidenciam que o ente público não pretende discutir fatos ou datas, mas sim a tese de que a anulação do ato administrativo que derrubou a cláusula de barreira do cadastro de reserva restituiu a autora ao rol dos desclassificados do concurso público, sendo irrelevante que a convocação para posse de alguns candidatos mais bem classificados tenha sido infrutífera enquanto a queda da cláusula de barreira vigorou.
Para melhor compreensão, faço breve resumo dos fatos constantes no acórdão recorrido.
O concurso público, para o cargo de Contador, foi lançado com 60 vagas para provimento imediato e 23 para cadastro reserva, e os classificados além dessas vagas foram considerados eliminados, caso da recorrente, que se classificou na 127ª colocação.
Essa cláusula de barreira foi derrubada por edital subsequente e vigorou por pouco mais de quatro meses, pois, por novo edital, a Administração anulou a derrubada da cláusula de barreira, com efeito ex nunc, e restabeleceu a eliminação da ora recorrente.
O Tribunal de origem aduz que, no período de derrubada da cláusula de barreira, a Administração nomeou candidatos mais bem classificados que a ora recorrente, e que parte deles não tomaram posse, o que fez com que a insurgente entrasse dentro do número de vagas disponibilizadas pela Administração e configurasse seu direito à nomeação.
Assim, entendo aberta a via do Recurso Especial, de forma a definir se a recorrida deveria ter sido nomeada enquanto vigorou a queda da cláusula de barreira.
Em primeiro lugar, registro que não há discussão sobre a legalidade do ato administrativo que repristinou a cláusula de barreira prevista na redação original do edital do concurso público.
Também consignou o acórdão recorrido que a Administração atribuiu efeitos ex nunc ao mencionado ato de revigoramento da cláusula de barreira, resguardando o direito adquirido daqueles que foram nomeados e empossados no citado período.
Entendo que a Administração agiu corretamente, pois, ainda que houvesse direito à nomeação em breve período da recorrente pela desistência de candidatos melhores classificados, o ato que garantia esse direito foi anulado pela Administração, sendo possível apenas resguardar os atos jurídicos perfeitos consistentes às nomeações praticadas pelo ato revogado, o que foi observado.
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o direito líquido e certo à nomeação dos candidatos aprovados fora do número de vagas do edital caso surjam novas vagas na vigência do concurso público, desde que configurada a arbitrariedade e a carência de motivo da Administração ao se omitir em nomear esses candidatos. A propósito:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784 DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput).
2. O edital do concurso com número específico de vagas, uma vez publicado, faz exsurgir um dever de nomeação para a própria Administração e um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. Precedente do Plenário: RE 598.099 - RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 03-10-2011.
3. O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade.
4. O Poder Judiciário não deve atuar como "Administrador Positivo", de modo a aniquilar o espaço decisório de titularidade do administrador para decidir sobre o que é melhor para a Administração: se a convocação dos últimos colocados de concurso público na validade ou a dos primeiros aprovados em um novo concurso. Essa escolha é legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não encontra obstáculo em qualquer preceito constitucional.
5. Consectariamente, é cediço que a Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante, ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não mais serão necessários.
6. A publicação de novo edital de concurso público ou o surgimento de novas vagas durante a validade de outro anteriormente realizado não caracteriza, por si só, a necessidade de provimento imediato dos cargos. É que, a despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas. Nesse contexto, a Administração Pública detém a prerrogativa de realizar a escolha entre a prorrogação de um concurso público que esteja na validade ou a realização de novo certame.
7. A tese objetiva assentada em sede desta repercussão geral é a de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, a discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null), fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais: i) Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital (RE 598.099); ii) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); iii) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
8. In casu, reconhece-se, excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos candidatos devidamente aprovados no concurso público, pois houve, dentro da validade do processo seletivo e, também, logo após expirado o referido prazo, manifestações inequívocas da Administração piauiense acerca da existência de vagas e, sobretudo, da necessidade de chamamento de novos Defensores Públicos para o Estado. 9. Recurso Extraordinário a que se nega provimento.
(RE 837311, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016)
Na hipótese dos autos, a nomeação da candidata não ocorreu porque a Administração exerceu legitimamente seu poder de autotutela administrativa ao impedir que o ato nulo gerasse efeitos descolados do interesse público, fato que, à luz do entendimento do STF, não configura arbitrariedade ou falto de motivação da Administração.
Não há, pois, como impor à Coletividade que contemple interesse particular com base em ato anulado, resguardando-se, todavia, o ato jurídico perfeito, como o fez a Administração para aqueles que foram efetivamente nomeados.
Oportuno resgatar a compreensão sedimentada no STF, também sob o rito da Repercussão Geral, sobre os requisitos para a Administração deixar de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas, situação análoga à presente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL.
(..)
III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO.
Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário.
(..)
(RE 598099, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314 RTJ VOL-00222-01 PP-00521)
Assim, a superveniência, a imprevisibilidade, a necessidade e a gravidade elencadas pela Suprema Corte estão evidenciadas na presente hipótese, ante a anulação de ato administrativo considerado ilegal que, em tese, configuraria direito à nomeação.
Por todo o exposto, peço vênias ao e. Ministro Mauro Campbell para acompanhar o e. Relator, Ministro Francisco Falcão, para negar provimento ao Agravo Interno.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por candidata aprovada na centésima vigésima sétima colocação de concurso público para o provimento de cargo de contador. A impetrante sustentava ter direito subjetivo à nomeação.
Inicialmente, o concurso contava com 83 (oitenta e três) vagas, sendo, inicialmente, 60 (sessenta) para provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva.
A candidata sustentou que teriam sido nomeados 99 (noventa e nove) candidatos. No entanto, 34 (trinta e quatro) não atenderam a convocação ou não apresentaram a documentação adequada. Assim, teria direito subjetivo à nomeação.
O Tribunal de origem reconheceu o direito da requerente, por maioria de votos, na forma da seguinte ementa (e-STJ, fl. 1.093):
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas- TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
O Estado de Tocantins, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, interpôs recurso especial e sustentou que haveria violação do art. 1º da Lei n. 12.016/2009.
O fundamento da alegação foi o fato de que a condição de aprovado somente teria ocorrido com uma alteração editalícia, que, posteriormente, teria sido anulada. A regra inicial previa a eliminação por cláusula de barreira do candidato que não tivesse sido aprovado dentro do número de vagas.
O Ministro Relator entendeu por prover o recurso do Estado de Tocantins monocraticamente por entender que a discussão estava restrita à aprovação de candidato dentro do cadastro de reserva. Em agravo interno, o Relator manteve seu entendimento.
O Ministro Mauro Campbell Marques inaugurou divergência pelo provimento do agravo interno para não conhecer do recurso especial. Em seu voto-vista, o Ministro entendeu que o não conhecimento do recurso especial era decorrência do próprio fundamento do recurso especial cujo provimento exigiria a análise e valoração do edital do concurso e dos atos administrativos de modificação do edital e anulação desse ato.
Posteriormente ao voto-vista, o Ministro Herman Benjamin acompanhou o voto do Ministro Relator. Com as devidas vênias aos Ministros Francisco Falcão e Herman Benjamin, acompanho a divergência.
Para modificar o entendimento firmado pela origem, que avançou na análise do edital e nos atos administrativos de alteração dos critérios de aprovação dos candidatos e posterior anulação, seria preciso enfrentar e interpretar o arcabouço probatório, o que é inviável em recurso especial.
Aliás, a revisão de entendimento de acórdão em concurso público já encontrou o mesmo obstáculo em precedente recente deste mesmo órgão colegiado. No caso em questão, embora o substrato fático fosse diverso, a ratio decidendi do julgado foi no sentido da impossibilidade de revisitação das provas que levaram à conclusão da origem:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. COTISTAS NEGROS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. (..)
6. De mais a mais, nota-se que a instância de origem decidiu a questão com base no suporte fático-probatório dos autos, cujo reexame é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
7. Insta transcrever trecho do acórdão recorrido: "No caso em apreço, analisando os documentos juntados pela impetrada, não se verifica nenhuma situação excepcional que justifique a não nomeação do impetrante, pois embora alegue que a crise econômica de 2015 ocasionou redução do repasse da União para a Agência Estadual de Metrologia, é certo que que houve realocação de servidores comissionados pelo Decreto P n. 60, de 10.01.2019, publicado no Diário Oficial n. 9.819, de 12.01.2019, não se aplicando o artigo 1º, caput, do Decreto n. 15.129, de 28.12.2018, que previu a exoneração dos cargos de comissão no âmbito da Administração Direta, Autarquica e Fundacional do Estado, não explicitando se são servidores efetivos ou não".
8. Agravo Interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp 1.869.709/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 12/11/2020).
Como já se viu também, a conclusão da origem e o objeto do recurso especial foram cláusula editalícia e atos administrativos posteriores à alteração. Mais uma vez, este mesmo órgão colegiado já decidiu que a interpretação de cláusula de edital de concurso não pode ser realizada no julgamento de recurso especial:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. AUTODECLARAÇÃO. CANDIDATO PARDO. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO, NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL, DO DISPOSITIVO LEGAL QUE, EM TESE, TERIA SIDO VIOLADO OU QUE TERIA RECEBIDO INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 284/STF. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELA CORTE A QUO, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS E DO EXAME DE CLAUSULAS EDITALÍCIAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
(..)
5. Nesse contexto, considerando a fundamentação do acórdão objeto do Recurso Especial, os argumentos utilizados pela parte recorrente somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o reexame de matéria fática, bem como a análise da cláusula editalícia, a fim de alcançar conclusão diversa, o que é vedado ante o que estabelecem as Súmulas 5 e 7/STJ.
6. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1.595.879/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/8/2020, DJe 14/9/2020).
Finalmente, este mesmo órgão colegiado entendeu que a análise da preterição de candidato em concurso público aprovado fora do número de vagas, como é o caso, exigiria a revisão do acervo probatório:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS. EXPECTATIVA DE DIREITO. CONVOLAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. PRETENSÃO DE NOMEAÇÃO. PRETERIÇÃO ILEGAL. CONFIGURAÇÃO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS CONSTITUCIONAIS. INADEQUAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CARÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. Ao Superior Tribunal de Justiça não compete, pela via do recurso especial, examinar a negativa de vigência a norma de índole constitucional, ainda que de conteúdo principiológico.
2. O recurso especial não é, em razão da Súmula 07/STJ, via processual adequada para questionar julgado que se afirmou explicitamente em contexto fático-probatório próprio da causa, tampouco se autorizando o seu processamento, sob a alegação de ofensa a preceito de direito federal, se as normas ínsitas aos textos legais destacados sequer foram tratadas pelo Tribunal a quo, hipótese esta de incidência da Súmula 211/STJ.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp 1.690.221/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/5/2021, DJe 10/5/2021).
Esse entendimento foi tomado independentemente da conclusão do acórdão recorrido. No caso do precedente, após análise do acervo probatório, o acórdão recorrido entendeu pela ausência de direito subjetivo à nomeação. No presente caso concreto, o Tribunal compreendeu pela existência de direito líquido e certo. Entendo, portanto, que a conclusão deve ser a mesma, pela similitude dos pressupostos decisórios.
Ressalta-se também que, ainda que fosse o caso de análise do mérito do recurso especial, não seria o caso de provimento. Houve a admissão na origem de nomeação de candidato até a 99ª (nonagésima nona) colocação na própria peça do recurso especial (e-STJ, fl.1.169).
Ora, se o Estado sustenta que a candidata não poderia ter sido aprovada pela preservação da regra editalícia originária, que impediria a aprovação no concurso público de candidato em colocação posterior a 83ª (octogésima terceira) colocação, não poderia haver nomeação de candidato aprovado acima dessa colocação. Como o Estado nomeou, não pode impedir a possibilidade de aprovação de candidato em colocação posterior sob pena de se ferir a isonomia.
Ante o exposto, pedindo vênias ao Relator, Ministro Francisco Falcão, e ao Ministro Herman Benjamin, acompanho a divergência inaugurada pelo Ministro Mauro Campbell e dou provimento ao agravo interno para reformar a decisão monocrática de e-STJ, fls. 1.205-1.210, não conhecendo do recurso especial.
É como voto.
VOTO-VISTA
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Trata-se de Recurso Especial, interposto pelo ESTADO DO TOCANTINS, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, assim ementado:
"MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais nos 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o nú mero de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas-TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida" (fl. 1.093e).
Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por PAULA BARROS BRITO CAETANO, em face de ato imputado ao GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINS e ao SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO TOCANTINS, ao fundamento de que se inscreveu no concurso público do Quadro-Geral do Estado do Tocantins, regido pelo Edital 001/2012, para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas/TO, obtendo a 127ª (centésima vigésima sétima) posição.
Na inicial, narrou a candidata que foi aprovada no aludido concurso público para provimento do cargo de Contador do Estado de Tocantins, no qual foram oferecidas 83 (oitenta e três) vagas para o Município de Palmas, sendo 60 (sessenta) para provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro reserva, classificando-se em 127º (centésima vigésima sétima) posição, figurando no cadastro reserva.
Esclareceu que "a portaria nº. 210, de 26 de fevereiro de 2014, declarou a decadência do direito de posse dos aprovados abaixo, tendo como posições 7, 9, 11, 12, 18, 19, 20, 25, 26, 33, 36, 37, 50,52,53, 54 e 56 colocados, e do 1º colocado para Portador de Necessidades Especiais por perda do prazo estabelecido, tornando sem efeito o ato n. 468-NM, circulado no diário oficial D.O 4.079, circulado em 28 de fevereiro de 2014 (..) Por oportuno, foi publicada a portaria sob nº. 243, de 26 de fevereiro de 2014, declarou a decadência do direito de posse do aprovado abaixo, tendo como colocação de nº 61 por perda do prazo estabelecido, tornando sem efeito o ato n. 1.495-NM, circulada no diário oficial D.O 4.082, circulado em 07 de março de 2014 (..) Ainda assim houve outra portaria sob nº. 1256, de 13 de novembro de 2014, declarou a decadência do direito de posse dos aprovados abaixo, tendo como colocação de nº 69 por perda do prazo estabelecido, tornando sem efeito o ato n. 1.495-NM, circulada no diário oficial D.O 4.255, circulado em 13 de novembro de 2014 (..) A de se destacar que a Administração Pública nomeou através do Ato nº 4277 NM em 12 de dezembro de 2014, circulado no Diário Oficial nº 4.277 (..) os seguintes candidatos até a colocação de nº 99 (..) Entretanto, os candidatos, FERNANDO DE SOUZA BRITO, JOSIAS CANDIDO FREIRE, MARIA RITA DE ALMEIDA ARAUJO AIRES, HILLANY KIM GOMES COELHO, ALUIZIO AUGUSTO NOERBERTO SILVA, NEWTON OLIVEIRA CAMPOS, DIOGO DE SÁ RODRIGUES, DÁCIO CARVALHO MOREIRA, MARIA AUXILIADORA DO NASCIMENTO, WANDERSON ANDRADE DO MONTE, FAGNO PAULO DA SILVA ARAUJO, DANIELLA DA SILVA FERREIRA, EDNALVA ARAUJO LIMA E MAGNO RANGEL DA SILVA das colocações nº 72, 74 76, 78, 79, 80, 82, 83, 85, 86, 92, 95 E 96 não tomaram posse, nem pediram prorrogação do concurso (..) Ainda assim, acrescenta-se que o candidato nomeado para o cargo de contador, JAILSON DUARTE, foi exonerado a pedido, desde 11 de março de 2015, conforme consta no diário oficial nº 4.360, circulado em 23 de abril de 2015 (..) De logo, compete consignar que no item 1 do EDITAL Nº 001/QUADRO-GERAL/2012, dispõe (..) que os candidatos que compõem o cadastro de reserva somente serão nomeados, observados o município para o qual tenham concorrido se, durante o período de validade do concurso ocorrer o surgimento de novas vagas, ou, ainda, para a investidura em vaga oferecida pelo presente edital, cujo candidato nomeado não venha a tomar posse, ou, empossado, tenha a sua posse tornada insubsistente ou sem efeito. (..) o cargo de CONTADOR na cidade de PALMAS, encontra-se COM 34 (TRINTA E QUATRO) VACÂNCIAS, pois os candidatos não assumiram no tempo hábil, conforme portaria de decadência veiculada no Diário Oficial do Estado, com direito liquido e certo ao impetrante em tomar posse. Neste contexto, as regras editalícias são claras, o item 21.3 dispõe: "a desistência do candidato, importará na convocação daquele que o suceder na ordem de classificação" (..) Tal circunstância, de per si, mostra-se suficiente para autorizar a nomeação do Requerente, posto que evidenciada de forma inequívoca a necessidade do Estado em convocar novos candidatos face frustração da posse do 34 colocados anteriores ao impetrante, não consumada por circunstâncias alheias à vontade do Estado (..) No caso em tela, foram disponibilizadas 83 (oitenta e três) vagas, sendo 60 (sessenta) imediatas e 23 (vinte e três) cadastro de reserva, em decorrência da não nomeação dos candidatos aprovados, foram nomeados mais 16 (dezesseis) candidatos, até a 99ª colocação, conforme Diário Oficial nº 4277 circulado em 12 de dezembro de 2014. Contudo, dos 99 (noventa e nove candidatos) convocados, desses 34 (trinta e quatro) não tomaram posse e/ou foram exonerados a pedido, o que gera o direito subjetivo à nomeação para os candidatos seguintes na ordem de classificação 133, alcançando o ora impetrante a classificação 127" (fls. 8/14e). Requereu, a final, o deferimento de liminar e a concessão da segurança, para assegurar sua nomeação e posse no cargo de Contador, para a cidade de Palmas (fl. 20e).
O Governador do Estado, nas informações prestadas, asseverou que "o Edital nº. 001/QUADRO-GERAL/2012, de 04 de maio de 2012, ofereceu 83 (oitenta e três) vagas para o cargo de Contador no âmbito do município de Palmas, sendo 60 (sessenta) destinadas para provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva. Após a homologação do resultado final do certame, pelo Decreto nº. 4.706, de 20 de dezembro de 2012, publicado no Diário Oficial nº. 3.779, de 20 de dezembro de 2012, foram nomeados todos os candidatos aprovados para esse cargo/município. Tendo em vista que o Edital nº. 001/QUADRO-GERAL/2012, em seu item 15.1.5 prevê a eliminação do candidato não classificado dentro do limite de vagas, in verbis: (..) Convém esclarecer que o Edital nº 019/QUADRO GERAL/2014, relativo ao concurso em tela, publicado em 02 de dezembro de 2014, no DOE nº 4.269, pág. 11, retificou o edital 001/QUADRO-GERAL/2012, excluindo o item 15.1.5 originalmente previsto. Em virtude dessa alteração, foi publicado no Diário Oficial nº. 4.072, de 11 de dezembro de 2014, o Edital nº. 020/QUADRO-GERAL/2014, de 10 de dezembro de 2014, tornando pública a classificação de candidatos que até então não constavam na lista de aprovados para o cadastro de reserva. Dessa forma, a Impetrante somente figurou na lista de aprovados no concurso de 2012 a partir de 11 de dezembro de 2014, data da publicação do Edital nº. 020/QUADRO-GERAL/2014, constando, a partir de então, no cadastro de reserva. Ocorre que, na data de 23 de abril de 2015, foi publicado o edital 21/QUADRO GERAL/2015 através do DOE nº 4.360 (em anexo) que anulou os Editais nº 019/QUADRO GERAL/2014 e nº. 020/QUADRO-GERAL/2014 acima citados, invalidando o cadastro de reserva momentaneamente admitido, de forma que a Impetrante não figura mais no cadastro de reserva, estando, portanto, desclassificada. (..) Insta salientar que conforme o Anexo III ao Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012, foram disponibilizadas somente 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) vagas para cadastro de reserva para o cargo disputado, o que, impossibilita a Impetrante figurar como aprovada, uma vez que restou classificado na 127ª posição, de forma que todos os candidatos classificados a partir da 84ª posição estão eliminados. Ademais, o Edital estabeleceu regras claras para a composição do cadastro de reserva, aplicando o ponto de corte de acordo com a nota mínima atingida pelo candidato (item 11.4), ao mesmo tempo em que eliminou os concorrentes que não conseguiram se classificar dentro do número de vagas estabelecidas para o cadastro de reserva (item 15.1.5), o que é o caso da Impetrante. Portanto, resta obstada a convocação da Impetrante, vez que não figurou no rol de aprovados (vide - Anexo Único do Decreto nº 4.706/2012 - Homologação do Resultado Final). (..) No caso em tela, o edital previu cadastro de reserva para alguns cargos, sendo que no caso específico, do cargo de Contador do município de Palmas, foram disponibilizadas 83 (oitenta e três) vagas, sendo 23 (vinte e três) para cadastro reserva, tudo nos termos do Anexo III do edital nº 001/Quadro-Geral/2012. É importante destacar a obrigatoriedade da Administração Pública em obedecer ao disciplinamento dado pelo Edital do concurso (Princípio da vinculação ao Edital) (..) Assim, a Administração Pública por ato discricionário e usando do seu juízo de conveniência e oportunidade insuscetível de exame pelo Poder Judiciário, decidiu disponibilizar apenas as citadas vagas no certame para o cargo disputado pela Impetrante, sendo que somente sessenta de provimento imediato, logo, não há como a mesma ser nomeada para o cargo, tendo em vista não ter obtido aprovação no concurso. Insta salientar que todas as vagas foram preenchidas para o cargo de provimento efetivo, conforme a ordem classificatória do concurso público. Entretanto, resta claro que o direito subjetivo a vaga surge apenas quando o candidato foi aprovado no certame, dentro das vagas disponibilizadas pela Administração, o que não é o caso dos autos, pois a Impetrante não foi aprovada, não figurou no resultado final, tendo sido eliminada. (..) Em face do que foi exposto, apresentadas as informações, requer a denegação da segurança requestada, ante a ausência do direito líquido e certo pleiteado" (fls. 1.058/1.066e).
O Secretário da Administração do Estado do Tocantins, por sua vez, reiterou, integralmente, as informações do Governador do Estado.
A questão restou assim decidida pelo Tribunal de origem, in verbis:
"Conforme visto, a impetrante almeja sua nomeação e posse no cargo de Contador para o Município de Palmas-TO, no Concurso Público do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual ofertou 83 (três) vagas, sendo 60 (sessenta) de provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva.
Infere-se dos autos que, inicialmente, a impetrante foi considerada eliminada do certame, por não ter figurado dentre os 83 (oitenta e três) primeiros colocados.
Apenas atingiu o status de aprovada e classificada, na 127ª colocação no certame, em decorrência do Edital nº 019/2014, publicado no Diário Oficial nº 4.276, de 11/12/2014, o qual revogou o item 15.1.5 do Edital nº 001/ QUADRO-GERAL/2012, de 4/5/2012, que previa a eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso.
Em 15/4/2015 o Secretário de Estado da Administração, por meio do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, anulou, com efeito ex nunc, o Edital nº 019/QUADROGERAL/2012, de 22/6/2012 e o Edital nº 020/QUADRO-GERAL/2014, de 10/12/2014, ao argumento de estarem eivados de ilegalidade.
Acontece que, embora o Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015 tenha anulado os Editais nºs 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 (que excluiu o item 15.1.5 do Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva), ressalvou o direito de terceiros de boa-fé que foram empossados pelas nomeações contidas no Ato nº 2.201-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014 e no Ato nº 2.117-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014.
No caso em exame, apesar de a impetrante não ter sido nomeada pelos atos supracitados, quando da publicação Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão do desinteresse do direito de posse de candidatos melhores classificados do que ela, em número suficiente para alcançar a sua classificação.
Seria contraditório e afrontaria os princípios da isonomia e segurança jurídica ressalvar os direitos dos candidatos que tomaram posse na vigência dos Editais nºs 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 e deixar de lado os candidatos que, na vigência dos supracitados editais, adquiriram direito à nomeação em razão da ausência de posse, exoneração ou vacância de cargos, e que somente não foram contemplados pelos atos de nomeação por omissão da Administração Pública.
Da análise dos autos, constata-se que foram nomeados 99 (noventa e nove) candidatos para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas-TO, sendo que pelo menos 32 (trinta e dois) deles, antes da publicação do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, não tomaram posse ou tiverem este direito decaído.
Denota-se do Diário Oficial nº 4.079, de 28/2/2014, especificamente das Portarias TSE n os 210, 211, 213 e 232, todas de 26/2/2014, que 17 (dezessete) candidatos tiveram seu direito de posse decaído ou a posse tornada sem efeito por não ter entrado em exercício dentro do prazo legal (9 2 5 1).
Verifica-se, ainda, no Diário Oficial nº 4.082, de 7/3/2014, que 1 (um) candidato teve seu direito de posse decaído pela Portaria n o 244 TSE, de 27/2/2014.
Por fim, denota-se do Ofício/SECAD/GASEC Nº 1280/2015 e do Diário Oficial nº 4.373, de 13/5/2015, especificamente da Portaria nº 553, de 7/5/2015, que das nomeações determinadas pelo Ato 2.084-NM (publicado no Diário Oficial n o 4.277, de 12/12/2014), 14 (quatorze) candidatos não tomaram posse e tiveram suas nomeações tornadas sem efeito.
Ademais, a despeito de a Administração ter, somente em 13/5/2015, por meio da Portaria nº 553, de 7/5/2015, tornado público a insubsistência de nomeações determinadas pelo Ato nº 2.084-NM, referida portaria não pode ser considerada como fato gerador do direito invocado pela impetrante, uma vez que apenas formalizou publicamente situação ocorrida em momento anterior à anulação dos editais acima referidos, levando-se em consideração a data das nomeações (dezembro de 2014), e o prazo legal que os candidatos dispunham para tomar posse e entrar em exercício. Mesmo se consideramos a hipóteses de ter havido pedido de prorrogação, o prazo estabelecido para os candidatos melhor classificados tomarem posse no cargo já teria encerrado antes da publicação do Edital nº 021/QUADRO GERAL/2015.
Sendo assim, referida situação privilegiou a impetrante, classificada na 127ª posição, pois as vagas não preenchidas em razão da decadência do direito de posse de candidatos nomeados geram direito subjetivo aos candidatos seguintes na ordem de classificação, haja vista a existência de interesse do Estado do Tocantins no preenchimento da vaga.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 837311, com Repercussão Geral reconhecida:
(..)
No presente caso, a Administração Pública Estadual claramente evidenciou a necessidade de preenchimento das vagas. Desta maneira, o ato de convocação de aprovados, diante da declaração da decadência do direito de posse de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, deixou de ser discricionário para se tornar vinculado, pois passou a impetrante a se enquadrar dentro do número de vagas convocadas.
O quadro fático delineado revela, assim, a necessidade da concessão da segurança" (fls. 1.089/1.092e).
Ao referido acórdão foram opostos Embargos Declaratórios (fls. 1.110/1.126e) pelo ESTADO DO TOCANTINS, com pedido de efeitos infringentes, que foram parcialmente acolhidos, para sanar omissão, determinando a juntada do voto vencido aos autos:
"1. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE.
Os embargos de declaração, mesmo para fins de prequestionamento, não se prestam à rediscussão da matéria, e têm por escopo suscitar o saneamento de omissão, contradição ou obscuridade eventualmente existentes no acórdão, inocorrentes quando o tema embargado fora satisfatoriamente apreciado no julgado restando decidido que a comprovação: I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de PalmasTO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
2. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS RAZÕES DO VOTO VENCIDO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 941, 3º, DO CPC/2015. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. SANEAMENTO.
2.1 O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento (artigo 941, § 3º, CPC/2015).
2.2 A ausência de transcrição das razões do voto vencido pode ser reconhecida pela via dos embargos de declaração, a fim de que a omissão seja sanada" (fls. 1.146/1.147e).
Nas razões do Recurso Especial, interposto pela alínea a do permissivo constitucional, o ESTADO DO TOCANTINS apontou como violado apenas o art. 1º da Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança).
Para tanto, asseverou que:
"5. MÉRITO RECURSAL
5.1 DA INFRAÇÃO À NORMA INFRACONSTITUCIONAL E CONSTITUCIONAL - CONTRARIEDADE AO ART. 1º DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA E AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM OS CONCURSOS PÚBLICOS: LEGALIDADE, ISONOMIA, VINCULAÇÃO AO EDITAL E PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE ANULAR OU REVOGAR SEUS ATOS - SÚMULA 473 DO STF.
Trata-se de Mandado de Segurança cujo voto vencedor foi parcialmente acolhido e, em que foi mantida a concessão da segurança, determinando às autoridades Impetradas que procedessem à posse da Impetrante. Contra tal decisão se insurge o Recorrente, pelos fundamentos adiante alinhavados.
Em breve síntese da demanda, cumpre dizer que se trata de mandado de segurança impetrado contra ato omissivo atribuído ao Governador do Estado do Tocantins e ao Secretário da Administração que não efetivaram a posse da Recorrida em cargo público, por não ter sido aprovada em concurso público conforme edital então vigente.
Não se trata de discussão de matéria fático-probatória, mas de direito cuja questão é: EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO VICIADO, CORRIGIDO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, GERA OU NÃO DIREITO LÍQUIDO E CERTO PARA O CANDITADO
O mandado de segurança é um remédio constitucional que visa amparar direito líquido e certo que, no caso em exame, não restou configurado. Ainda assim, o Egrégio Tribunal concedeu a segurança pleiteada ocorrendo, dessa forma, a violação do artigo 1.º, da Lei 12.016/09, Lei do Mandado de Segurança, eis que a segurança foi concedida contra legem, pois a recorrida não possui direito líquido e certo a ser amparado pelo writ, não havendo qualquer lesão a direito seu pela Administração.
O edital é a lei do concurso público e suas regras vinculam tanto a Administração quanto os candidatos. A segurança concedida violou o art. 1º da lei do mandado de segurança, os princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital e poder discricionário da administração pública de anular ou revogar seus atos - súmula 473 do STF.
O Recorrente alterou os editais, conforme explicado abaixo, exercendo seu poder discricionário e amparado pela Súmula 473 do STF, que preconiza que "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Conforme Edital nº 001/2012, foram previstas apenas 83 (oitenta e três) vagas para o cargo em que se inscreveu a Impetrante, sendo 60 (sessenta) para posse imediata e 23 (vinte e três) para cadastro reserva.
Cabe aqui informar que o Edital nº 019/QUADRO GERAL/2014, relativo ao concurso em tela, publicado em 02 de dezembro de 2014 por meio do DOE nº 4.269, pág. 11, retificou o edital 001/QUADRO GERAL/2012, excluindo o item 15.1.5 do referido edital, o qual vedava o cadastro de reserva além dos limites previstos no instrumento convocatório.
Dessa forma, a Recorrida passou a figurar no cadastro de reserva, somente após a alteração do Anexo Único ao Decreto nº 4.706, que permitiu a publicação de nova lista de aprovados, nos termos do Decreto nº 5.170, de 12 de dezembro de 2014.
Ocorre que, na data de 23 de abril de 2015, tendo o Administrador Público verificado o erro cometido, publicou o edital 21/QUADRO GERAL/2015 através do DOE nº 4.360 (em anexo) que anulou o edital nº 019/QUADRO GERAL/2014 acima citado, sendo que a Recorrida não figurou mais no cadastro de reserva, estando, portanto, desclassificado, porquanto foi aprovada em 127º lugar, fora do cadastro de reserva, devendo ser denegada a segurança por tais motivos.
Frise-se que a anulação do edital nº 019/QUADRO GERAL/2014 restabeleceu o status quo das regras previstas para o certame no edital original, tornando nulo todo o direito daqueles candidatos que constavam na lista classificatória e ainda não haviam sido nomeados.
O mesmo edital resguardou o direito daqueles que já haviam sido nomeados, fazendo distinção entre quem já tinha tomado posse e quem não tinha, para estes, deixou de existir qualquer direito a ser vindicado, não havendo o que se falar em direito líquido e certo à nomeação implementado antes da anulação do edital nº 019/QUADRO GERAL/2014, conforme tenta provar o nobre relator ao proferir voto vencedor.
O fato da Administração ter convocado 99 (noventa e nove) candidatos classificados nas primeiras posições, sendo que destes 14 (quatorze) não tomaram posse, não configura o direito sustentado pela Impetrante e pelo Relator do mandamus, pois, mesmo tendo a desistência ocorrida ainda na vigência do edital n. 019/QUADRO GERAL/2014, a anulação desse ato pela Administração afetou todos os direitos que dele nasciam desde a sua publicação.
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Ademais, ainda que a recorrida figurasse na lista de classificados em cadastro reserva, o que se admite apenas por argumentar, a nomeação pleiteada somente deveria se dar dentro da disponibilidade financeira e da necessidade do Estado para a nomeação de aprovados, tendo em vista que a Administração pode nomear os aprovados dentro do prazo de validade do certame, cabendo ao Administrador escolher o momento adequado para as nomeações, tudo isso está amparado pela legalidade, é a chamada discricionariedade que detém o Administrador Público.
Ressalta-se que o candidato aprovado em concurso público, no cadastro de reserva, não tem direito a nomeação, e sim uma mera expectativa de direito, sendo o entendimento da Corte Suprema, veja-se:
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Além do mais, não há como se atribuir qualquer omissão ao Recorrente, uma vez que está agindo de forma razoável e proporcional, em total obediência aos preceitos legais que lhe são impostos, nomeando os aprovados no certame de acordo com a necessidade da Administração, e ainda, primando pela supremacia do interesse público.
Desta maneira, não havendo ilegalidade, não há como o Judiciário intervir no presente caso, sem que para tanto, infrinja o preceito fundamental da separação dos poderes (art. 2º da CF), uma vez que, consoante os entendimentos tanto do STJ, como do STF, o Ente Federativo deve nomear os candidatos aprovados dentro das vagas ofertadas, entretanto, tem no prazo de validade do certame, o limite temporal para prover tais cargos. (..)
Frise-se, inclusive, que o Edital Nº 001/QUADRO-GERAL/2012, de 04 de maio de 2012, que estabeleceu as normas para a realização de referido concurso, foi claro em estabelecer, em 02 (dois) anos, para o prazo de validade do certame, que foi homologado pelo Decreto nº 4.706, de 20 de dezembro de 2012, publicado no DOE Nº 3.779 de 20/12/2012:
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Vale dizer que o prazo de validade do certame em comento foi prorrogado por igual período através do Decreto nº 5.169 de 12 de dezembro de 2014, publicado no Diário Oficial do Estado de nº 4.277 na página 01:
Art. 1º Fica prorrogado pelo prazo de dois anos, a contar de 20 de dezembro de 2014, o concurso público para provimento de cargos do Quadro-Geral de Servidores Públicos do Poder Executivo, homologado pelo Decreto 4.706, de 20 de dezembro de 2012, publicado na edição 3.779 do Diário Oficial do Estado.
Neste particular, verifica-se que o Decreto nº 5.169 de 12 de dezembro de 2014 teve sua validade encerrada em 12 de dezembro de 2016, não sendo mais válido o certame, portanto, nenhum direito assiste a Recorrida, pois o concurso expirou.
O ato de nomeação de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas no edital trata-se de ato vinculado. Entretanto, cabe à Administração decidir, conforme sua conveniência (ato discricionário), o momento em que ocorrerão tais nomeações, obedecendo-se, todavia, o limite temporal de vigência do certame, contudo, tratando-se de candidato aprovado em cadastro de reserva, caso da Recorrida, o entendimento pacificado no STJ é de que não há direito subjetivo a nomeação, veja-se:
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De fato, a mera expectativa de direito converte-se em direito subjetivo quando, durante o prazo previsto no edital, 02 (dois) anos, o aprovado não é convocado com prioridade sobre novos concursados, ou até mesmo em contratações precárias sem que tenham sido nomeados aqueles já aprovados, sendo este, entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça.
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No presente caso, como já exposto anteriormente, não há que falar em direito líquido e certo.
Caso a Recorrida ao menos figurasse no cadastro de reserva, ainda assim deveria aguardar por ato legítimo e discricionário, neste sentido, com arrimo na jurisprudência dominante, eis os precedentes do STJ, in verbis:
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Portanto, não há qualquer direito líquido e certo da Recorrida, muito pelo contrário a decisão v. violou os dispositivos legais acima apontados" (fls.*1.167/1.179e).
Requereu o provimento do Recurso Especial, para reformar o acórdão recorrido, "para o fim de reformar o v. acórdão recorrido, tendo em vista a ausência de direito liquido e certo a ser amparado pela demanda judicial" (fl. 1.179e).
Contrarrazões pelo não conhecimento do Recurso Especial (fls. 1.182/1.191e), com aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC/2015, por tratar-se de recurso com "manifesto caráter protelatório".
Admitido o Recurso Especial (fl. 1.197/1.200e), nesta Corte o Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, monocraticamente, deu-lhe provimento, em decisão assim fundamentada:
"Trata-se de recurso especial interposto pelo ESTADO DO TOCANTINS, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS, assim ementado (fl.1093):
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais nº 19 e 20 QUADRO-GERAL2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no QUADRO- GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas- TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por PAULA BARROS BRITO CAETANO contra ato do GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINS e do SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO TOCANTINS.
Alega ter sido inscrita no concurso público do Quadro-Geral do Estado do Tocantins para o cargo de Contador - Lotação no Município de Palmas/TO e ter alcançado a 127ª colocação no certame.
Dessa forma, informa que o concurso disponibilizou 83 vagas, sendo 60 para provimento efetivo e 23 para cadastro de reserva. Acrescenta, ainda, a existência de 34 vagos e que a própria Administração manifestou interesse no preenchimento de 99 vagas, motivo pelo qual aduz possui direito líquido e certo à nomeação , uma vez considerada a 127ª posição classificatória alcançada pela outrora impetrante.
Opostos embargos declaratórios, estes foram conhecidos e parcialmente providos, conforme dispõe a seguinte ementa (fls. 1146-1147):
1. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE.
Os embargos de declaração, mesmo para fins de prequestionamento, não se prestam à rediscussão da matéria, e têm por escopo suscitar o saneamento de omissão, contradição ou obscuridade eventualmente existentes no acórdão, inocorrentes quando o tema embargado fora satisfatoriamente apreciado no julgado restando decidido que a comprovação: I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas-TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
2. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS RAZÕES DO VOTO VENCIDO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 941, 3º, DO CPC/2015. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. SANEAMENTO.
2.1 O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré- questionamento (artigo 941, § 3º, CPC/2015).
2.2 A ausência de transcrição das razões do voto vencido pode ser reconhecida pela via dos embargos de declaração, a fim de que a omissão seja sanada.
No presente recurso especial, o recorrente aponta violação ao artigo 1º da Lei do Mandado de Segurança, bem como ofensa aos princípios que regem os concursos públicos.
Afirma que o acórdão vergastado afronta o poder discricionário da Administração Pública de anular ou revogar seus atos, conforme preceitua a Súmula 473 do STF. Aduz, por fim, que a decisão combatida encontra-se em dissonância com a remansosa jurisprudência sobre o tema nos Tribunais Superiores.
Apresentadas contrarrazões pela manutenção do acórdão recorrido (fls. 1182-1191).
É o relatório. Decido.
Inicialmente, é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo nº 3/STJ: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
É cediço que o candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para formação cadastro de reserva possui mera expectativa de direito à nomeação, convolando-se em direito subjetivo somente na hipótese de comprovação do surgimento de cargos efetivos durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-las.
Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO. APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS. VIA MANDAMENTAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA . IMPOSSIBILIDADE. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO SURGIMENTO DE VAGAS EFETIVAS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
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II - O candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital possui mera expectativa de direito à nomeação, convolando-se em direito subjetivo somente na hipótese de comprovação do surgimento de cargos efetivos durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-las (v.g. AgRg no RMS 37.982/RO, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves, DJe de 20.08.2013; REsp 1.359.516/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell, DJe de 22.05.2013).
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VI - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no RMS 43.596/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 30/03/2017)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. APROVADO FORA DAS VAGAS. COMPROVADO SURGIMENTO DE VAGA. AUSÊNCIA DE PROVA DE DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. PRECEDENTE DO STJ. INEXISTÊNCIA DE PRETERIÇÃO. TEMA FIXADO EM REPERCUSSÃO GERAL - RE 837.311/PI. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
I - Os candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital - ou, em concurso para cadastro de reserva - não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso (seja por criação em lei, seja por força de vacância), uma vez que tal preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da administração pública.
II - O mero surgimento de vagas não enseja a caracterização da preterição se não houver a nomeação do candidato, nisso estando incluso o advento de lei que prevê a criação de mais vagas para o cargo pleiteado, sobretudo quando a própria legislação condiciona a implementação dos novos postos à prática de ato administrativo do Tribunal de Justiça, que considerará ainda a existência de previsão orçamentária, de recursos financeiros e os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
III - Agravo interno improvido.
(AgInt no RMS 49.983/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 20/03/2017)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO FORA DAS VAGAS. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E STF. SURGIMENTO DE VAGAS NÃO COMPROVADO. SERVIDORES TEMPORÁRIOS. ART. 37, IX, DA CF/88. NECESSIDADES TRANSITÓRIAS DA ADMINISTRAÇÃO. PRETERIÇÃO NÃO CARACTERIZADA.
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2. A atual jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reserva não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso - por criação de lei ou por força de vacância -, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração. Precedentes do STJ" (RMS 47.861/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 05/08/2015).
3. Esta é também a orientação do STF, como se pode aferir, dentre outros, dos seguintes precedentes: RE 837.311/PI, Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, Repercussão Geral - DJe de 18/04/2016 e AI 804.705 AgR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/11/2014.
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5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl no RMS 45.117/PE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 03/02/2017)
Outrossim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o mero surgimento de novas vagas não confere automaticamente direito líquido e certo à nomeação aos candidatos aprovados fora das vagas previstas em edital ou em vaga para cadastro de reserva. Tal preenchimento estará sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública.
Neste sentido:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. IMPETRAÇÃO DURANTE O PRAZO DE VALIDADE. EXPECTATIVA DE DIREITO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS. - RE 598.099/MG. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. Cuida-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso ordinário no qual se pleiteava a nomeação de candidato aprovado fora das vagas previstas no Edital. O writ of mandamus foi impetrado durante a vigência da validade do concurso público.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está pacificada no sentido de que não há falar em direito líquido e certo à nomeação se ainda houver tempo de validade do certame pois, em tais casos, subsiste discricionariedade da administração pública para efetivar a nomeação. Precedentes: MS 18.717/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 5.6.2013; e RMS 43.960/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.12.2013.
3. Ademais, cabe anotar que a Primeira Seção, nos autos do MS 17.886/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.10.2013, reafirmou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, havido nos autos do RE 598.099/MG, de que os candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital - ou, em concurso para cadastro de reserva - não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso (seja por criação em lei, seja por força de vacância), uma vez que tal preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da administração pública.
Agravo regimental improvido.(AgRg no RMS 45.464/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 29/10/2014).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. REMOÇÃO DE SERVIDOR. PRETERIÇÃO NÃO CARACTERIZADA.
1. Esta Corte tem firmado o entendimento de que "candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reserva não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso - por criação de lei ou por força de vacância -, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração. Precedentes do STJ" (RMS 47.861/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 05/08/2015).
2. A jurisprudência do STJ também é firme no sentido de que "a remoção de servidores, por caracterizar forma derivada de provimento, não importa em preterição dos candidatos aprovados em concurso público que aguardam nomeação" (MS 38.590/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 20/10/2014).
3. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no RMS 47.953/SP, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado cm 15.3.2016, publicado no DJe de 29.3.2016).
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO EM CADASTRO DE RESERVA. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRETERIÇÃO NÃO COMPROVADA.
1. Cuida-se de inconformismo com a decisão do Tribunal de origem que denegou a segurança pretendida pelo impetrante, qual seja, sua nomeação para cargo público, para o qual foi classificado no concurso em cadastro de reserva.
2. Os aprovados em concurso público fora do número de vagas têm mera expectativa de direito à nomeação. Ademais, o surgimento superveniente de vagas durante o prazo de validade do concurso não acarreta o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em cadastro de reserva.
3. O impetrante, ora recorrente, não conseguiu comprovar a existência de preterição arbitrária à nomeação dos candidatos aprovados em cadastro de reserva ou comprovar qualquer inobservância editalícia do concurso, por conseguinte, não se evidenciou seu direito líquido e certo à vaga, de sorte que a Administração não teria a obrigatoriedade de nomeá-lo.
4. Acrescente-se que a contratação temporária de terceiros não constitui pura e simplesmente ato ilegal nem tampouco é indicativo necessário da existência de cargo vago, pois, para a primeira hipótese, deve ser comprovado o não atendimento às prescrições do RE 658.026/MG, rel. Min. Dias Toffoli.
5. Recurso Ordinário a que se nega provimento. (RMS 54.063/RO, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 17.8.2017, publicado no DJe de 13.9.2017).
No caso em tela, a recorrente restou aprovada na 127ª colocação, portanto, fora do número de vagas previstas pelo edital em questão.
Além de necessitar a comprovação do surgimento de vagas bastantes para garantir sua nomeação, deve ser igualmente comprovado o interesse inequívoco da Administração em preenchê-las, o que não ficou suficientemente demonstrado.
Por fim, a vacância alegada pela autora não gera automaticamente à candidata direito líquido e certo à nomeação, pois tal procedimento deverá respeitar juízo de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública.
Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão guerreado e não reconhecer o direito líquido e certo à nomeação da impetrante" (fls. 1.205/1.210e).
Contra esta decisão foi interposto o presente Agravo interno.
O Relator, Ministro FRANCISCO FALCÃO, negou provimento ao Agravo interno, reiterando a compreensão de que "o candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para formação de cadastro de reserva possui mera expectativa de direito à nomeação", bem como de que, "além da necessidade de comprovação do surgimento de vagas bastantes para garantir a nomeação, deve ser igualmente comprovado o interesse inequívoco da Administração em preenchê-las, o que não ficou suficientemente demonstrado", no que foi acompanhado pelo Ministro HERMAN BENJAMIN.
A divergência, inaugurada pelo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES - acompanhada pelo Ministro OG FERNANDES -, diz respeito ao óbice da Súmula 7 do STJ, a inviabilizar o conhecimento do apelo nobre.
Diante do empate do julgamento, pedi vista dos autos, para melhor exame da controvérsia.
De início, merece registro que, "na precisa lição de Cândido Rangel Dinamarco (Teoria Geral do Novo Processo Civil, ed. Malheiros, pag. 214), "o recurso extraordinário e o recurso especial têm admissibilidade restrita no sistema processual-constitucional brasileiro, sendo sujeitos a severos pressupostos especiais de admissibilidade, aos quais os demais recursos não são"" (STJ, AgInt no AREsp 1.504.517/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/11/2019).
Assim sendo, "não se admite como paradigma para comprovar eventual dissídio acórdão proferido em habeas corpus, em mandado de segurança, em recurso ordinário em habeas corpus, em recurso ordinário em mandado de segurança e em conflito de competência" (STJ, AgRg no AREsp 1.648.090/GO, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, DJe de 14/12/2020), os quais possuem âmbito cognitivo muito mais amplo que o do Recurso Especial, destinado exclusivamente à uniformização da interpretação da legislação federal, à luz do acervo fático da causa, delimitado pelas instâncias de origem.
Firmadas tais premissas, cumpre fazer algumas considerações iniciais.
Não se olvida que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que "candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reserva não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso - por criação de lei ou por força de vacância -, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração" (STJ, RMS 53.495/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/05/2017).
De fato, o Plenário do STF, no julgamento do RE 598.099/MS, sob o regime de repercussão geral, nos termos do voto do Relator, Ministro GILMAR MENDES, reconheceu, ao candidato aprovado dentro do número de vagas ofertado em edital de concurso público, o direito público subjetivo à nomeação, não podendo a Administração Pública dispor desse direito. No entanto, na mesma assentada, ressalvou que, "quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário" (STF, RE 598.099/MS, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/10/2011).
Observa-se, portanto, que o STF fixou a compreensão de que, quando a Administração Pública lança edital de concurso público, oferecendo determinado número de vagas, passa a incutir nos candidatos a ideia de que os cargos existem, de que há necessidade de serviço e de que há previsão orçamentária, fazendo crer aos interessados que, se optarem por se inscrever no certame e se sagrarem aprovados e bem classificados, aquele contingente de vagas ofertado será efetivamente preenchido.
O referido julgado determinou que a regra é que a Administração Pública submeta a sua discricionariedade ao direito subjetivo do candidato à nomeação, diante dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, motivo pelo qual não pode ela deixar de prover os cargos ofertados, resguardando-se-lhe, contudo, o direito de decidir em que momento a nomeação ocorrerá, enquanto perdurar o prazo de validade do certame.
Ou seja, a regra, na situação de concurso público em que haja candidatos aprovados dentro das vagas oferecidas pelo edital do certame, é que estes candidatos têm o direito subjetivo à nomeação, durante o período de validade do concurso.
Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS.
1. O STF, no julgamento de mérito do RE 598.099/MS, fixou a tese de que, "uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas" (Tema n. 161/STF).
2. Hipótese em que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação firmada pelo STF.
Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no RE nos EDcl no AgRg no AREsp 615.148/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, DJe de 24/11/2016).
"ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. CONCURSO COM PRAZO DE VALIDADE EM VIGOR. PROVIMENTO DO CANDIDATO APROVADO. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PRETERIÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA VEDADA VIA MANDADO DE SEGURANÇA.
I - A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas ofertadas em edital de concurso público tem o direito público subjetivo à nomeação, não podendo a Administração Pública dispor desse direito. No entanto, o momento em que, dentro do prazo de validade do certame, a nomeação ocorrerá, observa juízo de oportunidade e conveniência. Nesse sentido: RMS n. 53.898/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 21/6/2017; e RMS n. 49.942/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/3/2016, DJe 19/5/2016.
(..)
IV - Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no RMS 57.616/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/12/2018).
De igual modo, a Corte Suprema - também sob o regime de repercussão geral -, apesar de não ter, peremptoriamente, obstaculizado situações como a ora examinada, condicionou o seu reconhecimento a uma atuação do candidato interessado em demonstrar, de forma cabal, que a Administração Pública agira com arbitrariedade e mediante decisão imotivada, de sorte que apenas o surgimento de vagas ou a abertura de novo concurso não têm o condão de configurar preterição a direito. Eis a ementa do referido julgado:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784 DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput).
2. O edital do concurso com número específico de vagas, uma vez publicado, faz exsurgir um dever de nomeação para a própria Administração e um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. Precedente do Plenário: RE 598.099 - RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 03-10-2011.
3. O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade.
4. O Poder Judiciário não deve atuar como "Administrador Positivo", de modo a aniquilar o espaço decisório de titularidade do administrador para decidir sobre o que é melhor para a Administração: se a convocação dos últimos colocados de concurso público na validade ou a dos primeiros aprovados em um novo concurso. Essa escolha é legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não encontra obstáculo em qualquer preceito constitucional.
5. Consectariamente, é cediço que a Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante, ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não mais serão necessários.
6. A publicação de novo edital de concurso público ou o surgimento de novas vagas durante a validade de outro anteriormente realizado não caracteriza, por si só, a necessidade de provimento imediato dos cargos. É que, a despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas. Nesse contexto, a Administração Pública detém a prerrogativa de realizar a escolha entre a prorrogação de um concurso público que esteja na validade ou a realização de novo certame.
7. A tese objetiva assentada em sede desta repercussão geral é a de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, a discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null), fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais:
i)Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital (RE 598.099);
ii) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF);
iii)Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
(..)
9. Recurso Extraordinário a que se nega provimento" (STF, RE 837.311/PI, Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, DJe de 18/04/2016).
Por fim, merece registro que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte, "havendo desistência de candidatos melhor classificados, fazendo com que os seguintes passem a constar dentro do número de vagas, a expectativa de direito se convola em direito líquido e certo, garantindo o direito à vaga disputada. Precedentes: RMS 55.667/TO, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2017 e AgInt no REsp. 1.702.352/TO, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.6.2018" (STJ, AgInt no RMS 62.725/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/12/2020).
Demais disso, ante a alegação recursal de que a nomeação "somente deveria se dar dentro da disponibilidade financeira (..) do Estado", consoante já decidiu esta Corte, "os limites orçamentários previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, no que se refere às despesas com pessoal do ente público, não podem servir de fundamento para o não cumprimento de direitos subjetivos do servidor" (STJ, AgInt no REsp 1.881.372/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12/11/2020).
CASO CONCRETO
Por primeiro, em relação à alegação do recorrente de que "ainda que a recorrida figurasse na lista de classificados em cadastro reserva, o que se admite apenas por argumentar, a nomeação pleiteada somente deveria se dar dentro da disponibilidade financeira e da necessidade do Estado para a nomeação de aprovados, tendo em vista que a Administração pode nomear os aprovados dentro do prazo de validade do certame, cabendo ao Administrador escolher o momento adequado para as nomeações, tudo isso está amparado pela legalidade, é a chamada discricionariedade que detém o Administrador Público" (fl. 1.169e), além de a matéria relativa à disponibilidade financeira não ter sido objeto de debate, no acórdão recorrido, trata-se de inovação recursal, de vez que não foi suscitada tal questão, nas informações prestadas.
Quanto ao mais - mormente no que diz respeito ao interesse da Administração na nomeação dos candidatos - extraem-se do acórdão recorrido os seguintes excertos, nos quais o Tribunal de origem firmou sua convicção: "(..) convém esclarecer que o Concurso Público para Provimento de Cargos do Quadro-Geral de Servidores do Poder Executivo, regido pelo Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012, de 4 de maio de 2012, se encontra em plena vigência, já que teve o prazo de validade prorrogado até dezembro de 2016 (..) Infere-se dos autos que, inicialmente, a impetrante foi considerada eliminada do certame, por não ter figurado dentre os 83 (oitenta e três) primeiros colocados. Apenas atingiu o status de aprovada e classificada, na 127ª colocação no certame, em decorrência do Edital nº 019/2014, publicado no Diário Oficial nº 4.276, de 11/12/2014, o qual revogou o item 15.1.5 do Edital nº 001/ QUADRO-GERAL /2012, de 4/5/2012, que previa a eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso. Em 15/4/2015 o Secretário de Estado da Administração, por meio do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, anulou, com efeito ex nunc, o Edital nº 019/QUADROGERAL/2012, de 22/6/2012 (..) Acontece que, embora o Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015 tenha anulado os Editais nºs 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 (que excluiu o item 15.1.5 do Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva), ressalvou o direito de terceiros de boa-fé que foram empossados pelas nomeações contidas no Ato nº 2.201-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014 e no Ato nº 2.117-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014. (..) Da análise dos autos, constata-se que foram nomeados 99 (noventa e nove) candidatos para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas-TO, sendo que pelo menos 32 (trinta e dois) deles, antes da publicação do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, não tomaram posse ou tiverem este direito decaído. Denota-se do Diário Oficial nº 4.079, de 28/2/2014, especificamente das Portarias TSE ns 210, 211, 213 e 232, todas de 26/2/2014, que 17 (dezessete) candidatos tiveram seu direito de posse decaído ou a posse tornada sem efeito por não ter entrado em exercício dentro do prazo legal (..). Verifica-se, ainda, no Diário Oficial nº 4.082, de 7/3/2014, que 1 (um) candidato teve seu direito de posse decaído pela Portaria nº 244 TSE, de 27/2/2014. Por fim, denota-se do Ofício/SECAD/GASEC Nº 1280/2015 e do Diário Oficial nº 4.373, de 13/5/2015, especificamente da Portaria nº 553, de 7/5/2015, que das nomeações determinadas pelo Ato 2.084-NM (publicado no Diário Oficial n o 4.277, de 12/12/2014), 14 (quatorze) candidatos não tomaram posse e tiveram suas nomeações tornadas sem efeito. (..) Sendo assim, referida situação privilegiou a impetrante, classificada na 127ª posição, pois as vagas não preenchidas em razão da decadência do direito de posse de candidatos nomeados geram direito subjetivo aos candidatos seguintes na ordem de classificação, haja vista a existência de interesse do Estado do Tocantins no preenchimento da vaga (..) No presente caso, a Administração Pública Estadual claramente evidenciou a necessidade de preenchimento das vagas. Desta maneira, o ato de convocação de aprovados, diante da declaração da decadência do direito de posse de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, deixou de ser discricionário para se tornar vinculado, pois passou a impetrante a se enquadrar dentro do número de vagas convocadas. O quadro fático delineado revela, assim, a necessidade da concessão da segurança" (fls. 1.089/1.092e).
Diante desse contexto, pedindo a mais respeitosa vênia ao Ministro FRANCISCO FALCÃO e ao Ministro HERMAN BENJAMIN, que o acompanhou, considerando a fundamentação do acórdão objeto do Recurso Especial, os argumentos utilizados pela parte recorrente - quanto ao surgimento de vagas, a alcançar a classificação da impetrante, e a interpretação dos editais que regeram o certame - somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o necessário reexame de matéria fática, não cabendo a esta Corte, a fim de alcançar conclusão diversa, reavaliar o conjunto probatório dos autos, em conformidade com as Súmulas 5 e 7/STJ.
A propósito:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS INICIALMENTE PREVISTO NO EDITAL. PRETERIÇÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO ESTADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Tribunal de origem entendeu que a parte recorrente tem direito subjetivo à nomeação, tendo em vista a evidente preterição. A alteração dessas conclusões, na forma pretendida, por demandar revolvimento fático, encontra óbice na Súmula 7/STJ. Precedente: REsp 1.705.490/AM, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 01.02.2018.
2. Não prospera a alegação de impedimento de realizar novas contratações, ante o limite prudencial previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, pois a abertura de concurso público deve ser precedida de estudo de impacto orçamentário decorrente das novas contratações. Vejam-se os seguintes precedentes: (RMS 57.565/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 20.8.2018; RMS 53.506/DF, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 29.9.2017).
3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento" (STJ, AgInt no AREsp 1.683.034/MS, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), PRIMEIRA TURMA, DJe de 17/06/2021).
"DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO. QUESTÃO PROVA OBJETIVA. ILEGALIDADE AFASTADA, PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM, À LUZ DE CLÁUSULAS DO EDITAL E DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é vedado ao Poder Judiciário substituir-se à banca examinadora do certame para reexaminar critérios utilizados para elaboração e correção de provas, bem como avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas, sob pena de indevida incursão no mérito do ato administrativo, salvo nas hipóteses de flagrante ilegalidade. Precedentes.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que a questão impugnada se ajusta ao conteúdo programático previsto no edital do concurso, o qual exigia conhecimentos relacionados à "Correio Eletrônico", além da legislação básica a esse respeito, afastando-se, portanto, a possibilidade de anulação em juízo.
3. Do que consta no acórdão, não se vislumbram razões para a sua reforma, sendo certo que para se chegar a conclusão diversa seria necessário o reexame das regras do edital, bem como dos fatos e provas dos autos, o que é vedado diante da aplicação das Súmulas 5 e 7/STJ.
4. Agravo interno não provido" (STJ, AgInt no AREsp 1.099.565/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 10/06/2021).
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ.
1. Cuida-se de Agravo Interno contra decisum que rejeitou os Embargos de Declaração interpostos contra decisão monocrática (fls. 1.291-1.298) que conheceu parcialmente do Recurso Especial, apenas com relação à violação ao art. 1.022 do CPC/2015, e, nessa parte, negou-lhe provimento.
(..)
4. Preliminarmente, constata-se que não se configurou a ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia.
5. É ilegal o ato da autoridade que realiza concurso público para provimento de vagas e, após, suspende o ato de convocação dos aprovados dentro do número de vagas ofertadas, alegando situação excepcional superveniente, não comprovada nos autos.
6. De mais a mais, nota-se que a instância de origem decidiu a questão com base no suporte fático-probatório dos autos, cujo reexame é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."
7. Insta transcrever trecho do acórdão recorrido: "No caso em apreço, analisando os documentos juntados pela impetrada, não se verifica nenhuma situação excepcional que justifique a não nomeação do impetrante, pois embora alegue que a crise econômica de 2015 ocasionou redução do repasse da União para a Agência Estadual de Metrologia, é certo que que houve realocação de servidores comissionados pelo Decreto "P" n. 60, de 10.01.2019, publicado no Diário Oficial n. 9.819, de 12.01.2019, não se aplicando o artigo 1º, caput, do Decreto n. 15.129, de 28.12.2018, que previu a exoneração dos cargos de comissão no âmbito da Administração Direta, Autarquica e Fundacional do Estado, não explicitando se são servidores efetivos ou não."
8. Agravo Interno não provido" (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.869.709/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/11/2020).
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. ANÁLISE DE DISPONIBILIDADE FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DECISÃO JUDICIAL. EXCEÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Afasta-se a ofensa aos arts. 489, § 1º, e 1.022, II, do CPC/2015, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos; não se pode, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
2. Consubstancia-se em entendimento consagrado no âmbito desta Corte Superior a existência de direito subjetivo à nomeação para o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto em edital, salvo situações excepcionais, plenamente justificadas, conforme decidido pelo e. STF, em sede de repercussão geral (RE 598.099).
3. Ademais, a alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, a fim de que se entenda pela superveniente indisponibilidade orçamentária e financeira, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
4. No mais, cumpre asseverar que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "os limites orçamentários previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, no que se refere às despesas com pessoal do ente público, não podem servir de fundamento para o não cumprimento de direitos subjetivos do servidor (AgInt no REsp 1.678.968/RO, 1ª T., Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 05.04.2018)" (AgInt no REsp 1.772.604/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 23/4/2019).
5. Agravo interno não provido" (STJ, AgInt no REsp 1.881.372/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12/11/2020).
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO CLASSIFICADO ORIGINALMENTE EM CADASTRO DE RESERVA. DESISTÊNCIA DE CONCORRENTES. REPOSICIONAMENTO. INSERÇÃO DENTRO DO ROL DE CARGOS VAGOS. CONVOLAÇÃO EM DIREITO À NOMEAÇÃO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS RECURSAIS. PROCESSO MANDAMENTAL.
1. Não se conhece do apelo extremo quando o exame das teses levantadas pelo recorrente não prescinde do revolvimento fático-probatório. Incidência da Súmula 07/STJ.
2. Descabe a condenação em honorários recursais no contexto do processo mandamental.
3. Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp 1.708.509/TO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/12/2017).
Não se desconhece a jurisprudência firmada nesta Corte no sentido de que, em regra, o candidato aprovado fora do número de vagas previsto no edital do certame não é titular de direito público subjetivo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam, no período de validade do concurso, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração.
Entretanto, no caso, após extenso e aprofundado exame dos documentos e dos editais constantes dos autos, o acórdão recorrido concluiu que a Administração Pública nomeou candidatos em cadastro reserva, que não tomaram posse, em número suficiente para alcançar a classificação da impetrante, tudo antes da publicação do Edital 21, de 15/04/2015, que anulou, com efeitos ex nunc, o item do edital que afastava a previsão de eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso.
Concluiu, ainda, diante do exame de fatos e provas dos autos, que, com a nomeação de 99 candidatos, quantitativo além do número de vagas previsto no edital - não tendo 32 deles tomado posse, a alcançar a classificação da impetrante -, "houve demonstração expressa da necessidade de preenchimento de tais vagas e a preterição da impetrante, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da repercussão geral em comento, o que pode ser "caracterizado por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato"" (fl. 1.142e).
Não se trata, aqui, de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - remédio constitucional de abrangência muito mais ampla, que permite análise fática dos autos -, mas de Recurso Especial, que tem causa de pedir vinculada à fundamentação adotada no acórdão recorrido, e que não permite revolvimento probatório. Como bem destacado pela divergência, não há como serem revisitados os editais e a conclusão do acórdão recorrido, ante os óbices das Súmulas 5 e 7 do STJ.
Ademais, o Recurso Ordinário aponta apenas violação ao art. 1º da Lei 12.016/2009. Na forma da jurisprudência, "a análise de suposta violação do art. 1º da Lei Mandamental é inviável no âmbito do recurso especial, diante da Súmula n. 7/STJ, uma vez que a verificação da existência ou não do apontado direito líquido e certo demandaria incursão na seara fático-probatória dos autos, nos termos do firme entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça" (STJ, REsp 1.823.042/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/12/2019).
Ante o exposto, pedindo a mais respeitosa vênia ao Relator, Ministro FRANCISCO FALCÃO, e ao Ministro HERMAN BENJAMIN, que o acompanhou, voto no sentido da divergência, inaugurada pelo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES e acompanhada pelo Ministro OG FERNANDES, para dar provimento ao Agravo interno, e, assim, reformar a decisão singular, para, ante as Súmulas 5 e 7 do STJ, não conhecer do Recurso Especial, deixando, contudo, de aplicar a multa requerida pela parte recorrida, nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC/2015, porquanto tal dispositivo diz respeito aos Embargos Declaratórios, eventualmente procrastinatórios.
Não obstante o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015 e no Enunciado Administrativo 7/STJ ("Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC"), registro que não é o caso de majorar os honorários advocatícios, já que, conforme orientação fixada pela Súmula 105/STJ, não é admitida a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em Mandado de Segurança.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Assusete Magalhães, acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, a Turma, por maioria, deu provimento ao agravo interno para não conhecer do recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Mauro Campbell Marques, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Francisco Falcão e Herman Benjamin."
Votaram com o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques o Sr. Ministro Og Fernandes e a Sra. Ministra Assusete Magalhães.
VOTO VENCIDO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO:
O recurso de agravo interno não merece provimento.
Nos termos do enunciado n. 568 da Súmula desta Corte Superior e do art. 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, o relator está autorizado a decidir monocraticamente quando houver jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. Assim, não há que se falar em ilegalidade relativamente a este ponto.
A parte agravante insiste nos mesmos argumentos já analisados na decisão recorrida.
Sem razão a parte agravante.
Na origem, trata-se de mandado de segurança em que a parte impetrante pretende a nomeação para o cargo de Contador do quadro-geral do Estado de Tocantins. No Tribunal de origem, concedeu-se a segurança para determinar a nomeação da parte impetrante.
O concurso disponibilizou 83 vagas, sendo 60 para provimento efetivo e 23 para cadastro de reserva, sendo que a impetrante alcançou a 127ª colocação, ficando, assim, a princípio, eliminada do certame. Após, houve alteração no edital do concurso, aumentando o número de vagas para cadastro de reserva, com nomeação de 99 candidatos. Desses, 34 não atenderam à convocação. Determinou-se, então, administrativamente, a exclusão da cláusula de barreira de eliminação dos candidatos não classificados até o limite de vagas. Em seguida, a própria administração anulou o ato administrativo anterior e determinou o restabelecimento da mencionada cláusula de barreira, com a ressalva apenas do direito daqueles que foram empossados, o que não é o caso da impetrante.
Na Corte de origem, considerou-se que, no caso em exame, apesar de a impetrante não ter sido nomeada, quando do restabelecimento da cláusula de barreira, ela já tinha adquirido o direito à nomeação em razão do desinteresse do direito de posse de candidatos melhores classificados do que ela, em número suficiente para alcançar a sua classificação.
As premissas fáticas que norteiam a controvérsia estão postas no acórdão objeto do recurso especial, razão pela qual não incide o óbice do enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
O candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para formação cadastro de reserva possui mera expectativa de direito à nomeação, convolando-se em direito subjetivo somente na hipótese de comprovação do surgimento de cargos efetivos durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-las.
Como a impetrante alcançou a 127ª colocação e não tomou posse no período em que permaneceu cancelada a cláusula de barreira, ela não tem direito líquido e certo à nomeação.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o mero surgimento de novas vagas não confere automaticamente direito líquido e certo à nomeação aos candidatos aprovados fora das vagas previstas em edital ou em vaga para cadastro de reserva. Tal preenchimento estará sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública. Nesse sentido: AgRg no RMS 45.464/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 29/10/2014; AgRg no RMS 47.953/SP, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado cm 15.3.2016, publicado no DJe de 29.3.2016; (RMS 54.063/R0, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 17.8.2017, publicado no DJe de 13.9.2017.
Além da necessidade da comprovação do surgimento de vagas bastantes para garantir a nomeação, deve ser igualmente comprovado o interesse inequívoco da administração em preenchê-las, o que não ficou suficientemente demonstrado no caso dos autos.
A vacância alegada pela impetrante não gera automaticamente à candidata direito líquido e certo à nomeação, pois tal procedimento deverá respeitar juízo de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública.
Correta, portanto, a decisão monocrática ora atacada que deu provimento ao recurso especial do Estado do Tocantins para reformar o acórdão recorrido e denegar a segurança.
Ante o exposto, não havendo razões para modificar a decisão recorrida, nego provimento ao agravo interno.
É o voto.
VOTO-VISTA
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES: O Estado do Tocantins interpôs recurso especial com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição da República, contra o acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, assim ementado:
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no 001/QUADRO- GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas- TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
Tratava-se de ação de mandado de segurança impetrada no contexto de concurso público para o provimento de cargos do quadro geral do Estado do Tocantins.
A agravante disputou uma das 83 (oitenta e três) vagas para o cargo de contador das quais sessenta eram para provimento imediato e as outras vinte e três para formação de cadastro de reserva, tendo se classificado na centésima vigésima sétima colocação.
Sustentava que haviam sido nomeados 99 (noventa e nove) candidatos, mas que desse total 34 (trinta e quatro) deixaram de atender à convocação para a posse, ou não apresentaram todos os documentos, daí ensejando a sua reclassificação e a necessidade de observância do seu direito à nomeação, esse direito devidamente reconhecido, por maioria de votos, pelo Tribunal da origem.
O recurso especial fundou-se apenas em argumento de violação ao art. 1.º da Lei 12.016/2009, porque a verdade dos fatos era que a condição de aprovado da ora recorrida passara a existir apenas quando ocorrida uma alteração editalícia, a qual, contudo, veio posteriormente a ser anulada, a fim de que, então, se restabelecesse o regramento pelo qual seria considerado eliminado o candidato que não estivesse classificado até o limite de vagas, ou seja, a situação era de eliminação por cláusula de barreira posteriormente anulada e em seguida restabelecida, mas isso, todavia, devidamente resguardado pelos próprios atos administrativos.
Sua Excelência o Eminente Ministro Relator houve de prover o apelo raro ao considerar que a situação da recorrida era simplesmente a de aprovada em cadastro de reserva e que a isso se aplicava a jurisprudência que não reconhecia direito algum a esse tipo de candidato.
Ao manter o resultado na via do agravo interno, pedi vista dos autos porque a mim não parece sequer possível o conhecimento do apelo raro, quanto menos a acolhida das suas razões.
Há considerar-se primordialmente que o acórdão da origem resultou em julgamento majoritário para a concessão da ordem mandamental, o julgamento estribando-se em interpretação específicas de regramentos editalícios e de atos normativos infralegais os quais, para cada uma das correntes divergentes, chancelaria ou não a pretensão mandamental.
Segundo se apreende do acórdão, o edital dispunha inicialmente de um determinado contingente de vagas para o cargo em questão, prevendo ainda certo montante de vagas para a inserção em cadastro de reserva, o que em tese deixaria a ora recorrida eliminada do certame, porque classificada em 127.º (centésimo vigésimo sétimo) lugar, incindindo cláusula de barreira.
No entanto, houve a alteração posterior do edital em duas ocasiões distintas, a primeira delas para suprimir o regramento que limitava o número de candidatos inseridos no cadastro de reserva, daí provocando a modificação da situação da ora recorrida para que, então, passasse a figurar como cadastro de reserva, e numa segunda oportunidade houve a anulação dessa revogação, a fim de que, portanto, tornasse a valer a referida limitação de apenas um classificado em cadastro de reserva.
O voto condutor da maioria, no entanto, a despeito de reconhecer essa situação, descreveu que a anulação ocorrera em momento posterior em que os atos de posse dos mais bem classificados já haviam sido desconsiderados e que a ora recorrida já havia, portanto, sido reclassificada, adquirindo o direito à nomeação, senão vejamos (e-STJ fls. 1088/1094):
Inicialmente, convém esclarecer que o Concurso Público para Provimento de Cargos do Quadro-Geral de Servidores do Poder Executivo, regido pelo Edital n o 001/QUADRO-GERAL/2012, de 4 de maio de 2012, se encontra em plena vigência, já que teve o prazo de validade prorrogado até dezembro de 2016, pelo Decreto n o 5.169/14, publicado no DOE n o 4.277.
Conforme visto, a impetrante almeja sua nomeação e posse no cargo de Contador para o Município de Palmas-TO, no Concurso Público do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual ofertou 83 (três) vagas, sendo 60 (sessenta) de provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva.
Infere-se dos autos que, inicialmente, a impetrante foi considerada eliminada do certame, por não ter figurado dentre os 83 (oitenta e três) primeiros colocados.
Apenas atingiu o status de aprovada e classificada, na 127ª colocação no certame, em decorrência do Edital n o 019/2014, publicado no Diário Oficial n o 4.276, de 11/12/2014, o qual revogou o item 15.1.5 do Edital n o 001/ QUADRO-GERAL /2012, de 4/5/2012, que previa a eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso.
Em 15/4/2015 o Secretário de Estado da Administração, por meio do Edital n o 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial n o 4.360, de 23/4/2015, anulou, com efeito ex nunc, o Edital n o 019/QUADROGERAL/2012, de 22/6/2012 e o Edital n o 020/QUADRO-GERAL/2014, de 10/12/2014, ao argumento de estarem eivados de ilegalidade Acontece que, embora o Edital n o 021/QUADRO-GERAL/2015 tenha anulado os Editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 (que excluiu o item 15.1.5 do Edital n o 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva), ressalvou o direito de terceiros de boa-fé que foram empossados pelas nomeações contidas no Ato n.º 2.201-NM, publicado no Diário Oficial n.º 4.285, de 23 de dezembro de 2014 e no Ato n.º 2.117-NM, publicado no Diário Oficial n.º 4.285, de 23 de dezembro de 2014.
No caso em exame, apesar de a impetrante não ter sido nomeada pelos atos supracitados, quando da publicação Edital n.º 021/QUADRO-GERAL/2015, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão do desinteresse do direito de posse de candidatos melhores classificados do que ela, em número suficiente para alcançar a sua classificação.
Seria contraditório e afrontaria os princípios da isonomia e segurança jurídica ressalvar os direitos dos candidatos que tomaram posse na vigência dos Editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 e deixar de lado os candidatos que, na vigência dos supracitados editais, adquiriram direito à nomeação em razão da ausência de posse, exoneração ou vacância de cargos, e que somente não foram contemplados pelos atos de nomeação por omissão da Administração Pública.
Da análise dos autos, constata-se que foram nomeados 99 (noventa e nove) candidatos para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas-TO, sendo que pelo menos 32 (trinta e dois) deles, antes da publicação do Edital n o 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial n o 4.360, de 23/4/2015, não tomaram posse ou tiverem este direito decaído.
Denota-se do Diário Oficial n o 4.079, de 28/2/2014, especificamente das Portarias TSE n os 210, 211, 213 e 232, todas de 26/2/2014, que 17 (dezessete) candidatos tiveram seu direito de posse decaído ou a posse tornada sem efeito por não ter entrado em exercício dentro do prazo legal (9 2 5 1).
Verifica-se, ainda, no Diário Oficial n o 4.082, de 7/3/2014, que 1 (um) candidato teve seu direito de posse decaído pela Portaria n o 244 TSE, de 27/2/2014.
Por fim, denota-se do Ofício/SECAD/GASEC N o 1280/2015 e do Diário Oficial n o 4.373, de 13/5/2015, especificamente da Portaria n o 553, de 7/5/2015, que das nomeações determinadas pelo Ato 2.084-NM (publicado no Diário Oficial n o 4.277, de 12/12/2014), 14 (quatorze) candidatos não tomaram posse e tiveram suas nomeações tornadas sem efeito.
Ademais, a despeito de a Administração ter, somente em 13/5/2015, por meio da Portaria n o 553, de 7/5/2015, tornado público a insubsistência de nomeações determinadas pelo Ato n o 2.084-NM, referida portaria não pode ser considerada como fato gerador do direito invocado pela impetrante, uma vez que apenas formalizou publicamente situação ocorrida em momento anterior à anulação dos editais acima referidos, levando-se em consideração a data das nomeações (dezembro de 2014), e o prazo legal que os candidatos dispunham para tomar posse e entrar em exercício. Mesmo se consideramos a hipóteses de ter havido pedido de prorrogação, o prazo estabelecido para os candidatos melhor classificados tomarem posse no cargo já teria encerrado antes da publicação do Edital n o 021/QUADRO GERAL/2015.
Sendo assim, referida situação privilegiou a impetrante, classificada na 127ª posição, pois as vagas não preenchidas em razão da decadência do direito de posse de candidatos nomeados geram direito subjetivo aos candidatos seguintes na ordem de classificação, haja vista a existência de interesse do Estado do Tocantins no preenchimento da vaga.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 837311, com Repercussão Geral reconhecida:
..
No presente caso, a Administração Pública Estadual claramente evidenciou a necessidade de preenchimento das vagas. Desta maneira, o ato de convocação de aprovados, diante da declaração da decadência do direito de posse de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, deixou de ser discricionário para se tornar vinculado, pois passou a impetrante a se enquadrar dentro do número de vagas convocadas.
O quadro fático delineado revela, assim, a necessidade da concessão da segurança.
Posto isso, conheço do presente writ e concedo a segurança almejada, para determinar a nomeação da impetrante PAULA BARROS BRITO CAETANO no cargo de Contador, no Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, com lotação no Município de Palmas-TO.
(Destacamos)
Dessa forma, tanto para a confirmação dos fundamentos do acórdão, quanto para o acolhimento das razões recursais e eventual reforma dele, seria necessária a revisitação da cronologia desses atos administrativos bem como a interpretação deles, com o fim de saber se prevalecia ou não o direito da ora recorrida, mas essa prática encontra vedação no teor da Súmula 07/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
Colho da nossa jurisprudência, de minha lavra, precedente sobre o mesmo certame e a semelhante situação fática:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. PRETENSÃO DE REFAZIMENTO DE TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. OCORRÊNCIA DE CASO FORTUITO. GREVE NO SISTEMA DE TRANSPORTE PÚBLICO. REJEIÇÃO DA PRETENSÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. PROPOSITURA DE AÇÃO RESCISÓRIA. ERRO DE FATO. DESCARACTERIZAÇÃO. INDEFERIMENTO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INCOMPLETA. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO CONTRÁRIO AOS INTERESSES DA PARTE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. O mero julgamento da causa em sentido contrário aos interesses e à pretensão de uma das partes não caracteriza a ausência de prestação jurisdicional tampouco viola o art. 1.022 do CPC/2015. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
2. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Inteligência da Súmula 07/STJ.
3. Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.
(AREsp 1243453/PE, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 18/05/2018)
Assim, com vênias do eminente Relator, dou provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão monocrática de e-STJ fls. 1205/1210 e não conhecer do recurso especial, mantendo, portanto, a concessão da segurança.
Deixo de condenar em honorários recursais tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009 (RMS 51.721/ES, de minha relatoria, Segunda Turma, julgado em 06/10/2016, DJe 14/10/2016).
É o voto.
VOTO-VOGAL
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN: Eminentes Pares, faço aqui análise objetiva da questão trazida, em que controvertem o e. Relator, Ministro Francisco Falcão, e o e. Ministro Mauro Campbell Marques.
O e. Relator conclui, em síntese, que a aprovação fora do número de vagas confere mera expectativa de direito, e que o simples surgimento de novas vagas não confere automaticamente direito líquido e certo à nomeação, pois o respectivo preenchimento está sujeito ao juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública.
O e. Ministro Mauro Campbell Marques diverge quanto ao conhecimento do Recurso Especial. Afirma que o fundamento adotado no acórdão do Tribunal de origem consignou uma sequência cronológica de fatos impassíveis de revisão, conforme Súmula 7/STJ, motivo pelo qual dá provimento ao Agravo Interno para reconsiderar a monocrática e não conhecer do Recurso Especial do Estado de Tocantins.
Com relação ao conhecimento, peço vênias ao e. Ministro Mauro Campbell Marques para superá-lo, já que as razões recursais evidenciam que o ente público não pretende discutir fatos ou datas, mas sim a tese de que a anulação do ato administrativo que derrubou a cláusula de barreira do cadastro de reserva restituiu a autora ao rol dos desclassificados do concurso público, sendo irrelevante que a convocação para posse de alguns candidatos mais bem classificados tenha sido infrutífera enquanto a queda da cláusula de barreira vigorou.
Para melhor compreensão, faço breve resumo dos fatos constantes no acórdão recorrido.
O concurso público, para o cargo de Contador, foi lançado com 60 vagas para provimento imediato e 23 para cadastro reserva, e os classificados além dessas vagas foram considerados eliminados, caso da recorrente, que se classificou na 127ª colocação.
Essa cláusula de barreira foi derrubada por edital subsequente e vigorou por pouco mais de quatro meses, pois, por novo edital, a Administração anulou a derrubada da cláusula de barreira, com efeito ex nunc, e restabeleceu a eliminação da ora recorrente.
O Tribunal de origem aduz que, no período de derrubada da cláusula de barreira, a Administração nomeou candidatos mais bem classificados que a ora recorrente, e que parte deles não tomaram posse, o que fez com que a insurgente entrasse dentro do número de vagas disponibilizadas pela Administração e configurasse seu direito à nomeação.
Assim, entendo aberta a via do Recurso Especial, de forma a definir se a recorrida deveria ter sido nomeada enquanto vigorou a queda da cláusula de barreira.
Em primeiro lugar, registro que não há discussão sobre a legalidade do ato administrativo que repristinou a cláusula de barreira prevista na redação original do edital do concurso público.
Também consignou o acórdão recorrido que a Administração atribuiu efeitos ex nunc ao mencionado ato de revigoramento da cláusula de barreira, resguardando o direito adquirido daqueles que foram nomeados e empossados no citado período.
Entendo que a Administração agiu corretamente, pois, ainda que houvesse direito à nomeação em breve período da recorrente pela desistência de candidatos melhores classificados, o ato que garantia esse direito foi anulado pela Administração, sendo possível apenas resguardar os atos jurídicos perfeitos consistentes às nomeações praticadas pelo ato revogado, o que foi observado.
O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o direito líquido e certo à nomeação dos candidatos aprovados fora do número de vagas do edital caso surjam novas vagas na vigência do concurso público, desde que configurada a arbitrariedade e a carência de motivo da Administração ao se omitir em nomear esses candidatos. A propósito:
: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784 DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput).
2. O edital do concurso com número específico de vagas, uma vez publicado, faz exsurgir um dever de nomeação para a própria Administração e um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. Precedente do Plenário: RE 598.099 - RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 03-10-2011.
3. O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade.
4. O Poder Judiciário não deve atuar como "Administrador Positivo", de modo a aniquilar o espaço decisório de titularidade do administrador para decidir sobre o que é melhor para a Administração: se a convocação dos últimos colocados de concurso público na validade ou a dos primeiros aprovados em um novo concurso. Essa escolha é legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não encontra obstáculo em qualquer preceito constitucional.
5. Consectariamente, é cediço que a Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante, ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não mais serão necessários.
6. A publicação de novo edital de concurso público ou o surgimento de novas vagas durante a validade de outro anteriormente realizado não caracteriza, por si só, a necessidade de provimento imediato dos cargos. É que, a despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas. Nesse contexto, a Administração Pública detém a prerrogativa de realizar a escolha entre a prorrogação de um concurso público que esteja na validade ou a realização de novo certame.
7. A tese objetiva assentada em sede desta repercussão geral é a de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, a discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null), fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais: i) Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital (RE 598.099); ii) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); iii) Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
8. In casu, reconhece-se, excepcionalmente, o direito subjetivo à nomeação aos candidatos devidamente aprovados no concurso público, pois houve, dentro da validade do processo seletivo e, também, logo após expirado o referido prazo, manifestações inequívocas da Administração piauiense acerca da existência de vagas e, sobretudo, da necessidade de chamamento de novos Defensores Públicos para o Estado. 9. Recurso Extraordinário a que se nega provimento.
(RE 837311, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-072 DIVULG 15-04-2016 PUBLIC 18-04-2016)
Na hipótese dos autos, a nomeação da candidata não ocorreu porque a Administração exerceu legitimamente seu poder de autotutela administrativa ao impedir que o ato nulo gerasse efeitos descolados do interesse público, fato que, à luz do entendimento do STF, não configura arbitrariedade ou falto de motivação da Administração.
Não há, pois, como impor à Coletividade que contemple interesse particular com base em ato anulado, resguardando-se, todavia, o ato jurídico perfeito, como o fez a Administração para aqueles que foram efetivamente nomeados.
Oportuno resgatar a compreensão sedimentada no STF, também sob o rito da Repercussão Geral, sobre os requisitos para a Administração deixar de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas, situação análoga à presente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS. I. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL.
(..)
III. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO. CONTROLE PELO PODER JUDICIÁRIO.
Quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário.
(..)
(RE 598099, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011 PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03 PP-00314 RTJ VOL-00222-01 PP-00521)
Assim, a superveniência, a imprevisibilidade, a necessidade e a gravidade elencadas pela Suprema Corte estão evidenciadas na presente hipótese, ante a anulação de ato administrativo considerado ilegal que, em tese, configuraria direito à nomeação.
Por todo o exposto, peço vênias ao e. Ministro Mauro Campbell para acompanhar o e. Relator, Ministro Francisco Falcão, para negar provimento ao Agravo Interno.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO OG FERNANDES: Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado por candidata aprovada na centésima vigésima sétima colocação de concurso público para o provimento de cargo de contador. A impetrante sustentava ter direito subjetivo à nomeação.
Inicialmente, o concurso contava com 83 (oitenta e três) vagas, sendo, inicialmente, 60 (sessenta) para provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva.
A candidata sustentou que teriam sido nomeados 99 (noventa e nove) candidatos. No entanto, 34 (trinta e quatro) não atenderam a convocação ou não apresentaram a documentação adequada. Assim, teria direito subjetivo à nomeação.
O Tribunal de origem reconheceu o direito da requerente, por maioria de votos, na forma da seguinte ementa (e-STJ, fl. 1.093):
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais n os 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas- TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
O Estado de Tocantins, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, interpôs recurso especial e sustentou que haveria violação do art. 1º da Lei n. 12.016/2009.
O fundamento da alegação foi o fato de que a condição de aprovado somente teria ocorrido com uma alteração editalícia, que, posteriormente, teria sido anulada. A regra inicial previa a eliminação por cláusula de barreira do candidato que não tivesse sido aprovado dentro do número de vagas.
O Ministro Relator entendeu por prover o recurso do Estado de Tocantins monocraticamente por entender que a discussão estava restrita à aprovação de candidato dentro do cadastro de reserva. Em agravo interno, o Relator manteve seu entendimento.
O Ministro Mauro Campbell Marques inaugurou divergência pelo provimento do agravo interno para não conhecer do recurso especial. Em seu voto-vista, o Ministro entendeu que o não conhecimento do recurso especial era decorrência do próprio fundamento do recurso especial cujo provimento exigiria a análise e valoração do edital do concurso e dos atos administrativos de modificação do edital e anulação desse ato.
Posteriormente ao voto-vista, o Ministro Herman Benjamin acompanhou o voto do Ministro Relator. Com as devidas vênias aos Ministros Francisco Falcão e Herman Benjamin, acompanho a divergência.
Para modificar o entendimento firmado pela origem, que avançou na análise do edital e nos atos administrativos de alteração dos critérios de aprovação dos candidatos e posterior anulação, seria preciso enfrentar e interpretar o arcabouço probatório, o que é inviável em recurso especial.
Aliás, a revisão de entendimento de acórdão em concurso público já encontrou o mesmo obstáculo em precedente recente deste mesmo órgão colegiado. No caso em questão, embora o substrato fático fosse diverso, a ratio decidendi do julgado foi no sentido da impossibilidade de revisitação das provas que levaram à conclusão da origem:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. COTISTAS NEGROS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. (..)
6. De mais a mais, nota-se que a instância de origem decidiu a questão com base no suporte fático-probatório dos autos, cujo reexame é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial".
7. Insta transcrever trecho do acórdão recorrido: "No caso em apreço, analisando os documentos juntados pela impetrada, não se verifica nenhuma situação excepcional que justifique a não nomeação do impetrante, pois embora alegue que a crise econômica de 2015 ocasionou redução do repasse da União para a Agência Estadual de Metrologia, é certo que que houve realocação de servidores comissionados pelo Decreto P n. 60, de 10.01.2019, publicado no Diário Oficial n. 9.819, de 12.01.2019, não se aplicando o artigo 1º, caput, do Decreto n. 15.129, de 28.12.2018, que previu a exoneração dos cargos de comissão no âmbito da Administração Direta, Autarquica e Fundacional do Estado, não explicitando se são servidores efetivos ou não".
8. Agravo Interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp 1.869.709/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/10/2020, DJe 12/11/2020).
Como já se viu também, a conclusão da origem e o objeto do recurso especial foram cláusula editalícia e atos administrativos posteriores à alteração. Mais uma vez, este mesmo órgão colegiado já decidiu que a interpretação de cláusula de edital de concurso não pode ser realizada no julgamento de recurso especial:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. COTAS RACIAIS. AUTODECLARAÇÃO. CANDIDATO PARDO. ANÁLISE DE DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. INVIABILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO, NAS RAZÕES DO RECURSO ESPECIAL, DO DISPOSITIVO LEGAL QUE, EM TESE, TERIA SIDO VIOLADO OU QUE TERIA RECEBIDO INTERPRETAÇÃO DIVERGENTE, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 284/STF. CONTROVÉRSIA RESOLVIDA, PELA CORTE A QUO, À LUZ DAS PROVAS DOS AUTOS E DO EXAME DE CLAUSULAS EDITALÍCIAS. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
(..)
5. Nesse contexto, considerando a fundamentação do acórdão objeto do Recurso Especial, os argumentos utilizados pela parte recorrente somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o reexame de matéria fática, bem como a análise da cláusula editalícia, a fim de alcançar conclusão diversa, o que é vedado ante o que estabelecem as Súmulas 5 e 7/STJ.
6. Agravo Interno não provido.
(AgInt no AREsp 1.595.879/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/8/2020, DJe 14/9/2020).
Finalmente, este mesmo órgão colegiado entendeu que a análise da preterição de candidato em concurso público aprovado fora do número de vagas, como é o caso, exigiria a revisão do acervo probatório:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO FORA DO NÚMERO DE VAGAS. EXPECTATIVA DE DIREITO. CONVOLAÇÃO EM DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO. PRETENSÃO DE NOMEAÇÃO. PRETERIÇÃO ILEGAL. CONFIGURAÇÃO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS CONSTITUCIONAIS. INADEQUAÇÃO RECURSAL. SÚMULA 284/STF. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. CARÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. Ao Superior Tribunal de Justiça não compete, pela via do recurso especial, examinar a negativa de vigência a norma de índole constitucional, ainda que de conteúdo principiológico.
2. O recurso especial não é, em razão da Súmula 07/STJ, via processual adequada para questionar julgado que se afirmou explicitamente em contexto fático-probatório próprio da causa, tampouco se autorizando o seu processamento, sob a alegação de ofensa a preceito de direito federal, se as normas ínsitas aos textos legais destacados sequer foram tratadas pelo Tribunal a quo, hipótese esta de incidência da Súmula 211/STJ.
3. Recurso especial não conhecido.
(REsp 1.690.221/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/5/2021, DJe 10/5/2021).
Esse entendimento foi tomado independentemente da conclusão do acórdão recorrido. No caso do precedente, após análise do acervo probatório, o acórdão recorrido entendeu pela ausência de direito subjetivo à nomeação. No presente caso concreto, o Tribunal compreendeu pela existência de direito líquido e certo. Entendo, portanto, que a conclusão deve ser a mesma, pela similitude dos pressupostos decisórios.
Ressalta-se também que, ainda que fosse o caso de análise do mérito do recurso especial, não seria o caso de provimento. Houve a admissão na origem de nomeação de candidato até a 99ª (nonagésima nona) colocação na própria peça do recurso especial (e-STJ, fl.1.169).
Ora, se o Estado sustenta que a candidata não poderia ter sido aprovada pela preservação da regra editalícia originária, que impediria a aprovação no concurso público de candidato em colocação posterior a 83ª (octogésima terceira) colocação, não poderia haver nomeação de candidato aprovado acima dessa colocação. Como o Estado nomeou, não pode impedir a possibilidade de aprovação de candidato em colocação posterior sob pena de se ferir a isonomia.
Ante o exposto, pedindo vênias ao Relator, Ministro Francisco Falcão, e ao Ministro Herman Benjamin, acompanho a divergência inaugurada pelo Ministro Mauro Campbell e dou provimento ao agravo interno para reformar a decisão monocrática de e-STJ, fls. 1.205-1.210, não conhecendo do recurso especial.
É como voto.
VOTO-VISTA
MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES: Trata-se de Recurso Especial, interposto pelo ESTADO DO TOCANTINS, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, assim ementado:
"MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais nos 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o nú mero de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas-TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida" (fl. 1.093e).
Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por PAULA BARROS BRITO CAETANO, em face de ato imputado ao GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINS e ao SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO TOCANTINS, ao fundamento de que se inscreveu no concurso público do Quadro-Geral do Estado do Tocantins, regido pelo Edital 001/2012, para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas/TO, obtendo a 127ª (centésima vigésima sétima) posição.
Na inicial, narrou a candidata que foi aprovada no aludido concurso público para provimento do cargo de Contador do Estado de Tocantins, no qual foram oferecidas 83 (oitenta e três) vagas para o Município de Palmas, sendo 60 (sessenta) para provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro reserva, classificando-se em 127º (centésima vigésima sétima) posição, figurando no cadastro reserva.
Esclareceu que "a portaria nº. 210, de 26 de fevereiro de 2014, declarou a decadência do direito de posse dos aprovados abaixo, tendo como posições 7, 9, 11, 12, 18, 19, 20, 25, 26, 33, 36, 37, 50,52,53, 54 e 56 colocados, e do 1º colocado para Portador de Necessidades Especiais por perda do prazo estabelecido, tornando sem efeito o ato n. 468-NM, circulado no diário oficial D.O 4.079, circulado em 28 de fevereiro de 2014 (..) Por oportuno, foi publicada a portaria sob nº. 243, de 26 de fevereiro de 2014, declarou a decadência do direito de posse do aprovado abaixo, tendo como colocação de nº 61 por perda do prazo estabelecido, tornando sem efeito o ato n. 1.495-NM, circulada no diário oficial D.O 4.082, circulado em 07 de março de 2014 (..) Ainda assim houve outra portaria sob nº. 1256, de 13 de novembro de 2014, declarou a decadência do direito de posse dos aprovados abaixo, tendo como colocação de nº 69 por perda do prazo estabelecido, tornando sem efeito o ato n. 1.495-NM, circulada no diário oficial D.O 4.255, circulado em 13 de novembro de 2014 (..) A de se destacar que a Administração Pública nomeou através do Ato nº 4277 NM em 12 de dezembro de 2014, circulado no Diário Oficial nº 4.277 (..) os seguintes candidatos até a colocação de nº 99 (..) Entretanto, os candidatos, FERNANDO DE SOUZA BRITO, JOSIAS CANDIDO FREIRE, MARIA RITA DE ALMEIDA ARAUJO AIRES, HILLANY KIM GOMES COELHO, ALUIZIO AUGUSTO NOERBERTO SILVA, NEWTON OLIVEIRA CAMPOS, DIOGO DE SÁ RODRIGUES, DÁCIO CARVALHO MOREIRA, MARIA AUXILIADORA DO NASCIMENTO, WANDERSON ANDRADE DO MONTE, FAGNO PAULO DA SILVA ARAUJO, DANIELLA DA SILVA FERREIRA, EDNALVA ARAUJO LIMA E MAGNO RANGEL DA SILVA das colocações nº 72, 74 76, 78, 79, 80, 82, 83, 85, 86, 92, 95 E 96 não tomaram posse, nem pediram prorrogação do concurso (..) Ainda assim, acrescenta-se que o candidato nomeado para o cargo de contador, JAILSON DUARTE, foi exonerado a pedido, desde 11 de março de 2015, conforme consta no diário oficial nº 4.360, circulado em 23 de abril de 2015 (..) De logo, compete consignar que no item 1 do EDITAL Nº 001/QUADRO-GERAL/2012, dispõe (..) que os candidatos que compõem o cadastro de reserva somente serão nomeados, observados o município para o qual tenham concorrido se, durante o período de validade do concurso ocorrer o surgimento de novas vagas, ou, ainda, para a investidura em vaga oferecida pelo presente edital, cujo candidato nomeado não venha a tomar posse, ou, empossado, tenha a sua posse tornada insubsistente ou sem efeito. (..) o cargo de CONTADOR na cidade de PALMAS, encontra-se COM 34 (TRINTA E QUATRO) VACÂNCIAS, pois os candidatos não assumiram no tempo hábil, conforme portaria de decadência veiculada no Diário Oficial do Estado, com direito liquido e certo ao impetrante em tomar posse. Neste contexto, as regras editalícias são claras, o item 21.3 dispõe: "a desistência do candidato, importará na convocação daquele que o suceder na ordem de classificação" (..) Tal circunstância, de per si, mostra-se suficiente para autorizar a nomeação do Requerente, posto que evidenciada de forma inequívoca a necessidade do Estado em convocar novos candidatos face frustração da posse do 34 colocados anteriores ao impetrante, não consumada por circunstâncias alheias à vontade do Estado (..) No caso em tela, foram disponibilizadas 83 (oitenta e três) vagas, sendo 60 (sessenta) imediatas e 23 (vinte e três) cadastro de reserva, em decorrência da não nomeação dos candidatos aprovados, foram nomeados mais 16 (dezesseis) candidatos, até a 99ª colocação, conforme Diário Oficial nº 4277 circulado em 12 de dezembro de 2014. Contudo, dos 99 (noventa e nove candidatos) convocados, desses 34 (trinta e quatro) não tomaram posse e/ou foram exonerados a pedido, o que gera o direito subjetivo à nomeação para os candidatos seguintes na ordem de classificação 133, alcançando o ora impetrante a classificação 127" (fls. 8/14e). Requereu, a final, o deferimento de liminar e a concessão da segurança, para assegurar sua nomeação e posse no cargo de Contador, para a cidade de Palmas (fl. 20e).
O Governador do Estado, nas informações prestadas, asseverou que "o Edital nº. 001/QUADRO-GERAL/2012, de 04 de maio de 2012, ofereceu 83 (oitenta e três) vagas para o cargo de Contador no âmbito do município de Palmas, sendo 60 (sessenta) destinadas para provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva. Após a homologação do resultado final do certame, pelo Decreto nº. 4.706, de 20 de dezembro de 2012, publicado no Diário Oficial nº. 3.779, de 20 de dezembro de 2012, foram nomeados todos os candidatos aprovados para esse cargo/município. Tendo em vista que o Edital nº. 001/QUADRO-GERAL/2012, em seu item 15.1.5 prevê a eliminação do candidato não classificado dentro do limite de vagas, in verbis: (..) Convém esclarecer que o Edital nº 019/QUADRO GERAL/2014, relativo ao concurso em tela, publicado em 02 de dezembro de 2014, no DOE nº 4.269, pág. 11, retificou o edital 001/QUADRO-GERAL/2012, excluindo o item 15.1.5 originalmente previsto. Em virtude dessa alteração, foi publicado no Diário Oficial nº. 4.072, de 11 de dezembro de 2014, o Edital nº. 020/QUADRO-GERAL/2014, de 10 de dezembro de 2014, tornando pública a classificação de candidatos que até então não constavam na lista de aprovados para o cadastro de reserva. Dessa forma, a Impetrante somente figurou na lista de aprovados no concurso de 2012 a partir de 11 de dezembro de 2014, data da publicação do Edital nº. 020/QUADRO-GERAL/2014, constando, a partir de então, no cadastro de reserva. Ocorre que, na data de 23 de abril de 2015, foi publicado o edital 21/QUADRO GERAL/2015 através do DOE nº 4.360 (em anexo) que anulou os Editais nº 019/QUADRO GERAL/2014 e nº. 020/QUADRO-GERAL/2014 acima citados, invalidando o cadastro de reserva momentaneamente admitido, de forma que a Impetrante não figura mais no cadastro de reserva, estando, portanto, desclassificada. (..) Insta salientar que conforme o Anexo III ao Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012, foram disponibilizadas somente 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) vagas para cadastro de reserva para o cargo disputado, o que, impossibilita a Impetrante figurar como aprovada, uma vez que restou classificado na 127ª posição, de forma que todos os candidatos classificados a partir da 84ª posição estão eliminados. Ademais, o Edital estabeleceu regras claras para a composição do cadastro de reserva, aplicando o ponto de corte de acordo com a nota mínima atingida pelo candidato (item 11.4), ao mesmo tempo em que eliminou os concorrentes que não conseguiram se classificar dentro do número de vagas estabelecidas para o cadastro de reserva (item 15.1.5), o que é o caso da Impetrante. Portanto, resta obstada a convocação da Impetrante, vez que não figurou no rol de aprovados (vide - Anexo Único do Decreto nº 4.706/2012 - Homologação do Resultado Final). (..) No caso em tela, o edital previu cadastro de reserva para alguns cargos, sendo que no caso específico, do cargo de Contador do município de Palmas, foram disponibilizadas 83 (oitenta e três) vagas, sendo 23 (vinte e três) para cadastro reserva, tudo nos termos do Anexo III do edital nº 001/Quadro-Geral/2012. É importante destacar a obrigatoriedade da Administração Pública em obedecer ao disciplinamento dado pelo Edital do concurso (Princípio da vinculação ao Edital) (..) Assim, a Administração Pública por ato discricionário e usando do seu juízo de conveniência e oportunidade insuscetível de exame pelo Poder Judiciário, decidiu disponibilizar apenas as citadas vagas no certame para o cargo disputado pela Impetrante, sendo que somente sessenta de provimento imediato, logo, não há como a mesma ser nomeada para o cargo, tendo em vista não ter obtido aprovação no concurso. Insta salientar que todas as vagas foram preenchidas para o cargo de provimento efetivo, conforme a ordem classificatória do concurso público. Entretanto, resta claro que o direito subjetivo a vaga surge apenas quando o candidato foi aprovado no certame, dentro das vagas disponibilizadas pela Administração, o que não é o caso dos autos, pois a Impetrante não foi aprovada, não figurou no resultado final, tendo sido eliminada. (..) Em face do que foi exposto, apresentadas as informações, requer a denegação da segurança requestada, ante a ausência do direito líquido e certo pleiteado" (fls. 1.058/1.066e).
O Secretário da Administração do Estado do Tocantins, por sua vez, reiterou, integralmente, as informações do Governador do Estado.
A questão restou assim decidida pelo Tribunal de origem, in verbis:
"Conforme visto, a impetrante almeja sua nomeação e posse no cargo de Contador para o Município de Palmas-TO, no Concurso Público do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual ofertou 83 (três) vagas, sendo 60 (sessenta) de provimento imediato e 23 (vinte e três) para cadastro de reserva.
Infere-se dos autos que, inicialmente, a impetrante foi considerada eliminada do certame, por não ter figurado dentre os 83 (oitenta e três) primeiros colocados.
Apenas atingiu o status de aprovada e classificada, na 127ª colocação no certame, em decorrência do Edital nº 019/2014, publicado no Diário Oficial nº 4.276, de 11/12/2014, o qual revogou o item 15.1.5 do Edital nº 001/ QUADRO-GERAL/2012, de 4/5/2012, que previa a eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso.
Em 15/4/2015 o Secretário de Estado da Administração, por meio do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, anulou, com efeito ex nunc, o Edital nº 019/QUADROGERAL/2012, de 22/6/2012 e o Edital nº 020/QUADRO-GERAL/2014, de 10/12/2014, ao argumento de estarem eivados de ilegalidade.
Acontece que, embora o Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015 tenha anulado os Editais nºs 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 (que excluiu o item 15.1.5 do Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva), ressalvou o direito de terceiros de boa-fé que foram empossados pelas nomeações contidas no Ato nº 2.201-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014 e no Ato nº 2.117-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014.
No caso em exame, apesar de a impetrante não ter sido nomeada pelos atos supracitados, quando da publicação Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão do desinteresse do direito de posse de candidatos melhores classificados do que ela, em número suficiente para alcançar a sua classificação.
Seria contraditório e afrontaria os princípios da isonomia e segurança jurídica ressalvar os direitos dos candidatos que tomaram posse na vigência dos Editais nºs 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 e deixar de lado os candidatos que, na vigência dos supracitados editais, adquiriram direito à nomeação em razão da ausência de posse, exoneração ou vacância de cargos, e que somente não foram contemplados pelos atos de nomeação por omissão da Administração Pública.
Da análise dos autos, constata-se que foram nomeados 99 (noventa e nove) candidatos para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas-TO, sendo que pelo menos 32 (trinta e dois) deles, antes da publicação do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, não tomaram posse ou tiverem este direito decaído.
Denota-se do Diário Oficial nº 4.079, de 28/2/2014, especificamente das Portarias TSE n os 210, 211, 213 e 232, todas de 26/2/2014, que 17 (dezessete) candidatos tiveram seu direito de posse decaído ou a posse tornada sem efeito por não ter entrado em exercício dentro do prazo legal (9 2 5 1).
Verifica-se, ainda, no Diário Oficial nº 4.082, de 7/3/2014, que 1 (um) candidato teve seu direito de posse decaído pela Portaria n o 244 TSE, de 27/2/2014.
Por fim, denota-se do Ofício/SECAD/GASEC Nº 1280/2015 e do Diário Oficial nº 4.373, de 13/5/2015, especificamente da Portaria nº 553, de 7/5/2015, que das nomeações determinadas pelo Ato 2.084-NM (publicado no Diário Oficial n o 4.277, de 12/12/2014), 14 (quatorze) candidatos não tomaram posse e tiveram suas nomeações tornadas sem efeito.
Ademais, a despeito de a Administração ter, somente em 13/5/2015, por meio da Portaria nº 553, de 7/5/2015, tornado público a insubsistência de nomeações determinadas pelo Ato nº 2.084-NM, referida portaria não pode ser considerada como fato gerador do direito invocado pela impetrante, uma vez que apenas formalizou publicamente situação ocorrida em momento anterior à anulação dos editais acima referidos, levando-se em consideração a data das nomeações (dezembro de 2014), e o prazo legal que os candidatos dispunham para tomar posse e entrar em exercício. Mesmo se consideramos a hipóteses de ter havido pedido de prorrogação, o prazo estabelecido para os candidatos melhor classificados tomarem posse no cargo já teria encerrado antes da publicação do Edital nº 021/QUADRO GERAL/2015.
Sendo assim, referida situação privilegiou a impetrante, classificada na 127ª posição, pois as vagas não preenchidas em razão da decadência do direito de posse de candidatos nomeados geram direito subjetivo aos candidatos seguintes na ordem de classificação, haja vista a existência de interesse do Estado do Tocantins no preenchimento da vaga.
Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 837311, com Repercussão Geral reconhecida:
(..)
No presente caso, a Administração Pública Estadual claramente evidenciou a necessidade de preenchimento das vagas. Desta maneira, o ato de convocação de aprovados, diante da declaração da decadência do direito de posse de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, deixou de ser discricionário para se tornar vinculado, pois passou a impetrante a se enquadrar dentro do número de vagas convocadas.
O quadro fático delineado revela, assim, a necessidade da concessão da segurança" (fls. 1.089/1.092e).
Ao referido acórdão foram opostos Embargos Declaratórios (fls. 1.110/1.126e) pelo ESTADO DO TOCANTINS, com pedido de efeitos infringentes, que foram parcialmente acolhidos, para sanar omissão, determinando a juntada do voto vencido aos autos:
"1. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE.
Os embargos de declaração, mesmo para fins de prequestionamento, não se prestam à rediscussão da matéria, e têm por escopo suscitar o saneamento de omissão, contradição ou obscuridade eventualmente existentes no acórdão, inocorrentes quando o tema embargado fora satisfatoriamente apreciado no julgado restando decidido que a comprovação: I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de PalmasTO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
2. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS RAZÕES DO VOTO VENCIDO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 941, 3º, DO CPC/2015. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. SANEAMENTO.
2.1 O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré-questionamento (artigo 941, § 3º, CPC/2015).
2.2 A ausência de transcrição das razões do voto vencido pode ser reconhecida pela via dos embargos de declaração, a fim de que a omissão seja sanada" (fls. 1.146/1.147e).
Nas razões do Recurso Especial, interposto pela alínea a do permissivo constitucional, o ESTADO DO TOCANTINS apontou como violado apenas o art. 1º da Lei 12.016/2009 (Lei do Mandado de Segurança).
Para tanto, asseverou que:
"5. MÉRITO RECURSAL
5.1 DA INFRAÇÃO À NORMA INFRACONSTITUCIONAL E CONSTITUCIONAL - CONTRARIEDADE AO ART. 1º DA LEI DO MANDADO DE SEGURANÇA E AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM OS CONCURSOS PÚBLICOS: LEGALIDADE, ISONOMIA, VINCULAÇÃO AO EDITAL E PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE ANULAR OU REVOGAR SEUS ATOS - SÚMULA 473 DO STF.
Trata-se de Mandado de Segurança cujo voto vencedor foi parcialmente acolhido e, em que foi mantida a concessão da segurança, determinando às autoridades Impetradas que procedessem à posse da Impetrante. Contra tal decisão se insurge o Recorrente, pelos fundamentos adiante alinhavados.
Em breve síntese da demanda, cumpre dizer que se trata de mandado de segurança impetrado contra ato omissivo atribuído ao Governador do Estado do Tocantins e ao Secretário da Administração que não efetivaram a posse da Recorrida em cargo público, por não ter sido aprovada em concurso público conforme edital então vigente.
Não se trata de discussão de matéria fático-probatória, mas de direito cuja questão é: EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO VICIADO, CORRIGIDO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, GERA OU NÃO DIREITO LÍQUIDO E CERTO PARA O CANDITADO
O mandado de segurança é um remédio constitucional que visa amparar direito líquido e certo que, no caso em exame, não restou configurado. Ainda assim, o Egrégio Tribunal concedeu a segurança pleiteada ocorrendo, dessa forma, a violação do artigo 1.º, da Lei 12.016/09, Lei do Mandado de Segurança, eis que a segurança foi concedida contra legem, pois a recorrida não possui direito líquido e certo a ser amparado pelo writ, não havendo qualquer lesão a direito seu pela Administração.
O edital é a lei do concurso público e suas regras vinculam tanto a Administração quanto os candidatos. A segurança concedida violou o art. 1º da lei do mandado de segurança, os princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital e poder discricionário da administração pública de anular ou revogar seus atos - súmula 473 do STF.
O Recorrente alterou os editais, conforme explicado abaixo, exercendo seu poder discricionário e amparado pela Súmula 473 do STF, que preconiza que "A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".
Conforme Edital nº 001/2012, foram previstas apenas 83 (oitenta e três) vagas para o cargo em que se inscreveu a Impetrante, sendo 60 (sessenta) para posse imediata e 23 (vinte e três) para cadastro reserva.
Cabe aqui informar que o Edital nº 019/QUADRO GERAL/2014, relativo ao concurso em tela, publicado em 02 de dezembro de 2014 por meio do DOE nº 4.269, pág. 11, retificou o edital 001/QUADRO GERAL/2012, excluindo o item 15.1.5 do referido edital, o qual vedava o cadastro de reserva além dos limites previstos no instrumento convocatório.
Dessa forma, a Recorrida passou a figurar no cadastro de reserva, somente após a alteração do Anexo Único ao Decreto nº 4.706, que permitiu a publicação de nova lista de aprovados, nos termos do Decreto nº 5.170, de 12 de dezembro de 2014.
Ocorre que, na data de 23 de abril de 2015, tendo o Administrador Público verificado o erro cometido, publicou o edital 21/QUADRO GERAL/2015 através do DOE nº 4.360 (em anexo) que anulou o edital nº 019/QUADRO GERAL/2014 acima citado, sendo que a Recorrida não figurou mais no cadastro de reserva, estando, portanto, desclassificado, porquanto foi aprovada em 127º lugar, fora do cadastro de reserva, devendo ser denegada a segurança por tais motivos.
Frise-se que a anulação do edital nº 019/QUADRO GERAL/2014 restabeleceu o status quo das regras previstas para o certame no edital original, tornando nulo todo o direito daqueles candidatos que constavam na lista classificatória e ainda não haviam sido nomeados.
O mesmo edital resguardou o direito daqueles que já haviam sido nomeados, fazendo distinção entre quem já tinha tomado posse e quem não tinha, para estes, deixou de existir qualquer direito a ser vindicado, não havendo o que se falar em direito líquido e certo à nomeação implementado antes da anulação do edital nº 019/QUADRO GERAL/2014, conforme tenta provar o nobre relator ao proferir voto vencedor.
O fato da Administração ter convocado 99 (noventa e nove) candidatos classificados nas primeiras posições, sendo que destes 14 (quatorze) não tomaram posse, não configura o direito sustentado pela Impetrante e pelo Relator do mandamus, pois, mesmo tendo a desistência ocorrida ainda na vigência do edital n. 019/QUADRO GERAL/2014, a anulação desse ato pela Administração afetou todos os direitos que dele nasciam desde a sua publicação.
(..)
Ademais, ainda que a recorrida figurasse na lista de classificados em cadastro reserva, o que se admite apenas por argumentar, a nomeação pleiteada somente deveria se dar dentro da disponibilidade financeira e da necessidade do Estado para a nomeação de aprovados, tendo em vista que a Administração pode nomear os aprovados dentro do prazo de validade do certame, cabendo ao Administrador escolher o momento adequado para as nomeações, tudo isso está amparado pela legalidade, é a chamada discricionariedade que detém o Administrador Público.
Ressalta-se que o candidato aprovado em concurso público, no cadastro de reserva, não tem direito a nomeação, e sim uma mera expectativa de direito, sendo o entendimento da Corte Suprema, veja-se:
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Além do mais, não há como se atribuir qualquer omissão ao Recorrente, uma vez que está agindo de forma razoável e proporcional, em total obediência aos preceitos legais que lhe são impostos, nomeando os aprovados no certame de acordo com a necessidade da Administração, e ainda, primando pela supremacia do interesse público.
Desta maneira, não havendo ilegalidade, não há como o Judiciário intervir no presente caso, sem que para tanto, infrinja o preceito fundamental da separação dos poderes (art. 2º da CF), uma vez que, consoante os entendimentos tanto do STJ, como do STF, o Ente Federativo deve nomear os candidatos aprovados dentro das vagas ofertadas, entretanto, tem no prazo de validade do certame, o limite temporal para prover tais cargos. (..)
Frise-se, inclusive, que o Edital Nº 001/QUADRO-GERAL/2012, de 04 de maio de 2012, que estabeleceu as normas para a realização de referido concurso, foi claro em estabelecer, em 02 (dois) anos, para o prazo de validade do certame, que foi homologado pelo Decreto nº 4.706, de 20 de dezembro de 2012, publicado no DOE Nº 3.779 de 20/12/2012:
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Vale dizer que o prazo de validade do certame em comento foi prorrogado por igual período através do Decreto nº 5.169 de 12 de dezembro de 2014, publicado no Diário Oficial do Estado de nº 4.277 na página 01:
Art. 1º Fica prorrogado pelo prazo de dois anos, a contar de 20 de dezembro de 2014, o concurso público para provimento de cargos do Quadro-Geral de Servidores Públicos do Poder Executivo, homologado pelo Decreto 4.706, de 20 de dezembro de 2012, publicado na edição 3.779 do Diário Oficial do Estado.
Neste particular, verifica-se que o Decreto nº 5.169 de 12 de dezembro de 2014 teve sua validade encerrada em 12 de dezembro de 2016, não sendo mais válido o certame, portanto, nenhum direito assiste a Recorrida, pois o concurso expirou.
O ato de nomeação de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas no edital trata-se de ato vinculado. Entretanto, cabe à Administração decidir, conforme sua conveniência (ato discricionário), o momento em que ocorrerão tais nomeações, obedecendo-se, todavia, o limite temporal de vigência do certame, contudo, tratando-se de candidato aprovado em cadastro de reserva, caso da Recorrida, o entendimento pacificado no STJ é de que não há direito subjetivo a nomeação, veja-se:
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De fato, a mera expectativa de direito converte-se em direito subjetivo quando, durante o prazo previsto no edital, 02 (dois) anos, o aprovado não é convocado com prioridade sobre novos concursados, ou até mesmo em contratações precárias sem que tenham sido nomeados aqueles já aprovados, sendo este, entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça.
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No presente caso, como já exposto anteriormente, não há que falar em direito líquido e certo.
Caso a Recorrida ao menos figurasse no cadastro de reserva, ainda assim deveria aguardar por ato legítimo e discricionário, neste sentido, com arrimo na jurisprudência dominante, eis os precedentes do STJ, in verbis:
(..)
Portanto, não há qualquer direito líquido e certo da Recorrida, muito pelo contrário a decisão v. violou os dispositivos legais acima apontados" (fls.*1.167/1.179e).
Requereu o provimento do Recurso Especial, para reformar o acórdão recorrido, "para o fim de reformar o v. acórdão recorrido, tendo em vista a ausência de direito liquido e certo a ser amparado pela demanda judicial" (fl. 1.179e).
Contrarrazões pelo não conhecimento do Recurso Especial (fls. 1.182/1.191e), com aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC/2015, por tratar-se de recurso com "manifesto caráter protelatório".
Admitido o Recurso Especial (fl. 1.197/1.200e), nesta Corte o Relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, monocraticamente, deu-lhe provimento, em decisão assim fundamentada:
"Trata-se de recurso especial interposto pelo ESTADO DO TOCANTINS, com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS, assim ementado (fl.1093):
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA.
1. A verificação de que a candidata, quando da anulação dos editais nº 19 e 20 QUADRO-GERAL2014 que excluiu o item 15.1.5 do Edital no QUADRO- GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva, já tinha adquirido o direito à nomeação em razão da declaração de decadência do direito de posse ou de posse tornada sem efeito de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, implica, em consagração ao princípio da isonomia e da segurança jurídica, reconhecimento do direito subjetivo à nomeação, sobretudo quando o edital anulatório resguarda o direito de terceiros de boa-fé que foram nomeados e empossados na vigência dos editais anulados.
2. A comprovação I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) de cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas- TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por PAULA BARROS BRITO CAETANO contra ato do GOVERNADOR DO ESTADO DO TOCANTINS e do SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO ESTADO DO TOCANTINS.
Alega ter sido inscrita no concurso público do Quadro-Geral do Estado do Tocantins para o cargo de Contador - Lotação no Município de Palmas/TO e ter alcançado a 127ª colocação no certame.
Dessa forma, informa que o concurso disponibilizou 83 vagas, sendo 60 para provimento efetivo e 23 para cadastro de reserva. Acrescenta, ainda, a existência de 34 vagos e que a própria Administração manifestou interesse no preenchimento de 99 vagas, motivo pelo qual aduz possui direito líquido e certo à nomeação , uma vez considerada a 127ª posição classificatória alcançada pela outrora impetrante.
Opostos embargos declaratórios, estes foram conhecidos e parcialmente providos, conforme dispõe a seguinte ementa (fls. 1146-1147):
1. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. QUADRO GERAL DO ESTADO DO TOCANTINS. CONTADOR. MUNICÍPIO DE PALMAS. EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. ANULAÇÃO. DECADÊNCIA DO DIREITO DE POSSE. EXISTÊNCIA DE VAGAS. DIREITO ADQUIRIDO NO PERÍODO DE VIGÊNCIA DO EDITAL QUE AMPLIOU O CADASTRO DE RESERVAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRESENÇA. CONTRADIÇÃO. INEXISTÊNCIA. REDISCUSSÃO DA MATÉRIA. IMPOSSIBILIDADE.
Os embargos de declaração, mesmo para fins de prequestionamento, não se prestam à rediscussão da matéria, e têm por escopo suscitar o saneamento de omissão, contradição ou obscuridade eventualmente existentes no acórdão, inocorrentes quando o tema embargado fora satisfatoriamente apreciado no julgado restando decidido que a comprovação: I) da nomeação de 99 (noventa e nove) candidatos aprovados em concurso para o cargo de Contador do Quadro Geral de Servidores do Poder Executivo Estadual, o qual previa 60 (sessenta) vagas de provimento imediato e 23 (vinte e três) cadastro de reserva, para o referido cargo no Município de Palmas-TO, bem como II) da declaração de decadência do direito de posse de pelo menos 32 (trinta e dois) destes candidatos, gera para a ocupante da 127ª colocação na ordem de classificação o direito subjetivo à nomeação. Precedentes do STF em julgamento de Recurso Extraordinário com Repercussão Geral reconhecida.
2. AUSÊNCIA DE TRANSCRIÇÃO DAS RAZÕES DO VOTO VENCIDO. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 941, 3º, DO CPC/2015. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. SANEAMENTO.
2.1 O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de pré- questionamento (artigo 941, § 3º, CPC/2015).
2.2 A ausência de transcrição das razões do voto vencido pode ser reconhecida pela via dos embargos de declaração, a fim de que a omissão seja sanada.
No presente recurso especial, o recorrente aponta violação ao artigo 1º da Lei do Mandado de Segurança, bem como ofensa aos princípios que regem os concursos públicos.
Afirma que o acórdão vergastado afronta o poder discricionário da Administração Pública de anular ou revogar seus atos, conforme preceitua a Súmula 473 do STF. Aduz, por fim, que a decisão combatida encontra-se em dissonância com a remansosa jurisprudência sobre o tema nos Tribunais Superiores.
Apresentadas contrarrazões pela manutenção do acórdão recorrido (fls. 1182-1191).
É o relatório. Decido.
Inicialmente, é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo nº 3/STJ: "aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
É cediço que o candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para formação cadastro de reserva possui mera expectativa de direito à nomeação, convolando-se em direito subjetivo somente na hipótese de comprovação do surgimento de cargos efetivos durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-las.
Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. CONCURSO PÚBLICO. PRETERIÇÃO. APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS. VIA MANDAMENTAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA . IMPOSSIBILIDADE. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO SURGIMENTO DE VAGAS EFETIVAS. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
(..)
II - O candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital possui mera expectativa de direito à nomeação, convolando-se em direito subjetivo somente na hipótese de comprovação do surgimento de cargos efetivos durante o prazo de validade do concurso público, bem como o interesse da Administração Pública em preenchê-las (v.g. AgRg no RMS 37.982/RO, 1ª T., Rel. Min. Arnaldo Esteves, DJe de 20.08.2013; REsp 1.359.516/SP, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell, DJe de 22.05.2013).
(..)
VI - Agravo Regimental improvido.
(AgRg no RMS 43.596/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 30/03/2017)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. APROVADO FORA DAS VAGAS. COMPROVADO SURGIMENTO DE VAGA. AUSÊNCIA DE PROVA DE DISPONIBILIDADE ORÇAMENTÁRIA. PRECEDENTE DO STJ. INEXISTÊNCIA DE PRETERIÇÃO. TEMA FIXADO EM REPERCUSSÃO GERAL - RE 837.311/PI. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
I - Os candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital - ou, em concurso para cadastro de reserva - não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso (seja por criação em lei, seja por força de vacância), uma vez que tal preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da administração pública.
II - O mero surgimento de vagas não enseja a caracterização da preterição se não houver a nomeação do candidato, nisso estando incluso o advento de lei que prevê a criação de mais vagas para o cargo pleiteado, sobretudo quando a própria legislação condiciona a implementação dos novos postos à prática de ato administrativo do Tribunal de Justiça, que considerará ainda a existência de previsão orçamentária, de recursos financeiros e os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
III - Agravo interno improvido.
(AgInt no RMS 49.983/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 20/03/2017)
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO FORA DAS VAGAS. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ E STF. SURGIMENTO DE VAGAS NÃO COMPROVADO. SERVIDORES TEMPORÁRIOS. ART. 37, IX, DA CF/88. NECESSIDADES TRANSITÓRIAS DA ADMINISTRAÇÃO. PRETERIÇÃO NÃO CARACTERIZADA.
(..)
2. A atual jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reserva não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso - por criação de lei ou por força de vacância -, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração. Precedentes do STJ" (RMS 47.861/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 05/08/2015).
3. Esta é também a orientação do STF, como se pode aferir, dentre outros, dos seguintes precedentes: RE 837.311/PI, Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, Repercussão Geral - DJe de 18/04/2016 e AI 804.705 AgR, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/11/2014.
(..)
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg nos EDcl no RMS 45.117/PE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 03/02/2017)
Outrossim, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o mero surgimento de novas vagas não confere automaticamente direito líquido e certo à nomeação aos candidatos aprovados fora das vagas previstas em edital ou em vaga para cadastro de reserva. Tal preenchimento estará sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração Pública.
Neste sentido:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. IMPETRAÇÃO DURANTE O PRAZO DE VALIDADE. EXPECTATIVA DE DIREITO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS. - RE 598.099/MG. DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO. PRECEDENTES. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO.
1. Cuida-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso ordinário no qual se pleiteava a nomeação de candidato aprovado fora das vagas previstas no Edital. O writ of mandamus foi impetrado durante a vigência da validade do concurso público.
2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está pacificada no sentido de que não há falar em direito líquido e certo à nomeação se ainda houver tempo de validade do certame pois, em tais casos, subsiste discricionariedade da administração pública para efetivar a nomeação. Precedentes: MS 18.717/DF, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe 5.6.2013; e RMS 43.960/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 10.12.2013.
3. Ademais, cabe anotar que a Primeira Seção, nos autos do MS 17.886/DF, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 14.10.2013, reafirmou o entendimento do Supremo Tribunal Federal, havido nos autos do RE 598.099/MG, de que os candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital - ou, em concurso para cadastro de reserva - não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso (seja por criação em lei, seja por força de vacância), uma vez que tal preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da administração pública.
Agravo regimental improvido.(AgRg no RMS 45.464/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 29/10/2014).
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. JUÍZO DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. REMOÇÃO DE SERVIDOR. PRETERIÇÃO NÃO CARACTERIZADA.
1. Esta Corte tem firmado o entendimento de que "candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reserva não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso - por criação de lei ou por força de vacância -, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração. Precedentes do STJ" (RMS 47.861/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 05/08/2015).
2. A jurisprudência do STJ também é firme no sentido de que "a remoção de servidores, por caracterizar forma derivada de provimento, não importa em preterição dos candidatos aprovados em concurso público que aguardam nomeação" (MS 38.590/MG, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 20/10/2014).
3. Agravo Regimental a que se nega provimento. (AgRg no RMS 47.953/SP, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Primeira Turma, julgado cm 15.3.2016, publicado no DJe de 29.3.2016).
MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO EM CADASTRO DE RESERVA. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. PRETERIÇÃO NÃO COMPROVADA.
1. Cuida-se de inconformismo com a decisão do Tribunal de origem que denegou a segurança pretendida pelo impetrante, qual seja, sua nomeação para cargo público, para o qual foi classificado no concurso em cadastro de reserva.
2. Os aprovados em concurso público fora do número de vagas têm mera expectativa de direito à nomeação. Ademais, o surgimento superveniente de vagas durante o prazo de validade do concurso não acarreta o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em cadastro de reserva.
3. O impetrante, ora recorrente, não conseguiu comprovar a existência de preterição arbitrária à nomeação dos candidatos aprovados em cadastro de reserva ou comprovar qualquer inobservância editalícia do concurso, por conseguinte, não se evidenciou seu direito líquido e certo à vaga, de sorte que a Administração não teria a obrigatoriedade de nomeá-lo.
4. Acrescente-se que a contratação temporária de terceiros não constitui pura e simplesmente ato ilegal nem tampouco é indicativo necessário da existência de cargo vago, pois, para a primeira hipótese, deve ser comprovado o não atendimento às prescrições do RE 658.026/MG, rel. Min. Dias Toffoli.
5. Recurso Ordinário a que se nega provimento. (RMS 54.063/RO, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, julgado em 17.8.2017, publicado no DJe de 13.9.2017).
No caso em tela, a recorrente restou aprovada na 127ª colocação, portanto, fora do número de vagas previstas pelo edital em questão.
Além de necessitar a comprovação do surgimento de vagas bastantes para garantir sua nomeação, deve ser igualmente comprovado o interesse inequívoco da Administração em preenchê-las, o que não ficou suficientemente demonstrado.
Por fim, a vacância alegada pela autora não gera automaticamente à candidata direito líquido e certo à nomeação, pois tal procedimento deverá respeitar juízo de conveniência e oportunidade por parte da Administração Pública.
Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, dou provimento ao recurso especial para reformar o acórdão guerreado e não reconhecer o direito líquido e certo à nomeação da impetrante" (fls. 1.205/1.210e).
Contra esta decisão foi interposto o presente Agravo interno.
O Relator, Ministro FRANCISCO FALCÃO, negou provimento ao Agravo interno, reiterando a compreensão de que "o candidato aprovado fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para formação de cadastro de reserva possui mera expectativa de direito à nomeação", bem como de que, "além da necessidade de comprovação do surgimento de vagas bastantes para garantir a nomeação, deve ser igualmente comprovado o interesse inequívoco da Administração em preenchê-las, o que não ficou suficientemente demonstrado", no que foi acompanhado pelo Ministro HERMAN BENJAMIN.
A divergência, inaugurada pelo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES - acompanhada pelo Ministro OG FERNANDES -, diz respeito ao óbice da Súmula 7 do STJ, a inviabilizar o conhecimento do apelo nobre.
Diante do empate do julgamento, pedi vista dos autos, para melhor exame da controvérsia.
De início, merece registro que, "na precisa lição de Cândido Rangel Dinamarco (Teoria Geral do Novo Processo Civil, ed. Malheiros, pag. 214), "o recurso extraordinário e o recurso especial têm admissibilidade restrita no sistema processual-constitucional brasileiro, sendo sujeitos a severos pressupostos especiais de admissibilidade, aos quais os demais recursos não são"" (STJ, AgInt no AREsp 1.504.517/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/11/2019).
Assim sendo, "não se admite como paradigma para comprovar eventual dissídio acórdão proferido em habeas corpus, em mandado de segurança, em recurso ordinário em habeas corpus, em recurso ordinário em mandado de segurança e em conflito de competência" (STJ, AgRg no AREsp 1.648.090/GO, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUINTA TURMA, DJe de 14/12/2020), os quais possuem âmbito cognitivo muito mais amplo que o do Recurso Especial, destinado exclusivamente à uniformização da interpretação da legislação federal, à luz do acervo fático da causa, delimitado pelas instâncias de origem.
Firmadas tais premissas, cumpre fazer algumas considerações iniciais.
Não se olvida que a jurisprudência do STJ é firme no sentido de que "candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital ou em concurso para cadastro de reserva não possuem direito líquido e certo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam no período de validade do concurso - por criação de lei ou por força de vacância -, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração" (STJ, RMS 53.495/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 08/05/2017).
De fato, o Plenário do STF, no julgamento do RE 598.099/MS, sob o regime de repercussão geral, nos termos do voto do Relator, Ministro GILMAR MENDES, reconheceu, ao candidato aprovado dentro do número de vagas ofertado em edital de concurso público, o direito público subjetivo à nomeação, não podendo a Administração Pública dispor desse direito. No entanto, na mesma assentada, ressalvou que, "quando se afirma que a Administração Pública tem a obrigação de nomear os aprovados dentro do número de vagas previsto no edital, deve-se levar em consideração a possibilidade de situações excepcionalíssimas que justifiquem soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Não se pode ignorar que determinadas situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores. Para justificar o excepcionalíssimo não cumprimento do dever de nomeação por parte da Administração Pública, é necessário que a situação justificadora seja dotada das seguintes características: a) Superveniência: os eventuais fatos ensejadores de uma situação excepcional devem ser necessariamente posteriores à publicação do edital do certame público; b) Imprevisibilidade: a situação deve ser determinada por circunstâncias extraordinárias, imprevisíveis à época da publicação do edital; c) Gravidade: os acontecimentos extraordinários e imprevisíveis devem ser extremamente graves, implicando onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras do edital; d) Necessidade: a solução drástica e excepcional de não cumprimento do dever de nomeação deve ser extremamente necessária, de forma que a Administração somente pode adotar tal medida quando absolutamente não existirem outros meios menos gravosos para lidar com a situação excepcional e imprevisível. De toda forma, a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas deve ser devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário" (STF, RE 598.099/MS, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, DJe de 03/10/2011).
Observa-se, portanto, que o STF fixou a compreensão de que, quando a Administração Pública lança edital de concurso público, oferecendo determinado número de vagas, passa a incutir nos candidatos a ideia de que os cargos existem, de que há necessidade de serviço e de que há previsão orçamentária, fazendo crer aos interessados que, se optarem por se inscrever no certame e se sagrarem aprovados e bem classificados, aquele contingente de vagas ofertado será efetivamente preenchido.
O referido julgado determinou que a regra é que a Administração Pública submeta a sua discricionariedade ao direito subjetivo do candidato à nomeação, diante dos princípios da boa-fé e da proteção da confiança, motivo pelo qual não pode ela deixar de prover os cargos ofertados, resguardando-se-lhe, contudo, o direito de decidir em que momento a nomeação ocorrerá, enquanto perdurar o prazo de validade do certame.
Ou seja, a regra, na situação de concurso público em que haja candidatos aprovados dentro das vagas oferecidas pelo edital do certame, é que estes candidatos têm o direito subjetivo à nomeação, durante o período de validade do concurso.
Nesse sentido a jurisprudência desta Corte:
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. PREVISÃO DE VAGAS EM EDITAL. DIREITO À NOMEAÇÃO DOS CANDIDATOS APROVADOS.
1. O STF, no julgamento de mérito do RE 598.099/MS, fixou a tese de que, "uma vez publicado o edital do concurso com número específico de vagas, o ato da Administração que declara os candidatos aprovados no certame cria um dever de nomeação para a própria Administração e, portanto, um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas" (Tema n. 161/STF).
2. Hipótese em que o acórdão recorrido está em conformidade com a orientação firmada pelo STF.
Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no RE nos EDcl no AgRg no AREsp 615.148/PB, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, CORTE ESPECIAL, DJe de 24/11/2016).
"ADMINISTRATIVO. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. CONCURSO COM PRAZO DE VALIDADE EM VIGOR. PROVIMENTO DO CANDIDATO APROVADO. OPORTUNIDADE E CONVENIÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PRETERIÇÃO. DILAÇÃO PROBATÓRIA VEDADA VIA MANDADO DE SEGURANÇA.
I - A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que o candidato aprovado dentro do número de vagas ofertadas em edital de concurso público tem o direito público subjetivo à nomeação, não podendo a Administração Pública dispor desse direito. No entanto, o momento em que, dentro do prazo de validade do certame, a nomeação ocorrerá, observa juízo de oportunidade e conveniência. Nesse sentido: RMS n. 53.898/MS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 13/6/2017, DJe 21/6/2017; e RMS n. 49.942/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/3/2016, DJe 19/5/2016.
(..)
IV - Agravo interno improvido" (STJ, AgInt no RMS 57.616/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 14/12/2018).
De igual modo, a Corte Suprema - também sob o regime de repercussão geral -, apesar de não ter, peremptoriamente, obstaculizado situações como a ora examinada, condicionou o seu reconhecimento a uma atuação do candidato interessado em demonstrar, de forma cabal, que a Administração Pública agira com arbitrariedade e mediante decisão imotivada, de sorte que apenas o surgimento de vagas ou a abertura de novo concurso não têm o condão de configurar preterição a direito. Eis a ementa do referido julgado:
"RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. TEMA 784 DO PLENÁRIO VIRTUAL. CONTROVÉRSIA SOBRE O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO DE CANDIDATOS APROVADOS ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL DE CONCURSO PÚBLICO NO CASO DE SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. MERA EXPECTATIVA DE DIREITO À NOMEAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS. IN CASU, A ABERTURA DE NOVO CONCURSO PÚBLICO FOI ACOMPANHADA DA DEMONSTRAÇÃO INEQUÍVOCA DA NECESSIDADE PREMENTE E INADIÁVEL DE PROVIMENTO DOS CARGOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 37, IV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. ARBÍTRIO. PRETERIÇÃO. CONVOLAÇÃO EXCEPCIONAL DA MERA EXPECTATIVA EM DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, BOA-FÉ, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE E DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. FORÇA NORMATIVA DO CONCURSO PÚBLICO. INTERESSE DA SOCIEDADE. RESPEITO À ORDEM DE APROVAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM SINTONIA COM A TESE ORA DELIMITADA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade a diversos princípios constitucionais, corolários do merit system, dentre eles o de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (CRFB/88, art. 5º, caput).
2. O edital do concurso com número específico de vagas, uma vez publicado, faz exsurgir um dever de nomeação para a própria Administração e um direito à nomeação titularizado pelo candidato aprovado dentro desse número de vagas. Precedente do Plenário: RE 598.099 - RG, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 03-10-2011.
3. O Estado Democrático de Direito republicano impõe à Administração Pública que exerça sua discricionariedade entrincheirada não, apenas, pela sua avaliação unilateral a respeito da conveniência e oportunidade de um ato, mas, sobretudo, pelos direitos fundamentais e demais normas constitucionais em um ambiente de perene diálogo com a sociedade.
4. O Poder Judiciário não deve atuar como "Administrador Positivo", de modo a aniquilar o espaço decisório de titularidade do administrador para decidir sobre o que é melhor para a Administração: se a convocação dos últimos colocados de concurso público na validade ou a dos primeiros aprovados em um novo concurso. Essa escolha é legítima e, ressalvadas as hipóteses de abuso, não encontra obstáculo em qualquer preceito constitucional.
5. Consectariamente, é cediço que a Administração Pública possui discricionariedade para, observadas as normas constitucionais, prover as vagas da maneira que melhor convier para o interesse da coletividade, como verbi gratia, ocorre quando, em função de razões orçamentárias, os cargos vagos só possam ser providos em um futuro distante, ou, até mesmo, que sejam extintos, na hipótese de restar caracterizado que não mais serão necessários.
6. A publicação de novo edital de concurso público ou o surgimento de novas vagas durante a validade de outro anteriormente realizado não caracteriza, por si só, a necessidade de provimento imediato dos cargos. É que, a despeito da vacância dos cargos e da publicação do novo edital durante a validade do concurso, podem surgir circunstâncias e legítimas razões de interesse público que justifiquem a inocorrência da nomeação no curto prazo, de modo a obstaculizar eventual pretensão de reconhecimento do direito subjetivo à nomeação dos aprovados em colocação além do número de vagas. Nesse contexto, a Administração Pública detém a prerrogativa de realizar a escolha entre a prorrogação de um concurso público que esteja na validade ou a realização de novo certame.
7. A tese objetiva assentada em sede desta repercussão geral é a de que o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, a discricionariedade da Administração quanto à convocação de aprovados em concurso público fica reduzida ao patamar zero (Ermessensreduzierung auf Null), fazendo exsurgir o direito subjetivo à nomeação, verbi gratia, nas seguintes hipóteses excepcionais:
i)Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital (RE 598.099);
ii) Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF);
iii)Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima.
(..)
9. Recurso Extraordinário a que se nega provimento" (STF, RE 837.311/PI, Rel. Ministro LUIZ FUX, TRIBUNAL PLENO, DJe de 18/04/2016).
Por fim, merece registro que, consoante pacífica jurisprudência desta Corte, "havendo desistência de candidatos melhor classificados, fazendo com que os seguintes passem a constar dentro do número de vagas, a expectativa de direito se convola em direito líquido e certo, garantindo o direito à vaga disputada. Precedentes: RMS 55.667/TO, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2017 e AgInt no REsp. 1.702.352/TO, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 15.6.2018" (STJ, AgInt no RMS 62.725/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 14/12/2020).
Demais disso, ante a alegação recursal de que a nomeação "somente deveria se dar dentro da disponibilidade financeira (..) do Estado", consoante já decidiu esta Corte, "os limites orçamentários previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, no que se refere às despesas com pessoal do ente público, não podem servir de fundamento para o não cumprimento de direitos subjetivos do servidor" (STJ, AgInt no REsp 1.881.372/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12/11/2020).
CASO CONCRETO
Por primeiro, em relação à alegação do recorrente de que "ainda que a recorrida figurasse na lista de classificados em cadastro reserva, o que se admite apenas por argumentar, a nomeação pleiteada somente deveria se dar dentro da disponibilidade financeira e da necessidade do Estado para a nomeação de aprovados, tendo em vista que a Administração pode nomear os aprovados dentro do prazo de validade do certame, cabendo ao Administrador escolher o momento adequado para as nomeações, tudo isso está amparado pela legalidade, é a chamada discricionariedade que detém o Administrador Público" (fl. 1.169e), além de a matéria relativa à disponibilidade financeira não ter sido objeto de debate, no acórdão recorrido, trata-se de inovação recursal, de vez que não foi suscitada tal questão, nas informações prestadas.
Quanto ao mais - mormente no que diz respeito ao interesse da Administração na nomeação dos candidatos - extraem-se do acórdão recorrido os seguintes excertos, nos quais o Tribunal de origem firmou sua convicção: "(..) convém esclarecer que o Concurso Público para Provimento de Cargos do Quadro-Geral de Servidores do Poder Executivo, regido pelo Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012, de 4 de maio de 2012, se encontra em plena vigência, já que teve o prazo de validade prorrogado até dezembro de 2016 (..) Infere-se dos autos que, inicialmente, a impetrante foi considerada eliminada do certame, por não ter figurado dentre os 83 (oitenta e três) primeiros colocados. Apenas atingiu o status de aprovada e classificada, na 127ª colocação no certame, em decorrência do Edital nº 019/2014, publicado no Diário Oficial nº 4.276, de 11/12/2014, o qual revogou o item 15.1.5 do Edital nº 001/ QUADRO-GERAL /2012, de 4/5/2012, que previa a eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso. Em 15/4/2015 o Secretário de Estado da Administração, por meio do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, anulou, com efeito ex nunc, o Edital nº 019/QUADROGERAL/2012, de 22/6/2012 (..) Acontece que, embora o Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015 tenha anulado os Editais nºs 19 e 20 QUADRO-GERAL/2014 (que excluiu o item 15.1.5 do Edital nº 001/QUADRO-GERAL/2012 e ampliou o número de candidatos classificados dentro do cadastro de reserva), ressalvou o direito de terceiros de boa-fé que foram empossados pelas nomeações contidas no Ato nº 2.201-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014 e no Ato nº 2.117-NM, publicado no Diário Oficial nº 4.285, de 23 de dezembro de 2014. (..) Da análise dos autos, constata-se que foram nomeados 99 (noventa e nove) candidatos para o cargo de Contador, com lotação no Município de Palmas-TO, sendo que pelo menos 32 (trinta e dois) deles, antes da publicação do Edital nº 021/QUADRO-GERAL/2015, publicado no Diário Oficial nº 4.360, de 23/4/2015, não tomaram posse ou tiverem este direito decaído. Denota-se do Diário Oficial nº 4.079, de 28/2/2014, especificamente das Portarias TSE ns 210, 211, 213 e 232, todas de 26/2/2014, que 17 (dezessete) candidatos tiveram seu direito de posse decaído ou a posse tornada sem efeito por não ter entrado em exercício dentro do prazo legal (..). Verifica-se, ainda, no Diário Oficial nº 4.082, de 7/3/2014, que 1 (um) candidato teve seu direito de posse decaído pela Portaria nº 244 TSE, de 27/2/2014. Por fim, denota-se do Ofício/SECAD/GASEC Nº 1280/2015 e do Diário Oficial nº 4.373, de 13/5/2015, especificamente da Portaria nº 553, de 7/5/2015, que das nomeações determinadas pelo Ato 2.084-NM (publicado no Diário Oficial n o 4.277, de 12/12/2014), 14 (quatorze) candidatos não tomaram posse e tiveram suas nomeações tornadas sem efeito. (..) Sendo assim, referida situação privilegiou a impetrante, classificada na 127ª posição, pois as vagas não preenchidas em razão da decadência do direito de posse de candidatos nomeados geram direito subjetivo aos candidatos seguintes na ordem de classificação, haja vista a existência de interesse do Estado do Tocantins no preenchimento da vaga (..) No presente caso, a Administração Pública Estadual claramente evidenciou a necessidade de preenchimento das vagas. Desta maneira, o ato de convocação de aprovados, diante da declaração da decadência do direito de posse de candidatos melhores classificados em número suficiente para alcançar a sua classificação, deixou de ser discricionário para se tornar vinculado, pois passou a impetrante a se enquadrar dentro do número de vagas convocadas. O quadro fático delineado revela, assim, a necessidade da concessão da segurança" (fls. 1.089/1.092e).
Diante desse contexto, pedindo a mais respeitosa vênia ao Ministro FRANCISCO FALCÃO e ao Ministro HERMAN BENJAMIN, que o acompanhou, considerando a fundamentação do acórdão objeto do Recurso Especial, os argumentos utilizados pela parte recorrente - quanto ao surgimento de vagas, a alcançar a classificação da impetrante, e a interpretação dos editais que regeram o certame - somente poderiam ter sua procedência verificada mediante o necessário reexame de matéria fática, não cabendo a esta Corte, a fim de alcançar conclusão diversa, reavaliar o conjunto probatório dos autos, em conformidade com as Súmulas 5 e 7/STJ.
A propósito:
"PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DO NÚMERO DE VAGAS INICIALMENTE PREVISTO NO EDITAL. PRETERIÇÃO RECONHECIDA PELA CORTE DE ORIGEM. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO DO ESTADO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Tribunal de origem entendeu que a parte recorrente tem direito subjetivo à nomeação, tendo em vista a evidente preterição. A alteração dessas conclusões, na forma pretendida, por demandar revolvimento fático, encontra óbice na Súmula 7/STJ. Precedente: REsp 1.705.490/AM, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 01.02.2018.
2. Não prospera a alegação de impedimento de realizar novas contratações, ante o limite prudencial previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal, pois a abertura de concurso público deve ser precedida de estudo de impacto orçamentário decorrente das novas contratações. Vejam-se os seguintes precedentes: (RMS 57.565/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 20.8.2018; RMS 53.506/DF, Rel. Min. REGINA HELENA COSTA, DJe 29.9.2017).
3. Agravo Interno do Particular a que se nega provimento" (STJ, AgInt no AREsp 1.683.034/MS, Rel. Ministro MANOEL ERHARDT (Desembargador Federal convocado do TRF/5ª Região), PRIMEIRA TURMA, DJe de 17/06/2021).
"DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. ANULAÇÃO. QUESTÃO PROVA OBJETIVA. ILEGALIDADE AFASTADA, PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM, À LUZ DE CLÁUSULAS DO EDITAL E DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS 5 E 7/STJ.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que é vedado ao Poder Judiciário substituir-se à banca examinadora do certame para reexaminar critérios utilizados para elaboração e correção de provas, bem como avaliar respostas dadas pelos candidatos e notas a elas atribuídas, sob pena de indevida incursão no mérito do ato administrativo, salvo nas hipóteses de flagrante ilegalidade. Precedentes.
2. No caso dos autos, o Tribunal de origem, com base no conjunto fático-probatório dos autos, concluiu que a questão impugnada se ajusta ao conteúdo programático previsto no edital do concurso, o qual exigia conhecimentos relacionados à "Correio Eletrônico", além da legislação básica a esse respeito, afastando-se, portanto, a possibilidade de anulação em juízo.
3. Do que consta no acórdão, não se vislumbram razões para a sua reforma, sendo certo que para se chegar a conclusão diversa seria necessário o reexame das regras do edital, bem como dos fatos e provas dos autos, o que é vedado diante da aplicação das Súmulas 5 e 7/STJ.
4. Agravo interno não provido" (STJ, AgInt no AREsp 1.099.565/DF, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 10/06/2021).
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATOS APROVADOS DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ.
1. Cuida-se de Agravo Interno contra decisum que rejeitou os Embargos de Declaração interpostos contra decisão monocrática (fls. 1.291-1.298) que conheceu parcialmente do Recurso Especial, apenas com relação à violação ao art. 1.022 do CPC/2015, e, nessa parte, negou-lhe provimento.
(..)
4. Preliminarmente, constata-se que não se configurou a ofensa aos arts. 489, § 1º, IV, e 1.022 do Código de Processo Civil, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia.
5. É ilegal o ato da autoridade que realiza concurso público para provimento de vagas e, após, suspende o ato de convocação dos aprovados dentro do número de vagas ofertadas, alegando situação excepcional superveniente, não comprovada nos autos.
6. De mais a mais, nota-se que a instância de origem decidiu a questão com base no suporte fático-probatório dos autos, cujo reexame é inviável no Superior Tribunal de Justiça, ante o óbice da Súmula 7/STJ: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial."
7. Insta transcrever trecho do acórdão recorrido: "No caso em apreço, analisando os documentos juntados pela impetrada, não se verifica nenhuma situação excepcional que justifique a não nomeação do impetrante, pois embora alegue que a crise econômica de 2015 ocasionou redução do repasse da União para a Agência Estadual de Metrologia, é certo que que houve realocação de servidores comissionados pelo Decreto "P" n. 60, de 10.01.2019, publicado no Diário Oficial n. 9.819, de 12.01.2019, não se aplicando o artigo 1º, caput, do Decreto n. 15.129, de 28.12.2018, que previu a exoneração dos cargos de comissão no âmbito da Administração Direta, Autarquica e Fundacional do Estado, não explicitando se são servidores efetivos ou não."
8. Agravo Interno não provido" (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1.869.709/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/11/2020).
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO. ANÁLISE DE DISPONIBILIDADE FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DECISÃO JUDICIAL. EXCEÇÃO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Afasta-se a ofensa aos arts. 489, § 1º, e 1.022, II, do CPC/2015, na medida em que o Tribunal de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas e apreciou integralmente a controvérsia posta nos autos; não se pode, ademais, confundir julgamento desfavorável ao interesse da parte com negativa ou ausência de prestação jurisdicional.
2. Consubstancia-se em entendimento consagrado no âmbito desta Corte Superior a existência de direito subjetivo à nomeação para o candidato aprovado em concurso público dentro do número de vagas previsto em edital, salvo situações excepcionais, plenamente justificadas, conforme decidido pelo e. STF, em sede de repercussão geral (RE 598.099).
3. Ademais, a alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, a fim de que se entenda pela superveniente indisponibilidade orçamentária e financeira, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula 7/STJ.
4. No mais, cumpre asseverar que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que "os limites orçamentários previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, no que se refere às despesas com pessoal do ente público, não podem servir de fundamento para o não cumprimento de direitos subjetivos do servidor (AgInt no REsp 1.678.968/RO, 1ª T., Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 05.04.2018)" (AgInt no REsp 1.772.604/DF, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, DJe 23/4/2019).
5. Agravo interno não provido" (STJ, AgInt no REsp 1.881.372/MS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 12/11/2020).
"PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO CLASSIFICADO ORIGINALMENTE EM CADASTRO DE RESERVA. DESISTÊNCIA DE CONCORRENTES. REPOSICIONAMENTO. INSERÇÃO DENTRO DO ROL DE CARGOS VAGOS. CONVOLAÇÃO EM DIREITO À NOMEAÇÃO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. DESCABIMENTO. HONORÁRIOS RECURSAIS. PROCESSO MANDAMENTAL.
1. Não se conhece do apelo extremo quando o exame das teses levantadas pelo recorrente não prescinde do revolvimento fático-probatório. Incidência da Súmula 07/STJ.
2. Descabe a condenação em honorários recursais no contexto do processo mandamental.
3. Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp 1.708.509/TO, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 18/12/2017).
Não se desconhece a jurisprudência firmada nesta Corte no sentido de que, em regra, o candidato aprovado fora do número de vagas previsto no edital do certame não é titular de direito público subjetivo à nomeação, mesmo que novas vagas surjam, no período de validade do concurso, cujo preenchimento está sujeito a juízo de conveniência e oportunidade da Administração.
Entretanto, no caso, após extenso e aprofundado exame dos documentos e dos editais constantes dos autos, o acórdão recorrido concluiu que a Administração Pública nomeou candidatos em cadastro reserva, que não tomaram posse, em número suficiente para alcançar a classificação da impetrante, tudo antes da publicação do Edital 21, de 15/04/2015, que anulou, com efeitos ex nunc, o item do edital que afastava a previsão de eliminação do candidato que não figurasse até o limite de vagas definido no edital de abertura do concurso.
Concluiu, ainda, diante do exame de fatos e provas dos autos, que, com a nomeação de 99 candidatos, quantitativo além do número de vagas previsto no edital - não tendo 32 deles tomado posse, a alcançar a classificação da impetrante -, "houve demonstração expressa da necessidade de preenchimento de tais vagas e a preterição da impetrante, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da repercussão geral em comento, o que pode ser "caracterizado por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato"" (fl. 1.142e).
Não se trata, aqui, de Recurso Ordinário em Mandado de Segurança - remédio constitucional de abrangência muito mais ampla, que permite análise fática dos autos -, mas de Recurso Especial, que tem causa de pedir vinculada à fundamentação adotada no acórdão recorrido, e que não permite revolvimento probatório. Como bem destacado pela divergência, não há como serem revisitados os editais e a conclusão do acórdão recorrido, ante os óbices das Súmulas 5 e 7 do STJ.
Ademais, o Recurso Ordinário aponta apenas violação ao art. 1º da Lei 12.016/2009. Na forma da jurisprudência, "a análise de suposta violação do art. 1º da Lei Mandamental é inviável no âmbito do recurso especial, diante da Súmula n. 7/STJ, uma vez que a verificação da existência ou não do apontado direito líquido e certo demandaria incursão na seara fático-probatória dos autos, nos termos do firme entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça" (STJ, REsp 1.823.042/RJ, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 05/12/2019).
Ante o exposto, pedindo a mais respeitosa vênia ao Relator, Ministro FRANCISCO FALCÃO, e ao Ministro HERMAN BENJAMIN, que o acompanhou, voto no sentido da divergência, inaugurada pelo Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES e acompanhada pelo Ministro OG FERNANDES, para dar provimento ao Agravo interno, e, assim, reformar a decisão singular, para, ante as Súmulas 5 e 7 do STJ, não conhecer do Recurso Especial, deixando, contudo, de aplicar a multa requerida pela parte recorrida, nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC/2015, porquanto tal dispositivo diz respeito aos Embargos Declaratórios, eventualmente procrastinatórios.
Não obstante o disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015 e no Enunciado Administrativo 7/STJ ("Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016 será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do NCPC"), registro que não é o caso de majorar os honorários advocatícios, já que, conforme orientação fixada pela Súmula 105/STJ, não é admitida a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em Mandado de Segurança.
É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO EM CADASTRO DE RESERVA. RECLASSIFICAÇÃO. CONCORRENTES MAIS BEM CLASSIFICADOS. INSUBSISTÊNCIA DA POSSE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.
1. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, a teor da Súmula 07/STJ.
2. No caso concreto, tanto para a confirmação dos fundamentos do acórdão impugnado, quanto para o acolhimento das razões recursais e eventual reforma dele, seria necessária a revisitação da cronologia de atos administrativos que regulavam a classificação dos candidatos e a formação do cadastro de reserva, bem como a interpretação deles, com o fim de saber se prevalecia ou não o direito do ora recorrido, mas essa prática encontra vedação no teor do referido enunciado sumular.
3. Agravo interno provido para não conhecer do recurso especial. | PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO EM CADASTRO DE RESERVA. RECLASSIFICAÇÃO. CONCORRENTES MAIS BEM CLASSIFICADOS. INSUBSISTÊNCIA DA POSSE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO RECONHECIDO. VIOLAÇÃO A NORMATIVOS FEDERAIS. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO DO ACERVO PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. | 1. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, a teor da Súmula 07/STJ.
2. No caso concreto, tanto para a confirmação dos fundamentos do acórdão impugnado, quanto para o acolhimento das razões recursais e eventual reforma dele, seria necessária a revisitação da cronologia de atos administrativos que regulavam a classificação dos candidatos e a formação do cadastro de reserva, bem como a interpretação deles, com o fim de saber se prevalecia ou não o direito do ora recorrido, mas essa prática encontra vedação no teor do referido enunciado sumular.
3. Agravo interno provido para não conhecer do recurso especial. | N |
144,776,712 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO SINGULAR PROFERIDA POR MINISTRO DO STJ. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL DE CAPÍTULOS AUTÔNOMOS (ART. 1.002 DO CPC). EFEITO DEVOLUTIVO. CAPÍTULOS NÃO IMPUGNADOS. PRECLUSÃO. REQUISITOS DO AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, § 1º, DO CPC). ENTENDIMENTO PACIFICADO PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (ERESP 1.424.424/SP). EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O tema contido no presente recurso uniformizador representa questão jurídica de efetiva divergência interpretativa no âmbito desta Corte Superior, relacionada a possibilidade de impugnação parcial em agravo interno dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministro no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.Em outras palavras, se é necessário impugnar todos os fundamentos da decisão impugnada por meio de agravo interno ou se é possível atacar apenas determinados capítulos autônomos, com a consequente preclusão dos capítulos não impugnados.
2. Entretanto, antes de iniciar a análise do mérito dos embargos de divergência propriamente dito, é necessário ressaltar que existia no âmbito desta Corte Superior efetiva interpretação controvertida relacionada à necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão do Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal de origem (TJ ou TRF) que inadmite o recurso especial, em sede de agravo em recurso especial.
3. A Corte Especial do STJ pacificou a tese jurídica no sentido de que todos os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, independentemente da autonomia dos fundamentos, devem ser impugnados no âmbito do agravo em recurso especial (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR, e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
4. O referido entendimento, em grande medida, influenciou a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de equiparar o mesmo raciocínio jurídico - a necessidade de impugnação de todos os fundamentos - à impugnação formulada em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática de Ministro desta Corte Superior. Tal raciocínio também foi influenciado pela jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, em razão da praxe forense, ao aplicar a regra da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) aos agravos em recurso especial, embora o referido enunciado sumular tenha sido editado para aplicação aos agravos internos (antigo art. 545 do CPC/1973), o que certamente contribuiu para interpretações divergentes no âmbito do STJ.
5. Assim, embora espécies recursais previstas no art. 994 do CPC, agravo em recurso especial e agravo interno são dotados de finalidades e características específicas, sendo inadequada a simples equiparação para quaisquer fins processuais. Portanto, como já ressaltado, a questão jurídica controvertida de natureza processual nos presentes embargos de divergência é diversa da hipótese pacificada pela Corte Especial. Estabelecida a indispensável distinção entre algumas das especificidades do caso dos autos, passo ao exame da questão jurídica controvertida relacionada à possibilidade de impugnação parcial da decisão agravada em agravo interno.
6. Em regra, toda decisão judicial pode ser proferida em capítulo único ou em capítulos autônomos, sendo a impugnação elemento central das razões recursais, conforme dispõe o princípio da dialeticidade. Na primeira hipótese, é indispensável que o recorrente apresente impugnação contra o único fundamento, sob pena de não conhecimento do recurso. Por sua vez, na segunda hipótese citada, quando existem mais de um capítulo, é necessário verificar se existe autonomia entre os capítulos decisórios para verificar, nos limites do efeito devolutivo do recurso, o que efetivamente foi impugnado pela parte recorrente.
7. Em outras palavras, não existindo autonomia entre os capítulos, o recurso deve impugnar todos os fundamentos, em sentido contrário, presente a autonomia de capítulos, o recorrente pode recorrer de todos eles ou apenas parcialmente, conforme seu interesse e eventual conformismo com a decisão judicial sobre o ponto específico. A referida possibilidade está expressamente prevista no art. 1.002 do CPC/2015, ao estabelecer que a "decisão pode ser impugnada no todo ou em parte". Sobre o tema, a lição de Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil - volume 4 (arts. 926 a 1.072). In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 273 e 364.
6. Por outro lado, o art. 1.021 do CPC/2015 estabelece o cabimento do agravo interno contra decisão proferida pelo relator para o respectivo órgão colegiado. Em síntese, o agravo interno devolve ao órgão julgador as questões impugnadas contidas na decisão monocrática proferida pelo relator. Nesse sentido: Araken de Assis (Manual dos Recursos. 8ª. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 684).
8. O art. 1.021, § 1º do CPC/2015 determina que a petição recursal impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada, ou seja, o agravante deve impugnar os capítulos autônomos que entender passíveis de recurso. Tal constatação não significa dizer que todos os capítulos autônomos da decisão devem ser impugnados, mas apenas aqueles que a parte agravante se insurgir, precluindo o direito de recorrer em relação aos demais pontos não recorridos. Entendimento contrário significaria dizer que a parte seria obrigada a impugnar todos os capítulos da decisão agravada, mesmo que concordasse com a decisão judicial, o que certamente contraria a lógica processual fundada no princípio devolutivo contido nos artigos 1.002 e 1.013 do CPC/2015. Nesse sentido: AgInt no AgInt no AREsp 1233736/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 13/05/2020).
9. A Corte Especial do STJ, em recente julgamento, pacificou o entendimento no sentido do cabimento de impugnação parcial de capítulos autônomos em sede de agravo interno, admitindo a desnecessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão recorrida e reconhecendo a preclusão dos capítulos não impugnados: "Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182 do STJ." (excerto da ementa do EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 17/11/2021).
10. No mesmo sentido: AgInt no AgInt no REsp 1470616/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 05/10/2021; AgInt no AgInt no AREsp 1556441/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020; AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020; AgInt no AREsp 556.665/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019; AgInt no AREsp 555.250/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018; AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015.
11. No caso dos autos, ao interpretar a aplicação da Súmula 182/STJ, a Egrégia Primeira Turma desta Corte Superior embora admita a impugnação parcial, exige que a parte apresente expressa manifestação de concordância parcial com a decisão proferida e parcialmente impugnada. Entretanto, diante da fundamentação contida no presente voto, não é adequado exigir da parte expressa concordância com determinados capítulos, tendo como premissa o fato de que a não impugnação de fundamentos da decisão agravada gera a preclusão da possibilidade de recorrer de tais tópicos.
12. Ante o exposto, os embargos de divergência devem ser providos para afastar, no caso concreto, a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, bem como determinar o retorno dos autos à Primeira Turma desta Corte Superior para o julgamento dos ulteriores termos do agravo interno.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"A Corte Especial, por unanimidade, conheceu dos embargos de divergência e deu-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Francisco Falcão, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi e o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Trata-se de embargos de divergência interpostos pela UNIÃO contra acórdão da Primeira Turma desta Corte Superior, da relatoria do Ministro Sérgio Kukina, assim ementado (fl. 1.539):
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO À TOTALIDADE DOS FUNDAMENTOS ADOTADOS NA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA.
1. A teor da Súmula 182/STJ, inviável se faz a apreciação do agravo interno que deixa de empreender combate específico a todos os fundamentos da decisão agravada.
2. Segundo entendimento consolidado na Primeira Turma desta Corte, admite-se o agravo interno parcial somente quando a parte recorrente informa que sua irresignação vai direcionada apenas contra específica parcela da decisão agravada, abrindo mão, expressamente, de impugnar o restante do julgado. Precedentes: AgInt no REsp 1.695.426/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/9/2018, DJe 21/9/2018; e AgInt no AREsp 1.163.354/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/9/2018, REPDJe 4/10/2018, DJe 25/9/2018.
3. Agravo interno não conhecido.
A embargante alega que o acórdão embargado adotou entendimento divergente externado pela Quarta Turma do STJ no seguinte julgado, assim ementado:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO RETROATIVIDADE. FUNDAMENTO ÚNICO E SUFICIENTE. IMPUGNAÇÃO. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. SÚMULA 7/STJ.
1. A ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo independente da decisão singular de mérito, proferida em recurso especial ou agravo, apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ.
2. Hipótese, ademais, em que impugnado no agravo interno, ainda que de forma sumária, o único fundamento suficiente do acórdão recorrido (e da decisão alvo do agravo interno), a saber, a aplicação retroativa da Lei 9.278/1996, sem o qual não se sustenta a solução de partilha igualitária de todos os bens do ex-casal.
3. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.
4. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição.
5. Os bens adquiridos a título oneroso a partir de 10.5.1996 e até à extinção da união estável, em decorrência da morte do varão, integram o patrimônio comum dos ex-conviventes e, portanto, devem ser partilhados em partes iguais entre eles, nos termos dos arts. 5º da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil.
6. A alteração da conclusão das instâncias de origem no tocante ao quanto os demandantes saíram vencedores ou vencidos, com a finalidade de apurar a ocorrência de sucumbência mínima ou recíproca, demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ.
7. Agravo interno e recurso especial providos.
(AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020)
Sustenta o embargante que os julgados confrontados divergem, em síntese, pelos seguintes argumentos: a) "no acórdão recorrido, restou decidido que não é cabível o agravo interno parcial, ou seja, que, na hipótese de decisão monocrática na qual seja possível identificar capítulos independentes e autônomos entre si, o agravante não pode optar por impugnar apenas um ou alguns desses capítulos, mas deve, ao contrário, impugnar todos (ainda que concorde com a decisão em certos pontos), sob pena de não-conhecimento do agravo interno." (fl. 1.562); b) "o acórdão aplicou a Súmula 182 do STJ, bem como interpretou os arts. 932, III, e 1.021, § 1º, do CPC/2015, no sentido da inadmissibilidade de agravo interno que impugna apenas um ou alguns dos capítulos da decisão monocrática, ainda que os demais (não impugnados) sejam independentes e autônomos daqueles objeto do recurso." (fl. 1.563); c) o "acórdão criou, também, um requisito inexistente para o conhecimento do agravo interno: nos casos em que este for parcial, deve a recorrente apresentar expressamente com quais capítulos da decisão agravada teria concordado. Tal exigência demonstra que, em suma, o acórdão não conhece do agravo interno parcial no qual haja a concordância tácita com o conteúdo de certos capítulos do julgado; admite o recurso parcial, portanto, excepcionalmente, exigindo uma preliminar que não encontra amparo no CPC/2015." (fl. 1.563); d) o "acórdão paradigma, conforme demonstrado, enfrentou a mesma controvérsia: analisou o cabimento de agravo interno parcial. O julgado, em sentido contrário ao acórdão ora recorrido, admitiu o agravo interno que impugnou apenas parte da decisão monocrática. E não fez nenhuma exigência extraordinária, como a apresentação de preliminar de concordância expressa com os capítulos da decisão não impugnados." (fl. 1.563); e) a "Quarta Turma, portanto, no acórdão trazido como paradigma, reconheceu cabível o chamado "agravo interno parcial", ao permitir que a parte, ao interpor o agravo interno, impugne apenas os capítulos da decisão monocrática que entender passíveis de reforma, dispondo do seu direito de recorrer dos pontos da decisão que, sendo independentes e autônomos, se apresentam corretos. E, nota-se, para essa admissão recursal não exigiu a apresentação de preliminar de concordância expressa com os capítulos da decisão não impugnados." (fl. 1.566); f) há distinção entre o presente recurso que trata de agravo interno parcial e o precedente da Corte Especial nos EAREsp 701.404/SC que versa sobre agravo em recurso especial parcial; g) o STJ está dividido quanto ao cabimento do agravo em recurso especial parcial. O voto traz julgados de algumas turmas no sentido da inadmissibilidade do agravo interno parcial. Entretanto, o que preocupa, no ponto, é a formação de uma jurisprudência no âmbito da 1ª Turma, no sentido de que somente é cabível o agravo interno parcial se a parte, ao recorrer, apresentar uma preliminar indicando expressamente os pontos que não deseja impugnar." (fl. 1.573); h) a "Súmula 182/STJ não pode exigir do recorrente que impugne todo e qualquer fundamento, todas as matérias tratadas na decisão recorrida, pois, se assim for, estará negando o direito da parte de interpor um recurso parcial. De outro lado, seria irrazoável e contraditório com a própria ideia de celeridade, economia e cooperação processual exigir que, para que seja conhecido um recurso, deva o recorrente impugnar todas as matérias da decisão judicial, mesmo aquelas nas quais concorda com os fundamentos da decisão e já não mais deseja litigar acerca delas." (fl. 1.574).
Requer o provimento dos embargos de divergência para reformar o acórdão embargado para prevalecer o entendimento da Quarta Turma sobre o tema.
O recurso uniformizador foi admitido por este Relator (fls. 1.738/1.740).
O embargado apresentou impugnação ao recurso (fls. 1.745/1.749).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento dos embargos de divergência (fls. 1.756/1.773).
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO SINGULAR PROFERIDA POR MINISTRO DO STJ. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL DE CAPÍTULOS AUTÔNOMOS (ART. 1.002 DO CPC). EFEITO DEVOLUTIVO. CAPÍTULOS NÃO IMPUGNADOS. PRECLUSÃO. REQUISITOS DO AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, § 1º, DO CPC). ENTENDIMENTO PACIFICADO PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (ERESP 1.424.424/SP). EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O tema contido no presente recurso uniformizador representa questão jurídica de efetiva divergência interpretativa no âmbito desta Corte Superior, relacionada a possibilidade de impugnação parcial em agravo interno dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministro no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.Em outras palavras, se é necessário impugnar todos os fundamentos da decisão impugnada por meio de agravo interno ou se é possível atacar apenas determinados capítulos autônomos, com a consequente preclusão dos capítulos não impugnados.
2. Entretanto, antes de iniciar a análise do mérito dos embargos de divergência propriamente dito, é necessário ressaltar que existia no âmbito desta Corte Superior efetiva interpretação controvertida relacionada à necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão do Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal de origem (TJ ou TRF) que inadmite o recurso especial, em sede de agravo em recurso especial.
3. A Corte Especial do STJ pacificou a tese jurídica no sentido de que todos os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, independentemente da autonomia dos fundamentos, devem ser impugnados no âmbito do agravo em recurso especial (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR, e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
4. O referido entendimento, em grande medida, influenciou a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de equiparar o mesmo raciocínio jurídico - a necessidade de impugnação de todos os fundamentos - à impugnação formulada em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática de Ministro desta Corte Superior. Tal raciocínio também foi influenciado pela jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, em razão da praxe forense, ao aplicar a regra da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) aos agravos em recurso especial, embora o referido enunciado sumular tenha sido editado para aplicação aos agravos internos (antigo art. 545 do CPC/1973), o que certamente contribuiu para interpretações divergentes no âmbito do STJ.
5. Assim, embora espécies recursais previstas no art. 994 do CPC, agravo em recurso especial e agravo interno são dotados de finalidades e características específicas, sendo inadequada a simples equiparação para quaisquer fins processuais. Portanto, como já ressaltado, a questão jurídica controvertida de natureza processual nos presentes embargos de divergência é diversa da hipótese pacificada pela Corte Especial. Estabelecida a indispensável distinção entre algumas das especificidades do caso dos autos, passo ao exame da questão jurídica controvertida relacionada à possibilidade de impugnação parcial da decisão agravada em agravo interno.
6. Em regra, toda decisão judicial pode ser proferida em capítulo único ou em capítulos autônomos, sendo a impugnação elemento central das razões recursais, conforme dispõe o princípio da dialeticidade. Na primeira hipótese, é indispensável que o recorrente apresente impugnação contra o único fundamento, sob pena de não conhecimento do recurso. Por sua vez, na segunda hipótese citada, quando existem mais de um capítulo, é necessário verificar se existe autonomia entre os capítulos decisórios para verificar, nos limites do efeito devolutivo do recurso, o que efetivamente foi impugnado pela parte recorrente.
7. Em outras palavras, não existindo autonomia entre os capítulos, o recurso deve impugnar todos os fundamentos, em sentido contrário, presente a autonomia de capítulos, o recorrente pode recorrer de todos eles ou apenas parcialmente, conforme seu interesse e eventual conformismo com a decisão judicial sobre o ponto específico. A referida possibilidade está expressamente prevista no art. 1.002 do CPC/2015, ao estabelecer que a "decisão pode ser impugnada no todo ou em parte". Sobre o tema, a lição de Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil - volume 4 (arts. 926 a 1.072). In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 273 e 364.
6. Por outro lado, o art. 1.021 do CPC/2015 estabelece o cabimento do agravo interno contra decisão proferida pelo relator para o respectivo órgão colegiado. Em síntese, o agravo interno devolve ao órgão julgador as questões impugnadas contidas na decisão monocrática proferida pelo relator. Nesse sentido: Araken de Assis (Manual dos Recursos. 8ª. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 684).
8. O art. 1.021, § 1º do CPC/2015 determina que a petição recursal impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada, ou seja, o agravante deve impugnar os capítulos autônomos que entender passíveis de recurso. Tal constatação não significa dizer que todos os capítulos autônomos da decisão devem ser impugnados, mas apenas aqueles que a parte agravante se insurgir, precluindo o direito de recorrer em relação aos demais pontos não recorridos. Entendimento contrário significaria dizer que a parte seria obrigada a impugnar todos os capítulos da decisão agravada, mesmo que concordasse com a decisão judicial, o que certamente contraria a lógica processual fundada no princípio devolutivo contido nos artigos 1.002 e 1.013 do CPC/2015. Nesse sentido: AgInt no AgInt no AREsp 1233736/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 13/05/2020).
9. A Corte Especial do STJ, em recente julgamento, pacificou o entendimento no sentido do cabimento de impugnação parcial de capítulos autônomos em sede de agravo interno, admitindo a desnecessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão recorrida e reconhecendo a preclusão dos capítulos não impugnados: "Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182 do STJ." (excerto da ementa do EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 17/11/2021).
10. No mesmo sentido: AgInt no AgInt no REsp 1470616/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 05/10/2021; AgInt no AgInt no AREsp 1556441/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020; AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020; AgInt no AREsp 556.665/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019; AgInt no AREsp 555.250/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018; AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015.
11. No caso dos autos, ao interpretar a aplicação da Súmula 182/STJ, a Egrégia Primeira Turma desta Corte Superior embora admita a impugnação parcial, exige que a parte apresente expressa manifestação de concordância parcial com a decisão proferida e parcialmente impugnada. Entretanto, diante da fundamentação contida no presente voto, não é adequado exigir da parte expressa concordância com determinados capítulos, tendo como premissa o fato de que a não impugnação de fundamentos da decisão agravada gera a preclusão da possibilidade de recorrer de tais tópicos.
12. Ante o exposto, os embargos de divergência devem ser providos para afastar, no caso concreto, a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, bem como determinar o retorno dos autos à Primeira Turma desta Corte Superior para o julgamento dos ulteriores termos do agravo interno.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 3/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
Os embargos de divergência merecem ser conhecidos, em razão da demonstração de divergência interna no âmbito do Superior Tribunal de Justiça relacionada ao mérito de interpretação de questão processual, nos termos do art. 1.043, I, § 2º, do CPC/2015.
O tema contido no presente recurso uniformizador representa questão jurídica de efetiva divergência interpretativa no âmbito desta Corte Superior, relacionada a possibilidade de impugnação parcial em agravo interno dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministro no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Em outras palavras, se é necessário impugnar todos os fundamentos da decisão impugnada por meio de agravo interno ou se é possível atacar apenas determinados capítulos autônomos, com a consequente preclusão dos capítulos não impugnados.
Entretanto, antes de iniciar a análise do mérito dos embargos de divergência propriamente dito, é necessário ressaltar que existia no âmbito desta Corte Superior efetiva interpretação controvertida relacionada à necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão do Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal de origem (TJ ou TRF) que inadmite o recurso especial, em sede de agravo em recurso especial.
A Corte Especial do STJ pacificou a tese jurídica no sentido de que todos os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, independentemente da autonomia dos fundamentos, devem ser impugnados no âmbito do agravo em recurso especial (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR, e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
Nesse sentido, a ementa do referido precedente:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. ART. 544, § 4º, I, DO CPC/1973. ENTENDIMENTO RENOVADO PELO NOVO CPC, ART. 932.
1. No tocante à admissibilidade recursal, é possível ao recorrente a eleição dos fundamentos objeto de sua insurgência, nos termos do art. 514, II, c/c o art. 505 do CPC/1973. Tal premissa, contudo, deve ser afastada quando houver expressa e específica disposição legal em sentido contrário, tal como ocorria quanto ao agravo contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial, tendo em vista o mandamento insculpido no art. 544, § 4º, I, do CPC, no sentido de que pode o relator "não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada" - o que foi reiterado pelo novel CPC, em seu art. 932.
2. A decisão que não admite o recurso especial tem como escopo exclusivo a apreciação dos pressupostos de admissibilidade recursal.
Seu dispositivo é único, ainda quando a fundamentação permita concluir pela presença de uma ou de várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, uma vez que registra, de forma unívoca, apenas a inadmissão do recurso. Não há, pois, capítulos autônomos nesta decisão.
3. A decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo, ressoando inequívoco, portanto, que a decisão agravada é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais.
4. Outrossim, conquanto não seja questão debatida nos autos, cumpre registrar que o posicionamento ora perfilhado encontra exceção na hipótese prevista no art. 1.042, caput, do CPC/2015, que veda o cabimento do agravo contra decisão do Tribunal a quo que inadmitir o recurso especial, com base na aplicação do entendimento consagrado no julgamento de recurso repetitivo, quando então será cabível apenas o agravo interno na Corte de origem, nos termos do art. 1.030, § 2º, do CPC.
5. Embargos de divergência não providos.
(EAREsp 701.404/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/09/2018, DJe 30/11/2018)
O referido entendimento, em grande medida, influenciou a jurisprudência deste Corte Superior no sentido de equiparar o mesmo raciocínio jurídico - a necessidade de impugnação de todos os fundamentos - à impugnação formulada em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Tal raciocínio também foi influenciado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, em razão da praxe forense, ao aplicar a regra da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) aos agravos em recurso especial, embora o referido enunciado sumular tenha sido editado para aplicação aos agravos internos (antigo art. 545 do CPC/1973), o que certamente contribuiu para interpretações divergentes no âmbito do STJ.
Inclusive, por ocasião do citado julgamento dos EAREsp 701.404/SC pela Corte Especial, apresentei voto vista no qual expressamente consignei:
"Por fim, faço uma ressalva de extrema importância para evitar eventuais equívocos de interpretação na aplicação da tese debatida no presente processo.
A obrigatoriedade de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada somente é aplicável na hipótese de agravo em recurso especial interposto contra a decisão do Tribunal de origem que não admite o recurso especial, mas tal regra não deve ser aplicada nas hipóteses de agravo regimental/interno interposto contra decisões dos Ministros desta Corte Superior.
Nas decisões monocráticas proferidas no âmbito deste Tribunal Superior, inequivocamente, pode ser reconhecida autonomia de fundamentos ou capítulos decisórios. Em tal hipótese, o efeito devolutivo do agravo regimental/interno permite ao julgador decidir estritamente nos limites estabelecidos pelo agravante nos referidos recursos.
Assim, a incidência da Súmula 182/STJ e a expressa previsão legal contida no art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, terá incidência nas hipóteses em que o agravante não apresenta impugnação aos fundamentos da decisão monocrática do Ministro do STJ ou se houver na decisão agravada capítulo autônomo impugnado parcialmente, ou seja, não impugnação de um dos fundamentos sobrepostos no mesmo capítulo.
A interpretação por analogia do dispositivo regimental específico do agravo em recurso especial no âmbito do agravo interno, considerando a expressão todos, exigiria do recorrente a impugnação de pontos autônomos contra os quais não mais existiria interesse da parte em recorrer, o que contraria a lógica da preclusão processual."
Assim, embora espécies recursais previstas no art. 994 do CPC, agravo em recurso especial e agravo interno são dotados de finalidades e características específicas, sendo inadequada a simples equiparação para quaisquer fins processuais.
Portanto, como já ressaltado, a questão jurídica controvertida de natureza processual nos presentes embargos de divergência é diversa da hipótese pacificada pela Corte Especial.
Estabelecida a indispensável distinção entre algumas das especificidades do caso dos autos, passo ao exame da questão jurídica controvertida relacionada à possibilidade de impugnação parcial da decisão agravada em agravo interno.
Em regra, toda decisão judicial pode ser proferida em capítulo único ou em capítulos autônomos, sendo a impugnação elemento central das razões recursais, conforme dispõe o princípio da dialeticidade. Na primeira hipótese, é indispensável que o recorrente apresente impugnação contra o único fundamento, sob pena de não conhecimento do recurso. Por sua vez, na segunda hipótese citada, quando existem mais de um capítulo, é necessário verificar se existe autonomia entre os fundamentos para verificar, nos limites do efeito devolutivo do recurso, o que efetivamente foi impugnado pela parte recorrente.
Em outras palavras, não existindo autonomia entre os capítulos, o recurso deve impugnar todos os fundamentos, em sentido contrário, presente a autonomia de capítulos, o recorrente pode recorrer de todos eles ou apenas parcialmente, conforme seu interesse e eventual conformismo com a decisão judicial sobre o ponto específico. A referida possibilidade está expressamente prevista no art. 1.002 do CPC/2015, ao estabelecer que a "decisão pode ser impugnada no todo ou em parte".
O tema é tratado por Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil - volume 4 (arts. 926 a 1.072). In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 273 e 364, respectivamente):
A extensão concerne à delimitação dos comandos decisórios ou de parcela de comando (quando há capítulos "decomponíveis") atingidos pelo recurso. É o recorte, no plano horizontal, de capítulo (s) decisório (s) (ou fração ou capítulo) impugnado (s). É delineada pelo pedido recursal.
A regra geral, prevista, expressamente para a apelação (art. 1.013, caput), mas em princípio aplicável a outras espécies recursais de fundamentação livre, é a de que o efeito devolutivo atinge apenas a "matéria impugnada".
Não apenas as sentenças comportam divisão em capítulos. É igualmente possível cindir ideologicamente (e a divisão em capítulos não passa de uma cisão ideológica, não material, do pronunciamento que persiste formalmente uno e divisível) as decisões interlocutórias. A divisão desses outros pronunciamentos judiciais também apresenta enorme utilidade prática, sobretudo no campo recursal. O mesmo evidentemente deve ser dito dos acórdãos, inclusive aqueles com conteúdo de decisão interlocutória.
Atento a isso, o legislador fez constar, no art. 1.002, que a decisão - i.e., qualquer pronunciamento com conteúdo decisório e, portanto, recorrível, e não apenas a sentença - pode ser impugnada no todo ou em parte.
Por outro lado, o art. 1.021 do CPC/2015 estabelece o cabimento do agravo interno contra decisão proferida pelo relator para o respectivo órgão colegiado. Em síntese, o agravo interno devolve ao órgão julgador as questões impugnadas contidas na decisão monocrática proferida pelo relator.
Araken de Assis (Manual dos Recursos. 8ª. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 684) esclarece que o "agravo de interno devolverá as questões impugnadas ao conhecimento do órgão ad quem. Não se cuida de julgar o recurso ordinário, se for este o caso, mas da impugnar o conteúdo da decisão do relator".
O art. 1.021, § 1º do CPC/2015 determina que a petição recursal impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada, ou seja, o agravante deve impugnar os capítulos autônomos que entender passíveis de recurso. Tal constatação não significa dizer que todos os capítulos autônomos da decisão devem ser impugnados, mas apenas aqueles que a parte agravante se insurgir, precluindo o direito de recorrer em relação aos demais pontos não recorridos.
Entendimento contrário significaria dizer que a parte seria obrigada a impugnar todos os capítulos da decisão agravada, mesmo que concordasse com a decisão judicial, o que certamente contraria a lógica processual fundada no princípio devolutivo contido nos artigos 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Em recente julgado, esta Corte Superior proclamou que o "efeito devolutivo expresso nos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015 consagra o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, que consiste em transferir ao tribunal ad quem todo o exame da matéria impugnada. Se a apelação for total, a devolução será total. Se parcial, parcial será a devolução. Assim, o tribunal fica adstrito apenas ao que foi impugnado no recurso." (excerto da ementa do AgInt no AgInt no AREsp 1233736/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 13/05/2020).
No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fls. 1.771/1.773):
"Ao comentar o art. 505 do revogado Código de Processo Civil de 1973 (art.1.002 do vigente Código), o Professor Barbosa Moreira observou que "o objeto da cognição no grau superior é delimitado pelo âmbito do recurso". E destacou as restrições cabíveis: "o que o órgão ad quem não pode fazer é ultrapassar os marcos postos pelo recorrente: assim como, no julgamento de primeiro grau, se tem de decidir a lide nos limites em que foi deduzida (art. 128) e não é possível conceder à parte mais do que pedira (art. 460), analogamente se passam as coisas no julgamento do recurso. Nem se faculta ao recorrente, depois de configurada alguma causa de inadmissibilidade (nomeadamente após o termo final do prazo de interposição), converter em total o recurso manifestado como parcial, ou de qualquer modo ampliar a impugnação".
Em relação ao agravo interno parcial, a Primeira Turma desse Superior Tribunal de Justiça exige que a parte se manifeste especificadamente sobre todos os capítulos autônomos constantes no recurso especial, seja para impugnar, seja para concordar em parte com os termos da decisão agravada, sob pena de não conhecimento do agravo interno, enquanto a Quarta Turma assentou que incumbe ao agravante se manifestar apenas em relação aos capítulos decisórios que pretende impugnar, sendo que a ausência de impugnação a um capítulo decisório autônomo "apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ" .
Tem-se que deve prevalecer o entendimento da Quarta Turma desse Superior Tribunal de Justiça, uma vez que é necessária a interpretação dos referidos dispositivos legais em conjunto com o previsto no artigo 4º do Código de Processo Civil:
As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
No caso de agravo interno parcial (CPC, art. 1.002) o agravante deve impugnar especificadamente (CPC, art. 1.021, § 1º) os fundamentos da parte da decisão que deseja ver reformada. Não está na lei a exigência de manifestação de expressa conformidade com a parte não impugnada.
O silêncio do agravante em relação aos capítulos decisórios autônomos que não pretende recorrer deve ser interpretado em favor do princípio da primazia do julgamento de mérito, ou seja, permitindo a análise pelo Colegiado dos temas meritórios que a parte entende passíveis de reforma e acarretando tão somente a preclusão do que não foi impugnado."
A Corte Especial do STJ, em recente julgamento, pacificou o entendimento no sentido do cabimento de impugnação parcial de capítulos autônomos em sede de agravo interno, admitindo a desnecessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão recorrida e reconhecendo a preclusão dos capítulos não impugnados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DESNECESSIDADE DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS CAPÍTULOS AUTÔNOMOS E/OU INDEPENDENTES DA DECISÃO MONOCRÁTICA AGRAVADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182/STJ.
1. A regra da dialeticidade - ônus do recorrente de apresentar os fundamentos de sua irresignação - constitui reflexo do princípio constitucional do contraditório e da necessária interação dialógica entre as partes e o magistrado, revelando-se como a outra face da vedação do arbítrio, pois, se o juiz não pode decidir sem fundamentar, "a parte não pode criticar sem explicar" (DOTTI, Rogéria. Todo defeito na fundamentação do recurso constitui vício insanável Impugnação específica, dialeticidade e o retorno da jurisprudência defensiva. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda; OLIVEIRA, Pedro Miranda de coord. . Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. Volume 14 livro eletrônico . São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018).
2. Tal dever de fundamentação da pretensão de reforma do provimento jurisdicional constitui requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos, que se enquadra na exigência de regularidade formal.
3. Nada obstante, via de regra, é possível eleger, em consonância com o interesse recursal, quais questões jurídicas - autônomas e independentes - serão objeto da insurgência, nos termos do artigo 1.002 do CPC de 2015. Assim, "considera-se total o recurso que abrange "todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida", porque toda ela pode não ser impugnável; e parcial o recurso que, por abstenção exclusiva do recorrente, "não compreenda a totalidade do conteúdo impugnável da decisão"" (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos livro eletrônico . 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).
4. O citado dispositivo legal - aplicável a todos os recursos - somente deve ser afastado quando há expressa e específica norma em sentido contrário, tal como ocorre com o agravo contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial, tendo em vista o mandamento insculpido no artigo 253, parágrafo único, inciso II, alínea "a", do RISTJ, segundo o qual compete ao relator não conhecer do agravo "que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida".
5. Sobre a aludida modalidade de recurso - agravo do artigo 544 do CPC de 1973, atualmente disciplinado pelo artigo 1.042 do CPC de 2015 -, a Corte Especial fixou a orientação no sentido de ser inafastável o dever do recorrente de impugnar especificamente todos os fundamentos que levaram à inadmissão do apelo extremo, não se podendo falar, na hipótese, em decisão cindível em capítulos autônomos e independentes (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
6. Como se constata, essa orientação jurisprudencial se restringe ao Agravo em Recurso Especial (AREsp) - ante a incindibilidade da conclusão exarada no juízo prévio negativo de admissibilidade do apelo extremo -, não alcançando, portanto, o Agravo Interno no Recurso Especial (AgInt no REsp) nem o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial (AgInt no AREsp), haja vista a possibilidade, em tese, de a decisão singular do relator ser decomposta em "capítulos", vale dizer unidades elementares e autônomas do dispositivo contido no provimento jurisdicional objeto do recurso.
7. A autonomia dos capítulos da sentença - lato sensu - apresenta dois significados: (i) o da possibilidade de cada parcela do petitum ser objeto de um processo separado, sendo meramente circunstancial a junção de várias pretensões em um único processo; e (ii) o da regência de cada pedido por pressupostos próprios, "que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressupostos dos demais" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: 2002, Malheiros, pp. 43-44).
8. O renomado autor aponta, ainda, a possibilidade de a decisão judicial conter "capítulos independentes" e "capítulos dependentes".
Nessa perspectiva, destaca que a dependência entre capítulos sentenciais se configura: (i) quando constatada relação de prejudicialidade entre duas pretensões, de modo que o julgamento de uma delas (prejudicial) determinará o teor do julgamento da outra (prejudicada); e (ii) entre o capítulo portador do julgamento do mérito e aquele que decidiu sobre a sua admissibilidade (DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., pp. 44-46).
9. Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182 do STJ.
10. Ressalte-se, contudo, o dever da parte de refutar "em tantos quantos forem os motivos autonomamente considerados" para manter os capítulos decisórios objeto do agravo interno total ou parcial (AgInt no AREsp 895.746/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 9.8.2016, DJe 19.8.2016).
11. Embargos de divergência providos para afastar a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, que deve ser reapreciado pela Primeira Turma desta colenda Corte.
(EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 17/11/2021)
Nesse sentido, julgados desta Corte Superior admitindo a impugnação parcial de fundamentos autônomos em agravo interno:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. OMISSÃO VERIFICADA. DISTINÇÃO ENTRE INSTITUTOS DO CHAMAMENTO AO PROCESSO E DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ARGUMENTO NÃO ANALISADO NA ORIGEM. AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. SÚMULA 182/STJ. CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. NÃO INCIDÊNCIA. FUNDAMENTOS ESSENCIAIS. INCIDÊNCIA.
1. A decisão agravada reconheceu a omissão por não ter a Corte de origem se manifestado acerca do instituto do litisconsórcio passivo necessário, limitando-se a afirmar descabido o chamamento ao processo.
2. Não incide a Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) ao agravo interno se a decisão combatida possui capítulos autônomos e algum deles deixa de ser impugnado, sendo viável a apreciação dos demais.
3. A hipótese do agravo interno é diversa daquela do agravo contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial na origem, porquanto esta, na linha da jurisprudência do STJ, possui capítulo único, qual seja, o descabimento do especial.
4. Por outro lado, aplica-se a Súmula 182/STJ ao agravo interno que deixa de contestar especificamente os fundamentos essenciais da decisão agravada. Hipótese em que a agravante não infirmou a existência da distinção apontada entre os institutos.
5. Agravo interno não conhecido.
(AgInt no AgInt no REsp 1470616/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 05/10/2021)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182/STJ À ESPÉCIE. PRAZO PRESCRICIONAL. QUESTÃO JURÍDICA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM. TESE DE ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DAS PENAS POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PREJUDICADA. TESE RESIDUAL. ANÁLISE PREJUDICADA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Consoante entendimento da Corte Especial do STJ, não se aplica o enunciado n. 182 da Súmula deste Tribunal às hipóteses em que o agravante procede à impugnação parcial, no agravo interno, da decisão atacada, podendo a parte, no mencionado recurso, insurgir-se apenas contra alguns capítulos decisórios.
2. A questão relativa ao prazo prescricional, suscitada nos aclaratórios, não foi objeto de exame fundamentado pelo Tribunal de origem, impondo-se a devolução dos autos à segunda instância para que sobre ela se pronuncie.
3. Não cabe a esta Corte Superior se manifestar sobre a afirmação de que a verdade dos fatos teria sido alterada pela parte contrária, uma vez que tal questão jurídica não se encontra prequestionada, tornando prejudicada a pretensão de incidência das penas por litigância de má-fé.
4. Fica também prejudicada a análise da tese jurídica residual, tendo em vista que ela tem como pressuposto o acolhimento de alguma das alegações anteriores, o que não ocorreu no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1556441/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO RETROATIVIDADE.
FUNDAMENTO ÚNICO E SUFICIENTE. IMPUGNAÇÃO. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. SÚMULA 7/STJ.
1. A ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo independente da decisão singular de mérito, proferida em recurso especial ou agravo, apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ.
2. Hipótese, ademais, em que impugnado no agravo interno, ainda que de forma sumária, o único fundamento suficiente do acórdão recorrido (e da decisão alvo do agravo interno), a saber, a aplicação retroativa da Lei 9.278/1996, sem o qual não se sustenta a solução de partilha igualitária de todos os bens do ex-casal.
3. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.
4. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição.
5. Os bens adquiridos a título oneroso a partir de 10.5.1996 e até à extinção da união estável, em decorrência da morte do varão, integram o patrimônio comum dos ex-conviventes e, portanto, devem ser partilhados em partes iguais entre eles, nos termos dos arts. 5º da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil.
6. A alteração da conclusão das instâncias de origem no tocante ao quanto os demandantes saíram vencedores ou vencidos, com a finalidade de apurar a ocorrência de sucumbência mínima ou recíproca, demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ.
7. Agravo interno e recurso especial providos.
(AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SEGURO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMPLES TRANSCRIÇÃO DE EMENTAS. SÚMULA N. 284/STF. CAPÍTULO AUTÔNOMO DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. PRECLUSÃO. DECISÃO MANTIDA.
1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte local pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em princípio, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo. O fato de o Tribunal de origem não ter adotado a tese defendida pela parte recorrente não configura negativa de prestação jurisdicional.
2. A simples transcrição de ementas, sem cotejo analítico apto à demonstração da similitude fática entre o acórdão recorrido e os paradigmas, impede o conhecimento do especial pela alínea "c" do permissivo constitucional.
3. A falta de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo da decisão recorrida conduz à preclusão da matéria.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 556.665/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO DE COBRANÇA - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO À INSURGÊNCIA. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA.
1. A impugnação, no agravo interno, de capítulos autônomos da decisão recorrida induz a preclusão das matérias não impugnadas. Precedentes: AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015; e AgInt no AREsp 211.137/SP, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017.
2. No que diz respeito à análise da subsunção ou não da invalidez do segurado, constatada nos autos, ao risco expressamente acobertado no contrato de seguro, alterar o entendimento do acórdão recorrido demandaria reexame do conjunto fático probatório dos autos e interpretação de cláusula contratual, o que é vedado em razão da incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 555.250/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. IMPUGNAÇÃO PARCIAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA 182 DO STJ. INAPLICABILIDADE. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA N. 284 DO STF. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. REVISÃO DE FATOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. MATÉRIA PRECLUSA. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA INATACADO. JUROS DE MORA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. A impugnação, no agravo regimental, de capítulos autônomos da decisão recorrida apenas induz preclusão das matérias não impugnadas, mas não impede o conhecimento do recurso, afastando-se a incidência da Súmula n. 182 do STJ.
2. Incide o óbice previsto na Súmula n. 284 do STF na hipótese em que a deficiência da fundamentação do recurso não permite a exata compreensão da controvérsia.
3. Tendo o Tribunal a quo arbitrado a verba honorária, com base no § 4º do art. 20 do CPC, fazendo expressa referência às circunstâncias próprias e específicas da causa - zelo do profissional, local de prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido para o serviço -, a modificação do julgado não dispensa o reexame de tais circunstâncias, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
4. A ausência de impugnação do fundamento da decisão agravada alusivo ao termo inicial da correção monetária torna preclusa a matéria.
5. Não se admite que a parte, em agravo regimental, inove na argumentação, trazendo questões não aduzidas no recurso especial.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015)
No caso dos autos, ao interpretar a aplicação da Súmula 182/STJ, a Egrégia Primeira Turma desta Corte Superior compreendeu que: a) "mesmo no agravo interno, incumbe ao agravante se insurgir contra todos os capítulos específicos e autônomos da decisão agravada. De outro lado, passou a admitir a impugnação parcial apenas nas hipóteses em que a parte manifesta expressamente que a sua irresignação se volta somente contra parcela do julgado, havendo concordância com o restante"; b) assim, "afasta-se a incidência da Súmula n. 182/STJ quando, embora o Agravo Interno não impugne todos os fundamentos da decisão recorrida, a parte recorrente manifesta, expressamente, a concordância com a solução alcançada pelo julgador, desde que o capítulo em relação ao qual a desistência foi manifestada seja independente e não interfira na análise do mérito da irresignação" (AgInt no REsp 1.695.426/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/9/2018, DJe 21/9/2018)."
Em síntese, o referido Órgão Julgador, embora admita a impugnação parcial, exige que a parte apresente expressa manifestação de concordância parcial com a decisão proferida e parcialmente impugnada. Entretanto, diante da fundamentação contida no presente voto, não é adequado exigir da parte expressa concordância com determinados capítulos, tendo como premissa o fato de que a não impugnação de fundamentos da decisão agravada gera a preclusão da possibilidade de recorrer de tais tópicos.
Ante o exposto, dou provimento aos embargos de divergência para afastar, no caso concreto, a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, bem como determinar o retorno dos autos à Primeira Turma desta Corte Superior para o julgamento dos ulteriores termos do agravo interno.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento:
"A Corte Especial, por unanimidade, conheceu dos embargos de divergência e deu-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator."
Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino, Maria Isabel Gallotti, Francisco Falcão, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Nancy Andrighi e o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Trata-se de embargos de divergência interpostos pela UNIÃO contra acórdão da Primeira Turma desta Corte Superior, da relatoria do Ministro Sérgio Kukina, assim ementado (fl. 1.539):
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO À TOTALIDADE DOS FUNDAMENTOS ADOTADOS NA DECISÃO AGRAVADA. SÚMULA 182/STJ. INCIDÊNCIA.
1. A teor da Súmula 182/STJ, inviável se faz a apreciação do agravo interno que deixa de empreender combate específico a todos os fundamentos da decisão agravada.
2. Segundo entendimento consolidado na Primeira Turma desta Corte, admite-se o agravo interno parcial somente quando a parte recorrente informa que sua irresignação vai direcionada apenas contra específica parcela da decisão agravada, abrindo mão, expressamente, de impugnar o restante do julgado. Precedentes: AgInt no REsp 1.695.426/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/9/2018, DJe 21/9/2018; e AgInt no AREsp 1.163.354/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 4/9/2018, REPDJe 4/10/2018, DJe 25/9/2018.
3. Agravo interno não conhecido.
A embargante alega que o acórdão embargado adotou entendimento divergente externado pela Quarta Turma do STJ no seguinte julgado, assim ementado:
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO RETROATIVIDADE. FUNDAMENTO ÚNICO E SUFICIENTE. IMPUGNAÇÃO. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. SÚMULA 7/STJ.
1. A ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo independente da decisão singular de mérito, proferida em recurso especial ou agravo, apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ.
2. Hipótese, ademais, em que impugnado no agravo interno, ainda que de forma sumária, o único fundamento suficiente do acórdão recorrido (e da decisão alvo do agravo interno), a saber, a aplicação retroativa da Lei 9.278/1996, sem o qual não se sustenta a solução de partilha igualitária de todos os bens do ex-casal.
3. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.
4. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição.
5. Os bens adquiridos a título oneroso a partir de 10.5.1996 e até à extinção da união estável, em decorrência da morte do varão, integram o patrimônio comum dos ex-conviventes e, portanto, devem ser partilhados em partes iguais entre eles, nos termos dos arts. 5º da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil.
6. A alteração da conclusão das instâncias de origem no tocante ao quanto os demandantes saíram vencedores ou vencidos, com a finalidade de apurar a ocorrência de sucumbência mínima ou recíproca, demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ.
7. Agravo interno e recurso especial providos.
(AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020)
Sustenta o embargante que os julgados confrontados divergem, em síntese, pelos seguintes argumentos: a) "no acórdão recorrido, restou decidido que não é cabível o agravo interno parcial, ou seja, que, na hipótese de decisão monocrática na qual seja possível identificar capítulos independentes e autônomos entre si, o agravante não pode optar por impugnar apenas um ou alguns desses capítulos, mas deve, ao contrário, impugnar todos (ainda que concorde com a decisão em certos pontos), sob pena de não-conhecimento do agravo interno." (fl. 1.562); b) "o acórdão aplicou a Súmula 182 do STJ, bem como interpretou os arts. 932, III, e 1.021, § 1º, do CPC/2015, no sentido da inadmissibilidade de agravo interno que impugna apenas um ou alguns dos capítulos da decisão monocrática, ainda que os demais (não impugnados) sejam independentes e autônomos daqueles objeto do recurso." (fl. 1.563); c) o "acórdão criou, também, um requisito inexistente para o conhecimento do agravo interno: nos casos em que este for parcial, deve a recorrente apresentar expressamente com quais capítulos da decisão agravada teria concordado. Tal exigência demonstra que, em suma, o acórdão não conhece do agravo interno parcial no qual haja a concordância tácita com o conteúdo de certos capítulos do julgado; admite o recurso parcial, portanto, excepcionalmente, exigindo uma preliminar que não encontra amparo no CPC/2015." (fl. 1.563); d) o "acórdão paradigma, conforme demonstrado, enfrentou a mesma controvérsia: analisou o cabimento de agravo interno parcial. O julgado, em sentido contrário ao acórdão ora recorrido, admitiu o agravo interno que impugnou apenas parte da decisão monocrática. E não fez nenhuma exigência extraordinária, como a apresentação de preliminar de concordância expressa com os capítulos da decisão não impugnados." (fl. 1.563); e) a "Quarta Turma, portanto, no acórdão trazido como paradigma, reconheceu cabível o chamado "agravo interno parcial", ao permitir que a parte, ao interpor o agravo interno, impugne apenas os capítulos da decisão monocrática que entender passíveis de reforma, dispondo do seu direito de recorrer dos pontos da decisão que, sendo independentes e autônomos, se apresentam corretos. E, nota-se, para essa admissão recursal não exigiu a apresentação de preliminar de concordância expressa com os capítulos da decisão não impugnados." (fl. 1.566); f) há distinção entre o presente recurso que trata de agravo interno parcial e o precedente da Corte Especial nos EAREsp 701.404/SC que versa sobre agravo em recurso especial parcial; g) o STJ está dividido quanto ao cabimento do agravo em recurso especial parcial. O voto traz julgados de algumas turmas no sentido da inadmissibilidade do agravo interno parcial. Entretanto, o que preocupa, no ponto, é a formação de uma jurisprudência no âmbito da 1ª Turma, no sentido de que somente é cabível o agravo interno parcial se a parte, ao recorrer, apresentar uma preliminar indicando expressamente os pontos que não deseja impugnar." (fl. 1.573); h) a "Súmula 182/STJ não pode exigir do recorrente que impugne todo e qualquer fundamento, todas as matérias tratadas na decisão recorrida, pois, se assim for, estará negando o direito da parte de interpor um recurso parcial. De outro lado, seria irrazoável e contraditório com a própria ideia de celeridade, economia e cooperação processual exigir que, para que seja conhecido um recurso, deva o recorrente impugnar todas as matérias da decisão judicial, mesmo aquelas nas quais concorda com os fundamentos da decisão e já não mais deseja litigar acerca delas." (fl. 1.574).
Requer o provimento dos embargos de divergência para reformar o acórdão embargado para prevalecer o entendimento da Quarta Turma sobre o tema.
O recurso uniformizador foi admitido por este Relator (fls. 1.738/1.740).
O embargado apresentou impugnação ao recurso (fls. 1.745/1.749).
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento dos embargos de divergência (fls. 1.756/1.773).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES (Relator):
Inicialmente é necessário consignar que o presente recurso atrai a incidência do Enunciado Administrativo n. 3/STJ: "Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC".
Os embargos de divergência merecem ser conhecidos, em razão da demonstração de divergência interna no âmbito do Superior Tribunal de Justiça relacionada ao mérito de interpretação de questão processual, nos termos do art. 1.043, I, § 2º, do CPC/2015.
O tema contido no presente recurso uniformizador representa questão jurídica de efetiva divergência interpretativa no âmbito desta Corte Superior, relacionada a possibilidade de impugnação parcial em agravo interno dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministro no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.
Em outras palavras, se é necessário impugnar todos os fundamentos da decisão impugnada por meio de agravo interno ou se é possível atacar apenas determinados capítulos autônomos, com a consequente preclusão dos capítulos não impugnados.
Entretanto, antes de iniciar a análise do mérito dos embargos de divergência propriamente dito, é necessário ressaltar que existia no âmbito desta Corte Superior efetiva interpretação controvertida relacionada à necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão do Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal de origem (TJ ou TRF) que inadmite o recurso especial, em sede de agravo em recurso especial.
A Corte Especial do STJ pacificou a tese jurídica no sentido de que todos os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, independentemente da autonomia dos fundamentos, devem ser impugnados no âmbito do agravo em recurso especial (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR, e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
Nesse sentido, a ementa do referido precedente:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DE TODOS OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. ART. 544, § 4º, I, DO CPC/1973. ENTENDIMENTO RENOVADO PELO NOVO CPC, ART. 932.
1. No tocante à admissibilidade recursal, é possível ao recorrente a eleição dos fundamentos objeto de sua insurgência, nos termos do art. 514, II, c/c o art. 505 do CPC/1973. Tal premissa, contudo, deve ser afastada quando houver expressa e específica disposição legal em sentido contrário, tal como ocorria quanto ao agravo contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial, tendo em vista o mandamento insculpido no art. 544, § 4º, I, do CPC, no sentido de que pode o relator "não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada" - o que foi reiterado pelo novel CPC, em seu art. 932.
2. A decisão que não admite o recurso especial tem como escopo exclusivo a apreciação dos pressupostos de admissibilidade recursal.
Seu dispositivo é único, ainda quando a fundamentação permita concluir pela presença de uma ou de várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, uma vez que registra, de forma unívoca, apenas a inadmissão do recurso. Não há, pois, capítulos autônomos nesta decisão.
3. A decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo, ressoando inequívoco, portanto, que a decisão agravada é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais.
4. Outrossim, conquanto não seja questão debatida nos autos, cumpre registrar que o posicionamento ora perfilhado encontra exceção na hipótese prevista no art. 1.042, caput, do CPC/2015, que veda o cabimento do agravo contra decisão do Tribunal a quo que inadmitir o recurso especial, com base na aplicação do entendimento consagrado no julgamento de recurso repetitivo, quando então será cabível apenas o agravo interno na Corte de origem, nos termos do art. 1.030, § 2º, do CPC.
5. Embargos de divergência não providos.
(EAREsp 701.404/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/09/2018, DJe 30/11/2018)
O referido entendimento, em grande medida, influenciou a jurisprudência deste Corte Superior no sentido de equiparar o mesmo raciocínio jurídico - a necessidade de impugnação de todos os fundamentos - à impugnação formulada em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Tal raciocínio também foi influenciado pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, em razão da praxe forense, ao aplicar a regra da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) aos agravos em recurso especial, embora o referido enunciado sumular tenha sido editado para aplicação aos agravos internos (antigo art. 545 do CPC/1973), o que certamente contribuiu para interpretações divergentes no âmbito do STJ.
Inclusive, por ocasião do citado julgamento dos EAREsp 701.404/SC pela Corte Especial, apresentei voto vista no qual expressamente consignei:
"Por fim, faço uma ressalva de extrema importância para evitar eventuais equívocos de interpretação na aplicação da tese debatida no presente processo.
A obrigatoriedade de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada somente é aplicável na hipótese de agravo em recurso especial interposto contra a decisão do Tribunal de origem que não admite o recurso especial, mas tal regra não deve ser aplicada nas hipóteses de agravo regimental/interno interposto contra decisões dos Ministros desta Corte Superior.
Nas decisões monocráticas proferidas no âmbito deste Tribunal Superior, inequivocamente, pode ser reconhecida autonomia de fundamentos ou capítulos decisórios. Em tal hipótese, o efeito devolutivo do agravo regimental/interno permite ao julgador decidir estritamente nos limites estabelecidos pelo agravante nos referidos recursos.
Assim, a incidência da Súmula 182/STJ e a expressa previsão legal contida no art. 1.021, § 1º, do CPC/2015, terá incidência nas hipóteses em que o agravante não apresenta impugnação aos fundamentos da decisão monocrática do Ministro do STJ ou se houver na decisão agravada capítulo autônomo impugnado parcialmente, ou seja, não impugnação de um dos fundamentos sobrepostos no mesmo capítulo.
A interpretação por analogia do dispositivo regimental específico do agravo em recurso especial no âmbito do agravo interno, considerando a expressão todos, exigiria do recorrente a impugnação de pontos autônomos contra os quais não mais existiria interesse da parte em recorrer, o que contraria a lógica da preclusão processual."
Assim, embora espécies recursais previstas no art. 994 do CPC, agravo em recurso especial e agravo interno são dotados de finalidades e características específicas, sendo inadequada a simples equiparação para quaisquer fins processuais.
Portanto, como já ressaltado, a questão jurídica controvertida de natureza processual nos presentes embargos de divergência é diversa da hipótese pacificada pela Corte Especial.
Estabelecida a indispensável distinção entre algumas das especificidades do caso dos autos, passo ao exame da questão jurídica controvertida relacionada à possibilidade de impugnação parcial da decisão agravada em agravo interno.
Em regra, toda decisão judicial pode ser proferida em capítulo único ou em capítulos autônomos, sendo a impugnação elemento central das razões recursais, conforme dispõe o princípio da dialeticidade. Na primeira hipótese, é indispensável que o recorrente apresente impugnação contra o único fundamento, sob pena de não conhecimento do recurso. Por sua vez, na segunda hipótese citada, quando existem mais de um capítulo, é necessário verificar se existe autonomia entre os fundamentos para verificar, nos limites do efeito devolutivo do recurso, o que efetivamente foi impugnado pela parte recorrente.
Em outras palavras, não existindo autonomia entre os capítulos, o recurso deve impugnar todos os fundamentos, em sentido contrário, presente a autonomia de capítulos, o recorrente pode recorrer de todos eles ou apenas parcialmente, conforme seu interesse e eventual conformismo com a decisão judicial sobre o ponto específico. A referida possibilidade está expressamente prevista no art. 1.002 do CPC/2015, ao estabelecer que a "decisão pode ser impugnada no todo ou em parte".
O tema é tratado por Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil - volume 4 (arts. 926 a 1.072). In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 273 e 364, respectivamente):
A extensão concerne à delimitação dos comandos decisórios ou de parcela de comando (quando há capítulos "decomponíveis") atingidos pelo recurso. É o recorte, no plano horizontal, de capítulo (s) decisório (s) (ou fração ou capítulo) impugnado (s). É delineada pelo pedido recursal.
A regra geral, prevista, expressamente para a apelação (art. 1.013, caput), mas em princípio aplicável a outras espécies recursais de fundamentação livre, é a de que o efeito devolutivo atinge apenas a "matéria impugnada".
Não apenas as sentenças comportam divisão em capítulos. É igualmente possível cindir ideologicamente (e a divisão em capítulos não passa de uma cisão ideológica, não material, do pronunciamento que persiste formalmente uno e divisível) as decisões interlocutórias. A divisão desses outros pronunciamentos judiciais também apresenta enorme utilidade prática, sobretudo no campo recursal. O mesmo evidentemente deve ser dito dos acórdãos, inclusive aqueles com conteúdo de decisão interlocutória.
Atento a isso, o legislador fez constar, no art. 1.002, que a decisão - i.e., qualquer pronunciamento com conteúdo decisório e, portanto, recorrível, e não apenas a sentença - pode ser impugnada no todo ou em parte.
Por outro lado, o art. 1.021 do CPC/2015 estabelece o cabimento do agravo interno contra decisão proferida pelo relator para o respectivo órgão colegiado. Em síntese, o agravo interno devolve ao órgão julgador as questões impugnadas contidas na decisão monocrática proferida pelo relator.
Araken de Assis (Manual dos Recursos. 8ª. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 684) esclarece que o "agravo de interno devolverá as questões impugnadas ao conhecimento do órgão ad quem. Não se cuida de julgar o recurso ordinário, se for este o caso, mas da impugnar o conteúdo da decisão do relator".
O art. 1.021, § 1º do CPC/2015 determina que a petição recursal impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada, ou seja, o agravante deve impugnar os capítulos autônomos que entender passíveis de recurso. Tal constatação não significa dizer que todos os capítulos autônomos da decisão devem ser impugnados, mas apenas aqueles que a parte agravante se insurgir, precluindo o direito de recorrer em relação aos demais pontos não recorridos.
Entendimento contrário significaria dizer que a parte seria obrigada a impugnar todos os capítulos da decisão agravada, mesmo que concordasse com a decisão judicial, o que certamente contraria a lógica processual fundada no princípio devolutivo contido nos artigos 1.002 e 1.013 do CPC/2015.
Em recente julgado, esta Corte Superior proclamou que o "efeito devolutivo expresso nos arts. 1.002 e 1.013 do CPC/2015 consagra o princípio do tantum devolutum quantum appellatum, que consiste em transferir ao tribunal ad quem todo o exame da matéria impugnada. Se a apelação for total, a devolução será total. Se parcial, parcial será a devolução. Assim, o tribunal fica adstrito apenas ao que foi impugnado no recurso." (excerto da ementa do AgInt no AgInt no AREsp 1233736/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 13/05/2020).
No mesmo sentido, o parecer do Ministério Público Federal (fls. 1.771/1.773):
"Ao comentar o art. 505 do revogado Código de Processo Civil de 1973 (art.1.002 do vigente Código), o Professor Barbosa Moreira observou que "o objeto da cognição no grau superior é delimitado pelo âmbito do recurso". E destacou as restrições cabíveis: "o que o órgão ad quem não pode fazer é ultrapassar os marcos postos pelo recorrente: assim como, no julgamento de primeiro grau, se tem de decidir a lide nos limites em que foi deduzida (art. 128) e não é possível conceder à parte mais do que pedira (art. 460), analogamente se passam as coisas no julgamento do recurso. Nem se faculta ao recorrente, depois de configurada alguma causa de inadmissibilidade (nomeadamente após o termo final do prazo de interposição), converter em total o recurso manifestado como parcial, ou de qualquer modo ampliar a impugnação".
Em relação ao agravo interno parcial, a Primeira Turma desse Superior Tribunal de Justiça exige que a parte se manifeste especificadamente sobre todos os capítulos autônomos constantes no recurso especial, seja para impugnar, seja para concordar em parte com os termos da decisão agravada, sob pena de não conhecimento do agravo interno, enquanto a Quarta Turma assentou que incumbe ao agravante se manifestar apenas em relação aos capítulos decisórios que pretende impugnar, sendo que a ausência de impugnação a um capítulo decisório autônomo "apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ" .
Tem-se que deve prevalecer o entendimento da Quarta Turma desse Superior Tribunal de Justiça, uma vez que é necessária a interpretação dos referidos dispositivos legais em conjunto com o previsto no artigo 4º do Código de Processo Civil:
As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
No caso de agravo interno parcial (CPC, art. 1.002) o agravante deve impugnar especificadamente (CPC, art. 1.021, § 1º) os fundamentos da parte da decisão que deseja ver reformada. Não está na lei a exigência de manifestação de expressa conformidade com a parte não impugnada.
O silêncio do agravante em relação aos capítulos decisórios autônomos que não pretende recorrer deve ser interpretado em favor do princípio da primazia do julgamento de mérito, ou seja, permitindo a análise pelo Colegiado dos temas meritórios que a parte entende passíveis de reforma e acarretando tão somente a preclusão do que não foi impugnado."
A Corte Especial do STJ, em recente julgamento, pacificou o entendimento no sentido do cabimento de impugnação parcial de capítulos autônomos em sede de agravo interno, admitindo a desnecessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão recorrida e reconhecendo a preclusão dos capítulos não impugnados:
EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO. DESNECESSIDADE DE IMPUGNAÇÃO DE TODOS OS CAPÍTULOS AUTÔNOMOS E/OU INDEPENDENTES DA DECISÃO MONOCRÁTICA AGRAVADA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182/STJ.
1. A regra da dialeticidade - ônus do recorrente de apresentar os fundamentos de sua irresignação - constitui reflexo do princípio constitucional do contraditório e da necessária interação dialógica entre as partes e o magistrado, revelando-se como a outra face da vedação do arbítrio, pois, se o juiz não pode decidir sem fundamentar, "a parte não pode criticar sem explicar" (DOTTI, Rogéria. Todo defeito na fundamentação do recurso constitui vício insanável Impugnação específica, dialeticidade e o retorno da jurisprudência defensiva. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda; OLIVEIRA, Pedro Miranda de coord. . Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. Volume 14 livro eletrônico . São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018).
2. Tal dever de fundamentação da pretensão de reforma do provimento jurisdicional constitui requisito extrínseco de admissibilidade dos recursos, que se enquadra na exigência de regularidade formal.
3. Nada obstante, via de regra, é possível eleger, em consonância com o interesse recursal, quais questões jurídicas - autônomas e independentes - serão objeto da insurgência, nos termos do artigo 1.002 do CPC de 2015. Assim, "considera-se total o recurso que abrange "todo o conteúdo impugnável da decisão recorrida", porque toda ela pode não ser impugnável; e parcial o recurso que, por abstenção exclusiva do recorrente, "não compreenda a totalidade do conteúdo impugnável da decisão"" (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos livro eletrônico . 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).
4. O citado dispositivo legal - aplicável a todos os recursos - somente deve ser afastado quando há expressa e específica norma em sentido contrário, tal como ocorre com o agravo contra decisão denegatória de admissibilidade do recurso especial, tendo em vista o mandamento insculpido no artigo 253, parágrafo único, inciso II, alínea "a", do RISTJ, segundo o qual compete ao relator não conhecer do agravo "que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida".
5. Sobre a aludida modalidade de recurso - agravo do artigo 544 do CPC de 1973, atualmente disciplinado pelo artigo 1.042 do CPC de 2015 -, a Corte Especial fixou a orientação no sentido de ser inafastável o dever do recorrente de impugnar especificamente todos os fundamentos que levaram à inadmissão do apelo extremo, não se podendo falar, na hipótese, em decisão cindível em capítulos autônomos e independentes (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
6. Como se constata, essa orientação jurisprudencial se restringe ao Agravo em Recurso Especial (AREsp) - ante a incindibilidade da conclusão exarada no juízo prévio negativo de admissibilidade do apelo extremo -, não alcançando, portanto, o Agravo Interno no Recurso Especial (AgInt no REsp) nem o Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial (AgInt no AREsp), haja vista a possibilidade, em tese, de a decisão singular do relator ser decomposta em "capítulos", vale dizer unidades elementares e autônomas do dispositivo contido no provimento jurisdicional objeto do recurso.
7. A autonomia dos capítulos da sentença - lato sensu - apresenta dois significados: (i) o da possibilidade de cada parcela do petitum ser objeto de um processo separado, sendo meramente circunstancial a junção de várias pretensões em um único processo; e (ii) o da regência de cada pedido por pressupostos próprios, "que não se confundem necessariamente nem por inteiro com os pressupostos dos demais" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Capítulos de sentença. São Paulo: 2002, Malheiros, pp. 43-44).
8. O renomado autor aponta, ainda, a possibilidade de a decisão judicial conter "capítulos independentes" e "capítulos dependentes".
Nessa perspectiva, destaca que a dependência entre capítulos sentenciais se configura: (i) quando constatada relação de prejudicialidade entre duas pretensões, de modo que o julgamento de uma delas (prejudicial) determinará o teor do julgamento da outra (prejudicada); e (ii) entre o capítulo portador do julgamento do mérito e aquele que decidiu sobre a sua admissibilidade (DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., pp. 44-46).
9. Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182 do STJ.
10. Ressalte-se, contudo, o dever da parte de refutar "em tantos quantos forem os motivos autonomamente considerados" para manter os capítulos decisórios objeto do agravo interno total ou parcial (AgInt no AREsp 895.746/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 9.8.2016, DJe 19.8.2016).
11. Embargos de divergência providos para afastar a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, que deve ser reapreciado pela Primeira Turma desta colenda Corte.
(EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 17/11/2021)
Nesse sentido, julgados desta Corte Superior admitindo a impugnação parcial de fundamentos autônomos em agravo interno:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. OMISSÃO VERIFICADA. DISTINÇÃO ENTRE INSTITUTOS DO CHAMAMENTO AO PROCESSO E DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. ARGUMENTO NÃO ANALISADO NA ORIGEM. AGRAVO INTERNO. IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. SÚMULA 182/STJ. CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. NÃO INCIDÊNCIA. FUNDAMENTOS ESSENCIAIS. INCIDÊNCIA.
1. A decisão agravada reconheceu a omissão por não ter a Corte de origem se manifestado acerca do instituto do litisconsórcio passivo necessário, limitando-se a afirmar descabido o chamamento ao processo.
2. Não incide a Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) ao agravo interno se a decisão combatida possui capítulos autônomos e algum deles deixa de ser impugnado, sendo viável a apreciação dos demais.
3. A hipótese do agravo interno é diversa daquela do agravo contra decisão de inadmissibilidade do recurso especial na origem, porquanto esta, na linha da jurisprudência do STJ, possui capítulo único, qual seja, o descabimento do especial.
4. Por outro lado, aplica-se a Súmula 182/STJ ao agravo interno que deixa de contestar especificamente os fundamentos essenciais da decisão agravada. Hipótese em que a agravante não infirmou a existência da distinção apontada entre os institutos.
5. Agravo interno não conhecido.
(AgInt no AgInt no REsp 1470616/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 05/10/2021)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 182/STJ À ESPÉCIE. PRAZO PRESCRICIONAL. QUESTÃO JURÍDICA NÃO APRECIADA PELO TRIBUNAL ESTADUAL. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À INSTÂNCIA DE ORIGEM. TESE DE ALTERAÇÃO DA VERDADE DOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. MATÉRIA NÃO PREQUESTIONADA. PRETENSÃO DE INCIDÊNCIA DAS PENAS POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ PREJUDICADA. TESE RESIDUAL. ANÁLISE PREJUDICADA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Consoante entendimento da Corte Especial do STJ, não se aplica o enunciado n. 182 da Súmula deste Tribunal às hipóteses em que o agravante procede à impugnação parcial, no agravo interno, da decisão atacada, podendo a parte, no mencionado recurso, insurgir-se apenas contra alguns capítulos decisórios.
2. A questão relativa ao prazo prescricional, suscitada nos aclaratórios, não foi objeto de exame fundamentado pelo Tribunal de origem, impondo-se a devolução dos autos à segunda instância para que sobre ela se pronuncie.
3. Não cabe a esta Corte Superior se manifestar sobre a afirmação de que a verdade dos fatos teria sido alterada pela parte contrária, uma vez que tal questão jurídica não se encontra prequestionada, tornando prejudicada a pretensão de incidência das penas por litigância de má-fé.
4. Fica também prejudicada a análise da tese jurídica residual, tendo em vista que ela tem como pressuposto o acolhimento de alguma das alegações anteriores, o que não ocorreu no caso.
5. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1556441/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020)
AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO ANTERIOR E DISSOLUÇÃO POSTERIOR À LEI 9.278/96. BENS ADQUIRIDOS ONEROSAMENTE ANTES DE SUA VIGÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA. APLICAÇÃO RETROATIVIDADE.
FUNDAMENTO ÚNICO E SUFICIENTE. IMPUGNAÇÃO. SÚMULA 182/STJ. NÃO INCIDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. SÚMULA 7/STJ.
1. A ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo independente da decisão singular de mérito, proferida em recurso especial ou agravo, apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182/STJ.
2. Hipótese, ademais, em que impugnado no agravo interno, ainda que de forma sumária, o único fundamento suficiente do acórdão recorrido (e da decisão alvo do agravo interno), a saber, a aplicação retroativa da Lei 9.278/1996, sem o qual não se sustenta a solução de partilha igualitária de todos os bens do ex-casal.
3. Os princípios legais que regem a sucessão e a partilha de bens não se confundem: a sucessão é disciplinada pela lei em vigor na data do óbito; a partilha de bens, ao contrário, seja em razão do término, em vida, do relacionamento, seja em decorrência do óbito do companheiro ou cônjuge, deve observar o regime de bens e o ordenamento jurídico vigente ao tempo da aquisição de cada bem a partilhar.
4. A presunção legal de esforço comum na aquisição do patrimônio dos conviventes foi introduzida pela Lei 9.278/96, devendo os bens amealhados no período anterior à sua vigência ser divididos proporcionalmente ao esforço comprovado, direto ou indireto, de cada convivente, conforme disciplinado pelo ordenamento jurídico vigente quando da respectiva aquisição.
5. Os bens adquiridos a título oneroso a partir de 10.5.1996 e até à extinção da união estável, em decorrência da morte do varão, integram o patrimônio comum dos ex-conviventes e, portanto, devem ser partilhados em partes iguais entre eles, nos termos dos arts. 5º da Lei 9.278/1996 e 1.725 do Código Civil.
6. A alteração da conclusão das instâncias de origem no tocante ao quanto os demandantes saíram vencedores ou vencidos, com a finalidade de apurar a ocorrência de sucumbência mínima ou recíproca, demanda o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, procedimento vedado no âmbito do recurso especial (Súmula 7/STJ.
7. Agravo interno e recurso especial providos.
(AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SEGURO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMPLES TRANSCRIÇÃO DE S. SÚMULA N. 284/STF. CAPÍTULO AUTÔNOMO DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. PRECLUSÃO. DECISÃO MANTIDA.
1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte local pronuncia-se, de forma clara e suficiente, acerca das questões suscitadas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em princípio, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo. O fato de o Tribunal de origem não ter adotado a tese defendida pela parte recorrente não configura negativa de prestação jurisdicional.
2. A simples transcrição de ementas, sem cotejo analítico apto à demonstração da similitude fática entre o acórdão recorrido e os paradigmas, impede o conhecimento do especial pela alínea "c" do permissivo constitucional.
3. A falta de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo da decisão recorrida conduz à preclusão da matéria.
4. Agravo interno a que se nega provimento.
(AgInt no AREsp 556.665/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019)
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO (ART. 544 DO CPC/73) - AÇÃO DE COBRANÇA - DECISÃO MONOCRÁTICA NEGANDO PROVIMENTO À INSURGÊNCIA. INSURGÊNCIA DA DEMANDADA.
1. A impugnação, no agravo interno, de capítulos autônomos da decisão recorrida induz a preclusão das matérias não impugnadas. Precedentes: AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015; e AgInt no AREsp 211.137/SP, de minha relatoria, QUARTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017.
2. No que diz respeito à análise da subsunção ou não da invalidez do segurado, constatada nos autos, ao risco expressamente acobertado no contrato de seguro, alterar o entendimento do acórdão recorrido demandaria reexame do conjunto fático probatório dos autos e interpretação de cláusula contratual, o que é vedado em razão da incidência das Súmulas 5 e 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no AREsp 555.250/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. IMPUGNAÇÃO PARCIAL. POSSIBILIDADE. SÚMULA 182 DO STJ. INAPLICABILIDADE. AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA N. 284 DO STF. APRECIAÇÃO EQUITATIVA. REVISÃO DE FATOS. SÚMULA N. 7 DO STJ. TERMO INICIAL DA CORREÇÃO MONETÁRIA. MATÉRIA PRECLUSA. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA INATACADO. JUROS DE MORA. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. A impugnação, no agravo regimental, de capítulos autônomos da decisão recorrida apenas induz preclusão das matérias não impugnadas, mas não impede o conhecimento do recurso, afastando-se a incidência da Súmula n. 182 do STJ.
2. Incide o óbice previsto na Súmula n. 284 do STF na hipótese em que a deficiência da fundamentação do recurso não permite a exata compreensão da controvérsia.
3. Tendo o Tribunal a quo arbitrado a verba honorária, com base no § 4º do art. 20 do CPC, fazendo expressa referência às circunstâncias próprias e específicas da causa - zelo do profissional, local de prestação do serviço, natureza e importância da causa e tempo exigido para o serviço -, a modificação do julgado não dispensa o reexame de tais circunstâncias, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
4. A ausência de impugnação do fundamento da decisão agravada alusivo ao termo inicial da correção monetária torna preclusa a matéria.
5. Não se admite que a parte, em agravo regimental, inove na argumentação, trazendo questões não aduzidas no recurso especial.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015)
No caso dos autos, ao interpretar a aplicação da Súmula 182/STJ, a Egrégia Primeira Turma desta Corte Superior compreendeu que: a) "mesmo no agravo interno, incumbe ao agravante se insurgir contra todos os capítulos específicos e autônomos da decisão agravada. De outro lado, passou a admitir a impugnação parcial apenas nas hipóteses em que a parte manifesta expressamente que a sua irresignação se volta somente contra parcela do julgado, havendo concordância com o restante"; b) assim, "afasta-se a incidência da Súmula n. 182/STJ quando, embora o Agravo Interno não impugne todos os fundamentos da decisão recorrida, a parte recorrente manifesta, expressamente, a concordância com a solução alcançada pelo julgador, desde que o capítulo em relação ao qual a desistência foi manifestada seja independente e não interfira na análise do mérito da irresignação" (AgInt no REsp 1.695.426/RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/9/2018, DJe 21/9/2018)."
Em síntese, o referido Órgão Julgador, embora admita a impugnação parcial, exige que a parte apresente expressa manifestação de concordância parcial com a decisão proferida e parcialmente impugnada. Entretanto, diante da fundamentação contida no presente voto, não é adequado exigir da parte expressa concordância com determinados capítulos, tendo como premissa o fato de que a não impugnação de fundamentos da decisão agravada gera a preclusão da possibilidade de recorrer de tais tópicos.
Ante o exposto, dou provimento aos embargos de divergência para afastar, no caso concreto, a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, bem como determinar o retorno dos autos à Primeira Turma desta Corte Superior para o julgamento dos ulteriores termos do agravo interno.
É o voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO SINGULAR PROFERIDA POR MINISTRO DO STJ. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL DE CAPÍTULOS AUTÔNOMOS (ART. 1.002 DO CPC). EFEITO DEVOLUTIVO. CAPÍTULOS NÃO IMPUGNADOS. PRECLUSÃO. REQUISITOS DO AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, § 1º, DO CPC). ENTENDIMENTO PACIFICADO PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (ERESP 1.424.424/SP). EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O tema contido no presente recurso uniformizador representa questão jurídica de efetiva divergência interpretativa no âmbito desta Corte Superior, relacionada a possibilidade de impugnação parcial em agravo interno dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministro no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.Em outras palavras, se é necessário impugnar todos os fundamentos da decisão impugnada por meio de agravo interno ou se é possível atacar apenas determinados capítulos autônomos, com a consequente preclusão dos capítulos não impugnados.
2. Entretanto, antes de iniciar a análise do mérito dos embargos de divergência propriamente dito, é necessário ressaltar que existia no âmbito desta Corte Superior efetiva interpretação controvertida relacionada à necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão do Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal de origem (TJ ou TRF) que inadmite o recurso especial, em sede de agravo em recurso especial.
3. A Corte Especial do STJ pacificou a tese jurídica no sentido de que todos os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, independentemente da autonomia dos fundamentos, devem ser impugnados no âmbito do agravo em recurso especial (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR, e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
4. O referido entendimento, em grande medida, influenciou a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de equiparar o mesmo raciocínio jurídico - a necessidade de impugnação de todos os fundamentos - à impugnação formulada em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática de Ministro desta Corte Superior. Tal raciocínio também foi influenciado pela jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, em razão da praxe forense, ao aplicar a regra da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) aos agravos em recurso especial, embora o referido enunciado sumular tenha sido editado para aplicação aos agravos internos (antigo art. 545 do CPC/1973), o que certamente contribuiu para interpretações divergentes no âmbito do STJ.
5. Assim, embora espécies recursais previstas no art. 994 do CPC, agravo em recurso especial e agravo interno são dotados de finalidades e características específicas, sendo inadequada a simples equiparação para quaisquer fins processuais. Portanto, como já ressaltado, a questão jurídica controvertida de natureza processual nos presentes embargos de divergência é diversa da hipótese pacificada pela Corte Especial. Estabelecida a indispensável distinção entre algumas das especificidades do caso dos autos, passo ao exame da questão jurídica controvertida relacionada à possibilidade de impugnação parcial da decisão agravada em agravo interno.
6. Em regra, toda decisão judicial pode ser proferida em capítulo único ou em capítulos autônomos, sendo a impugnação elemento central das razões recursais, conforme dispõe o princípio da dialeticidade. Na primeira hipótese, é indispensável que o recorrente apresente impugnação contra o único fundamento, sob pena de não conhecimento do recurso. Por sua vez, na segunda hipótese citada, quando existem mais de um capítulo, é necessário verificar se existe autonomia entre os capítulos decisórios para verificar, nos limites do efeito devolutivo do recurso, o que efetivamente foi impugnado pela parte recorrente.
7. Em outras palavras, não existindo autonomia entre os capítulos, o recurso deve impugnar todos os fundamentos, em sentido contrário, presente a autonomia de capítulos, o recorrente pode recorrer de todos eles ou apenas parcialmente, conforme seu interesse e eventual conformismo com a decisão judicial sobre o ponto específico. A referida possibilidade está expressamente prevista no art. 1.002 do CPC/2015, ao estabelecer que a "decisão pode ser impugnada no todo ou em parte". Sobre o tema, a lição de Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil - volume 4 (arts. 926 a 1.072). In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 273 e 364.
6. Por outro lado, o art. 1.021 do CPC/2015 estabelece o cabimento do agravo interno contra decisão proferida pelo relator para o respectivo órgão colegiado. Em síntese, o agravo interno devolve ao órgão julgador as questões impugnadas contidas na decisão monocrática proferida pelo relator. Nesse sentido: Araken de Assis (Manual dos Recursos. 8ª. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 684).
8. O art. 1.021, § 1º do CPC/2015 determina que a petição recursal impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada, ou seja, o agravante deve impugnar os capítulos autônomos que entender passíveis de recurso. Tal constatação não significa dizer que todos os capítulos autônomos da decisão devem ser impugnados, mas apenas aqueles que a parte agravante se insurgir, precluindo o direito de recorrer em relação aos demais pontos não recorridos. Entendimento contrário significaria dizer que a parte seria obrigada a impugnar todos os capítulos da decisão agravada, mesmo que concordasse com a decisão judicial, o que certamente contraria a lógica processual fundada no princípio devolutivo contido nos artigos 1.002 e 1.013 do CPC/2015. Nesse sentido: AgInt no AgInt no AREsp 1233736/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 13/05/2020).
9. A Corte Especial do STJ, em recente julgamento, pacificou o entendimento no sentido do cabimento de impugnação parcial de capítulos autônomos em sede de agravo interno, admitindo a desnecessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão recorrida e reconhecendo a preclusão dos capítulos não impugnados: "Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182 do STJ." (excerto da ementa do EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 17/11/2021).
10. No mesmo sentido: AgInt no AgInt no REsp 1470616/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 05/10/2021; AgInt no AgInt no AREsp 1556441/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020; AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020; AgInt no AREsp 556.665/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019; AgInt no AREsp 555.250/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018; AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015.
11. No caso dos autos, ao interpretar a aplicação da Súmula 182/STJ, a Egrégia Primeira Turma desta Corte Superior embora admita a impugnação parcial, exige que a parte apresente expressa manifestação de concordância parcial com a decisão proferida e parcialmente impugnada. Entretanto, diante da fundamentação contida no presente voto, não é adequado exigir da parte expressa concordância com determinados capítulos, tendo como premissa o fato de que a não impugnação de fundamentos da decisão agravada gera a preclusão da possibilidade de recorrer de tais tópicos.
12. Ante o exposto, os embargos de divergência devem ser providos para afastar, no caso concreto, a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, bem como determinar o retorno dos autos à Primeira Turma desta Corte Superior para o julgamento dos ulteriores termos do agravo interno. | PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO SINGULAR PROFERIDA POR MINISTRO DO STJ. POSSIBILIDADE DE IMPUGNAÇÃO PARCIAL DE CAPÍTULOS AUTÔNOMOS (ART. 1.002 DO CPC). EFEITO DEVOLUTIVO. CAPÍTULOS NÃO IMPUGNADOS. PRECLUSÃO. REQUISITOS DO AGRAVO INTERNO (ART. 1.021, § 1º, DO CPC). ENTENDIMENTO PACIFICADO PELA CORTE ESPECIAL DO STJ (ERESP 1.424.424/SP). EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL PROVIDO. | 1. O tema contido no presente recurso uniformizador representa questão jurídica de efetiva divergência interpretativa no âmbito desta Corte Superior, relacionada a possibilidade de impugnação parcial em agravo interno dos fundamentos da decisão proferida pelo Ministro no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.Em outras palavras, se é necessário impugnar todos os fundamentos da decisão impugnada por meio de agravo interno ou se é possível atacar apenas determinados capítulos autônomos, com a consequente preclusão dos capítulos não impugnados.
2. Entretanto, antes de iniciar a análise do mérito dos embargos de divergência propriamente dito, é necessário ressaltar que existia no âmbito desta Corte Superior efetiva interpretação controvertida relacionada à necessidade de impugnação de todos os fundamentos da decisão do Vice-Presidente ou Presidente do Tribunal de origem (TJ ou TRF) que inadmite o recurso especial, em sede de agravo em recurso especial.
3. A Corte Especial do STJ pacificou a tese jurídica no sentido de que todos os fundamentos utilizados pelo Tribunal de origem para inadmitir o recurso especial, independentemente da autonomia dos fundamentos, devem ser impugnados no âmbito do agravo em recurso especial (EAREsps 701.404/SC, 746.775/PR, e 831.326/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19.9.2018, DJe 30.11.2018).
4. O referido entendimento, em grande medida, influenciou a jurisprudência deste Tribunal Superior no sentido de equiparar o mesmo raciocínio jurídico - a necessidade de impugnação de todos os fundamentos - à impugnação formulada em sede de agravo interno interposto contra decisão monocrática de Ministro desta Corte Superior. Tal raciocínio também foi influenciado pela jurisprudência do próprio Superior Tribunal de Justiça, em razão da praxe forense, ao aplicar a regra da Súmula 182/STJ (É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada) aos agravos em recurso especial, embora o referido enunciado sumular tenha sido editado para aplicação aos agravos internos (antigo art. 545 do CPC/1973), o que certamente contribuiu para interpretações divergentes no âmbito do STJ.
5. Assim, embora espécies recursais previstas no art. 994 do CPC, agravo em recurso especial e agravo interno são dotados de finalidades e características específicas, sendo inadequada a simples equiparação para quaisquer fins processuais. Portanto, como já ressaltado, a questão jurídica controvertida de natureza processual nos presentes embargos de divergência é diversa da hipótese pacificada pela Corte Especial. Estabelecida a indispensável distinção entre algumas das especificidades do caso dos autos, passo ao exame da questão jurídica controvertida relacionada à possibilidade de impugnação parcial da decisão agravada em agravo interno.
6. Em regra, toda decisão judicial pode ser proferida em capítulo único ou em capítulos autônomos, sendo a impugnação elemento central das razões recursais, conforme dispõe o princípio da dialeticidade. Na primeira hipótese, é indispensável que o recorrente apresente impugnação contra o único fundamento, sob pena de não conhecimento do recurso. Por sua vez, na segunda hipótese citada, quando existem mais de um capítulo, é necessário verificar se existe autonomia entre os capítulos decisórios para verificar, nos limites do efeito devolutivo do recurso, o que efetivamente foi impugnado pela parte recorrente.
7. Em outras palavras, não existindo autonomia entre os capítulos, o recurso deve impugnar todos os fundamentos, em sentido contrário, presente a autonomia de capítulos, o recorrente pode recorrer de todos eles ou apenas parcialmente, conforme seu interesse e eventual conformismo com a decisão judicial sobre o ponto específico. A referida possibilidade está expressamente prevista no art. 1.002 do CPC/2015, ao estabelecer que a "decisão pode ser impugnada no todo ou em parte". Sobre o tema, a lição de Eduardo Talamini e Felipe Scripes Wladeck (Comentários ao Código de Processo Civil - volume 4 (arts. 926 a 1.072). In: BUENO, Cassio Scarpinella (Coord.). São Paulo: Saraiva, 2017, pp. 273 e 364.
6. Por outro lado, o art. 1.021 do CPC/2015 estabelece o cabimento do agravo interno contra decisão proferida pelo relator para o respectivo órgão colegiado. Em síntese, o agravo interno devolve ao órgão julgador as questões impugnadas contidas na decisão monocrática proferida pelo relator. Nesse sentido: Araken de Assis (Manual dos Recursos. 8ª. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 684).
8. O art. 1.021, § 1º do CPC/2015 determina que a petição recursal impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada, ou seja, o agravante deve impugnar os capítulos autônomos que entender passíveis de recurso. Tal constatação não significa dizer que todos os capítulos autônomos da decisão devem ser impugnados, mas apenas aqueles que a parte agravante se insurgir, precluindo o direito de recorrer em relação aos demais pontos não recorridos. Entendimento contrário significaria dizer que a parte seria obrigada a impugnar todos os capítulos da decisão agravada, mesmo que concordasse com a decisão judicial, o que certamente contraria a lógica processual fundada no princípio devolutivo contido nos artigos 1.002 e 1.013 do CPC/2015. Nesse sentido: AgInt no AgInt no AREsp 1233736/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/05/2020, DJe 13/05/2020).
9. A Corte Especial do STJ, em recente julgamento, pacificou o entendimento no sentido do cabimento de impugnação parcial de capítulos autônomos em sede de agravo interno, admitindo a desnecessidade de impugnação específica de todos os fundamentos da decisão recorrida e reconhecendo a preclusão dos capítulos não impugnados: "Diante desse contexto normativo e doutrinário, deve prevalecer a jurisprudência desta Corte no sentido de que a ausência de impugnação, no agravo interno, de capítulo autônomo e/ou independente da decisão monocrática do relator - proferida ao apreciar recurso especial ou agravo em recurso especial - apenas acarreta a preclusão da matéria não impugnada, não atraindo a incidência da Súmula 182 do STJ." (excerto da ementa do EREsp 1424404/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 20/10/2021, DJe 17/11/2021).
10. No mesmo sentido: AgInt no AgInt no REsp 1470616/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2019, DJe 05/10/2021; AgInt no AgInt no AREsp 1556441/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 26/10/2020; AgInt no REsp 1519438/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, Rel. p/ Acórdão Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 17/12/2019, DJe 16/03/2020; AgInt no AREsp 556.665/SC, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019; AgInt no AREsp 555.250/RJ, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 16/04/2018; AgRg no REsp 1382619/PI, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 09/10/2015.
11. No caso dos autos, ao interpretar a aplicação da Súmula 182/STJ, a Egrégia Primeira Turma desta Corte Superior embora admita a impugnação parcial, exige que a parte apresente expressa manifestação de concordância parcial com a decisão proferida e parcialmente impugnada. Entretanto, diante da fundamentação contida no presente voto, não é adequado exigir da parte expressa concordância com determinados capítulos, tendo como premissa o fato de que a não impugnação de fundamentos da decisão agravada gera a preclusão da possibilidade de recorrer de tais tópicos.
12. Ante o exposto, os embargos de divergência devem ser providos para afastar, no caso concreto, a aplicação da Súmula 182/STJ em relação ao agravo interno, bem como determinar o retorno dos autos à Primeira Turma desta Corte Superior para o julgamento dos ulteriores termos do agravo interno. | N |
142,154,399 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. CASO CONCRETO. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DA SÚMULA 7/STJ. ART. 22, § 4º, DA LEI N. 8.906/1994 (ESTATUTO DA ADVOCACIA). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS PACTUADOS NO PRÓPRIO INSTRUMENTO DE MANDATO. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE FORMAS. ART. 107 DO CÓDIGO CIVIL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS OUTORGANTES DO MANDATO PARA QUE OS PATRONOS EXERÇAM O DIREITO DE DESTAQUE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. Insurgem-se os recorrentes contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na parte em que confirmou a decisão de primeiro grau que, por sua vez, indeferiu o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais, na forma prevista no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994.
2. Os arts. 658 e 659 do Código Civil não possuem comando apto para sustentar a tese brandida pelos recorrentes, o que faz atrair o empecilho da Súmula 284/STF.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte,revela-se possível, nos domínios do recurso especial, promover a revaloração jurídica de contexto fático tido por incontroverso nas instâncias ordinárias.
4. É possível a retenção dos valores devidos a título de honorários contratuais com a oportuna apresentação do contrato celebrado entre o exequente e o seu patrono, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.671.716/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2020; AgInt no AREsp 1.806.619/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/6/2021.
5. No caso concreto, é incontroverso que a petição inicial de execução de título judicial proposta pelos ora recorrentes veio instruída com os respectivos instrumentos de procuração, também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.
6. A legislação brasileira admitequalquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo dos contrato juridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir"). Nesse fio: REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021.
7. Não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os ora recorrentes e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, como incontroversamente ocorrido no caso em exame, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.
8. De outro giro, o art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários,de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira TURMA do Superior Tribunal de Justiça, Prosseguindo o julgamento,por maioria, vencidos os Srs. Ministros Regina Helena Costa e Benedito Gonçalves(voto-vista), conhecer parcialmente do recurso especial e, no mérito, por unanimidade, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região) e Benedito Gonçalves (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por DANILO DA SILVA RODRIGUES e OUTROS, com fundamento no art. 105, III, a, da CF/1988, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado (fls. 726/727):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. GDIBGE. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL DO TÍTULO. ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. DESTAQUE DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. NECESSIDADE DE JUNTADA DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. ERRO MATERIAL. EXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória que, nos autos da ação de cumprimento individual de sentença, julgou o feito extinto em relação aos autores Celso Rodrigues de Freitas e Ana Francisca Carlini, em razão de estes não possuírem domicílio no Rio de Janeiro, bem como entendeu incabível a reserva de honorários advocatícios contratuais.
2. Conforme entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Recurso Repetitivo, REsp nº1243887/PR, o alcance da decisão proferida em ação coletiva se dá em razão do objeto da ação, da qualificação dos interessados e dos limites traçados no próprio título executivo, motivo pelo qual a decisão exequenda alcança a todos os integrantes da categoria representada, sendo irrelevante a competência territorial da Autoridade sentenciante.
3. A competência para a liquidação e a execução de título individual decorrente de sentença coletiva é concorrente entre o foro do domicilio do credor e o foro onde prolatada a sentença coletiva, tal como se extrai de uma interpretação conjunta do § 2º, inciso II, do art. 98 c/c art.101,I do CDC e o parágrafo único do art. 475-P, II do CPC/73, que corresponde ao art. 516, do CPC/2015, cabendo ao exequente optar entre o juízo em que a ação coletiva tramitou ou o foro de seu domicílio, não havendo se falar em inexigibilidade do título em relação aos exequentes que tenham domicilio fora do âmbito da competência territorial do órgão jurisdicional prolator.
4. No caso concreto, embora os exequentes não possuam domicilio no Rio de Janeiro, verifica-se que optaram por ajuizar a demanda no local de onde emanou a sentença condenatória proferida na ação coletiva, ou seja, em uma das Varas Federais da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro, o que se coaduna com a orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores e desta Corte. Precedentes.
5. No tocante ao destaque dos honorários advocatícios, cumpre asseverar que, nos termos dos artigos 22, § 4º, 23 e 24, § 1º, da Lei n.º 8.906/94, o advogado tem direito autônomo para executar a verba de sucumbência, podendo a execução de honorários ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado, se fizer juntar o contrato de prestação de serviços advocatícios, o que não ocorreu, in casu.
6. Importa registrar a existência de erro material no valor reputado como devido ao exequente Danilo da Silva Rodrigues, haja vista que a memória de cálculo acostada às fls. 221/223 dos autos principais subtrai indevidamente do quantum debeatur (R$ 42.925,92) montante referente a honorários advocatícios contratuais.
7. Merece reforma a decisão agravada para se admitir a permanência dos exequentes Celso Rodrigues de Freitas e Ana Francisca Carlini do no polo ativo da demanda de cumprimento individual da sentença proferida no Mandado de Segurança Coletivo nº 2009.51.01.002254-6,bem como para determinar a correção do erro material existente no valor do quantum debeatur relativo a Danilo da Silva Rodrigues.8. Agravo de Instrumento provido em parte.
Contra esse acórdão foram opostos embargos de declaração, os quais restaram rejeitados (fls. 737/742).
Sustentam os recorrentesque (fls. 751/752):
.. tiveram ganho de causa graças ao ingente trabalho de seus advogados (e advogados da associação) na ação de mandado de segurança coletivo, na execução coletiva do título, nos embargos a esta execução, na ação rescisória do título, proposta pelo IBGE, a agora neste cumprimento individual de sentença, convencionaram com eles, expressamente, em cláusula de honorários inserta no instrumento de mandato:
"Ratifica e reassume, na oportunidade, o compromisso em remunerar o escritório CAMARGO, MOREIRA E OURICURI ADVOGADOS pelos serviços prestados no referido mandado de segurança coletivo (proc. n.2009.51.01.002254-6) e na ação rescisória que se lhe seguiu (proc. n.2013.02.01.009758-4) mediante o pagamento de honorários no percentual global de 30% (trinta por cento) sobre a diferença a ser acrescida no seu contra cheque durante os quatro primeiros meses após a incorporação, e sobre os atrasados que vier a receber, devidos desde o ajuizamento da ação de mandado de segurança coletivo, em janeiro 2009, até a incorporação".
Sendo expressa e inequívoca a convenção de honorários, com indicação da base de cálculo e do percentual que permite a aferição do valor mediante cálculo aritmético de simplicidade solar, foi requerida a reserva da verba honorária contratual, para pagamento direto aos advogados, na forma do art. 22 §4º da Lei 8.906/94 (EOAB), a qual, indeferida pelo juiz de primeiro grau, tornou a sê-lo pela Corte Regional, que deu parcial provimento ao agravo de instrumento dos autores, negando provimento a essa pretensão recursal.
A tese jurídica adotada pelo v. acórdão recorrido está resumida no seguinte trecho do julgado, reiterado em sede de embargos de declaração:
"Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16, 21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais" (g. n.)
Como se observa, a razão do indeferimento da reserva de honorários está na falta de expressa autorização, na convenção de honorários, para que fosse realizada, exigência esta, todavia, que a lei não contém.
Leia-se, a propósito, o preceito do art. 22 §4º do EOAB:
..
A lei exige apenas a juntada da convenção de honorários, em data anterior à expedição dos ofícios de requisição, o que foi feito pelos recorrentes e é incontroverso. Não impõe que o contrato contenha "autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório", precisamente porque tal consequência já está prevista na própria lei!
Também a jurisprudência dessa E. Corte Superior não contém semelhante exigência, consoante se depreende de recente precedente da Col. Segunda Turma:
..
Observe-se que tampouco se cogita, no caso, de qualquer litígio entre os advogados e seus constituintes, fato igualmente incontroverso.
Nesse cenário, com as vênias devidas, o indeferimento da reserva de honorários fundada na falta de cláusula que a lei não exige importa ofensa à mesma lei (art. 24 §4º do EOAB), que, de modo insofismável, assegura a reserva da verba honorária contratual, para pagamento direto aos advogados.
Pede-se, portanto, o reconhecimento ao citado preceito legal, com o provimento do especial, para, reformando o v. acórdão recorrido, autorizar a reserva da verba honorária postulada.
E arremata (fls. 753/754):
Em síntese, o v. acórdão recorrido terá negado, aos recorrentes, o direito de assegurar a reserva dos honorários contratuais a que tem direito, consoante assegurado em legislação própria.
Argui-se, no especial, como fundamento autônomo e suficiente para a anulação do julgado, ofensa aos arts. 658 e 659 do Código Civil, e do art. 22 e seus parágrafos da Lei 8.906/94., pelo acórdão que julgou os embargos de declaração, com pedido de aplicação do art. 1.025 do CPC, a fim de que se conheça desde logo da matéria de fundo.
Assim sendo, por todo o exposto, os recorrentes pedem a essa Col. Corte Superior que conheça e dê provimento ao presente recurso especial, para o fim de, em razão das mencionadas ofensas à lei federal, reformar o acórdão recorrido, que negou o requerimento para a reserva de honorários ou, então, para anular, o acórdão que julgou os embargos de declaração, por ofensa aos arts. 658 e 659 do Código Civil, e do art. 22 e seus parágrafos da Lei 8.906/94 .. .
Contrarrazões às fls. 764/767.
Contra a decisão que inadmitiu na origem o recurso especial (fls. 773/776) foi interposto agravo (fls. 780/786), o qual restou provido a fim de ser reautuado como apelo nobre (fl. 809).
É O RELATÓRIO.
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. CASO CONCRETO. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DA SÚMULA 7/STJ. ART. 22, § 4º, DA LEI N. 8.906/1994 (ESTATUTO DA ADVOCACIA). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS PACTUADOS NO PRÓPRIO INSTRUMENTO DE MANDATO. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE FORMAS. ART. 107 DO CÓDIGO CIVIL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS OUTORGANTES DO MANDATO PARA QUE OS PATRONOS EXERÇAM O DIREITO DE DESTAQUE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. Insurgem-se os recorrentes contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na parte em que confirmou a decisão de primeiro grau que, por sua vez, indeferiu o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais, na forma prevista no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994.
2. Os arts. 658 e 659 do Código Civil não possuem comando apto para sustentar a tese brandida pelos recorrentes, o que faz atrair o empecilho da Súmula 284/STF.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte,revela-se possível, nos domínios do recurso especial, promover a revaloração jurídica de contexto fático tido por incontroverso nas instâncias ordinárias.
4. É possível a retenção dos valores devidos a título de honorários contratuais com a oportuna apresentação do contrato celebrado entre o exequente e o seu patrono, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.671.716/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2020; AgInt no AREsp 1.806.619/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/6/2021.
5. No caso concreto, é incontroverso que a petição inicial de execução de título judicial proposta pelos ora recorrentes veio instruída com os respectivos instrumentos de procuração, também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.
6. A legislação brasileira admitequalquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo dos contrato juridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir"). Nesse fio: REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021.
7. Não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os ora recorrentes e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, como incontroversamente ocorrido no caso em exame, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.
8. De outro giro, o art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários,de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Como relatado, insurgem-se os recorrentes contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no tópico em que, confirmando a decisão de primeiro grau, rejeitou o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais, que vem regulamentado no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia).
Com efeito, dispõem os arts. 658 e 659 do Código Civil o seguinte:
Art. 658. O mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa.
Parágrafo único. Se o mandato for oneroso, caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato. Sendo estes omissos, será ela determinada pelos usos do lugar, ou, na falta destes, por arbitramento.
Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.
De se ver, portanto, que esses dispositivos legais, conquanto dados por violados, não possuem, só por si, comando normativo orientador da questão sub judice, qual seja, a possibilidade de destaque de honorários advocatícios contratuais na fase de execução, mediante a juntada do respectivo contrato de honorários. Logo, está a incidir, no ponto, o óbice da Súmula 284/STF.
Quanto ao art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994, também apontado como aviltado, eis a sua redação:
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
..
§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.
..
Pois bem.
Interpretando esse específico regramento do Estatuto da Advocacia, o STJ firmou compreensão no sentido de que, se é certo que "a legitimação extraordinária com a dispensa de assinatura de todos os substituídos alcança a liquidação e a execução de créditos", não se pode olvidar de que "a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados nos termos do art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994. Nesse sentido: REsp 1.799.616/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/3/2019, DJe 28/5/2019;REsp 1.464.567/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 11/2/2015; AgRg no REsp 1.306.804/RS, Rel.Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 5/2/2014; REsp 931.036/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 2/12/2009"(AgInt no REsp 1.671.716/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2020). Nesse mesmo horizonte:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA. CONTRATAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DOS FILIADOS.ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. SÚMULA 83 DESTA CORTE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 1022 do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. Esta Corte Superior possui firme o entendimento no sentido de que: "Ainda que seja ampla a legitimação extraordinária do sindicato para defesa de direitos e interesses dos integrantes da categoria que representa, inclusive para liquidação e execução de créditos, a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados, nos temos do art. 22, § 4º, da, Lei 8.906194, ou, ainda, com a autorização deles para tanto. O contrato pactuado exclusivamente entre o Sindicato e o advogado não vincula os filiados substituídos, em face da ausência da relação jurídica contratual entre estes e o advogado. (REsp 931.036/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 2/12/2009). Precedentes.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1.806.619/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/06/2021)
No caso concreto, o Tribunal de origem afastou a pretensão de destaque dos honorários contratuais com base em dois fundamentos autônomos, a saber: (a) ausência de juntada dos respectivos contratos de honorários; (b) necessidade de autorização expressa da parte constituinte/exequente para o destaque dos honorários contratuais. Confira-se (fl. 724):
Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16, 21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais.
De se ver, portanto, que o tema do recurso, concernente ao pretendido destaque de honorários recursais, foi objeto de efetivo enfrentamento pelo acórdão regional, achando-se o especial apelo, por isso, apto a conhecimento.
Calha acrescentar que, conforme a jurisprudência desta Corte,revela-se possível, nos domínios do recurso especial, promover a revaloração jurídica de contexto fático tido por incontroverso nas instâncias ordinárias. Ilustrativamente: AgInt no AREsp 1.826.475/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 25/6/2021.
Nesse mesmo diapasão, é incontroverso que a petição inicial de execução de título judicial proposta pelos ora recorrentes (fls. 105/111) veio instruída com os instrumentos de procuração de fls.113, 120, 125, 129 e 135 (fls. 9, 16, 21, 25 e 31 dos autos originais, referidos no voto-condutor do acórdão recorrido), também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.
Destarte, como antecipado, tem-se que a questão federal em análise foi efetivamente prequestionada.
Quanto ao mérito, procede o inconformismo da parte recorrente.
Como cediço, a legislação brasileira admitequalquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo do contratojuridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir").
Nesse fio, vale reproduzir o seguinte julgado:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. FRANQUIA. CONTRATO NÃO ASSINADO PELA FRANQUEADA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação proposta em 15/09/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 02/07/2019 e concluso ao gabinete em 11/03/2020.
2. O propósito recursal consiste em dizer acerca da validade do contrato de franquia não assinado pela franqueada.
3. A franquia qualifica-se como um contrato típico, consensual, bilateral, oneroso, comutativo, de execução continuada e solene ou formal. Conforme entendimento consolidado desta Corte Superior, como regra geral, os contratos de franquia têm natureza de contato de adesão. Nada obstante tal característica, a franquia não consubstancia relação de consumo. Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado.
4. A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/02). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/02).
5. A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente . Ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica.
6. Na hipótese, a execução do contrato pela recorrente por tempo considerável configura verdadeiro comportamento concludente, por exprimir sua aceitação com as condições previamente acordadas com a recorrida.
7. A exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/02). Todavia, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo mitigadora do rigor legis. A proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se nas figuras da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) e de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual.
8. No particular, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento da recorrida, utilizado a sua marca e instalado as franquias. Inclusive, pagou à franqueadora as contraprestações estabelecidas no contrato. Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a invocação de nulidade do contrato de franquia por inobservância da forma prevista no art. 6º da Lei 8.955/94.
9. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021) - Grifo nosso
Logo, ante a ausência de regra legal a fixar uma forma especial para a celebração dos contratos de prestação de serviços jurídicos, não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os ora recorrentes e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, como incontroversamente ocorrido no caso em exame, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.
Também não se sustenta o segundo fundamento suscitado pela Corte de origem, na medida em que o art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários,de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.
Com efeito, da leitura do referido dispositivo legal e, ainda, de acordo com ajurisprudência acima colacionada, basta ao advogado juntar aos autos o seu contrato de honorários (inclusive, repita-se, no próprio instrumento de mandato), fazendo-o antes da expedição do mandado de levantamento ou precatório, devendo-se aplicar à espécie o antigo brocardo segundo o qual onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.
ANTE O EXPOSTO, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe provimento a fim de reformar, em parte, o acórdão recorrido, viabilizando, com isso, o deferimento do pedido de reserva de honorários advocatícios contratuais, até aqui recusado pelas instâncias ordinárias.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Cuida-se de recurso especial interposto por Danilo da Silva Rodrigues e outros, com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que rejeitou o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais.
Em suas razões, a parte recorrente alega violação dos artigos 658 e 659 do Código Civil e 22, § 4º, do EOAB, sustentando, em suma, que "a lei exige apenas a juntada da convenção de honorários, em data anterior à expedição dos ofícios de requisição, o que foi feito pelos recorrentes e é incontroverso. Não impõe que o contrato contenha "autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório", precisamente porque tal consequência já está prevista na própria lei!" (fl. 752).
Na sessão realizada em 28/9/2021, o relator, Ministro Sérgio Kukina, apresentou voto conhecendo parcialmente do recurso especial, sendo acompanhado pelos Ministros Gurgel de Faria e Manoel Erhardt.
A Ministra Regina Helena Costa, inaugurando divergência, não conheceu do recurso especial em razão da ausência de prequestionamento pois "a Corte de origem não se manifestou sobre a validade da cláusula contratual de honorários existente no instrumento de mandato".
Pedi vista dos autos.
Pois bem.
Consoante se depreende dos autos, o Tribunal de origem dirimiu a controvérsia com amparo nos seguintes fundamentos (fls. 723-724):
No tocante ao destaque dos honorários advocatícios, cumpre asseverar que, nos termos dos artigos 22, § 4º, 23 e 24, § 1º, da Lei n.º 8.906/94, o advogado tem direito autônomo para executar a verba de sucumbência, podendo a execução de honorários ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado, se fizer juntar o contrato de prestação de serviços advocatícios.
Nesse diapasão, o entendimento pacificado na Jurisprudência dos Tribunais pátrios é no sentido de ser cabível o destaque de honorários advocatícios contratuais no momento da expedição do ofício requisitório, em razão da enorme dificuldade de percepção da referida verba se não deduzida dos créditos do Autor.
..
Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16,21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais.
É de ver-se, ainda, que diante da alegação dos recorrentes, manifestada via aclaratórios, no sentido de que o acórdão embargado não teria se pronunciado "sobre a convenção em cláusulas constantes dos instrumentos de mandato acerca dos honorários contratuais", o Tribunal de origem consignou que (fl. 740):
No tocante à questão da verba honorária contratual, o voto condutor expressamente explicitou que "Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16, 21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais" (fl. 724), não havendo que se falar em omissão quanto ao ponto.
Tem-se, desse modo, que o tema objeto do recurso especial referente ao destaque da verba honorária contratual foi satisfatoriamente enfrentado.
A questão objeto dos presentes autos, frise-se, já foi trazida ao exame desta Corte em diversos recursos interpostos pelos mesmos causídicos, oriundos do mesmo título judicial, sendo certo que em nenhum deles se considerou como óbice ao conhecimento a ausência de prequestionamento. Veja-se: AREsp 1.523.969/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 20/9/2019; AREsp 1.617.167/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe 17/2/2020; AREsp 1.602.295/RJ Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 17/2/2021; AREsp 1.499.842/RJ, Rel. Ministro Manoel Erhardt, DJe 30/6/2021.
Não obstante, embora atendido o requisito do prequestionamento, tenho que o recurso especial em apreço não comporta conhecimento, por outro fundamento.
Com efeito, incide, à espécie, o óbice da Súmula 7/STJ pois, para infirmar a conclusão alcançada pelo Tribunal de origem, adotando-se, para tanto, as razões recursais, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, sobretudo o instrumento de procuração que, segundo os recorrentes se reveste da natureza de contrato apto a ensejar o destaque dos honorários advocatícios.
Em igual sentido, as seguintes decisões monocráticas proferidas em casos análogos: AREsp 1.602.295/RJ Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 17/2/2021; AREsp 1.499.842/RJ, Rel. Ministro Manoel Erhardt, DJe 30/6/2021.
Ante o exposto, acompanho a divergência inaugurada pela eminente Ministra Regina Helena Costa para não conhecer do recurso especial, por outro fundamento.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira TURMA do Superior Tribunal de Justiça, Prosseguindo o julgamento,por maioria, vencidos os Srs. Ministros Regina Helena Costa e Benedito Gonçalves(voto-vista), conhecer parcialmente do recurso especial e, no mérito, por unanimidade, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região) e Benedito Gonçalves (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por DANILO DA SILVA RODRIGUES e OUTROS, com fundamento no art. 105, III, a, da CF/1988, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado (fls. 726/727):
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. GDIBGE. ABRANGÊNCIA TERRITORIAL DO TÍTULO. ART. 2º-A DA LEI Nº 9.494/97. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. DESTAQUE DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. NECESSIDADE DE JUNTADA DO CONTRATO CELEBRADO ENTRE AS PARTES. ERRO MATERIAL. EXISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO EM PARTE.
1. Agravo de Instrumento interposto contra decisão interlocutória que, nos autos da ação de cumprimento individual de sentença, julgou o feito extinto em relação aos autores Celso Rodrigues de Freitas e Ana Francisca Carlini, em razão de estes não possuírem domicílio no Rio de Janeiro, bem como entendeu incabível a reserva de honorários advocatícios contratuais.
2. Conforme entendimento firmado pelo STJ no julgamento do Recurso Repetitivo, REsp nº1243887/PR, o alcance da decisão proferida em ação coletiva se dá em razão do objeto da ação, da qualificação dos interessados e dos limites traçados no próprio título executivo, motivo pelo qual a decisão exequenda alcança a todos os integrantes da categoria representada, sendo irrelevante a competência territorial da Autoridade sentenciante.
3. A competência para a liquidação e a execução de título individual decorrente de sentença coletiva é concorrente entre o foro do domicilio do credor e o foro onde prolatada a sentença coletiva, tal como se extrai de uma interpretação conjunta do § 2º, inciso II, do art. 98 c/c art.101,I do CDC e o parágrafo único do art. 475-P, II do CPC/73, que corresponde ao art. 516, do CPC/2015, cabendo ao exequente optar entre o juízo em que a ação coletiva tramitou ou o foro de seu domicílio, não havendo se falar em inexigibilidade do título em relação aos exequentes que tenham domicilio fora do âmbito da competência territorial do órgão jurisdicional prolator.
4. No caso concreto, embora os exequentes não possuam domicilio no Rio de Janeiro, verifica-se que optaram por ajuizar a demanda no local de onde emanou a sentença condenatória proferida na ação coletiva, ou seja, em uma das Varas Federais da Subseção Judiciária do Rio de Janeiro, o que se coaduna com a orientação jurisprudencial dos Tribunais Superiores e desta Corte. Precedentes.
5. No tocante ao destaque dos honorários advocatícios, cumpre asseverar que, nos termos dos artigos 22, § 4º, 23 e 24, § 1º, da Lei n.º 8.906/94, o advogado tem direito autônomo para executar a verba de sucumbência, podendo a execução de honorários ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado, se fizer juntar o contrato de prestação de serviços advocatícios, o que não ocorreu, in casu.
6. Importa registrar a existência de erro material no valor reputado como devido ao exequente Danilo da Silva Rodrigues, haja vista que a memória de cálculo acostada às fls. 221/223 dos autos principais subtrai indevidamente do quantum debeatur (R$ 42.925,92) montante referente a honorários advocatícios contratuais.
7. Merece reforma a decisão agravada para se admitir a permanência dos exequentes Celso Rodrigues de Freitas e Ana Francisca Carlini do no polo ativo da demanda de cumprimento individual da sentença proferida no Mandado de Segurança Coletivo nº 2009.51.01.002254-6,bem como para determinar a correção do erro material existente no valor do quantum debeatur relativo a Danilo da Silva Rodrigues.8. Agravo de Instrumento provido em parte.
Contra esse acórdão foram opostos embargos de declaração, os quais restaram rejeitados (fls. 737/742).
Sustentam os recorrentesque (fls. 751/752):
.. tiveram ganho de causa graças ao ingente trabalho de seus advogados (e advogados da associação) na ação de mandado de segurança coletivo, na execução coletiva do título, nos embargos a esta execução, na ação rescisória do título, proposta pelo IBGE, a agora neste cumprimento individual de sentença, convencionaram com eles, expressamente, em cláusula de honorários inserta no instrumento de mandato:
"Ratifica e reassume, na oportunidade, o compromisso em remunerar o escritório CAMARGO, MOREIRA E OURICURI ADVOGADOS pelos serviços prestados no referido mandado de segurança coletivo (proc. n.2009.51.01.002254-6) e na ação rescisória que se lhe seguiu (proc. n.2013.02.01.009758-4) mediante o pagamento de honorários no percentual global de 30% (trinta por cento) sobre a diferença a ser acrescida no seu contra cheque durante os quatro primeiros meses após a incorporação, e sobre os atrasados que vier a receber, devidos desde o ajuizamento da ação de mandado de segurança coletivo, em janeiro 2009, até a incorporação".
Sendo expressa e inequívoca a convenção de honorários, com indicação da base de cálculo e do percentual que permite a aferição do valor mediante cálculo aritmético de simplicidade solar, foi requerida a reserva da verba honorária contratual, para pagamento direto aos advogados, na forma do art. 22 §4º da Lei 8.906/94 (EOAB), a qual, indeferida pelo juiz de primeiro grau, tornou a sê-lo pela Corte Regional, que deu parcial provimento ao agravo de instrumento dos autores, negando provimento a essa pretensão recursal.
A tese jurídica adotada pelo v. acórdão recorrido está resumida no seguinte trecho do julgado, reiterado em sede de embargos de declaração:
"Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16, 21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais" (g. n.)
Como se observa, a razão do indeferimento da reserva de honorários está na falta de expressa autorização, na convenção de honorários, para que fosse realizada, exigência esta, todavia, que a lei não contém.
Leia-se, a propósito, o preceito do art. 22 §4º do EOAB:
..
A lei exige apenas a juntada da convenção de honorários, em data anterior à expedição dos ofícios de requisição, o que foi feito pelos recorrentes e é incontroverso. Não impõe que o contrato contenha "autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório", precisamente porque tal consequência já está prevista na própria lei!
Também a jurisprudência dessa E. Corte Superior não contém semelhante exigência, consoante se depreende de recente precedente da Col. Segunda Turma:
..
Observe-se que tampouco se cogita, no caso, de qualquer litígio entre os advogados e seus constituintes, fato igualmente incontroverso.
Nesse cenário, com as vênias devidas, o indeferimento da reserva de honorários fundada na falta de cláusula que a lei não exige importa ofensa à mesma lei (art. 24 §4º do EOAB), que, de modo insofismável, assegura a reserva da verba honorária contratual, para pagamento direto aos advogados.
Pede-se, portanto, o reconhecimento ao citado preceito legal, com o provimento do especial, para, reformando o v. acórdão recorrido, autorizar a reserva da verba honorária postulada.
E arremata (fls. 753/754):
Em síntese, o v. acórdão recorrido terá negado, aos recorrentes, o direito de assegurar a reserva dos honorários contratuais a que tem direito, consoante assegurado em legislação própria.
Argui-se, no especial, como fundamento autônomo e suficiente para a anulação do julgado, ofensa aos arts. 658 e 659 do Código Civil, e do art. 22 e seus parágrafos da Lei 8.906/94., pelo acórdão que julgou os embargos de declaração, com pedido de aplicação do art. 1.025 do CPC, a fim de que se conheça desde logo da matéria de fundo.
Assim sendo, por todo o exposto, os recorrentes pedem a essa Col. Corte Superior que conheça e dê provimento ao presente recurso especial, para o fim de, em razão das mencionadas ofensas à lei federal, reformar o acórdão recorrido, que negou o requerimento para a reserva de honorários ou, então, para anular, o acórdão que julgou os embargos de declaração, por ofensa aos arts. 658 e 659 do Código Civil, e do art. 22 e seus parágrafos da Lei 8.906/94 .. .
Contrarrazões às fls. 764/767.
Contra a decisão que inadmitiu na origem o recurso especial (fls. 773/776) foi interposto agravo (fls. 780/786), o qual restou provido a fim de ser reautuado como apelo nobre (fl. 809).
É O RELATÓRIO.
VOTO
O SENHOR MINISTRO SÉRGIO KUKINA (Relator): Como relatado, insurgem-se os recorrentes contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, no tópico em que, confirmando a decisão de primeiro grau, rejeitou o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais, que vem regulamentado no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia).
Com efeito, dispõem os arts. 658 e 659 do Código Civil o seguinte:
Art. 658. O mandato presume-se gratuito quando não houver sido estipulada retribuição, exceto se o seu objeto corresponder ao daqueles que o mandatário trata por ofício ou profissão lucrativa.
Parágrafo único. Se o mandato for oneroso, caberá ao mandatário a retribuição prevista em lei ou no contrato. Sendo estes omissos, será ela determinada pelos usos do lugar, ou, na falta destes, por arbitramento.
Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.
De se ver, portanto, que esses dispositivos legais, conquanto dados por violados, não possuem, só por si, comando normativo orientador da questão sub judice, qual seja, a possibilidade de destaque de honorários advocatícios contratuais na fase de execução, mediante a juntada do respectivo contrato de honorários. Logo, está a incidir, no ponto, o óbice da Súmula 284/STF.
Quanto ao art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994, também apontado como aviltado, eis a sua redação:
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
..
§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.
..
Pois bem.
Interpretando esse específico regramento do Estatuto da Advocacia, o STJ firmou compreensão no sentido de que, se é certo que "a legitimação extraordinária com a dispensa de assinatura de todos os substituídos alcança a liquidação e a execução de créditos", não se pode olvidar de que "a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados nos termos do art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994. Nesse sentido: REsp 1.799.616/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/3/2019, DJe 28/5/2019;REsp 1.464.567/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 11/2/2015; AgRg no REsp 1.306.804/RS, Rel.Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013, DJe 5/2/2014; REsp 931.036/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 2/12/2009"(AgInt no REsp 1.671.716/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2020). Nesse mesmo horizonte:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.CUMPRIMENTO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA. CONTRATAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO DOS FILIADOS.ACÓRDÃO EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NO STJ. SÚMULA 83 DESTA CORTE. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Não se viabiliza o recurso especial pela indicada violação do artigo 1022 do Código de Processo Civil de 2015. Isso porque, embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria em exame foi devidamente enfrentada pelo Tribunal de origem, que emitiu pronunciamento de forma fundamentada, ainda que em sentido contrário à pretensão da parte recorrente.
2. Esta Corte Superior possui firme o entendimento no sentido de que: "Ainda que seja ampla a legitimação extraordinária do sindicato para defesa de direitos e interesses dos integrantes da categoria que representa, inclusive para liquidação e execução de créditos, a retenção sobre o montante da condenação do que lhe cabe por força de honorários contratuais só é permitida com a apresentação do contrato celebrado com cada um dos filiados, nos temos do art. 22, § 4º, da, Lei 8.906194, ou, ainda, com a autorização deles para tanto. O contrato pactuado exclusivamente entre o Sindicato e o advogado não vincula os filiados substituídos, em face da ausência da relação jurídica contratual entre estes e o advogado. (REsp 931.036/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/11/2009, DJe 2/12/2009). Precedentes.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1.806.619/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/06/2021)
No caso concreto, o Tribunal de origem afastou a pretensão de destaque dos honorários contratuais com base em dois fundamentos autônomos, a saber: (a) ausência de juntada dos respectivos contratos de honorários; (b) necessidade de autorização expressa da parte constituinte/exequente para o destaque dos honorários contratuais. Confira-se (fl. 724):
Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16, 21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais.
De se ver, portanto, que o tema do recurso, concernente ao pretendido destaque de honorários recursais, foi objeto de efetivo enfrentamento pelo acórdão regional, achando-se o especial apelo, por isso, apto a conhecimento.
Calha acrescentar que, conforme a jurisprudência desta Corte,revela-se possível, nos domínios do recurso especial, promover a revaloração jurídica de contexto fático tido por incontroverso nas instâncias ordinárias. Ilustrativamente: AgInt no AREsp 1.826.475/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, DJe 25/6/2021.
Nesse mesmo diapasão, é incontroverso que a petição inicial de execução de título judicial proposta pelos ora recorrentes (fls. 105/111) veio instruída com os instrumentos de procuração de fls.113, 120, 125, 129 e 135 (fls. 9, 16, 21, 25 e 31 dos autos originais, referidos no voto-condutor do acórdão recorrido), também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.
Destarte, como antecipado, tem-se que a questão federal em análise foi efetivamente prequestionada.
Quanto ao mérito, procede o inconformismo da parte recorrente.
Como cediço, a legislação brasileira admitequalquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo do contratojuridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir").
Nesse fio, vale reproduzir o seguinte julgado:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. FRANQUIA. CONTRATO NÃO ASSINADO PELA FRANQUEADA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. VEDAÇÃO AO COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação proposta em 15/09/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 02/07/2019 e concluso ao gabinete em 11/03/2020.
2. O propósito recursal consiste em dizer acerca da validade do contrato de franquia não assinado pela franqueada.
3. A franquia qualifica-se como um contrato típico, consensual, bilateral, oneroso, comutativo, de execução continuada e solene ou formal. Conforme entendimento consolidado desta Corte Superior, como regra geral, os contratos de franquia têm natureza de contato de adesão. Nada obstante tal característica, a franquia não consubstancia relação de consumo. Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado.
4. A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/02). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/02).
5. A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente . Ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica.
6. Na hipótese, a execução do contrato pela recorrente por tempo considerável configura verdadeiro comportamento concludente, por exprimir sua aceitação com as condições previamente acordadas com a recorrida.
7. A exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/02). Todavia, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo mitigadora do rigor legis. A proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se nas figuras da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) e de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual.
8. No particular, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento da recorrida, utilizado a sua marca e instalado as franquias. Inclusive, pagou à franqueadora as contraprestações estabelecidas no contrato. Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a invocação de nulidade do contrato de franquia por inobservância da forma prevista no art. 6º da Lei 8.955/94.
9. Recurso especial conhecido e desprovido.
(REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021) - Grifo nosso
Logo, ante a ausência de regra legal a fixar uma forma especial para a celebração dos contratos de prestação de serviços jurídicos, não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os ora recorrentes e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, como incontroversamente ocorrido no caso em exame, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.
Também não se sustenta o segundo fundamento suscitado pela Corte de origem, na medida em que o art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários,de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.
Com efeito, da leitura do referido dispositivo legal e, ainda, de acordo com ajurisprudência acima colacionada, basta ao advogado juntar aos autos o seu contrato de honorários (inclusive, repita-se, no próprio instrumento de mandato), fazendo-o antes da expedição do mandado de levantamento ou precatório, devendo-se aplicar à espécie o antigo brocardo segundo o qual onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.
ANTE O EXPOSTO, conheço parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe provimento a fim de reformar, em parte, o acórdão recorrido, viabilizando, com isso, o deferimento do pedido de reserva de honorários advocatícios contratuais, até aqui recusado pelas instâncias ordinárias.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO BENEDITO GONÇALVES: Cuida-se de recurso especial interposto por Danilo da Silva Rodrigues e outros, com fundamento no artigo 105, III, "a", da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que rejeitou o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais.
Em suas razões, a parte recorrente alega violação dos artigos 658 e 659 do Código Civil e 22, § 4º, do EOAB, sustentando, em suma, que "a lei exige apenas a juntada da convenção de honorários, em data anterior à expedição dos ofícios de requisição, o que foi feito pelos recorrentes e é incontroverso. Não impõe que o contrato contenha "autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório", precisamente porque tal consequência já está prevista na própria lei!" (fl. 752).
Na sessão realizada em 28/9/2021, o relator, Ministro Sérgio Kukina, apresentou voto conhecendo parcialmente do recurso especial, sendo acompanhado pelos Ministros Gurgel de Faria e Manoel Erhardt.
A Ministra Regina Helena Costa, inaugurando divergência, não conheceu do recurso especial em razão da ausência de prequestionamento pois "a Corte de origem não se manifestou sobre a validade da cláusula contratual de honorários existente no instrumento de mandato".
Pedi vista dos autos.
Pois bem.
Consoante se depreende dos autos, o Tribunal de origem dirimiu a controvérsia com amparo nos seguintes fundamentos (fls. 723-724):
No tocante ao destaque dos honorários advocatícios, cumpre asseverar que, nos termos dos artigos 22, § 4º, 23 e 24, § 1º, da Lei n.º 8.906/94, o advogado tem direito autônomo para executar a verba de sucumbência, podendo a execução de honorários ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado, se fizer juntar o contrato de prestação de serviços advocatícios.
Nesse diapasão, o entendimento pacificado na Jurisprudência dos Tribunais pátrios é no sentido de ser cabível o destaque de honorários advocatícios contratuais no momento da expedição do ofício requisitório, em razão da enorme dificuldade de percepção da referida verba se não deduzida dos créditos do Autor.
..
Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16,21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais.
É de ver-se, ainda, que diante da alegação dos recorrentes, manifestada via aclaratórios, no sentido de que o acórdão embargado não teria se pronunciado "sobre a convenção em cláusulas constantes dos instrumentos de mandato acerca dos honorários contratuais", o Tribunal de origem consignou que (fl. 740):
No tocante à questão da verba honorária contratual, o voto condutor expressamente explicitou que "Da análise dos autos, infere-se que o ilustre causídico demonstrou o regular patrocínio da causa em trâmite perante o MM. Juízo a quo, já em fase de execução (fls. 09, 16, 21, 25 e 31), contudo, não demonstrou a juntada regular do Contrato de Honorários Advocatícios celebrado entre as partes, contendo autorização expressa da Parte Exequente para o destaque dos honorários contratuais por ocasião da expedição do requisitório. Portanto, revela-se incabível a expedição de requisitório autônomo, referente à execução de honorários advocatícios contratuais" (fl. 724), não havendo que se falar em omissão quanto ao ponto.
Tem-se, desse modo, que o tema objeto do recurso especial referente ao destaque da verba honorária contratual foi satisfatoriamente enfrentado.
A questão objeto dos presentes autos, frise-se, já foi trazida ao exame desta Corte em diversos recursos interpostos pelos mesmos causídicos, oriundos do mesmo título judicial, sendo certo que em nenhum deles se considerou como óbice ao conhecimento a ausência de prequestionamento. Veja-se: AREsp 1.523.969/RJ, Rel. Ministro Og Fernandes, DJe 20/9/2019; AREsp 1.617.167/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, DJe 17/2/2020; AREsp 1.602.295/RJ Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 17/2/2021; AREsp 1.499.842/RJ, Rel. Ministro Manoel Erhardt, DJe 30/6/2021.
Não obstante, embora atendido o requisito do prequestionamento, tenho que o recurso especial em apreço não comporta conhecimento, por outro fundamento.
Com efeito, incide, à espécie, o óbice da Súmula 7/STJ pois, para infirmar a conclusão alcançada pelo Tribunal de origem, adotando-se, para tanto, as razões recursais, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, sobretudo o instrumento de procuração que, segundo os recorrentes se reveste da natureza de contrato apto a ensejar o destaque dos honorários advocatícios.
Em igual sentido, as seguintes decisões monocráticas proferidas em casos análogos: AREsp 1.602.295/RJ Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 17/2/2021; AREsp 1.499.842/RJ, Rel. Ministro Manoel Erhardt, DJe 30/6/2021.
Ante o exposto, acompanho a divergência inaugurada pela eminente Ministra Regina Helena Costa para não conhecer do recurso especial, por outro fundamento.
É como voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. CASO CONCRETO. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DA SÚMULA 7/STJ. ART. 22, § 4º, DA LEI N. 8.906/1994 (ESTATUTO DA ADVOCACIA). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS PACTUADOS NO PRÓPRIO INSTRUMENTO DE MANDATO. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE FORMAS. ART. 107 DO CÓDIGO CIVIL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS OUTORGANTES DO MANDATO PARA QUE OS PATRONOS EXERÇAM O DIREITO DE DESTAQUE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL.
1. Insurgem-se os recorrentes contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na parte em que confirmou a decisão de primeiro grau que, por sua vez, indeferiu o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais, na forma prevista no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994.
2. Os arts. 658 e 659 do Código Civil não possuem comando apto para sustentar a tese brandida pelos recorrentes, o que faz atrair o empecilho da Súmula 284/STF.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte,revela-se possível, nos domínios do recurso especial, promover a revaloração jurídica de contexto fático tido por incontroverso nas instâncias ordinárias.
4. É possível a retenção dos valores devidos a título de honorários contratuais com a oportuna apresentação do contrato celebrado entre o exequente e o seu patrono, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.671.716/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2020; AgInt no AREsp 1.806.619/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/6/2021.
5. No caso concreto, é incontroverso que a petição inicial de execução de título judicial proposta pelos ora recorrentes veio instruída com os respectivos instrumentos de procuração, também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.
6. A legislação brasileira admitequalquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo dos contrato juridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir"). Nesse fio: REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021.
7. Não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os ora recorrentes e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, como incontroversamente ocorrido no caso em exame, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.
8. De outro giro, o art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários,de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. | PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL. CASO CONCRETO. REVALORAÇÃO DE PROVAS. POSSIBILIDADE. AFASTAMENTO DA SÚMULA 7/STJ. ART. 22, § 4º, DA LEI N. 8.906/1994 (ESTATUTO DA ADVOCACIA). HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS PACTUADOS NO PRÓPRIO INSTRUMENTO DE MANDATO. POSSIBILIDADE. LIBERDADE DE FORMAS. ART. 107 DO CÓDIGO CIVIL. AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DOS OUTORGANTES DO MANDATO PARA QUE OS PATRONOS EXERÇAM O DIREITO DE DESTAQUE. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. | 1. Insurgem-se os recorrentes contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, na parte em que confirmou a decisão de primeiro grau que, por sua vez, indeferiu o pedido de destaque dos honorários advocatícios contratuais, na forma prevista no art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994.
2. Os arts. 658 e 659 do Código Civil não possuem comando apto para sustentar a tese brandida pelos recorrentes, o que faz atrair o empecilho da Súmula 284/STF.
3. Conforme a jurisprudência desta Corte,revela-se possível, nos domínios do recurso especial, promover a revaloração jurídica de contexto fático tido por incontroverso nas instâncias ordinárias.
4. É possível a retenção dos valores devidos a título de honorários contratuais com a oportuna apresentação do contrato celebrado entre o exequente e o seu patrono, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994. Nesse sentido: AgInt no REsp 1.671.716/PE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe 30/9/2020; AgInt no AREsp 1.806.619/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 29/6/2021.
5. No caso concreto, é incontroverso que a petição inicial de execução de título judicial proposta pelos ora recorrentes veio instruída com os respectivos instrumentos de procuração, também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.
6. A legislação brasileira admitequalquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo dos contrato juridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir"). Nesse fio: REsp 1.881.149/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 10/6/2021.
7. Não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os ora recorrentes e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, como incontroversamente ocorrido no caso em exame, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.
8. De outro giro, o art. 22, § 4º, da Lei 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários,de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.
9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido. | N |
142,687,535 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher em parte o agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
1. Trata-se de agravo interno interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial, tendo em vista: 1) a ausência de violação ao art. 1.022 do CPC; 2) a existência no julgado recorrido de fundamento inatacado suficiente a sua manutenção (Súmula 283/STF), bem como pela 3) consonância do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte (Súmula 83/STJ).
Sustentam os agravantes que a ofensa ao art. 1.022, II, do CPC decorre da ocorrência de omissão no julgamento estadual, a respeito de tema suscitado nas contrarrazões de apelação, qual seja, a necessidade de penalização da parte adversa por litigância de má-fé.
Aduzem que foi devidamente impugnado o fundamento constante no acórdão estadual relativo à prejudicialidade do pedido deduzido em contrarrazões (uma vez que a apelação não foi conhecida por falta de preparo), de modo que não deve incidir o veto da Súmula 283/STF, tal qual consignado na decisão monocrática.
Por fim, asseveram que não é o caso de incidência da Súmula 83/STJ, pois os julgados indicados na decisão não são semelhantes à hipótese dos autos.
Afirmam que (fl. 600):
A questão do recurso é simples e objetiva: fixação de honorários da fase recursal onde uma parte (a Recorrida) saiu duplamente vencida em razão de não conhecimento de seu recurso. O §11 do art. 85 não traz qualquer menção, ressalva ou regra especial para hipótese de sucumbência recíproca. Conforme suscitado do REsp e na esteira e razões do precedente do STJ colacionadas no recurso a perda parcial/sucumbência recíproca é IRRELEVANTE quando não existe compensação. Foram os Recorrentes que se deparam com a insistência do Recorrido na interposição de recurso de Apelação, onde saiu vencido sucessivamente. Na parte e âmbito da discussão que o Recorrido perdeu em sede recursal deve haver fixação de honorários recursais atinentes à parte da demanda em que os Recorrentes se sagraram vencedores sucessivamente/duplamente. Este regramento é coerente porque o direito aos honorários de sucumbência é autônomo do advogado e por expressa proibição de compensação em caso de sucumbência recíproca (CPC, art. 85, § 14).
Não foram apresentadas contrarrazões ao agravo interno.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO INEXISTENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 283 DO STF. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE.
1. Não há falar em violação do art. 1.022 do Código de Processo Civil pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio - tal como lhe foram postas e submetidas -, apresentando todos os fundamentos jurídicos pertinentes, à formação do juízo cognitivo proferido na espécie.
2. À falta de contrariedade, permanecem incólumes os motivos expendidos pelo acórdão recorrido, suficientes por si sós à manutenção do julgado. Súmula 283/STF.
3. "A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015." (AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
4. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
5. No caso, o Tribunal de origem, ao não conhecer da apelação, registrou a impossibilidade de alteração da verba honorária em virtude da sucumbência recíproca, dissentindo do posicionamento desta Corte Superior, mormente tendo em vista o preenchimento dos requisitos supracitados.
6. Agravo interno parcialmente provido.
VOTO
2. Não há violação ao art. 1.022, II, do CPC, pois o acórdão proferido na origem não possui vício a ser sanado por meio de embargos de declaração, uma vez que o Tribunal a quo se manifestou acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia - tal como lhe fora posta e submetida -, apresentando todos os fundamentos jurídicos pertinentes à formação do juízo cognitivo proferido.
É cediço que basta ao órgão julgador declinar as razões jurídicas que embasam sua decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais, tampouco venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes, quando já ponderadas e julgadas todas as matérias trazidas no recurso.
No caso vertente, o Tribunal de origem é claro ao consignar que a questão relativa à litigância de má-fé, ventilada nas contrarrazões ao recurso de apelação, não pode ser analisada em razão da prejudicialidade detectada no apelo, isto é, a falta de preparo.
Desse modo, a atividade jurisdicional de segundo grau restou obstada em toda sua amplitude: nem as razões de apelação foram analisadas, nem as contrarrazões.
A propósito, colho o seguinte excerto do acórdão de embargos de declaração (fls. 552/553):
Com efeito, havendo impedimento para o conhecimento da apelação cível, obsta-se a atividade jurisdicional de segundo grau e, como corolário lógico, torna-se prejudicada a análise das contrarrazões àquele recurso.
Veja-se, a respeito, o seguinte trecho de julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
..
2. Cumpre esclarecer, todavia, que o órgão julgador somente estará autorizado a conhecer de ofício o tema em questão e emitir pronunciamento de mérito a seu respeito, quando aberta a sua jurisdição.
3. Dizer que determinada questão pode ser conhecida de ofício significa reconhecer que o juiz pode decidi-la independentemente de pedido, mas em momento processual adequado. Aceitando-se que o momento adequado para a entrega de uma prestação jurisdicional de mérito só se inaugura, no caso dos recursos, quando ultrapassada sua admissibilidade, tem-se de concluir que, no âmbito recursal cível, não cabe pronunciamento meritório de ofício sem que o recurso interposto tenha sido ao menos admitido. Precedentes (..). (REsp 1508929 / RN, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 07/03/2017, DJe 21/03/2017).
Dessarte, não há falar em violação ao art. 1.022 do CPC, sob o argumento de existência de omissão no pronunciamento estadual, uma vez que a prestação jurisdicional entregue pelas instâncias ordinárias abordou de maneira clara todos os temas ventilados pela recorrente, lançando fundamentação jurídica sólida, mediante convicção formada a partir do exame realizado sobre os elementos fático-probatórios dos autos, para a solução adotada no desfecho da lide.
Importa destacar, por último, que "julgamento omisso" não é o mesmo que "julgamento equivocado" ou injusto. Se acaso a decisão não se coaduna com a realidade fática do caso, isto é, se o direito foi mal aplicado à situação delineada nos autos, o recurso deve vir baseado nos artigos de lei federal que tratam da matéria de fundo. Para tanto, não se presta a alegação de mácula apenas ao dispositivo processual que inquina de nulidade os julgamentos omissos, contraditórios ou obscuros, quando nenhuma dessas máculas eiva, na realidade, o aresto proferido na origem.
3. Outrossim, esse fundamento do acórdão estadual a existência de prejudicialidade à atividade de segundo grau de jurisdição, afetando as razões e contrarrazões de apelação não foi devidamente atacado no recurso especial, uma vez que nenhum artigo de lei federal ou precedente jurisprudencial em apoio a sua tese foi apontado no apelo nobre.
Os recorrentes, na verdade, limitam-se a insistir na convicção de que havia necessidade de condenação da agravada nas penas da litigância por má-fé sem se aterem às razões adotadas pelo Tribunal Paulista para afastar tal pretensão.
Sendo assim, o especial se mostra inviável, pela existência de fundamento não atacado, capaz de manter por si só o aresto impugnado (Súmula 283/STF).
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA E RECONVENÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA AVENÇA POR AMBAS AS PARTES. CLÁUSULA PENAL. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS MATÉRIAS ALEGADAS. SÚMULA 211 DO STJ. SUBSISTÊNCIA DE FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283 DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Observa-se que as matérias previstas nos arts. 5º, 6º, 7º, 9º e 933, do Código de Processo Civil de 2015, não foram objeto de debate no acórdão recorrido, nem nos embargos de declaração opostos. A falta do necessário prequestionamento inviabiliza o exame da alegada contrariedade ao dispositivo citado por este Tribunal, em sede de especial. Incidência na espécie da Súmula 211/STJ.
2. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado, qual seja, o de que a análise do recurso de apelação se deu em consonância com as regras do CPC/1973, diploma no qual a regra contida no art. 10 do Novo CPC não tem correspondência legal, impõe o não conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula nº 283/STF.
3. Ademais, de todo modo, esta Corte de Justiça já decidiu pela "Inocorrência de surpresa processual na decisão que resolve, com base em fatos incontroversos da demanda, questão julgada pelas instâncias de cognição plena. Inaplicabilidade do art. 10 do CPC/2015" (AgInt no REsp 1456204/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 06/11/2017).
4. No que concerne ao indicado dissídio pretoriano, observo que a parte recorrente não cumpriu com o disposto no § 2º do art. 255 do RISTJ, pois a demonstração da divergência não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1346578/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe 26/08/2021)
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AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE DEMANDADA.
1. Não se constata a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15, porquanto os argumentos expostos pela parte foram apreciados, com fundamentação clara, coerente e suficiente pelo órgão julgador.
2. A revisão do entendimento do Tribunal a quo acerca da realização da venda na forma ad mensuram, na forma como posta, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, na medida em que demandaria o revolvimento do conjunto fático e probatório dos autos. Precedentes.
2.1. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência do referido óbice impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. Precedentes.
3. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do acórdão impugnado impõe o desprovimento do apelo, a teor do entendimento disposto na Súmula 283 do STF, aplicável por analogia.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1849250/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 09/11/2021)
3. Por fim, quanto aos honorários advocatícios, verifica-se que o Juízo de piso reconheceu a sucumbência recíproca das partes, e fixou os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, cabendo ao patrono de cada uma das partes a proporção de 50% (fl. 341):
Sucumbindo as partes reciprocamente, condeno-as ao rateio das custas, despesas processuais, na proporção de 50% para as autoras e 50% para o réu. Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, cabendo ao patrono do réu 50% deste valor, e ao patrono das autoras os demais 50%.
A apelação interposta pelo Banco Santander não foi conhecida ante a deserção pelo não recolhimento do valor integral do preparo, afastada a majoração dos honorários recursais em decorrência da existência de sucumbência recíproca, o que ficou mais claro no voto dos embargos declaratórios (fl. 553):
E, sobre a questão dos honorários advocatícios, o v. acórdão apenas especificou, diante da sucumbência recíproca existente na r. sentença, que o entendimento desta E. Câmara de Direito Privado é o de descaber majoração de referida verba, sendo indicados precedentes jurisprudenciais das Colendas Cortes Superiores apenas como forma de ilustração desse posicionamento.
Os recorrentes alegam que os honorários advocatícios deveriam ter sido majorados em razão da apelação interposta pelo BANCO SANTANDER, ex vi do art. 85, § 11, do CPC.
Com efeito, "a sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015." (AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020).
Confira-se a ementa desse julgado:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, é possível a majoração dos honorários advocatícios na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
3. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que " a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor".
4. A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui.
5. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.
6. Ademais, nas hipóteses tais como a presente, em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência.
7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.
9. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
Impende registrar que tal majoração somente não é possível na hipótese de sucumbência recíproca quando não houver a fixação expressa de valores na instância ordinária e quando houver o provimento do recurso com a consequente readequação da sucumbência:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO CONFIGURADA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS PARA SANAR O VÍCIO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. REQUISITOS.
I - Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC"; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba.
II - A título exemplificativo, podem ser utilizados pelo julgador como critérios de cálculo dos honorários recursais: a) respeito aos limites percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC de 2015; b) observância do padrão de arbitramento utilizado na origem, ou seja, se os honorários foram fixados na instância a quo em valor monetário, por meio de apreciação equitativa (§ 8º), é interessante que sua majoração observe o mesmo método; se, por outro lado, a verba honorária foi arbitrada na origem com base em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, na forma do § 2º, é interessante que o tribunal mantenha a coerência na majoração utilizando o mesmo parâmetro; c) aferição do valor ou do percentual a ser fixado, em conformidade com os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85; d) deve ser observado se o recurso é parcial, ou seja, se impugna apenas um ou alguns capítulos da sentença, pois em relação aos demais haverá trânsito em julgado, nos termos do art.1.002 do CPC de 2015, de modo que os honorários devem ser arbitrados tendo em vista o proveito econômico que a parte pretendia alcançar com a interposição do recurso parcial; e) o efetivo trabalho do advogado do recorrido.
III - No caso dos autos, além de o recurso especial ter sido interposto quando ainda estava em vigor o CPC de 1973 e não haver sido fixada verba honorária na origem, por se tratar de decisão interlocutória, a parte ora embargante pretende o arbitramento dos honorários recursais previstos no § 11 do art. 85 do Novo CPC no âmbito do agravo interno, o que, como visto, não é cabível.
IV - Embargos de declaração acolhidos para, sem atribuição de efeitos infringentes, sanar a omissão no acórdão embargado.
(EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017)
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AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
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2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
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7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.
9. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
No caso, verifica-se que o Tribunal de origem, ao não conhecer da apelação, registrou a impossibilidade de alteração da verba honorária em virtude da sucumbência recíproca, dissentindo do posicionamento desta Corte Superior, mormente tendo em vista que houve a estipulação de honorários no percentual de 10% sobre o valor da condenação, tendo cabido aos patronos de cada parte o montante de 50% de tal verba, sem qualquer readequação dessa rubrica ante onão conhecimentodo recurso.
Verifiquem-se, à guisa de exemplo,as seguintes decisõesmonocráticas: EDclno REsp 1.956.183/RS, Rel. MIn. Marco Aurelio Bellizze, Terceira Turma, DJe3/12/2021); AREsp 1.695.850/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 6/5/2021.
Assim, merece reparo o acórdão nesse ponto, devendo ser majorados os honorários de sucumbência a cargo da instituição financeira em mais 2%.
4. Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo interno para determinar a majoração da verba honorária a cargo do Banco Santander em mais 2% sobre o valor fixado na origem.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher em parte o agravo, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
1. Trata-se de agravo interno interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial, tendo em vista: 1) a ausência de violação ao art. 1.022 do CPC; 2) a existência no julgado recorrido de fundamento inatacado suficiente a sua manutenção (Súmula 283/STF), bem como pela 3) consonância do acórdão recorrido com a jurisprudência desta Corte (Súmula 83/STJ).
Sustentam os agravantes que a ofensa ao art. 1.022, II, do CPC decorre da ocorrência de omissão no julgamento estadual, a respeito de tema suscitado nas contrarrazões de apelação, qual seja, a necessidade de penalização da parte adversa por litigância de má-fé.
Aduzem que foi devidamente impugnado o fundamento constante no acórdão estadual relativo à prejudicialidade do pedido deduzido em contrarrazões (uma vez que a apelação não foi conhecida por falta de preparo), de modo que não deve incidir o veto da Súmula 283/STF, tal qual consignado na decisão monocrática.
Por fim, asseveram que não é o caso de incidência da Súmula 83/STJ, pois os julgados indicados na decisão não são semelhantes à hipótese dos autos.
Afirmam que (fl. 600):
A questão do recurso é simples e objetiva: fixação de honorários da fase recursal onde uma parte (a Recorrida) saiu duplamente vencida em razão de não conhecimento de seu recurso. O §11 do art. 85 não traz qualquer menção, ressalva ou regra especial para hipótese de sucumbência recíproca. Conforme suscitado do REsp e na esteira e razões do precedente do STJ colacionadas no recurso a perda parcial/sucumbência recíproca é IRRELEVANTE quando não existe compensação. Foram os Recorrentes que se deparam com a insistência do Recorrido na interposição de recurso de Apelação, onde saiu vencido sucessivamente. Na parte e âmbito da discussão que o Recorrido perdeu em sede recursal deve haver fixação de honorários recursais atinentes à parte da demanda em que os Recorrentes se sagraram vencedores sucessivamente/duplamente. Este regramento é coerente porque o direito aos honorários de sucumbência é autônomo do advogado e por expressa proibição de compensação em caso de sucumbência recíproca (CPC, art. 85, § 14).
Não foram apresentadas contrarrazões ao agravo interno.
É o relatório.
VOTO
2. Não há violação ao art. 1.022, II, do CPC, pois o acórdão proferido na origem não possui vício a ser sanado por meio de embargos de declaração, uma vez que o Tribunal a quo se manifestou acerca de todas as questões relevantes para a solução da controvérsia - tal como lhe fora posta e submetida -, apresentando todos os fundamentos jurídicos pertinentes à formação do juízo cognitivo proferido.
É cediço que basta ao órgão julgador declinar as razões jurídicas que embasam sua decisão, não sendo exigível que se reporte de modo específico a determinados preceitos legais, tampouco venha a examinar uma a uma as alegações e fundamentos expendidos pelas partes, quando já ponderadas e julgadas todas as matérias trazidas no recurso.
No caso vertente, o Tribunal de origem é claro ao consignar que a questão relativa à litigância de má-fé, ventilada nas contrarrazões ao recurso de apelação, não pode ser analisada em razão da prejudicialidade detectada no apelo, isto é, a falta de preparo.
Desse modo, a atividade jurisdicional de segundo grau restou obstada em toda sua amplitude: nem as razões de apelação foram analisadas, nem as contrarrazões.
A propósito, colho o seguinte excerto do acórdão de embargos de declaração (fls. 552/553):
Com efeito, havendo impedimento para o conhecimento da apelação cível, obsta-se a atividade jurisdicional de segundo grau e, como corolário lógico, torna-se prejudicada a análise das contrarrazões àquele recurso.
Veja-se, a respeito, o seguinte trecho de julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
..
2. Cumpre esclarecer, todavia, que o órgão julgador somente estará autorizado a conhecer de ofício o tema em questão e emitir pronunciamento de mérito a seu respeito, quando aberta a sua jurisdição.
3. Dizer que determinada questão pode ser conhecida de ofício significa reconhecer que o juiz pode decidi-la independentemente de pedido, mas em momento processual adequado. Aceitando-se que o momento adequado para a entrega de uma prestação jurisdicional de mérito só se inaugura, no caso dos recursos, quando ultrapassada sua admissibilidade, tem-se de concluir que, no âmbito recursal cível, não cabe pronunciamento meritório de ofício sem que o recurso interposto tenha sido ao menos admitido. Precedentes (..). (REsp 1508929 / RN, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 07/03/2017, DJe 21/03/2017).
Dessarte, não há falar em violação ao art. 1.022 do CPC, sob o argumento de existência de omissão no pronunciamento estadual, uma vez que a prestação jurisdicional entregue pelas instâncias ordinárias abordou de maneira clara todos os temas ventilados pela recorrente, lançando fundamentação jurídica sólida, mediante convicção formada a partir do exame realizado sobre os elementos fático-probatórios dos autos, para a solução adotada no desfecho da lide.
Importa destacar, por último, que "julgamento omisso" não é o mesmo que "julgamento equivocado" ou injusto. Se acaso a decisão não se coaduna com a realidade fática do caso, isto é, se o direito foi mal aplicado à situação delineada nos autos, o recurso deve vir baseado nos artigos de lei federal que tratam da matéria de fundo. Para tanto, não se presta a alegação de mácula apenas ao dispositivo processual que inquina de nulidade os julgamentos omissos, contraditórios ou obscuros, quando nenhuma dessas máculas eiva, na realidade, o aresto proferido na origem.
3. Outrossim, esse fundamento do acórdão estadual a existência de prejudicialidade à atividade de segundo grau de jurisdição, afetando as razões e contrarrazões de apelação não foi devidamente atacado no recurso especial, uma vez que nenhum artigo de lei federal ou precedente jurisprudencial em apoio a sua tese foi apontado no apelo nobre.
Os recorrentes, na verdade, limitam-se a insistir na convicção de que havia necessidade de condenação da agravada nas penas da litigância por má-fé sem se aterem às razões adotadas pelo Tribunal Paulista para afastar tal pretensão.
Sendo assim, o especial se mostra inviável, pela existência de fundamento não atacado, capaz de manter por si só o aresto impugnado (Súmula 283/STF).
Nesse sentido:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA DE CLÁUSULA PENAL COMPENSATÓRIA E RECONVENÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA AVENÇA POR AMBAS AS PARTES. CLÁUSULA PENAL. AFASTAMENTO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DAS MATÉRIAS ALEGADAS. SÚMULA 211 DO STJ. SUBSISTÊNCIA DE FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283 DO STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Observa-se que as matérias previstas nos arts. 5º, 6º, 7º, 9º e 933, do Código de Processo Civil de 2015, não foram objeto de debate no acórdão recorrido, nem nos embargos de declaração opostos. A falta do necessário prequestionamento inviabiliza o exame da alegada contrariedade ao dispositivo citado por este Tribunal, em sede de especial. Incidência na espécie da Súmula 211/STJ.
2. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do aresto impugnado, qual seja, o de que a análise do recurso de apelação se deu em consonância com as regras do CPC/1973, diploma no qual a regra contida no art. 10 do Novo CPC não tem correspondência legal, impõe o não conhecimento da pretensão recursal, a teor do entendimento disposto na Súmula nº 283/STF.
3. Ademais, de todo modo, esta Corte de Justiça já decidiu pela "Inocorrência de surpresa processual na decisão que resolve, com base em fatos incontroversos da demanda, questão julgada pelas instâncias de cognição plena. Inaplicabilidade do art. 10 do CPC/2015" (AgInt no REsp 1456204/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/10/2017, DJe 06/11/2017).
4. No que concerne ao indicado dissídio pretoriano, observo que a parte recorrente não cumpriu com o disposto no § 2º do art. 255 do RISTJ, pois a demonstração da divergência não se satisfaz com a simples transcrição de ementas, mas com o confronto entre trechos do acórdão recorrido e das decisões apontadas como divergentes, mencionando-se as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.
5. Agravo interno não provido.
(AgInt no AgInt no AREsp 1346578/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/08/2021, DJe 26/08/2021)
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AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO CONDENATÓRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DA PARTE DEMANDADA.
1. Não se constata a alegada violação aos artigos 489 e 1.022 do CPC/15, porquanto os argumentos expostos pela parte foram apreciados, com fundamentação clara, coerente e suficiente pelo órgão julgador.
2. A revisão do entendimento do Tribunal a quo acerca da realização da venda na forma ad mensuram, na forma como posta, esbarra no óbice da Súmula 7/STJ, na medida em que demandaria o revolvimento do conjunto fático e probatório dos autos. Precedentes.
2.1. Esta Corte de Justiça tem entendimento no sentido de que a incidência do referido óbice impede o exame de dissídio jurisprudencial, na medida em que falta identidade entre os paradigmas apresentados e os fundamentos do acórdão, tendo em vista a situação fática do caso concreto, com base na qual deu solução a causa a Corte de origem. Precedentes.
3. A subsistência de fundamento inatacado apto a manter a conclusão do acórdão impugnado impõe o desprovimento do apelo, a teor do entendimento disposto na Súmula 283 do STF, aplicável por analogia.
4. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1849250/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 09/11/2021)
3. Por fim, quanto aos honorários advocatícios, verifica-se que o Juízo de piso reconheceu a sucumbência recíproca das partes, e fixou os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, cabendo ao patrono de cada uma das partes a proporção de 50% (fl. 341):
Sucumbindo as partes reciprocamente, condeno-as ao rateio das custas, despesas processuais, na proporção de 50% para as autoras e 50% para o réu. Fixo os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, cabendo ao patrono do réu 50% deste valor, e ao patrono das autoras os demais 50%.
A apelação interposta pelo Banco Santander não foi conhecida ante a deserção pelo não recolhimento do valor integral do preparo, afastada a majoração dos honorários recursais em decorrência da existência de sucumbência recíproca, o que ficou mais claro no voto dos embargos declaratórios (fl. 553):
E, sobre a questão dos honorários advocatícios, o v. acórdão apenas especificou, diante da sucumbência recíproca existente na r. sentença, que o entendimento desta E. Câmara de Direito Privado é o de descaber majoração de referida verba, sendo indicados precedentes jurisprudenciais das Colendas Cortes Superiores apenas como forma de ilustração desse posicionamento.
Os recorrentes alegam que os honorários advocatícios deveriam ter sido majorados em razão da apelação interposta pelo BANCO SANTANDER, ex vi do art. 85, § 11, do CPC.
Com efeito, "a sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015." (AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020).
Confira-se a ementa desse julgado:
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, é possível a majoração dos honorários advocatícios na forma do artigo 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
3. Isso porque, em relação aos honorários de sucumbência, o caput do art. 85 do CPC de 2015 dispõe que " a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor".
4. A relação jurídica se estabelece entre a parte litigante e o causídico do ex adverso, diferentemente do que ocorre nos honorários advocatícios convencionais - ou contratuais -, em que a relação jurídica se estabelece entre a parte e o patrono que constitui.
5. Acaso se adote o entendimento de que, havendo sucumbência recíproca, cada parte se responsabiliza pela remuneração do seu respectivo patrono também no que tange aos honorários de sucumbência, o deferimento de gratuidade de justiça ensejaria conflito de interesses entre o advogado e a parte beneficiária por ele representada, criando situação paradoxal de um causídico defender um benefício ao seu cliente que, de forma reflexa, o prejudicaria.
6. Ademais, nas hipóteses tais como a presente, em que a sucumbência recíproca não é igualitária, a prevalência do entendimento de que cada uma das partes arcará com os honorários sucumbenciais do próprio causídico que constituiu poderia dar ensejo à situação de o advogado da parte que sucumbiu mais no processo receber uma parcela maior dos honorários de sucumbência, ou de a parte litigante que menos sucumbiu na demanda pagar uma parcela maior dos honorários de sucumbência.
7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.
9. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
Impende registrar que tal majoração somente não é possível na hipótese de sucumbência recíproca quando não houver a fixação expressa de valores na instância ordinária e quando houver o provimento do recurso com a consequente readequação da sucumbência:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. OMISSÃO CONFIGURADA. ACOLHIMENTO DOS EMBARGOS PARA SANAR O VÍCIO. CABIMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSAIS. REQUISITOS.
I - Para fins de arbitramento de honorários advocatícios recursais, previstos no § 11 do art. 85 do CPC de 2015, é necessário o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: Direito Intertemporal: deve haver incidência imediata, ao processo em curso, da norma do art. 85, § 11, do CPC de 2015, observada a data em que o ato processual de recorrer tem seu nascedouro, ou seja, a publicação da decisão recorrida, nos termos do Enunciado 7 do Plenário do STJ: "Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC"; o não conhecimento integral ou o improvimento do recurso pelo Relator, monocraticamente, ou pelo órgão colegiado competente; a verba honorária sucumbencial deve ser devida desde a origem no feito em que interposto o recurso; não haverá majoração de honorários no julgamento de agravo interno e de embargos de declaração oferecidos pela parte que teve seu recurso não conhecido integralmente ou não provido; não terem sido atingidos na origem os limites previstos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015, para cada fase do processo; não é exigível a comprovação de trabalho adicional do advogado do recorrido no grau recursal, tratando-se apenas de critério de quantificação da verba.
II - A título exemplificativo, podem ser utilizados pelo julgador como critérios de cálculo dos honorários recursais: a) respeito aos limites percentuais estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85 do CPC de 2015; b) observância do padrão de arbitramento utilizado na origem, ou seja, se os honorários foram fixados na instância a quo em valor monetário, por meio de apreciação equitativa (§ 8º), é interessante que sua majoração observe o mesmo método; se, por outro lado, a verba honorária foi arbitrada na origem com base em percentual sobre o valor da condenação, do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, na forma do § 2º, é interessante que o tribunal mantenha a coerência na majoração utilizando o mesmo parâmetro; c) aferição do valor ou do percentual a ser fixado, em conformidade com os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85; d) deve ser observado se o recurso é parcial, ou seja, se impugna apenas um ou alguns capítulos da sentença, pois em relação aos demais haverá trânsito em julgado, nos termos do art.1.002 do CPC de 2015, de modo que os honorários devem ser arbitrados tendo em vista o proveito econômico que a parte pretendia alcançar com a interposição do recurso parcial; e) o efetivo trabalho do advogado do recorrido.
III - No caso dos autos, além de o recurso especial ter sido interposto quando ainda estava em vigor o CPC de 1973 e não haver sido fixada verba honorária na origem, por se tratar de decisão interlocutória, a parte ora embargante pretende o arbitramento dos honorários recursais previstos no § 11 do art. 85 do Novo CPC no âmbito do agravo interno, o que, como visto, não é cabível.
IV - Embargos de declaração acolhidos para, sem atribuição de efeitos infringentes, sanar a omissão no acórdão embargado.
(EDcl no AgInt no REsp 1573573/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe 08/05/2017)
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AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. PROVIMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO COM READEQUAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIA QUE IMPEDE A MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS EM SEDE RECURSAL. PRECEDENTES.
AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
..
2. A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015.
..
7. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
8. Na espécie, o Tribunal de origem, ao dar provimento ao apelo da parte ora agravante, empreendeu nova distribuição da sucumbência entre os litigantes. Essa circunstância impede a majoração dos honorários sucumbenciais, com base no parágrafo 11 do art. 85 do CPC.
9. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
No caso, verifica-se que o Tribunal de origem, ao não conhecer da apelação, registrou a impossibilidade de alteração da verba honorária em virtude da sucumbência recíproca, dissentindo do posicionamento desta Corte Superior, mormente tendo em vista que houve a estipulação de honorários no percentual de 10% sobre o valor da condenação, tendo cabido aos patronos de cada parte o montante de 50% de tal verba, sem qualquer readequação dessa rubrica ante onão conhecimentodo recurso.
Verifiquem-se, à guisa de exemplo,as seguintes decisõesmonocráticas: EDclno REsp 1.956.183/RS, Rel. MIn. Marco Aurelio Bellizze, Terceira Turma, DJe3/12/2021); AREsp 1.695.850/SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, DJe 6/5/2021.
Assim, merece reparo o acórdão nesse ponto, devendo ser majorados os honorários de sucumbência a cargo da instituição financeira em mais 2%.
4. Ante o exposto, dou parcial provimento ao agravo interno para determinar a majoração da verba honorária a cargo do Banco Santander em mais 2% sobre o valor fixado na origem.
É o voto. | EMENTA
AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO INEXISTENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 283 DO STF. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE.
1. Não há falar em violação do art. 1.022 do Código de Processo Civil pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio - tal como lhe foram postas e submetidas -, apresentando todos os fundamentos jurídicos pertinentes, à formação do juízo cognitivo proferido na espécie.
2. À falta de contrariedade, permanecem incólumes os motivos expendidos pelo acórdão recorrido, suficientes por si sós à manutenção do julgado. Súmula 283/STF.
3. "A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015." (AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
4. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
5. No caso, o Tribunal de origem, ao não conhecer da apelação, registrou a impossibilidade de alteração da verba honorária em virtude da sucumbência recíproca, dissentindo do posicionamento desta Corte Superior, mormente tendo em vista o preenchimento dos requisitos supracitados.
6. Agravo interno parcialmente provido. | AGRAVO INTERNO EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO INEXISTENTE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 283 DO STF. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. ARTIGO 85, § 11, DO CPC DE 2015. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE. | 1. Não há falar em violação do art. 1.022 do Código de Processo Civil pois o Tribunal de origem dirimiu as questões pertinentes ao litígio - tal como lhe foram postas e submetidas -, apresentando todos os fundamentos jurídicos pertinentes, à formação do juízo cognitivo proferido na espécie.
2. À falta de contrariedade, permanecem incólumes os motivos expendidos pelo acórdão recorrido, suficientes por si sós à manutenção do julgado. Súmula 283/STF.
3. "A sucumbência recíproca, por si só, não afasta a condenação em honorários advocatícios de sucumbência, tampouco impede a sua majoração em sede recursal com base no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015." (AgInt no AREsp 1495369/MS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 01/09/2020, DJe 16/10/2020)
4. Em que pese não existir óbice à majoração de honorários em sede recursal quando está caracterizada a sucumbência recíproca, a jurisprudência desta Corte Superior preconiza a necessidade da presença concomitante dos seguintes requisitos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no processo em que interposto o recurso.
5. No caso, o Tribunal de origem, ao não conhecer da apelação, registrou a impossibilidade de alteração da verba honorária em virtude da sucumbência recíproca, dissentindo do posicionamento desta Corte Superior, mormente tendo em vista o preenchimento dos requisitos supracitados.
6. Agravo interno parcialmente provido. | N |
145,729,853 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
TARCÍSIO FERNANDO BLUMER TEIXEIRA LEITE alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento à Apelação Criminal n. 0000655-46.2015.8.26.0551.
A defesa aduz, em síntese, que o processo instaurado em desfavor do réu é nulo, porquanto foi deflagrado a partir de elementos de informação ilícitos, obtidos por meio de invasão de domicílio sem que houvesse autorização judicial nem justa causa para tanto. Argumenta, nesse sentido, que a diligência foi cumprida em endereço diverso do que constava no pedido da autoridade policial e no mandado de busca e apreensão. Sustenta, ainda, a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena.
Requer, assim, a concessão da ordem para que seja reconhecida a nulidade da prova obtida a partir da violação ilícita do domicílio do paciente, com a sua consequente absolvição.
Indeferida a liminar (fls. 731-733), solicitei informações às instâncias ordinárias, as quais foram prestadas às fls. 749-752 e 757-799.
O Ministério Público Federal apresentou parecer às fls. 803-809 pela denegação da ordem.
O paciente está em liberdade por decorrência do deferimento da medida liminar no RHC n. 68.744/SP em 11/3/2016.
EMENTA
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E VENDA DE MEDICAMENTOS, MATÉRIAS-PRIMAS E INSUMOS FARMACÊUTICOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DILIGÊNCIA CUMPRIDA EM ENDEREÇO ALHEIO AO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. PEDIDO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. Na hipótese dos autos, ao dar cumprimento ao mandado de busca e apreensão, a polícia ingressou na residência do acusado, cujo nome e endereço não constavam do pedido da autoridade policial e nem da decisão judicial que autorizou a medida invasiva em outros locais, o que macula a validade da diligência.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 30/5/2017).
4. No caso, não houve referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas relacionadas ao acusado e ao endereço dele (tanto que a autoridade policial não pediu mandado de busca e apreensão para aquele local específico). Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de crimes naquele lugar. Há apenas a descrição de que havia denúncias anônimas dando conta da existência de venda de cocaína na loja de conveniência do acusado, droga que nem sequer foi encontrada pela polícia.
5. Como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão dos itens contidos na denúncia.
6. Pedido de suspensão da execução antecipada da pena prejudicado pelo reconhecimento da nulidade e porque já concedido em outro writ.
7. Ordem concedida para, considerando que não houve autorização judicial nem fundadas razões para o ingresso no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o réu.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Contextualização
Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 8 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática dos crimes previstos nos arts. 273, § 1º c/c o § 1º-A e § 1º-B, I e V, do CP, 16, caput, e parágrafoúnico, IV, ambos da Lei n. 10.826/2003, estes na forma do art. 71, do CP.
Segundo a denúncia:
.. após várias informações dando conta da comercialização de substâncias ilícitas no local (fls. 34/36), expediu-se mandado judicial de busca e apreensão (Autos nº0024566-04.2015.8.26.0320). Policiais civis, visando o seu integral cumprimento, dirigiram-se até o local dos fatos e, após serem recepcionados pelo próprio denunciado, realizaram buscas no imóvel, oportunidade na qual constataram a existência de um laboratório clandestino no local e realizaram a apreensão dos instrumentos, insumos farmacêuticos, matérias-primas e medicamentos, isentos de registro e de procedência ignorada, que ali se encontravam. Ainda em buscas pelo local, os investigadores obtiveram êxito em localizar e apreender uma arma de fogo de uso permitido municiada e com a numeração suprimida, uma arma de fogo de uso restrito, uma arma de fogo de uso permitido sem registro em seu nome, projéteis intactos dos calibres correspondentes às referidas armas, 01 espingarda depressão, 02 aparelhos celulares da marca Samsung e a quantia de R$1.200,00em espécie.
O Juízo singular afastou a nulidade aventada pela defesa com os seguintes argumentos (fl. 530):
Quanto à preliminar de mérito, repilo a alegação de nulidade da busca na residência, pois a situação era de flagrância da prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nessas hipóteses, lícita a conduta dos policiais, até porque o horário da ocorrência era adequado.
Ao manter a condenação, por sua vez, o Tribunal a quo rejeitou a preliminar defensiva da seguinte forma (fls. 16-18, grifei):
Ainda em sede prefacial, cumpre afastar as alegações de nulidade das provas por derivação. Ora, conforme se infere dos documentos juntados às fls. 99/101, havia denúncias de que na Rua Piauí, nºs 196, 197 e 201, Limeira-SP, estaria ocorrendo o tráfico de drogas, inclusive citando o prenome e o apelido do réu, que seria o responsável por uma loja de conveniência e estaria associado a um indivíduo conhecido como "Edson", motivo pelo qual foi expedido mandado de busca e apreensão (fls. 96/98). Logo, não se pode afirmar que o nome do investigado e o endereço não correspondiam aos dados do acusado. Ademais, a alegada mácula decorrente da busca domiciliar realizada na residência do réu foi corretamente rechaçada em sede de embargos de declaração nos seguintes termos: "repilo a alegação de nulidade da busca na residência, pois a situação era de flagrância da prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nessas hipóteses, lícita a conduta dos policiais, até porque o horário da ocorrência era adequado" (cf. fl. 452). De fato, nenhuma ilegalidade houve no ingresso dos policiais na residência do réu, até porque a ação dos agentes da lei foi legitimada pelo estado de flagrância, que se constitui em uma das exceções à garantia de inviolabilidade do domicílio. Ademais, trata-se de crimes permanentes, ou seja, exaurem-se com o simples ato de portar, guardar, ter em depósito, possuir, etc., a arma de fogo ou munição, bem como substâncias ilícitas ou sem registro. Desse modo, independentemente de dispor ou não a polícia de mandado de busca e apreensão, havendo fundada suspeita da ocorrência de crime nas dependências da casa, pode a diligência ser feita a qualquer hora, sem que isso signifique violação à garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio (art. 5º, inc. XI, da CF) e, por conseguinte, se constitua em prova ilícita, inadmissível no processo por força do artigo 5º, inciso LVI, da Carta Magna.
II. Ausência de mandado judicial válido
A tese defensiva central gira em torno do argumento de que o mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo singular não continha nem o nome nem o endereço do paciente, fato que macularia a validade da diligência responsável por apreender armas e medicamentos ilícitos na residência do réu.
Assiste razão ao impetrante.
Na decisão que deferiu a expedição de mandado de busca e apreensão constou (fls. 48-49, grifei):
Trata-se de pedido formulado pela Digna Autoridade Policial, Dr. Alexandre Socolowski, Delegado de Polícia da DISE desta Comarca, com a finalidade de realizar busca domiciliar.
O relatório de investigação informa que várias denúncias aportaram na delegacia dando conta que na Rua Piauí, 201 e 196, Vila Cláudia, estaria ocorrendo tráfico de drogas. Segundo as denúncias, no imóvel de número 201 existe uma espécie de caixa de correspondências onde o usuário deposita o dinheiro e no mesmo recipiente o traficante coloca a droga. Na residência de número 196 reside o denunciado Edson, vulgo "Baleado", o qual seria o proprietário da biqueira.
O pedido veio devidamente instruído e houve concordância do Ministério Público.
DECIDO.
Há indícios convincentes de que pessoa mencionada na representação (Edson) de fls. 02/03, esteja envolvida na prática de traficância de entorpecentes.
Assim, defiro o pedido de busca e apreensão, observando-se o disposto no art. 240, do Código de Processo Penal.
Sirva a presente decisão de mandado, que terá o prazo de dez dias para o devido cumprimento nos endereços Rua Piauí, 201 e 196, Vila Cláudia, Limeira/SP.
..
Conforme se depreende com clareza da leitura do decisum, tanto o pedido da autoridade policial quanto o deferimento do Juízo de primeiro grau foram especificamente delimitados ao investigado Edson e às residências de números 196 e 201 da Rua Piauí, sem que haja sido feita nenhuma menção à casa de número 197, na qual morava o paciente Tarcísio.
Tanto é evidente essa constatação que, para rechaçarem a preliminar de nulidade suscitada pela defesa, as instâncias ordinárias se fiaram no argumento de que a natureza permanente dos delitos imputados ao acusado permitiria o ingresso em domicílio mesmo sem mandado judicial, sobretudo porque havia denúncias anônimas registradas em desfavor dele e com apontamento do número de sua residência. Admitiu-se, então, por via oblíqua, a inexistência de autorização do Juízo para entrada no imóvel de número 197, no qual, segundo a denúncia, foram apreendidos os objetos ilícitos em posse do réu. Senão vejamos: "Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, na data de 21 de dezembro de 2015, por volta das 11h30min, na Rua Piauí. n. 197 .. ".
Incontroverso, portanto, o fato de que o mandado judicial foi cumprido em endereço alheio ao pedido da Polícia Civil e à autorização deferida pelo Poder Judiciário, o que invalida a diligência e, por conseguinte, tudo o que dela se colheu.
Ilustrativamente, trago à baila julgados do Supremo Tribunal Federal em sentido similar (grifei):
Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à proteção contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que dispensam o consentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude do resultado da diligência. 5. Ordem concedida, para determinar a inutilização das provas.
(HC n. 106.566/SP, Relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 19/3/2015)
..
Penal e Processual Penal. 2. Busca e apreensão em local distinto do definido no mandado judicial. 3. Autorização de meio de investigação em endereços de pessoa jurídica, mas o ato foi realizado na casa de pessoas físicas não elencadas no rol. 4. Ilegalidade que impõe o reconhecimento da ilicitude da prova. 5. Ordem concedida para declarar a ilicitude dos elementos probatórios obtidos na busca e apreensão realizada no domicílio das pessoas físicas e suas derivadas, nos termos do acórdão.
(HC n. 144.159/PR, Relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 03/08/2020)
III. Crimes permanentes - ausência de fundadas razões
De fato, conforme apontado pelo Tribunal a quo ao validar a diligência, há nos autos o registro de denúncias anônimas indicando especificamente o prenome e o imóvel do réu como local de possível venda de cocaína(fls. 45-47), o que traz a lume antiga discussão sobre a legitimidade do procedimento policial que, após o ingresso no interior da residência de determinado indivíduo, sem autorização judicial, logra encontrar e apreender objetos ilícitos, de sorte a configurar a suposta prática de crime permanente e autorizar, segundo ultrapassada linha de pensamento, o ingresso domiciliar.
Faço lembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, com repercussão geral previamente reconhecida, assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori , que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).
A Corte Suprema, em síntese, definiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões - na dicção do art. 240, § 1º, do CPP -, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.
Embora a jurisprudência tenha caminhado no sentido de que as autoridades podem ingressar em domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente - de que é exemplo o tráfico de drogas -, propus, ao julgar o REsp n. 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), que o entendimento fosse aperfeiçoado, dentro, obviamente, dos limites definidos pela Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, para que se pudesse perquirir em qual medida a entrada forçada em domicílio é tolerável.
Na ocasião, esta colenda Sexta Turma decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida. Ora, se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém e, então, verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente. A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.
No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida, e não mera desconfiança fulcrada, v. g., na fuga de indivíduo de uma ronda policial, comportamento que pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente ou mesmo carregando consigo ilegalmente arma de fogo.
No caso dos autos, entretanto, não houvereferência a prévia investigação, monitoramento ou campanas relacionadas ao acusado e ao endereço dele (Rua Piauí, n. 197 - tanto que a autoridade policial não pediu mandado de busca e apreensão para aquele local específico). Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de crimes naquele lugar. Há apenas a descrição de que havia denúncias anônimas dando conta da existência de venda de cocaína na loja de conveniência do acusado, droga que nem sequer foi encontrada pela polícia.
Relembro que, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da notitia criminis anônima (v. g., Inq n. 4.633/DF, Rel. Ministro Edson Fachin, 2ª T., DJe 8/6/2018). Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
Não por outro motivo, esta Corte tem reiteradamente decidido que "A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida." (HC n. 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/12/2019).
Portanto, uma vez que, no caso dos autos, não há nem sequer como inferir que a paciente estivesse praticando o delito de tráfico de drogas, ou outro ato de caráter permanente, no interior da casa, entendo não haver razão séria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha havido posterior descoberta e apreensão, em sua residência, de objetos ilícitos, sob pena de esvaziar-se essa franquia constitucional da mais alta importância.
Diante de tais considerações, tenho que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação da norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e o próprio processo penal, porque apoiado exclusivamente nessa diligência policial.
A propósito, faço lembrar que a essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (melhor seria dizer venenosa, tradução da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de outra contaminada por ilicitude original.
Por conseguinte, inadmissíveis também as provas derivadas da conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão dos itens referidos na denúncia. Não se pode, evidentemente, admitir que o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduza à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima.
IV. Suspensão da execução antecipada da pena
Diante do reconhecimento da nulidade e do fato de que esse pedido já foi concedido no HC n. 509.004/SP, fica prejudicada a sua análise.
V. Dispositivo
À vista do exposto, julgo parcialmente prejudicado o habeas corpus e, na parte conhecida, concedo a ordem, para, considerando que não houve autorização judicial, tampouco fundadas razões para o ingresso em domicílio, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o acusado da condenação imposta a ele no Processo n. 0000655-46.2015.8.26.0551. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder o habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz e Sebastião Reis Júnior votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ:
TARCÍSIO FERNANDO BLUMER TEIXEIRA LEITE alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negou provimento à Apelação Criminal n. 0000655-46.2015.8.26.0551.
A defesa aduz, em síntese, que o processo instaurado em desfavor do réu é nulo, porquanto foi deflagrado a partir de elementos de informação ilícitos, obtidos por meio de invasão de domicílio sem que houvesse autorização judicial nem justa causa para tanto. Argumenta, nesse sentido, que a diligência foi cumprida em endereço diverso do que constava no pedido da autoridade policial e no mandado de busca e apreensão. Sustenta, ainda, a inconstitucionalidade da execução antecipada da pena.
Requer, assim, a concessão da ordem para que seja reconhecida a nulidade da prova obtida a partir da violação ilícita do domicílio do paciente, com a sua consequente absolvição.
Indeferida a liminar (fls. 731-733), solicitei informações às instâncias ordinárias, as quais foram prestadas às fls. 749-752 e 757-799.
O Ministério Público Federal apresentou parecer às fls. 803-809 pela denegação da ordem.
O paciente está em liberdade por decorrência do deferimento da medida liminar no RHC n. 68.744/SP em 11/3/2016.
EMENTA
POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E VENDA DE MEDICAMENTOS, MATÉRIAS-PRIMAS E INSUMOS FARMACÊUTICOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DILIGÊNCIA CUMPRIDA EM ENDEREÇO ALHEIO AO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. PEDIDO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. Na hipótese dos autos, ao dar cumprimento ao mandado de busca e apreensão, a polícia ingressou na residência do acusado, cujo nome e endereço não constavam do pedido da autoridade policial e nem da decisão judicial que autorizou a medida invasiva em outros locais, o que macula a validade da diligência.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 30/5/2017).
4. No caso, não houve referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas relacionadas ao acusado e ao endereço dele (tanto que a autoridade policial não pediu mandado de busca e apreensão para aquele local específico). Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de crimes naquele lugar. Há apenas a descrição de que havia denúncias anônimas dando conta da existência de venda de cocaína na loja de conveniência do acusado, droga que nem sequer foi encontrada pela polícia.
5. Como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão dos itens contidos na denúncia.
6. Pedido de suspensão da execução antecipada da pena prejudicado pelo reconhecimento da nulidade e porque já concedido em outro writ.
7. Ordem concedida para, considerando que não houve autorização judicial nem fundadas razões para o ingresso no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o réu.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Contextualização
Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 8 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática dos crimes previstos nos arts. 273, § 1º c/c o § 1º-A e § 1º-B, I e V, do CP, 16, caput, e parágrafoúnico, IV, ambos da Lei n. 10.826/2003, estes na forma do art. 71, do CP.
Segundo a denúncia:
.. após várias informações dando conta da comercialização de substâncias ilícitas no local (fls. 34/36), expediu-se mandado judicial de busca e apreensão (Autos nº0024566-04.2015.8.26.0320). Policiais civis, visando o seu integral cumprimento, dirigiram-se até o local dos fatos e, após serem recepcionados pelo próprio denunciado, realizaram buscas no imóvel, oportunidade na qual constataram a existência de um laboratório clandestino no local e realizaram a apreensão dos instrumentos, insumos farmacêuticos, matérias-primas e medicamentos, isentos de registro e de procedência ignorada, que ali se encontravam. Ainda em buscas pelo local, os investigadores obtiveram êxito em localizar e apreender uma arma de fogo de uso permitido municiada e com a numeração suprimida, uma arma de fogo de uso restrito, uma arma de fogo de uso permitido sem registro em seu nome, projéteis intactos dos calibres correspondentes às referidas armas, 01 espingarda depressão, 02 aparelhos celulares da marca Samsung e a quantia de R$1.200,00em espécie.
O Juízo singular afastou a nulidade aventada pela defesa com os seguintes argumentos (fl. 530):
Quanto à preliminar de mérito, repilo a alegação de nulidade da busca na residência, pois a situação era de flagrância da prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nessas hipóteses, lícita a conduta dos policiais, até porque o horário da ocorrência era adequado.
Ao manter a condenação, por sua vez, o Tribunal a quo rejeitou a preliminar defensiva da seguinte forma (fls. 16-18, grifei):
Ainda em sede prefacial, cumpre afastar as alegações de nulidade das provas por derivação. Ora, conforme se infere dos documentos juntados às fls. 99/101, havia denúncias de que na Rua Piauí, nºs 196, 197 e 201, Limeira-SP, estaria ocorrendo o tráfico de drogas, inclusive citando o prenome e o apelido do réu, que seria o responsável por uma loja de conveniência e estaria associado a um indivíduo conhecido como "Edson", motivo pelo qual foi expedido mandado de busca e apreensão (fls. 96/98). Logo, não se pode afirmar que o nome do investigado e o endereço não correspondiam aos dados do acusado. Ademais, a alegada mácula decorrente da busca domiciliar realizada na residência do réu foi corretamente rechaçada em sede de embargos de declaração nos seguintes termos: "repilo a alegação de nulidade da busca na residência, pois a situação era de flagrância da prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nessas hipóteses, lícita a conduta dos policiais, até porque o horário da ocorrência era adequado" (cf. fl. 452). De fato, nenhuma ilegalidade houve no ingresso dos policiais na residência do réu, até porque a ação dos agentes da lei foi legitimada pelo estado de flagrância, que se constitui em uma das exceções à garantia de inviolabilidade do domicílio. Ademais, trata-se de crimes permanentes, ou seja, exaurem-se com o simples ato de portar, guardar, ter em depósito, possuir, etc., a arma de fogo ou munição, bem como substâncias ilícitas ou sem registro. Desse modo, independentemente de dispor ou não a polícia de mandado de busca e apreensão, havendo fundada suspeita da ocorrência de crime nas dependências da casa, pode a diligência ser feita a qualquer hora, sem que isso signifique violação à garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio (art. 5º, inc. XI, da CF) e, por conseguinte, se constitua em prova ilícita, inadmissível no processo por força do artigo 5º, inciso LVI, da Carta Magna.
II. Ausência de mandado judicial válido
A tese defensiva central gira em torno do argumento de que o mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo singular não continha nem o nome nem o endereço do paciente, fato que macularia a validade da diligência responsável por apreender armas e medicamentos ilícitos na residência do réu.
Assiste razão ao impetrante.
Na decisão que deferiu a expedição de mandado de busca e apreensão constou (fls. 48-49, grifei):
Trata-se de pedido formulado pela Digna Autoridade Policial, Dr. Alexandre Socolowski, Delegado de Polícia da DISE desta Comarca, com a finalidade de realizar busca domiciliar.
O relatório de investigação informa que várias denúncias aportaram na delegacia dando conta que na Rua Piauí, 201 e 196, Vila Cláudia, estaria ocorrendo tráfico de drogas. Segundo as denúncias, no imóvel de número 201 existe uma espécie de caixa de correspondências onde o usuário deposita o dinheiro e no mesmo recipiente o traficante coloca a droga. Na residência de número 196 reside o denunciado Edson, vulgo "Baleado", o qual seria o proprietário da biqueira.
O pedido veio devidamente instruído e houve concordância do Ministério Público.
DECIDO.
Há indícios convincentes de que pessoa mencionada na representação (Edson) de fls. 02/03, esteja envolvida na prática de traficância de entorpecentes.
Assim, defiro o pedido de busca e apreensão, observando-se o disposto no art. 240, do Código de Processo Penal.
Sirva a presente decisão de mandado, que terá o prazo de dez dias para o devido cumprimento nos endereços Rua Piauí, 201 e 196, Vila Cláudia, Limeira/SP.
..
Conforme se depreende com clareza da leitura do decisum, tanto o pedido da autoridade policial quanto o deferimento do Juízo de primeiro grau foram especificamente delimitados ao investigado Edson e às residências de números 196 e 201 da Rua Piauí, sem que haja sido feita nenhuma menção à casa de número 197, na qual morava o paciente Tarcísio.
Tanto é evidente essa constatação que, para rechaçarem a preliminar de nulidade suscitada pela defesa, as instâncias ordinárias se fiaram no argumento de que a natureza permanente dos delitos imputados ao acusado permitiria o ingresso em domicílio mesmo sem mandado judicial, sobretudo porque havia denúncias anônimas registradas em desfavor dele e com apontamento do número de sua residência. Admitiu-se, então, por via oblíqua, a inexistência de autorização do Juízo para entrada no imóvel de número 197, no qual, segundo a denúncia, foram apreendidos os objetos ilícitos em posse do réu. Senão vejamos: "Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, na data de 21 de dezembro de 2015, por volta das 11h30min, na Rua Piauí. n. 197 .. ".
Incontroverso, portanto, o fato de que o mandado judicial foi cumprido em endereço alheio ao pedido da Polícia Civil e à autorização deferida pelo Poder Judiciário, o que invalida a diligência e, por conseguinte, tudo o que dela se colheu.
Ilustrativamente, trago à baila julgados do Supremo Tribunal Federal em sentido similar (grifei):
Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à proteção contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que dispensam o consentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude do resultado da diligência. 5. Ordem concedida, para determinar a inutilização das provas.
(HC n. 106.566/SP, Relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 19/3/2015)
..
Penal e Processual Penal. 2. Busca e apreensão em local distinto do definido no mandado judicial. 3. Autorização de meio de investigação em endereços de pessoa jurídica, mas o ato foi realizado na casa de pessoas físicas não elencadas no rol. 4. Ilegalidade que impõe o reconhecimento da ilicitude da prova. 5. Ordem concedida para declarar a ilicitude dos elementos probatórios obtidos na busca e apreensão realizada no domicílio das pessoas físicas e suas derivadas, nos termos do acórdão.
(HC n. 144.159/PR, Relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 03/08/2020)
III. Crimes permanentes - ausência de fundadas razões
De fato, conforme apontado pelo Tribunal a quo ao validar a diligência, há nos autos o registro de denúncias anônimas indicando especificamente o prenome e o imóvel do réu como local de possível venda de cocaína(fls. 45-47), o que traz a lume antiga discussão sobre a legitimidade do procedimento policial que, após o ingresso no interior da residência de determinado indivíduo, sem autorização judicial, logra encontrar e apreender objetos ilícitos, de sorte a configurar a suposta prática de crime permanente e autorizar, segundo ultrapassada linha de pensamento, o ingresso domiciliar.
Faço lembrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, com repercussão geral previamente reconhecida, assentou que "a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori , que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados" (Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).
A Corte Suprema, em síntese, definiu que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões - na dicção do art. 240, § 1º, do CPP -, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.
Embora a jurisprudência tenha caminhado no sentido de que as autoridades podem ingressar em domicílio, sem o consentimento do morador, em hipóteses de flagrante delito de crime permanente - de que é exemplo o tráfico de drogas -, propus, ao julgar o REsp n. 1.574.681/RS (DJe 30/5/2017), que o entendimento fosse aperfeiçoado, dentro, obviamente, dos limites definidos pela Carta Magna e pelo Supremo Tribunal Federal, para que se pudesse perquirir em qual medida a entrada forçada em domicílio é tolerável.
Na ocasião, esta colenda Sexta Turma decidiu, à unanimidade, que não se há de admitir que a mera constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, justifique a medida. Ora, se o próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, e mesmo assim mediante decisão devidamente fundamentada, após prévia análise dos requisitos autorizadores da medida, não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém e, então, verificar se nela há ou não alguma substância entorpecente. A ausência de justificativas e de elementos seguros a autorizar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativamente à ocorrência de tráfico de drogas, pode acabar esvaziando o próprio direito à privacidade e à inviolabilidade de sua condição fundamental.
No referido julgamento, concluiu-se, portanto, que, para legitimar-se o ingresso em domicílio alheio, é necessário tenha a autoridade policial fundadas razões para acreditar, com lastro em circunstâncias objetivas, no atual ou iminente cometimento de crime no local onde a diligência vai ser cumprida, e não mera desconfiança fulcrada, v. g., na fuga de indivíduo de uma ronda policial, comportamento que pode ser atribuído a várias causas que não, necessariamente, a de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente ou mesmo carregando consigo ilegalmente arma de fogo.
No caso dos autos, entretanto, não houvereferência a prévia investigação, monitoramento ou campanas relacionadas ao acusado e ao endereço dele (Rua Piauí, n. 197 - tanto que a autoridade policial não pediu mandado de busca e apreensão para aquele local específico). Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de crimes naquele lugar. Há apenas a descrição de que havia denúncias anônimas dando conta da existência de venda de cocaína na loja de conveniência do acusado, droga que nem sequer foi encontrada pela polícia.
Relembro que, consoante entendimento do Supremo Tribunal Federal, a notícia anônima de crime, por si só, não é apta para instaurar inquérito policial; ela pode servir de base válida à investigação e à persecução criminal, desde que haja prévia verificação de sua credibilidade em apurações preliminares, ou seja, desde que haja investigações prévias para verificar a verossimilhança da notitia criminis anônima (v. g., Inq n. 4.633/DF, Rel. Ministro Edson Fachin, 2ª T., DJe 8/6/2018). Assim, com muito mais razão, não há como se admitir que denúncia anônima seja elemento válido para violar franquias constitucionais (à liberdade, ao domicílio, à intimidade).
Não por outro motivo, esta Corte tem reiteradamente decidido que "A mera denúncia anônima, desacompanhada de outros elementos preliminares indicativos de crime, não legitima o ingresso de policiais no domicílio indicado, estando, ausente, assim, nessas situações, justa causa para a medida." (HC n. 512.418/RJ, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe 3/12/2019).
Portanto, uma vez que, no caso dos autos, não há nem sequer como inferir que a paciente estivesse praticando o delito de tráfico de drogas, ou outro ato de caráter permanente, no interior da casa, entendo não haver razão séria para a mitigação da inviolabilidade do domicílio, ainda que tenha havido posterior descoberta e apreensão, em sua residência, de objetos ilícitos, sob pena de esvaziar-se essa franquia constitucional da mais alta importância.
Diante de tais considerações, tenho que a descoberta a posteriori de uma situação de flagrante decorreu de ingresso ilícito na moradia do acusado, em violação da norma constitucional que consagra direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, o que torna imprestável, no caso concreto, a prova ilicitamente obtida e, por conseguinte, todos os atos dela decorrentes e o próprio processo penal, porque apoiado exclusivamente nessa diligência policial.
A propósito, faço lembrar que a essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (melhor seria dizer venenosa, tradução da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de outra contaminada por ilicitude original.
Por conseguinte, inadmissíveis também as provas derivadas da conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão dos itens referidos na denúncia. Não se pode, evidentemente, admitir que o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduza à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima.
IV. Suspensão da execução antecipada da pena
Diante do reconhecimento da nulidade e do fato de que esse pedido já foi concedido no HC n. 509.004/SP, fica prejudicada a sua análise.
V. Dispositivo
À vista do exposto, julgo parcialmente prejudicado o habeas corpus e, na parte conhecida, concedo a ordem, para, considerando que não houve autorização judicial, tampouco fundadas razões para o ingresso em domicílio, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o acusado da condenação imposta a ele no Processo n. 0000655-46.2015.8.26.0551. | POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E VENDA DE MEDICAMENTOS, MATÉRIAS-PRIMAS E INSUMOS FARMACÊUTICOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DILIGÊNCIA CUMPRIDA EM ENDEREÇO ALHEIO AO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. PEDIDO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. Na hipótese dos autos, ao dar cumprimento ao mandado de busca e apreensão, a polícia ingressou na residência do acusado, cujo nome e endereço não constavam do pedido da autoridade policial e nem da decisão judicial que autorizou a medida invasiva em outros locais, o que macula a validade da diligência.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 30/5/2017).
4. No caso, não houve referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas relacionadas ao acusado e ao endereço dele (tanto que a autoridade policial não pediu mandado de busca e apreensão para aquele local específico). Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de crimes naquele lugar. Há apenas a descrição de que havia denúncias anônimas dando conta da existência de venda de cocaína na loja de conveniência do acusado, droga que nem sequer foi encontrada pela polícia.
5. Como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão dos itens contidos na denúncia.
6. Pedido de suspensão da execução antecipada da pena prejudicado pelo reconhecimento da nulidade e porque já concedido em outro writ.
7. Ordem concedida para, considerando que não houve autorização judicial nem fundadas razões para o ingresso no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o réu.
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ (Relator):
I. Contextualização
Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 8 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, pela prática dos crimes previstos nos arts. 273, § 1º c/c o § 1º-A e § 1º-B, I e V, do CP, 16, caput, e parágrafoúnico, IV, ambos da Lei n. 10.826/2003, estes na forma do art. 71, do CP.
Segundo a denúncia:
.. após várias informações dando conta da comercialização de substâncias ilícitas no local (fls. 34/36), expediu-se mandado judicial de busca e apreensão (Autos nº0024566-04.2015.8.26.0320). Policiais civis, visando o seu integral cumprimento, dirigiram-se até o local dos fatos e, após serem recepcionados pelo próprio denunciado, realizaram buscas no imóvel, oportunidade na qual constataram a existência de um laboratório clandestino no local e realizaram a apreensão dos instrumentos, insumos farmacêuticos, matérias-primas e medicamentos, isentos de registro e de procedência ignorada, que ali se encontravam. Ainda em buscas pelo local, os investigadores obtiveram êxito em localizar e apreender uma arma de fogo de uso permitido municiada e com a numeração suprimida, uma arma de fogo de uso restrito, uma arma de fogo de uso permitido sem registro em seu nome, projéteis intactos dos calibres correspondentes às referidas armas, 01 espingarda depressão, 02 aparelhos celulares da marca Samsung e a quantia de R$1.200,00em espécie.
O Juízo singular afastou a nulidade aventada pela defesa com os seguintes argumentos (fl. 530):
Quanto à preliminar de mérito, repilo a alegação de nulidade da busca na residência, pois a situação era de flagrância da prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nessas hipóteses, lícita a conduta dos policiais, até porque o horário da ocorrência era adequado.
Ao manter a condenação, por sua vez, o Tribunal a quo rejeitou a preliminar defensiva da seguinte forma (fls. 16-18, grifei):
Ainda em sede prefacial, cumpre afastar as alegações de nulidade das provas por derivação. Ora, conforme se infere dos documentos juntados às fls. 99/101, havia denúncias de que na Rua Piauí, nºs 196, 197 e 201, Limeira-SP, estaria ocorrendo o tráfico de drogas, inclusive citando o prenome e o apelido do réu, que seria o responsável por uma loja de conveniência e estaria associado a um indivíduo conhecido como "Edson", motivo pelo qual foi expedido mandado de busca e apreensão (fls. 96/98). Logo, não se pode afirmar que o nome do investigado e o endereço não correspondiam aos dados do acusado. Ademais, a alegada mácula decorrente da busca domiciliar realizada na residência do réu foi corretamente rechaçada em sede de embargos de declaração nos seguintes termos: "repilo a alegação de nulidade da busca na residência, pois a situação era de flagrância da prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nessas hipóteses, lícita a conduta dos policiais, até porque o horário da ocorrência era adequado" (cf. fl. 452). De fato, nenhuma ilegalidade houve no ingresso dos policiais na residência do réu, até porque a ação dos agentes da lei foi legitimada pelo estado de flagrância, que se constitui em uma das exceções à garantia de inviolabilidade do domicílio. Ademais, trata-se de crimes permanentes, ou seja, exaurem-se com o simples ato de portar, guardar, ter em depósito, possuir, etc., a arma de fogo ou munição, bem como substâncias ilícitas ou sem registro. Desse modo, independentemente de dispor ou não a polícia de mandado de busca e apreensão, havendo fundada suspeita da ocorrência de crime nas dependências da casa, pode a diligência ser feita a qualquer hora, sem que isso signifique violação à garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio (art. 5º, inc. XI, da CF) e, por conseguinte, se constitua em prova ilícita, inadmissível no processo por força do artigo 5º, inciso LVI, da Carta Magna.
II. Ausência de mandado judicial válido
A tese defensiva central gira em torno do argumento de que o mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo singular não continha nem o nome nem o endereço do paciente, fato que macularia a validade da diligência responsável por apreender armas e medicamentos ilícitos na residência do réu.
Assiste razão ao impetrante.
Na decisão que deferiu a expedição de mandado de busca e apreensão constou (fls. 48-49, grifei):
Trata-se de pedido formulado pela Digna Autoridade Policial, Dr. Alexandre Socolowski, Delegado de Polícia da DISE desta Comarca, com a finalidade de realizar busca domiciliar.
O relatório de investigação informa que várias denúncias aportaram na delegacia dando conta que na Rua Piauí, 201 e 196, Vila Cláudia, estaria ocorrendo tráfico de drogas. Segundo as denúncias, no imóvel de número 201 existe uma espécie de caixa de correspondências onde o usuário deposita o dinheiro e no mesmo recipiente o traficante coloca a droga. Na residência de número 196 reside o denunciado Edson, vulgo "Baleado", o qual seria o proprietário da biqueira.
O pedido veio devidamente instruído e houve concordância do Ministério Público.
DECIDO.
Há indícios convincentes de que pessoa mencionada na representação (Edson) de fls. 02/03, esteja envolvida na prática de traficância de entorpecentes.
Assim, defiro o pedido de busca e apreensão, observando-se o disposto no art. 240, do Código de Processo Penal.
Sirva a presente decisão de mandado, que terá o prazo de dez dias para o devido cumprimento nos endereços Rua Piauí, 201 e 196, Vila Cláudia, Limeira/SP.
..
Conforme se depreende com clareza da leitura do decisum, tanto o pedido da autoridade policial quanto o deferimento do Juízo de primeiro grau foram especificamente delimitados ao investigado Edson e às residências de números 196 e 201 da Rua Piauí, sem que haja sido feita nenhuma menção à casa de número 197, na qual morava o paciente Tarcísio.
Tanto é evidente essa constatação que, para rechaçarem a preliminar de nulidade suscitada pela defesa, as instâncias ordinárias se fiaram no argumento de que a natureza permanente dos delitos imputados ao acusado permitiria o ingresso em domicílio mesmo sem mandado judicial, sobretudo porque havia denúncias anônimas registradas em desfavor dele e com apontamento do número de sua residência. Admitiu-se, então, por via oblíqua, a inexistência de autorização do Juízo para entrada no imóvel de número 197, no qual, segundo a denúncia, foram apreendidos os objetos ilícitos em posse do réu. Senão vejamos: "Consta dos inclusos autos de inquérito policial que, na data de 21 de dezembro de 2015, por volta das 11h30min, na Rua Piauí. n. 197 .. ".
Incontroverso, portanto, o fato de que o mandado judicial foi cumprido em endereço alheio ao pedido da Polícia Civil e à autorização deferida pelo Poder Judiciário, o que invalida a diligência e, por conseguinte, tudo o que dela se colheu.
Ilustrativamente, trago à baila julgados do Supremo Tribunal Federal em sentido similar (grifei):
Habeas corpus. 2. Inviolabilidade de domicílio (art. 5º, IX, CF). Busca e apreensão em estabelecimento empresarial. Estabelecimentos empresariais estão sujeitos à proteção contra o ingresso não consentido. 3. Não verificação das hipóteses que dispensam o consentimento. 4. Mandado de busca e apreensão perfeitamente delimitado. Diligência estendida para endereço ulterior sem nova autorização judicial. Ilicitude do resultado da diligência. 5. Ordem concedida, para determinar a inutilização das provas.
(HC n. 106.566/SP, Relator Min. Gilmar Mendes, 2ª T., DJe 19/3/2015)
..
Penal e Processual Penal. 2. Busca e apreensão em local distinto do definido no mandado judicial. 3. Autorização de meio de investigação em endereços de pessoa jurídica, mas o ato foi realizado na casa de pessoas físicas não elencadas no rol. 4. Ilegalidade que impõe o reconhecimento da ilicitude da prova. 5. Ordem concedida para declarar a ilicitude dos elementos probatórios obtidos na busca e apreensão realizada no domicílio das pessoas físicas e suas derivadas, nos termos do | POSSE DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E VENDA DE MEDICAMENTOS, MATÉRIAS-PRIMAS E INSUMOS FARMACÊUTICOS SEM REGISTRO NO ÓRGÃO COMPETENTE. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. DILIGÊNCIA CUMPRIDA EM ENDEREÇO ALHEIO AO MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. AUSÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA. PEDIDO PREJUDICADO. ORDEM CONCEDIDA. | 1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
2. Na hipótese dos autos, ao dar cumprimento ao mandado de busca e apreensão, a polícia ingressou na residência do acusado, cujo nome e endereço não constavam do pedido da autoridade policial e nem da decisão judicial que autorizou a medida invasiva em outros locais, o que macula a validade da diligência.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). No mesmo sentido, neste STJ: REsp n. 1.574.681/RS (Rel. Ministro Rogerio Schietti, DJe 30/5/2017).
4. No caso, não houve referência a prévia investigação, monitoramento ou campanas relacionadas ao acusado e ao endereço dele (tanto que a autoridade policial não pediu mandado de busca e apreensão para aquele local específico). Também não se tratava de averiguação de denúncia robusta e atual acerca da ocorrência de crimes naquele lugar. Há apenas a descrição de que havia denúncias anônimas dando conta da existência de venda de cocaína na loja de conveniência do acusado, droga que nem sequer foi encontrada pela polícia.
5. Como decorrência da proibição das provas ilícitas por derivação (art. 5º, LVI, da Constituição da República), é nula a prova derivada de conduta ilícita, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão dos itens contidos na denúncia.
6. Pedido de suspensão da execução antecipada da pena prejudicado pelo reconhecimento da nulidade e porque já concedido em outro writ.
7. Ordem concedida para, considerando que não houve autorização judicial nem fundadas razões para o ingresso no domicílio do paciente, reconhecer a ilicitude das provas por tal meio obtidas, bem como de todas as que delas decorreram, e, por conseguinte, absolver o réu. | N |
145,255,928 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em juízo de retratação, dar provimento ao agravo interno, para conhecer do conflito e declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Osasco - SJ/SP, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sérgio Kukina.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Assusete Magalhães.
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO. UNIVERSIDADE PRIVADA. TEMA 1.154/STF. REPERCUSSÃO GERAL.JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1.O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP, julgou o mérito do Tema 1.154, sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante:"Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.".
2.Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma. Desse modo, o conflito deve ser conhecido a fim deque seja declaradaa competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia.
3. Agravo interno a que se dá provimento.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo interno manejado pela Associação de Ensino Superior de Nova Iguaçu contra decisão que reconheceu a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara de Osasco - SP.
A parte agravante sustenta que a demanda não apresenta natureza eminentemente consumerista, pois envolve a validade de diploma universitário, estando a instituição de ensino submetida à fiscalização do Ministério da Educação.
Defende a existência de interesse da União na lide e a competência da Justiça Federal, nos termos da Súmula n. 570/STJ.
A Primeira Seção havia negado provimento ao agravo interno, o que ensejou a interposição de recurso extraordinário.
A Vice-Presidência do STJ, considerando o julgamento do Tema 1.154/STF, sob o regime da repercussão geral,determinou a devolução dos autos para este Colegiado, para o dispostono art. 1.040 do CPC.
É o relatório.
EMENTA
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO. UNIVERSIDADE PRIVADA. TEMA 1.154/STF. REPERCUSSÃO GERAL.JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1.O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP, julgou o mérito do Tema 1.154, sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante:"Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.".
2.Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma. Desse modo, o conflito deve ser conhecido a fim deque seja declaradaa competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia.
3. Agravo interno a que se dá provimento.
VOTO
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP,julgou o mérito do Tema 1.154,sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante:
Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.
Confira-se a ementa do referido precedente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. SISTEMA FEDERAL DE ENSINO. CONTROVÉRSIA RELATIVA À EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA DE CONCLUSÃO DE CURSO SUPERIOR. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO DIVERGE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
(RE 1304964 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 24/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-166 DIVULG 19-08-2021 PUBLIC 20-08-2021).
Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma.
Desse modo, deve-se reconhecer a competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia.
Em igualsentido, veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.APLICABILIDADE. AÇÃO DECLARATÓRIA. DIPLOMA DE UNIVERSIDADE PRIVADA.COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
I - O Supremo Tribunal Federal, em 25.06.2021, ao apreciar o Recurso Extraordinário n. 1.304.964, julgou o mérito do Tema 1.154, estabelecendo a seguinte tese: compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.
II - Na hipótese, impõe-se a adequação do julgado, para ajustar ao novo entendimento de caráter obrigatório, a respeito do interesse federal no feito principal, reconhecendo a competência do Juízo Federal.
III - Em juízo de retratação, Agravo Interno provido para declarar competente o juízo suscitante, o Juízo Federal da 1ª Vara de Osasco/SP.
(AgInt nos EDcl no CC n. 171.829/SP, relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 19/10/2021, DJe de 26/10/2021.)
Ante o exposto, em juízo de retratação, dou provimento ao agravo interno para conhecer do conflito e declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Osasco - SJ/SP.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em juízo de retratação, dar provimento ao agravo interno, para conhecer do conflito e declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Osasco - SJ/SP, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Mauro Campbell Marques, Benedito Gonçalves, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Sérgio Kukina.
Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Assusete Magalhães.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo interno manejado pela Associação de Ensino Superior de Nova Iguaçu contra decisão que reconheceu a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara de Osasco - SP.
A parte agravante sustenta que a demanda não apresenta natureza eminentemente consumerista, pois envolve a validade de diploma universitário, estando a instituição de ensino submetida à fiscalização do Ministério da Educação.
Defende a existência de interesse da União na lide e a competência da Justiça Federal, nos termos da Súmula n. 570/STJ.
A Primeira Seção havia negado provimento ao agravo interno, o que ensejou a interposição de recurso extraordinário.
A Vice-Presidência do STJ, considerando o julgamento do Tema 1.154/STF, sob o regime da repercussão geral,determinou a devolução dos autos para este Colegiado, para o dispostono art. 1.040 do CPC.
É o relatório.
VOTO
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP,julgou o mérito do Tema 1.154,sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante:
Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.
Confira-se a ementa do referido precedente:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. SISTEMA FEDERAL DE ENSINO. CONTROVÉRSIA RELATIVA À EXPEDIÇÃO DE DIPLOMA DE CONCLUSÃO DE CURSO SUPERIOR. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 109, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO DIVERGE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.
(RE 1304964 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 24/06/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-166 DIVULG 19-08-2021 PUBLIC 20-08-2021).
Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma.
Desse modo, deve-se reconhecer a competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia.
Em igualsentido, veja-se:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.APLICABILIDADE. AÇÃO DECLARATÓRIA. DIPLOMA DE UNIVERSIDADE PRIVADA.COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015.
I - O Supremo Tribunal Federal, em 25.06.2021, ao apreciar o Recurso Extraordinário n. 1.304.964, julgou o mérito do Tema 1.154, estabelecendo a seguinte tese: compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.
II - Na hipótese, impõe-se a adequação do julgado, para ajustar ao novo entendimento de caráter obrigatório, a respeito do interesse federal no feito principal, reconhecendo a competência do Juízo Federal.
III - Em juízo de retratação, Agravo Interno provido para declarar competente o juízo suscitante, o Juízo Federal da 1ª Vara de Osasco/SP.
(AgInt nos EDcl no CC n. 171.829/SP, relatora Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 19/10/2021, DJe de 26/10/2021.)
Ante o exposto, em juízo de retratação, dou provimento ao agravo interno para conhecer do conflito e declarar a competência do Juízo Federal da 1ª Vara de Osasco - SJ/SP.
É como voto. | EMENTA
PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO. UNIVERSIDADE PRIVADA. TEMA 1.154/STF. REPERCUSSÃO GERAL.JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO.
1.O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP, julgou o mérito do Tema 1.154, sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante:"Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.".
2.Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma. Desse modo, o conflito deve ser conhecido a fim deque seja declaradaa competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia.
3. Agravo interno a que se dá provimento. | PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DIPLOMA UNIVERSITÁRIO. UNIVERSIDADE PRIVADA. TEMA 1.154/STF. REPERCUSSÃO GERAL.JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CPC. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO PROVIDO. | 1.O Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RE n. 1.304.964/SP, julgou o mérito do Tema 1.154, sob o regime da repercussão geral, firmando a seguinte tese vinculante:"Compete à Justiça Federal processar e julgar feitos em que se discuta controvérsia relativa à expedição de diploma de conclusão de curso superior realizado em instituição privada de ensino que integre o Sistema Federal de Ensino, mesmo que a pretensão se limite ao pagamento de indenização.".
2.Considerando-se que o acórdão anteriormente exarado pela Primeira Seção destoa do entendimento de caráter obrigatório proferido pela Corte Suprema, impõe-se a realização do juízo positivo de retratação, adequando-se o julgado à tese contida no aresto paradigma. Desse modo, o conflito deve ser conhecido a fim deque seja declaradaa competência da Justiça Federal para dirimir a controvérsia.
3. Agravo interno a que se dá provimento. | N |
127,506,614 | EMENTA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMPRESÁRIO RURAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. COMPROVAÇÃO. DOCUMENTOS NÃO ANALISADOS. OMISSÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
1. Consoante entendimento desta Corte Superior, o produtor rural adquire a condição de procedibilidade de requerer a recuperação judicial após o registro como empresário e desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, o qual compreende o período anterior ao registro empresarial. Além disso, não há distinção do regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações anteriormente contraídas e ainda não adimplidas (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 10/02/2020).
2. Na hipótese, o Tribunal estadual analisou apenas as certidões emitidas pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso para concluir pela ausência de demonstração do exercício regular de atividade rural há mais de dois anos, deixando de examinar os demais documentos que compõem o caderno processual, impondo-se o retorno dos autos à origem para que seja sanada a omissão.
3. Agravo interno provido para dar parcial provimento ao recurso especial.
ACÓRDÃO
Após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão dando provimento ao agravo interno, para dar parcial provimento ao recurso especial, divergindo em parte do relator, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e dos Ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi acompanhando a divergência, e a adequação do voto do relator no mesmo sentido, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno, para dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno interposto por METROPOLITAN LIFE INSURE CO contra decisão que deu provimento ao recurso especial de LEANDRO MUSSI para deferir o processamento da recuperação judicial do recorrente.
Em suas razões recursais, a agravante afirma que o Tribunal de origem concluiu que o ora agravado não comprovou o exercício de atividade como produtor rural por dois anos antes de ingressar com o pedido de recuperação judicial e, portanto, a análise das razões do apelo nobre demandaria reexame do conjunto probatório dos autos, providência vedada em sede especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
Aduz, ainda, que "o Egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso, ao julgar o Agravo de Instrumento de origem, analisou o conjunto fático probatório existente nos autos, e concluiu, após ampla análise probatória, que o SR. LEANDRO MUSSI não exerceu atividade empresária pelo prazo de dois anos, antes do pedido de sua recuperação judicial, independentemente de ter, ou não, registro na Junta Comercial" (fl. 2.417).
Sustenta que o agravado Leandro Mussi não comprovou o exercício de atividade como empresário rural, mas apenas ficou demonstrado que é "sócio e gestor de diversas empresas que atuam diretamente no ramo do agronegócio", e, portanto, "sócios não podem se aproveitar dos efeitos decorrentes da Recuperação Judicial de suas empresas, assim como também não podem ingressar em nome próprio com pedido de Recuperação Judicial".
Requer, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou sua reforma pela Turma Julgadora (fls. 2.400-2.425).
O agravado apresentou impugnação pleiteando o improvimento do agravo interno com aplicação da multa prevista pelo art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 (fls. 2.429-2.437).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
De início, ressalta-se que, mesmo se tendo por incontroversa a base fática apresentada pelo eg. Tribunal de origem, a análise da alegada violação ao art. 48 da Lei 11.101/2005 e arts. 966 e 971 do Código Civil de 2002, suscitada no recurso especial, não esbarra no óbice da Súmula 7 desta Corte.
A eg. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 10/02/2020, adotou orientação de que o produtor rural adquire a aptidão para requerer recuperação judicial após obter o registro como empresário na Junta Comercial, desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, ainda que somando período anterior à data do registro.
Foi consignado naquele referido julgado que, por ser empresário não sujeito a registro, a inscrição facultativa do produtor rural como empresário apenas o transfere do regime civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo retroativo (ex tunc) de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro". A explicação está em que, diversamente do empresário comum, para quem o registro é condição para o início e desenvolvimento regulares da atividade empresarial, somente podendo esse ato formalizador operar efeitos prospectivos (ex nunc), para o empreendedor rural a regularidade dessa condição empresarial precede ao seu registro como empresário, nos termos dos arts. 966, 967, 970 e 971 do Código Civil de 2002.
Assim, não há distinção de regime jurídico aplicável às obrigações contraídas e inadimplidas pelo empreendedor rural registrado, ficando abrangidas na recuperação judicial tanto as obrigações contratadas anteriormente ao registro como aquelas posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial.
A propósito, transcreve-se a ementa do referido precedente:
"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.
2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (..), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes." (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe de 10/02/2020, g.n.)
No mesmo sentido:
RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EFETUADO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL RURAL QUE EXERCE PROFISSIONALMENTE A ATIVIDADE AGRÍCOLA ORGANIZADA HÁ MAIS DE DOIS ANOS, ENCONTRANDO-SE, PORÉM, INSCRITO HÁ MENOS DE DOIS ANOS NA JUNTA COMERCIAL. DEFERIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 48 DA LRF. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Controverte-se no presente recurso especial acerca da aplicabilidade do requisito temporal de 2 (dois) anos de exercício regular da atividade empresarial, estabelecido no art. 48 da Lei n. 11.101/2005, para fins de deferimento do processamento da recuperação judicial requerido por empresário individual rural que exerce profissionalmente a atividade agrícola organizada há mais de 2 (dois) anos, encontrando-se, porém, inscrito há menos de 2 (dois) anos na Junta Comercial.
2. Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio. Insere-se na ressalva legal, portanto, o exercente de atividade econômica rural, o qual possui a faculdade, o direito subjetivo de se submeter, ou não, ao regime jurídico empresarial.
3. A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
3.1 Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário. Perfilha-se o entendimento de que, também no caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc).
3.2 A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de empresário - que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida - já se faz presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro. Exercida a faculdade de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, o empresário rural, por deliberação própria e voluntária, passa a se submeter ao regime jurídico empresarial.
4. A finalidade do registro para o empresário rural, difere, claramente, daquela emanada da inscrição para o empresário comum. Para o empresário comum, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, que tem condão de declarar a qualidade jurídica de empresário, apresenta-se obrigatória e se destina a conferir-lhe status de regularidade. De modo diverso, para o empresário rural, a inscrição, que também se reveste de natureza declaratória, constitui mera faculdade e tem por escopo precípuo submeter o empresário, segundo a sua vontade, ao regime jurídico empresarial.
4.1 O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico. A inscrição, sob esta perspectiva, assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu.
4.2 A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular, mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por, eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou. Portanto, a situação jurídica do empresário rural, mesmo antes de optar por se inscrever na Junta comercial, já ostenta status de regularidade.
5. Especificamente quanto à inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis, para o empresário comum, o art. 967 do Código Civil determina a obrigatoriedade da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Será irregular, assim, o exercício profissional da atividade econômica, sem a observância de exigência legal afeta à inscrição. Por consequência, para o empresário comum, o prazo mínimo de 2 (dois) anos deve ser contado, necessariamente, da consecução do registro. Diversamente, o empresário rural exerce profissional e regularmente sua atividade econômica independentemente de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Mesmo antes de proceder ao registro, atua em absoluta conformidade com a lei, na medida em que a inscrição, ao empresário rural, apresenta-se como faculdade - de se submeter ao regime jurídico empresarial.
6. Ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
7. Recurso especial provido" (REsp 1.811.953/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe de 15/10/2020, g.n.)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RESP N. 1.800.032/MT.
1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.
2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (..), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Ficou decidido no julgamento do REsp n. 1.800.032/MT, que após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1.834.452/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe de 02/03/2021, g.n.)
Na hipótese, o il. Juízo de primeiro grau reconheceu a atividade empresarial rural exercida pelo agravado por, pelo menos, quinze anos, nos seguintes termos:
"Malgrado todas as discussões doutrinárias sobre esta questão, verifica-se que, no caso em testilha, é incontroversa a existência de inscrição perante a Junta Comercial de Mato Grosso, e que esta é superior aos 02 (dois) anos exigidos pelo art. 48 da LRF, uma vez que indica como data do início da atividade o dia 21.08.2002.
De fato, muito embora tenha ocorrido a extinção daquela inscrição em 2017, tal fato, por si só, não afasta os efeitos do endividamento gerado entre 2002 e 2017, que demonstra que, anteriormente a este pedido, havia inscrição regular do requerente por, pelo menos, 15 (quinze) anos, período que jamais pode ser desconsiderado para os fins do art. 48 da LRF. Afinal, como titular de firma individual, o requerente desenvolveu regularmente as suas atividades empresariais e por prazo superior ao mínimo exigido pela legislação de regência, nascendo daí a possibilidade de propor a recuperação judicial se levado em consideração a necessidade de comprovação pelo período superior a 02 (dois) anos." (fl. 96; g.n.)
Por sua vez, o eg. Tribunal de Justiça, mesmo reconhecendo os mesmos fatos, adotou entendimento contrário ao pedido de recuperação do empresário rural, como se vê na seguinte ementa:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO - NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 971 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 48 DA LEI 11.101/2005 - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
Nos termos do artigo 48 da Lei 11.101/2005, poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Não preenche o requisito do artigo 48 da Lei 11.101/2005, o devedor com inscrição na Junta Comercial desde o ano de 2002, que perdurou por mais de 15 (quinze) anos e tinha objeto social diverso do registro atual que não conta com mais de 02 (dois) anos, institutos que não se confundem e impede o aproveitamento da inscrição antiga.
Em seu ilustrado voto, registrou a eminente Relatora do acórdão:
Contra a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial do ora agravado, vários recursos de agravo de instrumento foram interposto pelos credores. Em um deles, proferi decisão de indeferimento do pedido de efeito suspensivo, para manter o processamento da recuperação, mas, na apreciação dos Embargos de Declaração 1012895-66.2018.8.11.0000 opostos por NIDERA SEEDS BRASIL LTDA. contra o ora agravado, acolhi a contradição lá aventada.
No citado embargos de declaração, mencionei que quando da apreciação da liminar recursal no agravo de instrumento (com mesmo número), interposto pela Nidera, consignei que para a manutenção da decisão recorrida havia pesado o fato de ter sido o ora agravado registrado na Junta Comercial desde o ano de 2002, mas tal fato não podia mais ser considerado, visto que o registro que perdurou por mais de 15 (quinze) anos tinha como objeto social "a comercialização atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos" e o registro atual tem por objeto a "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite", institutos estes que, a priori, não se confundem.
..
No caso dos autos, não correspondendo o registro do agravado considerado para manutenção da decisão às atividades regularmente exercidas hoje, inviável o deferimento do processamento da recuperação judicial, diante do não preenchimento do requisito exigido pelo artigo 48, eis que o objeto de ambas as atividades e, muito menos as empresas, não se confundem. Nos 15 (quinze) anos que permaneceu inscrito, o agravado não exercia a atividade de produtor rural exercida com o novo registro, de modo que não se pode falar em aproveitamento do registro anterior.
Portanto, o agravado não demonstrou o implemento do lapso legal previsto na Lei 11.101/05 a fazer jus aos benefícios da Lei 11.101/05. Não atendeu ao requisito temporal previsto no artigo 48 da LRF e não comprovou o efetivo exercício da atividade pelo lapso legal; é necessário que o empresário que pleiteia a recuperação judicial exerça suas atividades há mais de dois anos, ainda que não se exija o registro na Junta Comercial por igual período (artigo 48, §2º da Lei 11.101/05), todavia, no caso em estudo, o agravado não comprovou o efetivo exercício da atividade profissional no lapso mencionado.
..
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, PROVEJO o recurso, para indeferir o pedido de processamento da recuperação judicial do agravado, por não preencher o requisito quanto ao exercício de atividade empresária pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Com o provimento do recurso consistente no acolhimento do pedido principal, fica prejudicado o pedido alternativo de declaração incompetência do Juízo de origem.
É como voto.
A Corte estadual, portanto, entendeu descabida a soma dos períodos referidos, levando em consideração serem distintos os objetos dos empreendimentos econômicos rurais, anterior e atual, desenvolvidos pelo empresário requerente da recuperação judicial. No entender do v. acórdão impugnado no especial, as atividades do empresário rural referidas no caput do art. 48 da Lei 11.101/2005 devem ser coincidentes em seus objetos, para que se permita a soma de períodos como empresário, de modo a superar o biênio exigido na Lei.
Portanto, verifica-se que, embora devidamente constatado e reconhecido o exercício de atividade rural pelo agravado há mais de dois anos, conforme exigido no art. 48 da Lei 11.101/2005, pois o ora agravado possuía anterior registro perante a Junta Comercial, realizado em 21/08/2002 e cancelado somente em 1º/08/2017, as instâncias ordinárias chegaram a conclusões divergentes. A Corte estadual rejeitou a soma de períodos em razão das atividades empresárias diferentes, em cada empreendimento rural, o que entendeu relevante. Destacou que o registro mercantil anterior tinha como objeto social o "comércio atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos", enquanto o registro vigente, realizado em 02/08/2018, trata de "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite" (fl. 1.796).
Embora a Lei 11.101/2005 não determine, explicitamente, que a legitimidade para o pedido de recuperação judicial dependa de que o empresário exerça, por mais de dois anos, a atividade empresarial no mesmo ramo de negócio, a eg. Quarta Turma desta Corte firmou entendimento de que o mencionado requisito temporal deve ser em atividade idêntica ou correlata. A propósito:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 48, CAPUT, DA LEI 11.101/2005. DEVEDOR. EXERCÍCIO REGULAR DAS ATIVIDADES HÁ MAIS DE DOIS ANOS. MUDANÇA DE RAMO. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O exercício regular de atividade empresária reclama inscrição da pessoa física ou jurídica no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial). Trata-se de critério de ordem formal.
2. Assim, para fins de identificar "o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades", a que alude o caput do art. 48 da Lei 11.101/2005, basta a comprovação da inscrição no Registro de Empresas, mediante a apresentação de certidão atualizada.
3. Porém, para o processamento da recuperação judicial, a Lei, em seu art. 48, não exige somente a regularidade no exercício da atividade, mas também o exercício por mais de dois anos, devendo-se entender tratar-se da prática, no lapso temporal, da mesma atividade (ou de correlata) que se pretende recuperar.
4. Reconhecida a ilegitimidade ativa do devedor para o pedido de recuperação judicial, extingue-se o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.478.001/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe de 19/11/2015)
Sobre a definição de atividade rural, a Lei 8.023/90 dispõe:
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais;
V - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.
(Redação dada pela Lei nº 9.250, de 1995)
A Instrução Normativa SRF nº 83/2001 da Receita Federal do Brasil, por sua vez, especifica o que se entende por atividade rural:
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração de atividades zootécnicas, tais como apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas de pequenos animais;
V - a atividade de captura de pescado in natura, desde que a exploração se faça com apetrechos semelhantes aos da pesca artesanal (arrastões de praia, rede de cerca, etc.), inclusive a exploração em regime de parceria;
VI - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como:
a) beneficiamento de produtos agrícolas:
1. descasque de arroz e de outros produtos semelhantes;
2. debulha de milho;
3. conservas de frutas;
b) transformação de produtos agrícolas:
1. moagem de trigo e de milho;
2. moagem de cana-de-açúcar para produção de açúcar mascavo, melado, rapadura;
3. grãos em farinha ou farelo;
c) transformação de produtos zootécnicos:
1. produção de mel acondicionado em embalagem de apresentação;
2. laticínio (pasteurização e acondicionamento de leite; transformação de leite em queijo, manteiga e requeijão);
3. produção de sucos de frutas acondicionados em embalagem de apresentação;
4. produção de adubos orgânicos;
d) transformação de produtos florestais:
1. produção de carvão vegetal;
2. produção de lenha com árvores da propriedade rural;
3. venda de pinheiros e madeira de árvores plantadas na propriedade rural;
e) produção de embriões de rebanho em geral, alevinos e girinos, em propriedade rural, independentemente de sua destinação (reprodução ou comercialização).
Como se vê, o rol das atividades rurais é extenso e, portanto, considera-se empresário rural aquele que explora, regularmente, uma ou algumas das atividades citadas.
Na hipótese, apesar da alteração do objeto social nos registros efetuados perante a Junta Comercial, é possível aferir que se trata de atividades correlatas e até mesmo coincidentes em parte, pois consta no primeiro registro a descrição das atividades, entre outras, de comércio atacadista de produtos agropecuários, bem como compra e venda de cereais e, no segundo registro (o vigente), a exploração agrícola e comércio de soja, milho, arroz e feijão, não se tratando, portanto, de ramos de negócios claramente diversos.
Além disso, a expressão "exploração agrícola" é bem abrangente de todo um gênero de atividades rurais.
Acrescenta-se, ainda, que, conforme se extrai dos autos, parte da dívida decorre de emissão de Cédulas de Produto Rural emitidas entre 2012 e 2018 (fls. 743-766), circunstância demonstrativa de ter o ora agravado desenvolvido atividade rural no citado período.
Cabe registrar que a própria agravante, nas razões do agravo de instrumento interposto perante o eg. Tribunal de origem, reconhece a condição de produtor rural do agravado, consoante se colhe:
"Inicialmente, insta consignar que o SR. LEANDRO MUSSI, é um dos maiores, se não o maior, produtor rural de sua região, sendo responsável pela produção em larga escada de soja, milho e algodão em áreas rurais distribuídas em Sinop, Lucas do Rio Verde e Tapurah.
Para que se tenha uma ideia da extensão dos negócios aqui discutidos, o SR. LEANDRO MUSSI, apenas na região de Sinop, é responsável pela produção de soja em, ao menos, 13.000,00 hectares que são distribuídos em mais de 10 fazendas, estando justamente em tal cidade a maior concentração de seus negócios.
Não por acaso, é que o SR. LEANDRO MUSSI buscava realização de negócios proporcionais à sua escala, tendo por isso inclusive procurado à METLIFE para a obtenção de um empréstimo de US$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões de dólares norte-americanos). Vale ressaltar, desde já, que tal empréstimo tinha como objetivo precípuo a concessão de crédito para investimento nas atividades agrícolas de plantio e colheita." (fls. 11-12)
Assim, apesar da necessidade do prévio registro como produtor rural para a efetivação do pedido de recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 48), não há óbice ao cômputo do período anterior ao registro vigente, ainda que em atividade correlata diversa, mas correlata, insista-se, para perfazimento do total de mais de dois anos de regular exercício da atividade empresarial, pois, mesmo sem o devido registro para ensejar o pedido, o produtor rural já exercia regularmente sua atividade profissional organizada para a produção de bens e serviços, ou seja, já era empresário rural regular, conforme demonstrado nos autos.
Nessas condições, deve ser deferido o processamento do pedido de recuperação judicial ao empresário rural, pois preenchidos os requisitos legais, quais sejam: a) o registro do produtor rural como empresário na junta comercial anteriormente ao requerimento de recuperação judicial; b) a comprovação do exercício da atividade rural correlata há mais de dois anos; e c) a abrangência das dívidas contraídas anteriormente ao registro empresarial.
Por fim, não merece ser acolhido o pedido formulado em impugnação do presente agravo interno quanto à incidência de multa.
Com efeito, na linha do entendimento firmado pela Segunda Seção no julgamento do AgInt nos EREsp 1.120.356/RS, "a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória". Contudo, o presente agravo interno não apresenta tais características, notadamente pela recente consolidação da questão.
Diante do exposto,nega-se provimento ao agravo interno.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY interpôs agravo de instrumento contra decisão que deferiu o processamento da Recuperação Judicial requerida por Leandro Mussi, na condição de produtor rural, com determinação de suspensão de todas as ações e execuções que tramitassem em face do recuperando.
No recurso interposto, METROPOLITAN LIFE alegou, em síntese, que LEANDRO MUSSI não preenchia requisito indispensável ao processamento da recuperação, consistente no exercício regular de atividade empresarial rural, pelo período ininterrupto de dois anos, conforme estabelecido pelo caput do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, uma vez que seu registro na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso datava de 02/8/2018.
Julgado o agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça de Estado de Mato Grosso deu provimento ao recurso, reformando a decisão agravada para indeferir o processamento da Recuperação, reconhecendo inexistente o exercício da atividade empresarial rural pelo prazo mínimo legal, nos termos da ementa abaixo (fl. 1382)
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO - NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 971 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 48 DA LEI 11.101/2005 - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
Nos termos do artigo 48 da Lei 11.101/2005, poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Não preenche o requisito do artigo 48 da Lei 11.101/2005, o devedor com inscrição na Junta Comercial desde o ano de 2002, que perdurou por mais de 15 (quinze) anos e tinha objeto social diverso do registro atual que não conta com mais de 02 (dois) anos, institutos que não se confundem e impede o aproveitamento da inscrição antiga.
Em embargos de declaração, LEANDRO MUSSI impugnou a conclusão do acórdão embargado acerca de sua condição de produtor rural, não reconhecida pelo órgão a quo, afirmando que sempre teria atuado no campo, na exploração agrícola. O recurso foi rejeitado (fls. 1793-1804). Novos embargos foram opostos e igualmente não providos (fls. 1912-1920).
Sobreveio então recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alegando violação do art. 489 do CPC/2015; arts.1º, 2º, 48, § 2º, 49, caput e 48, todos da Lei n. 11.101/2005; assim como afronta aos arts. 966, 970 e 971 do CC/2002.
Afirmou que o exercício da atividade de produtor rural está devidamente comprovado nos autos, "não podendo a inscrição na Junta Comercial, datada de 02 (dois) anos anteriores ao pedido, servir de óbice para o acesso ao sistema criado pela Lei 11.101/05".
Alegou que o acórdão recorrido equivoca-se ao pontuar que é o registro na Junta Comercial que comprova o lapso de tempo exigido pelo art. 48 da Lei n. 11.101/2005, e que a regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo estabelecido naquele dispositivo legal pode ser aferida por outros meios que demonstrem seu efetivo exercício.
Asseverou que a jurisprudência desta Corte e de outros tribunais do país já assentaram que o produtor rural não inscrito na Junta Comercial pode fazer prova da regularidade da atividade empresária por outros meios, dispensando-se a respectiva certidão no órgão mercantil.
Mencionou que foram juntados aos autos documentos aptos à comprovação da atividade agrícola regular por período muito superior ao biênio legal, tais como sua declaração de imposto de renda, que relaciona bens, maquinários e imóveis rurais que sempre serviram à atividade empresarial, e o ajuste firmado entre as partes, datado de 2013, que formalizou empréstimo concedido ao recorrente, que, "na oportunidade, ofertou produtos agrícolas produzidos em penhor rural, portanto, genuinamente rurais" (fl. 1.971).
Concluiu que, ao produtor rural, basta a prova do exercício de atividade regular durante os dois anos que antecederem o pedido de recuperação, somada à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, que pode ser feita com antecedência inferior àqueles dois anos, já que o ato possui natureza meramente declaratória, e não constitutiva.
Em análise do recurso apresentado, o eminente relator, Ministro Raul Araújo, proferiu decisão monocrática provendo o apelo, para deferir o processamento da recuperação judicial do recorrente (fls. 2392-2395). Asseverou que, nos termos do entendimento fixado no julgamento do Resp n. 1.800.032/MT, "o produtor rural adquire a condição de procedibilidade de requerer a recuperação judicial após o seu registro como empresário e desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de 2 (dois) anos, o qual compreende o período anterior ao registro empresarial" e que, na hipótese, "restou devidamente demonstrado o exercício da atividade rural pelo recorrente há mais de 2 (dois) anos, nos termos exigidos no art. 48 da Lei 11.101/2005" (fls. 731-750).
Em face da decisão referida, METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY interpôs o agravo interno ora em julgamento, defendendo a incidência da Súmula n. 7/STJ, tendo em vista o fato de que o Tribunal de origem teria concluído pela não comprovação do exercício da atividade como produtor rural por dois anos antes de ingressar com o pedido de recuperação judicial.
Sustenta que o agravado não comprovou o exercício da atividade como empresário rural, e que teria sido demonstrado, tão somente, que LEANDRO MUSSI é "sócio e gestor de diversas empresas que atuam diretamente no ramo do agronegócio", além de que "sócios não podem se aproveitar dos efeitos decorrentes da Recuperação Judicial de suas empresas, assim como também não podem ingressar em nome próprio com pedido de Recuperação Judicial" (fls. 2.400-2.425).
Na sessão de julgamento realizada em 15/6/2021, o Ministro Raul Araújo apresentou judicioso voto, negando provimento ao agravo interno, ratificando a decisão unipessoal anteriormente proferida.
Asseverou Sua Excelência, em suma, ser equivocado o entendimento da Corte estadual no sentido de ser descabida a soma dos períodos de atividade empresarial referidos nas duas certidões da Junta Comercial anexadas aos autos, por serem distintos os objetos dos empreendimentos econômicos rurais.
Concluiu que, "apesar da necessidade do prévio registro como produtor rural para a efetivação do pedido de recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 48), não há óbice ao cômputo do período anterior ao registro vigente, ainda que em atividade correlata diversa, mas correlata".
Na ocasião, para realizar estudo mais alentado da questão, pedi vista dos autos.
É o relatório complementar.
2. A controvérsia deste recurso consiste na definição da forma de comprovação pelo produtor do exercício de atividade rural pelo período mínimo de 2 (dois) anos, com o propósito de legitimar o pedido de recuperação judicial.
Na hipótese, no julgamento do agravo de instrumento interposto por METROPOLITAN LIFE INSURE CO, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso apresentou a seguinte manifestação para dar provimento ao recurso e, com isso, obstar o processamento da recuperação judicial, anteriormente deferida (fls. 1377):
Sobre a questão de fundo, o agravante pretende o reconhecimento do fato de que o agravado não preenche o requisito quanto ao exercício de atividade empresária pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos, o que impossibilita o deferimento do processamento de sua recuperação judicial.
Contra a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial do ora agravado, vários recursos de agravo de instrumento foram interpostos pelos credores. Em um deles, proferi decisão de indeferimento do pedido de efeito suspensivo, para manter o processamento da recuperação, mas, na apreciação dos Embargos de Declaração 1012895-66.2018.8.11.0000 opostos por NIDERA SEEDS BRASIL LTDA. contra o ora agravado, acolhi a contradição lá aventada.
No citado embargos de declaração, mencionei que quando da apreciação da liminar recursal no agravo de instrumento (com mesmo número), interposto pela Nidera, consignei que para a manutenção da decisão recorrida havia pesado o fato de ter sido o ora agravado registrado na Junta Comercial desde o ano de 2002, mas tal fato não podia mais ser considerado, visto que o registro que perdurou por mais de 15 (quinze) anos tinha como objeto social "a comercialização atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos" e o registro atual tem por objeto a "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite", institutos estes que, a priori, não se confundem.
(..)
Também consignei naquele recurso de agravo: "No caso dos autos, não correspondendo o registro do agravado considerado para manutenção da decisão às atividades regularmente exercidas hoje, inviável o deferimento do processamento da recuperação judicial, diante do não preenchimento do requisito exigido pelo art. 48, eis que o objeto de ambas as atividades e, muito menos as empresas, não se confundem. Nos 15 (quinze) anos que permaneceu inscrito, o agravado não exercia a atividade de produtor rural exercida com o novo registro, de modo que não se pode falar em aproveitamento do registro anterior.
(..)
Portanto, o agravado não demonstrou o implemento do lapso legal previsto na Lei 11.101/05 a fazer jus aos benefícios da Lei 11.101/05. Não atendeu ao requisito temporal previsto no artigo 48 da LRF e não comprovou o efetivo exercício da atividade pelo lapso legal; é necessário que o empresário que pleiteia a recuperação judicial exerça suas atividades há mais de dois anos, ainda que não se exija o registro na Junta Comercial por igual período (artigo 48, §2º da Lei 11.101/05), todavia, no caso em estudo, o agravado não comprovou o efetivo exercício da atividade profissional no lapso mencionado.
(..)
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, PROVEJO o recurso, para indeferir o pedido de processamento da recuperação judicial do agravado, por não preencher o requisito quanto ao exercício de atividade empresária pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Em voto-vista proferido pelo Desembargador João Ferreira Filho, extrai-se, na mesma linha (fl. 1387):
Com efeito, o registro do agravado Leandro Mussi perante a Junta Comercial local feito em 21/08/2002 e extinto em 01/08/2017 tinha como objeto social "a comercialização atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos" e não a "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite", como o registro vigente.
(..)
Relegada, ainda, a discussão sobre a possibilidade de seu enquadramento, como "empresário cuja atividade rural constitua sua principal profissão", como exigido pelo art. 971 do Código Civil, o agravado Leandro Mussi desenvolvia, antes, a "comercialização atacadista", "representação comerciar", "compra e venda de cereais" e "importação e exportação de grãos e insumos", e, agora, a partir de 02/08/2018, vinte e seis dias antes da formulação do pedido de recuperação judicial, passou a exercer atividade de "exploração agrícola (e) da pecuária", ou seja, passou a ser detentor de outro registro, com características distintas do anterior, notadamente as formalidades exigidas pelo art. 968 do Código Civil, e.g., capital, objeto social e sede da empresa.
(..)
Acrescento, ainda, nem mesmo a hipótese do art. 48, § 2º, da Lei nº 11.101/2005, que afasta a necessidade de comprovação do registro na Junta Comercial para comprovação do exercício de "suas atividades há mais de dois anos", socorreria a pretensão do agravado, pois, mesmo se considerássemos que ele passou a desenvolver "exploração agrícola (e) da pecuária" no exato dia em que pediu a extinção do registro da pessoa jurídica devotada à "comercialização atacadista" e outras atividades conexas (01/08/2017), não houve transcurso de dois anos entre esse marco temporal e a data da formulação do pedido de recuperação judicial, fato ocorrido em 28/08/2018.
Pelo exposto, não tenho dúvidas em acompanhar a ilustre Relatora e votar pelo provimento do recurso para reformar a decisão agravada e indeferir o pedido de processamento da recuperação judicial.
Conforme se verifica dos excertos transcritos, os julgadores de origem entenderam que a atividade empresária exercida por Leandro Mussi, ora recorrente, pelo período de quinze anos, documentada no primeiro registro feito na Junta Comercial, não poderia ser "aproveitada" para satisfazer o prazo de dois anos exigido pela lei, porque a atividade empresarial ali documentada não se tratava de atividade rural.
Dito de outra forma, a razão da desconsideração da atividade documentada no primeiro registro não foi o fato de se tratar de atividades rurais não correlatas ou não coincidentes, mas, sim, o fato de que a atividade do "registro 1" não era atividade rural, agrícola.
Assim, nos termos postos pelo acórdão recorrido, apenas a atividade documentada no segundo registro tratava de atividade rural e, portanto, contando-se o prazo da data do segundo registro até o momento do pedido de recuperação, não se computavam dois anos de exercício de atividade rural, motivo pelo qual se indeferiu o processamento da recuperação.
3. Na linha desse raciocínio é que compreendo a questão recursal de forma sutilmente diversa do eminente relator.
É que extraí dos autos que o empecilho colocado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso consistiu na observação de que as atividades certificadas na primeira inscrição realizada pelo ora agravado (ano de 2002) não tinham natureza rural ou agrícola, portanto não serviriam aos dois anos necessários para o preenchimento do requisito temporal.
Por outro lado, como o "registro 1" (ano 2002) foi o único documento considerado pelo acórdão recorrido para comprovação da atividade rural, concluiu o Tribunal de origem que não havia tempo suficiente de exercício daquela atividade.
De fato, a meu ver, diga-se uma vez mais, o problema apontado pelos julgadores a quo não foi a falta de correlação entre as atividades documentadas nas duas certidões apresentadas. A questão é que a atividade documentada na primeira certidão, conforme análise feita pelo Colegiado, não consistia em atividade rural, não podendo, por essa razão, ser considerada para o deferimento da recuperação.
Aliás, nesse específico ponto, que não reconhece como rural a "comercialização atacadista", "representação comercial", "compra e venda" de cereais e "importação e exportação" de grãos e insumos, penso que a conclusão do acórdão mato-grossense está correta.
De fato, produtor ou empresa rural é "toda pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que desenvolve, em área urbana ou rural, a atividade agropecuária, pesqueira ou silvicultural, bem como a extração de produtos primários, vegetais ou animais, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos" (https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/RN/Anexos/gestao-e-comercializacao-cartilha-do-produtor-rural.pdf).
No mesmo rumo de ideias, Wégela Tatiara Maia Passos lembra que a legislação do Imposto de Renda, nos arts. 58 a 71, considera produtor rural a pessoa física ou natural que explora atividades agrícolas e pecuárias, a extração e a exploração vegetal e animal, a exploração de apicultura, da avicultura da suinocultura, da sericultura, da piscicultura e outras criações de pequenos animais. Inserem-se também nesse contexto os produtos agrícolas ou pecuários que são transformados sem ocorrer alteração na composição.
A professora destaca, ainda, que a mesma legislação prevê que as atividades do produtor rural devem ser executadas pelo próprio agricultor ou criador, com auxílio de máquinas e equipamentos exclusivos da atividade rural e que também é considerado "produtor rural" a pessoa jurídica que desenvolve suas atividades agrícolas ou pecuárias, por meio do Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas da Receita Federal do Brasil. Concluiu ainda que "a pessoa jurídica a qual fará a exploração da terra pode ou não ser proprietária da terra explorada, no caso de arrendamento essa exploração será feita pelo arrendador" (Produtor rural: um estudo comparativo entre pessoa física e pessoa jurídica agroindustrial. https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigocientificoprodutorrural.pdf).
Dessarte, as definições doutrinárias coincidem com a classificação proposta pela legislação, conforme se percebe na Lei n. 8.023/1990, que altera o Imposto de Renda sobre o resultado da atividade rural e dá outras providências, assim como na Instrução Normativa n. 83/2001 da Receita Federal do Brasil, ambas referidas no cuidadoso voto proferido pelo eminente relator, Ministro Raul Araújo.
Confiram-se os dispositivos:
Lei n. 8.023, de 12 de abril de 1990
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais;
V - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à mera intermediação de animais e de produtos agrícolas.
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Instrução normativa SRF n. 83, de 11 de outubro de 2001
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração de atividades zootécnicas, tais como apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas de pequenos animais;
V - a atividade de captura de pescado in natura, desde que a exploração se faça com apetrechos semelhantes aos da pesca artesanal (arrastões de praia, rede de cerca, etc.), inclusive a exploração em regime de parceria;
VI - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como:
a) beneficiamento de produtos agrícolas:
1. descasque de arroz e de outros produtos semelhantes;
2. debulha de milho;
3. conservas de frutas;
b) transformação de produtos agrícolas:
1. moagem de trigo e de milho;
2. moagem de cana-de-açúcar para produção de açúcar mascavo, melado,
rapadura;
3. grãos em farinha ou farelo;
c) transformação de produtos zootécnicos:
1. produção de mel acondicionado em embalagem de apresentação;
2. laticínio (pasteurização e acondicionamento de leite; transformação de leite em queijo, manteiga e requeijão);
3. produção de sucos de frutas acondicionados em embalagem de apresentação;
4. produção de adubos orgânicos;
d) transformação de produtos florestais:
1. produção de carvão vegetal;
2. produção de lenha com árvores da propriedade rural;
3. venda de pinheiros e madeira de árvores plantadas na propriedade rural;
e) produção de embriões de rebanho em geral, alevinos e girinos, em propriedade rural, independentemente de sua destinação (reprodução ou comercialização).
Invoco, ainda, o Estatuto da Terra, Lei n. 4.504/1964, que nos incisos I e VI de seu art. 4º, preceitua:
Art. 42 Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
(..)
VI - "Empresa Rural" é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico ..Vetado.. da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;
4. Nesse passo, com base no rol descritivo acima apresentado, somado à consideração da literalidade das atribuições consignadas no registro na Junta Comercial datado de 2002, penso acertada a conclusão dos julgadores a quo que negaram a natureza rural da "comercialização atacadista", da "representação comercial", da "compra e venda" e da "importação e exportação", ainda que o objeto dessas transações fossem produtos originados de atividade rural, produtos agrícolas.
Todavia, essa constatação, por si só, não é capaz de conduzir à conclusão de que o ora agravante, LEANDRO MUSSI, não tenha exercido, pelo prazo de dois anos, atividade rural.
Isso porque, conforme assentado no julgamento do Resp n. 1.800.032/MT, também referido pelo eminente relator, o exercício consolidado da atividade rural pelo período determinado em lei e que permite o deferimento do processamento da recuperação judicial do produtor rural pode ser comprovado por quaisquer meios.
Na linha desse entendimento, ensinam Antonio Carlos Pôrto e Nora Raquel que o produtor rural que fez a opção pelo registro mercantil há menos de dois anos, antes do ajuizamento da recuperação judicial, pode demonstrar, por outros meios, o exercício do ofício rural no período exigido pela norma (GONÇALVES, Antonio Carlos Pôrto. Economia Empresarial. Série Gestão Empresarial. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2012).
É exatamente essa a tese - ou parte dela - que se extrai do julgamento do leading case acima mencionado: para o deferimento do processamento da recuperação, deve, sim, haver o registro empresarial e este deve ser anterior à impetração do pedido. Contudo, a comprovação da regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo estabelecido no caput do art. 48 da Lei n. 11.101/2005 deve ser aferida pela constatação da continuidade do exercício profissional (critério material), e não somente pela prova da existência de registro do empresário ou ente empresarial por aquele lapso temporal (critério formal).
Ressalte-se, nesse rumo, a colaboração de renomados estudiosos do Direito Comercial que se reuniram na III Jornada de Direito Comercial (2019) e aprovaram os seguintes enunciados referentes à questão em debate.
CRISE DA EMPRESA: FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO
ENUNCIADO 96 - A recuperação judicial do empresário rural, pessoa natural ou jurídica, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido, inclusive os anteriores à data da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
Justificativa: O art. 48, caput, da Lei n. 11.101/2005, não exige, como requisito para a impetração da Recuperação Judicial, a inscrição na Junta Comercial pelo prazo de dois anos, mas apenas que o devedor, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos. Por sua vez, o inc. V do art. 51 da mesma lei exige a comprovação de regularidade na Junta Comercial, mas não se refere a qualquer prazo. O art. 971 do Código Civil preceitua como facultativo, ao empresário rural, o registro na Junta Comercial, após o qual ficará equiparado ao empresário sujeito ao registro. Portanto, a atividade do empresário rural pode se configurar regular mesmo sem o registro na Junta Comercial. Nesse sentido, o empresário rural não necessita estar registrado na Junta Comercial há mais de dois anos para impetrar recuperação judicial
ENUNCIADO 97 - O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido.
Justificativa: Fábio Ulhoa Coelho, em parecer sobre o tema, afirma que "considerar que a lei exige do produtor rural que explore a sua atividade e também esteja registrado na Junta Comercial há pelo menos dois anos é relegar à letra morta o § 2º do art. 48 da LRE" (COELHO, Fábio Ulhoa. Parecer proferido nos autos do processo 3067-12.2015.811.0051-97136, Comarca de Campo Verde, Estado do Mato Grosso. 13 de outubro de 2015. Fls. 776). Destaca-se, ainda, que o TJSP manifestou-se pela admissão de qualquer documento para fins comprobatórios do efetivo e regular exercício da atividade pelo biênio legal (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Agravo de Instrumento 2006737-58.2018.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 9/5/2018; Data de Registro: 11/5/2018). Assim, a prova do requisito temporal de dois anos não exige do produtor rural (seja pessoa física ou jurídica) que este esteja inscrito na Junta Comercial por prazo superior a um biênio, mas, tão somente, que o esteja na data do ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial.
Quanto à possibilidade de a prova da atividade rural poder realizar-se por outros meios diversos do registro na Junta Comercial, destaque-se inovação da recentíssima Lei n. 14.112/2020, que alterou a disciplina dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, prevendo o que se segue:
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente. § 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
5. Nessa extensão, uma vez mais, ressalte-se que a qualidade de empresário rural se verificará, nos termos da teoria da empresa, sempre que comprovado o exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, para tanto, se essa comprovação se realizará pela inscrição na Junta Comercial.
Isso porque, conforme bem delineado no julgamento do Resp n. 1.800.032/MT, exaustivamente citado, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial, em vez de "transformá-lo" em empresário, acarreta sua sujeição ao regime empresarial, descortinando-se, então, uma série de benefícios e ônus de titularidade apenas daqueles que se registram na forma preconizada no art. 968, do CC/2002.
Com efeito, naquele julgamento concluiu-se: a) o produtor rural que exerce atividade empresária é sujeito de direito da recuperação judicial regulada pela Lei n. 11.101/2005; b) a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, observadas as formalidades do art. 968 do CC e seus parágrafos é condição apenas para o requerimento da recuperação judicial pelo produtor rural; c) o deferimento do pedido de recuperação judicial pelo produtor rural está condicionado à comprovação de exercício de atividade rural há mais de dois anos, por quaisquer formas admitidas em direito (art. 48, Lei n. 11.101/2005); d) comprovado o exercício da atividade pelo prazo mínimo exigido pelo art. 48 (Lei n. 11.101/2005), sujeitam-se à recuperação os créditos constituídos que decorram de atividades empresariais.
No caso concreto, ainda que se afirme a natureza rural das atividades documentadas na certidão de fl. 191 emitida pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso ("registro 1"), que faz referência às atividades iniciadas em 21/8/2002, consistentes no Comércio Varejista de Sementes, Adubos, Defensivos, Produtos Agropecuários, Representação Comercial, Compra e Venda de Cereais, Exportação e Importação de Grãos e Insumos, tenho que essa constatação não é o suficiente para afirmar que o ora agravante não exerceu, pelo prazo de dois anos exigidos pela lei, atividade daquela natureza e que essa comprovação pode ser viabilizada por outros meios.
Destarte, como o registro na Junta Comercial não é o único documento hábil a essa comprovação, tendo em vista terem sido juntados ao caderno processual outros tantos documentos acerca do exercício da atividade rural, penso que a hipótese requer a devolução dos autos ao juízo de origem para que sejam pormenorizadamente analisados os outros documentos juntados, procedendo-se a novo julgamento que os considere e, nos termos do que fora decidido por esta egrégia Corte, examine os requisitos de deferimento da recuperação judicial do produtor rural.
Acerca dos elementos probatórios referidos acima, a título ilustrativo, destaco ofício dirigido ao ora recorrente pelo Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis Títulos e Documentos de Feliz Natal/MT, "intimando-o" a satisfazer obrigações contratuais relativas a Cédulas de Produto Rural Financeiras, firmadas em 30/4/2012 (fl. 743).
Na mesma linha, à fl. 750, consta ofício informando a existência de obrigações pendentes relatavas a Cédulas de Produto Rural Financeiras firmadas em 29/5/2013 (Ofício n. 171/2018).
Como de conhecimento comezinho, a CPR é um título representativo de promessa de entrega futura de produto agropecuário, emitida apenas por quem é produtor rural ou por suas associações, inclusive cooperativas e representa o principal instrumento de financiamento da cadeia produtiva do agronegócio (Disponível: https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/registro/renda-fixa-e-valores-mobiliarios/cedula-de-produto-rural.htm)
Ainda na linha exemplificativa, à fl. 755 foi juntado o Ofício n. 502/2018, com intimação para cumprimento das obrigações contratuais relativas ao(s) encargo(s) vencido(s) e não pago(s) relativo (s) a Contrato de Constituição de Alienação Fiduciária (29/05/2013), referente aos imóveis rurais que especifica, com saldo devedor também de responsabilidade do ora recorrente. De mesma natureza, são os documentos de fls. 759 e 763.
Outrossim, na Declaração de Ajuste Anual de Imposto Sobre a Renda - Pessoa Física, juntada às fls. 1092-1132, consta o preenchimento de Demonstrativo de Atividade Rural - Brasil (fl. 1.122). Entre os "bens da atividade rural" lá relacionados, constatam-se inúmeras colheitadeiras, tratores, pulverizadores agrícolas, plantadeiras, semeadoras, abastecedor de adubo, distribuidor de calcário e adubo, plaina, distribuidor de sementes, reboque agrícola, carretas agrícolas, plataforma de corte para milho, máquina extratora de grãos, carreta de transbordo de algodão, avião agrícola, além de caminhonetas e carro transportador (fls. 1.123-1.130).
Sobre o Ajuste Anual referido, como não poderia ser diferente, nos termos da legislação tributária, a declaração da atividade rural é obrigatória apenas para os produtores rurais que tenham obtido receita bruta, em 2020, por exemplo, no valor igual ou maior que R$ 142.798,50. (Disponível: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/declaracoes/dirpf/pr-irpf-2021-v-1-1-2021-03-05.pdf).
De outra parte, o agravante assevera que, "em boa parte, os documentos mencionados no voto já proferido para sustentar que o sr. Leandro Mussi exerceria atividade rural, em verdade, se referem a atos praticados por empresas das quais ele é sócio" (fl. 2522), tema que também merece ser resolvido pelo Tribunal recorrido.
6. Ante o exposto, renovando a vênia devida, divirjo, em parte, do eminente Relator a fim de dar provimento ao agravo interno, e, em consequência, dar provimento parcial ao recurso especial, anulando o acórdão recorrido, com determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem para os esclarecimentos acima apontados.
É o voto.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Luis Felipe Salomão, retifica-se o voto anteriormente proferido para reconhecer a necessidade de retorno dos autos ao eg. Tribunal de origem para análise dos documentos juntados aos autos relativos a demonstração do exercício regular de atividade empresarial há mais de 2 (dois) anos pelo produtor rural.
O Juízo da 1ª Vara Cível de Diamantino reconheceu o preenchimento dos requisitos legais para deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial formulado por LEANDRO MUSSI, pois comprovado o exercício da atividade rural pelo prazo previsto no art. 48 da Lei 11.101/2005, nos seguintes termos:
"Malgrado toda a discussões doutrinárias sobre esta questão, verifica-se que, no caso em testilha, é incontroversa a existência de inscrição perante a Junta Comercial de Mato Grosso, e que esta é superior aos 02 (dois) anos exigidos pelo art. 48 da LRF, uma vez que indica como data do início da atividade o dia 21.08.2002.
De fato, muito embora tenha ocorrido a extinção daquela inscrição em 2017, tal fato, por si só, não afasta os efeitos do endividamento gerado entre 2002 e 2017, que demonstra que, anteriormente a este pedido, havia inscrição regular do requerente por, pelo menos, 15 (quinze) anos, período que jamais pode ser desconsiderado para os fins do art. 48 da LRF. Afinal, como titular de firma individual, o requerente desenvolveu regularmente as suas atividades empresariais e por prazo superior ao mínimo exigido pela legislação de regência, nascendo daí a possibilidade de propor a recuperação judicial se levado em consideração a necessidade de comprovação pelo período superior a 02 (dois) anos.
Afirmo, portanto, que a extinção do registro não extingue os efeitos jurídicos das obrigações pretéritas contraídas no curso da inscrição, posto que, se tratando de firma individual, as obrigações civis e comerciais se confundem com a pessoa natural, de modo que sendo possível a cobrança, de igual modo também é a propositura da ação para o fim de negociação do débito sob a vertente da Recuperação Judicial em vista da indivisibilidade das obrigações.
Sobre este tema, cito recentíssima decisão do Ministro do Colendo Superior Tribunal de Justiça, Marco Aurélio Bellizze, datado de 22.08.2018, para quem "efetivamente, o patrimônio da pessoa física é o mesmo do empresário individual que, indistintamente, responde por suas obrigações civis e comerciais, a evidenciar, em tese, o apontado conflito de competência" (Processo: Aglnt nos EDcl no CC 157239, Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Data da Publicação: 24/08/2018).
Verifico, ainda, que o empresário rural possui movimentação contábil desde 2015, inclusive no que toca à formação de patrimônio que, como dito, não se distingue entre a firma individual e a pessoa natural, o que comprova, legalmente, o exercício regular da atividade.
Ou seja, não há qualquer distinção entre o anterior registro e o requerente Leandro Mussi, sendo, em verdade, um único empresário que vem mantendo inscrição na Junta Comercial há 15 (quinze) anos e nela possuindo endividamento que, nos termos do art. 48 da Lei 11.101/05, o qualifica como legitimado ao pedido de recuperação judicial." (fls. 96-97, g.n.)
O eg. Tribunal de origem, deu provimento ao agravo de instrumento interposto por METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY, ora agravante, para reformar a decisão e indeferir o pedido de recuperação judicial formulado por LEANDRO MUSSI, ora agravado, em acórdão assim ementado:
"RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO - NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 971 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 48 DA LEI 11.101/2005 - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
Nos termos do artigo 48 da Lei 11.101/2005, poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Não preenche o requisito do artigo 48 da Lei 11.101/2005, o devedor com inscrição na Junta Comercial desde o ano de 2002, que perdurou por mais de 15 (quinze) anos e tinha objeto social diverso do registro atual que não conta com mais de 02 (dois) anos, institutos que não se confundem e impede o aproveitamento da inscrição antiga." (fls. 1382)
A Corte estadual, portanto, entendeu descabida a soma dos períodos do registro efetuado na Junta Comercial em 21/08/2002 e extinto em 01/08/2017 e do registro realizado em 02/08/2018, levando em consideração serem distintos os objetos dos empreendimentos econômicos rurais, anterior e atual, desenvolvidos pelo empresário requerente da recuperação judicial. No entender do v. acórdão impugnado no especial, as atividades do empresário rural referidas no caput do art. 48 da Lei 11.101/2005 devem ser coincidentes em seus objetos, para que se permita a soma de períodos como empresário, de modo a superar o biênio exigido na Lei.
A eg. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 10/02/2020, adotou orientação de que o produtor rural adquire a aptidão para requerer recuperação judicial após obter o registro como empresário na Junta Comercial, desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, ainda que somando período anterior à data do registro.
A propósito, transcreve-se a ementa do referido precedente:
"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.
2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (..), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes." (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe de 10/02/2020, g.n.)
Foi consignado no referido julgado que, por ser empresário não sujeito a registro, a inscrição facultativa do produtor rural como empresário apenas o transfere do regime civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo retroativo (ex tunc) de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro". A explicação está em que, diversamente do empresário comum, para quem o registro é condição para o início e desenvolvimento regulares da atividade empresarial, somente podendo esse ato formalizador operar efeitos prospectivos (ex nunc), para o empreendedor rural a regularidade dessa condição empresarial precede ao seu registro como empresário, nos termos dos arts. 966, 967, 970 e 971 do Código Civil de 2002.
Assim, após o registro, não há distinção de regime jurídico aplicável às obrigações contraídas anteriormente ao registro e ainda inadimplidas pelo empreendedor rural registrado, ficando abrangidas na recuperação judicial, tanto as obrigações contratadas anteriormente ao registro como aquelas posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial.
A inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede não é a única forma de comprovação do exercício regular de atividade rural pelo período exigido na Lei 11.101/2005, podendo ser demonstrado por outros meios.
Cabe ressaltar que o art. 48 da LRF, com redação dada pela Lei 14.112/2020, dispõe:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
(..)
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF.
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado.
Na hipótese, verifica-se que o eg. Tribunal de origem analisou apenas as certidões emitidas pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso para concluir pela ausência de demonstração do exercício de atividade rural, deixando de examinar os demais elementos que compõem o caderno processual, como, por exemplo, os documentos que atestam que parte da dívida decorre de emissão de Cédulas de Produto Rural, emitidas entre 2012 e 2018 (fls. 743-766), circunstância demonstrativa, em tese, de ter o ora agravado desenvolvido atividade rural no citado período.
Ademais, como bem observado pelo em. Ministro Luis Felipe Salomão "na Declaração de Ajuste Anual de Imposto Sobre a Renda - Pessoa Física, juntada às fls. 1092-1132, consta o preenchimento de Demonstrativo de Atividade Rural - Brasil (fls. 1.122). Entre os "bens da atividade rural" lá relacionados constatam-se inúmeras colheitadeiras, tratores, pulverizadores agrícolas, plantadeiras, semeadoras, abastecedor de adubo, distribuidor de calcário e adubo, plaina, distribuidor de sementes, reboque agrícola, carretas agrícolas, plataforma de corte para milho, máquina extratora de grãos, carreta de transbordo de algodão, avião agrícola, além de caminhonetas e carro transportador (fls. 1.123-1.130). Sobre o Ajuste Anual referido, como não poderia ser diferente, nos termos da legislação tributária, a declaração da atividade rural é obrigatória apenas para os produtores rurais e que tenham obtido receita bruta, em 2020, por exemplo, no valor igual ou maior que R$ 142.798,50. (Disponível: https: //www.gov.br /receitafederal /ptbr /acesso-a-informacao /perguntas-frequentes/ declaracoes /dirpf/ pr-irpf-2021 - v-1-1-2021-03-05.pdf).
Nessas condições, impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que sejam analisados os outros documentos juntados aos autos e proceda a novo julgamento, considerando o que fora decidido pela eg. Corte Superior acerca dos requisitos para deferimento do processamento da recuperação judicial do produtor rural.
Diante do exposto, dá-se provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, dar parcial provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que proceda novo julgamento, considerando os termos acima expostos.
É o voto. | ACÓRDÃO
Após o voto-vista do Ministro Luis Felipe Salomão dando provimento ao agravo interno, para dar parcial provimento ao recurso especial, divergindo em parte do relator, e os votos da Ministra Maria Isabel Gallotti e dos Ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi acompanhando a divergência, e a adequação do voto do relator no mesmo sentido, a Quarta Turma, por unanimidade, decide dar provimento ao agravo interno, para dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
Trata-se de agravo interno interposto por METROPOLITAN LIFE INSURE CO contra decisão que deu provimento ao recurso especial de LEANDRO MUSSI para deferir o processamento da recuperação judicial do recorrente.
Em suas razões recursais, a agravante afirma que o Tribunal de origem concluiu que o ora agravado não comprovou o exercício de atividade como produtor rural por dois anos antes de ingressar com o pedido de recuperação judicial e, portanto, a análise das razões do apelo nobre demandaria reexame do conjunto probatório dos autos, providência vedada em sede especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
Aduz, ainda, que "o Egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso, ao julgar o Agravo de Instrumento de origem, analisou o conjunto fático probatório existente nos autos, e concluiu, após ampla análise probatória, que o SR. LEANDRO MUSSI não exerceu atividade empresária pelo prazo de dois anos, antes do pedido de sua recuperação judicial, independentemente de ter, ou não, registro na Junta Comercial" (fl. 2.417).
Sustenta que o agravado Leandro Mussi não comprovou o exercício de atividade como empresário rural, mas apenas ficou demonstrado que é "sócio e gestor de diversas empresas que atuam diretamente no ramo do agronegócio", e, portanto, "sócios não podem se aproveitar dos efeitos decorrentes da Recuperação Judicial de suas empresas, assim como também não podem ingressar em nome próprio com pedido de Recuperação Judicial".
Requer, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou sua reforma pela Turma Julgadora (fls. 2.400-2.425).
O agravado apresentou impugnação pleiteando o improvimento do agravo interno com aplicação da multa prevista pelo art. 1.021, § 4º, do CPC/2015 (fls. 2.429-2.437).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator):
De início, ressalta-se que, mesmo se tendo por incontroversa a base fática apresentada pelo eg. Tribunal de origem, a análise da alegada violação ao art. 48 da Lei 11.101/2005 e arts. 966 e 971 do Código Civil de 2002, suscitada no recurso especial, não esbarra no óbice da Súmula 7 desta Corte.
A eg. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 10/02/2020, adotou orientação de que o produtor rural adquire a aptidão para requerer recuperação judicial após obter o registro como empresário na Junta Comercial, desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, ainda que somando período anterior à data do registro.
Foi consignado naquele referido julgado que, por ser empresário não sujeito a registro, a inscrição facultativa do produtor rural como empresário apenas o transfere do regime civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo retroativo (ex tunc) de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro". A explicação está em que, diversamente do empresário comum, para quem o registro é condição para o início e desenvolvimento regulares da atividade empresarial, somente podendo esse ato formalizador operar efeitos prospectivos (ex nunc), para o empreendedor rural a regularidade dessa condição empresarial precede ao seu registro como empresário, nos termos dos arts. 966, 967, 970 e 971 do Código Civil de 2002.
Assim, não há distinção de regime jurídico aplicável às obrigações contraídas e inadimplidas pelo empreendedor rural registrado, ficando abrangidas na recuperação judicial tanto as obrigações contratadas anteriormente ao registro como aquelas posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial.
A propósito, transcreve-se a ementa do referido precedente:
"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.
2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (..), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes." (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe de 10/02/2020, g.n.)
No mesmo sentido:
RECURSO ESPECIAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL EFETUADO POR EMPRESÁRIO INDIVIDUAL RURAL QUE EXERCE PROFISSIONALMENTE A ATIVIDADE AGRÍCOLA ORGANIZADA HÁ MAIS DE DOIS ANOS, ENCONTRANDO-SE, PORÉM, INSCRITO HÁ MENOS DE DOIS ANOS NA JUNTA COMERCIAL. DEFERIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ART. 48 DA LRF. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. Controverte-se no presente recurso especial acerca da aplicabilidade do requisito temporal de 2 (dois) anos de exercício regular da atividade empresarial, estabelecido no art. 48 da Lei n. 11.101/2005, para fins de deferimento do processamento da recuperação judicial requerido por empresário individual rural que exerce profissionalmente a atividade agrícola organizada há mais de 2 (dois) anos, encontrando-se, porém, inscrito há menos de 2 (dois) anos na Junta Comercial.
2. Com esteio na Teoria da Empresa, em tese, qualquer atividade econômica organizada profissionalmente submete-se às regras e princípios do Direito Empresarial, salvo previsão legal específica, como são os casos dos profissionais intelectuais, das sociedades simples, das cooperativas e do exercente de atividade econômica rural, cada qual com tratamento legal próprio. Insere-se na ressalva legal, portanto, o exercente de atividade econômica rural, o qual possui a faculdade, o direito subjetivo de se submeter, ou não, ao regime jurídico empresarial.
3. A constituição do empresário rural dá-se a partir do exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção e circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, à sua caracterização, a efetivação de sua inscrição na Junta Comercial. Todavia, sua submissão ao regime empresarial apresenta-se como faculdade, que será exercida, caso assim repute conveniente, por meio da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
3.1 Tal como se dá com o empresário comum, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial não o transforma em empresário. Perfilha-se o entendimento de que, também no caso do empresário rural, a inscrição assume natureza meramente declaratória, a autorizar, tecnicamente, a produção de efeitos retroativos (ex tunc).
3.2 A própria redação do art. 971 do Código Civil traz, em si, a assertiva de que o empresário rural poderá proceder à inscrição. Ou seja, antes mesmo do ato registral, a qualificação jurídica de empresário - que decorre do modo profissional pelo qual a atividade econômica é exercida - já se faz presente. Desse modo, a inscrição do empresário rural na Junta Comercial apenas declara, formaliza a qualificação jurídica de empresário, presente em momento anterior ao registro. Exercida a faculdade de inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, o empresário rural, por deliberação própria e voluntária, passa a se submeter ao regime jurídico empresarial.
4. A finalidade do registro para o empresário rural, difere, claramente, daquela emanada da inscrição para o empresário comum. Para o empresário comum, a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, que tem condão de declarar a qualidade jurídica de empresário, apresenta-se obrigatória e se destina a conferir-lhe status de regularidade. De modo diverso, para o empresário rural, a inscrição, que também se reveste de natureza declaratória, constitui mera faculdade e tem por escopo precípuo submeter o empresário, segundo a sua vontade, ao regime jurídico empresarial.
4.1 O empresário rural que objetiva se valer dos benefícios do processo recuperacional, instituto próprio do regime jurídico empresarial, há de proceder à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, não porque o registro o transforma em empresário, mas sim porque, ao assim proceder, passou a voluntariamente se submeter ao aludido regime jurídico. A inscrição, sob esta perspectiva, assume a condição de procedibilidade ao pedido de recuperação judicial, como bem reconheceu esta Terceira Turma, por ocasião do julgamento do REsp 1.193.115/MT, e agora, mais recentemente, a Quarta Turma do STJ (no REsp 1.800.032/MT) assim compreendeu.
4.2 A inscrição, por ser meramente opcional, não se destina a conferir ao empresário rural o status de regularidade, simplesmente porque este já se encontra em situação absolutamente regular, mostrando-se, por isso, descabida qualquer interpretação tendente a penalizá-lo por, eventualmente, não proceder ao registro, possibilidade que a própria lei lhe franqueou. Portanto, a situação jurídica do empresário rural, mesmo antes de optar por se inscrever na Junta comercial, já ostenta status de regularidade.
5. Especificamente quanto à inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis, para o empresário comum, o art. 967 do Código Civil determina a obrigatoriedade da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade. Será irregular, assim, o exercício profissional da atividade econômica, sem a observância de exigência legal afeta à inscrição. Por consequência, para o empresário comum, o prazo mínimo de 2 (dois) anos deve ser contado, necessariamente, da consecução do registro. Diversamente, o empresário rural exerce profissional e regularmente sua atividade econômica independentemente de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Mesmo antes de proceder ao registro, atua em absoluta conformidade com a lei, na medida em que a inscrição, ao empresário rural, apresenta-se como faculdade - de se submeter ao regime jurídico empresarial.
6. Ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, como instituto próprio do regime empresarial, o registro é absolutamente desnecessário para que o empresário rural demonstre a regularidade (em conformidade com a lei) do exercício profissional de sua atividade agropecuária pelo biênio mínimo, podendo ser comprovado por outras formas admitidas em direito e, principalmente, levando-se em conta período anterior à inscrição.
7. Recurso especial provido" (REsp 1.811.953/MT, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe de 15/10/2020, g.n.)
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RESP N. 1.800.032/MT.
1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.
2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (..), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Ficou decidido no julgamento do REsp n. 1.800.032/MT, que após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Agravo interno não provido." (AgInt no REsp 1.834.452/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/2021, DJe de 02/03/2021, g.n.)
Na hipótese, o il. Juízo de primeiro grau reconheceu a atividade empresarial rural exercida pelo agravado por, pelo menos, quinze anos, nos seguintes termos:
"Malgrado todas as discussões doutrinárias sobre esta questão, verifica-se que, no caso em testilha, é incontroversa a existência de inscrição perante a Junta Comercial de Mato Grosso, e que esta é superior aos 02 (dois) anos exigidos pelo art. 48 da LRF, uma vez que indica como data do início da atividade o dia 21.08.2002.
De fato, muito embora tenha ocorrido a extinção daquela inscrição em 2017, tal fato, por si só, não afasta os efeitos do endividamento gerado entre 2002 e 2017, que demonstra que, anteriormente a este pedido, havia inscrição regular do requerente por, pelo menos, 15 (quinze) anos, período que jamais pode ser desconsiderado para os fins do art. 48 da LRF. Afinal, como titular de firma individual, o requerente desenvolveu regularmente as suas atividades empresariais e por prazo superior ao mínimo exigido pela legislação de regência, nascendo daí a possibilidade de propor a recuperação judicial se levado em consideração a necessidade de comprovação pelo período superior a 02 (dois) anos." (fl. 96; g.n.)
Por sua vez, o eg. Tribunal de Justiça, mesmo reconhecendo os mesmos fatos, adotou entendimento contrário ao pedido de recuperação do empresário rural, como se vê na seguinte ementa:
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO - NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 971 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 48 DA LEI 11.101/2005 - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
Nos termos do artigo 48 da Lei 11.101/2005, poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Não preenche o requisito do artigo 48 da Lei 11.101/2005, o devedor com inscrição na Junta Comercial desde o ano de 2002, que perdurou por mais de 15 (quinze) anos e tinha objeto social diverso do registro atual que não conta com mais de 02 (dois) anos, institutos que não se confundem e impede o aproveitamento da inscrição antiga.
Em seu ilustrado voto, registrou a eminente Relatora do acórdão:
Contra a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial do ora agravado, vários recursos de agravo de instrumento foram interposto pelos credores. Em um deles, proferi decisão de indeferimento do pedido de efeito suspensivo, para manter o processamento da recuperação, mas, na apreciação dos Embargos de Declaração 1012895-66.2018.8.11.0000 opostos por NIDERA SEEDS BRASIL LTDA. contra o ora agravado, acolhi a contradição lá aventada.
No citado embargos de declaração, mencionei que quando da apreciação da liminar recursal no agravo de instrumento (com mesmo número), interposto pela Nidera, consignei que para a manutenção da decisão recorrida havia pesado o fato de ter sido o ora agravado registrado na Junta Comercial desde o ano de 2002, mas tal fato não podia mais ser considerado, visto que o registro que perdurou por mais de 15 (quinze) anos tinha como objeto social "a comercialização atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos" e o registro atual tem por objeto a "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite", institutos estes que, a priori, não se confundem.
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No caso dos autos, não correspondendo o registro do agravado considerado para manutenção da decisão às atividades regularmente exercidas hoje, inviável o deferimento do processamento da recuperação judicial, diante do não preenchimento do requisito exigido pelo artigo 48, eis que o objeto de ambas as atividades e, muito menos as empresas, não se confundem. Nos 15 (quinze) anos que permaneceu inscrito, o agravado não exercia a atividade de produtor rural exercida com o novo registro, de modo que não se pode falar em aproveitamento do registro anterior.
Portanto, o agravado não demonstrou o implemento do lapso legal previsto na Lei 11.101/05 a fazer jus aos benefícios da Lei 11.101/05. Não atendeu ao requisito temporal previsto no artigo 48 da LRF e não comprovou o efetivo exercício da atividade pelo lapso legal; é necessário que o empresário que pleiteia a recuperação judicial exerça suas atividades há mais de dois anos, ainda que não se exija o registro na Junta Comercial por igual período (artigo 48, §2º da Lei 11.101/05), todavia, no caso em estudo, o agravado não comprovou o efetivo exercício da atividade profissional no lapso mencionado.
..
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, PROVEJO o recurso, para indeferir o pedido de processamento da recuperação judicial do agravado, por não preencher o requisito quanto ao exercício de atividade empresária pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Com o provimento do recurso consistente no acolhimento do pedido principal, fica prejudicado o pedido alternativo de declaração incompetência do Juízo de origem.
É como voto.
A Corte estadual, portanto, entendeu descabida a soma dos períodos referidos, levando em consideração serem distintos os objetos dos empreendimentos econômicos rurais, anterior e atual, desenvolvidos pelo empresário requerente da recuperação judicial. No entender do v. acórdão impugnado no especial, as atividades do empresário rural referidas no caput do art. 48 da Lei 11.101/2005 devem ser coincidentes em seus objetos, para que se permita a soma de períodos como empresário, de modo a superar o biênio exigido na Lei.
Portanto, verifica-se que, embora devidamente constatado e reconhecido o exercício de atividade rural pelo agravado há mais de dois anos, conforme exigido no art. 48 da Lei 11.101/2005, pois o ora agravado possuía anterior registro perante a Junta Comercial, realizado em 21/08/2002 e cancelado somente em 1º/08/2017, as instâncias ordinárias chegaram a conclusões divergentes. A Corte estadual rejeitou a soma de períodos em razão das atividades empresárias diferentes, em cada empreendimento rural, o que entendeu relevante. Destacou que o registro mercantil anterior tinha como objeto social o "comércio atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos", enquanto o registro vigente, realizado em 02/08/2018, trata de "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite" (fl. 1.796).
Embora a Lei 11.101/2005 não determine, explicitamente, que a legitimidade para o pedido de recuperação judicial dependa de que o empresário exerça, por mais de dois anos, a atividade empresarial no mesmo ramo de negócio, a eg. Quarta Turma desta Corte firmou entendimento de que o mencionado requisito temporal deve ser em atividade idêntica ou correlata. A propósito:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 48, CAPUT, DA LEI 11.101/2005. DEVEDOR. EXERCÍCIO REGULAR DAS ATIVIDADES HÁ MAIS DE DOIS ANOS. MUDANÇA DE RAMO. ILEGITIMIDADE ATIVA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. O exercício regular de atividade empresária reclama inscrição da pessoa física ou jurídica no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial). Trata-se de critério de ordem formal.
2. Assim, para fins de identificar "o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades", a que alude o caput do art. 48 da Lei 11.101/2005, basta a comprovação da inscrição no Registro de Empresas, mediante a apresentação de certidão atualizada.
3. Porém, para o processamento da recuperação judicial, a Lei, em seu art. 48, não exige somente a regularidade no exercício da atividade, mas também o exercício por mais de dois anos, devendo-se entender tratar-se da prática, no lapso temporal, da mesma atividade (ou de correlata) que se pretende recuperar.
4. Reconhecida a ilegitimidade ativa do devedor para o pedido de recuperação judicial, extingue-se o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
5. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1.478.001/ES, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/11/2015, DJe de 19/11/2015)
Sobre a definição de atividade rural, a Lei 8.023/90 dispõe:
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais;
V - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.
(Redação dada pela Lei nº 9.250, de 1995)
A Instrução Normativa SRF nº 83/2001 da Receita Federal do Brasil, por sua vez, especifica o que se entende por atividade rural:
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração de atividades zootécnicas, tais como apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas de pequenos animais;
V - a atividade de captura de pescado in natura, desde que a exploração se faça com apetrechos semelhantes aos da pesca artesanal (arrastões de praia, rede de cerca, etc.), inclusive a exploração em regime de parceria;
VI - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como:
a) beneficiamento de produtos agrícolas:
1. descasque de arroz e de outros produtos semelhantes;
2. debulha de milho;
3. conservas de frutas;
b) transformação de produtos agrícolas:
1. moagem de trigo e de milho;
2. moagem de cana-de-açúcar para produção de açúcar mascavo, melado, rapadura;
3. grãos em farinha ou farelo;
c) transformação de produtos zootécnicos:
1. produção de mel acondicionado em embalagem de apresentação;
2. laticínio (pasteurização e acondicionamento de leite; transformação de leite em queijo, manteiga e requeijão);
3. produção de sucos de frutas acondicionados em embalagem de apresentação;
4. produção de adubos orgânicos;
d) transformação de produtos florestais:
1. produção de carvão vegetal;
2. produção de lenha com árvores da propriedade rural;
3. venda de pinheiros e madeira de árvores plantadas na propriedade rural;
e) produção de embriões de rebanho em geral, alevinos e girinos, em propriedade rural, independentemente de sua destinação (reprodução ou comercialização).
Como se vê, o rol das atividades rurais é extenso e, portanto, considera-se empresário rural aquele que explora, regularmente, uma ou algumas das atividades citadas.
Na hipótese, apesar da alteração do objeto social nos registros efetuados perante a Junta Comercial, é possível aferir que se trata de atividades correlatas e até mesmo coincidentes em parte, pois consta no primeiro registro a descrição das atividades, entre outras, de comércio atacadista de produtos agropecuários, bem como compra e venda de cereais e, no segundo registro (o vigente), a exploração agrícola e comércio de soja, milho, arroz e feijão, não se tratando, portanto, de ramos de negócios claramente diversos.
Além disso, a expressão "exploração agrícola" é bem abrangente de todo um gênero de atividades rurais.
Acrescenta-se, ainda, que, conforme se extrai dos autos, parte da dívida decorre de emissão de Cédulas de Produto Rural emitidas entre 2012 e 2018 (fls. 743-766), circunstância demonstrativa de ter o ora agravado desenvolvido atividade rural no citado período.
Cabe registrar que a própria agravante, nas razões do agravo de instrumento interposto perante o eg. Tribunal de origem, reconhece a condição de produtor rural do agravado, consoante se colhe:
"Inicialmente, insta consignar que o SR. LEANDRO MUSSI, é um dos maiores, se não o maior, produtor rural de sua região, sendo responsável pela produção em larga escada de soja, milho e algodão em áreas rurais distribuídas em Sinop, Lucas do Rio Verde e Tapurah.
Para que se tenha uma ideia da extensão dos negócios aqui discutidos, o SR. LEANDRO MUSSI, apenas na região de Sinop, é responsável pela produção de soja em, ao menos, 13.000,00 hectares que são distribuídos em mais de 10 fazendas, estando justamente em tal cidade a maior concentração de seus negócios.
Não por acaso, é que o SR. LEANDRO MUSSI buscava realização de negócios proporcionais à sua escala, tendo por isso inclusive procurado à METLIFE para a obtenção de um empréstimo de US$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões de dólares norte-americanos). Vale ressaltar, desde já, que tal empréstimo tinha como objetivo precípuo a concessão de crédito para investimento nas atividades agrícolas de plantio e colheita." (fls. 11-12)
Assim, apesar da necessidade do prévio registro como produtor rural para a efetivação do pedido de recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 48), não há óbice ao cômputo do período anterior ao registro vigente, ainda que em atividade correlata diversa, mas correlata, insista-se, para perfazimento do total de mais de dois anos de regular exercício da atividade empresarial, pois, mesmo sem o devido registro para ensejar o pedido, o produtor rural já exercia regularmente sua atividade profissional organizada para a produção de bens e serviços, ou seja, já era empresário rural regular, conforme demonstrado nos autos.
Nessas condições, deve ser deferido o processamento do pedido de recuperação judicial ao empresário rural, pois preenchidos os requisitos legais, quais sejam: a) o registro do produtor rural como empresário na junta comercial anteriormente ao requerimento de recuperação judicial; b) a comprovação do exercício da atividade rural correlata há mais de dois anos; e c) a abrangência das dívidas contraídas anteriormente ao registro empresarial.
Por fim, não merece ser acolhido o pedido formulado em impugnação do presente agravo interno quanto à incidência de multa.
Com efeito, na linha do entendimento firmado pela Segunda Seção no julgamento do AgInt nos EREsp 1.120.356/RS, "a aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelatória". Contudo, o presente agravo interno não apresenta tais características, notadamente pela recente consolidação da questão.
Diante do exposto,nega-se provimento ao agravo interno.
É como voto.
VOTO-VISTA
O SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO:
1. METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY interpôs agravo de instrumento contra decisão que deferiu o processamento da Recuperação Judicial requerida por Leandro Mussi, na condição de produtor rural, com determinação de suspensão de todas as ações e execuções que tramitassem em face do recuperando.
No recurso interposto, METROPOLITAN LIFE alegou, em síntese, que LEANDRO MUSSI não preenchia requisito indispensável ao processamento da recuperação, consistente no exercício regular de atividade empresarial rural, pelo período ininterrupto de dois anos, conforme estabelecido pelo caput do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, uma vez que seu registro na Junta Comercial do Estado de Mato Grosso datava de 02/8/2018.
Julgado o agravo de instrumento, o Tribunal de Justiça de Estado de Mato Grosso deu provimento ao recurso, reformando a decisão agravada para indeferir o processamento da Recuperação, reconhecendo inexistente o exercício da atividade empresarial rural pelo prazo mínimo legal, nos termos da ementa abaixo (fl. 1382)
RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO - NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 971 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 48 DA LEI 11.101/2005 - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
Nos termos do artigo 48 da Lei 11.101/2005, poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Não preenche o requisito do artigo 48 da Lei 11.101/2005, o devedor com inscrição na Junta Comercial desde o ano de 2002, que perdurou por mais de 15 (quinze) anos e tinha objeto social diverso do registro atual que não conta com mais de 02 (dois) anos, institutos que não se confundem e impede o aproveitamento da inscrição antiga.
Em embargos de declaração, LEANDRO MUSSI impugnou a conclusão do acórdão embargado acerca de sua condição de produtor rural, não reconhecida pelo órgão a quo, afirmando que sempre teria atuado no campo, na exploração agrícola. O recurso foi rejeitado (fls. 1793-1804). Novos embargos foram opostos e igualmente não providos (fls. 1912-1920).
Sobreveio então recurso especial, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, alegando violação do art. 489 do CPC/2015; arts.1º, 2º, 48, § 2º, 49, caput e 48, todos da Lei n. 11.101/2005; assim como afronta aos arts. 966, 970 e 971 do CC/2002.
Afirmou que o exercício da atividade de produtor rural está devidamente comprovado nos autos, "não podendo a inscrição na Junta Comercial, datada de 02 (dois) anos anteriores ao pedido, servir de óbice para o acesso ao sistema criado pela Lei 11.101/05".
Alegou que o acórdão recorrido equivoca-se ao pontuar que é o registro na Junta Comercial que comprova o lapso de tempo exigido pelo art. 48 da Lei n. 11.101/2005, e que a regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo estabelecido naquele dispositivo legal pode ser aferida por outros meios que demonstrem seu efetivo exercício.
Asseverou que a jurisprudência desta Corte e de outros tribunais do país já assentaram que o produtor rural não inscrito na Junta Comercial pode fazer prova da regularidade da atividade empresária por outros meios, dispensando-se a respectiva certidão no órgão mercantil.
Mencionou que foram juntados aos autos documentos aptos à comprovação da atividade agrícola regular por período muito superior ao biênio legal, tais como sua declaração de imposto de renda, que relaciona bens, maquinários e imóveis rurais que sempre serviram à atividade empresarial, e o ajuste firmado entre as partes, datado de 2013, que formalizou empréstimo concedido ao recorrente, que, "na oportunidade, ofertou produtos agrícolas produzidos em penhor rural, portanto, genuinamente rurais" (fl. 1.971).
Concluiu que, ao produtor rural, basta a prova do exercício de atividade regular durante os dois anos que antecederem o pedido de recuperação, somada à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, que pode ser feita com antecedência inferior àqueles dois anos, já que o ato possui natureza meramente declaratória, e não constitutiva.
Em análise do recurso apresentado, o eminente relator, Ministro Raul Araújo, proferiu decisão monocrática provendo o apelo, para deferir o processamento da recuperação judicial do recorrente (fls. 2392-2395). Asseverou que, nos termos do entendimento fixado no julgamento do Resp n. 1.800.032/MT, "o produtor rural adquire a condição de procedibilidade de requerer a recuperação judicial após o seu registro como empresário e desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de 2 (dois) anos, o qual compreende o período anterior ao registro empresarial" e que, na hipótese, "restou devidamente demonstrado o exercício da atividade rural pelo recorrente há mais de 2 (dois) anos, nos termos exigidos no art. 48 da Lei 11.101/2005" (fls. 731-750).
Em face da decisão referida, METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY interpôs o agravo interno ora em julgamento, defendendo a incidência da Súmula n. 7/STJ, tendo em vista o fato de que o Tribunal de origem teria concluído pela não comprovação do exercício da atividade como produtor rural por dois anos antes de ingressar com o pedido de recuperação judicial.
Sustenta que o agravado não comprovou o exercício da atividade como empresário rural, e que teria sido demonstrado, tão somente, que LEANDRO MUSSI é "sócio e gestor de diversas empresas que atuam diretamente no ramo do agronegócio", além de que "sócios não podem se aproveitar dos efeitos decorrentes da Recuperação Judicial de suas empresas, assim como também não podem ingressar em nome próprio com pedido de Recuperação Judicial" (fls. 2.400-2.425).
Na sessão de julgamento realizada em 15/6/2021, o Ministro Raul Araújo apresentou judicioso voto, negando provimento ao agravo interno, ratificando a decisão unipessoal anteriormente proferida.
Asseverou Sua Excelência, em suma, ser equivocado o entendimento da Corte estadual no sentido de ser descabida a soma dos períodos de atividade empresarial referidos nas duas certidões da Junta Comercial anexadas aos autos, por serem distintos os objetos dos empreendimentos econômicos rurais.
Concluiu que, "apesar da necessidade do prévio registro como produtor rural para a efetivação do pedido de recuperação judicial (Lei 11.101/2005, art. 48), não há óbice ao cômputo do período anterior ao registro vigente, ainda que em atividade correlata diversa, mas correlata".
Na ocasião, para realizar estudo mais alentado da questão, pedi vista dos autos.
É o relatório complementar.
2. A controvérsia deste recurso consiste na definição da forma de comprovação pelo produtor do exercício de atividade rural pelo período mínimo de 2 (dois) anos, com o propósito de legitimar o pedido de recuperação judicial.
Na hipótese, no julgamento do agravo de instrumento interposto por METROPOLITAN LIFE INSURE CO, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso apresentou a seguinte manifestação para dar provimento ao recurso e, com isso, obstar o processamento da recuperação judicial, anteriormente deferida (fls. 1377):
Sobre a questão de fundo, o agravante pretende o reconhecimento do fato de que o agravado não preenche o requisito quanto ao exercício de atividade empresária pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos, o que impossibilita o deferimento do processamento de sua recuperação judicial.
Contra a decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial do ora agravado, vários recursos de agravo de instrumento foram interpostos pelos credores. Em um deles, proferi decisão de indeferimento do pedido de efeito suspensivo, para manter o processamento da recuperação, mas, na apreciação dos Embargos de Declaração 1012895-66.2018.8.11.0000 opostos por NIDERA SEEDS BRASIL LTDA. contra o ora agravado, acolhi a contradição lá aventada.
No citado embargos de declaração, mencionei que quando da apreciação da liminar recursal no agravo de instrumento (com mesmo número), interposto pela Nidera, consignei que para a manutenção da decisão recorrida havia pesado o fato de ter sido o ora agravado registrado na Junta Comercial desde o ano de 2002, mas tal fato não podia mais ser considerado, visto que o registro que perdurou por mais de 15 (quinze) anos tinha como objeto social "a comercialização atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos" e o registro atual tem por objeto a "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite", institutos estes que, a priori, não se confundem.
(..)
Também consignei naquele recurso de agravo: "No caso dos autos, não correspondendo o registro do agravado considerado para manutenção da decisão às atividades regularmente exercidas hoje, inviável o deferimento do processamento da recuperação judicial, diante do não preenchimento do requisito exigido pelo art. 48, eis que o objeto de ambas as atividades e, muito menos as empresas, não se confundem. Nos 15 (quinze) anos que permaneceu inscrito, o agravado não exercia a atividade de produtor rural exercida com o novo registro, de modo que não se pode falar em aproveitamento do registro anterior.
(..)
Portanto, o agravado não demonstrou o implemento do lapso legal previsto na Lei 11.101/05 a fazer jus aos benefícios da Lei 11.101/05. Não atendeu ao requisito temporal previsto no artigo 48 da LRF e não comprovou o efetivo exercício da atividade pelo lapso legal; é necessário que o empresário que pleiteia a recuperação judicial exerça suas atividades há mais de dois anos, ainda que não se exija o registro na Junta Comercial por igual período (artigo 48, §2º da Lei 11.101/05), todavia, no caso em estudo, o agravado não comprovou o efetivo exercício da atividade profissional no lapso mencionado.
(..)
Ante o exposto, em dissonância com o parecer ministerial, PROVEJO o recurso, para indeferir o pedido de processamento da recuperação judicial do agravado, por não preencher o requisito quanto ao exercício de atividade empresária pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos.
Em voto-vista proferido pelo Desembargador João Ferreira Filho, extrai-se, na mesma linha (fl. 1387):
Com efeito, o registro do agravado Leandro Mussi perante a Junta Comercial local feito em 21/08/2002 e extinto em 01/08/2017 tinha como objeto social "a comercialização atacadista de sementes, adubos, defensivos, produtos agropecuários, representação comercial, compra e venda de cereais, exportação e importação de grãos e insumos" e não a "exploração agrícola, cultivo e comércio de soja, milho, arroz, feijão, exploração da pecuária, como a criação de bovinos para corte e leite", como o registro vigente.
(..)
Relegada, ainda, a discussão sobre a possibilidade de seu enquadramento, como "empresário cuja atividade rural constitua sua principal profissão", como exigido pelo art. 971 do Código Civil, o agravado Leandro Mussi desenvolvia, antes, a "comercialização atacadista", "representação comerciar", "compra e venda de cereais" e "importação e exportação de grãos e insumos", e, agora, a partir de 02/08/2018, vinte e seis dias antes da formulação do pedido de recuperação judicial, passou a exercer atividade de "exploração agrícola (e) da pecuária", ou seja, passou a ser detentor de outro registro, com características distintas do anterior, notadamente as formalidades exigidas pelo art. 968 do Código Civil, e.g., capital, objeto social e sede da empresa.
(..)
Acrescento, ainda, nem mesmo a hipótese do art. 48, § 2º, da Lei nº 11.101/2005, que afasta a necessidade de comprovação do registro na Junta Comercial para comprovação do exercício de "suas atividades há mais de dois anos", socorreria a pretensão do agravado, pois, mesmo se considerássemos que ele passou a desenvolver "exploração agrícola (e) da pecuária" no exato dia em que pediu a extinção do registro da pessoa jurídica devotada à "comercialização atacadista" e outras atividades conexas (01/08/2017), não houve transcurso de dois anos entre esse marco temporal e a data da formulação do pedido de recuperação judicial, fato ocorrido em 28/08/2018.
Pelo exposto, não tenho dúvidas em acompanhar a ilustre Relatora e votar pelo provimento do recurso para reformar a decisão agravada e indeferir o pedido de processamento da recuperação judicial.
Conforme se verifica dos excertos transcritos, os julgadores de origem entenderam que a atividade empresária exercida por Leandro Mussi, ora recorrente, pelo período de quinze anos, documentada no primeiro registro feito na Junta Comercial, não poderia ser "aproveitada" para satisfazer o prazo de dois anos exigido pela lei, porque a atividade empresarial ali documentada não se tratava de atividade rural.
Dito de outra forma, a razão da desconsideração da atividade documentada no primeiro registro não foi o fato de se tratar de atividades rurais não correlatas ou não coincidentes, mas, sim, o fato de que a atividade do "registro 1" não era atividade rural, agrícola.
Assim, nos termos postos pelo acórdão recorrido, apenas a atividade documentada no segundo registro tratava de atividade rural e, portanto, contando-se o prazo da data do segundo registro até o momento do pedido de recuperação, não se computavam dois anos de exercício de atividade rural, motivo pelo qual se indeferiu o processamento da recuperação.
3. Na linha desse raciocínio é que compreendo a questão recursal de forma sutilmente diversa do eminente relator.
É que extraí dos autos que o empecilho colocado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso consistiu na observação de que as atividades certificadas na primeira inscrição realizada pelo ora agravado (ano de 2002) não tinham natureza rural ou agrícola, portanto não serviriam aos dois anos necessários para o preenchimento do requisito temporal.
Por outro lado, como o "registro 1" (ano 2002) foi o único documento considerado pelo acórdão recorrido para comprovação da atividade rural, concluiu o Tribunal de origem que não havia tempo suficiente de exercício daquela atividade.
De fato, a meu ver, diga-se uma vez mais, o problema apontado pelos julgadores a quo não foi a falta de correlação entre as atividades documentadas nas duas certidões apresentadas. A questão é que a atividade documentada na primeira certidão, conforme análise feita pelo Colegiado, não consistia em atividade rural, não podendo, por essa razão, ser considerada para o deferimento da recuperação.
Aliás, nesse específico ponto, que não reconhece como rural a "comercialização atacadista", "representação comercial", "compra e venda" de cereais e "importação e exportação" de grãos e insumos, penso que a conclusão do acórdão mato-grossense está correta.
De fato, produtor ou empresa rural é "toda pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que desenvolve, em área urbana ou rural, a atividade agropecuária, pesqueira ou silvicultural, bem como a extração de produtos primários, vegetais ou animais, em caráter permanente ou temporário, diretamente ou por intermédio de prepostos" (https://www.sebrae.com.br/Sebrae/Portal%20Sebrae/UFs/RN/Anexos/gestao-e-comercializacao-cartilha-do-produtor-rural.pdf).
No mesmo rumo de ideias, Wégela Tatiara Maia Passos lembra que a legislação do Imposto de Renda, nos arts. 58 a 71, considera produtor rural a pessoa física ou natural que explora atividades agrícolas e pecuárias, a extração e a exploração vegetal e animal, a exploração de apicultura, da avicultura da suinocultura, da sericultura, da piscicultura e outras criações de pequenos animais. Inserem-se também nesse contexto os produtos agrícolas ou pecuários que são transformados sem ocorrer alteração na composição.
A professora destaca, ainda, que a mesma legislação prevê que as atividades do produtor rural devem ser executadas pelo próprio agricultor ou criador, com auxílio de máquinas e equipamentos exclusivos da atividade rural e que também é considerado "produtor rural" a pessoa jurídica que desenvolve suas atividades agrícolas ou pecuárias, por meio do Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas da Receita Federal do Brasil. Concluiu ainda que "a pessoa jurídica a qual fará a exploração da terra pode ou não ser proprietária da terra explorada, no caso de arrendamento essa exploração será feita pelo arrendador" (Produtor rural: um estudo comparativo entre pessoa física e pessoa jurídica agroindustrial. https://semanaacademica.org.br/system/files/artigos/artigocientificoprodutorrural.pdf).
Dessarte, as definições doutrinárias coincidem com a classificação proposta pela legislação, conforme se percebe na Lei n. 8.023/1990, que altera o Imposto de Renda sobre o resultado da atividade rural e dá outras providências, assim como na Instrução Normativa n. 83/2001 da Receita Federal do Brasil, ambas referidas no cuidadoso voto proferido pelo eminente relator, Ministro Raul Araújo.
Confiram-se os dispositivos:
Lei n. 8.023, de 12 de abril de 1990
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais;
V - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à mera intermediação de animais e de produtos agrícolas.
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Instrução normativa SRF n. 83, de 11 de outubro de 2001
Art. 2º Considera-se atividade rural:
I - a agricultura;
II - a pecuária;
III - a extração e a exploração vegetal e animal;
IV - a exploração de atividades zootécnicas, tais como apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas de pequenos animais;
V - a atividade de captura de pescado in natura, desde que a exploração se faça com apetrechos semelhantes aos da pesca artesanal (arrastões de praia, rede de cerca, etc.), inclusive a exploração em regime de parceria;
VI - a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como:
a) beneficiamento de produtos agrícolas:
1. descasque de arroz e de outros produtos semelhantes;
2. debulha de milho;
3. conservas de frutas;
b) transformação de produtos agrícolas:
1. moagem de trigo e de milho;
2. moagem de cana-de-açúcar para produção de açúcar mascavo, melado,
rapadura;
3. grãos em farinha ou farelo;
c) transformação de produtos zootécnicos:
1. produção de mel acondicionado em embalagem de apresentação;
2. laticínio (pasteurização e acondicionamento de leite; transformação de leite em queijo, manteiga e requeijão);
3. produção de sucos de frutas acondicionados em embalagem de apresentação;
4. produção de adubos orgânicos;
d) transformação de produtos florestais:
1. produção de carvão vegetal;
2. produção de lenha com árvores da propriedade rural;
3. venda de pinheiros e madeira de árvores plantadas na propriedade rural;
e) produção de embriões de rebanho em geral, alevinos e girinos, em propriedade rural, independentemente de sua destinação (reprodução ou comercialização).
Invoco, ainda, o Estatuto da Terra, Lei n. 4.504/1964, que nos incisos I e VI de seu art. 4º, preceitua:
Art. 42 Para os efeitos desta Lei, definem-se:
I - "Imóvel Rural", o prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada;
(..)
VI - "Empresa Rural" é o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de rendimento econômico ..Vetado.. da região em que se situe e que explore área mínima agricultável do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo. Para esse fim, equiparam-se às áreas cultivadas, as pastagens, as matas naturais e artificiais e as áreas ocupadas com benfeitorias;
4. Nesse passo, com base no rol descritivo acima apresentado, somado à consideração da literalidade das atribuições consignadas no registro na Junta Comercial datado de 2002, penso acertada a conclusão dos julgadores a quo que negaram a natureza rural da "comercialização atacadista", da "representação comercial", da "compra e venda" e da "importação e exportação", ainda que o objeto dessas transações fossem produtos originados de atividade rural, produtos agrícolas.
Todavia, essa constatação, por si só, não é capaz de conduzir à conclusão de que o ora agravante, LEANDRO MUSSI, não tenha exercido, pelo prazo de dois anos, atividade rural.
Isso porque, conforme assentado no julgamento do Resp n. 1.800.032/MT, também referido pelo eminente relator, o exercício consolidado da atividade rural pelo período determinado em lei e que permite o deferimento do processamento da recuperação judicial do produtor rural pode ser comprovado por quaisquer meios.
Na linha desse entendimento, ensinam Antonio Carlos Pôrto e Nora Raquel que o produtor rural que fez a opção pelo registro mercantil há menos de dois anos, antes do ajuizamento da recuperação judicial, pode demonstrar, por outros meios, o exercício do ofício rural no período exigido pela norma (GONÇALVES, Antonio Carlos Pôrto. Economia Empresarial. Série Gestão Empresarial. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2012).
É exatamente essa a tese - ou parte dela - que se extrai do julgamento do leading case acima mencionado: para o deferimento do processamento da recuperação, deve, sim, haver o registro empresarial e este deve ser anterior à impetração do pedido. Contudo, a comprovação da regularidade da atividade empresarial pelo biênio mínimo estabelecido no caput do art. 48 da Lei n. 11.101/2005 deve ser aferida pela constatação da continuidade do exercício profissional (critério material), e não somente pela prova da existência de registro do empresário ou ente empresarial por aquele lapso temporal (critério formal).
Ressalte-se, nesse rumo, a colaboração de renomados estudiosos do Direito Comercial que se reuniram na III Jornada de Direito Comercial (2019) e aprovaram os seguintes enunciados referentes à questão em debate.
CRISE DA EMPRESA: FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO
ENUNCIADO 96 - A recuperação judicial do empresário rural, pessoa natural ou jurídica, sujeita todos os créditos existentes na data do pedido, inclusive os anteriores à data da inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.
Justificativa: O art. 48, caput, da Lei n. 11.101/2005, não exige, como requisito para a impetração da Recuperação Judicial, a inscrição na Junta Comercial pelo prazo de dois anos, mas apenas que o devedor, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de dois anos. Por sua vez, o inc. V do art. 51 da mesma lei exige a comprovação de regularidade na Junta Comercial, mas não se refere a qualquer prazo. O art. 971 do Código Civil preceitua como facultativo, ao empresário rural, o registro na Junta Comercial, após o qual ficará equiparado ao empresário sujeito ao registro. Portanto, a atividade do empresário rural pode se configurar regular mesmo sem o registro na Junta Comercial. Nesse sentido, o empresário rural não necessita estar registrado na Junta Comercial há mais de dois anos para impetrar recuperação judicial
ENUNCIADO 97 - O produtor rural, pessoa natural ou jurídica, na ocasião do pedido de recuperação judicial, não precisa estar inscrito há mais de dois anos no Registro Público de Empresas Mercantis, bastando a demonstração de exercício de atividade rural por esse período e a comprovação da inscrição anterior ao pedido.
Justificativa: Fábio Ulhoa Coelho, em parecer sobre o tema, afirma que "considerar que a lei exige do produtor rural que explore a sua atividade e também esteja registrado na Junta Comercial há pelo menos dois anos é relegar à letra morta o § 2º do art. 48 da LRE" (COELHO, Fábio Ulhoa. Parecer proferido nos autos do processo 3067-12.2015.811.0051-97136, Comarca de Campo Verde, Estado do Mato Grosso. 13 de outubro de 2015. Fls. 776). Destaca-se, ainda, que o TJSP manifestou-se pela admissão de qualquer documento para fins comprobatórios do efetivo e regular exercício da atividade pelo biênio legal (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Agravo de Instrumento 2006737-58.2018.8.26.0000; Relator (a): Alexandre Lazzarini; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 9/5/2018; Data de Registro: 11/5/2018). Assim, a prova do requisito temporal de dois anos não exige do produtor rural (seja pessoa física ou jurídica) que este esteja inscrito na Junta Comercial por prazo superior a um biênio, mas, tão somente, que o esteja na data do ajuizamento do pedido de Recuperação Judicial.
Quanto à possibilidade de a prova da atividade rural poder realizar-se por outros meios diversos do registro na Junta Comercial, destaque-se inovação da recentíssima Lei n. 14.112/2020, que alterou a disciplina dos §§ 2º e 3º do art. 48 da Lei n. 11.101/2005, prevendo o que se segue:
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente. § 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
5. Nessa extensão, uma vez mais, ressalte-se que a qualidade de empresário rural se verificará, nos termos da teoria da empresa, sempre que comprovado o exercício profissional da atividade econômica rural organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo irrelevante, para tanto, se essa comprovação se realizará pela inscrição na Junta Comercial.
Isso porque, conforme bem delineado no julgamento do Resp n. 1.800.032/MT, exaustivamente citado, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial, em vez de "transformá-lo" em empresário, acarreta sua sujeição ao regime empresarial, descortinando-se, então, uma série de benefícios e ônus de titularidade apenas daqueles que se registram na forma preconizada no art. 968, do CC/2002.
Com efeito, naquele julgamento concluiu-se: a) o produtor rural que exerce atividade empresária é sujeito de direito da recuperação judicial regulada pela Lei n. 11.101/2005; b) a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, observadas as formalidades do art. 968 do CC e seus parágrafos é condição apenas para o requerimento da recuperação judicial pelo produtor rural; c) o deferimento do pedido de recuperação judicial pelo produtor rural está condicionado à comprovação de exercício de atividade rural há mais de dois anos, por quaisquer formas admitidas em direito (art. 48, Lei n. 11.101/2005); d) comprovado o exercício da atividade pelo prazo mínimo exigido pelo art. 48 (Lei n. 11.101/2005), sujeitam-se à recuperação os créditos constituídos que decorram de atividades empresariais.
No caso concreto, ainda que se afirme a natureza rural das atividades documentadas na certidão de fl. 191 emitida pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso ("registro 1"), que faz referência às atividades iniciadas em 21/8/2002, consistentes no Comércio Varejista de Sementes, Adubos, Defensivos, Produtos Agropecuários, Representação Comercial, Compra e Venda de Cereais, Exportação e Importação de Grãos e Insumos, tenho que essa constatação não é o suficiente para afirmar que o ora agravante não exerceu, pelo prazo de dois anos exigidos pela lei, atividade daquela natureza e que essa comprovação pode ser viabilizada por outros meios.
Destarte, como o registro na Junta Comercial não é o único documento hábil a essa comprovação, tendo em vista terem sido juntados ao caderno processual outros tantos documentos acerca do exercício da atividade rural, penso que a hipótese requer a devolução dos autos ao juízo de origem para que sejam pormenorizadamente analisados os outros documentos juntados, procedendo-se a novo julgamento que os considere e, nos termos do que fora decidido por esta egrégia Corte, examine os requisitos de deferimento da recuperação judicial do produtor rural.
Acerca dos elementos probatórios referidos acima, a título ilustrativo, destaco ofício dirigido ao ora recorrente pelo Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis Títulos e Documentos de Feliz Natal/MT, "intimando-o" a satisfazer obrigações contratuais relativas a Cédulas de Produto Rural Financeiras, firmadas em 30/4/2012 (fl. 743).
Na mesma linha, à fl. 750, consta ofício informando a existência de obrigações pendentes relatavas a Cédulas de Produto Rural Financeiras firmadas em 29/5/2013 (Ofício n. 171/2018).
Como de conhecimento comezinho, a CPR é um título representativo de promessa de entrega futura de produto agropecuário, emitida apenas por quem é produtor rural ou por suas associações, inclusive cooperativas e representa o principal instrumento de financiamento da cadeia produtiva do agronegócio (Disponível: https://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/registro/renda-fixa-e-valores-mobiliarios/cedula-de-produto-rural.htm)
Ainda na linha exemplificativa, à fl. 755 foi juntado o Ofício n. 502/2018, com intimação para cumprimento das obrigações contratuais relativas ao(s) encargo(s) vencido(s) e não pago(s) relativo (s) a Contrato de Constituição de Alienação Fiduciária (29/05/2013), referente aos imóveis rurais que especifica, com saldo devedor também de responsabilidade do ora recorrente. De mesma natureza, são os documentos de fls. 759 e 763.
Outrossim, na Declaração de Ajuste Anual de Imposto Sobre a Renda - Pessoa Física, juntada às fls. 1092-1132, consta o preenchimento de Demonstrativo de Atividade Rural - Brasil (fl. 1.122). Entre os "bens da atividade rural" lá relacionados, constatam-se inúmeras colheitadeiras, tratores, pulverizadores agrícolas, plantadeiras, semeadoras, abastecedor de adubo, distribuidor de calcário e adubo, plaina, distribuidor de sementes, reboque agrícola, carretas agrícolas, plataforma de corte para milho, máquina extratora de grãos, carreta de transbordo de algodão, avião agrícola, além de caminhonetas e carro transportador (fls. 1.123-1.130).
Sobre o Ajuste Anual referido, como não poderia ser diferente, nos termos da legislação tributária, a declaração da atividade rural é obrigatória apenas para os produtores rurais que tenham obtido receita bruta, em 2020, por exemplo, no valor igual ou maior que R$ 142.798,50. (Disponível: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/declaracoes/dirpf/pr-irpf-2021-v-1-1-2021-03-05.pdf).
De outra parte, o agravante assevera que, "em boa parte, os documentos mencionados no voto já proferido para sustentar que o sr. Leandro Mussi exerceria atividade rural, em verdade, se referem a atos praticados por empresas das quais ele é sócio" (fl. 2522), tema que também merece ser resolvido pelo Tribunal recorrido.
6. Ante o exposto, renovando a vênia devida, divirjo, em parte, do eminente Relator a fim de dar provimento ao agravo interno, e, em consequência, dar provimento parcial ao recurso especial, anulando o acórdão recorrido, com determinação de retorno dos autos ao Tribunal de origem para os esclarecimentos acima apontados.
É o voto.
RETIFICAÇÃO DE VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RAUL ARAÚJO:
Considerando os judiciosos fundamentos trazidos no voto-vista do em. Ministro Luis Felipe Salomão, retifica-se o voto anteriormente proferido para reconhecer a necessidade de retorno dos autos ao eg. Tribunal de origem para análise dos documentos juntados aos autos relativos a demonstração do exercício regular de atividade empresarial há mais de 2 (dois) anos pelo produtor rural.
O Juízo da 1ª Vara Cível de Diamantino reconheceu o preenchimento dos requisitos legais para deferimento do processamento do pedido de recuperação judicial formulado por LEANDRO MUSSI, pois comprovado o exercício da atividade rural pelo prazo previsto no art. 48 da Lei 11.101/2005, nos seguintes termos:
"Malgrado toda a discussões doutrinárias sobre esta questão, verifica-se que, no caso em testilha, é incontroversa a existência de inscrição perante a Junta Comercial de Mato Grosso, e que esta é superior aos 02 (dois) anos exigidos pelo art. 48 da LRF, uma vez que indica como data do início da atividade o dia 21.08.2002.
De fato, muito embora tenha ocorrido a extinção daquela inscrição em 2017, tal fato, por si só, não afasta os efeitos do endividamento gerado entre 2002 e 2017, que demonstra que, anteriormente a este pedido, havia inscrição regular do requerente por, pelo menos, 15 (quinze) anos, período que jamais pode ser desconsiderado para os fins do art. 48 da LRF. Afinal, como titular de firma individual, o requerente desenvolveu regularmente as suas atividades empresariais e por prazo superior ao mínimo exigido pela legislação de regência, nascendo daí a possibilidade de propor a recuperação judicial se levado em consideração a necessidade de comprovação pelo período superior a 02 (dois) anos.
Afirmo, portanto, que a extinção do registro não extingue os efeitos jurídicos das obrigações pretéritas contraídas no curso da inscrição, posto que, se tratando de firma individual, as obrigações civis e comerciais se confundem com a pessoa natural, de modo que sendo possível a cobrança, de igual modo também é a propositura da ação para o fim de negociação do débito sob a vertente da Recuperação Judicial em vista da indivisibilidade das obrigações.
Sobre este tema, cito recentíssima decisão do Ministro do Colendo Superior Tribunal de Justiça, Marco Aurélio Bellizze, datado de 22.08.2018, para quem "efetivamente, o patrimônio da pessoa física é o mesmo do empresário individual que, indistintamente, responde por suas obrigações civis e comerciais, a evidenciar, em tese, o apontado conflito de competência" (Processo: Aglnt nos EDcl no CC 157239, Relator(a): Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Data da Publicação: 24/08/2018).
Verifico, ainda, que o empresário rural possui movimentação contábil desde 2015, inclusive no que toca à formação de patrimônio que, como dito, não se distingue entre a firma individual e a pessoa natural, o que comprova, legalmente, o exercício regular da atividade.
Ou seja, não há qualquer distinção entre o anterior registro e o requerente Leandro Mussi, sendo, em verdade, um único empresário que vem mantendo inscrição na Junta Comercial há 15 (quinze) anos e nela possuindo endividamento que, nos termos do art. 48 da Lei 11.101/05, o qualifica como legitimado ao pedido de recuperação judicial." (fls. 96-97, g.n.)
O eg. Tribunal de origem, deu provimento ao agravo de instrumento interposto por METROPOLITAN LIFE INSURANCE COMPANY, ora agravante, para reformar a decisão e indeferir o pedido de recuperação judicial formulado por LEANDRO MUSSI, ora agravado, em acórdão assim ementado:
"RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO - NÃO COMPROVAÇÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO POR MAIS DE 2 ANOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 971 DO CÓDIGO CIVIL E ARTIGO 48 DA LEI 11.101/2005 - RECURSO PROVIDO - DECISÃO REFORMADA.
Nos termos do artigo 48 da Lei 11.101/2005, poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Não preenche o requisito do artigo 48 da Lei 11.101/2005, o devedor com inscrição na Junta Comercial desde o ano de 2002, que perdurou por mais de 15 (quinze) anos e tinha objeto social diverso do registro atual que não conta com mais de 02 (dois) anos, institutos que não se confundem e impede o aproveitamento da inscrição antiga." (fls. 1382)
A Corte estadual, portanto, entendeu descabida a soma dos períodos do registro efetuado na Junta Comercial em 21/08/2002 e extinto em 01/08/2017 e do registro realizado em 02/08/2018, levando em consideração serem distintos os objetos dos empreendimentos econômicos rurais, anterior e atual, desenvolvidos pelo empresário requerente da recuperação judicial. No entender do v. acórdão impugnado no especial, as atividades do empresário rural referidas no caput do art. 48 da Lei 11.101/2005 devem ser coincidentes em seus objetos, para que se permita a soma de períodos como empresário, de modo a superar o biênio exigido na Lei.
A eg. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro Raul Araújo, DJe de 10/02/2020, adotou orientação de que o produtor rural adquire a aptidão para requerer recuperação judicial após obter o registro como empresário na Junta Comercial, desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, ainda que somando período anterior à data do registro.
A propósito, transcreve-se a ementa do referido precedente:
"RECURSO ESPECIAL. CIVIL E EMPRESARIAL. EMPRESÁRIO RURAL E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO DO EMPREENDEDOR (CÓDIGO CIVIL, ARTS. 966, 967, 968, 970 E 971). EFEITOS EX TUNC DA INSCRIÇÃO DO PRODUTOR RURAL. PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL (LEI 11.101/2005, ART. 48). CÔMPUTO DO PERÍODO DE EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. POSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O produtor rural, por não ser empresário sujeito a registro, está em situação regular, mesmo ao exercer atividade econômica agrícola antes de sua inscrição, por ser esta para ele facultativa.
2. Conforme os arts. 966, 967, 968, 970 e 971 do Código Civil, com a inscrição, fica o produtor rural equiparado ao empresário comum, mas com direito a "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado (..), quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
3. Assim, os efeitos decorrentes da inscrição são distintos para as duas espécies de empresário: o sujeito a registro e o não sujeito a registro. Para o empreendedor rural, o registro, por ser facultativo, apenas o transfere do regime do Código Civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro", sendo tal efeito constitutivo apto a retroagir (ex tunc), pois a condição regular de empresário já existia antes mesmo do registro. Já para o empresário comum, o registro, por ser obrigatório, somente pode operar efeitos prospectivos, ex nunc, pois apenas com o registro é que ingressa na regularidade e se constitui efetivamente, validamente, empresário.
4. Após obter o registro e passar ao regime empresarial, fazendo jus a tratamento diferenciado, simplificado e favorecido quanto à inscrição e aos efeitos desta decorrentes (CC, arts. 970 e 971), adquire o produtor rural a condição de procedibilidade para requerer recuperação judicial, com base no art. 48 da Lei 11.101/2005 (LRF), bastando que comprove, no momento do pedido, que explora regularmente a atividade rural há mais de 2 (dois) anos. Pode, portanto, para perfazer o tempo exigido por lei, computar aquele período anterior ao registro, pois tratava-se, mesmo então, de exercício regular da atividade empresarial.
5. Pelas mesmas razões, não se pode distinguir o regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que vem a pedir recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações e dívidas anteriormente contraídas e ainda não adimplidas.
6. Recurso especial provido, com deferimento do processamento da recuperação judicial dos recorrentes." (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ Acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe de 10/02/2020, g.n.)
Foi consignado no referido julgado que, por ser empresário não sujeito a registro, a inscrição facultativa do produtor rural como empresário apenas o transfere do regime civil para o regime empresarial, com o efeito constitutivo retroativo (ex tunc) de "equipará-lo, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro". A explicação está em que, diversamente do empresário comum, para quem o registro é condição para o início e desenvolvimento regulares da atividade empresarial, somente podendo esse ato formalizador operar efeitos prospectivos (ex nunc), para o empreendedor rural a regularidade dessa condição empresarial precede ao seu registro como empresário, nos termos dos arts. 966, 967, 970 e 971 do Código Civil de 2002.
Assim, após o registro, não há distinção de regime jurídico aplicável às obrigações contraídas anteriormente ao registro e ainda inadimplidas pelo empreendedor rural registrado, ficando abrangidas na recuperação judicial, tanto as obrigações contratadas anteriormente ao registro como aquelas posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial.
A inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede não é a única forma de comprovação do exercício regular de atividade rural pelo período exigido na Lei 11.101/2005, podendo ser demonstrado por outros meios.
Cabe ressaltar que o art. 48 da LRF, com redação dada pela Lei 14.112/2020, dispõe:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
(..)
§ 2º No caso de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Escrituração Contábil Fiscal (ECF), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir a ECF, entregue tempestivamente.
§ 3º Para a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo, o cálculo do período de exercício de atividade rural por pessoa física é feito com base no Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR), ou por meio de obrigação legal de registros contábeis que venha a substituir o LCDPR, e pela Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF) e balanço patrimonial, todos entregues tempestivamente.
§ 4º Para efeito do disposto no § 3º deste artigo, no que diz respeito ao período em que não for exigível a entrega do LCDPR, admitir-se-á a entrega do livro-caixa utilizado para a elaboração da DIRPF.
§ 5º Para os fins de atendimento ao disposto nos §§ 2º e 3º deste artigo, as informações contábeis relativas a receitas, a bens, a despesas, a custos e a dívidas deverão estar organizadas de acordo com a legislação e com o padrão contábil da legislação correlata vigente, bem como guardar obediência ao regime de competência e de elaboração de balanço patrimonial por contador habilitado.
Na hipótese, verifica-se que o eg. Tribunal de origem analisou apenas as certidões emitidas pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso para concluir pela ausência de demonstração do exercício de atividade rural, deixando de examinar os demais elementos que compõem o caderno processual, como, por exemplo, os documentos que atestam que parte da dívida decorre de emissão de Cédulas de Produto Rural, emitidas entre 2012 e 2018 (fls. 743-766), circunstância demonstrativa, em tese, de ter o ora agravado desenvolvido atividade rural no citado período.
Ademais, como bem observado pelo em. Ministro Luis Felipe Salomão "na Declaração de Ajuste Anual de Imposto Sobre a Renda - Pessoa Física, juntada às fls. 1092-1132, consta o preenchimento de Demonstrativo de Atividade Rural - Brasil (fls. 1.122). Entre os "bens da atividade rural" lá relacionados constatam-se inúmeras colheitadeiras, tratores, pulverizadores agrícolas, plantadeiras, semeadoras, abastecedor de adubo, distribuidor de calcário e adubo, plaina, distribuidor de sementes, reboque agrícola, carretas agrícolas, plataforma de corte para milho, máquina extratora de grãos, carreta de transbordo de algodão, avião agrícola, além de caminhonetas e carro transportador (fls. 1.123-1.130). Sobre o Ajuste Anual referido, como não poderia ser diferente, nos termos da legislação tributária, a declaração da atividade rural é obrigatória apenas para os produtores rurais e que tenham obtido receita bruta, em 2020, por exemplo, no valor igual ou maior que R$ 142.798,50. (Disponível: https: //www.gov.br /receitafederal /ptbr /acesso-a-informacao /perguntas-frequentes/ declaracoes /dirpf/ pr-irpf-2021 - v-1-1-2021-03-05.pdf).
Nessas condições, impõe-se a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que sejam analisados os outros documentos juntados aos autos e proceda a novo julgamento, considerando o que fora decidido pela eg. Corte Superior acerca dos requisitos para deferimento do processamento da recuperação judicial do produtor rural.
Diante do exposto, dá-se provimento ao agravo interno para reconsiderar a decisão agravada e, em novo exame, dar parcial provimento ao recurso especial para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem para que proceda novo julgamento, considerando os termos acima expostos.
É o voto. | EMENTA
RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMPRESÁRIO RURAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. COMPROVAÇÃO. DOCUMENTOS NÃO ANALISADOS. OMISSÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
1. Consoante entendimento desta Corte Superior, o produtor rural adquire a condição de procedibilidade de requerer a recuperação judicial após o registro como empresário e desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, o qual compreende o período anterior ao registro empresarial. Além disso, não há distinção do regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações anteriormente contraídas e ainda não adimplidas (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 10/02/2020).
2. Na hipótese, o Tribunal estadual analisou apenas as certidões emitidas pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso para concluir pela ausência de demonstração do exercício regular de atividade rural há mais de dois anos, deixando de examinar os demais documentos que compõem o caderno processual, impondo-se o retorno dos autos à origem para que seja sanada a omissão.
3. Agravo interno provido para dar parcial provimento ao recurso especial. | RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. EMPRESÁRIO RURAL. REGULARIDADE DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE RURAL ANTERIOR AO REGISTRO. COMPROVAÇÃO. DOCUMENTOS NÃO ANALISADOS. OMISSÃO. NECESSIDADE DE RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM. AGRAVO INTERNO PROVIDO PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. | 1. Consoante entendimento desta Corte Superior, o produtor rural adquire a condição de procedibilidade de requerer a recuperação judicial após o registro como empresário e desde que comprove, na data do pedido, o exercício da atividade rural há mais de dois anos, o qual compreende o período anterior ao registro empresarial. Além disso, não há distinção do regime jurídico aplicável às obrigações anteriores ou posteriores à inscrição do empresário rural que postula a recuperação judicial, ficando também abrangidas na recuperação aquelas obrigações anteriormente contraídas e ainda não adimplidas (REsp 1.800.032/MT, Rel. p/ acórdão Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, DJe de 10/02/2020).
2. Na hipótese, o Tribunal estadual analisou apenas as certidões emitidas pela Junta Comercial do Estado de Mato Grosso para concluir pela ausência de demonstração do exercício regular de atividade rural há mais de dois anos, deixando de examinar os demais documentos que compõem o caderno processual, impondo-se o retorno dos autos à origem para que seja sanada a omissão.
3. Agravo interno provido para dar parcial provimento ao recurso especial. | N |
138,109,190 | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA DE EX-COMBATENTE. REVISÃO DO BENEFÍCIO. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE, AINDA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. BLOQUEIO DOS VALORES DO ESPÓLIO. RESULTADO DA REVERSÃO DA DECISÃO EXEQUENDA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ALEGADA INTEMPESTIVIDADE. SÚMULA N. 7/STJ.
I - No tocante à alegada ofensa aos arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, observa-se a inexistência da balda de omissão apontada pelo recorrente, tendo o Tribunal a quo explicitado o porquê de entender pela tempestividade do agravo de instrumento.
II - Para analisar a existência ou não de intempestividade do agravo de instrumento, como alega o recorrente, perscrutando os atos processuais constantes dos autos, seria necessário reexaminar tais documentos, o que é vedado no recurso especial, incidindo na espécie a Súmula n. 7/STJ.
III - No que toca à violação dos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, sob o argumento de ser indevida a liberação dos valores de precatório advindos de decisão que foi rescindida, assiste razão ao recorrente. Uma vez rescindido o título executivo judicial, observando-se o excesso da conta, com determinação para que outra seja feita, se faz necessário suspender o levantamento do numerário obtido com fundamento em decisão rescindida.
IV - Observe-se, ademais, que a interposição de recurso especial, da decisão que, em ação rescisória, rescindiu o julgado que determinou o pagamento com valores equivocados, não deve servir como base para a liberação do valor, recomendando-se exatamente o contrário, ou seja, a suspensão do pagamento até que definitivamente julgada a ação rescisória. A rescisão da decisão exequenda, mesmo ainda sem o trânsito em julgado, tem efeito imediato em relação à execução vinculada, porque o título executivo judicial não tem mais certeza e liquidez.
V - Recurso especial conhecido parcialmente e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). BENEDITO CEREZZO PEREIRA FILHO, pela parte RECORRIDA: JOSÉ AUGUSTO FERREIRA DA SILVA
Dr(a). BENEDITO CEREZZO PEREIRA FILHO, pela parte REPR. POR: JOSE AUGUSTO FERREIRA DA SILVA FILH
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com fundamento no art. 105, a, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE ORDENOU O BLOQUEIO DE VALORES RECEBIDOS EM PRECATÓRIO EM FUNÇÃO DO RESULTADO DE AÇÃO RESCISÓRIA. CARACTERIZAÇÃO DA BOA-FÉ NO RECEBIMENTO DOS VALORES. OS ATOS PRATICADOS DENTRO DE UM PROCESSO, COMO A EXPEDIÇÃO DE UM PRECATÓRIO, PRESUMEM-SE CORRETOS E NÃO PRECÁRIOS, MOTIVO PELO QUAL É JUSTA A EXPECTATIVA DE SEU ACERTO E DE SUA DEFINITIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ. NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA RECEBIDA. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO E AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
O feito decorre de ação rescisória julgada procedente para recalcular os benefícios devidos ao segurado falecido, ex-combatente.
A despeito da decisão, foi expedido precatório ao falecido, tendo o INSS aviado tutela de urgência para bloquear as contas de titularidade do espólio até o valor do precatório.
Contra a decisão foi interposto agravo, o qual foi provido, conforme a ementa acima transcrita.
Os embargos de declaração opostos foram acolhidos para sanear omissões, sem efeitos modificativos.
O recorrente aponta, como violados, os arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, alegando, em suma, omissão acerca da alegada intempestividade do agravo interposto pelo ora recorrido, diante do contido no art. 314 do CPC/2015.
Adiante, indicou a violação dos arts. 314, 1.003, § 5º e 1.017, I, todos do CPC/2015, sustentando, em resumo, que não há provas da tempestividade do agravo de instrumento e que, em face do contido no art. 314 do CPC, não é devido considerar o prazo inicial para a interposição do agravo como sendo a habilitação dos sucessores.
Finalmente suscitou ofensa aos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, argumentando, em suma, que é indevida a liberação do numerário sob fundamento de irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé.
Apresentadas contrarrazões pela manutenção do acórdão recorrido.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
No tocante à alegada ofensa aos arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, observa-se inexistente a balda de omissão apontada pelo recorrente, tendo o Tribunal a quo explicitado o porquê de entender pela tempestividade do agravo de instrumento.
Por outro lado, para analisar a existência ou não de intempestividade, como alega o recorrente, perscrutando os atos processuais constantes dos autos, seria necessário reexaminar tais documentos, o que é vedado no recurso especial, incidindo na espécie a Súmula n. 7/STJ.
Entretanto, no que toca à violação dos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, sob o argumento de ser indevida a liberação dos valores de precatório advindos de decisão que foi rescindida, tenho que assiste razão ao recorrente.
Uma vez rescindido o título executivo judicial, observando-se o excesso da conta, com determinação para que outra seja feita, faz necessário suspender o levantamento do numerário obtido com fundamento em decisão rescindida.
Observe-se, ademais, que a interposição de recurso especial, da decisão que, em ação rescisória, rescindiu o julgado que determinou o pagamento com valores equivocados, não deve servir como base para a liberação do valor, recomendando-se exatamente o contrário, ou seja, a suspensão do pagamento até que definitivamente julgada a ação rescisória.
O art. 776 tem o seguinte teor, in verbis:
O exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução.
Ora, de que forma os exequentes, sucessores do beneficiário do valor que veio a debacle, ressarcirão o INSS após a liberação do numerário
A rescisão da decisão exequenda, mesmo ainda sem o trânsito em julgado, tem efeito imediato em relação à execução vinculada, porque o título executivo judicial não tem mais certeza e liquidez.
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso para dar provimento, reformando o acórdão recorrido para negar provimento ao agravo de instrumento.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer em parte do recurso e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator.
Dr(a). BENEDITO CEREZZO PEREIRA FILHO, pela parte RECORRIDA: JOSÉ AUGUSTO FERREIRA DA SILVA
Dr(a). BENEDITO CEREZZO PEREIRA FILHO, pela parte REPR. POR: JOSE AUGUSTO FERREIRA DA SILVA FILH
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS com fundamento no art. 105, a, da Constituição Federal, contra acórdão assim ementado:
: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE ORDENOU O BLOQUEIO DE VALORES RECEBIDOS EM PRECATÓRIO EM FUNÇÃO DO RESULTADO DE AÇÃO RESCISÓRIA. CARACTERIZAÇÃO DA BOA-FÉ NO RECEBIMENTO DOS VALORES. OS ATOS PRATICADOS DENTRO DE UM PROCESSO, COMO A EXPEDIÇÃO DE UM PRECATÓRIO, PRESUMEM-SE CORRETOS E NÃO PRECÁRIOS, MOTIVO PELO QUAL É JUSTA A EXPECTATIVA DE SEU ACERTO E DE SUA DEFINITIVIDADE. PRECEDENTES DO STJ. NATUREZA ALIMENTAR DA VERBA RECEBIDA. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO E AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.
O feito decorre de ação rescisória julgada procedente para recalcular os benefícios devidos ao segurado falecido, ex-combatente.
A despeito da decisão, foi expedido precatório ao falecido, tendo o INSS aviado tutela de urgência para bloquear as contas de titularidade do espólio até o valor do precatório.
Contra a decisão foi interposto agravo, o qual foi provido, conforme a ementa acima transcrita.
Os embargos de declaração opostos foram acolhidos para sanear omissões, sem efeitos modificativos.
O recorrente aponta, como violados, os arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, alegando, em suma, omissão acerca da alegada intempestividade do agravo interposto pelo ora recorrido, diante do contido no art. 314 do CPC/2015.
Adiante, indicou a violação dos arts. 314, 1.003, § 5º e 1.017, I, todos do CPC/2015, sustentando, em resumo, que não há provas da tempestividade do agravo de instrumento e que, em face do contido no art. 314 do CPC, não é devido considerar o prazo inicial para a interposição do agravo como sendo a habilitação dos sucessores.
Finalmente suscitou ofensa aos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, argumentando, em suma, que é indevida a liberação do numerário sob fundamento de irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé.
Apresentadas contrarrazões pela manutenção do acórdão recorrido.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO FRANCISCO FALCÃO (Relator):
No tocante à alegada ofensa aos arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, observa-se inexistente a balda de omissão apontada pelo recorrente, tendo o Tribunal a quo explicitado o porquê de entender pela tempestividade do agravo de instrumento.
Por outro lado, para analisar a existência ou não de intempestividade, como alega o recorrente, perscrutando os atos processuais constantes dos autos, seria necessário reexaminar tais documentos, o que é vedado no recurso especial, incidindo na espécie a Súmula n. 7/STJ.
Entretanto, no que toca à violação dos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, sob o argumento de ser indevida a liberação dos valores de precatório advindos de decisão que foi rescindida, tenho que assiste razão ao recorrente.
Uma vez rescindido o título executivo judicial, observando-se o excesso da conta, com determinação para que outra seja feita, faz necessário suspender o levantamento do numerário obtido com fundamento em decisão rescindida.
Observe-se, ademais, que a interposição de recurso especial, da decisão que, em ação rescisória, rescindiu o julgado que determinou o pagamento com valores equivocados, não deve servir como base para a liberação do valor, recomendando-se exatamente o contrário, ou seja, a suspensão do pagamento até que definitivamente julgada a ação rescisória.
O art. 776 tem o seguinte teor, in verbis:
O exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução.
Ora, de que forma os exequentes, sucessores do beneficiário do valor que veio a debacle, ressarcirão o INSS após a liberação do numerário
A rescisão da decisão exequenda, mesmo ainda sem o trânsito em julgado, tem efeito imediato em relação à execução vinculada, porque o título executivo judicial não tem mais certeza e liquidez.
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso para dar provimento, reformando o acórdão recorrido para negar provimento ao agravo de instrumento.
É o voto. | EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA DE EX-COMBATENTE. REVISÃO DO BENEFÍCIO. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE, AINDA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. BLOQUEIO DOS VALORES DO ESPÓLIO. RESULTADO DA REVERSÃO DA DECISÃO EXEQUENDA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ALEGADA INTEMPESTIVIDADE. SÚMULA N. 7/STJ.
I - No tocante à alegada ofensa aos arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, observa-se a inexistência da balda de omissão apontada pelo recorrente, tendo o Tribunal a quo explicitado o porquê de entender pela tempestividade do agravo de instrumento.
II - Para analisar a existência ou não de intempestividade do agravo de instrumento, como alega o recorrente, perscrutando os atos processuais constantes dos autos, seria necessário reexaminar tais documentos, o que é vedado no recurso especial, incidindo na espécie a Súmula n. 7/STJ.
III - No que toca à violação dos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, sob o argumento de ser indevida a liberação dos valores de precatório advindos de decisão que foi rescindida, assiste razão ao recorrente. Uma vez rescindido o título executivo judicial, observando-se o excesso da conta, com determinação para que outra seja feita, se faz necessário suspender o levantamento do numerário obtido com fundamento em decisão rescindida.
IV - Observe-se, ademais, que a interposição de recurso especial, da decisão que, em ação rescisória, rescindiu o julgado que determinou o pagamento com valores equivocados, não deve servir como base para a liberação do valor, recomendando-se exatamente o contrário, ou seja, a suspensão do pagamento até que definitivamente julgada a ação rescisória. A rescisão da decisão exequenda, mesmo ainda sem o trânsito em julgado, tem efeito imediato em relação à execução vinculada, porque o título executivo judicial não tem mais certeza e liquidez.
V - Recurso especial conhecido parcialmente e provido. | PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA DE EX-COMBATENTE. REVISÃO DO BENEFÍCIO. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. AJUIZAMENTO DE AÇÃO RESCISÓRIA PROCEDENTE, AINDA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. BLOQUEIO DOS VALORES DO ESPÓLIO. RESULTADO DA REVERSÃO DA DECISÃO EXEQUENDA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. ALEGADA INTEMPESTIVIDADE. SÚMULA N. 7/STJ. | I - No tocante à alegada ofensa aos arts. 489 e 1022, ambos do CPC/2015, observa-se a inexistência da balda de omissão apontada pelo recorrente, tendo o Tribunal a quo explicitado o porquê de entender pela tempestividade do agravo de instrumento.
II - Para analisar a existência ou não de intempestividade do agravo de instrumento, como alega o recorrente, perscrutando os atos processuais constantes dos autos, seria necessário reexaminar tais documentos, o que é vedado no recurso especial, incidindo na espécie a Súmula n. 7/STJ.
III - No que toca à violação dos arts. 776, 974, e 833, IV, do CPC/2015 e arts. 182, 876 e 884 do CC, sob o argumento de ser indevida a liberação dos valores de precatório advindos de decisão que foi rescindida, assiste razão ao recorrente. Uma vez rescindido o título executivo judicial, observando-se o excesso da conta, com determinação para que outra seja feita, se faz necessário suspender o levantamento do numerário obtido com fundamento em decisão rescindida.
IV - Observe-se, ademais, que a interposição de recurso especial, da decisão que, em ação rescisória, rescindiu o julgado que determinou o pagamento com valores equivocados, não deve servir como base para a liberação do valor, recomendando-se exatamente o contrário, ou seja, a suspensão do pagamento até que definitivamente julgada a ação rescisória. A rescisão da decisão exequenda, mesmo ainda sem o trânsito em julgado, tem efeito imediato em relação à execução vinculada, porque o título executivo judicial não tem mais certeza e liquidez.
V - Recurso especial conhecido parcialmente e provido. | N |
145,135,543 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos por JOSÉ PAULO MALAQUIASnos autos em que a Corte Especialdenegou seu mandado de segurança.
O acórdão embargando foi assim ementado:
DIREITO ADMINISTRATIVO. ANISTIA. REVISÃO. EXERCÍCIO DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COM DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO DO ART. 8º DO ADCT. NÃO COMPROVAÇÃO DE ATO COM MOTIVAÇÃO EXCLUSIVAMENTE POLÍTICA.
1. O decurso do lapso de 5 anos não é causa impeditiva bastante para inibir a administração pública de revisar determinado ato, já que situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 (STF, RE n. 317.338/DF).
2. "No exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria nº 1.104, editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica, em 12 de outubro de 1964 quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas" (RE n. 817.338/STF).
3. Agravo interno provido para denegar a segurança.
Aduz o embargante que o acórdão foi omisso quanto à questão da intimação, já que "que a matéria não se limita ao prazo de vigência da intimação, se de 5 (cinco) ou mais anos, estando, ainda que prevalente esse recente entendimento advindo do S.T.F atrelada a uma segunda condição",a saber, àintimação (fl. 508).Sustenta que apenas a publicação no Diário Oficial violaos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Em seguida, alega contradição, porquantosua dispensa "se deu, de forma inequívoca, por motivação política" (fl. 509), já que motivo outro não havia,não tendo contribuído,de forma alguma, para seu precoce afastamento da Aeronáutica.
É o relatório.
EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Sendo os embargos de declaração recurso de natureza integrativa destinado a sanar vício - obscuridade, contradição ou omissão -,não podem ser acolhidos quando a parte embargante pretende, essencialmente, a obtenção de efeitos infringentes.
2. Embargos de declaração rejeitados.
VOTO
Os embargos de declaração, nos termos do art. 1.022 do CPC, são recurso de natureza integrativa que visam sanar os vícios de obscuridade, contradição, omissão ou erro material, de forma que não podem ser acolhidos quando a parte embargante pretende, essencialmente, a reforma da decisão embargada.
Nesse passo, observa-se que o embargante, a rigor, não aponta verdadeira omissão ou contradição no acórdão recorrido, pretendendorediscutir tema que foi devidamente apreciado.
Com efeito, no que tange à questão da intimação, consta do acórdão o seguinte (fl. 503):
Mesmo que se considere a necessidade de intimação pessoal - procedimento que a lei não determina (art. 59 da Lei n. 9.784/1999) -, ainda assim, em processo administrativo, apenas se declara a nulidade de ato processual quando houver efetiva demonstração de prejuízo para a defesa, por força da aplicação do princípio pas de nullité sans grief.
..
A falta de eventuais prejuízos para o impetrante é muito evidente diante da decisão do Supremo Tribunal Federal no RE n. 817.338/DF.
Ademais, o mandado de segurança émeio inapropriado para arevisão de adequação de atos judiciais. Para tanto, a parte deve valer-se dos recursos previstos em leis processuais (Lei n. 12.016/2009, art. 5º, I e II).
No que tange à contradição, registre-se que, em embargos declaratórios, a contradição apontada deve ser interna, verificada entre os elementos que compõem a estrutura da decisão judicial, e não entre a solução alcançada e a solução que almejava o jurisdicionado(REsp n. 1.250.367/RJ, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 22/8/2013).
A propósito, no ponto em que o embargante aponta contradição, afirmandoque, se não houve motivo para a suspensão de sua anistia, ela é consequentemente política, consta dos autos(fl. 173)que a portaria instaurada para revisão da anistiaencontrava-se fundamentada nos regulamentos da Aeronáuticasegundo os quaiso embargante não detinha o status de cabo.
Portanto, alémda inexistência de contradição, os elementos constantes dos autos ajustam-se perfeitamente à decisão proferida noRE n. 817.338/STF, não havendo o que ser reformado no acórdão ora embargado.
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, rejeitar os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz, Ribeiro Dantas, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca.
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos por JOSÉ PAULO MALAQUIASnos autos em que a Corte Especialdenegou seu mandado de segurança.
O acórdão embargando foi assim ementado:
DIREITO ADMINISTRATIVO. ANISTIA. REVISÃO. EXERCÍCIO DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECADÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO COM DEVIDO PROCESSO LEGAL. VIOLAÇÃO DO ART. 8º DO ADCT. NÃO COMPROVAÇÃO DE ATO COM MOTIVAÇÃO EXCLUSIVAMENTE POLÍTICA.
1. O decurso do lapso de 5 anos não é causa impeditiva bastante para inibir a administração pública de revisar determinado ato, já que situações flagrantemente inconstitucionais não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei n. 9.784/1999 (STF, RE n. 317.338/DF).
2. "No exercício de seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica relativos à Portaria nº 1.104, editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica, em 12 de outubro de 1964 quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas" (RE n. 817.338/STF).
3. Agravo interno provido para denegar a segurança.
Aduz o embargante que o acórdão foi omisso quanto à questão da intimação, já que "que a matéria não se limita ao prazo de vigência da intimação, se de 5 (cinco) ou mais anos, estando, ainda que prevalente esse recente entendimento advindo do S.T.F atrelada a uma segunda condição",a saber, àintimação (fl. 508).Sustenta que apenas a publicação no Diário Oficial violaos princípios do contraditório e da ampla defesa.
Em seguida, alega contradição, porquantosua dispensa "se deu, de forma inequívoca, por motivação política" (fl. 509), já que motivo outro não havia,não tendo contribuído,de forma alguma, para seu precoce afastamento da Aeronáutica.
É o relatório.
VOTO
Os embargos de declaração, nos termos do art. 1.022 do CPC, são recurso de natureza integrativa que visam sanar os vícios de obscuridade, contradição, omissão ou erro material, de forma que não podem ser acolhidos quando a parte embargante pretende, essencialmente, a reforma da decisão embargada.
Nesse passo, observa-se que o embargante, a rigor, não aponta verdadeira omissão ou contradição no acórdão recorrido, pretendendorediscutir tema que foi devidamente apreciado.
Com efeito, no que tange à questão da intimação, consta do acórdão o seguinte (fl. 503):
Mesmo que se considere a necessidade de intimação pessoal - procedimento que a lei não determina (art. 59 da Lei n. 9.784/1999) -, ainda assim, em processo administrativo, apenas se declara a nulidade de ato processual quando houver efetiva demonstração de prejuízo para a defesa, por força da aplicação do princípio pas de nullité sans grief.
..
A falta de eventuais prejuízos para o impetrante é muito evidente diante da decisão do Supremo Tribunal Federal no RE n. 817.338/DF.
Ademais, o mandado de segurança émeio inapropriado para arevisão de adequação de atos judiciais. Para tanto, a parte deve valer-se dos recursos previstos em leis processuais (Lei n. 12.016/2009, art. 5º, I e II).
No que tange à contradição, registre-se que, em embargos declaratórios, a contradição apontada deve ser interna, verificada entre os elementos que compõem a estrutura da decisão judicial, e não entre a solução alcançada e a solução que almejava o jurisdicionado(REsp n. 1.250.367/RJ, relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 22/8/2013).
A propósito, no ponto em que o embargante aponta contradição, afirmandoque, se não houve motivo para a suspensão de sua anistia, ela é consequentemente política, consta dos autos(fl. 173)que a portaria instaurada para revisão da anistiaencontrava-se fundamentada nos regulamentos da Aeronáuticasegundo os quaiso embargante não detinha o status de cabo.
Portanto, alémda inexistência de contradição, os elementos constantes dos autos ajustam-se perfeitamente à decisão proferida noRE n. 817.338/STF, não havendo o que ser reformado no acórdão ora embargado.
Ante o exposto, rejeito os embargos de declaração.
É o voto. | EMENTA
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
1. Sendo os embargos de declaração recurso de natureza integrativa destinado a sanar vício - obscuridade, contradição ou omissão -,não podem ser acolhidos quando a parte embargante pretende, essencialmente, a obtenção de efeitos infringentes.
2. Embargos de declaração rejeitados. | EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E CONTRADIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. | 1. Sendo os embargos de declaração recurso de natureza integrativa destinado a sanar vício - obscuridade, contradição ou omissão -,não podem ser acolhidos quando a parte embargante pretende, essencialmente, a obtenção de efeitos infringentes.
2. Embargos de declaração rejeitados. | N |
146,182,734 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO.RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. APREENSÃO DE EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGAS. APETRECHOS. ENVOLVIMENTO HABITUAL COM A NARCOTRAFICÂNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. INTELIGÊNCIA POLICIAL. ATITUDE SUSPEITA DO AGENTE. DECISÃO FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.A imprescindibilidade da prisão preventiva justificada no preenchimento dos requisitos dos arts. 312, 313 e 315 do CPP impede a aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.
2. A apreensão de instrumentos geralmente utilizados nas atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes (balança de precisão, embalagens, caderno de anotações), de expressiva quantidade de dinheiro e de elevada quantidade e variedade de drogas evidencia o envolvimento habitual do agente com a narcotraficância.
3.As condições pessoais favoráveis do agente não impedem, por si sós, a manutenção da segregação cautelar devidamente fundamentada.
4.Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
5. A busca pessoal é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto.
6. Agravo regimental desprovido.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto por JOELTON LUIZ OLIVEIRA DA SILVAcontra a decisão de fls. 151-153, que não conheceu dohabeas corpus impetrado em seu favor, no qual fora apontado como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo(Processo n. 2001849-07.2022.8.26.0000), julgando prejudicado o pedido de liminar.
Oagravanteteve aprisão em flagrante decretada, posteriormente convertida em preventiva, pela suposta prática dodelitodescritonoart. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (fls. 14-19).
No presente writ,foi mantida a segregação cautelar para garantia da ordem pública, a fim de conter o risco de reiteração delitiva, tendo em vista a quantidade de entorpecente, os apetrechos apreendidos relacionados ao comércio de entorpecentes e aimpossibilidade de desconstituição da custódia cautelar com base tão somente nas condições pessoais favoráveis do agravante.
Nas razões deste recurso, oagravanteinsiste na tese de que a decretação da prisão preventiva carece de fundamentação. Afirmaque não estão preenchidos os requisitos da custódia cautelar e que possui condições pessoais favoráveis.
Argumenta que a prisão em flagrante mostrou-se eivada de nulidade. Para tanto, ponderaque "a prova obtida com a busca pessoal indevida e carente de justa causa .. é nula de pleno direito" (fl. 159).
Requera reconsideração da decisão agravada ou o provimento do recurso e, consequentemente, a concessão da ordem para revogar a custódia cautelar.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO.RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. APREENSÃO DE EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGAS. APETRECHOS. ENVOLVIMENTO HABITUAL COM A NARCOTRAFICÂNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. INTELIGÊNCIA POLICIAL. ATITUDE SUSPEITA DO AGENTE. DECISÃO FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.A imprescindibilidade da prisão preventiva justificada no preenchimento dos requisitos dos arts. 312, 313 e 315 do CPP impede a aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.
2. A apreensão de instrumentos geralmente utilizados nas atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes (balança de precisão, embalagens, caderno de anotações), de expressiva quantidade de dinheiro e de elevada quantidade e variedade de drogas evidencia o envolvimento habitual do agente com a narcotraficância.
3.As condições pessoais favoráveis do agente não impedem, por si sós, a manutenção da segregação cautelar devidamente fundamentada.
4.Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
5. A busca pessoal é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto.
6. Agravo regimental desprovido.
VOTO
A decisão agravada deve ser mantida.
A prisão preventiva é cabível mediante decisão fundamentada em dados concretos, quando evidenciada a existência de circunstâncias que demonstrem a necessidade da medida extrema, nos termos dos arts. 312, 313 e 315 do Código de Processo Penal (HC n. 527.660/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 2/9/2020).
No caso, está justificada a manutenção dapreventiva, pois foi demonstrado o preenchimento dos requisitos do art. 312 do CPP, não sendo recomendável a aplicação de medida cautelar referida no art. 319 do CPP. É o que se extrai doseguinteexcertoda decisão agravada (fl. 17, destaquei):
Com efeito, a autoridade judicial apontada como coatora reportou-se aos indícios de autoria e de materialidade, bem como ressaltou as peculiaridades do caso concreto, especialmente a apreensão de expressiva quantidade de cocaína (mais de duzentos gramas) e um abalança de precisão.
A elevada quantidade de drogas evidencia, em princípio, a acentuada reprovabilidade da conduta, bem como a personalidade do paciente, de modo que a custódia deve ser mantida para garantia da ordem pública.
No presente caso, a quantidade de entorpecente (209g de cocaína) e oapetrechorelacionadoao tráfico(balança de precisão)foramconsideradospelo Tribunal de origem para manutenção da prisão preventiva.
Esse entendimento está em consonância com a jurisprudência da Quinta Turma de que a quantidade, a variedade ou a natureza das drogas apreendidas servem de fundamento para a decretação da prisão preventiva (AgRg no RHC n. 131.420/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 30/9/2020; e AgRg no HC n. 590.807/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 28/9/2020).
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal assentou que "a gravidade concreta do crime, o modus operandi da ação delituosa e a periculosidade do agente, evidenciados pela expressiva quantidade e pluralidade de entorpecentes apreendidos, respaldam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (HC n. 130.708/SP, relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 6/4/2016).
Ressalte-se que a apreensão de instrumentos geralmente utilizados nas atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes (balança de precisão, embalagens, caderno de anotações), de expressiva quantidade de dinheiro e de elevada quantidade e variedade de drogas evidencia o envolvimento habitual do agente com a narcotraficância (AgRg no HC n. 594.158/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 27/11/2020).
Ademais, eventuais condições subjetivas favoráveis do agravante, como residência fixa e trabalho lícito, não impedem a prisão preventiva quando preenchidos os requisitos legais para sua decretação. Essa orientação está de acordo com a jurisprudência do STJ. Vejam-se os seguintes precedentes: AgRg no HC n. 585.571/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de 8/9/2020; e RHC n. 127.843/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 2/9/2020.
Em relação à alegada nulidade das provas colhidas na busca pessoal, o Tribunal de origem registrou o seguinte (fls. 16-17):
Inicialmente, não se vislumbra a ocorrência de ilegalidade da abordagem realizada por policiais militares, pois os agentes públicos fizeram a revista pessoal porque o paciente demonstrou nervosismo ao notar a aproximação da viatura e ainda trazia uma bolsa branca numa das mãos, dentro da qual havia entorpecentes, de modo que havia fundada suspeita apta a autorizar a busca pessoal, nos termos do art. 244 do Código de Processo Penal.
O entendimento acima está em consonância com a jurisprudência do STJ de que a busca pessoal é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto (HC n. 552.395/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 5/3/2020).
Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
No caso,a busca pessoal se deu porque o paciente demonstraraextremo nervosismo ao notar a aproximação da viatura policial e ainda estava na posse de uma bolsa com entorpecente.
Confiram-se precedentes sobre a questão:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. PRISÃO EM FLAGRANTE PELA GUARDA MUNICIPAL. POSSIBILIDADE. ART. 301 DO CPP. BUSCA PESSOAL EFETUADA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADA SUSPEITA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Precedentes: STF, HC 147.210-AgR, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe de 20/02/2020; HC 180.365AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, DJe de 27.03.2020; HC 170.180-AgR, Relatora Ministra Carmem Lúcia, DJe de 03/06/2020; HC 169174AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, DJe de 11.11.2019; HC 172.308-AgR, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 17/09/2019 e HC 174184-AgRg, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 25/10/2019. STJ: HC 563.063-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 10/06/2020; HC 323.409/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministro Félix Fischer, Terceira Seção, julgado em 28/02/2018, DJe 08/03/2018; HC 381.248/MG, Rel. p/ Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 22/02/2018, DJe 03/04/2018.
2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, inexiste óbice à realização da prisão em flagrante por guardas municipais, por força do disposto contido no art. 301 do Código de Processo Penal, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela.
3. A teor do art. 244 do CPP, a busca pessoal justifica-se quando existente fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Na espécie, a busca policial se deu de forma legal, tendo em vista a existência de fundada suspeita de que o paciente estaria transportando droga em seu veículo. No caso, ao receberem a notícia de que o paciente fazia o transporte de drogas em seu veículo, os guardas municipais primeiro identificaram o referido automóvel e fizeram sinal de parada, o réu se negou a parar e tentou fugir, gerando a suspeita da prática de crime, o que justificou a abordagem. Na sequência, ao finalmente parar o carro, o réu saiu dizendo "ladrão", "perdi". Além disso, o veículo possuía cheiro de entorpecente. Tudo isso, motivou a busca veicular, a apreensão do entorpecente e a prisão em flagrante.
4. Agravo Regimental improvido. (AgRg no HC n. 635.303/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 21/6/2021, destaquei.)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. BUSCA PESSOAL EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADA SUSPEITA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. "AVISO DE MIRANDA". AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO MATERIAL FÁTICO/PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA VIA ELEITA. MULTIREINCIDÊNCIA E CONFISSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
2. A teor do art, 244 do CPP, a busca pessoal justifica-se quando existente fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Na espécie, a busca policial se deu de forma legal, tendo em vista a existência de fundada suspeita de que o paciente estaria escondendo algo na sacola plástica que carregava (balança de precisão, 119,25g de maconha e a quantia de R$ 587,00), revelado pelo seu comportamento excessivamente nervoso e pelo fato de ser conhecido pelo envolvimento com o tráfico de drogas na região.
3. Quanto ao "aviso de Miranda" (advertência dos policiais quanto ao direito constitucional ao silêncio), o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo (RHC 67.730/PE, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 04/05/2016). No caso, o Tribunal de origem afirmou expressamente que o paciente, quando de seu interrogatório na fase policial, manifestou o desejo de falar somente em juízo, bem como suas declarações extrajudiciais não foram utilizadas como fundamento único para condenação, o que afasta o reconhecimento da nulidade apontada.
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6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 614.339/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 11/2/2021, destaquei.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Hipótese em que o Tribunal de origem, diante das circunstâncias peculiares do caso - veículo parado em atitude suspeita, durante a madrugada, com quatro indivíduos em seu interior - entendeu haver fundada suspeita para a realização da abordagem pessoal, que resultou na apreensão de arma de fogo.
A decisão vergastada está em consonância com o art. 244 do CPP e os elementos fáticos consignados no acórdão recorrido são legítimos para fins de busca pessoal. Rever a conclusão do aresto necessitaria do reexame do conjunto probatório, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.403.409/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 4/4/2019, destaquei.)
No que diz respeito à ilegalidade da prisão em flagrante, a posterior conversão do flagrante em prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade, estando superada a alegação de eventual vício decorrente da atuação policial.
Portanto, visto que oagravantenão apresentouargumento novo capaz de infirmar o decisum impugnado, mantenho-o por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik e Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto por JOELTON LUIZ OLIVEIRA DA SILVAcontra a decisão de fls. 151-153, que não conheceu dohabeas corpus impetrado em seu favor, no qual fora apontado como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo(Processo n. 2001849-07.2022.8.26.0000), julgando prejudicado o pedido de liminar.
Oagravanteteve aprisão em flagrante decretada, posteriormente convertida em preventiva, pela suposta prática dodelitodescritonoart. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (fls. 14-19).
No presente writ,foi mantida a segregação cautelar para garantia da ordem pública, a fim de conter o risco de reiteração delitiva, tendo em vista a quantidade de entorpecente, os apetrechos apreendidos relacionados ao comércio de entorpecentes e aimpossibilidade de desconstituição da custódia cautelar com base tão somente nas condições pessoais favoráveis do agravante.
Nas razões deste recurso, oagravanteinsiste na tese de que a decretação da prisão preventiva carece de fundamentação. Afirmaque não estão preenchidos os requisitos da custódia cautelar e que possui condições pessoais favoráveis.
Argumenta que a prisão em flagrante mostrou-se eivada de nulidade. Para tanto, ponderaque "a prova obtida com a busca pessoal indevida e carente de justa causa .. é nula de pleno direito" (fl. 159).
Requera reconsideração da decisão agravada ou o provimento do recurso e, consequentemente, a concessão da ordem para revogar a custódia cautelar.
É o relatório.
VOTO
A decisão agravada deve ser mantida.
A prisão preventiva é cabível mediante decisão fundamentada em dados concretos, quando evidenciada a existência de circunstâncias que demonstrem a necessidade da medida extrema, nos termos dos arts. 312, 313 e 315 do Código de Processo Penal (HC n. 527.660/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe de 2/9/2020).
No caso, está justificada a manutenção dapreventiva, pois foi demonstrado o preenchimento dos requisitos do art. 312 do CPP, não sendo recomendável a aplicação de medida cautelar referida no art. 319 do CPP. É o que se extrai doseguinteexcertoda decisão agravada (fl. 17, destaquei):
Com efeito, a autoridade judicial apontada como coatora reportou-se aos indícios de autoria e de materialidade, bem como ressaltou as peculiaridades do caso concreto, especialmente a apreensão de expressiva quantidade de cocaína (mais de duzentos gramas) e um abalança de precisão.
A elevada quantidade de drogas evidencia, em princípio, a acentuada reprovabilidade da conduta, bem como a personalidade do paciente, de modo que a custódia deve ser mantida para garantia da ordem pública.
No presente caso, a quantidade de entorpecente (209g de cocaína) e oapetrechorelacionadoao tráfico(balança de precisão)foramconsideradospelo Tribunal de origem para manutenção da prisão preventiva.
Esse entendimento está em consonância com a jurisprudência da Quinta Turma de que a quantidade, a variedade ou a natureza das drogas apreendidas servem de fundamento para a decretação da prisão preventiva (AgRg no RHC n. 131.420/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 30/9/2020; e AgRg no HC n. 590.807/RJ, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 28/9/2020).
No mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal assentou que "a gravidade concreta do crime, o modus operandi da ação delituosa e a periculosidade do agente, evidenciados pela expressiva quantidade e pluralidade de entorpecentes apreendidos, respaldam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (HC n. 130.708/SP, relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 6/4/2016).
Ressalte-se que a apreensão de instrumentos geralmente utilizados nas atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes (balança de precisão, embalagens, caderno de anotações), de expressiva quantidade de dinheiro e de elevada quantidade e variedade de drogas evidencia o envolvimento habitual do agente com a narcotraficância (AgRg no HC n. 594.158/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 27/11/2020).
Ademais, eventuais condições subjetivas favoráveis do agravante, como residência fixa e trabalho lícito, não impedem a prisão preventiva quando preenchidos os requisitos legais para sua decretação. Essa orientação está de acordo com a jurisprudência do STJ. Vejam-se os seguintes precedentes: AgRg no HC n. 585.571/GO, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe de 8/9/2020; e RHC n. 127.843/MG, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe de 2/9/2020.
Em relação à alegada nulidade das provas colhidas na busca pessoal, o Tribunal de origem registrou o seguinte (fls. 16-17):
Inicialmente, não se vislumbra a ocorrência de ilegalidade da abordagem realizada por policiais militares, pois os agentes públicos fizeram a revista pessoal porque o paciente demonstrou nervosismo ao notar a aproximação da viatura e ainda trazia uma bolsa branca numa das mãos, dentro da qual havia entorpecentes, de modo que havia fundada suspeita apta a autorizar a busca pessoal, nos termos do art. 244 do Código de Processo Penal.
O entendimento acima está em consonância com a jurisprudência do STJ de que a busca pessoal é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto (HC n. 552.395/SP, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe de 5/3/2020).
Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
No caso,a busca pessoal se deu porque o paciente demonstraraextremo nervosismo ao notar a aproximação da viatura policial e ainda estava na posse de uma bolsa com entorpecente.
Confiram-se precedentes sobre a questão:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. PRISÃO EM FLAGRANTE PELA GUARDA MUNICIPAL. POSSIBILIDADE. ART. 301 DO CPP. BUSCA PESSOAL EFETUADA SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADA SUSPEITA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Precedentes: STF, HC 147.210-AgR, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe de 20/02/2020; HC 180.365AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, DJe de 27.03.2020; HC 170.180-AgR, Relatora Ministra Carmem Lúcia, DJe de 03/06/2020; HC 169174AgR, Relatora Ministra Rosa Weber, DJe de 11.11.2019; HC 172.308-AgR, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 17/09/2019 e HC 174184-AgRg, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe de 25/10/2019. STJ: HC 563.063-SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 10/06/2020; HC 323.409/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministro Félix Fischer, Terceira Seção, julgado em 28/02/2018, DJe 08/03/2018; HC 381.248/MG, Rel. p/ Acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 22/02/2018, DJe 03/04/2018.
2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, inexiste óbice à realização da prisão em flagrante por guardas municipais, por força do disposto contido no art. 301 do Código de Processo Penal, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela.
3. A teor do art. 244 do CPP, a busca pessoal justifica-se quando existente fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Na espécie, a busca policial se deu de forma legal, tendo em vista a existência de fundada suspeita de que o paciente estaria transportando droga em seu veículo. No caso, ao receberem a notícia de que o paciente fazia o transporte de drogas em seu veículo, os guardas municipais primeiro identificaram o referido automóvel e fizeram sinal de parada, o réu se negou a parar e tentou fugir, gerando a suspeita da prática de crime, o que justificou a abordagem. Na sequência, ao finalmente parar o carro, o réu saiu dizendo "ladrão", "perdi". Além disso, o veículo possuía cheiro de entorpecente. Tudo isso, motivou a busca veicular, a apreensão do entorpecente e a prisão em flagrante.
4. Agravo Regimental improvido. (AgRg no HC n. 635.303/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 21/6/2021, destaquei.)
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. BUSCA PESSOAL EFETUADA POR POLICIAIS MILITARES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. FUNDADA SUSPEITA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. "AVISO DE MIRANDA". AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO MATERIAL FÁTICO/PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DA VIA ELEITA. MULTIREINCIDÊNCIA E CONFISSÃO. IMPOSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.
2. A teor do art, 244 do CPP, a busca pessoal justifica-se quando existente fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito. Na espécie, a busca policial se deu de forma legal, tendo em vista a existência de fundada suspeita de que o paciente estaria escondendo algo na sacola plástica que carregava (balança de precisão, 119,25g de maconha e a quantia de R$ 587,00), revelado pelo seu comportamento excessivamente nervoso e pelo fato de ser conhecido pelo envolvimento com o tráfico de drogas na região.
3. Quanto ao "aviso de Miranda" (advertência dos policiais quanto ao direito constitucional ao silêncio), o Superior Tribunal de Justiça, acompanhando posicionamento consolidado no Supremo Tribunal Federal, firmou o entendimento de que eventual irregularidade na informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de nulidade relativa, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo (RHC 67.730/PE, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 04/05/2016). No caso, o Tribunal de origem afirmou expressamente que o paciente, quando de seu interrogatório na fase policial, manifestou o desejo de falar somente em juízo, bem como suas declarações extrajudiciais não foram utilizadas como fundamento único para condenação, o que afasta o reconhecimento da nulidade apontada.
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6. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 614.339/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe de 11/2/2021, destaquei.)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO. BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
Hipótese em que o Tribunal de origem, diante das circunstâncias peculiares do caso - veículo parado em atitude suspeita, durante a madrugada, com quatro indivíduos em seu interior - entendeu haver fundada suspeita para a realização da abordagem pessoal, que resultou na apreensão de arma de fogo.
A decisão vergastada está em consonância com o art. 244 do CPP e os elementos fáticos consignados no acórdão recorrido são legítimos para fins de busca pessoal. Rever a conclusão do aresto necessitaria do reexame do conjunto probatório, o que é vedado pela Súmula n. 7 do STJ.
Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp n. 1.403.409/RS, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 4/4/2019, destaquei.)
No que diz respeito à ilegalidade da prisão em flagrante, a posterior conversão do flagrante em prisão preventiva constitui novo título a justificar a privação da liberdade, estando superada a alegação de eventual vício decorrente da atuação policial.
Portanto, visto que oagravantenão apresentouargumento novo capaz de infirmar o decisum impugnado, mantenho-o por seus próprios fundamentos.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO.RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. APREENSÃO DE EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGAS. APETRECHOS. ENVOLVIMENTO HABITUAL COM A NARCOTRAFICÂNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. INTELIGÊNCIA POLICIAL. ATITUDE SUSPEITA DO AGENTE. DECISÃO FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1.A imprescindibilidade da prisão preventiva justificada no preenchimento dos requisitos dos arts. 312, 313 e 315 do CPP impede a aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.
2. A apreensão de instrumentos geralmente utilizados nas atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes (balança de precisão, embalagens, caderno de anotações), de expressiva quantidade de dinheiro e de elevada quantidade e variedade de drogas evidencia o envolvimento habitual do agente com a narcotraficância.
3.As condições pessoais favoráveis do agente não impedem, por si sós, a manutenção da segregação cautelar devidamente fundamentada.
4.Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
5. A busca pessoal é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto.
6. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO.RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. APREENSÃO DE EXPRESSIVA QUANTIDADE DE DROGAS. APETRECHOS. ENVOLVIMENTO HABITUAL COM A NARCOTRAFICÂNCIA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. INTELIGÊNCIA POLICIAL. ATITUDE SUSPEITA DO AGENTE. DECISÃO FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1.A imprescindibilidade da prisão preventiva justificada no preenchimento dos requisitos dos arts. 312, 313 e 315 do CPP impede a aplicação das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.
2. A apreensão de instrumentos geralmente utilizados nas atividades relacionadas ao tráfico de entorpecentes (balança de precisão, embalagens, caderno de anotações), de expressiva quantidade de dinheiro e de elevada quantidade e variedade de drogas evidencia o envolvimento habitual do agente com a narcotraficância.
3.As condições pessoais favoráveis do agente não impedem, por si sós, a manutenção da segregação cautelar devidamente fundamentada.
4.Nos termos do art. 244 do CPP, a busca pessoal independerá de mandado quando houver prisão ou fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida, de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou ainda quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
5. A busca pessoal é legítima se amparada em fundadas razões, se devidamente justificada pelas circunstâncias do caso concreto.
6. Agravo regimental desprovido. | N |
144,764,021 | EMENTA
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FURTO QUALIFICADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ESCLARECIMENTO DOS FATOS. CONVENIÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL E INSTRUÇÃO CRIMINAL. AGRAVANTE NÃO LOCALIZADO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A defesa se insurge contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus mas, analisando o mérito de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal e recomendou, ao Juízo processante, a reanálise da prisão.
2. As decisões que decretaram/mantiveram a prisão temporária do agravante estão fundamentadas no (i) modus operandi e gravidade concreta do delito (suposto envolvimento na prática do crime de furto qualificado de bitcoins); (ii) na conveniência da investigação/instrução criminal (agravante não foi localizado e a sua prisão se faz necessária para esclarecimento dos fatos, uma vez que os ativos digitais não são rastreáveis). Há, portanto, adequação aos requisitos legais que autorizam a prisão temporária.
3. Condições subjetivas favoráveis não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes.
4. Agravo regimental conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por LUCIAN JOSE DE LIRA contra decisão deste Relator que não conheceu do habeas corpus mas, analisando o mérito de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal e recomendou, ao Juízo processante, a reanálise da prisão (e-STJ fls. 632/638).
Inconformado, o agravante afirma que não defendeu a tese de negativa de autoria, consoante consignado na decisão agravada. Reitera acerca da desnecessidade da prisão temporária, já que estão ausentes da espécie os seus requisitos legais, ele se colocou a disposição para prestar depoimento, e o corréu que locou o imóvel, a partir de onde o furto, em tese, foi perpetrado, já ficou preso temporariamente 5 (cinco) dias e se encontra em liberdade.
Destaca que não há indícios de coação de testemunhas/vítima.
Ao final, pugna o agravante pelo exercício do Juízo de retratação ou, subsidiariamente, a submissão do recurso à 5a Turma desta Corte Superior, a fim de que a presente ordem seja concedida, com a revogação da sua prisão temporária.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A decisão agravada é do seguinte teor (e-STJ fls. 632/638):
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LUCIAN JOSÉ DE LIRA contra acórdão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC n.º 0078080-41.2021.8.19.0000).
Extrai-se dos autos que foi decretada a prisão temporária do paciente, o qual é investigado pela suposta prática dos delitos tipificados nos art. 288 e 155, § 4º, inciso II, do Código Penal.
Buscando a revogação da custódia, a defesa impetrou a ordem originária, que foi denegada pelo Tribunal a quo, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 23/25 - grifo original):
HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FURTO QUALIFICADO. Paciente que teve prisão temporária decretada, nos autos de Inquérito Policial que apura a prática dos crimes previstos nos artigos 288 e 155, § 4º, II, ambos do Código Penal. Pretensão de cassação da medida, sob o argumento de desnecessidade. Indeferida. Presença de comprovação da materialidade, bem como os indícios de autoria, que foram amealhados a partir de investigação criminal realizada nos autos originários. Presentes os fundamentos para imposição da prisão temporária, com fulcro nos artigos 1º e 3º, "l", ambos da Lei nº 7960/89, dado que o Juízo originário identificou a necessidade de resguardar a integridade das testemunhas e a colheita de provas, sem qualquer possibilidade de intimidação ou embaraço à investigação por parte dos envolvidos. Paciente foragido. DENEGAÇÃO DA ORDEM pleiteada e manutenção do decreto prisional em desfavor do paciente, nos termos em que prolatado pelo Juízo originário.
No presente writ, a defesa nega a autoria do delito, afirmando que o paciente não esteve na cidade do Rio de Janeiro com os demais corréus, e não estava no imóvel de onde foi realizada, via internet, a suposta subtração dos Bitcoins. Carreia documentos de que estaria na cidade de Cláudio, no momento da prática delitiva, embora tivesse sido convidado a comparecer ao imóvel, no Rio de Janeiro.
Alega que a prisão foi decretada com base na suposta necessidade de assegurar o aprofundamento das investigações. No entanto, afirma que não há elementos indicadores de que eles representam ameaça à coleta de provas, notadamente porque não há vinculação do paciente com a ocupação do imóvel, no Rio de Janeiro. Destaca que o corréu Fernando já foi preso por 5 (cinco) dias e liberado, não havendo necessidade da sua segregação. Aduz que o paciente tem residência no Estado de Minas Gerais, e não conhece pessoalmente os demais corréus, apenas jogavam juntos pela web, de forma on line.
Destaca que o paciente é primário, portador de bons antecedentes, com família constituída, emprego fixo e residência fixa e defende ser adequada a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
Requer, assim, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão temporária registrada sob n. CNJ 0012191-31.2021.8.19.0004.01.0003-26.
É o relatório. Decido.
As disposições previstas nos art. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n.º 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n.º 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n.º 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n.º 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n.º 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.º 45/2004 com status de princípio fundamental" (AgRg no HC n.º 268.099/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido" (EDcl no AgRg no HC n.º 324.401/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica" (AgRg no HC n.º 514.048/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação ou recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC n.º 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC n.º 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE (e-STJ Fl.634) Documento eletrônico VDA31246676 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): REYNALDO SOARES DA FONSECA Assinado em: 02/02/2022 14:34:23 Publicação no DJe/STJ nº 3326 de 03/02/2022. Código de Controle do Documento: 1bd17d67-f632-41e1-8c1f-f338ccd301ff Documento eletrônico juntado ao processo em 02/02/2022 às 14:50:23 pelo usuário: SISTEMA JUSTIÇA - SERVIÇOS AUTOMÁTICOSASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.
Inicialmente, é de se notar que a tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
Com efeito, segundo o STF, "não se admite no habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a inocência do Paciente" (HC n. 115.116/RJ, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/9/2014, DJe 17/11/2014).
Também é o entendimento desta Corte que "reconhecer a ausência, ou não, de elementos de autoria e materialidade delitiva acarreta, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto fático-probatório, sendo impróprio na via do habeas corpus" (RHC n. 119.441/CE, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 7/11/2019, DJe 3/12/2019).
A prisão cautelar é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Nos termos do art. 1º da Lei n. 7.960/1989, caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
.. l) quadrilha ou bando (art. 288) todos do Código Penal;
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014).
Na espécie, o Juiz singular decretou a prisão temporária do paciente e de outros para fins de esclarecimento dos fatos narrados e proteção das testemunhas, tendo em vista haver indícios de que o paciente seria um dos autores do delito, bem como a prova da materialidade do crime (e-STJ fls. 351/352):
Trata-se de representação formulada pelo Delegado Titular da DRCI, fls.
121/124 no sentido de que seja deferida a prisão temporária de DIEGO VITORIO DOS SANTOS, FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA, LUCIAN JOSE DE LIRA e THIAGO DOS SANTOS MOREIRA, com parecer favor do Ministério Público a fls.188/189.
O procedimento administrativo foi instaurado para apurar a autoria dos crimes previstos nos artigos 288 e 155, §4º, II, ambos do Código Penal, vez que, de acordo com o que consta dos autos, poderão ser identificadas e ouvidas eventuais testemunhas do crime, bem como será possível identificar os demais participantes/autores do crime.
Os depoimentos colhidos na DP dão conta de que os 04 investigados Fernando Luiz Bittencourt Parreira, Diego Vitorio dos Santos, Thiago dos Santos Moreira e Lucian José de Lira alugam imóveis para usar montar sua estrutura criminosa de invadir contas de investimento subtraindo Bitcoins, e isto porque os Bitcoins não são rastreáveis.
Decido.
DEFIRO O DECRETO DA PRISÃO TEMPORÁRIA DOS INVESTIGADOS DIEGO VITORIO DOS SANTOS, FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA, LUCIAN JOSE DE LIRA e THIAGO DOS SANTOS MOREIRA, PELO PRAZO DE 05 (CINCO) DIAS, COM FULCRO NOS ARTIGOS art. 1º e 3º alínea L da Lei 7960/89.
Ao indeferir o pedido de revogação da prisão, o Magistrado de Primeiro Grau assim se manifestou (e-STJ fls. 629/631):
Trata-se de pedidos de revogação de prisão temporária, formulados às fls. 334/335 e 348 por FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA, às fls. 357/363, por LUCIAN JOSE DE LIRA, e, às fls. 384/387, por DIEGO VITORIO DOS SANTOS e THIAGO DOS SANTOS MOREIRA, sob o argumento de que a ausência dos requisitos elencados no art. 1º, da Lei 7960/89, já que imperioso a necessidade da comunhão das hipóteses elencadas nos incisos I, II e III, do sobredito artigo, afinal a Autoridade Policial aduz ser imprescindível para apuração dos fatos e tomada de seu interrogatório e reconhecimento pessoal pela vítima na forma do art. 226 do CPP.
Ao contrário do alegado pelas ilustres Defesas, existem indícios suficientes para o momento acerca do envolvimento dos indiciados nos delitos investigados, apontando para tais prisões cautelares como medidas cautelares imprescindíveis para o sucesso das investigações, a fim de se aprofundar a apuração da autoria e de eventual participação no crime acima mencionado, conforme já ressaltado na promoção de fls. 121/124 e na decisão de fls.318 e, que se encontram presentes os requisitos para a decretação da prisão temporária dos indiciados.
Isso porque há fundadas razões, de acordo com os elementos indiciários constantes que o presente procedimento inquisitorial foi instaurado para identificar a autoria e demais circunstancias decorrentes para apurar a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 288 e 155, §4º, II, ambos do Código Penal.
Ressalte-se que o prazo da prisão temporária de FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA já se esgotou, razão pela qual, o requerimento de revogação da temporária perdeu o seu objeto.
Assim, depreende-se que a prisão temporária dos indiciados apresenta-se imprescindível para a conclusão das investigações, na medida em que trará a confiança necessária para que as demais testemunhas dos fatos e, inclusive, a vítima, prestem declarações de forma isenta, sem temerem qualquer retaliação por parte dos indiciados, impedindo, ainda, que os indiciados exerçam influência no ânimo das testemunhas.
Nesse contexto, entendo permanecerem, pelo menos nesta fase, todos os fundamentos externados pelas decisões já proferidas , às quais por brevidade me reporto, por todas as considerações e aspectos lá ponderados, parcialmente aqui reproduzidos, no sentido de manter a prisão temporária.
O Tribunal local, por sua vez, ao examinar a matéria, manteve a custódia (e- STJ fls. 23/25).
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos legais e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
Ora, é da jurisprudência pátria a impossibilidade de se recolher alguém ao cárcere se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.
No particular, não se vislumbra a existência de constrangimento ilegal patente pois as instâncias originárias destacaram que o caderno probatório indicava o envolvimento do paciente na prática delitiva (subtração de Bitcoins, não rastreáveis) e a necessidade da cautela para fins de proteção das testemunhas e esclarecimentos na investigação criminal. Embora decretada em 24/9/2021, a prisão ainda não foi efetivada, tampouco colhido o depoimento do paciente. Há portanto, nesse momento, elementos a indicar que, de fato, a custódia é necessária para a promoção da instrução criminal.
A propósito, "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
Ademais, determinadas condutas, como a não localização do agente, podem demonstrar o intento do agente de frustrar o direito do Estado de punir, justificando, assim, a custódia.
Portanto, mostra-se legítimo, no caso, o decreto de prisão temporária, uma vez ter demonstrado, com base em dados empíricos, a necessidade da custódia para resguardar as testemunhas e auxiliar na investigação criminal.
Recomendo, entretanto, de ofício, ao Juízo processante que reexamine a necessidade da segregação cautelar do paciente, notadamente diante dos argumentos/documentos lançados pela defesa contestando os indícios autoria; tendo em vista o tempo decorrido, e o disposto na Lei nº 13.964/2019.
Diante do exposto, nos termos do art. 34, inciso XX do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus. Recomendo, entretanto, de ofício, ao Juízo processante que reexamine a legalidade e a necessidade da segregação cautelar, tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei n. 13.964/2019.
Comunique-se. Intimem-se.
Subsistem inabaláveis esses fundamentos, os quais são suficientes para manter a decisão agravada.
Registro que a tese defesa, ao afirmar que o paciente não possui envolvimento com a prática delitiva (não estaria no local dos fatos - Rio de Janeiro; se encontrava em outra cidade no momento do crime) representa negativa de autoria, matéria que não pode ser apreciada em sede de habeas corpus, pois demanda revolvimento do conjunto fático-probatório. Esta questão deverá ser perquirida pelo Juízo processante, consoante recomendado na decisão agravada.
Em relação à fundamentação da prisão temporária, reitero que as instâncias originárias destacaram que o caderno probatório indicava o envolvimento do paciente na prática delitiva (subtração de Bitcoins, não rastreáveis, avaliados em R$ 171.000,00) e a necessidade da cautela para fins de proteção das testemunhas e esclarecimentos na investigação criminal.
Embora decretada em 24/9/2021, a prisão ainda não foi efetivada, tampouco colhido o depoimento do paciente. Há portanto, nesse momento, elementos a indicar que, de fato, a custódia é necessária para a promoção da instrução criminal.
A propósito, "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
Ademais, determinadas condutas, como a não localização do agente, podem demonstrar o intento do agente de frustrar o direito do Estado de punir, justificando, assim, a custódia.
Registre-se, ainda, que eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade técnica, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Inexiste, portanto, ilegalidade que leve à reforma da decisão agravada.
Ante o exposto, conheço do agravo regimental, mas lhe nego provimento.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por LUCIAN JOSE DE LIRA contra decisão deste Relator que não conheceu do habeas corpus mas, analisando o mérito de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal e recomendou, ao Juízo processante, a reanálise da prisão (e-STJ fls. 632/638).
Inconformado, o agravante afirma que não defendeu a tese de negativa de autoria, consoante consignado na decisão agravada. Reitera acerca da desnecessidade da prisão temporária, já que estão ausentes da espécie os seus requisitos legais, ele se colocou a disposição para prestar depoimento, e o corréu que locou o imóvel, a partir de onde o furto, em tese, foi perpetrado, já ficou preso temporariamente 5 (cinco) dias e se encontra em liberdade.
Destaca que não há indícios de coação de testemunhas/vítima.
Ao final, pugna o agravante pelo exercício do Juízo de retratação ou, subsidiariamente, a submissão do recurso à 5a Turma desta Corte Superior, a fim de que a presente ordem seja concedida, com a revogação da sua prisão temporária.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A decisão agravada é do seguinte teor (e-STJ fls. 632/638):
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de LUCIAN JOSÉ DE LIRA contra acórdão da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (HC n.º 0078080-41.2021.8.19.0000).
Extrai-se dos autos que foi decretada a prisão temporária do paciente, o qual é investigado pela suposta prática dos delitos tipificados nos art. 288 e 155, § 4º, inciso II, do Código Penal.
Buscando a revogação da custódia, a defesa impetrou a ordem originária, que foi denegada pelo Tribunal a quo, em acórdão assim ementado (e-STJ fls. 23/25 - grifo original):
HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FURTO QUALIFICADO. Paciente que teve prisão temporária decretada, nos autos de Inquérito Policial que apura a prática dos crimes previstos nos artigos 288 e 155, § 4º, II, ambos do Código Penal. Pretensão de cassação da medida, sob o argumento de desnecessidade. Indeferida. Presença de comprovação da materialidade, bem como os indícios de autoria, que foram amealhados a partir de investigação criminal realizada nos autos originários. Presentes os fundamentos para imposição da prisão temporária, com fulcro nos artigos 1º e 3º, "l", ambos da Lei nº 7960/89, dado que o Juízo originário identificou a necessidade de resguardar a integridade das testemunhas e a colheita de provas, sem qualquer possibilidade de intimidação ou embaraço à investigação por parte dos envolvidos. Paciente foragido. DENEGAÇÃO DA ORDEM pleiteada e manutenção do decreto prisional em desfavor do paciente, nos termos em que prolatado pelo Juízo originário.
No presente writ, a defesa nega a autoria do delito, afirmando que o paciente não esteve na cidade do Rio de Janeiro com os demais corréus, e não estava no imóvel de onde foi realizada, via internet, a suposta subtração dos Bitcoins. Carreia documentos de que estaria na cidade de Cláudio, no momento da prática delitiva, embora tivesse sido convidado a comparecer ao imóvel, no Rio de Janeiro.
Alega que a prisão foi decretada com base na suposta necessidade de assegurar o aprofundamento das investigações. No entanto, afirma que não há elementos indicadores de que eles representam ameaça à coleta de provas, notadamente porque não há vinculação do paciente com a ocupação do imóvel, no Rio de Janeiro. Destaca que o corréu Fernando já foi preso por 5 (cinco) dias e liberado, não havendo necessidade da sua segregação. Aduz que o paciente tem residência no Estado de Minas Gerais, e não conhece pessoalmente os demais corréus, apenas jogavam juntos pela web, de forma on line.
Destaca que o paciente é primário, portador de bons antecedentes, com família constituída, emprego fixo e residência fixa e defende ser adequada a imposição de medidas cautelares diversas da prisão.
Requer, assim, liminarmente e no mérito, a revogação da prisão temporária registrada sob n. CNJ 0012191-31.2021.8.19.0004.01.0003-26.
É o relatório. Decido.
As disposições previstas nos art. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n.º 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n.º 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n.º 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n.º 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n.º 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.º 45/2004 com status de princípio fundamental" (AgRg no HC n.º 268.099/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido" (EDcl no AgRg no HC n.º 324.401/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica" (AgRg no HC n.º 514.048/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga apelação ou recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC n.º 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC n.º 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE (e-STJ Fl.634) Documento eletrônico VDA31246676 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): REYNALDO SOARES DA FONSECA Assinado em: 02/02/2022 14:34:23 Publicação no DJe/STJ nº 3326 de 03/02/2022. Código de Controle do Documento: 1bd17d67-f632-41e1-8c1f-f338ccd301ff Documento eletrônico juntado ao processo em 02/02/2022 às 14:50:23 pelo usuário: SISTEMA JUSTIÇA - SERVIÇOS AUTOMÁTICOSASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.
Inicialmente, é de se notar que a tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
Com efeito, segundo o STF, "não se admite no habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a inocência do Paciente" (HC n. 115.116/RJ, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/9/2014, DJe 17/11/2014).
Também é o entendimento desta Corte que "reconhecer a ausência, ou não, de elementos de autoria e materialidade delitiva acarreta, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto fático-probatório, sendo impróprio na via do habeas corpus" (RHC n. 119.441/CE, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 7/11/2019, DJe 3/12/2019).
A prisão cautelar é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Nos termos do art. 1º da Lei n. 7.960/1989, caberá prisão temporária:
I - quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
II - quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
III - quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes:
.. l) quadrilha ou bando (art. 288) todos do Código Penal;
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014).
Na espécie, o Juiz singular decretou a prisão temporária do paciente e de outros para fins de esclarecimento dos fatos narrados e proteção das testemunhas, tendo em vista haver indícios de que o paciente seria um dos autores do delito, bem como a prova da materialidade do crime (e-STJ fls. 351/352):
Trata-se de representação formulada pelo Delegado Titular da DRCI, fls.
121/124 no sentido de que seja deferida a prisão temporária de DIEGO VITORIO DOS SANTOS, FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA, LUCIAN JOSE DE LIRA e THIAGO DOS SANTOS MOREIRA, com parecer favor do Ministério Público a fls.188/189.
O procedimento administrativo foi instaurado para apurar a autoria dos crimes previstos nos artigos 288 e 155, §4º, II, ambos do Código Penal, vez que, de acordo com o que consta dos autos, poderão ser identificadas e ouvidas eventuais testemunhas do crime, bem como será possível identificar os demais participantes/autores do crime.
Os depoimentos colhidos na DP dão conta de que os 04 investigados Fernando Luiz Bittencourt Parreira, Diego Vitorio dos Santos, Thiago dos Santos Moreira e Lucian José de Lira alugam imóveis para usar montar sua estrutura criminosa de invadir contas de investimento subtraindo Bitcoins, e isto porque os Bitcoins não são rastreáveis.
Decido.
DEFIRO O DECRETO DA PRISÃO TEMPORÁRIA DOS INVESTIGADOS DIEGO VITORIO DOS SANTOS, FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA, LUCIAN JOSE DE LIRA e THIAGO DOS SANTOS MOREIRA, PELO PRAZO DE 05 (CINCO) DIAS, COM FULCRO NOS ARTIGOS art. 1º e 3º alínea L da Lei 7960/89.
Ao indeferir o pedido de revogação da prisão, o Magistrado de Primeiro Grau assim se manifestou (e-STJ fls. 629/631):
Trata-se de pedidos de revogação de prisão temporária, formulados às fls. 334/335 e 348 por FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA, às fls. 357/363, por LUCIAN JOSE DE LIRA, e, às fls. 384/387, por DIEGO VITORIO DOS SANTOS e THIAGO DOS SANTOS MOREIRA, sob o argumento de que a ausência dos requisitos elencados no art. 1º, da Lei 7960/89, já que imperioso a necessidade da comunhão das hipóteses elencadas nos incisos I, II e III, do sobredito artigo, afinal a Autoridade Policial aduz ser imprescindível para apuração dos fatos e tomada de seu interrogatório e reconhecimento pessoal pela vítima na forma do art. 226 do CPP.
Ao contrário do alegado pelas ilustres Defesas, existem indícios suficientes para o momento acerca do envolvimento dos indiciados nos delitos investigados, apontando para tais prisões cautelares como medidas cautelares imprescindíveis para o sucesso das investigações, a fim de se aprofundar a apuração da autoria e de eventual participação no crime acima mencionado, conforme já ressaltado na promoção de fls. 121/124 e na decisão de fls.318 e, que se encontram presentes os requisitos para a decretação da prisão temporária dos indiciados.
Isso porque há fundadas razões, de acordo com os elementos indiciários constantes que o presente procedimento inquisitorial foi instaurado para identificar a autoria e demais circunstancias decorrentes para apurar a suposta prática dos crimes previstos nos artigos 288 e 155, §4º, II, ambos do Código Penal.
Ressalte-se que o prazo da prisão temporária de FERNANDO LUIZ BITTENCOURT PARREIRA já se esgotou, razão pela qual, o requerimento de revogação da temporária perdeu o seu objeto.
Assim, depreende-se que a prisão temporária dos indiciados apresenta-se imprescindível para a conclusão das investigações, na medida em que trará a confiança necessária para que as demais testemunhas dos fatos e, inclusive, a vítima, prestem declarações de forma isenta, sem temerem qualquer retaliação por parte dos indiciados, impedindo, ainda, que os indiciados exerçam influência no ânimo das testemunhas.
Nesse contexto, entendo permanecerem, pelo menos nesta fase, todos os fundamentos externados pelas decisões já proferidas , às quais por brevidade me reporto, por todas as considerações e aspectos lá ponderados, parcialmente aqui reproduzidos, no sentido de manter a prisão temporária.
O Tribunal local, por sua vez, ao examinar a matéria, manteve a custódia (e- STJ fls. 23/25).
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos legais e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
Ora, é da jurisprudência pátria a impossibilidade de se recolher alguém ao cárcere se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.
No particular, não se vislumbra a existência de constrangimento ilegal patente pois as instâncias originárias destacaram que o caderno probatório indicava o envolvimento do paciente na prática delitiva (subtração de Bitcoins, não rastreáveis) e a necessidade da cautela para fins de proteção das testemunhas e esclarecimentos na investigação criminal. Embora decretada em 24/9/2021, a prisão ainda não foi efetivada, tampouco colhido o depoimento do paciente. Há portanto, nesse momento, elementos a indicar que, de fato, a custódia é necessária para a promoção da instrução criminal.
A propósito, "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
Ademais, determinadas condutas, como a não localização do agente, podem demonstrar o intento do agente de frustrar o direito do Estado de punir, justificando, assim, a custódia.
Portanto, mostra-se legítimo, no caso, o decreto de prisão temporária, uma vez ter demonstrado, com base em dados empíricos, a necessidade da custódia para resguardar as testemunhas e auxiliar na investigação criminal.
Recomendo, entretanto, de ofício, ao Juízo processante que reexamine a necessidade da segregação cautelar do paciente, notadamente diante dos argumentos/documentos lançados pela defesa contestando os indícios autoria; tendo em vista o tempo decorrido, e o disposto na Lei nº 13.964/2019.
Diante do exposto, nos termos do art. 34, inciso XX do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus. Recomendo, entretanto, de ofício, ao Juízo processante que reexamine a legalidade e a necessidade da segregação cautelar, tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei n. 13.964/2019.
Comunique-se. Intimem-se.
Subsistem inabaláveis esses fundamentos, os quais são suficientes para manter a decisão agravada.
Registro que a tese defesa, ao afirmar que o paciente não possui envolvimento com a prática delitiva (não estaria no local dos fatos - Rio de Janeiro; se encontrava em outra cidade no momento do crime) representa negativa de autoria, matéria que não pode ser apreciada em sede de habeas corpus, pois demanda revolvimento do conjunto fático-probatório. Esta questão deverá ser perquirida pelo Juízo processante, consoante recomendado na decisão agravada.
Em relação à fundamentação da prisão temporária, reitero que as instâncias originárias destacaram que o caderno probatório indicava o envolvimento do paciente na prática delitiva (subtração de Bitcoins, não rastreáveis, avaliados em R$ 171.000,00) e a necessidade da cautela para fins de proteção das testemunhas e esclarecimentos na investigação criminal.
Embora decretada em 24/9/2021, a prisão ainda não foi efetivada, tampouco colhido o depoimento do paciente. Há portanto, nesse momento, elementos a indicar que, de fato, a custódia é necessária para a promoção da instrução criminal.
A propósito, "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
Ademais, determinadas condutas, como a não localização do agente, podem demonstrar o intento do agente de frustrar o direito do Estado de punir, justificando, assim, a custódia.
Registre-se, ainda, que eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade técnica, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Inexiste, portanto, ilegalidade que leve à reforma da decisão agravada.
Ante o exposto, conheço do agravo regimental, mas lhe nego provimento.
É como voto. | EMENTA
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FURTO QUALIFICADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ESCLARECIMENTO DOS FATOS. CONVENIÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL E INSTRUÇÃO CRIMINAL. AGRAVANTE NÃO LOCALIZADO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. A defesa se insurge contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus mas, analisando o mérito de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal e recomendou, ao Juízo processante, a reanálise da prisão.
2. As decisões que decretaram/mantiveram a prisão temporária do agravante estão fundamentadas no (i) modus operandi e gravidade concreta do delito (suposto envolvimento na prática do crime de furto qualificado de bitcoins); (ii) na conveniência da investigação/instrução criminal (agravante não foi localizado e a sua prisão se faz necessária para esclarecimento dos fatos, uma vez que os ativos digitais não são rastreáveis). Há, portanto, adequação aos requisitos legais que autorizam a prisão temporária.
3. Condições subjetivas favoráveis não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes.
4. Agravo regimental conhecido e não provido. | PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA E FURTO QUALIFICADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. DECISÃO MONOCRÁTICA. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ESCLARECIMENTO DOS FATOS. CONVENIÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL E INSTRUÇÃO CRIMINAL. AGRAVANTE NÃO LOCALIZADO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO. | 1. A defesa se insurge contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus mas, analisando o mérito de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal e recomendou, ao Juízo processante, a reanálise da prisão.
2. As decisões que decretaram/mantiveram a prisão temporária do agravante estão fundamentadas no (i) modus operandi e gravidade concreta do delito (suposto envolvimento na prática do crime de furto qualificado de bitcoins); (ii) na conveniência da investigação/instrução criminal (agravante não foi localizado e a sua prisão se faz necessária para esclarecimento dos fatos, uma vez que os ativos digitais não são rastreáveis). Há, portanto, adequação aos requisitos legais que autorizam a prisão temporária.
3. Condições subjetivas favoráveis não são impeditivas à decretação da prisão cautelar, caso estejam presentes os requisitos autorizadores da referida segregação. Precedentes.
4. Agravo regimental conhecido e não provido. | N |
145,611,936 | EMENTA
HABEAS CORPUS. AMEAÇA. REGIME PRISIONAL INICIALMENTE SEMIABERTO. PENA-BASE APLICADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, ANTE A EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. MAUS ANTECEDENTES. PENA DEFINITIVA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. WRIT NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Na hipótese, a pena-base foi aplicada acima do mínimo legal, pela existência de circunstância judicial negativa, qual seja, maus antecedentes, o que resultou em uma pena definitiva inferior 4 anos de reclusão. Está justificada, assim, a fixação de regime prisional inicialmente semiaberto, nos termos do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º e art. 59 do Código Penal.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ fls. 230/243) interposto por CLEVERSON MIGUEL SEABRA contra a decisão de minha lavra (e-STJ fls. 219/223), pela qual não conheci do habeas corpus.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, pelo juízo de primeiro grau, às penas de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime prisional inicialmente semiaberto, pela prática do delito previsto no art.147 do Código Penal, em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei n.11.340/2006 (Violência Doméstica) (e-STJ fls. 138/141).
A defesa apelou e Tribunal a quo negou provimento ao recurso (e-STJ fls. 201/216), por acórdão assim ementado:
APELAÇÃO - AMEAÇA - ART. 147 DO CP - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DETENÇÃO INFERIOR A QUATRO ANOS - PRIMARIEDADE - CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL - REGIME INICIAL - ART. 33, §.3.º, "C", DO CP - SEMIABERTO IMPOSITIVO. RECURSO DESPROVIDO.
I- Em atenção ao disposto pelo artigo 33, § 3.º, letra "c", do Código Penal, inobstante a primariedade do agente e o fato de a pena ser inferior a quatro anos de reclusão, deve-se impor o regime semiaberto sempre que houver circunstância judicial desfavorável.
II - Recurso desprovido. De acordo com o parecer.
Nas razões deste habeas corpus (e-STJfls. 3/13), alega aimpetrante a existência de constrangimento ilegal em razão da manutenção do regime prisional inicialmente semiaberto, ao fundamento de que a imposição do regime diverso do aberto é ilegal, porquanto viola o princípio da individualização da pena.
Diante disso, liminarmente e no mérito, requer a concessão da ordem para que seja fixado o regime prisional inicialmente aberto.
Neste agravo regimental, o agravante insurge-se contra a aplicação ao caso do disposto no art. 34, inciso XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o qual permitiu o julgamento da impetração por decisão monocrática. No mérito, reitera os argumentos apresentados na exordial, requerendo a reconsideração da decisão monocrática, ou a remessa dos autos para julgamento pelo Colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Não obstante as razões deduzidas neste agravo regimental pela combativa defesa, não vejo como dar provimento ao recurso.
Busca-se, no caso, a fixação de regime prisional inicialmente mais brando.
Quanto ao tema, as instâncias ordinárias ressaltaram a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ante a existência de maus antecedentes (e-STJ fls. 202/203).
Com efeito, a existência de circunstância judicial desfavorável é fundamento válido para a aplicação de regime inicial mais gravoso do que o definido pelo patamar da pena, nos termos do previsto no art. 33, § 2º, do Código Penal.
Nesse sentido, confiram-se:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO. DOSIMETRIA. EMPREGO DE ARMA BRANCA. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. VÍTIMA GRÁVIDA. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE. INEXISTÊNCIA DE ATENUANTE A SER COMPENSADA COM A AGRAVANTE. ROUBO SIMPLES. OFENSA À SÚMULA 443/STJ NÃO EVIDENCIADA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. FIXAÇÃO DO REGIME PRISIONAL FECHADO MANTIDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos moldes do reconhecido no decisum ora impugnado, com o advento da Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que revogou o inciso I do artigo 157 do CP, o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como majorante, a justificar o incremento da reprimenda na terceira fase do cálculo dosimétrico, sendo, porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial desabonadora, nos moldes do reconhecido no acórdão ora impugnado. No caso, descabe falar em arbitrariedade na exasperação da básica a título de culpabilidade, pois o emprego de arma branca na senda criminosa demonstra maior índice de reprovação da conduta praticada pelo réu.
2. Quanto à agravante do art. 61, II, "h", do CP, o crime foi praticado contra mulher grávida, o que justifica o incremento da pena intermediária. Além disso, considerando se tratar de agravante de natureza objetiva, ela deve ser aplicada, independentemente do conhecimento do estado gravídico da vítima pelo réu. Aplica-se, ao caso, o entendimento desta Corte sobre a agravante etária, a qual, inclusive, foi estabelecida na mesma alínea.
3. Não tendo sido reconhecida a presença de atenuante, descabe falar em compensação na segunda fase da dosimetria.
4. Se a pena permaneceu inalterada na etapa derradeira do cálculo dosimétrico, pois o réu foi condenado pela prática de roubo simples, não se pode falar em ofensa à Súmula 443/STJ.
5. Estabelecida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavoravelmente valorada circunstância do art. 59 do Estatuto Repressor, admite-se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu.
6. Agravo regimental desprovido(AgRg no HC 582.200/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 4/8/2020, DJe 13/8/2020).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO. CRIME COMETIDO EM 24/1/2019. EMPREGO DE ARMA BRANCA. FUNDAMENTO UTILIZADO PARA FIXAR A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CABÍVEL O REGIME INICIAL FECHADO, EM RAZÃO DA PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. "Embora o emprego de arma branca tenha deixado de configurar causa de aumento de pena entre a vigência da Lei n. 13.654/2018 e o advento da Lei n. 13.964/2019, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de ser possível a utilização dessa circunstância para efeito de exasperar a pena-base" (AgRg no HC 563.219/SP, Rel.Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/3/2020, DJe 18/3/2020).
2. Tendo em vista a pena fixada - 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão - e a existência de circunstância judicial desfavorável, é cabível a fixação do regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal.
3. Agravo desprovido(AgRg no HC 574.339/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe 3/6/2020).
"HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1.º DO ART.2.º DA LEI N.º 8.072/1990. ADEQUAÇÃO AO PRECEITO CONTIDO NO ART. 33 C.C. O ART. 59, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. CABÍVEL O REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
2. Na hipótese, a quantidade e a qualidade da droga - circunstâncias judiciais desfavoráveis - e a fixação da pena em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão justificam o regime inicial semiaberto.
3. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sufragado o entendimento de que, embora a sanção final seja inferior a 4 anos de reclusão e o réu seja primário, a existência de circunstância judicial desfavorável, concretamente motivada, justifica a fixação de regime inicial semiaberto e o indeferimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos" (AgRg no REsp 1.395.738/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 11/9/2018, DJe 25/9/2018).
4. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, confirmando a liminar, fixar o regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada ao Paciente" (HC 481.197/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 2/4/2019, DJe 24/4/2019).
No caso, tendo em vista a fixação de pena inferior a 4 anos, ante a existência de circunstância judicial negativa, correta a fixação do regime prisional inicialmente semiaberto. Portanto, a pretensão formulada encontra óbice em previsão legal e na jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ fls. 230/243) interposto por CLEVERSON MIGUEL SEABRA contra a decisão de minha lavra (e-STJ fls. 219/223), pela qual não conheci do habeas corpus.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, pelo juízo de primeiro grau, às penas de 1 mês e 10 dias de detenção, em regime prisional inicialmente semiaberto, pela prática do delito previsto no art.147 do Código Penal, em situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Lei n.11.340/2006 (Violência Doméstica) (e-STJ fls. 138/141).
A defesa apelou e Tribunal a quo negou provimento ao recurso (e-STJ fls. 201/216), por acórdão assim ementado:
APELAÇÃO - AMEAÇA - ART. 147 DO CP - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DETENÇÃO INFERIOR A QUATRO ANOS - PRIMARIEDADE - CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL - REGIME INICIAL - ART. 33, §.3.º, "C", DO CP - SEMIABERTO IMPOSITIVO. RECURSO DESPROVIDO.
I- Em atenção ao disposto pelo artigo 33, § 3.º, letra "c", do Código Penal, inobstante a primariedade do agente e o fato de a pena ser inferior a quatro anos de reclusão, deve-se impor o regime semiaberto sempre que houver circunstância judicial desfavorável.
II - Recurso desprovido. De acordo com o parecer.
Nas razões deste habeas corpus (e-STJfls. 3/13), alega aimpetrante a existência de constrangimento ilegal em razão da manutenção do regime prisional inicialmente semiaberto, ao fundamento de que a imposição do regime diverso do aberto é ilegal, porquanto viola o princípio da individualização da pena.
Diante disso, liminarmente e no mérito, requer a concessão da ordem para que seja fixado o regime prisional inicialmente aberto.
Neste agravo regimental, o agravante insurge-se contra a aplicação ao caso do disposto no art. 34, inciso XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o qual permitiu o julgamento da impetração por decisão monocrática. No mérito, reitera os argumentos apresentados na exordial, requerendo a reconsideração da decisão monocrática, ou a remessa dos autos para julgamento pelo Colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Não obstante as razões deduzidas neste agravo regimental pela combativa defesa, não vejo como dar provimento ao recurso.
Busca-se, no caso, a fixação de regime prisional inicialmente mais brando.
Quanto ao tema, as instâncias ordinárias ressaltaram a presença de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ante a existência de maus antecedentes (e-STJ fls. 202/203).
Com efeito, a existência de circunstância judicial desfavorável é fundamento válido para a aplicação de regime inicial mais gravoso do que o definido pelo patamar da pena, nos termos do previsto no art. 33, § 2º, do Código Penal.
Nesse sentido, confiram-se:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO. DOSIMETRIA. EMPREGO DE ARMA BRANCA. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. VÍTIMA GRÁVIDA. INCIDÊNCIA DA AGRAVANTE. INEXISTÊNCIA DE ATENUANTE A SER COMPENSADA COM A AGRAVANTE. ROUBO SIMPLES. OFENSA À SÚMULA 443/STJ NÃO EVIDENCIADA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. FIXAÇÃO DO REGIME PRISIONAL FECHADO MANTIDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Nos moldes do reconhecido no decisum ora impugnado, com o advento da Lei n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que revogou o inciso I do artigo 157 do CP, o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como majorante, a justificar o incremento da reprimenda na terceira fase do cálculo dosimétrico, sendo, porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial desabonadora, nos moldes do reconhecido no acórdão ora impugnado. No caso, descabe falar em arbitrariedade na exasperação da básica a título de culpabilidade, pois o emprego de arma branca na senda criminosa demonstra maior índice de reprovação da conduta praticada pelo réu.
2. Quanto à agravante do art. 61, II, "h", do CP, o crime foi praticado contra mulher grávida, o que justifica o incremento da pena intermediária. Além disso, considerando se tratar de agravante de natureza objetiva, ela deve ser aplicada, independentemente do conhecimento do estado gravídico da vítima pelo réu. Aplica-se, ao caso, o entendimento desta Corte sobre a agravante etária, a qual, inclusive, foi estabelecida na mesma alínea.
3. Não tendo sido reconhecida a presença de atenuante, descabe falar em compensação na segunda fase da dosimetria.
4. Se a pena permaneceu inalterada na etapa derradeira do cálculo dosimétrico, pois o réu foi condenado pela prática de roubo simples, não se pode falar em ofensa à Súmula 443/STJ.
5. Estabelecida a pena-base acima do mínimo legal, por ter sido desfavoravelmente valorada circunstância do art. 59 do Estatuto Repressor, admite-se a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu.
6. Agravo regimental desprovido(AgRg no HC 582.200/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 4/8/2020, DJe 13/8/2020).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO. CRIME COMETIDO EM 24/1/2019. EMPREGO DE ARMA BRANCA. FUNDAMENTO UTILIZADO PARA FIXAR A PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CABÍVEL O REGIME INICIAL FECHADO, EM RAZÃO DA PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. "Embora o emprego de arma branca tenha deixado de configurar causa de aumento de pena entre a vigência da Lei n. 13.654/2018 e o advento da Lei n. 13.964/2019, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de ser possível a utilização dessa circunstância para efeito de exasperar a pena-base" (AgRg no HC 563.219/SP, Rel.Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/3/2020, DJe 18/3/2020).
2. Tendo em vista a pena fixada - 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão - e a existência de circunstância judicial desfavorável, é cabível a fixação do regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2.º e 3.º, do Código Penal.
3. Agravo desprovido(AgRg no HC 574.339/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe 3/6/2020).
"HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. OBRIGATORIEDADE DO REGIME INICIAL FECHADO. INCONSTITUCIONALIDADE DO § 1.º DO ART.2.º DA LEI N.º 8.072/1990. ADEQUAÇÃO AO PRECEITO CONTIDO NO ART. 33 C.C. O ART. 59, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. CABÍVEL O REGIME INICIAL SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n.º 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o disposto no art. 33, c.c. o art. 59, ambos do Código Penal.
2. Na hipótese, a quantidade e a qualidade da droga - circunstâncias judiciais desfavoráveis - e a fixação da pena em 1 (um) ano e 8 (oito) meses de reclusão justificam o regime inicial semiaberto.
3. "A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem sufragado o entendimento de que, embora a sanção final seja inferior a 4 anos de reclusão e o réu seja primário, a existência de circunstância judicial desfavorável, concretamente motivada, justifica a fixação de regime inicial semiaberto e o indeferimento da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos" (AgRg no REsp 1.395.738/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 11/9/2018, DJe 25/9/2018).
4. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, confirmando a liminar, fixar o regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade aplicada ao Paciente" (HC 481.197/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 2/4/2019, DJe 24/4/2019).
No caso, tendo em vista a fixação de pena inferior a 4 anos, ante a existência de circunstância judicial negativa, correta a fixação do regime prisional inicialmente semiaberto. Portanto, a pretensão formulada encontra óbice em previsão legal e na jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
HABEAS CORPUS. AMEAÇA. REGIME PRISIONAL INICIALMENTE SEMIABERTO. PENA-BASE APLICADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, ANTE A EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. MAUS ANTECEDENTES. PENA DEFINITIVA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. WRIT NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Na hipótese, a pena-base foi aplicada acima do mínimo legal, pela existência de circunstância judicial negativa, qual seja, maus antecedentes, o que resultou em uma pena definitiva inferior 4 anos de reclusão. Está justificada, assim, a fixação de regime prisional inicialmente semiaberto, nos termos do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º e art. 59 do Código Penal.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. | HABEAS CORPUS. AMEAÇA. REGIME PRISIONAL INICIALMENTE SEMIABERTO. PENA-BASE APLICADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL, ANTE A EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. MAUS ANTECEDENTES. PENA DEFINITIVA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. WRIT NÃO CONHECIDO. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. | 1. Na hipótese, a pena-base foi aplicada acima do mínimo legal, pela existência de circunstância judicial negativa, qual seja, maus antecedentes, o que resultou em uma pena definitiva inferior 4 anos de reclusão. Está justificada, assim, a fixação de regime prisional inicialmente semiaberto, nos termos do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º e art. 59 do Código Penal.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
145,178,283 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. APREENSÃO DE 30kg DE COCAÍNA. DOMICILIAR. FILHOS COM IDADE SUPERIOR A 12 ANOS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No caso, prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade social da paciente, flagrada transportandocerca de 30kg de cocaína em um trailer procedente de Corumbá/MS com destino ao Rio de Janeiro. Ademais, a paciente não preenche os requisitos legais quanto à prisão domiciliar, porquanto suas filhas são maiores de 12 anos. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por SARA CECÍLIA CASTRO NORENA contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus (e-STJ fls. 71/81).
Segundo consta dos autos, a paciente foi presa em flagrante no dia 26/8/2021 (prisão convertida em preventiva), pela suposta prática dos delitos tipificados nos artigos 33 e 35, ambos c/c artigo 40, V, todos da Lei 11.343/2006, n/f, artigo 69, do Código Penal, porque (e-STJ fl. 50)
.. os denunciados, de forma livre e consciente, em perfeita comunhão de ações e desígnios, transportavam e traziam consigo, para fins de tráfico, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 3.000g (três mil gramas) de pó branco amarelado, distribuídos no interior de 30 (trinta) tabletes medindo cerca de 20 cm de comprimento por 10 cm de largura, por 3 cm de espessura envoltos em filmes plásticos adesivos, identificado como sendo cloridrato de cocaína.
Nas razões do presente recurso, a defesa alega que a liberdade da agravante não oferece risco à ordem pública, notadamente porque é primária e tem residência fixa. Argumenta que a acusada teria negado a participação no crime, dizendo que não saber que a droga estaria sendo transportada pelo seu marido, ressaltando que estaria caracterizada a condição de "mula de tráfico".
No mais, entende que a prisão é desnecessária, não encontra suporte na norma processual penal (art. 312 do CPP), o delito não envolveu violência ou grave ameaça e que a paciente é mãe de crianças menores que carecem dos cuidados da mãe, o que indicaria a possibilidade de deferimento da prisão domiciliar ou de outras medidas cautelares mais brandas.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo Colegiado para conceder a ordem de soltura, mediante medidas cautelares mais brandas, ou o deferimento da prisão domiciliar.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede dehabeas corpuse de recurso emhabeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio dohabeas corpusconstituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem dehabeas corpusapenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 comstatusde princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior doParquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional,homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aoshabeas corpuse garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocráticodowritantes da ouvida doParquetem casosde jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
No que concerne ao conhecimento da impetração, o Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva dohabeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e aeficácia domandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SC, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Assim, de início, incabível o presentehabeas corpussubstitutivo de recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Busca-se, no presentehabeas corpus, a soltura da paciente, presa por tráfico de drogas em caráter interestadual, ouo deferimento da prisãodomiciliar.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência depericulum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão(HC nº137.066/PE, Rel.Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 13/3/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 2/9/2014, DJe 10/10/2014;RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/6/1999, DJU 13/8/1999; eRHC n. 97.893/RR, Rel.Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019;HC n. 503.046/RN, Rel.Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem aimprescindibilidadeda medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel.Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015;HC n. 296.543/SP, Rel.Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 47/48):
A presente prisão em flagrante foi efetuada dentro dos ditames legais previsto no art. 302, do CPP.
Com efeito, à luz dos elementos informativos contidos na comunicação da Prisão em Flagrante, entendo que a Prisão Preventiva deverá ser decretada para a garantia da ordem pública, bem como para garantir a instrução criminal e assegurar aplicação da Lei Penal.
O "fumus comissi delicti" decorre da materialidade delitiva e dos indícios de autoria comprovados através dos depoimentos colhidos em sede policial e laudo pericial.
O "periculum in libertatis" decorre da necessidade de se assegurar a aplicação de eventual sanção penal, bem como para a garantia da ordem pública, considerando-se a reprovabilidade in concreto das supostas condutas dos agentes, em razão da apreensão de significante quantidade de entorpecentes de altíssimo poder lesivo,notadamente, 30kg, distribuídos em 30 tabletes.
Segundo os relatos,os policiais abordaram o veículo dos custodiados, que estavam vindo do Estado de São Paulo e, com o auxílio de cães farejadores, foram localizados em uma parede falsa, localizada nos fundos do trailer, 30 (trinta) tabletes de pasta base de cocaína. O custodiado JAVIER relatou aos agentes que pegou o referido trailer de um boliviano em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, para levar até a Avenida Brasil, onde outros indivíduos, pegariam as drogas.
Embora não se trate de crime cometido mediante violência ou grave ameaça, é despiciendo ressaltar que o delito de tráfico é dotado de grande rejeição social, já que dele decorrem graves cenas de violência urbana em razão dos conflitos entre os traficantes para a obtenção e reafirmação da primazia de determinado grupo, bem como em razão dos efeitos nefastos das drogas para a saúde dos usuários.
Além disso, majorada a reprovabilidade no caso em razão da QUANTIDADE DO MATERIAL TRANSPORTADO e pela CARÁTER INTERESTADUAL, apto a abastecer as organizações criminosas que atuam na localidade por longo período de tempo.
É de se ressaltar que os fundamentos da prisão cautelar não guardam qualquer similaridade com os fundamentos da prisão por cumprimento de pena. Assim, o novel "princípio da homogeneidade" não tem aplicação pratica nenhuma. Havendo, como há, risco, aos direitos sociais previstos no artigo 312 do CPP, deverá ser decretada a prisão provisória, independentemente de qualquer pretensão premonitória sobre o resultado de eventual processo, que sequer teve início. Por fim, não merece ser acolhido o pedido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar para a custodiada.
Em que pese o art. 318-A, do CPP, determinar a mencionada substituição, deve-se ressaltar que os Tribunais Superiores entendem que tal benesse deve ser aplicada de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais das indiciadas, a fim de não violar outros preceitos constitucionais, notadamente o princípio da proteção integral à criança.
Destacando-se, ainda, que a pretensão de tal dispositivo legal é a proteção da criança, assegurando a presença de sua genitora, e não conferir um direito para praticar crimes graves de forma reiterada.
O Supremo Tribunal Federal, no HC 143.641, ao versar sobre a mencionada substituição por prisão domiciliar, ressalta que a prisão preventiva pode ser decretada desde fundamentada a excepcionalidade da prisão.
Pois bem, no presente caso, entendo que a segregação se faz plenamente necessária, devendo-se levar em consideração a farta quantidade de material entorpecente, 30 kg de cocaína, bem como por estar em "pasta base", o que pode render mais e sustentar o tráfico local por vasto período de tempo. Ainda, deve-se consignar que o transporte dos entorpecentes se deu em caráter interestadual, já que a origem da viagem se deu em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde pegaram um trailer deum boliviano.
Por fim, ressalta-se que a custodiada é estrangeira, sem qualquer vínculo com o país, residindo no Rio de Janeiro há pouquíssimo tempo, bem como a declaração acostada às fls. 59 não servem para comprovar o local de sua residência.
Por conta de todo o exposto, por entender que as Medidas Cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não se mostram suficientes para garantir a tutela jurisdicional que deverá ser prestada, indefiro o pedido de liberdade provisória e converto a prisão em flagrante preventiva, uma vez que estão presentes os requisitos previstos no art. 312 e 313, inciso I, ambos do Código de Processo Penal. Expeça-se mandado de prisão.
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 31/41):
Não se verifica qualquer abuso, ilegalidade ou erronia nas decisões acima transcritas, eis que devidamente fundamentas na garantia da ordem pública, estando presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
O risco à ordem pública é evidente diante da grande quantidade droga encontrada, como bem destaca a magistrada (30kg, distribuídos em 30 tabletes de cocaína),o que denota uma maior reprovabilidade da conduta da paciente.
..
Veja-se que a decisão vergastada, além de asseverar a grande quantidade de entorpecente encontrada (30kg de cocaína), ainda destaca um modus operandi do delito, a revelar de forma mais contundente a gravidade concreta da conduta praticada e a periculosidade dos agentes, quandodescreve um tráfico interestadual, pois viagem se deu em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde a paciente e o corréu pegaram um trailer de um boliviano, para que seguissem até a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, onde outros indivíduos pegariam as drogas.
A denúncia descreve o atuar dos agentes:
.. Segundo consta dos autos, no dia dos fatos, policiais rodoviários realizavam fiscalização de rotina na precitada rodovia, quando avistaram um veículo com um trailer acoplado parar em um posto de combustíveis e decidiram abordar seu condutor, ora denunciado. A denunciada, esposa do denunciado, ocupava o banco do carona. O denunciado Javier aparentou nervosismo ao ser perquirido sobre o motivo e o destino da viagem e, assim, os agentes iniciaram buscas no trailer transportado, porém só encontraram objetos pessoais dos denunciados.
Dessa forma, a equipe policial se deslocou para a Superintendência da PRF para realizar buscas mais aprofundadas. Com a utilização de cães farejadores daquela instituição e da CORE, os agentes encontraram 3kg (três quilos) de cocaína em uma parede do trailer com fundo falso. Indagado, o denunciado confessou o transporte das drogas, as quais seriam entregues a um indivíduo ainda não identificado, que os encontraria na Avenida Brasil. A denunciada admitiu que eles retornavam da cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.
O denunciado confessou informalmente aos policiais que esperava receber cerca de cinco mil dólares pelo transporte das drogas.(Anexo 1 -doc. 000006).
A grande quantidade apreendida, o tráfico interestadual praticado, além do fato de que a paciente é estrangeira, residindo no Rio de Janeiro há pouquíssimo tempo, justificam a manutenção da custódia, diante do risco à ordem pública.
Os demais argumentos, como o desconhecimento do entorpecente transportado, a qualidade de ser "mula" e a penúria econômica são matérias relativas ao mérito, dependendo de exame do acervo fático-probatório, o que não pode ser apreciado em Habeas Corpus, ainda mais sede liminar.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
..
No que se refere à alegação de falta de proporcionalidade e homogeneidade entre a custódia e o resultado final do processo, melhor sorte também não assiste ao impetrante.
Não se pode, em juízo de cognição sumária, em um exercício de futurologia, presumir que a paciente fará jus à substituição da pena ou a fixação de regime mais brando. Somente a conclusão da instrução criminal será capaz de revelar qual será a pena adequada e o regime ideal para o seu cumprimento. Dessa forma, a prisão da paciente não ofende o referido princípio.
..
Como bem ressaltado na decisão vergastada,as filhas da paciente são maiores de 12 anos, consoante se depreende dos documentos acostados a este writ, onde se vê que possuem como data de nascimento 5/1/2006(anexo 1-doc.000010 e 000016) e 06/05/2009 (Anexo 1-doc.000014),respectivamente, não cabendo a aplicação do art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal.
Da mesma forma, a Lei nº 13.769/2018, em seu art. 318-A - citada pela magistrada- dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, não ficando demonstrando nos autos qualquer deficiência a indicar a imprescindibilidade dos cuidados da genitora com as filhas.
Observa-se que o avô está sendo o responsável pelos cuidados com as netas, com as quais já residia, mas também não restou demonstrado que o mesmo não tenha condições de prestar-lhes os devidos cuidados.
A vista do exposto, não vejo nas decisões que mantiveram a custódia, teratologia, abuso ou ilegalidade patente, a ponto de desconstituir a prisão da paciente. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível a sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
No caso, como visto, a prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade social da paciente, flagrada transportandocerca de 30kg de cocaína em um trailer boliviano, procedente de Corumbá/MS com destino ao Rio de Janeiro.
Sobre esse ponto, "O magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal preconiza que a grande quantidade de droga apreendida, entre outros aspectos, justifica a necessidade da custódia cautelar para a preservação da ordem pública. Precedentes". (RHC n. 116.709, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 11/6/2013, publicado em 23/8/2013)
Nessa perspectiva, também salientou o Parquet queo periculum libertatis se mostra absolutamente caracterizado como forma de garantia da ordem pública, diante da latente possibilidade de reiteração delitiva e da gravidade da conduta praticada pelos denunciados,ao transportar expressiva quantidade de drogas, em caráter interestadual, para abastecimento de facções criminosas destinadas ao tráfico de drogas em comunidades-grifei(e-STJ fl.53).
Portanto, mostra-se legítimo, no caso, o decreto de prisão preventiva, uma vez ter demonstrado, com base em dados empíricos, ajustados aos requisitos do art. 312 do CPP, o efetivo risco à ordem pública gerado pela permanência da liberdade.
Acerca da prisão domiciliar, dispõe o inciso V do art. 318 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.257/2016:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Sobreveio a Lei n. 13.769/2018, de 9/12/2018, introduzindo os artigos 318-A e 318-B no Código de Processo Penal:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.
Efetivamente, a novel legislação estabelece um poder-dever para o juiz substituir a prisão preventiva por domiciliar de gestante, mãe de criança menor de 12 anos e mulher responsável por pessoa com deficiência, sempre que apresentada prova idônea do requisito estabelecido na norma (art. 318, parágrafo único), ressalvadas as exceções legais.
Todavia, a normatização de apenas duas das exceções não afasta a efetividade do que foi decidido pelo Supremo noHabeas Corpusn. 143.641/SP, nos pontos não alcançados pela nova lei. O fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei não significa que o magistrado esteja proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais. Deve prevalecer a interpretação teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Com efeito, naquilo que a lei não regulou, o precedente da Suprema Corte deve continuar sendo aplicado, pois uma interpretação restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à criança ou ao deficiente, cuja proteção deve ser integral e prioritária.
Em todo caso, a separação excepcionalíssima da mãe de seu filho, com a decretação da prisão preventiva, somente pode ocorrer com a finalidade de afastar violação dos direitos do menor ou do deficiente, tendo em vista a força normativa da nova norma que regula o tema - Lei 13.769/2018, que inseriu os arts. 318-A e 318-B no Código de Processo Penal.
Na hipótese, o benefício não pode ser concedido considerando a paciente não preenche o requisito objetivo. Como registrado pelas instâncias ordinárias,embora seja mãe de filhas menores de idade, todas têm idade superior a 12 anos.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS.DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 182 DO STJ. PRISÃO DOMICILIAR. FILHA ADOLESCENTE. IDADE SUPERIOR A 12 ANOS. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.
1. Os recursos devem impugnar especificamente os fundamentos da decisão cuja reforma é pretendida, não sendo suficientes as alegações genéricas nem a reiteração dos argumentos referentes ao mérito da controvérsia.
2. A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão recorrida atrai, por analogia, a incidência da Súmula182 do STJ ("É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão gravada").
3. Indefere-se o pleito de prisão domiciliar à mãe de filho maior de 12 anos que não possui deficiência.
4. Agravo regimental parcialmente conhecido e desprovido.
(AgRg no HC 654.897/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe 28/6/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE EXTENSÃO. SUSTENTAÇÃO ORAL. NÃO CABIMENTO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E FINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO.PRISÃO DOMICILIAR DE MÃE CONCEDIDA. CORRÉ PLEITEIA EXTENSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL. FILHOS MAIORES DE 12 ANOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Há disposição expressa quanto ao não cabimento de sustentação oral nos julgamentos de recursos internos (art. 159 do Regimento Interno desta Corte e arts. 937 c.c 1021, ambos do Código de Processo Civil).
2. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que indeferiu o pedido de extensão dos benefícios da ordem, por ausência de similitude das situações jurídicas.
3. A teor do art. 580 do Código de Processo Penal, o deferimento do pedido de extensão exige que o corréu esteja na mesma condição fático-processual daquele já beneficiado.
4. No particular, a prisão domiciliar foi concedida à paciente- paradigma por ela possuir 2 filhos menores de 12 (doze) anos de idade, além de preencher os demais requisitos legais. As filhas da requerente, ora agravante, entretanto, são maiores de 12 (doze) anos (com 13 e 15 anos). Ausente a identidade de situação fático-processual entre a paciente beneficiada e a ora requerente, o pedido de extensão merece ser indeferido.
55. Fato pretérito - uma das filhas da agravante estava com 11 (onze) anos de idade à época da prisão (2018) - não preenche, no momento do pedido, o requisito legal previsto no art. 318, V do CPP para a concessão da prisão domiciliar (mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos). Inexiste direito adquirido ao benefício legal, como argumenta a defesa.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 666.623/PI, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe 21/6/2021)
Registre-se, ainda, que eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Mencione-se que "é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Agravante, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar" (AgRg no HC n. 127.486/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 5/5/2015, DJe 18/5/2015).
Do mesmo modo, segundo este Tribunal, "a presença de condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela" (HC n. 472.912/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em5/12/2019, DJe 17/12/2019).
Destarte, não visualizo constrangimento ilegal aparente em juízo de cognição sumária, logo, torna-se incabível a concessão dos benefícios postulados nestewrit.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por SARA CECÍLIA CASTRO NORENA contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus (e-STJ fls. 71/81).
Segundo consta dos autos, a paciente foi presa em flagrante no dia 26/8/2021 (prisão convertida em preventiva), pela suposta prática dos delitos tipificados nos artigos 33 e 35, ambos c/c artigo 40, V, todos da Lei 11.343/2006, n/f, artigo 69, do Código Penal, porque (e-STJ fl. 50)
.. os denunciados, de forma livre e consciente, em perfeita comunhão de ações e desígnios, transportavam e traziam consigo, para fins de tráfico, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, 3.000g (três mil gramas) de pó branco amarelado, distribuídos no interior de 30 (trinta) tabletes medindo cerca de 20 cm de comprimento por 10 cm de largura, por 3 cm de espessura envoltos em filmes plásticos adesivos, identificado como sendo cloridrato de cocaína.
Nas razões do presente recurso, a defesa alega que a liberdade da agravante não oferece risco à ordem pública, notadamente porque é primária e tem residência fixa. Argumenta que a acusada teria negado a participação no crime, dizendo que não saber que a droga estaria sendo transportada pelo seu marido, ressaltando que estaria caracterizada a condição de "mula de tráfico".
No mais, entende que a prisão é desnecessária, não encontra suporte na norma processual penal (art. 312 do CPP), o delito não envolveu violência ou grave ameaça e que a paciente é mãe de crianças menores que carecem dos cuidados da mãe, o que indicaria a possibilidade de deferimento da prisão domiciliar ou de outras medidas cautelares mais brandas.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo Colegiado para conceder a ordem de soltura, mediante medidas cautelares mais brandas, ou o deferimento da prisão domiciliar.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede dehabeas corpuse de recurso emhabeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio dohabeas corpusconstituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem dehabeas corpusapenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 comstatusde princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior doParquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional,homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aoshabeas corpuse garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocráticodowritantes da ouvida doParquetem casosde jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
No que concerne ao conhecimento da impetração, o Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva dohabeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e aeficácia domandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SC, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Assim, de início, incabível o presentehabeas corpussubstitutivo de recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Busca-se, no presentehabeas corpus, a soltura da paciente, presa por tráfico de drogas em caráter interestadual, ouo deferimento da prisãodomiciliar.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência depericulum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão(HC nº137.066/PE, Rel.Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 13/3/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 2/9/2014, DJe 10/10/2014;RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/6/1999, DJU 13/8/1999; eRHC n. 97.893/RR, Rel.Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019;HC n. 503.046/RN, Rel.Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem aimprescindibilidadeda medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel.Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015;HC n. 296.543/SP, Rel.Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 47/48):
A presente prisão em flagrante foi efetuada dentro dos ditames legais previsto no art. 302, do CPP.
Com efeito, à luz dos elementos informativos contidos na comunicação da Prisão em Flagrante, entendo que a Prisão Preventiva deverá ser decretada para a garantia da ordem pública, bem como para garantir a instrução criminal e assegurar aplicação da Lei Penal.
O "fumus comissi delicti" decorre da materialidade delitiva e dos indícios de autoria comprovados através dos depoimentos colhidos em sede policial e laudo pericial.
O "periculum in libertatis" decorre da necessidade de se assegurar a aplicação de eventual sanção penal, bem como para a garantia da ordem pública, considerando-se a reprovabilidade in concreto das supostas condutas dos agentes, em razão da apreensão de significante quantidade de entorpecentes de altíssimo poder lesivo,notadamente, 30kg, distribuídos em 30 tabletes.
Segundo os relatos,os policiais abordaram o veículo dos custodiados, que estavam vindo do Estado de São Paulo e, com o auxílio de cães farejadores, foram localizados em uma parede falsa, localizada nos fundos do trailer, 30 (trinta) tabletes de pasta base de cocaína. O custodiado JAVIER relatou aos agentes que pegou o referido trailer de um boliviano em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, para levar até a Avenida Brasil, onde outros indivíduos, pegariam as drogas.
Embora não se trate de crime cometido mediante violência ou grave ameaça, é despiciendo ressaltar que o delito de tráfico é dotado de grande rejeição social, já que dele decorrem graves cenas de violência urbana em razão dos conflitos entre os traficantes para a obtenção e reafirmação da primazia de determinado grupo, bem como em razão dos efeitos nefastos das drogas para a saúde dos usuários.
Além disso, majorada a reprovabilidade no caso em razão da QUANTIDADE DO MATERIAL TRANSPORTADO e pela CARÁTER INTERESTADUAL, apto a abastecer as organizações criminosas que atuam na localidade por longo período de tempo.
É de se ressaltar que os fundamentos da prisão cautelar não guardam qualquer similaridade com os fundamentos da prisão por cumprimento de pena. Assim, o novel "princípio da homogeneidade" não tem aplicação pratica nenhuma. Havendo, como há, risco, aos direitos sociais previstos no artigo 312 do CPP, deverá ser decretada a prisão provisória, independentemente de qualquer pretensão premonitória sobre o resultado de eventual processo, que sequer teve início. Por fim, não merece ser acolhido o pedido de substituição da prisão preventiva pela domiciliar para a custodiada.
Em que pese o art. 318-A, do CPP, determinar a mencionada substituição, deve-se ressaltar que os Tribunais Superiores entendem que tal benesse deve ser aplicada de acordo com a necessidade e com adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais das indiciadas, a fim de não violar outros preceitos constitucionais, notadamente o princípio da proteção integral à criança.
Destacando-se, ainda, que a pretensão de tal dispositivo legal é a proteção da criança, assegurando a presença de sua genitora, e não conferir um direito para praticar crimes graves de forma reiterada.
O Supremo Tribunal Federal, no HC 143.641, ao versar sobre a mencionada substituição por prisão domiciliar, ressalta que a prisão preventiva pode ser decretada desde fundamentada a excepcionalidade da prisão.
Pois bem, no presente caso, entendo que a segregação se faz plenamente necessária, devendo-se levar em consideração a farta quantidade de material entorpecente, 30 kg de cocaína, bem como por estar em "pasta base", o que pode render mais e sustentar o tráfico local por vasto período de tempo. Ainda, deve-se consignar que o transporte dos entorpecentes se deu em caráter interestadual, já que a origem da viagem se deu em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde pegaram um trailer deum boliviano.
Por fim, ressalta-se que a custodiada é estrangeira, sem qualquer vínculo com o país, residindo no Rio de Janeiro há pouquíssimo tempo, bem como a declaração acostada às fls. 59 não servem para comprovar o local de sua residência.
Por conta de todo o exposto, por entender que as Medidas Cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal não se mostram suficientes para garantir a tutela jurisdicional que deverá ser prestada, indefiro o pedido de liberdade provisória e converto a prisão em flagrante preventiva, uma vez que estão presentes os requisitos previstos no art. 312 e 313, inciso I, ambos do Código de Processo Penal. Expeça-se mandado de prisão.
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 31/41):
Não se verifica qualquer abuso, ilegalidade ou erronia nas decisões acima transcritas, eis que devidamente fundamentas na garantia da ordem pública, estando presentes os requisitos dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal.
O risco à ordem pública é evidente diante da grande quantidade droga encontrada, como bem destaca a magistrada (30kg, distribuídos em 30 tabletes de cocaína),o que denota uma maior reprovabilidade da conduta da paciente.
..
Veja-se que a decisão vergastada, além de asseverar a grande quantidade de entorpecente encontrada (30kg de cocaína), ainda destaca um modus operandi do delito, a revelar de forma mais contundente a gravidade concreta da conduta praticada e a periculosidade dos agentes, quandodescreve um tráfico interestadual, pois viagem se deu em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, onde a paciente e o corréu pegaram um trailer de um boliviano, para que seguissem até a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, onde outros indivíduos pegariam as drogas.
A denúncia descreve o atuar dos agentes:
.. Segundo consta dos autos, no dia dos fatos, policiais rodoviários realizavam fiscalização de rotina na precitada rodovia, quando avistaram um veículo com um trailer acoplado parar em um posto de combustíveis e decidiram abordar seu condutor, ora denunciado. A denunciada, esposa do denunciado, ocupava o banco do carona. O denunciado Javier aparentou nervosismo ao ser perquirido sobre o motivo e o destino da viagem e, assim, os agentes iniciaram buscas no trailer transportado, porém só encontraram objetos pessoais dos denunciados.
Dessa forma, a equipe policial se deslocou para a Superintendência da PRF para realizar buscas mais aprofundadas. Com a utilização de cães farejadores daquela instituição e da CORE, os agentes encontraram 3kg (três quilos) de cocaína em uma parede do trailer com fundo falso. Indagado, o denunciado confessou o transporte das drogas, as quais seriam entregues a um indivíduo ainda não identificado, que os encontraria na Avenida Brasil. A denunciada admitiu que eles retornavam da cidade de Corumbá, no Mato Grosso do Sul.
O denunciado confessou informalmente aos policiais que esperava receber cerca de cinco mil dólares pelo transporte das drogas.(Anexo 1 -doc. 000006).
A grande quantidade apreendida, o tráfico interestadual praticado, além do fato de que a paciente é estrangeira, residindo no Rio de Janeiro há pouquíssimo tempo, justificam a manutenção da custódia, diante do risco à ordem pública.
Os demais argumentos, como o desconhecimento do entorpecente transportado, a qualidade de ser "mula" e a penúria econômica são matérias relativas ao mérito, dependendo de exame do acervo fático-probatório, o que não pode ser apreciado em Habeas Corpus, ainda mais sede liminar.
Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
..
No que se refere à alegação de falta de proporcionalidade e homogeneidade entre a custódia e o resultado final do processo, melhor sorte também não assiste ao impetrante.
Não se pode, em juízo de cognição sumária, em um exercício de futurologia, presumir que a paciente fará jus à substituição da pena ou a fixação de regime mais brando. Somente a conclusão da instrução criminal será capaz de revelar qual será a pena adequada e o regime ideal para o seu cumprimento. Dessa forma, a prisão da paciente não ofende o referido princípio.
..
Como bem ressaltado na decisão vergastada,as filhas da paciente são maiores de 12 anos, consoante se depreende dos documentos acostados a este writ, onde se vê que possuem como data de nascimento 5/1/2006(anexo 1-doc.000010 e 000016) e 06/05/2009 (Anexo 1-doc.000014),respectivamente, não cabendo a aplicação do art. 318, inciso V, do Código de Processo Penal.
Da mesma forma, a Lei nº 13.769/2018, em seu art. 318-A - citada pela magistrada- dispõe que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, não ficando demonstrando nos autos qualquer deficiência a indicar a imprescindibilidade dos cuidados da genitora com as filhas.
Observa-se que o avô está sendo o responsável pelos cuidados com as netas, com as quais já residia, mas também não restou demonstrado que o mesmo não tenha condições de prestar-lhes os devidos cuidados.
A vista do exposto, não vejo nas decisões que mantiveram a custódia, teratologia, abuso ou ilegalidade patente, a ponto de desconstituir a prisão da paciente. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível a sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
No caso, como visto, a prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade social da paciente, flagrada transportandocerca de 30kg de cocaína em um trailer boliviano, procedente de Corumbá/MS com destino ao Rio de Janeiro.
Sobre esse ponto, "O magistério jurisprudencial do Supremo Tribunal preconiza que a grande quantidade de droga apreendida, entre outros aspectos, justifica a necessidade da custódia cautelar para a preservação da ordem pública. Precedentes". (RHC n. 116.709, Relator Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 11/6/2013, publicado em 23/8/2013)
Nessa perspectiva, também salientou o Parquet queo periculum libertatis se mostra absolutamente caracterizado como forma de garantia da ordem pública, diante da latente possibilidade de reiteração delitiva e da gravidade da conduta praticada pelos denunciados,ao transportar expressiva quantidade de drogas, em caráter interestadual, para abastecimento de facções criminosas destinadas ao tráfico de drogas em comunidades-grifei(e-STJ fl.53).
Portanto, mostra-se legítimo, no caso, o decreto de prisão preventiva, uma vez ter demonstrado, com base em dados empíricos, ajustados aos requisitos do art. 312 do CPP, o efetivo risco à ordem pública gerado pela permanência da liberdade.
Acerca da prisão domiciliar, dispõe o inciso V do art. 318 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 13.257/2016:
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I - maior de 80 (oitenta) anos;
II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV - gestante;
V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
Sobreveio a Lei n. 13.769/2018, de 9/12/2018, introduzindo os artigos 318-A e 318-B no Código de Processo Penal:
Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que:
I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.
Art. 318-B. A substituição de que tratam os arts. 318 e 318-A poderá ser efetuada sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 deste Código.
Efetivamente, a novel legislação estabelece um poder-dever para o juiz substituir a prisão preventiva por domiciliar de gestante, mãe de criança menor de 12 anos e mulher responsável por pessoa com deficiência, sempre que apresentada prova idônea do requisito estabelecido na norma (art. 318, parágrafo único), ressalvadas as exceções legais.
Todavia, a normatização de apenas duas das exceções não afasta a efetividade do que foi decidido pelo Supremo noHabeas Corpusn. 143.641/SP, nos pontos não alcançados pela nova lei. O fato de o legislador não ter inserido outras exceções na lei não significa que o magistrado esteja proibido de negar o benefício quando se deparar com casos excepcionais. Deve prevalecer a interpretação teleológica da lei, assim como a proteção aos valores mais vulneráveis. Com efeito, naquilo que a lei não regulou, o precedente da Suprema Corte deve continuar sendo aplicado, pois uma interpretação restritiva da norma pode representar, em determinados casos, efetivo risco direto e indireto à criança ou ao deficiente, cuja proteção deve ser integral e prioritária.
Em todo caso, a separação excepcionalíssima da mãe de seu filho, com a decretação da prisão preventiva, somente pode ocorrer com a finalidade de afastar violação dos direitos do menor ou do deficiente, tendo em vista a força normativa da nova norma que regula o tema - Lei 13.769/2018, que inseriu os arts. 318-A e 318-B no Código de Processo Penal.
Na hipótese, o benefício não pode ser concedido considerando a paciente não preenche o requisito objetivo. Como registrado pelas instâncias ordinárias,embora seja mãe de filhas menores de idade, todas têm idade superior a 12 anos.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTOS NÃO IMPUGNADOS.DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO RECURSAL. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA N. 182 DO STJ. PRISÃO DOMICILIAR. FILHA ADOLESCENTE. IDADE SUPERIOR A 12 ANOS. ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA.
1. Os recursos devem impugnar especificamente os fundamentos da decisão cuja reforma é pretendida, não sendo suficientes as alegações genéricas nem a reiteração dos argumentos referentes ao mérito da controvérsia.
2. A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão recorrida atrai, por analogia, a incidência da Súmula182 do STJ ("É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão gravada").
3. Indefere-se o pleito de prisão domiciliar à mãe de filho maior de 12 anos que não possui deficiência.
4. Agravo regimental parcialmente conhecido e desprovido.
(AgRg no HC 654.897/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 22/6/2021, DJe 28/6/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE EXTENSÃO. SUSTENTAÇÃO ORAL. NÃO CABIMENTO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E FINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO.PRISÃO DOMICILIAR DE MÃE CONCEDIDA. CORRÉ PLEITEIA EXTENSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICO-PROCESSUAL. FILHOS MAIORES DE 12 ANOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Há disposição expressa quanto ao não cabimento de sustentação oral nos julgamentos de recursos internos (art. 159 do Regimento Interno desta Corte e arts. 937 c.c 1021, ambos do Código de Processo Civil).
2. Agravo regimental interposto contra decisão monocrática que indeferiu o pedido de extensão dos benefícios da ordem, por ausência de similitude das situações jurídicas.
3. A teor do art. 580 do Código de Processo Penal, o deferimento do pedido de extensão exige que o corréu esteja na mesma condição fático-processual daquele já beneficiado.
4. No particular, a prisão domiciliar foi concedida à paciente- paradigma por ela possuir 2 filhos menores de 12 (doze) anos de idade, além de preencher os demais requisitos legais. As filhas da requerente, ora agravante, entretanto, são maiores de 12 (doze) anos (com 13 e 15 anos). Ausente a identidade de situação fático-processual entre a paciente beneficiada e a ora requerente, o pedido de extensão merece ser indeferido.
55. Fato pretérito - uma das filhas da agravante estava com 11 (onze) anos de idade à época da prisão (2018) - não preenche, no momento do pedido, o requisito legal previsto no art. 318, V do CPP para a concessão da prisão domiciliar (mulher com filho de até 12 anos de idade incompletos). Inexiste direito adquirido ao benefício legal, como argumenta a defesa.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 666.623/PI, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 15/6/2021, DJe 21/6/2021)
Registre-se, ainda, que eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Mencione-se que "é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Agravante, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar" (AgRg no HC n. 127.486/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 5/5/2015, DJe 18/5/2015).
Do mesmo modo, segundo este Tribunal, "a presença de condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela" (HC n. 472.912/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em5/12/2019, DJe 17/12/2019).
Destarte, não visualizo constrangimento ilegal aparente em juízo de cognição sumária, logo, torna-se incabível a concessão dos benefícios postulados nestewrit.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. APREENSÃO DE 30kg DE COCAÍNA. DOMICILIAR. FILHOS COM IDADE SUPERIOR A 12 ANOS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No caso, prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade social da paciente, flagrada transportandocerca de 30kg de cocaína em um trailer procedente de Corumbá/MS com destino ao Rio de Janeiro. Ademais, a paciente não preenche os requisitos legais quanto à prisão domiciliar, porquanto suas filhas são maiores de 12 anos. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. APREENSÃO DE 30kg DE COCAÍNA. DOMICILIAR. FILHOS COM IDADE SUPERIOR A 12 ANOS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No caso, prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal estadual em razão da periculosidade social da paciente, flagrada transportandocerca de 30kg de cocaína em um trailer procedente de Corumbá/MS com destino ao Rio de Janeiro. Ademais, a paciente não preenche os requisitos legais quanto à prisão domiciliar, porquanto suas filhas são maiores de 12 anos. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
4. Agravo regimental desprovido. | N |
145,250,087 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE DESNECESSIDADE DE EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS POSTOS EM HABEAS CORPUS JÁ DECIDIDO POR ESTA CORTE, EM DECISÃO QUE TRANSITOU EM JULGADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Cuida-se de agravo regimental interposto por ANDERSON GOMES SOARES contra decisão monocrática de minha lavra que indeferiu liminarmente o habeas corpus impetrado em seu favor.
Consta dos autos que o Juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de São José do Rio Preto/SP deferiu o pedido de livramento condicional ao sentenciado (e-STJ fls. 49/51) - Execução Penal n. 537.057.
O órgão ministerial estadual, insatisfeito, ingressou com Agravo em Execução, perante a Corte de origem. O Tribunal, assim, deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
1-) Agravo em Execução Penal. Concessão de livramento condicional. Irresignação do Ministério Público. Provimento do recurso, para revogar o livramento condicional deferido ao sentenciado, determinando-se a realização de exame criminológico para análise de novo pedido.
2-) Sentenciado que cumpriu lapso temporal necessário, ostenta bom comportamento carcerário, contudo, há dúvidas quanto ao cumprimento do requisito subjetivo, dado ter praticado falta disciplinar grave.
3-) Necessidade de submissão do sentenciado a exame criminológico. Diante da gravidade dos crimes praticados (roubos majorados) e prática de falta disciplinar grave, concernente a não retorno de saída temporária, recomenda-se que o Magistrado, antes de decidir sobre o mérito, determine a realização do exame criminológico para avaliar se o agravante possui aptidão psicológica e indicação concreta de que não voltará a delinquir, a ponto de demonstrar que está adapto para retornar ao convívio social.
4-) Recurso provido, com determinação.
(e-STJ fl. 23)
Em seu habeas corpus, a defesa se voltava contra acórdão do Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo em Execução Penal n. 7000039-61.2021.8.26.0576, o qual determinou a realização do examine criminológico, inclusive junta aos autos cópia da decisão de primeiro grau que defere o livramento condicional (e-STJ fl. 49/51).
Entretanto, contraditoriamente alegava o preenchimento dos requisitos da progressão de regime, bem como a desnecessidade de exame criminológico, e, ao final, requeria a manutenção da decisão de primeira instância que deferiu o livramento condicional.
Indeferi liminarmente o habeas corpus, por se tratar de reiteração de pedido já decido por esta Corte no HC n. 687.689/SP, decisão transitada em julgado em 24/08/2021.
No presente agravo regimental, a defesa do ora agravante insiste em que "não houve a prestação jurisdicional alegada, já que o Habeas Corpus anterior também foi liminarmente indeferido" (fl. 95).
Argumenta, ainda, haver ilegalidade em "face à decisão de se prender o Paciente para que seja submetido a exame criminológico quando já se encontra em regime aberto" (fl. 105).
No mais, repisa argumentos já postos na impetração.
Pede, assim, o provimento do regimental, para "conceder a ordem em Habeas Corpus de ofício, determinando ao juízo de piso que Anderson seja colocado em liberdade" (fl. 107).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus, nos seguintes termos:
Verifico que todos os argumentos postos na presente impetração constituem reprodução de argumentos já postos no Habeas Corpus n. 687.689/SP impetrado em favor do mesmo paciente, impugnando o mesmo acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual foi analisado exatamente o mesmo pleito formulado na presente impetração.
Neguei seguimento ao Habeas Corpus n. 687.689/SP, aos seguintes fundamentos:
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
No que concerne ao conhecimento da impetração, o Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SC, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
No caso, inicialmente, verifico ausência de instrução na inicial deste writ, tendo em vista constar no pedido a progressão ao regime semiaberto, embora na fundamentação conste que o paciente já se encontra no regime aberto, e ainda, o advogado tenha indicado como acórdão coator um voto que analisa o pedido de livramento condicional.
Contudo, não obstante a falta de clareza na redação do patrono, julgarei o assunto com base no conteúdo das decisões impugnadas juntadas, que se referem ao livramento condicional.
O Tribunal, discordando da decisão do Juízo das execuções, resolveu determinar a realização do exame criminológico, para análise do pedido de livramento, com base nos seguintes fundamentos, em essencial (e-STJ, fls. 12/16):
Infere-se no boletim informativo, que a pena foi cumprida no patamar de 48,909% (fls. 26). Ele tem "bom" comportamento carcerário (fls. 25). Há registro de uma (1) falta disciplinar de natureza grave, concernente a não retorno da saída temporária de dezembro/2018, tendo ocorrido a reabilitação em 15.4.2020 (fls. 30). .. Além disso, o agravante praticou falta disciplinar grave durante o período em que esteve no custodiado, concernente a não retorno de saída temporária (fls. 30). Demonstra, pois, que não convive bem em grupo. Na adversidade, não receia em infringir algum preceito normativo. .. A existência dessa falta disciplinar indica a falta de requisito subjetivo, não obstante tenha ocorrido a reabilitação, o executado mostra que tende a não acatar ordens, tendo uma personalidade desvirtuada. .. Portando, "in casu", recomenda-se que o Magistrado, antes de decidir sobre o mérito, determine a realização do exame criminológico para avaliar se o agravante possui aptidão psicológica e indicação concreta de que não voltará a delinquir, a ponto de demonstrar que está adapto usufruir do benefício do livramento condicional.
A legislação penal exige o bom comportamento carcerário da pena, como condição subjetiva para o livramento condicional, como outros fatores:
Código Penal:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: .. III - comprovado: a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto; IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; .. Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.
No caso concreto, constata-se, por meio da análise do voto condutor do acórdão impugnado, que o sentenciado praticou uma falta disciplinar grave, concernente ao não retorno de uma saída temporária, em dezembro de 2018.
Desse modo, não está preenchido o requisito subjetivo previsto no art. 83, III, "a", para a concessão do benefício, o que justifica, efetivamente, o indeferimento da benesse.
Tal entendimento encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada por esta Corte Superior de Justiça, no sentido de que a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime para o livramento condicional.
Nessa linha de entendimento, colaciono, a título exemplificativo, os seguintes precedentes, in verbis (grifei):
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FALTAS GRAVES. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. NÃO PREENCHIMENTO. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA.
1. Firmou-se, nesta Corte Superior, entendimento no sentido de que, conquanto não interrompa a contagem do prazo para fins de livramento condicional (enunciado n. 441 da Súmula do STJ), a prática de falta grave impede a concessão do aludido benefício, por evidenciar a ausência do requisito subjetivo exigido durante o resgate da pena, nos termos do art. 83, III, do Código Penal.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n.º 590.192/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 4/8/2020, DJe 13/8/2020).
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL. MAU COMPORTAMENTO CARCERÁRIO. REITERAÇÃO NO COMETIMENTO DE FALTAS DISCIPLINARES DE NATUREZA GRAVE. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a verificação, pelas instâncias ordinárias, de mau comportamento carcerário do Apenado, que praticou 21 faltas disciplinares de natureza grave durante a execução da pena, afasta o preenchimento do requisito subjetivo para a obtenção dos benefícios do livramento condicional e da progressão de regime.
2. Ordem de habeas corpus denegada.
(HC n.º 454.603/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 5/2/2019, DJe 20/2/2019).
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. MAU COMPORTAMENTO CARCERÁRIO. FALTAS GRAVES. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.
1. Espécie em que o Paciente cumpre, desde 20/10/2000, pena privativa de liberdade no total de 24 (vinte e quatro) anos, 7 (sete) meses e 23 (vinte e três dias) de reclusão.
2. Em 23/10/2017, o Juízo das Execuções Penais deferiu, ao Paciente, os pedidos de progressão ao regime semiaberto e livramento condicional. O decisum foi reformado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pois o Apenado empreendeu diversas fugas durante o cumprimento da pena, tendo permanecido 147 dias foragido, além de ter cometido novos delitos.
3. A verificação de mau comportamento carcerário ante a prática de faltas graves durante a execução da pena pode afastar o preenchimento do requisito subjetivo para o livramento condicional, obstando a concessão do benefício. Precedentes.
4. A ausência do requisito subjetivo está reforçada pela circunstância de que "o Apenado teve deferido o livramento condicional em 23/10/2017 e em 28/12/2017, foi preso em flagrante pela prática de roubo majorado" (fl. 174). Em apenas dois meses após ser beneficiado com livramento condicional, o Paciente voltou a cometer novo crime, cuja ação penal foi julgada procedente pelo Juízo da 10ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre no dia 18/7/2018 (Processo n.º 001/2.17.0112631- 0).
5. Ordem denegada.
(HC n.º 468.851/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 4/12/2018).
HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - EXECUÇÃO PENAL - LIVRAMENTO CONDICIONAL - AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO - ACÓRDÃO FUNDAMENTADO - COMETIMENTO PELO APENADO DE FALTAS DISCIPLINARES DE NATUREZA GRAVE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e este Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A prática de faltas graves durante a execução da pena, embora não interrompa o prazo para a obtenção do benefício do livramento condicional (requisito objetivo), pode afastar o preenchimento do requisito subjetivo, obstando a concessão da benesse.
3. Impende ressaltar, na espécie, que, conforme já decidido por esta Superior Corte de Justiça em hipótese similar a dos autos, a prática de faltas graves ""é indicativa da ausência de cumprimento do requisito subjetivo da progressão de regime. A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
4. Writ não conhecido
(HC n.º 400.744/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/9/2017, DJe 20/9/2017).
Ademais, para as infrações praticadas há mais de um ano ou já reabilitadas, destaco o seguinte precedente:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL INDEFERIDO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. FALTAS DISCIPLINARES MÉDIAS E GRAVES. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. LIMITAÇÃO DO PERÍODO DE AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. As faltas graves praticadas pelo apenado durante todo o cumprimento da pena, embora não interrompam a contagem do prazo para o livramento condicional, justificam o indeferimento do benefício por ausência do requisito subjetivo.
3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes.
4. O afastamento dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto ao mérito subjetivo do paciente demandaria o reexame de matéria fático-probatória, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus.
5. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 564.292/SP, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 23/6/2020).
De fato, conforme já decidiu esta Corte: "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n. 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
Ressalte-se, por fim, que é firme o posicionamento desta Corte Superior no sentido de ser inviável, em sede de habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
Incide, na espécie, a seguinte diretriz jurisprudencial, verbis:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. INDEFERIMENTO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL PELO JUIZ DAS EXECUÇÕES. AUSÊNCIA REQUISITO SUBJETIVO. DECISÃO FUNDAMENTADA. ACÓRDÃO DA CORTE ESTADUAL QUE DETERMINA A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
- Não há como conhecer de habeas corpus impetrado em substituição a recurso próprio (HC n.º 109.956, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe 11/9/2012). Verifica-se o pedido deduzido na impetração apenas no tocante à existência de flagrante ilegalidade que justifique a concessão da ordem de ofício.
- A decisão do Juiz das Execuções, parcialmente mantida pelo Tribunal a quo, indeferiu de forma fundamentada o pedido de progressão de regime, por entender que não estava preenchido o requisito subjetivo para obtenção do benefício, tendo sido destacado, além da gravidade extremada com que o crime de latrocínio foi praticado pelo apenado - contra duas vítimas fatais, que foram ameaçadas, forçadas a ingerir veneno, esfaqueadas e, por fim, tiveram seus corpos queimados -, seu desfavorável histórico prisional que registra a prática de falta grave, consistente na posse de aparelho de telefone celular dentro do presídio. Todavia, a Corte Estadual entendeu ser prudente a realização de exame criminológico para confirmar a situação atual do apenado. Dessa forma, a exigência de elaboração da referida perícia para verificar a aptidão do paciente ao regime mais brando mostra-se adequada ao caso concreto, não cabendo nenhum reparo ao acórdão atacado.
- É firme o posicionamento desta Corte Superior no sentido de ser inviável, em sede de habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 300.090/SP, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 28/8/2015).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. CASSAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. PACIENTE QUE RESPONDE A SINDICÂNCIA PELA PRÁTICA DE FALTA GRAVE. EXAME CRIMINOLÓGICO. RESULTADO CONSIDERADO DESFAVORÁVEL PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ILEGALIDADE FLAGRANTE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Legítima é a cassação da progressão de regime, a fim de que seja realizado exame criminológico, com base em fundamentos concretos, no caso pelo não preenchimento do requisito subjetivo em virtude, essencialmente, do fato de que o paciente responde a sindicância pela prática de falta grave e, ainda, em virtude do resultado do exame criminológico, tido como não inteiramente favorável ao paciente pelas instâncias ordinárias.
3. A estreita via do habeas corpus não se presta a contrariar o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias acerca do preenchimento ou não do requisito subjetivo, dada a necessidade de incursão na seara fáticoprobatória, insuscetível nesta sede. Precedentes.
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 304.130/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 16/10/2014, DJe 3/11/2014).
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. DECISÃO MOTIVADA EM DADOS CONCRETOS DA EXECUÇÃO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente - a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.
2. Não há se falar em constrangimento ilegal, visto que o Tribunal estadual, de forma fundamentada, justificou a necessidade da realização de exame criminológico com base em dados concretos aferidos durante a execução da pena, notadamente em razão das diversas faltas graves cometidas e também por ter praticado novo delito no gozo do beneficio de saída temporária anteriormente deferido, motivação que pesa de maneira desfavorável ao sentenciado.
3. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 291.844/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 27/5/2014, DJe 4/6/2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROGRESSÃO DE REGIME. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 439/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Indeferimento do pedido de progressão de regime e de livramento condicional baseado no exame criminológico com parecer desfavorável e no cometimento de falta grave. Ausência do preenchimento do requisito subjetivo pelo paciente.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 473.281/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, julgado em 24/4/2014, DJe 30/4/2014).
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO AO RECURSO APROPRIADO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL. DECISÃO MOTIVADA EM DADOS CONCRETOS DA EXECUÇÃO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA.
1. Os Tribunais Superiores restringiram o uso do habeas corpus e não mais o admitem como substitutivo de recursos, nem sequer para as revisões criminais.
2. Após a alteração no art. 112, da LEP, o exame criminológico deixou de ser imprescindível para a outorga do benefício pretendido, ressalvado, porém, ao Juízo das Execuções ou ao Tribunal, decidir, motivadamente, pela sua necessidade, conforme o teor da Súmula 439, do STJ.
3. O mesmo dispositivo exige, além do transcurso do lapso temporal, que o apenado ostente bom comportamento carcerário. No caso, o indeferimento do pedido de progressão de regime e de livramento condicional baseou-se no exame criminológico com parecer desfavorável, além dos delitos perpetrados e no cometimento de falta grave. Ausência do preenchimento do requisito subjetivo pelo paciente. Inexistência de constrangimento ilegal.
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 286.090/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, julgado em 11/3/2014, DJe 19/3/2014).
Assim, não restou configurada flagrante ilegalidade, hábil a ocasionar o deferimento, de ofício, da ordem postulada.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, nego seguimento ao presente habeas corpus.
Referida decisão transitou em julgado em 24/08/2021.
Forçoso, assim, reconhecer que já houve a prestação jurisdicional adequada ao caso concreto.
Ante o exposto, com fundamento no art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o presente habeas corpus.
Intimem-se.
Com efeito, "é pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido" (AgRg no HC n. 531.227/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/09/2019, DJe 18/09/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Cuida-se de agravo regimental interposto por ANDERSON GOMES SOARES contra decisão monocrática de minha lavra que indeferiu liminarmente o habeas corpus impetrado em seu favor.
Consta dos autos que o Juízo da Vara das Execuções Criminais da Comarca de São José do Rio Preto/SP deferiu o pedido de livramento condicional ao sentenciado (e-STJ fls. 49/51) - Execução Penal n. 537.057.
O órgão ministerial estadual, insatisfeito, ingressou com Agravo em Execução, perante a Corte de origem. O Tribunal, assim, deu provimento ao recurso, nos termos da seguinte ementa:
1-) Agravo em Execução Penal. Concessão de livramento condicional. Irresignação do Ministério Público. Provimento do recurso, para revogar o livramento condicional deferido ao sentenciado, determinando-se a realização de exame criminológico para análise de novo pedido.
2-) Sentenciado que cumpriu lapso temporal necessário, ostenta bom comportamento carcerário, contudo, há dúvidas quanto ao cumprimento do requisito subjetivo, dado ter praticado falta disciplinar grave.
3-) Necessidade de submissão do sentenciado a exame criminológico. Diante da gravidade dos crimes praticados (roubos majorados) e prática de falta disciplinar grave, concernente a não retorno de saída temporária, recomenda-se que o Magistrado, antes de decidir sobre o mérito, determine a realização do exame criminológico para avaliar se o agravante possui aptidão psicológica e indicação concreta de que não voltará a delinquir, a ponto de demonstrar que está adapto para retornar ao convívio social.
4-) Recurso provido, com determinação.
(e-STJ fl. 23)
Em seu habeas corpus, a defesa se voltava contra acórdão do Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo em Execução Penal n. 7000039-61.2021.8.26.0576, o qual determinou a realização do examine criminológico, inclusive junta aos autos cópia da decisão de primeiro grau que defere o livramento condicional (e-STJ fl. 49/51).
Entretanto, contraditoriamente alegava o preenchimento dos requisitos da progressão de regime, bem como a desnecessidade de exame criminológico, e, ao final, requeria a manutenção da decisão de primeira instância que deferiu o livramento condicional.
Indeferi liminarmente o habeas corpus, por se tratar de reiteração de pedido já decido por esta Corte no HC n. 687.689/SP, decisão transitada em julgado em 24/08/2021.
No presente agravo regimental, a defesa do ora agravante insiste em que "não houve a prestação jurisdicional alegada, já que o Habeas Corpus anterior também foi liminarmente indeferido" (fl. 95).
Argumenta, ainda, haver ilegalidade em "face à decisão de se prender o Paciente para que seja submetido a exame criminológico quando já se encontra em regime aberto" (fl. 105).
No mais, repisa argumentos já postos na impetração.
Pede, assim, o provimento do regimental, para "conceder a ordem em Habeas Corpus de ofício, determinando ao juízo de piso que Anderson seja colocado em liberdade" (fl. 107).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus, nos seguintes termos:
Verifico que todos os argumentos postos na presente impetração constituem reprodução de argumentos já postos no Habeas Corpus n. 687.689/SP impetrado em favor do mesmo paciente, impugnando o mesmo acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, no qual foi analisado exatamente o mesmo pleito formulado na presente impetração.
Neguei seguimento ao Habeas Corpus n. 687.689/SP, aos seguintes fundamentos:
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
No que concerne ao conhecimento da impetração, o Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SC, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso próprio. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
No caso, inicialmente, verifico ausência de instrução na inicial deste writ, tendo em vista constar no pedido a progressão ao regime semiaberto, embora na fundamentação conste que o paciente já se encontra no regime aberto, e ainda, o advogado tenha indicado como acórdão coator um voto que analisa o pedido de livramento condicional.
Contudo, não obstante a falta de clareza na redação do patrono, julgarei o assunto com base no conteúdo das decisões impugnadas juntadas, que se referem ao livramento condicional.
O Tribunal, discordando da decisão do Juízo das execuções, resolveu determinar a realização do exame criminológico, para análise do pedido de livramento, com base nos seguintes fundamentos, em essencial (e-STJ, fls. 12/16):
Infere-se no boletim informativo, que a pena foi cumprida no patamar de 48,909% (fls. 26). Ele tem "bom" comportamento carcerário (fls. 25). Há registro de uma (1) falta disciplinar de natureza grave, concernente a não retorno da saída temporária de dezembro/2018, tendo ocorrido a reabilitação em 15.4.2020 (fls. 30). .. Além disso, o agravante praticou falta disciplinar grave durante o período em que esteve no custodiado, concernente a não retorno de saída temporária (fls. 30). Demonstra, pois, que não convive bem em grupo. Na adversidade, não receia em infringir algum preceito normativo. .. A existência dessa falta disciplinar indica a falta de requisito subjetivo, não obstante tenha ocorrido a reabilitação, o executado mostra que tende a não acatar ordens, tendo uma personalidade desvirtuada. .. Portando, "in casu", recomenda-se que o Magistrado, antes de decidir sobre o mérito, determine a realização do exame criminológico para avaliar se o agravante possui aptidão psicológica e indicação concreta de que não voltará a delinquir, a ponto de demonstrar que está adapto usufruir do benefício do livramento condicional.
A legislação penal exige o bom comportamento carcerário da pena, como condição subjetiva para o livramento condicional, como outros fatores:
Código Penal:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: .. III - comprovado: a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto; IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; .. Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir.
No caso concreto, constata-se, por meio da análise do voto condutor do acórdão impugnado, que o sentenciado praticou uma falta disciplinar grave, concernente ao não retorno de uma saída temporária, em dezembro de 2018.
Desse modo, não está preenchido o requisito subjetivo previsto no art. 83, III, "a", para a concessão do benefício, o que justifica, efetivamente, o indeferimento da benesse.
Tal entendimento encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada por esta Corte Superior de Justiça, no sentido de que a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime para o livramento condicional.
Nessa linha de entendimento, colaciono, a título exemplificativo, os seguintes precedentes, in verbis (grifei):
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FALTAS GRAVES. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. NÃO PREENCHIMENTO. MOTIVAÇÃO SUFICIENTE. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA.
1. Firmou-se, nesta Corte Superior, entendimento no sentido de que, conquanto não interrompa a contagem do prazo para fins de livramento condicional (enunciado n. 441 da Súmula do STJ), a prática de falta grave impede a concessão do aludido benefício, por evidenciar a ausência do requisito subjetivo exigido durante o resgate da pena, nos termos do art. 83, III, do Código Penal.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC n.º 590.192/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 4/8/2020, DJe 13/8/2020).
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL. MAU COMPORTAMENTO CARCERÁRIO. REITERAÇÃO NO COMETIMENTO DE FALTAS DISCIPLINARES DE NATUREZA GRAVE. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a verificação, pelas instâncias ordinárias, de mau comportamento carcerário do Apenado, que praticou 21 faltas disciplinares de natureza grave durante a execução da pena, afasta o preenchimento do requisito subjetivo para a obtenção dos benefícios do livramento condicional e da progressão de regime.
2. Ordem de habeas corpus denegada.
(HC n.º 454.603/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 5/2/2019, DJe 20/2/2019).
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. MAU COMPORTAMENTO CARCERÁRIO. FALTAS GRAVES. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENEGADA.
1. Espécie em que o Paciente cumpre, desde 20/10/2000, pena privativa de liberdade no total de 24 (vinte e quatro) anos, 7 (sete) meses e 23 (vinte e três dias) de reclusão.
2. Em 23/10/2017, o Juízo das Execuções Penais deferiu, ao Paciente, os pedidos de progressão ao regime semiaberto e livramento condicional. O decisum foi reformado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pois o Apenado empreendeu diversas fugas durante o cumprimento da pena, tendo permanecido 147 dias foragido, além de ter cometido novos delitos.
3. A verificação de mau comportamento carcerário ante a prática de faltas graves durante a execução da pena pode afastar o preenchimento do requisito subjetivo para o livramento condicional, obstando a concessão do benefício. Precedentes.
4. A ausência do requisito subjetivo está reforçada pela circunstância de que "o Apenado teve deferido o livramento condicional em 23/10/2017 e em 28/12/2017, foi preso em flagrante pela prática de roubo majorado" (fl. 174). Em apenas dois meses após ser beneficiado com livramento condicional, o Paciente voltou a cometer novo crime, cuja ação penal foi julgada procedente pelo Juízo da 10ª Vara Criminal do Foro Central de Porto Alegre no dia 18/7/2018 (Processo n.º 001/2.17.0112631- 0).
5. Ordem denegada.
(HC n.º 468.851/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 13/11/2018, DJe 4/12/2018).
HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO PRÓPRIO - INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA - EXECUÇÃO PENAL - LIVRAMENTO CONDICIONAL - AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO - ACÓRDÃO FUNDAMENTADO - COMETIMENTO PELO APENADO DE FALTAS DISCIPLINARES DE NATUREZA GRAVE - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e este Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. A prática de faltas graves durante a execução da pena, embora não interrompa o prazo para a obtenção do benefício do livramento condicional (requisito objetivo), pode afastar o preenchimento do requisito subjetivo, obstando a concessão da benesse.
3. Impende ressaltar, na espécie, que, conforme já decidido por esta Superior Corte de Justiça em hipótese similar a dos autos, a prática de faltas graves ""é indicativa da ausência de cumprimento do requisito subjetivo da progressão de regime. A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
4. Writ não conhecido
(HC n.º 400.744/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/9/2017, DJe 20/9/2017).
Ademais, para as infrações praticadas há mais de um ano ou já reabilitadas, destaco o seguinte precedente:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL INDEFERIDO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLDO. FALTAS DISCIPLINARES MÉDIAS E GRAVES. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. LIMITAÇÃO DO PERÍODO DE AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. As faltas graves praticadas pelo apenado durante todo o cumprimento da pena, embora não interrompam a contagem do prazo para o livramento condicional, justificam o indeferimento do benefício por ausência do requisito subjetivo.
3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes.
4. O afastamento dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto ao mérito subjetivo do paciente demandaria o reexame de matéria fático-probatória, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus.
5. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 564.292/SP, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 23/6/2020).
De fato, conforme já decidiu esta Corte: "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n. 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
Ressalte-se, por fim, que é firme o posicionamento desta Corte Superior no sentido de ser inviável, em sede de habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
Incide, na espécie, a seguinte diretriz jurisprudencial, verbis:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. INDEFERIMENTO DE PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL PELO JUIZ DAS EXECUÇÕES. AUSÊNCIA REQUISITO SUBJETIVO. DECISÃO FUNDAMENTADA. ACÓRDÃO DA CORTE ESTADUAL QUE DETERMINA A REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
- Não há como conhecer de habeas corpus impetrado em substituição a recurso próprio (HC n.º 109.956, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, DJe 11/9/2012). Verifica-se o pedido deduzido na impetração apenas no tocante à existência de flagrante ilegalidade que justifique a concessão da ordem de ofício.
- A decisão do Juiz das Execuções, parcialmente mantida pelo Tribunal a quo, indeferiu de forma fundamentada o pedido de progressão de regime, por entender que não estava preenchido o requisito subjetivo para obtenção do benefício, tendo sido destacado, além da gravidade extremada com que o crime de latrocínio foi praticado pelo apenado - contra duas vítimas fatais, que foram ameaçadas, forçadas a ingerir veneno, esfaqueadas e, por fim, tiveram seus corpos queimados -, seu desfavorável histórico prisional que registra a prática de falta grave, consistente na posse de aparelho de telefone celular dentro do presídio. Todavia, a Corte Estadual entendeu ser prudente a realização de exame criminológico para confirmar a situação atual do apenado. Dessa forma, a exigência de elaboração da referida perícia para verificar a aptidão do paciente ao regime mais brando mostra-se adequada ao caso concreto, não cabendo nenhum reparo ao acórdão atacado.
- É firme o posicionamento desta Corte Superior no sentido de ser inviável, em sede de habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 300.090/SP, Rel. Ministro ERICSON MARANHO (Desembargador Convocado do TJ/SP), Sexta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 28/8/2015).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO CONCEDIDA EM PRIMEIRO GRAU. CASSAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. PACIENTE QUE RESPONDE A SINDICÂNCIA PELA PRÁTICA DE FALTA GRAVE. EXAME CRIMINOLÓGICO. RESULTADO CONSIDERADO DESFAVORÁVEL PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. ILEGALIDADE FLAGRANTE. INEXISTÊNCIA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia.
2. Legítima é a cassação da progressão de regime, a fim de que seja realizado exame criminológico, com base em fundamentos concretos, no caso pelo não preenchimento do requisito subjetivo em virtude, essencialmente, do fato de que o paciente responde a sindicância pela prática de falta grave e, ainda, em virtude do resultado do exame criminológico, tido como não inteiramente favorável ao paciente pelas instâncias ordinárias.
3. A estreita via do habeas corpus não se presta a contrariar o entendimento firmado pelas instâncias ordinárias acerca do preenchimento ou não do requisito subjetivo, dada a necessidade de incursão na seara fáticoprobatória, insuscetível nesta sede. Precedentes.
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 304.130/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Sexta Turma, julgado em 16/10/2014, DJe 3/11/2014).
HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSO LEGAL. 2. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. DECISÃO MOTIVADA EM DADOS CONCRETOS DA EXECUÇÃO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 3. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente - a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício -, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.
2. Não há se falar em constrangimento ilegal, visto que o Tribunal estadual, de forma fundamentada, justificou a necessidade da realização de exame criminológico com base em dados concretos aferidos durante a execução da pena, notadamente em razão das diversas faltas graves cometidas e também por ter praticado novo delito no gozo do beneficio de saída temporária anteriormente deferido, motivação que pesa de maneira desfavorável ao sentenciado.
3. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 291.844/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 27/5/2014, DJe 4/6/2014)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROGRESSÃO DE REGIME. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 439/STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Indeferimento do pedido de progressão de regime e de livramento condicional baseado no exame criminológico com parecer desfavorável e no cometimento de falta grave. Ausência do preenchimento do requisito subjetivo pelo paciente.
2. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 473.281/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, julgado em 24/4/2014, DJe 30/4/2014).
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO AO RECURSO APROPRIADO. DESCABIMENTO. EXECUÇÃO DA PENA. PROGRESSÃO DE REGIME. LIVRAMENTO CONDICIONAL. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO DESFAVORÁVEL. DECISÃO MOTIVADA EM DADOS CONCRETOS DA EXECUÇÃO. PRÁTICA DE FALTA GRAVE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INOCORRÊNCIA.
1. Os Tribunais Superiores restringiram o uso do habeas corpus e não mais o admitem como substitutivo de recursos, nem sequer para as revisões criminais.
2. Após a alteração no art. 112, da LEP, o exame criminológico deixou de ser imprescindível para a outorga do benefício pretendido, ressalvado, porém, ao Juízo das Execuções ou ao Tribunal, decidir, motivadamente, pela sua necessidade, conforme o teor da Súmula 439, do STJ.
3. O mesmo dispositivo exige, além do transcurso do lapso temporal, que o apenado ostente bom comportamento carcerário. No caso, o indeferimento do pedido de progressão de regime e de livramento condicional baseou-se no exame criminológico com parecer desfavorável, além dos delitos perpetrados e no cometimento de falta grave. Ausência do preenchimento do requisito subjetivo pelo paciente. Inexistência de constrangimento ilegal.
4. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 286.090/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, julgado em 11/3/2014, DJe 19/3/2014).
Assim, não restou configurada flagrante ilegalidade, hábil a ocasionar o deferimento, de ofício, da ordem postulada.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, nego seguimento ao presente habeas corpus.
Referida decisão transitou em julgado em 24/08/2021.
Forçoso, assim, reconhecer que já houve a prestação jurisdicional adequada ao caso concreto.
Ante o exposto, com fundamento no art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o presente habeas corpus.
Intimem-se.
Com efeito, "é pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido" (AgRg no HC n. 531.227/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/09/2019, DJe 18/09/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE DESNECESSIDADE DE EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS POSTOS EM HABEAS CORPUS JÁ DECIDIDO POR ESTA CORTE, EM DECISÃO QUE TRANSITOU EM JULGADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE DESNECESSIDADE DE EXAME CRIMINOLÓGICO PARA FINS DE LIVRAMENTO CONDICIONAL. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS POSTOS EM HABEAS CORPUS JÁ DECIDIDO POR ESTA CORTE, EM DECISÃO QUE TRANSITOU EM JULGADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. É pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
144,766,050 | EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE DE DROGAS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MOTIVAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR VALIDADA PELO STJ NO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS N. 669.772/SP. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
a1. A defesa se insurge contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus, por inadequação da via eleita e no mérito, de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal.
2. Prisão preventiva mantida na sentença condenatória. Fundamentação idônea. Embora o crime não inclua violência ou grave ameaça, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida (2 tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g), motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Ademais, esta Corte Superior já ratificou a legalidade da fundamentação da segregação cautelar do agravante, no julgamento do HC n. 669.772/SP.
3. Os precedentes desta Corte Superior estão no sentido de que a quantidade de substância entorpecente apreendida é considerada motivação idônea para a decretação e manutenção da prisão preventiva.
4. Preservados os motivos que ensejaram a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, bem como que mantiveram o agravante acautelado durante toda a instrução criminal, reputa-se legítima a conservação da segregação cautelar após a sentença condenatória.
5. Eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
6. Agravo regimental conhecido e não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por GABRIEL VASCONCELOS LEMES DO PRADO contra decisão deste Relator que não conheceu do habeas corpus, por inadequação da via eleita e, analisando o mérito, de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal (e-STJ fls. 385/391).
Inconformado, o agravante pugna pela reconsideração da decisão agravada pois é primário, sem qualquer antecedente criminal, com residência fixa e trabalho lícito. Aduz constrangimento ilegal pois a sua prisão está fundamentada na gravidade abstrata do delito.
O agravante requer, ao final, seja reconsiderada a r. decisão agravada, ou, caso assim não se decida, seja o presente recurso submetido ao Colegiado, a fim de obter a revogação da sua prisão preventiva.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A decisão agravada é do seguinte teor (e-STJ fls. 385/391), no que interessa, in verbis:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de GABRIEL VASCONCELOS LEMES DO PRADO contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC n. 2280771-15.2021.8.26.0000).
Segundo consta dos autos, o paciente foi preso em flagrante no dia 26/4/2020, e convertida a custódia em preventiva, processado e condenado à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, negado o direito de recorrer em liberdade (e-STJ fls. 29/42).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus na Corte estadual, alegando, dentre outros, ausência de fundamentação idônea para a manutenção da segregação cautelar do paciente, na sentença condenatória. O Tribunal de origem, contudo, denegou a ordem nos termos do acórdão de-STJ fls. 378/382.
Na presente oportunidade, a defesa argumenta que o paciente tem o direito de recorrer em liberdade, pois é primário, com bons antecedentes, está preso há 8 (oito) meses e estão ausentes da espécie os requisitos do art. 312 do CPP.
Diante disso, pleiteia, liminarmente e no mérito, a concessão, ao paciente, do direito de recorrente em liberdade, expedindo-se o alvará de soltura.
Processo distribuído a esta relatoria por prevenção do HC n. 669.772/SP.
É o relatório. Decido.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria ( AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental" (AgRg no HC n. 268.099/SP, Rel.
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido" (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica" (AgRg no HC n. 514.048/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.
No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar.
A defesa sustenta a possibilidade de concessão do direito de recorrer em liberdade pela prática, em tese, do crime de tráfico de drogas.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência de periculum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão (HC nº 137.066/PE, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 13/3/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Minis tro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 2/9/2014, DJe 10/10/2014; RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/6/1999, DJU 13/8/1999; e RHC n. 97.893/RR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; HC n. 503.046/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014).
De acordo com os autos, o paciente foi preso em flagrante, processado e condenado à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, negado o direito de recorrer em liberdade.
O Tribunal de origem, por sua vez, manteve a negativa do direito de recurso em liberdade, consignando (e-STJ fls. 379 e ss.), destacando-se, ainda:
2. Segundo consta do processo-crime, o réu foi condenado a cinco anos de reclusão e quinhentos dias-multa, no piso mínimo, como incurso no artigo 33, "caput" da Lei 11.343/06, fixado o regime prisional inicial fechado, por sentença datada de 27 de abril de 2021, onde se lê: "(..) Considerando os malefícios do tráfico de drogas ao meio social, na maioria dos casos fomentando a violência e a criminalidade, bem como a diversidade e expressiva quantidade de entorpecente apreendido, com grande potencial, em concreto, para profundos danos sociais, reputo presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar, já que interessa à ordem pública. E, em casos que tais, em liberdade, o réu volta a cometer novos crimes, notadamente pelos fortes indicativos, já expostos, de que não se trata de um traficante de pequena expressão. Assim, para a garantia da ordem pública, com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, nego-lhe o direito de apelar em liberdade" (fl. 327).
Era mesmo caso de manter a custódia do paciente, pois se ele vinha preso desde o início da instrução processual, à vista da necessidade da medida, devidamente justificada quando da decretação da prisão preventiva, tanto que a decisão monocrática foi mantida por esta Corte ao julgar, em 26 de maio de 2021, o Habeas Corpus nº 2095372-10.2021.8.26.0000, ajuizado pelo mesmo impetrante destes autos em favor do paciente, ela deve ser preservada com o advento da sentença condenatória, não se justificando agora a soltura dele, mormente por já estar condenado à pena privativa de liberdade a ser cumprida no regime prisional inicial fechado, que não permite a concessão de nenhum benefício liberatório imediato, com o que se assegura a preservação da ordem pública e a efetiva aplicação da lei penal. Bem por isso, o paciente não faz jus a poder recorrer em liberdade.
.. Aliás, ofende a lógica e o bom senso que, presentes os requisitos para a manutenção da prisão preventiva no curso da instrução e, não se alterando esse quadro com o advento da decisão condenatória, possa o paciente, condenado por crime grave, inclusive de natureza hedionda, ser posto em liberdade para apelar.
A respeito o colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, "( ). 5.
Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em primeiro grau." (HC nº 529616, 5ª Turma, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, julgado em 23.06.2020, DJe 29.06.2020) e "Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a manutenção da custódia cautelar no momento da sentença condenatória, em hipóteses em que o acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente, para a satisfação do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal, declinar que permanecem inalterados os motivos que levaram à decretação da medida extrema em um primeiro momento, desde que estejam, de fato, preenchidos os requisitos legais do art. 312 do mesmo diploma, o que ocorreu no caso." (AgRg no RHC nº 12 6343, 6ª Turma, Relatora Ministra LAURITA VAZ, julgado em 30.06.2020, DJe 04.08.2020).
Nesse contexto, afere-se que o entendimento abraçado pelas instâncias ordinárias encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tendo o recorrente permanecido preso durante todo o andamento da ação penal, não faria sentido, ausentes alterações nas circunstâncias fáticas, que, com a superveniência da condenação, fosse-lhe deferida a liberdade.
Reitero o entendimento adotado no julgamento do HC n. 669.772/SP: as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida, tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g, motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Com efeito, .. esta Corte Superior possui entendimento de que a quantidade, a variedade ou a natureza da substância entorpecente apreendida podem servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva (HC n. 547.239/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 12/12/2019).
Ademais, o fato de o réu ser primário, possuir bons antecedentes, ter residência fixa e exercer atividade lícita são circunstâncias pessoais que, por si sós, não impedem a decretação da custódia cautelar (STF, HC 108.314, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13/9/2011; HC 112.642, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 26/6/2012; STJ, HC 297.256/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 25/11/2014, RHC 44.212/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 25/02/2014).
As circunstâncias fáticas do crime e a quantidade apreendida servem de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade.
Ora, "a existência de édito condenatório enfraquece a presunção de não culpabilidade, de modo que seria incoerente, não havendo alterações do quadro fático, conceder, nesse momento, a liberdade" (RHC n. 105.918/BA, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 25/3/2019).
A posição é consonante, além disso, com o Supremo Tribunal Federal, o qual possui entendimento pacífico de que, "permanecendo os fundamentos da prisão cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação" (RHC n. 117.802/DF, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 10/6/2014, DJe de 1º/7/2014).
A orientação pacificada nesta Corte Superior é, portanto, no sentido de que "não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal, se persistentes os motivos para a preventiva "(HC 442.163/MA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 21/6/2018, DJe 28/6/2018).
Preservados os motivos que ensejaram a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, bem como que mantiveram os recorrentes acautelado durante toda a instrução criminal, reputa-se legítima a conservação da segregação cautelar após a sentença condenatória.
Nesse sentido:
.. 4. "Não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal, se persistentes os motivos para a preventiva" (RHC 56.689/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 15/10/2015). 5. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido (RHC 61.552/CE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 16/8/2016, DJe 24/8/2016, grifo nosso).
Lado outro, mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando a segregação encontra-se fundada na gravidade concreta dos delitos, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus.
Subsistem inabaláveis esses fundamentos, os quais são suficientes para manter a decisão agravada.
Reitero que embora o crime não inclua violência ou grave ameaça, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida (2 tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g), motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Ademais, esta Corte Superior já ratificou a legalidade da fundamentação da segregação cautelar do agravante, no julgamento do HC n. 669.772/SP.
As circunstâncias fáticas do crime e a quantidade apreendida servem de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade.
Ora, "a existência de édito condenatório enfraquece a presunção de não culpabilidade, de modo que seria incoerente, não havendo alterações do quadro fático, conceder, nesse momento, a liberdade" (RHC n. 105.918/BA, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 25/3/2019).
A posição é consonante, além disso, com o Supremo Tribunal Federal, o qual possui entendimento pacífico de que, "permanecendo os fundamentos da prisão cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação" (RHC n. 117.802/DF, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 10/6/2014, DJe de 1º/7/2014).
Eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Assim sendo, considerando que a manutenção da prisão cautelar do agravante está fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, em virtude da quantidade de substância entorpecente apreendida, inexiste constrangimento ilegal a ser reparado por esta Corte Superior.
Ante o exposto, conheço do agravo regimental e nego-lhe provimento.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por GABRIEL VASCONCELOS LEMES DO PRADO contra decisão deste Relator que não conheceu do habeas corpus, por inadequação da via eleita e, analisando o mérito, de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal (e-STJ fls. 385/391).
Inconformado, o agravante pugna pela reconsideração da decisão agravada pois é primário, sem qualquer antecedente criminal, com residência fixa e trabalho lícito. Aduz constrangimento ilegal pois a sua prisão está fundamentada na gravidade abstrata do delito.
O agravante requer, ao final, seja reconsiderada a r. decisão agravada, ou, caso assim não se decida, seja o presente recurso submetido ao Colegiado, a fim de obter a revogação da sua prisão preventiva.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
A decisão agravada é do seguinte teor (e-STJ fls. 385/391), no que interessa, in verbis:
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de GABRIEL VASCONCELOS LEMES DO PRADO contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC n. 2280771-15.2021.8.26.0000).
Segundo consta dos autos, o paciente foi preso em flagrante no dia 26/4/2020, e convertida a custódia em preventiva, processado e condenado à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, negado o direito de recorrer em liberdade (e-STJ fls. 29/42).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus na Corte estadual, alegando, dentre outros, ausência de fundamentação idônea para a manutenção da segregação cautelar do paciente, na sentença condenatória. O Tribunal de origem, contudo, denegou a ordem nos termos do acórdão de-STJ fls. 378/382.
Na presente oportunidade, a defesa argumenta que o paciente tem o direito de recorrer em liberdade, pois é primário, com bons antecedentes, está preso há 8 (oito) meses e estão ausentes da espécie os requisitos do art. 312 do CPP.
Diante disso, pleiteia, liminarmente e no mérito, a concessão, ao paciente, do direito de recorrente em liberdade, expedindo-se o alvará de soltura.
Processo distribuído a esta relatoria por prevenção do HC n. 669.772/SP.
É o relatório. Decido.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria ( AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, "uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental" (AgRg no HC n. 268.099/SP, Rel.
Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, "longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido" (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, "para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica" (AgRg no HC n. 514.048/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.
No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar.
A defesa sustenta a possibilidade de concessão do direito de recorrer em liberdade pela prática, em tese, do crime de tráfico de drogas.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência de periculum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão (HC nº 137.066/PE, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 13/3/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Minis tro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 2/9/2014, DJe 10/10/2014; RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/6/1999, DJU 13/8/1999; e RHC n. 97.893/RR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; HC n. 503.046/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/10/2014, DJe 13/10/2014).
De acordo com os autos, o paciente foi preso em flagrante, processado e condenado à pena de 5 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo crime do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, negado o direito de recorrer em liberdade.
O Tribunal de origem, por sua vez, manteve a negativa do direito de recurso em liberdade, consignando (e-STJ fls. 379 e ss.), destacando-se, ainda:
2. Segundo consta do processo-crime, o réu foi condenado a cinco anos de reclusão e quinhentos dias-multa, no piso mínimo, como incurso no artigo 33, "caput" da Lei 11.343/06, fixado o regime prisional inicial fechado, por sentença datada de 27 de abril de 2021, onde se lê: "(..) Considerando os malefícios do tráfico de drogas ao meio social, na maioria dos casos fomentando a violência e a criminalidade, bem como a diversidade e expressiva quantidade de entorpecente apreendido, com grande potencial, em concreto, para profundos danos sociais, reputo presentes os requisitos autorizadores da custódia cautelar, já que interessa à ordem pública. E, em casos que tais, em liberdade, o réu volta a cometer novos crimes, notadamente pelos fortes indicativos, já expostos, de que não se trata de um traficante de pequena expressão. Assim, para a garantia da ordem pública, com fundamento no artigo 312 do Código de Processo Penal, nego-lhe o direito de apelar em liberdade" (fl. 327).
Era mesmo caso de manter a custódia do paciente, pois se ele vinha preso desde o início da instrução processual, à vista da necessidade da medida, devidamente justificada quando da decretação da prisão preventiva, tanto que a decisão monocrática foi mantida por esta Corte ao julgar, em 26 de maio de 2021, o Habeas Corpus nº 2095372-10.2021.8.26.0000, ajuizado pelo mesmo impetrante destes autos em favor do paciente, ela deve ser preservada com o advento da sentença condenatória, não se justificando agora a soltura dele, mormente por já estar condenado à pena privativa de liberdade a ser cumprida no regime prisional inicial fechado, que não permite a concessão de nenhum benefício liberatório imediato, com o que se assegura a preservação da ordem pública e a efetiva aplicação da lei penal. Bem por isso, o paciente não faz jus a poder recorrer em liberdade.
.. Aliás, ofende a lógica e o bom senso que, presentes os requisitos para a manutenção da prisão preventiva no curso da instrução e, não se alterando esse quadro com o advento da decisão condenatória, possa o paciente, condenado por crime grave, inclusive de natureza hedionda, ser posto em liberdade para apelar.
A respeito o colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que, "( ). 5.
Tendo o paciente permanecido preso durante toda a instrução, não deve ser permitido recorrer em liberdade, especialmente porque, inalteradas as circunstâncias que justificaram a custódia, não se mostra adequada a soltura dele depois da condenação em primeiro grau." (HC nº 529616, 5ª Turma, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, julgado em 23.06.2020, DJe 29.06.2020) e "Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a manutenção da custódia cautelar no momento da sentença condenatória, em hipóteses em que o acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente, para a satisfação do art. 387, § 1º, do Código de Processo Penal, declinar que permanecem inalterados os motivos que levaram à decretação da medida extrema em um primeiro momento, desde que estejam, de fato, preenchidos os requisitos legais do art. 312 do mesmo diploma, o que ocorreu no caso." (AgRg no RHC nº 12 6343, 6ª Turma, Relatora Ministra LAURITA VAZ, julgado em 30.06.2020, DJe 04.08.2020).
Nesse contexto, afere-se que o entendimento abraçado pelas instâncias ordinárias encontra-se em harmonia com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que, tendo o recorrente permanecido preso durante todo o andamento da ação penal, não faria sentido, ausentes alterações nas circunstâncias fáticas, que, com a superveniência da condenação, fosse-lhe deferida a liberdade.
Reitero o entendimento adotado no julgamento do HC n. 669.772/SP: as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida, tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g, motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Com efeito, .. esta Corte Superior possui entendimento de que a quantidade, a variedade ou a natureza da substância entorpecente apreendida podem servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva (HC n. 547.239/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 12/12/2019).
Ademais, o fato de o réu ser primário, possuir bons antecedentes, ter residência fixa e exercer atividade lícita são circunstâncias pessoais que, por si sós, não impedem a decretação da custódia cautelar (STF, HC 108.314, Rel. Ministro LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13/9/2011; HC 112.642, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 26/6/2012; STJ, HC 297.256/DF, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 25/11/2014, RHC 44.212/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 25/02/2014).
As circunstâncias fáticas do crime e a quantidade apreendida servem de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade.
Ora, "a existência de édito condenatório enfraquece a presunção de não culpabilidade, de modo que seria incoerente, não havendo alterações do quadro fático, conceder, nesse momento, a liberdade" (RHC n. 105.918/BA, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 25/3/2019).
A posição é consonante, além disso, com o Supremo Tribunal Federal, o qual possui entendimento pacífico de que, "permanecendo os fundamentos da prisão cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação" (RHC n. 117.802/DF, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 10/6/2014, DJe de 1º/7/2014).
A orientação pacificada nesta Corte Superior é, portanto, no sentido de que "não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal, se persistentes os motivos para a preventiva "(HC 442.163/MA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 21/6/2018, DJe 28/6/2018).
Preservados os motivos que ensejaram a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, bem como que mantiveram os recorrentes acautelado durante toda a instrução criminal, reputa-se legítima a conservação da segregação cautelar após a sentença condenatória.
Nesse sentido:
.. 4. "Não há lógica em deferir ao condenado o direito de recorrer solto quando permaneceu segregado durante a persecução criminal, se persistentes os motivos para a preventiva" (RHC 56.689/CE, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 15/10/2015). 5. Recurso ordinário em habeas corpus desprovido (RHC 61.552/CE, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 16/8/2016, DJe 24/8/2016, grifo nosso).
Lado outro, mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando a segregação encontra-se fundada na gravidade concreta dos delitos, indicando que as providências menos gravosas seriam insuficientes para acautelar a ordem pública.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus.
Subsistem inabaláveis esses fundamentos, os quais são suficientes para manter a decisão agravada.
Reitero que embora o crime não inclua violência ou grave ameaça, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida (2 tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g), motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Ademais, esta Corte Superior já ratificou a legalidade da fundamentação da segregação cautelar do agravante, no julgamento do HC n. 669.772/SP.
As circunstâncias fáticas do crime e a quantidade apreendida servem de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade.
Ora, "a existência de édito condenatório enfraquece a presunção de não culpabilidade, de modo que seria incoerente, não havendo alterações do quadro fático, conceder, nesse momento, a liberdade" (RHC n. 105.918/BA, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/3/2019, DJe 25/3/2019).
A posição é consonante, além disso, com o Supremo Tribunal Federal, o qual possui entendimento pacífico de que, "permanecendo os fundamentos da prisão cautelar, revela-se um contrassenso conferir ao réu, que foi mantido custodiado durante a instrução, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da condenação" (RHC n. 117.802/DF, Relator Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 10/6/2014, DJe de 1º/7/2014).
Eventuais condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Assim sendo, considerando que a manutenção da prisão cautelar do agravante está fundamentada na necessidade de garantia da ordem pública, em virtude da quantidade de substância entorpecente apreendida, inexiste constrangimento ilegal a ser reparado por esta Corte Superior.
Ante o exposto, conheço do agravo regimental e nego-lhe provimento.
É como voto. | EMENTA
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE DE DROGAS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MOTIVAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR VALIDADA PELO STJ NO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS N. 669.772/SP. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO.
a1. A defesa se insurge contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus, por inadequação da via eleita e no mérito, de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal.
2. Prisão preventiva mantida na sentença condenatória. Fundamentação idônea. Embora o crime não inclua violência ou grave ameaça, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida (2 tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g), motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Ademais, esta Corte Superior já ratificou a legalidade da fundamentação da segregação cautelar do agravante, no julgamento do HC n. 669.772/SP.
3. Os precedentes desta Corte Superior estão no sentido de que a quantidade de substância entorpecente apreendida é considerada motivação idônea para a decretação e manutenção da prisão preventiva.
4. Preservados os motivos que ensejaram a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, bem como que mantiveram o agravante acautelado durante toda a instrução criminal, reputa-se legítima a conservação da segregação cautelar após a sentença condenatória.
5. Eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
6. Agravo regimental conhecido e não provido. | PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA MANTIDA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. LEGALIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE DE DROGAS. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MOTIVAÇÃO DA PRISÃO CAUTELAR VALIDADA PELO STJ NO JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS N. 669.772/SP. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO NÃO PROVIDO. | a1. A defesa se insurge contra a decisão monocrática desta relatoria que não conheceu do habeas corpus, por inadequação da via eleita e no mérito, de ofício, afastou a existência de constrangimento ilegal.
2. Prisão preventiva mantida na sentença condenatória. Fundamentação idônea. Embora o crime não inclua violência ou grave ameaça, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a quantidade de substância entorpecente apreendida (2 tijolos e uma porção menor de maconha, além da própria planta, com peso total de 1.184,2g), motivação considerada idônea para justificar a prisão cautelar, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Ademais, esta Corte Superior já ratificou a legalidade da fundamentação da segregação cautelar do agravante, no julgamento do HC n. 669.772/SP.
3. Os precedentes desta Corte Superior estão no sentido de que a quantidade de substância entorpecente apreendida é considerada motivação idônea para a decretação e manutenção da prisão preventiva.
4. Preservados os motivos que ensejaram a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, bem como que mantiveram o agravante acautelado durante toda a instrução criminal, reputa-se legítima a conservação da segregação cautelar após a sentença condenatória.
5. Eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
6. Agravo regimental conhecido e não provido. | N |
144,864,827 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO, ASSOCIAÇÃO E PORTE DE ARMA. CONVERSÃO DO FLAGRANTE EM PREVENTIVA. OITIVA DA DEFESA. FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Não é teratológica a decisão do Desembargador-Relator que, vislumbrando a impossibilidade de apreciação da matéria em sede de juízo perfunctório, tendo em vista a faculdade que lhe é concedida, solicita informações ao Juízo de origem para melhor análise do pedido formulado no mandamus originário e delega ao colegiado o julgamento do mérito, após o parecer do Parquet, não se verificando, portanto, hipótese de superação do enunciado n. 691 da Súmula do STF (AgRg nos EDcl no HC 569.733/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 25/5/2020).
3. Na hipótese, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, revelando-se prudente aguardar-se o julgamento do mérito do habeas corpus, em uma análise exauriente das alegações da defesa, pelo Tribunal de origem, sem o qual esta Corte Superior fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão da Presidência desta Corte, que, com base na Súmula n. 691/STF, indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de JORGE NILTON BASTOS DE SOUZA, preso em flagrante aos 22/1/2022, em razão de suposta prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006 e art. 12 da lei n. 10.826/03.
Aduz o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal decorrente da decisão monocrática que indeferiu pedido liminar formulado em habeas corpus impetrado perante o tribunal local, visando a soltura do paciente.
Sustenta, em suma, a nulidade da prisão, tendo em vista a homologação do flagrante e a decretação da prisão preventiva sem a oitiva da defesa. Ressalta a existência de circunstâncias pessoais favoráveis ao paciente e a possibilidade de aplicação das medidas cautelares menos gravosas.
Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, para que o paciente seja colocado em liberdade. Subsidiariamente, requer a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas do cárcere.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Sem razão o agravante.
A matéria não pode ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não foi examinada pelo Tribunal de origem, que ainda não julgou o mérito do writ originário.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO INDEFERITÓRIA DE LIMINAR EM OUTRO HABEAS CORPUS NA ORIGEM, AINDA NÃO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DA SUPREMA CORTE. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não se admite habeas corpus contra decisão denegatória de liminar proferida em outro writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância. Súmula n. 691/STF.
2. No caso, não se constata ilegalidade patente que autorize a mitigação da Súmula n. 691 da Suprema Corte, tendo em vista que a prisão cautelar do ora Agravante está suficientemente fundamentada, tendo sido amparada na especial gravidade da conduta, evidenciada pela apreensão de grande quantidade de drogas, o que justifica a segregação cautelar como garantia da ordem pública.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 701.433/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DO STF. IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. APREENSÃO DE APETRECHOS E HISTÓRICO DELITIVO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A hipótese de autorizar a mitigação da Súmula n. 691 do STF deve ser excepcionalíssima, reservada aos casos insólitos em que a ilegalidade do ato apontado como coator é tão evidente que desperta o tirocínio do aplicador do direito, sem nenhuma margem de dúvida ou divergência de opiniões.
2. A prisão preventiva possui natureza excepcional, sempre sujeita a reavaliação, de modo que a decisão judicial que a impõe ou a mantém, para compatibilizar-se com a presunção de não culpabilidade e com o Estado Democrático de Direito o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade individual quanto a segurança e a paz públicas , deve ser suficientemente motivada, com indicação concreta das razões fáticas e jurídicas que justificam a cautela, nos termos dos arts. 312, 313 e 282, I e II, do Código de Processo Penal.
3. A custódia está embasada na apreensão de apetrechos destinados ao tráfico de drogas, na quantidade de substância ilícita (três litros de éter) e na circunstância de o acusado responder a diversos outros processos criminais, inclusive estava em liberdade recentemente concedida mediante pagamento de fiança. Tais evidências autorizam presumir habitualidade delitiva e, consequentemente, o periculum libertatis.
4. Nos limites da cognição sumaríssima própria do pedido de superação da Súmula n. 691 do STF, não há como constatar flagrante ilegalidade que justifique a intervenção prematura desta Corte Superior, sob pena de indevido salto de instância.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 700.054/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 23/11/2021)
No caso, colho da decisão que indeferiu o pleito emergencial na origem (e-STJ, fl. 190):
A concessão de liminar somente se dará quando os documentos que instruírem o pedido inicial evidenciarem, de plano, de modo inconteste, estreme de dúvidas, a ilegalidade do ato judicial combatido, apta a ensejar violação de direitos constitucionais.
Destarte, como provimento cautelar que é, seu deferimento não dispensa a comprovação, em juízo de cognição incompleta, da inexistência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, o que não ressai do primeiro exame da prova pré-constituída para embasamento dos argumentos expendidos na inicial.
Além do mais, pela natureza da questão abordada no presente writ, temerária a concessão liminar da ordem, em face da unilateralidade da prova produzida, sendo que, para o deferimento da medida, a boa prudência recomenda que os requisitos sejam valorados, também, com base nas informações que a autoridade indigitada coatora vier a prestar.
Diante de tais considerações, INDEFIRO a liminar requerida.
Não é teratológica a decisão do Desembargador-Relator que, vislumbrando a impossibilidade de apreciação da matéria em sede de juízo perfunctório, tendo em vista a faculdade que lhe é concedida, solicita informações ao Juízo de origem para melhor análise do pedido formulado no mandamus originário e delega ao colegiado o julgamento do mérito, após o parecer do Parquet, não se verificando, portanto, hipótese de superação do enunciado n. 691 da Súmula do STF (AgRg nos EDcl no HC 569.733/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 25/5/2020).
Na hipótese, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, revelando-se prudente aguardar-se o julgamento do mérito do habeas corpus, em uma análise exauriente das alegações da defesa, pelo Tribunal de origem, sem o qual esta Corte Superior fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
Assim, não visualizo, em juízo sumário, manifesta ilegalidade que autorize o afastamento da aplicação do mencionado verbete sumular.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão da Presidência desta Corte, que, com base na Súmula n. 691/STF, indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de JORGE NILTON BASTOS DE SOUZA, preso em flagrante aos 22/1/2022, em razão de suposta prática dos delitos previstos nos artigos 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006 e art. 12 da lei n. 10.826/03.
Aduz o impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal decorrente da decisão monocrática que indeferiu pedido liminar formulado em habeas corpus impetrado perante o tribunal local, visando a soltura do paciente.
Sustenta, em suma, a nulidade da prisão, tendo em vista a homologação do flagrante e a decretação da prisão preventiva sem a oitiva da defesa. Ressalta a existência de circunstâncias pessoais favoráveis ao paciente e a possibilidade de aplicação das medidas cautelares menos gravosas.
Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, para que o paciente seja colocado em liberdade. Subsidiariamente, requer a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas do cárcere.
É, no essencial, o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Sem razão o agravante.
A matéria não pode ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não foi examinada pelo Tribunal de origem, que ainda não julgou o mérito do writ originário.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO INDEFERITÓRIA DE LIMINAR EM OUTRO HABEAS CORPUS NA ORIGEM, AINDA NÃO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DA SUPREMA CORTE. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não se admite habeas corpus contra decisão denegatória de liminar proferida em outro writ na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância. Súmula n. 691/STF.
2. No caso, não se constata ilegalidade patente que autorize a mitigação da Súmula n. 691 da Suprema Corte, tendo em vista que a prisão cautelar do ora Agravante está suficientemente fundamentada, tendo sido amparada na especial gravidade da conduta, evidenciada pela apreensão de grande quantidade de drogas, o que justifica a segregação cautelar como garantia da ordem pública.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 701.433/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 25/11/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DO STF. IMPOSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. APREENSÃO DE APETRECHOS E HISTÓRICO DELITIVO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A hipótese de autorizar a mitigação da Súmula n. 691 do STF deve ser excepcionalíssima, reservada aos casos insólitos em que a ilegalidade do ato apontado como coator é tão evidente que desperta o tirocínio do aplicador do direito, sem nenhuma margem de dúvida ou divergência de opiniões.
2. A prisão preventiva possui natureza excepcional, sempre sujeita a reavaliação, de modo que a decisão judicial que a impõe ou a mantém, para compatibilizar-se com a presunção de não culpabilidade e com o Estado Democrático de Direito o qual se ocupa de proteger tanto a liberdade individual quanto a segurança e a paz públicas , deve ser suficientemente motivada, com indicação concreta das razões fáticas e jurídicas que justificam a cautela, nos termos dos arts. 312, 313 e 282, I e II, do Código de Processo Penal.
3. A custódia está embasada na apreensão de apetrechos destinados ao tráfico de drogas, na quantidade de substância ilícita (três litros de éter) e na circunstância de o acusado responder a diversos outros processos criminais, inclusive estava em liberdade recentemente concedida mediante pagamento de fiança. Tais evidências autorizam presumir habitualidade delitiva e, consequentemente, o periculum libertatis.
4. Nos limites da cognição sumaríssima própria do pedido de superação da Súmula n. 691 do STF, não há como constatar flagrante ilegalidade que justifique a intervenção prematura desta Corte Superior, sob pena de indevido salto de instância.
5. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 700.054/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 23/11/2021)
No caso, colho da decisão que indeferiu o pleito emergencial na origem (e-STJ, fl. 190):
A concessão de liminar somente se dará quando os documentos que instruírem o pedido inicial evidenciarem, de plano, de modo inconteste, estreme de dúvidas, a ilegalidade do ato judicial combatido, apta a ensejar violação de direitos constitucionais.
Destarte, como provimento cautelar que é, seu deferimento não dispensa a comprovação, em juízo de cognição incompleta, da inexistência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis, o que não ressai do primeiro exame da prova pré-constituída para embasamento dos argumentos expendidos na inicial.
Além do mais, pela natureza da questão abordada no presente writ, temerária a concessão liminar da ordem, em face da unilateralidade da prova produzida, sendo que, para o deferimento da medida, a boa prudência recomenda que os requisitos sejam valorados, também, com base nas informações que a autoridade indigitada coatora vier a prestar.
Diante de tais considerações, INDEFIRO a liminar requerida.
Não é teratológica a decisão do Desembargador-Relator que, vislumbrando a impossibilidade de apreciação da matéria em sede de juízo perfunctório, tendo em vista a faculdade que lhe é concedida, solicita informações ao Juízo de origem para melhor análise do pedido formulado no mandamus originário e delega ao colegiado o julgamento do mérito, após o parecer do Parquet, não se verificando, portanto, hipótese de superação do enunciado n. 691 da Súmula do STF (AgRg nos EDcl no HC 569.733/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 25/5/2020).
Na hipótese, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, revelando-se prudente aguardar-se o julgamento do mérito do habeas corpus, em uma análise exauriente das alegações da defesa, pelo Tribunal de origem, sem o qual esta Corte Superior fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
Assim, não visualizo, em juízo sumário, manifesta ilegalidade que autorize o afastamento da aplicação do mencionado verbete sumular.
Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO, ASSOCIAÇÃO E PORTE DE ARMA. CONVERSÃO DO FLAGRANTE EM PREVENTIVA. OITIVA DA DEFESA. FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Não é teratológica a decisão do Desembargador-Relator que, vislumbrando a impossibilidade de apreciação da matéria em sede de juízo perfunctório, tendo em vista a faculdade que lhe é concedida, solicita informações ao Juízo de origem para melhor análise do pedido formulado no mandamus originário e delega ao colegiado o julgamento do mérito, após o parecer do Parquet, não se verificando, portanto, hipótese de superação do enunciado n. 691 da Súmula do STF (AgRg nos EDcl no HC 569.733/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 25/5/2020).
3. Na hipótese, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, revelando-se prudente aguardar-se o julgamento do mérito do habeas corpus, em uma análise exauriente das alegações da defesa, pelo Tribunal de origem, sem o qual esta Corte Superior fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO, ASSOCIAÇÃO E PORTE DE ARMA. CONVERSÃO DO FLAGRANTE EM PREVENTIVA. OITIVA DA DEFESA. FUNDAMENTAÇÃO. SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO SUPERAÇÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Não é teratológica a decisão do Desembargador-Relator que, vislumbrando a impossibilidade de apreciação da matéria em sede de juízo perfunctório, tendo em vista a faculdade que lhe é concedida, solicita informações ao Juízo de origem para melhor análise do pedido formulado no mandamus originário e delega ao colegiado o julgamento do mérito, após o parecer do Parquet, não se verificando, portanto, hipótese de superação do enunciado n. 691 da Súmula do STF (AgRg nos EDcl no HC 569.733/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 12/5/2020, DJe de 25/5/2020).
3. Na hipótese, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, revelando-se prudente aguardar-se o julgamento do mérito do habeas corpus, em uma análise exauriente das alegações da defesa, pelo Tribunal de origem, sem o qual esta Corte Superior fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
146,015,698 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. TRÁFICO DE DROGAS. AFASTAMENTO DO REDUTOR PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. APREENSÃO DE PETRECHOS PARA A TRAFICÂNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE QUE O PACIENTE SE DEDICA ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A prolação de decisão monocrática pelo ministro relator não representa violação ao princípio da colegialidade, como aponta a defesa do agravante, pois está autorizada pelo art. 34, inciso XX, do Regimento Interno desta Corte. Tal entendimento foi consolidado pela jurisprudência deste Tribunal no enunciado n. 568 da Súmula, aplicável ao caso, mutatis mutandis. Ademais, os temas decididos monocraticamente sempre poderão ser levados à análise do Órgão Colegiado por meio do controle recursal, via interposição de agravo regimental, como foi feito na espécie.
2. Não se verifica constrangimento ilegal a ser sanado no ponto em que foi afastada a incidência do redutor de pena, previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, ante a apreensão de petrechos para a traficância, além da presença de outras circunstâncias fáticas que demonstram a dedicação do paciente às atividades criminosas. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental em habeas corpus (e-STJ fls. 79/103) interposto por MARCOS ALVES DE SOUZA contra decisão monocrática de minha lavra (e-STJ fls. 70/76), pela qual não conheci da impetração.
Depreende-se dos autos que o juiz singular condenou o ora paciente pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, às penas de 5anos de reclusão, em regime prisional inicialmente fechado, e 500 dias-multa (e-STJ fls. 31/60).
A defesa apelou e Corte local proveu parcialmente o recurso para fixar o regime prisional inicialmente semiaberto (e-STJ fls. 61/67). O acórdão foi assim ementado:
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 33, , DA LEI Nº 11.343/2006). CAPUT APELAÇÃO 01 - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 - DESCABIMENTO - EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS APREENDIDAS - DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS - PLEITO DE ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA, DO FECHADO PARA O SEMIABERTO - POSSIBILIDADE EM DECORRÊNCIA DA PENA CONCRETA APLICADA, E DIANTE DO RÉU SER PRIMÁRIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
APELAÇÃO 02 - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 - DESCABIMENTO - EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS APREENDIDAS - DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS - PLEITO DE ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA, DO FECHADO PARA O SEMIABERTO - POSSIBILIDADE EM DECORRÊNCIA DA PENA CONCRETA APLICADA, E DIANTE DO RÉU SER PRIMÁRIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
No presente mandamus, o impetrante alega que o paciente sofre constrangimento ilegal em razão do afastamento do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, ao fundamento de que o paciente preenche todos os requisitos legais para a concessão do benefício.
Ao final, requer, em caráter liminar e no mérito, a concessão da ordem para que seja aplicado o redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Neste agravo regimental, a defesa sustenta violação ao Princípio da Colegialidade, tendo em vista o julgamento da impetração por decisão monocrática.
No mérito, reitera os fundamentos apresentados na exordial no que se refere à necessidade de aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 e pede, ao final, a reconsideração da decisão monocrática ou o provimento do recurso pelo Colegiado da Quinta Turma desta Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A despeito dos argumentos apresentados pela defesa, permanecem incólumes os fundamentos da decisão agravada.
Inicialmente, deve-se ressaltar que a prolação de decisão monocrática por ministro relator não viola o princípio da colegialidade, como sugere a defesa do agravante, pois está autorizada pelo art. 34, inciso XX, do Regimento Interno desta Corte. Tal entendimento foi, inclusive, consolidado pela jurisprudência deste Tribunal no enunciado n. 568 da Súmula do STJ, aplicável ao caso, mutatis mutandis. Ademais, os temas decididos monocraticamente sempre poderão ser levados à análise do Órgão Colegiado por meio do controle recursal, via interposição de agravo regimental, como nesta oportunidade.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA. CRIME DE CONCUSSÃO (POR QUARENTA VEZES), NA FORMA CONTINUADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ART.932, III, CPC. ART. 34, XVIII, "A", E XX, DO RISTJ. DOSIMETRIA. REGIME SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. REGIME FECHADO. ADEQUADO. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - O art. 932, III, do CPC, estabelece como incumbência do Relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida". Na mesma linha, o RISTJ, no art. 34, inc. XVIII, "a" e XX, dispõe, respectivamente, que o relator pode decidir monocraticamente para "não conhecer do recurso ou pedido inadmissível, prejudicado ou daquele que não tiver impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida", bem como "decidir o habeas corpus quando for manifestamente inadmissível, intempestivo, infundado ou improcedente, ou se conformar com súmula ou jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal ou as confrontar" (grifei).
II - No que se refere ao regime prisional, de acordo com a Súmula 440/STJ, "fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito". De igual modo, as Súmulas 718 e 719 do STF prelecionam, respectivamente, que "a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada" e "a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea".
III - No caso dos autos, contudo, a instâncias ordinárias estabeleceram a pena-base acima do mínimo legal, por terem sido desfavoravelmente valoradas circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o que permite a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu, a teor do disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal.
IV - O agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ensejar a alteração do entendimento firmado por ocasião da decisão monocrática, que deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 503.450/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 27/05/2019).
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 33, § 2º, "C", DO CP. LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. REGIME SEMIABERTO. FUNDAMENTO IDÔNEO. ACÓRDÃO RECORRIDO DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA 568/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. "Não há ofensa ao princípio da colegialidade quando a decisão monocrática é proferida em obediência ao artigo 253, parágrafo único, inciso II, alínea "b", do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que permite ao relator negar provimento ao recurso quando a pretensão recursal esbarrar em súmula do STJ ou do STF, ou ainda, em jurisprudência dominante acerca do tema" (AgRg no AREsp 915.701/SP, minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2016, DJe 16/09/2016).
..
3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp 1066380/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 01/08/2017).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. SUM. 568/STJ. RECEPTAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO. CONHECIMENTO SOBRE A ORIGEM ILÍCITA DO VEÍCULO APREENDIDO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Inexiste maltrato ao princípio da colegialidade, pois, nos termos da Súmula n. 568 desta Corte, "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Ademais, o julgamento colegiado do recurso pelo órgão competente supera eventual mácula da decisão monocrática do relator.
..
3. Agravo regimental desprovido (AgRg no AREsp 1088934/SP, desta Relatoria, DJe 01/08/2017).
Ademais, o pleito defensivo se circunscreve ao pleito de aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Sobre o tema, ressalto que para a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
No caso, destaco que tanto a sentença condenatória, quanto o acórdão impugnado se basearam nas circunstâncias concretas do delito para justificar o afastamento do referido benefício. Confiram-se os seguintes trechos:
É de se considerar, ainda, a enorme e variada quantidade de drogas encontradas com o acusado. Ora, isso conduz à conclusão de que a distribuição de entorpecentes não era fato isolado na vida do réu, merecendo, assim, uma resposta estatal mais severa, até mesmo em cumprimento ao caráter retributivo da sanção penal.
A habitualidade do sentenciado na prática do tráfico, aliás, é fato evidenciado pelas próprias circunstâncias da prisão: além de o réu ter admitido, em parte, que guardava as substâncias ilícitas para um outro traficante, foram apreendidos na casa diversos objetos que denotavam o constante manejo das drogas, tais como faca e balança de precisão (com vestígios de droga) e dinheiro em notas variadas.
Cabe lembrar, ainda, que o tráfico de drogas é crime gravíssimo, equiparado aos hediondos pela Constituição da República, não podendo ser banalizado, sob pena de perda da eficácia da lei, a qual deve também se destinar à prevenção geral(sentença e-STJ fl. 50).
Com efeito, a regra acerca do tráfico privilegiado deixou de ser aplicada devido à dedicação criminosa dos acusados, diante não só da quantidade e diversidade de droga apreendida, mas também devido aos atos que caracterizam a traficância organizada, como o repasse de droga entre os apelantes, independente de pagamento, mediante prévia combinação, com destino evidenciado de repassá-la a terceiros (acórdão e-STJ fl. 65).
Verifica-se, assim, que as instâncias de origem, ao analisarem as provas constantes dos autos, entenderam não se tratar de traficante eventual, não apenas em razão da quantidade, variedade e natureza das drogas apreendidas, mas por se tratar de agente que efetivamente se dedicava à atividade criminosa, especialmente tendo em vista terem sido apreendidos petrechos para a traficância (balança de precisão, faca com vestígios de droga e dinheiro em notas variadas), elementos que, nos termos da jurisprudência desta Corte, denotam a dedicação às atividades criminosas. Ademais, ficou assentado nos autos que o paciente atuava na distribuição de drogas.
Sobre o tema, destaco os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. DOSIMETRIA. REDUTOR DE PENA PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REGISTRO DE ATOS INFRACIONAIS. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 está condicionada ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos legais: primariedade, bons antecedentes, não dedicação a atividades criminosas ou integração a organização criminosa.
2. No caso, o redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 foi afastado pelas instâncias ordinárias, em razão das circunstâncias do caso concreto, tendo em vista não apenas a apreensão de drogas, mas especialmente de petrechos necessários ao tráfico. Dessa forma, para se desconstituir tal assertiva, como pretendido, seria necessário o revolvimento da moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.
3. Ademais, quanto à existência de registros de atos infracionais praticados pelo paciente, deve-se ressaltar que esta Corte Superior tem entendido que o envolvimento do paciente quando adolescente em atos fracionais, sobretudo quando relacionado ao crime de entorpecentes, podem justificar a não aplicação da causa especial de diminuição da pena, porquanto demonstra a dedicação do agente a práticas criminosas (HC 423.378/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 19/12/2017). Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no HC 591.341/SP, de minha relatoria, julgado em 4/8/2020, DJe 13/8/2020).
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE O RELATOR NÃO CONHECER DA IMPETRAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 34, INCISO XX, DO RISTJ. O artigo 34, inciso XX, do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça autoriza o relator a decidir o habeas corpus quando for inadmissível, prejudicado, improcedente ou quando a decisão impugnada se conformar com a jurisprudência dominante acerca do tema, exatamente como ocorre na hipótese dos autos, inexistindo prejuízo à parte, já que dispõe do respectivo regimental, razão pela qual não se configura ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes.
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. QUANTIDADE E DIVERSIDADE DAS DROGAD APREENDIDAS. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI.
1. O § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06 dispõe que para o crime de tráfico de entorpecentes e suas figuras equiparadas as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa.
2. Na hipótese, as circunstâncias em que cometido o delito, a apreensão de petrechos próprios, balança de precisão, papéis picotados para a embalagem de drogas, inúmeros eppendorfs vazios, aliadas à quantidade e diversidade de entorpecentes apreendidos, são elementos concretos capazes de afastar a incidência da benesse.
REGIME INICIAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA SUPERIOR A 4 ANOS E INFERIOR A 8 ANOS DE RECLUSÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Estabelecida a pena em patamar superior a 4 anos e inferior a 8 anos de reclusão e favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, possível a fixação do regime inicial semiaberto, diante das circunstâncias do caso concreto, nos termos do art. 33, § 2º e 3º, do CP.
2. Agravo parcialmente provido para estabelecer o regime inicial semiaberto para o cumprimento da reprimenda (AgRg no HC 530.378/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 7/11/2019, DJe 19/11/2019).
E, para se desconstituir tal assertiva, como pretendido, seria necessário o revolvimento da moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, C/C O ART. 40, VI, AMBOS DA LEI 11.343/2006. PACIENTE CONDENADO À PENA CORPORAL DE 6 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL SEMIABERTO. PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICA-SE ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS, ANTE A PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL. INVIABILIDADE. MONTANTE DA PENA QUE NÃO COMPORTA OS BENEFÍCIOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
..
- Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher cumulativamente todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
..
- Dessa forma, apesar de a quantidade da droga apreendida não ter sido muito elevada, tendo havido fundamentação concreta, pelo Tribunal local, para não aplicar o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, pois não preenchidos os requisitos legais, concluo que, para entender de modo diverso, afastando-se a conclusão de que o paciente não se dedica às atividades criminosas, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório amealhado durante a instrução probatória, o que, como cediço, é vedado na via estreita do habeas corpus, de cognição sumária. Precedentes.
..
- Habeas corpus não conhecido (HC n. 406.667/RS, de minha relatoria, Quinta Turma, Julgado em 3/10/2017, DJe 11/10/2017).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental em habeas corpus (e-STJ fls. 79/103) interposto por MARCOS ALVES DE SOUZA contra decisão monocrática de minha lavra (e-STJ fls. 70/76), pela qual não conheci da impetração.
Depreende-se dos autos que o juiz singular condenou o ora paciente pela prática do delito previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, às penas de 5anos de reclusão, em regime prisional inicialmente fechado, e 500 dias-multa (e-STJ fls. 31/60).
A defesa apelou e Corte local proveu parcialmente o recurso para fixar o regime prisional inicialmente semiaberto (e-STJ fls. 61/67). O acórdão foi assim ementado:
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES (ART. 33, , DA LEI Nº 11.343/2006). CAPUT APELAÇÃO 01 - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 - DESCABIMENTO - EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS APREENDIDAS - DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS - PLEITO DE ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA, DO FECHADO PARA O SEMIABERTO - POSSIBILIDADE EM DECORRÊNCIA DA PENA CONCRETA APLICADA, E DIANTE DO RÉU SER PRIMÁRIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
APELAÇÃO 02 - PLEITO DE APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO DE PENA - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/06 - DESCABIMENTO - EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE DROGAS APREENDIDAS - DEDICAÇÃO ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS - PLEITO DE ALTERAÇÃO DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA, DO FECHADO PARA O SEMIABERTO - POSSIBILIDADE EM DECORRÊNCIA DA PENA CONCRETA APLICADA, E DIANTE DO RÉU SER PRIMÁRIO - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
No presente mandamus, o impetrante alega que o paciente sofre constrangimento ilegal em razão do afastamento do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, ao fundamento de que o paciente preenche todos os requisitos legais para a concessão do benefício.
Ao final, requer, em caráter liminar e no mérito, a concessão da ordem para que seja aplicado o redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Neste agravo regimental, a defesa sustenta violação ao Princípio da Colegialidade, tendo em vista o julgamento da impetração por decisão monocrática.
No mérito, reitera os fundamentos apresentados na exordial no que se refere à necessidade de aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 e pede, ao final, a reconsideração da decisão monocrática ou o provimento do recurso pelo Colegiado da Quinta Turma desta Corte.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A despeito dos argumentos apresentados pela defesa, permanecem incólumes os fundamentos da decisão agravada.
Inicialmente, deve-se ressaltar que a prolação de decisão monocrática por ministro relator não viola o princípio da colegialidade, como sugere a defesa do agravante, pois está autorizada pelo art. 34, inciso XX, do Regimento Interno desta Corte. Tal entendimento foi, inclusive, consolidado pela jurisprudência deste Tribunal no enunciado n. 568 da Súmula do STJ, aplicável ao caso, mutatis mutandis. Ademais, os temas decididos monocraticamente sempre poderão ser levados à análise do Órgão Colegiado por meio do controle recursal, via interposição de agravo regimental, como nesta oportunidade.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DECISÃO MONOCRÁTICA. CRIME DE CONCUSSÃO (POR QUARENTA VEZES), NA FORMA CONTINUADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ART.932, III, CPC. ART. 34, XVIII, "A", E XX, DO RISTJ. DOSIMETRIA. REGIME SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. REGIME FECHADO. ADEQUADO. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - O art. 932, III, do CPC, estabelece como incumbência do Relator "não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida". Na mesma linha, o RISTJ, no art. 34, inc. XVIII, "a" e XX, dispõe, respectivamente, que o relator pode decidir monocraticamente para "não conhecer do recurso ou pedido inadmissível, prejudicado ou daquele que não tiver impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida", bem como "decidir o habeas corpus quando for manifestamente inadmissível, intempestivo, infundado ou improcedente, ou se conformar com súmula ou jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal ou as confrontar" (grifei).
II - No que se refere ao regime prisional, de acordo com a Súmula 440/STJ, "fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito". De igual modo, as Súmulas 718 e 719 do STF prelecionam, respectivamente, que "a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada" e "a imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea".
III - No caso dos autos, contudo, a instâncias ordinárias estabeleceram a pena-base acima do mínimo legal, por terem sido desfavoravelmente valoradas circunstâncias do art. 59 do Código Penal, o que permite a fixação de regime prisional mais gravoso do que o indicado pelo quantum de reprimenda imposta ao réu, a teor do disposto no art. 33, § 3º, do Código Penal.
IV - O agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ensejar a alteração do entendimento firmado por ocasião da decisão monocrática, que deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 503.450/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/05/2019, DJe 27/05/2019).
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO DO ART. 33, § 2º, "C", DO CP. LESÃO CORPORAL DE NATUREZA GRAVE. PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL NEGATIVA. REGIME SEMIABERTO. FUNDAMENTO IDÔNEO. ACÓRDÃO RECORRIDO DE ACORDO COM O ENTENDIMENTO DO STJ. SÚMULA 568/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. "Não há ofensa ao princípio da colegialidade quando a decisão monocrática é proferida em obediência ao artigo 253, parágrafo único, inciso II, alínea "b", do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que permite ao relator negar provimento ao recurso quando a pretensão recursal esbarrar em súmula do STJ ou do STF, ou ainda, em jurisprudência dominante acerca do tema" (AgRg no AREsp 915.701/SP, minha relatoria, SEXTA TURMA, julgado em 06/09/2016, DJe 16/09/2016).
..
3. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp 1066380/ES, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 01/08/2017).
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO MONOCRÁTICA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. SUM. 568/STJ. RECEPTAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO. CONHECIMENTO SOBRE A ORIGEM ILÍCITA DO VEÍCULO APREENDIDO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Inexiste maltrato ao princípio da colegialidade, pois, nos termos da Súmula n. 568 desta Corte, "o relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Ademais, o julgamento colegiado do recurso pelo órgão competente supera eventual mácula da decisão monocrática do relator.
..
3. Agravo regimental desprovido (AgRg no AREsp 1088934/SP, desta Relatoria, DJe 01/08/2017).
Ademais, o pleito defensivo se circunscreve ao pleito de aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Sobre o tema, ressalto que para a aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
No caso, destaco que tanto a sentença condenatória, quanto o acórdão impugnado se basearam nas circunstâncias concretas do delito para justificar o afastamento do referido benefício. Confiram-se os seguintes trechos:
É de se considerar, ainda, a enorme e variada quantidade de drogas encontradas com o acusado. Ora, isso conduz à conclusão de que a distribuição de entorpecentes não era fato isolado na vida do réu, merecendo, assim, uma resposta estatal mais severa, até mesmo em cumprimento ao caráter retributivo da sanção penal.
A habitualidade do sentenciado na prática do tráfico, aliás, é fato evidenciado pelas próprias circunstâncias da prisão: além de o réu ter admitido, em parte, que guardava as substâncias ilícitas para um outro traficante, foram apreendidos na casa diversos objetos que denotavam o constante manejo das drogas, tais como faca e balança de precisão (com vestígios de droga) e dinheiro em notas variadas.
Cabe lembrar, ainda, que o tráfico de drogas é crime gravíssimo, equiparado aos hediondos pela Constituição da República, não podendo ser banalizado, sob pena de perda da eficácia da lei, a qual deve também se destinar à prevenção geral(sentença e-STJ fl. 50).
Com efeito, a regra acerca do tráfico privilegiado deixou de ser aplicada devido à dedicação criminosa dos acusados, diante não só da quantidade e diversidade de droga apreendida, mas também devido aos atos que caracterizam a traficância organizada, como o repasse de droga entre os apelantes, independente de pagamento, mediante prévia combinação, com destino evidenciado de repassá-la a terceiros (acórdão e-STJ fl. 65).
Verifica-se, assim, que as instâncias de origem, ao analisarem as provas constantes dos autos, entenderam não se tratar de traficante eventual, não apenas em razão da quantidade, variedade e natureza das drogas apreendidas, mas por se tratar de agente que efetivamente se dedicava à atividade criminosa, especialmente tendo em vista terem sido apreendidos petrechos para a traficância (balança de precisão, faca com vestígios de droga e dinheiro em notas variadas), elementos que, nos termos da jurisprudência desta Corte, denotam a dedicação às atividades criminosas. Ademais, ficou assentado nos autos que o paciente atuava na distribuição de drogas.
Sobre o tema, destaco os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. DOSIMETRIA. REDUTOR DE PENA PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REGISTRO DE ATOS INFRACIONAIS. PRECEDENTES DESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 está condicionada ao preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos legais: primariedade, bons antecedentes, não dedicação a atividades criminosas ou integração a organização criminosa.
2. No caso, o redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 foi afastado pelas instâncias ordinárias, em razão das circunstâncias do caso concreto, tendo em vista não apenas a apreensão de drogas, mas especialmente de petrechos necessários ao tráfico. Dessa forma, para se desconstituir tal assertiva, como pretendido, seria necessário o revolvimento da moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.
3. Ademais, quanto à existência de registros de atos infracionais praticados pelo paciente, deve-se ressaltar que esta Corte Superior tem entendido que o envolvimento do paciente quando adolescente em atos fracionais, sobretudo quando relacionado ao crime de entorpecentes, podem justificar a não aplicação da causa especial de diminuição da pena, porquanto demonstra a dedicação do agente a práticas criminosas (HC 423.378/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 19/12/2017). Precedentes.
4. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no HC 591.341/SP, de minha relatoria, julgado em 4/8/2020, DJe 13/8/2020).
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE O RELATOR NÃO CONHECER DA IMPETRAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 34, INCISO XX, DO RISTJ. O artigo 34, inciso XX, do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça autoriza o relator a decidir o habeas corpus quando for inadmissível, prejudicado, improcedente ou quando a decisão impugnada se conformar com a jurisprudência dominante acerca do tema, exatamente como ocorre na hipótese dos autos, inexistindo prejuízo à parte, já que dispõe do respectivo regimental, razão pela qual não se configura ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes.
TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE REDUÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. QUANTIDADE E DIVERSIDADE DAS DROGAD APREENDIDAS. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS EM LEI.
1. O § 4º do art. 33 da Lei n.º 11.343/06 dispõe que para o crime de tráfico de entorpecentes e suas figuras equiparadas as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa.
2. Na hipótese, as circunstâncias em que cometido o delito, a apreensão de petrechos próprios, balança de precisão, papéis picotados para a embalagem de drogas, inúmeros eppendorfs vazios, aliadas à quantidade e diversidade de entorpecentes apreendidos, são elementos concretos capazes de afastar a incidência da benesse.
REGIME INICIAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PENA SUPERIOR A 4 ANOS E INFERIOR A 8 ANOS DE RECLUSÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Estabelecida a pena em patamar superior a 4 anos e inferior a 8 anos de reclusão e favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, possível a fixação do regime inicial semiaberto, diante das circunstâncias do caso concreto, nos termos do art. 33, § 2º e 3º, do CP.
2. Agravo parcialmente provido para estabelecer o regime inicial semiaberto para o cumprimento da reprimenda (AgRg no HC 530.378/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 7/11/2019, DJe 19/11/2019).
E, para se desconstituir tal assertiva, como pretendido, seria necessário o revolvimento da moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, C/C O ART. 40, VI, AMBOS DA LEI 11.343/2006. PACIENTE CONDENADO À PENA CORPORAL DE 6 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL SEMIABERTO. PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICA-SE ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS, ANTE A PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL. INVIABILIDADE. MONTANTE DA PENA QUE NÃO COMPORTA OS BENEFÍCIOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
..
- Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher cumulativamente todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
..
- Dessa forma, apesar de a quantidade da droga apreendida não ter sido muito elevada, tendo havido fundamentação concreta, pelo Tribunal local, para não aplicar o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, pois não preenchidos os requisitos legais, concluo que, para entender de modo diverso, afastando-se a conclusão de que o paciente não se dedica às atividades criminosas, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório amealhado durante a instrução probatória, o que, como cediço, é vedado na via estreita do habeas corpus, de cognição sumária. Precedentes.
..
- Habeas corpus não conhecido (HC n. 406.667/RS, de minha relatoria, Quinta Turma, Julgado em 3/10/2017, DJe 11/10/2017).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. TRÁFICO DE DROGAS. AFASTAMENTO DO REDUTOR PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. APREENSÃO DE PETRECHOS PARA A TRAFICÂNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE QUE O PACIENTE SE DEDICA ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. A prolação de decisão monocrática pelo ministro relator não representa violação ao princípio da colegialidade, como aponta a defesa do agravante, pois está autorizada pelo art. 34, inciso XX, do Regimento Interno desta Corte. Tal entendimento foi consolidado pela jurisprudência deste Tribunal no enunciado n. 568 da Súmula, aplicável ao caso, mutatis mutandis. Ademais, os temas decididos monocraticamente sempre poderão ser levados à análise do Órgão Colegiado por meio do controle recursal, via interposição de agravo regimental, como foi feito na espécie.
2. Não se verifica constrangimento ilegal a ser sanado no ponto em que foi afastada a incidência do redutor de pena, previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, ante a apreensão de petrechos para a traficância, além da presença de outras circunstâncias fáticas que demonstram a dedicação do paciente às atividades criminosas. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INEXISTÊNCIA. TRÁFICO DE DROGAS. AFASTAMENTO DO REDUTOR PREVISTO NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. APREENSÃO DE PETRECHOS PARA A TRAFICÂNCIA. DEMONSTRAÇÃO DE QUE O PACIENTE SE DEDICA ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. | 1. A prolação de decisão monocrática pelo ministro relator não representa violação ao princípio da colegialidade, como aponta a defesa do agravante, pois está autorizada pelo art. 34, inciso XX, do Regimento Interno desta Corte. Tal entendimento foi consolidado pela jurisprudência deste Tribunal no enunciado n. 568 da Súmula, aplicável ao caso, mutatis mutandis. Ademais, os temas decididos monocraticamente sempre poderão ser levados à análise do Órgão Colegiado por meio do controle recursal, via interposição de agravo regimental, como foi feito na espécie.
2. Não se verifica constrangimento ilegal a ser sanado no ponto em que foi afastada a incidência do redutor de pena, previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, ante a apreensão de petrechos para a traficância, além da presença de outras circunstâncias fáticas que demonstram a dedicação do paciente às atividades criminosas. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
145,896,340 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO. TERMO INICIAL EM QUE EFETIVAMENTE FORAM IMPLEMENTADOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO, E NÃO A DATA DA EFETIVA INSERÇÃO NO REGIME INTERMEDIÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Após o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 115.254/SP, esta Corte Superior de Justiça, revendo sua orientação anterior, passou a entender que, ""na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta.""
3. Sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos.
Precedentes: AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020; AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020; AgRg no HC 635.901/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021; AgRg no HC 634.186/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 30/03/2021.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por JOSÉ RICARDO SOLER DOS SANTOS contra decisão monocrática de minha lavra que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor e por meio do qual pretendia fosse considerada como data-base para fins de progressão ao regime aberto o dia em que o sentenciado preencheu o requisito objetivo para progressão ao regime semiaberto.
No presente recurso, a defesa reafirma que a data-base para nova progressão de regime deve ser a data do preenchimento do requisito objetivo para fins de progressão ao regime intermediário, ao argumento de que o recorrente não pode ser prejudicado por inoperância do sistema.
Aduz que "Esse entendimento segue também o adotado para o caso das faltas disciplinares praticadas durante o cumprimento de pena, em que o STJ e o STF entende que a data-base para nova progressão é a data da falta grave, e não o dia que em que foi publicada a decisão que reconheceu judicialmente" (e-STJ fl. 61).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que não conheceu habeas corpus, nos seguintes termos:
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Termo inicial para futura progressão de regime prisional
Na hipótese vertente, o Tribunal de Justiça entendeu que o termo inicial a ser adotado para fins de cálculo de progressão de regime não é a data em que o requisito objetivo foi preenchido pelo reeducando, mas sim o dia em que foi elaborado laudo de exame cronológico favorável, oportunidade em que o reeducando efetivamente preencheu, concomitantemente, os requisitos objetivo e subjetivo, nos termos do art. 112 da LEP.
Com efeito, sobre a matéria, consolidou-se nesta Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que a data-base para verificação da implementação dos requisitos objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei n. 7.210/1984, deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.
Nesse sentido, colaciono, a título exemplificativo, os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DATA-BASE PARA FUTURA PROGRESSÃO. DATA EM QUE FORAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. ÚLTIMO REQUISITO PENDENTE. ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. EXAME CRIMINOLÓGICO. ADEQUAÇÃO PARA AFERIR O REQUISITO SUBJETIVO. MATÉRIA NÃO ANALISADA NO ARESTO COMBATIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT DO QUAL NÃO SE CONHECEU. DECISÃO MANTIDA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. O Supremo Tribunal Federal, no HC n. 115.254/SP, passou a adotar o posicionamento de que, por ter a decisão que concede a progressão de regime natureza meramente declaratória, o marco inicial para a concessão do benefício é a data do preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 112 da Lei de Execução Penal.
2. No caso em análise, embora preenchido anteriormente o requisito objetivo pelo paciente, o lapso inicial a ser considerado para fins de promoção carcerária é o momento em que foi implementado o último requisito legal, o qual, segundo a Corte estadual, foi atestado por meio de "Informações Psicológicas e Relatório Social, elaborados em 31 de julho de 2019 e assinados por psicólogo e assistente social respectivamente, atestando o mérito do paciente para a obtenção da almejada progressão de regime", ocasião em que entendeu estar preenchido o requisito subjetivo.
3. Nesse contexto, verifica-se que o Tribunal de origem, ao definir como termo inicial para fins de progressão de regime o momento em que atingidos os requisitos objetivo e subjetivo para o regime aberto, decidiu em consonância com a jurisprudência deste Sodalício.
4. A alegação defensiva de que o exame criminológico não seria instrumento adequado para aferir o preenchimento ou não do requisito subjetivo pelo apenado, não foi objeto de deliberação pela autoridade impetrada, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre o tópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.
5. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do habeas corpus, por se afigurar manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício, em razão da ausência de constrangimento ilegal a ser sanado.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020) - negritei.
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NOVA ORIENTAÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR. DATA-BASE PARA FUTURAS PROGRESSÕES. DATA EM QUE FORAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ANÁLISE CASUÍSTICA PARA DEFINIR O MOMENTO EM QUE PREENCHIDO O ÚLTIMO REQUISITO PENDENTE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
I - (..).
II - A Segunda Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 115.254/SP, de relatoria do e. Min. Gilmar Mendes, firmou entendimento de que a decisão que concede a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva, razão pela qual o marco inicial para futuras progressões será a data em que o apenado preencher os requisitos legais, e não a do início da reprimenda no regime anterior.
III - Alinhando-se a novel orientação da eg. Suprema Corte, a Quinta Turma deste Tribunal Superior, No julgamento do AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, de relatoria do e. Min. Ribeiro Dantas, evoluiu em seu entendimento "no sentido de que a data inicial para progressão de regime deve ser aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal, e não a data da efetiva inserção do reeducando no regime atual" (AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 24/8/2016).
IV - Portanto, a data-base para verificação do implemento dos requisitos objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei n. 7.210/1984, deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão proferida pelo d. Juízo das Execuções, em 6/7/2018, que deferiu ao paciente a progressão ao regime aberto adotando como data-base para a concessão do benefício, a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo previstos na legislação.
(HC 526.825/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 20/11/2019) - negritei.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NOVA ORIENTAÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR. DATA-BASE PARA FUTURAS PROGRESSÕES. DATA NA QUAL IMPLEMENTADOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ANÁLISE CASUÍSTICA PARA DEFINIR O MOMENTO EM QUE PREENCHIDO O ÚLTIMO REQUISITO PENDENTE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - (..).
II - A jurisprudência desta Corte Superior entendia que "o termo a quo para obtenção da progressão de regime é a data do efetivo ingresso do Apenado ao regime anterior, não podendo a decisão judicial considerar tempo ficto ou retroagir à data do preenchimento dos requisitos .. " (AgRg no HC n. 218.262/MG, Quinta Turma, Relª. Minª. Regina Helena Costa, DJe de 28/5/2014).
III - A Segunda Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 115.254/SP, de relatoria do e. Min. Gilmar Mendes, firmou entendimento de que a decisão que concede a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva, razão pela qual o marco inicial para futuras progressões será a data em que o apenado preencher os requisitos legais, e não a do início da reprimenda no regime anterior.
IV - Alinhando-se a novel orientação da eg. Suprema Corte, a Quinta Turma deste Tribunal Superior, em 9/8/2016, quando do julgamento do AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, de relatoria do e. Min. Ribeiro Dantas, evoluiu em seu entendimento "no sentido de que a data inicial para progressão de regime deve ser aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal, e não a data da efetiva inserção do reeducando no regime atual" (AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 24/8/2016).
V - Portanto, a data-base para verificação da implementação dos requisitos objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei n. 7.210/84, deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.
VI - In casu, ante a determinação de realização de exame criminológico, o requisito subjetivo somente restou implementado no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 414.156/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017) - negritei.
Esse entendimento está em consonância com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no HC n. 115.254/SP, assim ementado:
Habeas Corpus. 2. Execução Penal. Progressão de regime. Data-base. 3. Nos termos da jurisprudência do STF, obsta o conhecimento do habeas corpus a falta de exaurimento da jurisdição decorrente de ato coator consubstanciado em decisão monocrática proferida pelo relator e não desafiada por agravo regimental. Todavia, em casos de manifesto constrangimento ilegal, tal óbice deve ser superado. 4. Na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. 5. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. 6. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta. 7. Constrangimento ilegal reconhecido, ordem concedida. (grifei)
(STF, HC 115.254, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 26/2/2016).
No caso, o Tribunal a quo, em consonância com tal diretriz jurisprudencial, considerou como data-base para a nova progressão de regime prisional, o dia em que foi realizado o exame criminológico, e se implementou, em consequência, o último requisito (subjetivo).
Assim, inexistente flagrante ilegalidade, a justificar a concessão do writ de ofício.
Ante o exposto, com amparo no art. 34, XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus.
Na mesma linha do entendimento descrito na decisão agravada, aponto ainda, os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO. TERMO INICIAL EM QUE EFETIVAMENTE FORAM IMPLEMENTADOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO, E NÃO A DATA DA EFETIVA INSERÇÃO NO REGIME INTERMEDIÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Após o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 115.254/SP, esta Corte Superior de Justiça, revendo sua orientação anterior, passou a entender que, ""na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta"".
Precedentes: AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020; AgRg no HC 483.489/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/04/2019, DJe 26/04/2019; AgRg no HC 481.806/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019.
3. Sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos. Precedente: HC 414.156/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. TERMO INICIAL PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 112 DA LEP. REQUISITO SUBJETIVO. REALIZAÇÃO DO EXAME CRIMINOLÓGICO. IMPLEMENTAÇÃO APÓS LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO (REQUISITO OBJETIVO). AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado no julgamento do HC 115.254 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.12.2015), para estabelecer, como marco para a subsequente progressão, a data em que o apenado preencheu os requisitos legais do art. 112 da LEP e não aquela em que o Juízo das Execuções, em decisão declaratória, deferiu o benefício ou aquela em que o reeducando, efetivamente, foi inserido no atual regime.
2. Destaca-se, portanto, que o termo a quo para nova progressão de regime será a data de efetiva implementação dos requisitos objetivo e subjetivo insertos no art. 112 da Lei de Execução Penal, ou seja, a data em que teria direito ao benefício, tendo em vista a natureza meramente declaratória da decisão concessiva da progressão de regime.
3. Dessarte, em respeito ao princípio da individualização da pena, a fixação da data-base para futuras progressões dar-se-á caso a caso, quando implementado o último pressuposto pendente, seja ele o subjetivo - na hipótese de ter sido superado o lapso temporal necessário - ou o objetivo - se já preenchido o requisito subjetivo.
4. Assim, "sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos. Precedente: HC 414.156/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017" (AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020).
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 635.901/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. MARCO INICIAL. DATA EM QUE O REEDUCANDO EFETIVAMENTE PREENCHEU OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 112 DA LEP. DETERMINADA REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. REQUISITO SUBJETIVO PREENCHIDO NA DATA DO PARECER FAVORÁVEL EXARADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A Quinta e a Sexta Turma deste Superior Tribunal se alinharam ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal de modo a fixar, como data-base para subsequente progressão de regime, aquela em que o reeducando preencheu os requisitos objetivo e subjetivo do art. 112 da LEP e não aquela em que: a) o Juízo da VEC deferiu o benefício anterior ou b) ocorreu o efetivo ingresso no regime atual.
2. Na hipótese, na data em que o reeducando implementou o critério objetivo do art. 112 da LEP, ele não tinha mérito para a progressão, tanto que o Juiz da VEC não o promoveu de regime, mas determinou a realização de exame criminológico.
3. Em razão da determinação de realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento em que houve parecer técnico favorável, sendo esta a data-base a ser considerada para nova progressão, não obstante o requisito objetivo haver sido preenchido em momento anterior.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 634.186/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 30/03/2021)
Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por JOSÉ RICARDO SOLER DOS SANTOS contra decisão monocrática de minha lavra que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor e por meio do qual pretendia fosse considerada como data-base para fins de progressão ao regime aberto o dia em que o sentenciado preencheu o requisito objetivo para progressão ao regime semiaberto.
No presente recurso, a defesa reafirma que a data-base para nova progressão de regime deve ser a data do preenchimento do requisito objetivo para fins de progressão ao regime intermediário, ao argumento de que o recorrente não pode ser prejudicado por inoperância do sistema.
Aduz que "Esse entendimento segue também o adotado para o caso das faltas disciplinares praticadas durante o cumprimento de pena, em que o STJ e o STF entende que a data-base para nova progressão é a data da falta grave, e não o dia que em que foi publicada a decisão que reconheceu judicialmente" (e-STJ fl. 61).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que não conheceu habeas corpus, nos seguintes termos:
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Termo inicial para futura progressão de regime prisional
Na hipótese vertente, o Tribunal de Justiça entendeu que o termo inicial a ser adotado para fins de cálculo de progressão de regime não é a data em que o requisito objetivo foi preenchido pelo reeducando, mas sim o dia em que foi elaborado laudo de exame cronológico favorável, oportunidade em que o reeducando efetivamente preencheu, concomitantemente, os requisitos objetivo e subjetivo, nos termos do art. 112 da LEP.
Com efeito, sobre a matéria, consolidou-se nesta Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que a data-base para verificação da implementação dos requisitos objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei n. 7.210/1984, deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.
Nesse sentido, colaciono, a título exemplificativo, os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DATA-BASE PARA FUTURA PROGRESSÃO. DATA EM QUE FORAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. ÚLTIMO REQUISITO PENDENTE. ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. EXAME CRIMINOLÓGICO. ADEQUAÇÃO PARA AFERIR O REQUISITO SUBJETIVO. MATÉRIA NÃO ANALISADA NO ARESTO COMBATIDO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT DO QUAL NÃO SE CONHECEU. DECISÃO MANTIDA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. O Supremo Tribunal Federal, no HC n. 115.254/SP, passou a adotar o posicionamento de que, por ter a decisão que concede a progressão de regime natureza meramente declaratória, o marco inicial para a concessão do benefício é a data do preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 112 da Lei de Execução Penal.
2. No caso em análise, embora preenchido anteriormente o requisito objetivo pelo paciente, o lapso inicial a ser considerado para fins de promoção carcerária é o momento em que foi implementado o último requisito legal, o qual, segundo a Corte estadual, foi atestado por meio de "Informações Psicológicas e Relatório Social, elaborados em 31 de julho de 2019 e assinados por psicólogo e assistente social respectivamente, atestando o mérito do paciente para a obtenção da almejada progressão de regime", ocasião em que entendeu estar preenchido o requisito subjetivo.
3. Nesse contexto, verifica-se que o Tribunal de origem, ao definir como termo inicial para fins de progressão de regime o momento em que atingidos os requisitos objetivo e subjetivo para o regime aberto, decidiu em consonância com a jurisprudência deste Sodalício.
4. A alegação defensiva de que o exame criminológico não seria instrumento adequado para aferir o preenchimento ou não do requisito subjetivo pelo apenado, não foi objeto de deliberação pela autoridade impetrada, circunstância que impede qualquer manifestação deste Sodalício sobre o tópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância.
5. Mantém-se a decisão singular que não conheceu do habeas corpus, por se afigurar manifestamente incabível, e não concedeu a ordem de ofício, em razão da ausência de constrangimento ilegal a ser sanado.
6. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020) - negritei.
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NOVA ORIENTAÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR. DATA-BASE PARA FUTURAS PROGRESSÕES. DATA EM QUE FORAM PREENCHIDOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ANÁLISE CASUÍSTICA PARA DEFINIR O MOMENTO EM QUE PREENCHIDO O ÚLTIMO REQUISITO PENDENTE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO.
I - (..).
II - A Segunda Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 115.254/SP, de relatoria do e. Min. Gilmar Mendes, firmou entendimento de que a decisão que concede a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva, razão pela qual o marco inicial para futuras progressões será a data em que o apenado preencher os requisitos legais, e não a do início da reprimenda no regime anterior.
III - Alinhando-se a novel orientação da eg. Suprema Corte, a Quinta Turma deste Tribunal Superior, No julgamento do AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, de relatoria do e. Min. Ribeiro Dantas, evoluiu em seu entendimento "no sentido de que a data inicial para progressão de regime deve ser aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal, e não a data da efetiva inserção do reeducando no regime atual" (AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 24/8/2016).
IV - Portanto, a data-base para verificação do implemento dos requisitos objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei n. 7.210/1984, deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para restabelecer a decisão proferida pelo d. Juízo das Execuções, em 6/7/2018, que deferiu ao paciente a progressão ao regime aberto adotando como data-base para a concessão do benefício, a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo previstos na legislação.
(HC 526.825/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 20/11/2019) - negritei.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. DECISÃO DE NATUREZA DECLARATÓRIA. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NOVA ORIENTAÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR. DATA-BASE PARA FUTURAS PROGRESSÕES. DATA NA QUAL IMPLDOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL. ANÁLISE CASUÍSTICA PARA DEFINIR O MOMENTO EM QUE PREENCHIDO O ÚLTIMO REQUISITO PENDENTE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
I - (..).
II - A jurisprudência desta Corte Superior entendia que "o termo a quo para obtenção da progressão de regime é a data do efetivo ingresso do Apenado ao regime anterior, não podendo a decisão judicial considerar tempo ficto ou retroagir à data do preenchimento dos requisitos .. " (AgRg no HC n. 218.262/MG, Quinta Turma, Relª. Minª. Regina Helena Costa, DJe de 28/5/2014).
III - A Segunda Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 115.254/SP, de relatoria do e. Min. Gilmar Mendes, firmou entendimento de que a decisão que concede a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva, razão pela qual o marco inicial para futuras progressões será a data em que o apenado preencher os requisitos legais, e não a do início da reprimenda no regime anterior.
IV - Alinhando-se a novel orientação da eg. Suprema Corte, a Quinta Turma deste Tribunal Superior, em 9/8/2016, quando do julgamento do AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, de relatoria do e. Min. Ribeiro Dantas, evoluiu em seu entendimento "no sentido de que a data inicial para progressão de regime deve ser aquela em que o apenado preencheu os requisitos do art. 112 da Lei de Execução Penal, e não a data da efetiva inserção do reeducando no regime atual" (AgRg no REsp n. 1.582.285/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 24/8/2016).
V - Portanto, a data-base para verificação da implementação dos requisitos objetivo e subjetivo, previstos no art. 112 da Lei n. 7.210/84, deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo.
VI - In casu, ante a determinação de realização de exame criminológico, o requisito subjetivo somente restou implementado no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior.
Habeas corpus não conhecido.
(HC 414.156/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017) - negritei.
Esse entendimento está em consonância com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, no HC n. 115.254/SP, assim ementado:
Habeas Corpus. 2. Execução Penal. Progressão de regime. Data-base. 3. Nos termos da jurisprudência do STF, obsta o conhecimento do habeas corpus a falta de exaurimento da jurisdição decorrente de ato coator consubstanciado em decisão monocrática proferida pelo relator e não desafiada por agravo regimental. Todavia, em casos de manifesto constrangimento ilegal, tal óbice deve ser superado. 4. Na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. 5. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. 6. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta. 7. Constrangimento ilegal reconhecido, ordem concedida. (grifei)
(STF, HC 115.254, Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 26/2/2016).
No caso, o Tribunal a quo, em consonância com tal diretriz jurisprudencial, considerou como data-base para a nova progressão de regime prisional, o dia em que foi realizado o exame criminológico, e se implementou, em consequência, o último requisito (subjetivo).
Assim, inexistente flagrante ilegalidade, a justificar a concessão do writ de ofício.
Ante o exposto, com amparo no art. 34, XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do habeas corpus.
Na mesma linha do entendimento descrito na decisão agravada, aponto ainda, os seguintes julgados:
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Após o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 115.254/SP, esta Corte Superior de Justiça, revendo sua orientação anterior, passou a entender que, ""na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta"".
Precedentes: AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020; AgRg no HC 483.489/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/04/2019, DJe 26/04/2019; AgRg no HC 481.806/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 01/03/2019.
3. Sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos. Precedente: HC 414.156/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. TERMO INICIAL PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. ART. 112 DA LEP. REQUISITO SUBJETIVO. REALIZAÇÃO DO EXAME CRIMINOLÓGICO. IMPLÇÃO APÓS LAPSO TEMPORAL NECESSÁRIO (REQUISITO OBJETIVO). AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, externado no julgamento do HC 115.254 (Rel. Ministro GILMAR MENDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15.12.2015), para estabelecer, como marco para a subsequente progressão, a data em que o apenado preencheu os requisitos legais do art. 112 da LEP e não aquela em que o Juízo das Execuções, em decisão declaratória, deferiu o benefício ou aquela em que o reeducando, efetivamente, foi inserido no atual regime.
2. Destaca-se, portanto, que o termo a quo para nova progressão de regime será a data de efetiva implementação dos requisitos objetivo e subjetivo insertos no art. 112 da Lei de Execução Penal, ou seja, a data em que teria direito ao benefício, tendo em vista a natureza meramente declaratória da decisão concessiva da progressão de regime.
3. Dessarte, em respeito ao princípio da individualização da pena, a fixação da data-base para futuras progressões dar-se-á caso a caso, quando implementado o último pressuposto pendente, seja ele o subjetivo - na hipótese de ter sido superado o lapso temporal necessário - ou o objetivo - se já preenchido o requisito subjetivo.
4. Assim, "sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos. Precedente: HC 414.156/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 29/11/2017" (AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020).
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 635.901/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. MARCO INICIAL. DATA EM QUE O REEDUCANDO EFETIVAMENTE PREENCHEU OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO DO ART. 112 DA LEP. DETERMINADA REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. REQUISITO SUBJETIVO PREENCHIDO NA DATA DO PARECER FAVORÁVEL EXARADO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A Quinta e a Sexta Turma deste Superior Tribunal se alinharam ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal de modo a fixar, como data-base para subsequente progressão de regime, aquela em que o reeducando preencheu os requisitos objetivo e subjetivo do art. 112 da LEP e não aquela em que: a) o Juízo da VEC deferiu o benefício anterior ou b) ocorreu o efetivo ingresso no regime atual.
2. Na hipótese, na data em que o reeducando implementou o critério objetivo do art. 112 da LEP, ele não tinha mérito para a progressão, tanto que o Juiz da VEC não o promoveu de regime, mas determinou a realização de exame criminológico.
3. Em razão da determinação de realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento em que houve parecer técnico favorável, sendo esta a data-base a ser considerada para nova progressão, não obstante o requisito objetivo haver sido preenchido em momento anterior.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 634.186/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 30/03/2021)
Diante do exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO. TERMO INICIAL EM QUE EFETIVAMENTE FORAM IMPLEMENTADOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO, E NÃO A DATA DA EFETIVA INSERÇÃO NO REGIME INTERMEDIÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Após o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 115.254/SP, esta Corte Superior de Justiça, revendo sua orientação anterior, passou a entender que, ""na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta.""
3. Sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos.
Precedentes: AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020; AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020; AgRg no HC 635.901/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021; AgRg no HC 634.186/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 30/03/2021.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO PARA O REGIME ABERTO. TERMO INICIAL EM QUE EFETIVAMENTE FORAM IMPLEMENTADOS OS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO, E NÃO A DATA DA EFETIVA INSERÇÃO NO REGIME INTERMEDIÁRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
2. Após o julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no HC 115.254/SP, esta Corte Superior de Justiça, revendo sua orientação anterior, passou a entender que, ""na execução da pena, o marco para a progressão de regime será a data em que o apenado preencher os requisitos legais (art. 112, LEP), e não a do início do cumprimento da reprimenda no regime anterior. A decisão que defere a progressão de regime tem natureza declaratória, e não constitutiva. Deve ser aplicada a mesma lógica utilizada para a regressão de regime em faltas graves (art. 118, LEP), em que a data-base é a da prática do fato, e não da decisão posterior que reconhece a falta.""
3. Sendo determinada a realização de exame criminológico, reputa-se preenchido o requisito subjetivo no momento da realização do exame favorável ao paciente, razão pela qual deve ser considerado como data-base para nova progressão, mesmo estando o requisito objetivo preenchido em momento anterior. Caso dos autos.
Precedentes: AgRg no HC 540.250/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 16/03/2020; AgRg no HC 620.573/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 01/12/2020, DJe 07/12/2020; AgRg no HC 635.901/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021; AgRg no HC 634.186/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 30/03/2021.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
146,041,747 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE SOCIAL. POSIÇÃO DE DESTAQUE NO ESQUEMA CRIMINOSO. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. RECOMENDAÇÃO DE REVISÃO DA PRISÃO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. No caso, a decisão de primeiro grau afirma que o ora agravante estaria diretamente no comando de em um forte e engenhoso esquema de comercialização de drogas (cocaína e crack) na cidade de São Paulo, com o envolvimento de um menor de idade à época. Ainda, destacou as apreensões feitas com agravante (caderno comdiversas anotações relacionadas) e o fato de quetodos já eram conhecidos dos meios policiais, contexto que demonstra uma periculosidade sociale o efetivo risco à ordem pública. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido. Recomendação de revisão da prisão cautelar.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por MAICON DE CAMPOS contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso em habeas corpus (e-STJ fls. 404/413).
Segundo consta dos autos, o recorrente foi preso em flagrante no dia 25/3/2021, pela suposta prática do delito tipificado nos artigos 244-B, da Lei n. 8.069/1990, e 35, caput, c. c. o artigo 40, inciso VI, da Lei nº 11.343/2006. A prisão foi convertida em preventiva, porque (e-STJ fls. 23/25):
.. em datas incertas e pretéritas a 25 de março do corrente ano, os denunciados, sob o comando de Maicon de Campos, em tese, associaram-se para o cometimento do crime de tráfico de drogas nesta cidade e região, integrando assim um engenhoso esquema com a finalidade de tornar o comércio espúrio de entorpecentes um lucrativo modo de vida.
Extrai-se ainda da exordial acusatória que os acusados Matheus Domingues Pereira e Douglas de Lima exerciam a função de gerentes do tráfico de drogas nos bairros Jardim Carolina e Bela Vista, nesta cidade de Artur Nogueira ao mesmo tempo em que Douglas de Lima, Luiz Enrique Silva Santos e o adolescente à época dos fatos Carlos Eduardo Ferreira Rodrigues seriam os responsáveis por manter toda a rede de contatos e entregas de entorpecentes entre os diversos pontos espalhados pela cidade. (grifei)
Nas razões do presente recurso, a defesa reafirma que o ora agravante não oferece qualquer risco, caso seja colocado em liberdade, porquanto ausentes as hipóteses legais previstas no art. 312 do CPP. Argumenta que o tempo de prisão já se mostra desproporcional, quando comparado a um eventual regime prisional em caso de condenação, sobretudo porque se encontra segregado desde 24/6/2021, por força de mandado de prisão temporária, convertido posteriormente em prisão preventiva, sendo que a audiência de instrução está prevista somente para o dia 11/4/2022.
No mais, ressalta que o agravante é primário, trabalha (é microempresário) e tem residência fixa, o que evidencia a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares mais brandas.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo colegiado para revogar a prisão preventiva do recorrente.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede dehabeas corpuse de recurso emhabeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio dohabeas corpusconstituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem dehabeas corpusapenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 comstatusde princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior doParquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional,homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aoshabeas corpuse garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocráticodowritantes da ouvida doParquetem casosde jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Busca-se, neste recurso emhabeas corpus, a revogação da segregação cautelar, decretada em decorrência da prática do crime, em tese, de associação para o tráfico de drogas e corrupção de menores.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência depericulum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão(HC nº137.066/PE, Rel.Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014;RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; eRHC n. 97.893/RR, Rel.Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019;HC n. 503.046/RN, Rel.Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem aimprescindibilidadeda medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel.Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015;HC n. 296.543/SP, Rel.Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 23/25):
Consta da denúncia que, em datas incertas e pretéritas a 25 de março do corrente ano, os denunciados, sob o comando de Maicon de Campos, em tese, associaram-se para o cometimento do crime de tráfico de drogas nesta cidade e região, integrando assim um engenhoso esquema com a finalidade de tornar o comércio espúrio de entorpecentes um lucrativo modo de vida.
Extrai-se ainda da exordial acusatória que os acusados Matheus Domingues Pereira e Douglas de Lima exerciam a função de gerentes do tráfico de drogas nos bairros Jardim Carolina e Bela Vista, nesta cidade de Artur Nogueira ao mesmo tempo em que Douglas de Lima, Luiz Enrique Silva Santos e o adolescente à época dos fatos Carlos Eduardo Ferreira Rodrigues seriam os responsáveis por manter toda a rede de contatos e entregas de entorpecentes entre os diversos pontos espalhados pela cidade.
Dos relatórios de investigação, amparados por laudos de extração de dados, oriundos de outros desdobramentos investigativos, extraem-se fotografias e várias conversas que deixam claro que a linha de investigação levada a efeito pela autoridade policial se encontra amparada em informações que indicam, com considerável grau de certeza, que os denunciados têm participação no ilícito já mencionado.
Frise-se ainda que foram apreendidos cadernos em poder de Maicon de Campos, os quais demonstram diversas anotações relacionadas ao forte esquema de comercialização de drogas.
Nesse sentido, a prisão preventiva dos denunciados é medida que se impõe, uma vez que a ordem pública e a paz social, bem como a futura aplicação da lei penal estão em risco, caso os acusados permaneçam em liberdade.
Destaco ainda que a custódia se faz necessária como forma de evitar que os denunciados,todos já conhecidos dos meios policiais,intimidem testemunhas e coloquem em risco a colheita de novas provas, sendo evidente que, caso permaneçam soltos, os supostos fatos criminosos continuarão a ocorrer, colocando ainda em risco todo o trabalho realizado pela polícia judiciária.
Ademais, a materialidade do delito vem demonstrada pelos diversos laudos juntados aos autos havendo, ainda, indícios suficientes de autoria, consubstanciados nos depoimentos prestados em solo policial e nos demais elementos colhidos ao longo da investigação.
De igual sorte, as condutas imputadas a Douglas de Lima, Luiz Enrique Silva Santos, Maicon de Campos e Matheus Domingues Pereira são concretamente graves, haja vista o considerável esquema por eles montado, indicando ao menos em tese, que eles se associaram para a venda de entorpecentes, circunstância que evidenciam se tratar de pessoas que colocam em risco a ordem pública (art. 312 do CPP).
Destaco, por oportuno, que as provas juntadas aos autos demonstram que os denunciados eram responsáveis pela comercialização de substâncias altamente nocivas à saúde humana, quais sejam, cocaína e crack,autorizará, na eventual hipótese de condenação dos indiciados, a elevação de sua pena-base em respeito ao que prevê o art. 42 da Lei de Drogas, circunstância que, aliada ao que preveem os arts. 33, §3º, e 59, III, ambos do CP, permitirá, ao menos em tese, a fixação de regime prisional mais gravoso que o aberto, qual seja, o semiaberto.
Referido entendimento autoriza a decretação da custódia cautelar e respeita o que previu o Ministro Rogério Schietti Cruz em sua decisão monocrática proferida nos autos do HC596.603.
..
No mais, deve-se destacar que o ilícito é doloso e punido, em abstrato, com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos.
Outrossim, afigura-se inadequada e insuficiente a concessão das medidas cautelares diversas da prisão.
Isso porque o mero comparecimento periódico em juízo para os indiciados informarem e justificarem suas atividades não impediriam que eles tornassem a praticar delitos.
De igual sorte, os indiciados, caso fossem agraciados com a medida cautelar prevista no inciso II do art. 319 do CPP, bem poderia traficar drogas em locais não abrangidos pela decisão judicial, o que demonstra a ineficácia da medida.
Quanto à imposição de fiança, tem-se que o caso em apreço não a admite, visto que cabível a decretação da prisão preventiva.
As medidas cautelares previstas nos incisos V e IX do referido dispositivo legal, por sua vez, mostram-se inócuas, porquanto não impediriam que os indiciados utilizassem suas residências - ou arredores - para praticar o comércio espúrio de entorpecentes.
No mais, as medidas cautelares previstas nos incisos III, IV, VI e VII do art. 319 do CPP não se aplicam à espécie.
Conclui-se, portanto, que a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão ou a concessão de liberdade provisória não é manifestamente cabível no caso em tela, não havendo que se falar em violação à garantia constitucional da presunção de inocência, pois a presente decisão não representa antecipação da reprimenda, nem reconhecimento definitivo da culpabilidade.
Registro, por oportuno, que a pandemia de corona vírus que se alastra pela sociedade não pode servir de argumento válido para beneficiar criminosos, especialmente se considerado o fato de não haver absolutamente nenhum estudo científico que comprove que os detentos se encontram em situação mais grave que os cidadãos de bem, os quais também se encontram trancafiados em suas casas. Quanto ao caso em espécie, destaco que nenhum documento juntado aos autos indicam que os indiciados possuem patologias que os coloquem nos grupos de risco da pandemia, tratando-se, isto sim, de adultos com menos de 30 anos de idade, sem sinal de doença grave e que deve, por conseguinte, suportar as consequências de suas condutas.
(Grifei)
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 343/346):
Segundo o apurado na investigação criminal conduzida pela polícia civil no inquérito policial nº 1500373-37.2021.8.26.0666, no pedido de busca e apreensão nº 1500239-37.2021.8.26.0666, cujos mandados foram cumpridos em 25 de março de 2021, e de busca e apreensão e prisão temporária nº 1500572-86.2021.8.26.0666, Matheus Domingues Pereira, vulgo "Minas" ou "Queijeiro", e Douglas de Lima, vulgo Homer/Paratudo, exerciam a função, cada qual, de gerência do tráfico de drogas nos bairros Jardim Carolina e Bela Vista para o paciente, vulgo "Zangado", que foi apontado como o responsável por organizar a distribuição e o comércio de entorpecentes nas "biqueiras" dos dois bairros. E, conforme deixam claro os registros em cadernos (fls. 26/37) e em mensagens de celulares, ele dividia as porções de entorpecentes entre os dois "gerentes", que, por sua vez, as repassavam a diversos traficantes da cidade, controlando o que cada um deveria comercializar. Além disso, os cadernos apreendidos em poder de Maicon, apontam as dívidas mantidas por alguns traficantes (fls. 26/37), bem como informações sobre o fracionamento de entorpecentes (cfe. anotações de fl. 35).
Ante o relatado, de se concluir pela existência de prova da materialidade dos crimes imputados ao paciente, demonstrados pelos autos e laudos até o momento coligidos, bem como de suficientes indícios de autoria, consistentes nos depoimentos colhidos no procedimento inquisitorial.
Portanto, estão presentes os pressupostos da prisão cautelar, tendo em vista que a prova até aqui produzida, nos limites em que ela pode ser examinada no âmbito estreito do habeas corpus, indica o envolvimento do paciente na disseminação de drogas. Trata-se de atividade nefasta, que deve ser coibida com rigor, de modo que é cabível, no caso, a custódia preventiva, para garantia da ordem pública.
Ademais, a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente não ostenta qualquer vício de fundamentação, satisfazendo plenamente as exigências do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, sendo consistentes e juridicamente corretas as razões invocadas pela autoridade impetrada, de modo que não comporta alteração. Referida decisão faz menção à presença dos pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, deixando clara a existência de prova da materialidade das infrações, de indícios da autoria, à gravidade dos delitos, (..)
Como anotou o douto subscritor do parecer acerca de tal questão, "no caso presente, o concurso do paciente em uma associação criminosa, como seu organizador, com grande participação nos atos cometidos, leva a crer que se trata de pessoa com personalidade perigosa e que solto voltará a delinquir ou mesmo buscará turbar a instrução penal e a aplicação da lei penal."(fl. 337).
Assim, estando devidamente motivada pela autoridade impetrada, cuja convicção não pode ser desconsiderada, pois é ela quem está próxima dos fatos, dos acusados e das testemunhas neles envolvidas, e, por isso, pode avaliar, com maior precisão e segurança, a necessidade da custódia cautelar, a decisão merece ser prestigiada.
Ressalte-se que, no caso, o deferimento de prisão domiciliar ou de qualquer outra medida cautelar diversa da prisão ao paciente seria claramente inadequado, insuficiente e geraria sentimento de impunidade, ainda mais em razão das circunstâncias já mencionadas.
Não há se falar, ainda, em violação ao princípio constitucional da presunção do estado de inocência, posto que se trata de custódia processual, decretada com observância dos preceitos constitucionais e legais pertinentes, por autoridade competente e decisão devidamente fundamentada, com fins estritamente cautelares, em razão da inequívoca presença dos pressupostos, requisitos e condições de admissibilidade da prisão preventiva.
Caberá ao impetrante, nos autos da ação penal, comprovar suas alegações, pois a análise do conjunto probatório existente nos autos é impossível de ser feita em sede de habeas corpus, pena de vulneração do princípio do juízo natural e de supressão de instância.(Grifei)
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
A defesa alega ausência de risco à ordem pública, à instrução processual e à aplicação da norma penal. Ora, necessário mencionar que segundo consta dos autos (e-STJ fl. 35), em investigações prévias, ficou evidenciado queos denunciados comercializavamgrande quantidade de entorpecentes, possuíamrede extremamente organizadapara isto, sendo que existiadistribuição de funçõesem seu interior (gerente, recolhimento de dinheiro e entrega de drogas, vendedores) evínculo com a organização criminosa PCC- Primeiro Comando da Capital (grifei).Além disso,o paciente foi destacado como sendochefe do tráfico de entorpecentes(e-STJ fl. 38).
A propósito, "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelomodus operandi,a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
Ou seja, "se a conduta do agente - seja pela gravidade concreta da ação, seja pelo próprio modo de execução do crime - revelar inequívoca periculosidade, imperiosa a manutenção da prisão para a garantia da ordem pública, sendo despiciendo qualquer outro elemento ou fator externo àquela atividade" (HC n. 296.381/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 26/8/2014, DJe 4/9/2014).
Ainda, o decreto pontuou que o material apreendido com o ora paciente, caderno comdiversas anotações relacionadas ao forte esquema de comercialização de drogas nocivas, como cocaína e crack, o envolvimento de um menor de idade à época, bem ainda o fato de quetodos já eram conhecidos dos meios policiais, demonstra uma periculosidade socialo efetivo risco de reiteração nas práticas ilícitas.
Como é cediço, "A garantia da ordem pública, para fazer cessar a reiteração criminosa, é fundamento suficiente para a decretação e manutenção da prisão preventiva."(RHC n. 55.992/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 16/04/2015)
Portanto, mostra-se legítimo, no caso, o decreto de prisão preventiva, uma vez ter demonstrado, com base em dados empíricos, ajustados aos requisitos do art. 312 do CPP, o efetivo risco à ordem pública gerado pela permanência da liberdade.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. REEXAME DESCABIDO NA VIA ELEITA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RÉU DENUNCIADO POR OCUPAR POSIÇÃO DE DESTAQUE EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VIOLENTA, RESPONSÁVEL POR HOMICÍDIOS RELACIONADOS A DISPUTAS RELATIVAS À ATIVIDADE ILÍCITA, QUE RESPONDE A OUTRA AÇÃO PENAL PELOS MESMOS CRIMES.MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Além de não ser possível na estreita e célere via do habeas corpus reconhecer que os indícios de materialidade e autoria do crime são insuficientes para justificar a custódia cautelar, mostra-se indevida a análise da tese, por constituir nítida inovação recursal. No âmbito de agravo regimental e de embargos de declaração, não se admite que a Parte, pretendendo a análise de teses anteriormente omitidas, amplie objetivamente as causas de pedir e os pedidos formulados na petição inicial ou no recurso.
2. A custódia cautelar foi devidamente fundamentada, pois: "A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a necessidade de interromper a atuação de organização criminosa constitui fundamentação idônea para a decretação da custódia preventiva. Precedentes." (HC 167.565 AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2020, DJe 01/04/2020.) 3. Ressaltaram as instâncias ordinárias, ademais, que o Réu reitera na prática de crimes graves, inclusive tráfico e homicídios praticados por disputas relativas ao comércio ilícito, além de ser apontado como segundo no comando da organização criminosa voltada ao tráfico de drogas, o que também motiva adequadamente a constrição preventiva.
4. Diante do risco concreto de reiteração delitiva, as medidas cautelares alternativas à prisão não se mostram, no caso, suficientes para evitar a prática de novas infrações penais.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC 144.661/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 30/04/2021)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. RECORRENTE INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VINCULADA AO COMANDO VERMELHO. NECESSIDADE DE INTERROMPER ATIVIDADE CRIMINOSA. RISCO REAL DE REITERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INOVAÇÃO NOS FUNDAMENTOS PELA CORTE A QUO. NÃO CONSTATAÇÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revele a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime. Precedentes do STF e STJ.
2. Na espécie, a segregação cautelar foi mantida em razão da periculosidade social do recorrente, integrante de organização criminosa estruturada vinculada ao Comando Vermelho.
3. A necessidade de manutenção do cárcere constitui importante instrumento de que dispõe o Estado para desarticular organizações criminosas. A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva (STF, Primeira Turma, HC-95.024/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 20/2/2009).
4. Eventuais condições subjetivas favoráveis do recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
5. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública.
6. Não há nulidade em acórdão no qual a Corte estadual trouxe maiores detalhes à motivação já contida na decisão primeva sem, contudo, inovar na fundamentação.
7. Recurso improvido.
(RHC 74.294/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 07/11/2016
Registre-se, ainda, que eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Mencione-se que "é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Agravante, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar." (AgRg no HC n. 127.486/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 05/05/2015, DJe 18/05/2015).
Do mesmo modo, segundo este Tribunal, "a presença de condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela." (HC n. 472.912/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 05/12/2019, DJe 17/12/2019).
Em relação à alegação de desproporcionalidade da prisão em cotejo à futura pena a ser aplicada ao paciente, trata-se de prognóstico que somente será confirmado após a conclusão do julgamento da ação penal, não sendo possível inferir, nesse momento processual e na estreita via ora adotada, o eventual regime prisional a ser fixado em caso de condenação (e consequente violação do princípio da homogeneidade). A confirmação (ou não) da tipicidade da conduta do agente e da sua culpabilidade depende de ampla dilação probatória, com observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o que não se coaduna com a finalidade da presente ação constitucional.
Note-se que "a jurisprudência do STJ é firme em salientar a inviabilidade da análise da tese de ofensa ao princípio da homogeneidade na aplicação de medidas cautelares, por ocasião de sentença condenatória no âmbito do processo que a prisão objetiva acautelar, ante a impossibilidade de vislumbrar qual pena será eventualmente imposta ao réu, notadamente o regime inicial de cumprimento." (HC n. 507.051/PE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental, com recomendação ao Juízo processante para que reexamine, de plano, a necessidade da segregação cautelar, tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei nº 13.964/19.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por MAICON DE CAMPOS contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso em habeas corpus (e-STJ fls. 404/413).
Segundo consta dos autos, o recorrente foi preso em flagrante no dia 25/3/2021, pela suposta prática do delito tipificado nos artigos 244-B, da Lei n. 8.069/1990, e 35, caput, c. c. o artigo 40, inciso VI, da Lei nº 11.343/2006. A prisão foi convertida em preventiva, porque (e-STJ fls. 23/25):
.. em datas incertas e pretéritas a 25 de março do corrente ano, os denunciados, sob o comando de Maicon de Campos, em tese, associaram-se para o cometimento do crime de tráfico de drogas nesta cidade e região, integrando assim um engenhoso esquema com a finalidade de tornar o comércio espúrio de entorpecentes um lucrativo modo de vida.
Extrai-se ainda da exordial acusatória que os acusados Matheus Domingues Pereira e Douglas de Lima exerciam a função de gerentes do tráfico de drogas nos bairros Jardim Carolina e Bela Vista, nesta cidade de Artur Nogueira ao mesmo tempo em que Douglas de Lima, Luiz Enrique Silva Santos e o adolescente à época dos fatos Carlos Eduardo Ferreira Rodrigues seriam os responsáveis por manter toda a rede de contatos e entregas de entorpecentes entre os diversos pontos espalhados pela cidade. (grifei)
Nas razões do presente recurso, a defesa reafirma que o ora agravante não oferece qualquer risco, caso seja colocado em liberdade, porquanto ausentes as hipóteses legais previstas no art. 312 do CPP. Argumenta que o tempo de prisão já se mostra desproporcional, quando comparado a um eventual regime prisional em caso de condenação, sobretudo porque se encontra segregado desde 24/6/2021, por força de mandado de prisão temporária, convertido posteriormente em prisão preventiva, sendo que a audiência de instrução está prevista somente para o dia 11/4/2022.
No mais, ressalta que o agravante é primário, trabalha (é microempresário) e tem residência fixa, o que evidencia a possibilidade de aplicação de outras medidas cautelares mais brandas.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo colegiado para revogar a prisão preventiva do recorrente.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
As disposições previstas nos arts. 64, III, e 202 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do Relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede dehabeas corpuse de recurso emhabeas corpus, a pretensão que se conforma com súmula ou a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018; e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio dohabeas corpusconstituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem dehabeas corpusapenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 comstatusde princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior doParquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional,homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aoshabeas corpuse garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocráticodowritantes da ouvida doParquetem casosde jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Busca-se, neste recurso emhabeas corpus, a revogação da segregação cautelar, decretada em decorrência da prática do crime, em tese, de associação para o tráfico de drogas e corrupção de menores.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência depericulum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão(HC nº137.066/PE, Rel.Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014;RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; eRHC n. 97.893/RR, Rel.Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019;HC n. 503.046/RN, Rel.Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem aimprescindibilidadeda medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel.Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015;HC n. 296.543/SP, Rel.Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 23/25):
Consta da denúncia que, em datas incertas e pretéritas a 25 de março do corrente ano, os denunciados, sob o comando de Maicon de Campos, em tese, associaram-se para o cometimento do crime de tráfico de drogas nesta cidade e região, integrando assim um engenhoso esquema com a finalidade de tornar o comércio espúrio de entorpecentes um lucrativo modo de vida.
Extrai-se ainda da exordial acusatória que os acusados Matheus Domingues Pereira e Douglas de Lima exerciam a função de gerentes do tráfico de drogas nos bairros Jardim Carolina e Bela Vista, nesta cidade de Artur Nogueira ao mesmo tempo em que Douglas de Lima, Luiz Enrique Silva Santos e o adolescente à época dos fatos Carlos Eduardo Ferreira Rodrigues seriam os responsáveis por manter toda a rede de contatos e entregas de entorpecentes entre os diversos pontos espalhados pela cidade.
Dos relatórios de investigação, amparados por laudos de extração de dados, oriundos de outros desdobramentos investigativos, extraem-se fotografias e várias conversas que deixam claro que a linha de investigação levada a efeito pela autoridade policial se encontra amparada em informações que indicam, com considerável grau de certeza, que os denunciados têm participação no ilícito já mencionado.
Frise-se ainda que foram apreendidos cadernos em poder de Maicon de Campos, os quais demonstram diversas anotações relacionadas ao forte esquema de comercialização de drogas.
Nesse sentido, a prisão preventiva dos denunciados é medida que se impõe, uma vez que a ordem pública e a paz social, bem como a futura aplicação da lei penal estão em risco, caso os acusados permaneçam em liberdade.
Destaco ainda que a custódia se faz necessária como forma de evitar que os denunciados,todos já conhecidos dos meios policiais,intimidem testemunhas e coloquem em risco a colheita de novas provas, sendo evidente que, caso permaneçam soltos, os supostos fatos criminosos continuarão a ocorrer, colocando ainda em risco todo o trabalho realizado pela polícia judiciária.
Ademais, a materialidade do delito vem demonstrada pelos diversos laudos juntados aos autos havendo, ainda, indícios suficientes de autoria, consubstanciados nos depoimentos prestados em solo policial e nos demais elementos colhidos ao longo da investigação.
De igual sorte, as condutas imputadas a Douglas de Lima, Luiz Enrique Silva Santos, Maicon de Campos e Matheus Domingues Pereira são concretamente graves, haja vista o considerável esquema por eles montado, indicando ao menos em tese, que eles se associaram para a venda de entorpecentes, circunstância que evidenciam se tratar de pessoas que colocam em risco a ordem pública (art. 312 do CPP).
Destaco, por oportuno, que as provas juntadas aos autos demonstram que os denunciados eram responsáveis pela comercialização de substâncias altamente nocivas à saúde humana, quais sejam, cocaína e crack,autorizará, na eventual hipótese de condenação dos indiciados, a elevação de sua pena-base em respeito ao que prevê o art. 42 da Lei de Drogas, circunstância que, aliada ao que preveem os arts. 33, §3º, e 59, III, ambos do CP, permitirá, ao menos em tese, a fixação de regime prisional mais gravoso que o aberto, qual seja, o semiaberto.
Referido entendimento autoriza a decretação da custódia cautelar e respeita o que previu o Ministro Rogério Schietti Cruz em sua decisão monocrática proferida nos autos do HC596.603.
..
No mais, deve-se destacar que o ilícito é doloso e punido, em abstrato, com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos.
Outrossim, afigura-se inadequada e insuficiente a concessão das medidas cautelares diversas da prisão.
Isso porque o mero comparecimento periódico em juízo para os indiciados informarem e justificarem suas atividades não impediriam que eles tornassem a praticar delitos.
De igual sorte, os indiciados, caso fossem agraciados com a medida cautelar prevista no inciso II do art. 319 do CPP, bem poderia traficar drogas em locais não abrangidos pela decisão judicial, o que demonstra a ineficácia da medida.
Quanto à imposição de fiança, tem-se que o caso em apreço não a admite, visto que cabível a decretação da prisão preventiva.
As medidas cautelares previstas nos incisos V e IX do referido dispositivo legal, por sua vez, mostram-se inócuas, porquanto não impediriam que os indiciados utilizassem suas residências - ou arredores - para praticar o comércio espúrio de entorpecentes.
No mais, as medidas cautelares previstas nos incisos III, IV, VI e VII do art. 319 do CPP não se aplicam à espécie.
Conclui-se, portanto, que a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas da prisão ou a concessão de liberdade provisória não é manifestamente cabível no caso em tela, não havendo que se falar em violação à garantia constitucional da presunção de inocência, pois a presente decisão não representa antecipação da reprimenda, nem reconhecimento definitivo da culpabilidade.
Registro, por oportuno, que a pandemia de corona vírus que se alastra pela sociedade não pode servir de argumento válido para beneficiar criminosos, especialmente se considerado o fato de não haver absolutamente nenhum estudo científico que comprove que os detentos se encontram em situação mais grave que os cidadãos de bem, os quais também se encontram trancafiados em suas casas. Quanto ao caso em espécie, destaco que nenhum documento juntado aos autos indicam que os indiciados possuem patologias que os coloquem nos grupos de risco da pandemia, tratando-se, isto sim, de adultos com menos de 30 anos de idade, sem sinal de doença grave e que deve, por conseguinte, suportar as consequências de suas condutas.
(Grifei)
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 343/346):
Segundo o apurado na investigação criminal conduzida pela polícia civil no inquérito policial nº 1500373-37.2021.8.26.0666, no pedido de busca e apreensão nº 1500239-37.2021.8.26.0666, cujos mandados foram cumpridos em 25 de março de 2021, e de busca e apreensão e prisão temporária nº 1500572-86.2021.8.26.0666, Matheus Domingues Pereira, vulgo "Minas" ou "Queijeiro", e Douglas de Lima, vulgo Homer/Paratudo, exerciam a função, cada qual, de gerência do tráfico de drogas nos bairros Jardim Carolina e Bela Vista para o paciente, vulgo "Zangado", que foi apontado como o responsável por organizar a distribuição e o comércio de entorpecentes nas "biqueiras" dos dois bairros. E, conforme deixam claro os registros em cadernos (fls. 26/37) e em mensagens de celulares, ele dividia as porções de entorpecentes entre os dois "gerentes", que, por sua vez, as repassavam a diversos traficantes da cidade, controlando o que cada um deveria comercializar. Além disso, os cadernos apreendidos em poder de Maicon, apontam as dívidas mantidas por alguns traficantes (fls. 26/37), bem como informações sobre o fracionamento de entorpecentes (cfe. anotações de fl. 35).
Ante o relatado, de se concluir pela existência de prova da materialidade dos crimes imputados ao paciente, demonstrados pelos autos e laudos até o momento coligidos, bem como de suficientes indícios de autoria, consistentes nos depoimentos colhidos no procedimento inquisitorial.
Portanto, estão presentes os pressupostos da prisão cautelar, tendo em vista que a prova até aqui produzida, nos limites em que ela pode ser examinada no âmbito estreito do habeas corpus, indica o envolvimento do paciente na disseminação de drogas. Trata-se de atividade nefasta, que deve ser coibida com rigor, de modo que é cabível, no caso, a custódia preventiva, para garantia da ordem pública.
Ademais, a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente não ostenta qualquer vício de fundamentação, satisfazendo plenamente as exigências do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal, sendo consistentes e juridicamente corretas as razões invocadas pela autoridade impetrada, de modo que não comporta alteração. Referida decisão faz menção à presença dos pressupostos e fundamentos da prisão preventiva, deixando clara a existência de prova da materialidade das infrações, de indícios da autoria, à gravidade dos delitos, (..)
Como anotou o douto subscritor do parecer acerca de tal questão, "no caso presente, o concurso do paciente em uma associação criminosa, como seu organizador, com grande participação nos atos cometidos, leva a crer que se trata de pessoa com personalidade perigosa e que solto voltará a delinquir ou mesmo buscará turbar a instrução penal e a aplicação da lei penal."(fl. 337).
Assim, estando devidamente motivada pela autoridade impetrada, cuja convicção não pode ser desconsiderada, pois é ela quem está próxima dos fatos, dos acusados e das testemunhas neles envolvidas, e, por isso, pode avaliar, com maior precisão e segurança, a necessidade da custódia cautelar, a decisão merece ser prestigiada.
Ressalte-se que, no caso, o deferimento de prisão domiciliar ou de qualquer outra medida cautelar diversa da prisão ao paciente seria claramente inadequado, insuficiente e geraria sentimento de impunidade, ainda mais em razão das circunstâncias já mencionadas.
Não há se falar, ainda, em violação ao princípio constitucional da presunção do estado de inocência, posto que se trata de custódia processual, decretada com observância dos preceitos constitucionais e legais pertinentes, por autoridade competente e decisão devidamente fundamentada, com fins estritamente cautelares, em razão da inequívoca presença dos pressupostos, requisitos e condições de admissibilidade da prisão preventiva.
Caberá ao impetrante, nos autos da ação penal, comprovar suas alegações, pois a análise do conjunto probatório existente nos autos é impossível de ser feita em sede de habeas corpus, pena de vulneração do princípio do juízo natural e de supressão de instância.(Grifei)
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
A defesa alega ausência de risco à ordem pública, à instrução processual e à aplicação da norma penal. Ora, necessário mencionar que segundo consta dos autos (e-STJ fl. 35), em investigações prévias, ficou evidenciado queos denunciados comercializavamgrande quantidade de entorpecentes, possuíamrede extremamente organizadapara isto, sendo que existiadistribuição de funçõesem seu interior (gerente, recolhimento de dinheiro e entrega de drogas, vendedores) evínculo com a organização criminosa PCC- Primeiro Comando da Capital (grifei).Além disso,o paciente foi destacado como sendochefe do tráfico de entorpecentes(e-STJ fl. 38).
A propósito, "Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelomodus operandi,a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria" (HC n. 126.756/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
Ou seja, "se a conduta do agente - seja pela gravidade concreta da ação, seja pelo próprio modo de execução do crime - revelar inequívoca periculosidade, imperiosa a manutenção da prisão para a garantia da ordem pública, sendo despiciendo qualquer outro elemento ou fator externo àquela atividade" (HC n. 296.381/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Quinta Turma, julgado em 26/8/2014, DJe 4/9/2014).
Ainda, o decreto pontuou que o material apreendido com o ora paciente, caderno comdiversas anotações relacionadas ao forte esquema de comercialização de drogas nocivas, como cocaína e crack, o envolvimento de um menor de idade à época, bem ainda o fato de quetodos já eram conhecidos dos meios policiais, demonstra uma periculosidade socialo efetivo risco de reiteração nas práticas ilícitas.
Como é cediço, "A garantia da ordem pública, para fazer cessar a reiteração criminosa, é fundamento suficiente para a decretação e manutenção da prisão preventiva."(RHC n. 55.992/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 16/04/2015)
Portanto, mostra-se legítimo, no caso, o decreto de prisão preventiva, uma vez ter demonstrado, com base em dados empíricos, ajustados aos requisitos do art. 312 do CPP, o efetivo risco à ordem pública gerado pela permanência da liberdade.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. REEXAME DESCABIDO NA VIA ELEITA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. RÉU DENUNCIADO POR OCUPAR POSIÇÃO DE DESTAQUE EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VIOLENTA, RESPONSÁVEL POR HOMICÍDIOS RELACIONADOS A DISPUTAS RELATIVAS À ATIVIDADE ILÍCITA, QUE RESPONDE A OUTRA AÇÃO PENAL PELOS MESMOS CRIMES.MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Além de não ser possível na estreita e célere via do habeas corpus reconhecer que os indícios de materialidade e autoria do crime são insuficientes para justificar a custódia cautelar, mostra-se indevida a análise da tese, por constituir nítida inovação recursal. No âmbito de agravo regimental e de embargos de declaração, não se admite que a Parte, pretendendo a análise de teses anteriormente omitidas, amplie objetivamente as causas de pedir e os pedidos formulados na petição inicial ou no recurso.
2. A custódia cautelar foi devidamente fundamentada, pois: "A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a necessidade de interromper a atuação de organização criminosa constitui fundamentação idônea para a decretação da custódia preventiva. Precedentes." (HC 167.565 AgR, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/03/2020, DJe 01/04/2020.) 3. Ressaltaram as instâncias ordinárias, ademais, que o Réu reitera na prática de crimes graves, inclusive tráfico e homicídios praticados por disputas relativas ao comércio ilícito, além de ser apontado como segundo no comando da organização criminosa voltada ao tráfico de drogas, o que também motiva adequadamente a constrição preventiva.
4. Diante do risco concreto de reiteração delitiva, as medidas cautelares alternativas à prisão não se mostram, no caso, suficientes para evitar a prática de novas infrações penais.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no RHC 144.661/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 30/04/2021)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. RECORRENTE INTEGRANTE DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VINCULADA AO COMANDO VERMELHO. NECESSIDADE DE INTERROMPER ATIVIDADE CRIMINOSA. RISCO REAL DE REITERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA.GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INOVAÇÃO NOS FUNDAMENTOS PELA CORTE A QUO. NÃO CONSTATAÇÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA.CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO IMPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revele a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime. Precedentes do STF e STJ.
2. Na espécie, a segregação cautelar foi mantida em razão da periculosidade social do recorrente, integrante de organização criminosa estruturada vinculada ao Comando Vermelho.
3. A necessidade de manutenção do cárcere constitui importante instrumento de que dispõe o Estado para desarticular organizações criminosas. A necessidade de se interromper ou diminuir a atuação de integrantes de organização criminosa, enquadra-se no conceito de garantia da ordem pública, constituindo fundamentação cautelar idônea e suficiente para a prisão preventiva (STF, Primeira Turma, HC-95.024/SP, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe de 20/2/2009).
4. Eventuais condições subjetivas favoráveis do recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
5. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública.
6. Não há nulidade em acórdão no qual a Corte estadual trouxe maiores detalhes à motivação já contida na decisão primeva sem, contudo, inovar na fundamentação.
7. Recurso improvido.
(RHC 74.294/RJ, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 07/11/2016
Registre-se, ainda, que eventuaiscondições subjetivas favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Mencione-se que "é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Agravante, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar." (AgRg no HC n. 127.486/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 05/05/2015, DJe 18/05/2015).
Do mesmo modo, segundo este Tribunal, "a presença de condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela." (HC n. 472.912/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 05/12/2019, DJe 17/12/2019).
Em relação à alegação de desproporcionalidade da prisão em cotejo à futura pena a ser aplicada ao paciente, trata-se de prognóstico que somente será confirmado após a conclusão do julgamento da ação penal, não sendo possível inferir, nesse momento processual e na estreita via ora adotada, o eventual regime prisional a ser fixado em caso de condenação (e consequente violação do princípio da homogeneidade). A confirmação (ou não) da tipicidade da conduta do agente e da sua culpabilidade depende de ampla dilação probatória, com observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa, o que não se coaduna com a finalidade da presente ação constitucional.
Note-se que "a jurisprudência do STJ é firme em salientar a inviabilidade da análise da tese de ofensa ao princípio da homogeneidade na aplicação de medidas cautelares, por ocasião de sentença condenatória no âmbito do processo que a prisão objetiva acautelar, ante a impossibilidade de vislumbrar qual pena será eventualmente imposta ao réu, notadamente o regime inicial de cumprimento." (HC n. 507.051/PE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental, com recomendação ao Juízo processante para que reexamine, de plano, a necessidade da segregação cautelar, tendo em vista o tempo decorrido e o disposto na Lei nº 13.964/19.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE SOCIAL. POSIÇÃO DE DESTAQUE NO ESQUEMA CRIMINOSO. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. RECOMENDAÇÃO DE REVISÃO DA PRISÃO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. No caso, a decisão de primeiro grau afirma que o ora agravante estaria diretamente no comando de em um forte e engenhoso esquema de comercialização de drogas (cocaína e crack) na cidade de São Paulo, com o envolvimento de um menor de idade à época. Ainda, destacou as apreensões feitas com agravante (caderno comdiversas anotações relacionadas) e o fato de quetodos já eram conhecidos dos meios policiais, contexto que demonstra uma periculosidade sociale o efetivo risco à ordem pública. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido. Recomendação de revisão da prisão cautelar. | AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. PERICULOSIDADE SOCIAL. POSIÇÃO DE DESTAQUE NO ESQUEMA CRIMINOSO. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. RECOMENDAÇÃO DE REVISÃO DA PRISÃO. | 1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. No caso, a decisão de primeiro grau afirma que o ora agravante estaria diretamente no comando de em um forte e engenhoso esquema de comercialização de drogas (cocaína e crack) na cidade de São Paulo, com o envolvimento de um menor de idade à época. Ainda, destacou as apreensões feitas com agravante (caderno comdiversas anotações relacionadas) e o fato de quetodos já eram conhecidos dos meios policiais, contexto que demonstra uma periculosidade sociale o efetivo risco à ordem pública. Ausência de constrangimento ilegal. Precedentes.
3. Agravo regimental desprovido. Recomendação de revisão da prisão cautelar. | N |
145,722,925 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE NA INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. MUDANÇA DAS PREMISSAS FÁTICAS. IMPOSSIBILIDADE NA SEDE MANDAMENTAL. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no local, situação de flagrante delito.
2. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante da presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente.
3. Por outro lado, é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
4. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de agravo regimental interposto por RICARDO SALES SILVEIRA contra decisão de minha lavra que negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, deixando, portanto, de acolher a tese defensiva de nulidade da prova (invasão domiciliar).
No presente agravo, sustenta a defesa "não existe nos autos,uma prova concreta de que realmente existia a pratica de tráfico de drogas, nessa esteira, não foi preso nenhum usuário, não existe uma foto de nada ilícito antes da entrada ilegal dos policiais." (e-STJ fl. 854)
Alega que o fato "de ter denúncia anônima e a posterior constatação de que o recorrente entrava em uma chácara com seu veículo e na chácara ter aparelhos de ar condicionado não pode ser justificativa para violar o domicílio." (e-STJ fl. 855)
Requer, ao final, seja reconsiderada a decisão agravada para declarar a ilicitude das provas, ou que seja o feito levado à apreciação do colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Em que pese o esforço defensivo, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Vejamo-la (e-STJ fls. 845/850):
Busca-se, em síntese, no presente recurso, o reconhecimento de nulidade do flagrante e ausência de motivos para a prisão do recorrente, acusado da suposta prática do crime de tráfico de drogas.
Inicialmente, quanto à suposta nulidade do flagrante, decorrente da invasão de domicílio, o Tribunal a quo esclareceu (e-STJ fls. 737/741):
Ilegalidade do flagrante - violação de domicílio
O impetrante requereu, em resumo, o reconhecimento da ilegalidade do flagrante, com o consequente desentranhamento das provas obtidas na ocasião e o trancamento da ação penal. Nesse sentido, asseverou que é verdade que havia notícias anônimas a respeito da prática de crime de tráfico no local e que os policiais chegaram a realizar diligências prévias, no entanto, não foram colhidos indícios suficientes para justificar a invasão domiciliar sem mandado e sem autorização o morador.
Não assiste razão à Defesa.
Na Delegacia, os policiais ANTHISTENES XIMENES ARAGÃO (ID 30787724, p. 07/08) e LAFAIETE MARINHO PEIXOTO (ID 30787724, p. 11/12) relataram que receberam a informação de que um homem chamado RICARDO, morador da Chácara Retiro, situada na Ponta Alta Norte do Gama, na DF-180, seria um dos maiores fornecedores de skunk e haxixe - "drogas com maior concentração de THC e maior valor econômico" (ID 30782224, p. 07) - do Distrito Federal. O informante também indicou o local usado para o cultivo da droga - um galpão localizado em uma segunda chácara, também localizada na DF 180, próxima ao Bar Rota 180 (Chácara Paraíba) e que RICARDO é proprietário de um veículo marca/modelo GM/Montana de cor preta e tinha um ajudante conhecido pela alcunha de "Paraíba", posteriormente identificado como JOCEAN JOSÉ DE SOUSA.
Realizaram diligências por uma semana, com o objetivo de confirmar essas informações. Nesse período, viram circular pela região uma picape com as características informadas e, pela placa, constataram que estava registrada no nome do paciente. Também verificaram que ele era o proprietário da Chácara Retiro e costumava visitar a Chácara Paraíba no fim da tarde e permanecer no local por várias horas. Detalharam que se trata de um local de difícil acesso, cercado por mata, mas, apesar das dificuldades, conseguiram ver que havia um galpão na Chácara Paraíba com três motores de ar condicionado na parte externa da estrutura. Diante dessas circunstâncias, resolveram entrar na chácara e logo foram recebidos por JOSIEL DE JESUS SANTOS, o qual disse que mora em uma pequena casa que fica no interior da chácara, a qual alugou há poucos meses e vende frutas e verduras. Confirmou que o paciente é o proprietário da chácara. Informou, ainda, que quem tinha acesso ao galpão era JOCEAN, morador de outra casa da chácara. Vistoriaram a parte externa do galpão e constataram que havia ligação elétrica, tubulação de água e três aparelhos de ar condicionado. Ademais, sentiram um forte odor de maconha. Na casa de JOCEAN estavam os jovens JOÃO VICTOR, que é enteado dele, e IGOR MARQUES. Ambos afirmaram que era ele quem tinha acesso ao galpão e que a chácara havia sido arrendada pelo paciente. Acompanhados de JOSIEL, IGOR e JOÃO VICTOR, diante dos indícios de autoria e materialidade constatados e da possibilidade de as provas se perderem se não agissem imediatamente, os policiais decidiram quebrar o cadeado e acessar o galpão. No seu interior havia uma grande estufa climatizada com plantação de maconha e insumos para o plantio. Minutos depois, chegou um veículo marca/modelo Fiat/Palio, no qual estavam JOCEAN e sua família. De acordo com os policiais, ao ser entrevistado informalmente, ele assumiu que cuidava da plantação de maconha e confirmou que o paciente era o proprietário da chácara e do galpão. Enquanto isso, uma outra equipe monitorava a Chácara Retiro, onde RICARDO reside. Após ele chegar ao local no seu veículo marca/modelo GM/Montana, entraram na propriedade, onde foram recebidos pelo próprio paciente. Diante da situação de flagrante, realizaram busca no local. No interior da casa, encontraram, dentre outros itens: várias porções da droga conhecida como "skunk"; caderno com anotações; máquina de cartão; duas balanças digitais; recibos bancários; uma porção de quase 1 Kg de haxixe; e pouco mais de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em espécie. Dentro do carro dele encontraram: um medidor de PH de água e um galão de 3,79 litros de FloaraMicro, que é um produto utilizado em culturas. No momento da abordagem, segundo os policiais, ele assumiu a propriedade da plantação e dos itens encontrados na sua residência e no galpão (ID 30787724, p. 07/08).
Os itens apreendidos foram enumerados no auto de apresentação e apreensão (ID 30787724, p. 24/25).
O laudo de perícia criminal de exame preliminar de substância (ID 30787724, p. 48/58) confirmou a qualidade das drogas: uma porção de 856,29g (oitocentos e cinquenta e seis gramas e vinte e nove centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 14,11g (quatorze gramas e onze centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 138,36g (cento e trinta e oito gramas e trinta e seis centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 233,20g (duzentos e trinta e três gramas e vinte centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 114,84g (cento e quatorze gramas e oitenta e quatro centigramas) com resultado positivo para THC; 550 (quinhentos e cinquenta) espécimes vegetais desenvolvidos, com caule, galhos e inflorescências, com resultado positivo para THC. A Defesa, na audiência de custódia, suscitou a ilegalidade do flagrante, porque teria sido realizado mediante violação domiciliar. A douta autoridade judiciária do NAC não acolheu a tese. Aduziu que, consoante as informações registradas no auto de prisão em flagrante, não teria ocorrido a nulidade apontada. Nesse sentido, ponderou que o texto constitucional autoriza o ingresso sem mandado nas hipóteses de flagrante delito e também mediante consentimento do morador. Por outro lado, reconheceu que é verdade que, na prática, ocorrem algumas abordagens pouco criteriosas e ingressos domiciliares em que não fica clara a existência de consentimento espontâneo, motivo pelo qual o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogério Schietti, fixou alguns critérios para assegurar a validade dessa autorização. No entanto, considerou que o caso dos autos independia de consentimento, pois havia situação de flagrante delito, amparada em elementos objetivos. A esse respeito, destacou que os policiais relataram que receberam notícia anônima acerca da prática de crime de tráfico, com indicação do local em que era cometido e das características do veículo utilizado pelo autor. Aduziu que o ingresso na chácara ocorreu apenas após investigação preliminar, por meio da qual foi possível confirmar essas informações. Ademais, justificou que era necessária uma atuação urgente para fazer cessar a prática criminosa. Então, homologou o flagrante. Em seguida, salientou que as informações reunidas no auto de prisão em flagrante foram suficientes para evidenciar a materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de autoria. Destacou que foi apreendido cerca de 1,2 Kg (um quilo e duzentos gramas) de droga (haxixe e skunk) e aproximadamente R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em espécie.
(..)
No presente caso não há falar em ilegalidade do flagrante, ao menos segundo o que consta dos autos até o momento.
Com efeito, o que se extrai da palavra dos policiais e das imagens da Chácara Paraíba que foram anexadas (ID 30787725, p. 52/72) é que o local se tratava de um terreno murado, com portão, mas sem portaria e com diversas unidades habitacionais individuais no seu interior.
Não há notícia de que tenha sido necessário arrombamento do portão para entrar no local e, assim que entraram, os policiais já foram recebidos por um morador.
Tampouco há notícia de que esse morador tenha oposto qualquer resistência à permanência dos policiais e, conforme decidido no RE 1.342.077, acima mencionado, não há necessidade de comprovar a voluntariedade do ingresso por escrito ou mediante áudio e vídeo, como havia sido definido pelo Superior Tribunal de Justiça no HC, uma vez que não há tal previsão no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal ou em lei.
Assim, ao que tudo indica, a princípio, os policiais tinham a intenção apenas de entrevistar os moradores para obter maiores informações no interesse das investigações, e não necessariamente realizar o flagrante.
Ocorre que, ao se aproximarem do galpão, que não se tratava de uma das unidades habitacionais individuais da chácara, sentiram forte odor de maconha e só então é que entenderam que, de fato, havia uma situação de flagrante que justificaria o ingresso forçado nesse galpão.
Nesse sentido, registre-se que não há notícia de que os policiais tenham entrado e revistado quaisquer das unidades habitacionais individuais da chácara Paraíba.
Já o ingresso na casa do paciente, na Chácara Retiro, ocorreu apenas depois que os policiais encontraram a plantação de maconha no galpão da Chácara Paraíso, quando, então, haviam sido fortemente reforçados os indícios de que seria autor de crime de tráfico.
Nada impede que a tese seja debatida com mais profundidade no curso da instrução processual penal, mas, por enquanto, não se verifica flagrante ilegalidade para justificar o trancamento da ação penal.
Como visto, o acórdão impugnado explicita de forma clara a presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente. No ponto, convém reforçar, como registrou o aresto, que o tráfico de entorpecentes é crime permanente, assim, enquanto o agente estiver guardando a droga, consuma-se a infração penal, perdurando o flagrante delito.
Vê-se, portanto, que a decisão do Tribunal de origem está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, APENAS PARA PROMOVER ALTERAÇÕES DO CÁLCULO DA PENA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE POR INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO INFORMAL. MANIFESTAÇÃO NÃO UTILIZADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. DETRAÇÃO DO TEMPO DE CUSTÓDIA CAUTELAR PARA FINS DE FIXAÇÃO DO REGIME. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.
2. Em acréscimo, o E. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, no julgamento do REsp n. 1.574.681/RS, destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar"
3. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante das fundadas razões para os policiais ingressarem na residência do réu, o qual, pouco antes de ser abordado, dispensou uma sacola contendo 54 porções de cocaína, totalizando 69,5 gramas, e, após a entrada no imóvel, em revista pessoal, foi encontrada no bolso do acusado certa quantia de dinheiro, em notas diversas.
4. A modificação dessas premissas, como pretende a defesa, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, o que, como consabido, é vedado na via do habeas corpus.
5. Evidenciado que a confissão informal do réu somente foi explicitada na transcrição dos depoimentos dos policiais condutores, não tendo, todavia, sido utilizada em momento algum para embasar a condenação, sequer citada pelo magistrado sentenciante, deve ser afastada a possibilidade de reconhecimento da atenuante do art. 65, III, "d", do Código Penal (AgRg no AREsp 1599610/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/2/2020, DJe de 12/2/2020).
6. O pedido de detração do tempo de custódia cautelar não foi objeto de cognição pela Corte de origem, o que obsta a apreciação de tal matéria por esta Corte Superior, sob pena de incidir em indevida supressão de instância.
7. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 664.836/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 25/06/2021)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LICITUDE DA PROVA. BUSCA DOMICILIAR. CRIME PERMANENTE. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. RÉ QUE RESPONDE A OUTRA AÇÃO PENAL. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA EVIDENCIADA. REGIME PRISIONAL. MODO SEMIABERTO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Segundo jurisprudência firmada nesta Corte, o crime de tráfico de drogas de natureza permanente, assim compreendido aquele cuja a consumação se protrai no tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e apreensão ou autorização judicial para o ingresso dos policiais na residência do acusado, quando se tem por objetivo cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal.
2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616, reafirmou o referido entendimento, com o alerta de que para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
3. No caso, a justa causa para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial evidencia-se no fato de que a corré Letícia, ao avistar os guardas municipais, que haviam se dirigido até o local para averiguar denúncia anônima da prática de tráfico, dispensou uma sacola ao chão e empreendeu fuga para dentro da residência, tendo um dos agentes a perseguido e detido no interior do imóvel, onde se encontrava a paciente deitada num colchão. A sacola descartada foi apreendida pelo outro guarda e continha 10 porções de cocaína (6,6g). No cômodo onde estava a paciente foram localizadas outras 54 porções de cocaína (36,6g), 28 de maconha (28, 96g), mais 7 porções de maconha (7g), embalagens plásticas, celulares e R$ 161,00. De sorte que eram fundadas as razões para a atuação policial. Desse modo, na presença de elementos suficientes a autorizar a medida estatal, não há como acolher a alegada ilicitude da prova para absolver a paciente pela prática do delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
4. A pretensão de absolvição do crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.340/2006 não pode ser apreciada por esta Corte Superior de Justiça, na via estreita do habeas corpus, por demandar o exame aprofundado do conjunto fático-probatório dos autos (Precedente).
5. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que existência de outros processos criminais, pendentes de definitividade, embora não sirvam para a negativa valoração da reincidência e dos antecedentes (Súmula 444 do STJ), podem afastar a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, quando permitem concluir que o agente é habitual na prática delitiva.
6. No caso, a instância ordinária afastou a aplicação do redutor, pois, além da quantidade e da diversidade das drogas apreendidas, a paciente registra outro processo também por tráfico de entorpecentes e não comprovou o exercício de atividade lícita, o que denota sua habitualidade delitiva.
7. Estabelecida a pena em 5 anos, sendo favoráveis as circunstâncias judiciais e primária a paciente, o regime semiaberto é o cabível para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, a teor do contido no art. 33, § 2º, "b", e § 3º, do Código Penal.
8. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 618.867/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020)
Por outro lado, é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
Assim, não há como acolher a alegação de violação de domicílio apresentada pela defesa do recorrente.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Como visto, o acórdão impugnado explicita de forma clara a presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente.
Por fim, relembro, mais uma vez, que é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
Vê-se, portanto, que a decisão do Tribunal de origem está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de agravo regimental interposto por RICARDO SALES SILVEIRA contra decisão de minha lavra que negou provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, deixando, portanto, de acolher a tese defensiva de nulidade da prova (invasão domiciliar).
No presente agravo, sustenta a defesa "não existe nos autos,uma prova concreta de que realmente existia a pratica de tráfico de drogas, nessa esteira, não foi preso nenhum usuário, não existe uma foto de nada ilícito antes da entrada ilegal dos policiais." (e-STJ fl. 854)
Alega que o fato "de ter denúncia anônima e a posterior constatação de que o recorrente entrava em uma chácara com seu veículo e na chácara ter aparelhos de ar condicionado não pode ser justificativa para violar o domicílio." (e-STJ fl. 855)
Requer, ao final, seja reconsiderada a decisão agravada para declarar a ilicitude das provas, ou que seja o feito levado à apreciação do colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Em que pese o esforço defensivo, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Vejamo-la (e-STJ fls. 845/850):
Busca-se, em síntese, no presente recurso, o reconhecimento de nulidade do flagrante e ausência de motivos para a prisão do recorrente, acusado da suposta prática do crime de tráfico de drogas.
Inicialmente, quanto à suposta nulidade do flagrante, decorrente da invasão de domicílio, o Tribunal a quo esclareceu (e-STJ fls. 737/741):
Ilegalidade do flagrante - violação de domicílio
O impetrante requereu, em resumo, o reconhecimento da ilegalidade do flagrante, com o consequente desentranhamento das provas obtidas na ocasião e o trancamento da ação penal. Nesse sentido, asseverou que é verdade que havia notícias anônimas a respeito da prática de crime de tráfico no local e que os policiais chegaram a realizar diligências prévias, no entanto, não foram colhidos indícios suficientes para justificar a invasão domiciliar sem mandado e sem autorização o morador.
Não assiste razão à Defesa.
Na Delegacia, os policiais ANTHISTENES XIMENES ARAGÃO (ID 30787724, p. 07/08) e LAFAIETE MARINHO PEIXOTO (ID 30787724, p. 11/12) relataram que receberam a informação de que um homem chamado RICARDO, morador da Chácara Retiro, situada na Ponta Alta Norte do Gama, na DF-180, seria um dos maiores fornecedores de skunk e haxixe - "drogas com maior concentração de THC e maior valor econômico" (ID 30782224, p. 07) - do Distrito Federal. O informante também indicou o local usado para o cultivo da droga - um galpão localizado em uma segunda chácara, também localizada na DF 180, próxima ao Bar Rota 180 (Chácara Paraíba) e que RICARDO é proprietário de um veículo marca/modelo GM/Montana de cor preta e tinha um ajudante conhecido pela alcunha de "Paraíba", posteriormente identificado como JOCEAN JOSÉ DE SOUSA.
Realizaram diligências por uma semana, com o objetivo de confirmar essas informações. Nesse período, viram circular pela região uma picape com as características informadas e, pela placa, constataram que estava registrada no nome do paciente. Também verificaram que ele era o proprietário da Chácara Retiro e costumava visitar a Chácara Paraíba no fim da tarde e permanecer no local por várias horas. Detalharam que se trata de um local de difícil acesso, cercado por mata, mas, apesar das dificuldades, conseguiram ver que havia um galpão na Chácara Paraíba com três motores de ar condicionado na parte externa da estrutura. Diante dessas circunstâncias, resolveram entrar na chácara e logo foram recebidos por JOSIEL DE JESUS SANTOS, o qual disse que mora em uma pequena casa que fica no interior da chácara, a qual alugou há poucos meses e vende frutas e verduras. Confirmou que o paciente é o proprietário da chácara. Informou, ainda, que quem tinha acesso ao galpão era JOCEAN, morador de outra casa da chácara. Vistoriaram a parte externa do galpão e constataram que havia ligação elétrica, tubulação de água e três aparelhos de ar condicionado. Ademais, sentiram um forte odor de maconha. Na casa de JOCEAN estavam os jovens JOÃO VICTOR, que é enteado dele, e IGOR MARQUES. Ambos afirmaram que era ele quem tinha acesso ao galpão e que a chácara havia sido arrendada pelo paciente. Acompanhados de JOSIEL, IGOR e JOÃO VICTOR, diante dos indícios de autoria e materialidade constatados e da possibilidade de as provas se perderem se não agissem imediatamente, os policiais decidiram quebrar o cadeado e acessar o galpão. No seu interior havia uma grande estufa climatizada com plantação de maconha e insumos para o plantio. Minutos depois, chegou um veículo marca/modelo Fiat/Palio, no qual estavam JOCEAN e sua família. De acordo com os policiais, ao ser entrevistado informalmente, ele assumiu que cuidava da plantação de maconha e confirmou que o paciente era o proprietário da chácara e do galpão. Enquanto isso, uma outra equipe monitorava a Chácara Retiro, onde RICARDO reside. Após ele chegar ao local no seu veículo marca/modelo GM/Montana, entraram na propriedade, onde foram recebidos pelo próprio paciente. Diante da situação de flagrante, realizaram busca no local. No interior da casa, encontraram, dentre outros itens: várias porções da droga conhecida como "skunk"; caderno com anotações; máquina de cartão; duas balanças digitais; recibos bancários; uma porção de quase 1 Kg de haxixe; e pouco mais de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em espécie. Dentro do carro dele encontraram: um medidor de PH de água e um galão de 3,79 litros de FloaraMicro, que é um produto utilizado em culturas. No momento da abordagem, segundo os policiais, ele assumiu a propriedade da plantação e dos itens encontrados na sua residência e no galpão (ID 30787724, p. 07/08).
Os itens apreendidos foram enumerados no auto de apresentação e apreensão (ID 30787724, p. 24/25).
O laudo de perícia criminal de exame preliminar de substância (ID 30787724, p. 48/58) confirmou a qualidade das drogas: uma porção de 856,29g (oitocentos e cinquenta e seis gramas e vinte e nove centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 14,11g (quatorze gramas e onze centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 138,36g (cento e trinta e oito gramas e trinta e seis centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 233,20g (duzentos e trinta e três gramas e vinte centigramas) de substância com resultado positivo para THC; uma porção de 114,84g (cento e quatorze gramas e oitenta e quatro centigramas) com resultado positivo para THC; 550 (quinhentos e cinquenta) espécimes vegetais desenvolvidos, com caule, galhos e inflorescências, com resultado positivo para THC. A Defesa, na audiência de custódia, suscitou a ilegalidade do flagrante, porque teria sido realizado mediante violação domiciliar. A douta autoridade judiciária do NAC não acolheu a tese. Aduziu que, consoante as informações registradas no auto de prisão em flagrante, não teria ocorrido a nulidade apontada. Nesse sentido, ponderou que o texto constitucional autoriza o ingresso sem mandado nas hipóteses de flagrante delito e também mediante consentimento do morador. Por outro lado, reconheceu que é verdade que, na prática, ocorrem algumas abordagens pouco criteriosas e ingressos domiciliares em que não fica clara a existência de consentimento espontâneo, motivo pelo qual o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 598.051/SP, de relatoria do Ministro Rogério Schietti, fixou alguns critérios para assegurar a validade dessa autorização. No entanto, considerou que o caso dos autos independia de consentimento, pois havia situação de flagrante delito, amparada em elementos objetivos. A esse respeito, destacou que os policiais relataram que receberam notícia anônima acerca da prática de crime de tráfico, com indicação do local em que era cometido e das características do veículo utilizado pelo autor. Aduziu que o ingresso na chácara ocorreu apenas após investigação preliminar, por meio da qual foi possível confirmar essas informações. Ademais, justificou que era necessária uma atuação urgente para fazer cessar a prática criminosa. Então, homologou o flagrante. Em seguida, salientou que as informações reunidas no auto de prisão em flagrante foram suficientes para evidenciar a materialidade do crime e a existência de indícios suficientes de autoria. Destacou que foi apreendido cerca de 1,2 Kg (um quilo e duzentos gramas) de droga (haxixe e skunk) e aproximadamente R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) em espécie.
(..)
No presente caso não há falar em ilegalidade do flagrante, ao menos segundo o que consta dos autos até o momento.
Com efeito, o que se extrai da palavra dos policiais e das imagens da Chácara Paraíba que foram anexadas (ID 30787725, p. 52/72) é que o local se tratava de um terreno murado, com portão, mas sem portaria e com diversas unidades habitacionais individuais no seu interior.
Não há notícia de que tenha sido necessário arrombamento do portão para entrar no local e, assim que entraram, os policiais já foram recebidos por um morador.
Tampouco há notícia de que esse morador tenha oposto qualquer resistência à permanência dos policiais e, conforme decidido no RE 1.342.077, acima mencionado, não há necessidade de comprovar a voluntariedade do ingresso por escrito ou mediante áudio e vídeo, como havia sido definido pelo Superior Tribunal de Justiça no HC, uma vez que não há tal previsão no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal ou em lei.
Assim, ao que tudo indica, a princípio, os policiais tinham a intenção apenas de entrevistar os moradores para obter maiores informações no interesse das investigações, e não necessariamente realizar o flagrante.
Ocorre que, ao se aproximarem do galpão, que não se tratava de uma das unidades habitacionais individuais da chácara, sentiram forte odor de maconha e só então é que entenderam que, de fato, havia uma situação de flagrante que justificaria o ingresso forçado nesse galpão.
Nesse sentido, registre-se que não há notícia de que os policiais tenham entrado e revistado quaisquer das unidades habitacionais individuais da chácara Paraíba.
Já o ingresso na casa do paciente, na Chácara Retiro, ocorreu apenas depois que os policiais encontraram a plantação de maconha no galpão da Chácara Paraíso, quando, então, haviam sido fortemente reforçados os indícios de que seria autor de crime de tráfico.
Nada impede que a tese seja debatida com mais profundidade no curso da instrução processual penal, mas, por enquanto, não se verifica flagrante ilegalidade para justificar o trancamento da ação penal.
Como visto, o acórdão impugnado explicita de forma clara a presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente. No ponto, convém reforçar, como registrou o aresto, que o tráfico de entorpecentes é crime permanente, assim, enquanto o agente estiver guardando a droga, consuma-se a infração penal, perdurando o flagrante delito.
Vê-se, portanto, que a decisão do Tribunal de origem está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ORDEM CONCEDIDA, DE OFÍCIO, APENAS PARA PROMOVER ALTERAÇÕES DO CÁLCULO DA PENA. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE POR INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. RECONHECIMENTO DA CONFISSÃO INFORMAL. MANIFESTAÇÃO NÃO UTILIZADA PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE INCIDÊNCIA DA ATENUANTE. DETRAÇÃO DO TEMPO DE CUSTÓDIA CAUTELAR PARA FINS DE FIXAÇÃO DO REGIME. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito.
2. Em acréscimo, o E. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, no julgamento do REsp n. 1.574.681/RS, destacou que "a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar"
3. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante das fundadas razões para os policiais ingressarem na residência do réu, o qual, pouco antes de ser abordado, dispensou uma sacola contendo 54 porções de cocaína, totalizando 69,5 gramas, e, após a entrada no imóvel, em revista pessoal, foi encontrada no bolso do acusado certa quantia de dinheiro, em notas diversas.
4. A modificação dessas premissas, como pretende a defesa, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, o que, como consabido, é vedado na via do habeas corpus.
5. Evidenciado que a confissão informal do réu somente foi explicitada na transcrição dos depoimentos dos policiais condutores, não tendo, todavia, sido utilizada em momento algum para embasar a condenação, sequer citada pelo magistrado sentenciante, deve ser afastada a possibilidade de reconhecimento da atenuante do art. 65, III, "d", do Código Penal (AgRg no AREsp 1599610/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/2/2020, DJe de 12/2/2020).
6. O pedido de detração do tempo de custódia cautelar não foi objeto de cognição pela Corte de origem, o que obsta a apreciação de tal matéria por esta Corte Superior, sob pena de incidir em indevida supressão de instância.
7. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 664.836/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 25/06/2021)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. LICITUDE DA PROVA. BUSCA DOMICILIAR. CRIME PERMANENTE. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INAPLICABILIDADE. RÉ QUE RESPONDE A OUTRA AÇÃO PENAL. DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA EVIDENCIADA. REGIME PRISIONAL. MODO SEMIABERTO. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Segundo jurisprudência firmada nesta Corte, o crime de tráfico de drogas de natureza permanente, assim compreendido aquele cuja a consumação se protrai no tempo, não se exige a apresentação de mandado de busca e apreensão ou autorização judicial para o ingresso dos policiais na residência do acusado, quando se tem por objetivo cessar a atividade criminosa, dada a situação de flagrância, conforme ressalva o art. 5º, XI, da Constituição Federal.
2. O Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 603.616, reafirmou o referido entendimento, com o alerta de que para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial, faz-se necessária a caracterização de justa causa, consubstanciada em razões as quais indiquem a situação de flagrante delito.
3. No caso, a justa causa para a adoção da medida de busca e apreensão sem mandado judicial evidencia-se no fato de que a corré Letícia, ao avistar os guardas municipais, que haviam se dirigido até o local para averiguar denúncia anônima da prática de tráfico, dispensou uma sacola ao chão e empreendeu fuga para dentro da residência, tendo um dos agentes a perseguido e detido no interior do imóvel, onde se encontrava a paciente deitada num colchão. A sacola descartada foi apreendida pelo outro guarda e continha 10 porções de cocaína (6,6g). No cômodo onde estava a paciente foram localizadas outras 54 porções de cocaína (36,6g), 28 de maconha (28, 96g), mais 7 porções de maconha (7g), embalagens plásticas, celulares e R$ 161,00. De sorte que eram fundadas as razões para a atuação policial. Desse modo, na presença de elementos suficientes a autorizar a medida estatal, não há como acolher a alegada ilicitude da prova para absolver a paciente pela prática do delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
4. A pretensão de absolvição do crime descrito no art. 33, caput, da Lei n. 11.340/2006 não pode ser apreciada por esta Corte Superior de Justiça, na via estreita do habeas corpus, por demandar o exame aprofundado do conjunto fático-probatório dos autos (Precedente).
5. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que existência de outros processos criminais, pendentes de definitividade, embora não sirvam para a negativa valoração da reincidência e dos antecedentes (Súmula 444 do STJ), podem afastar a incidência da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, quando permitem concluir que o agente é habitual na prática delitiva.
6. No caso, a instância ordinária afastou a aplicação do redutor, pois, além da quantidade e da diversidade das drogas apreendidas, a paciente registra outro processo também por tráfico de entorpecentes e não comprovou o exercício de atividade lícita, o que denota sua habitualidade delitiva.
7. Estabelecida a pena em 5 anos, sendo favoráveis as circunstâncias judiciais e primária a paciente, o regime semiaberto é o cabível para o início do cumprimento da pena privativa de liberdade, a teor do contido no art. 33, § 2º, "b", e § 3º, do Código Penal.
8. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC 618.867/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 03/11/2020, DJe 12/11/2020)
Por outro lado, é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
Assim, não há como acolher a alegação de violação de domicílio apresentada pela defesa do recorrente.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso ordinário em habeas corpus.
Como visto, o acórdão impugnado explicita de forma clara a presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente.
Por fim, relembro, mais uma vez, que é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
Vê-se, portanto, que a decisão do Tribunal de origem está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE NA INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. MUDANÇA DAS PREMISSAS FÁTICAS. IMPOSSIBILIDADE NA SEDE MANDAMENTAL. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no local, situação de flagrante delito.
2. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante da presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente.
3. Por outro lado, é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
4. Agravo regimental improvido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA NULIDADE NA INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES PARA O INGRESSO DOS POLICIAIS. INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR. MUDANÇA DAS PREMISSAS FÁTICAS. IMPOSSIBILIDADE NA SEDE MANDAMENTAL. AGRAVO IMPROVIDO. | 1. Como é de conhecimento, o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no local, situação de flagrante delito.
2. Na hipótese, as instâncias ordinárias, de forma fundamentada, afastaram a alegada nulidade por violação de domicílio, diante da presença de indícios prévios da prática de traficância, constituindo-se em fundadas razões a autorizarem a abordagem e o ingresso dos policiais no domicílio do recorrente.
3. Por outro lado, é vedado, como pretende a defesa, em sede do remédio constitucional do habeas corpus - ação de rito célere que não permite o revolvimento do material fático probatório dos autos -, alterar as premissas fáticas estabelecidas nas instâncias ordinárias, a fim de modificar a conclusão de que existiram investigações preliminares que confirmaram a denúncia anônima apresentada.
4. Agravo regimental improvido. | N |
145,604,286 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. REGISTRO DE FALTAS DISCIPLINARES. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. NÃO VINCULAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos" (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
2. No caso, o apenado apresenta três faltas graves praticadas recentemente: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado), conforme Boletim Informativo.
3. Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
4. "Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena" (AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021).
5. "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Cuida-se de agravo regimental interposto por ALEX FRANÇA DA SILVA contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor (e-STJ fls. 72/78).
Neste recurso, a defesa sustenta que as faltas disciplinares apontadas na decisão agravada já estão devidamente reabilitadas.
Alega que o exame criminológico realizado em 25/6/2021 constatou que "o agravante se encontra plenamente apto para progredir ao regime semiaberto" (e-STJ fl. 83).
Defende, assim, que, "além do atestado de bom comportamento carcerário apresentado pelo diretor da unidade prisional, conjuntamente com o laudo positivo do exame criminológico realizado, não há o que se falar em ausência de cumprimento do requisito subjetivo" (e-STJ fl. 83).
Acrescenta que "não há previsão legal para que o agravante permaneça por tempo indeterminado no regime mais gravoso, para posteriormente ser progredido ao regime semiaberto" (e-STJ fl. 84).
Em vista de todo o exposto, requer a reconsideração da decisão agravada ou que o feito seja submetido a julgamento perante a Quinta Turma desta Corte, para que seja provido o agravo regimental, concedendo-se a ordem para restabelecer a progressão ao regime semiaberto concedida pelo 1º grau de jurisdição.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e rechaçou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento.
No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cuja conclusão mantém-se, por seus próprios fundamentos.
O agravante impugna a seguinte decisão (e-STJ fls. 72/78):
..
Como se pode ver da transcrição do voto acima, o Tribunal apontou elementos concretos relativos à execução da pena, suficientes a justificar o indeferimento da progressão ao regime semiaberto - prática de faltas graves em três oportunidades recentes: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado).
Tal entendimento encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada por esta Corte Superior de Justiça, no sentido de que a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
Nessa linha de entendimento, colaciono, a título exemplificativo, os seguintes precedentes:
..
Ademais, para as faltas disciplinares praticadas há mais de um ano ou já reabilitadas, destaco o seguinte precedente:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL INDEFERIDO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. FALTAS DISCIPLINARES MÉDIAS E GRAVES. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. LIMITAÇÃO DO PERÍODO DE AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. As faltas graves praticadas pelo apenado durante todo o cumprimento da pena, embora não interrompam a contagem do prazo para o livramento condicional, justificam o indeferimento do benefício por ausência do requisito subjetivo.
3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes.
4. O afastamento dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto ao mérito subjetivo do paciente demandaria o reexame de matéria fático-probatória, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus.
5. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 564.292/SP, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 23/6/2020)
De fato, conforme já decidiu esta Corte: "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016). Na mesma linha, o AgRg no HC 706.781/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021; o AgRg no REsp 1.963.528/PR, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Quinta Turma, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021; o AgRg no HC 666.283/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 5/10/2021, DJe 13/10/2021.
Observo, por fim, que é firme o posicionamento desta Corte Superior no sentido de ser inviável, em habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
Assim, não configurado, na hipótese vertente, constrangimento ilegal, a justificar a concessão do writ de ofício.
..
Segundo a defesa, o apenado apresenta bom comportamento carcerário, conforme declaração emitida pelo diretor da unidade prisional, bem como possui exame criminológico positivo realizado em 25/6/2021.
Ocorre que "A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos" (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
No caso, conforme fundamentado na decisão acima, o apenado apresenta três faltas graves praticadas recentemente: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado), conforme Boletim Informativo (e-STJ fl. 42).
Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
Com efeito, o Regimento Interno Padrão da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e a redação do art. 112, § 7º, da LEP, apenas regulamentam o conceito de boa conduta carcerária, mas a análise dos requisitos para a progressão de regime vai além, não bastando o simples atestado de conduta carcerária. Do contrário, não seria necessário que o Juiz da execução julgasse a progressão, bastando a análise administrativa.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. AUSÊNCIA. LAUDO PSIQUIÁTRICO DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 122 da Lei de Execução Penal, o apenado deverá cumprir os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (atestado de bom comportamento carcerário) para a concessão do benefício da progressão de regime prisional. No entanto, ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justifica o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo.
2. Na espécie, as instâncias ordinárias lograram fundamentar o indeferimento da progressão de regime em razão da ausência do requisito subjetivo do condenado, invocando elemento concreto consistente em avaliação psiquiátrica desfavorável, na qual foi destacada a impossibilidade de progressão pela existência de indicativos de periculosidade e risco social na concessão do benefício.
3. É inviável em habeas corpus, em princípio, a desconstituição da conclusão sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implicaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 444.379/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019 - negritei)
Quanto ao exame criminológico, registro que o magistrado não está adstrito ao laudo, podendo indeferir o benefício, ainda que o exame tenha sido favorável, se justificar com base em outros fatores concretos da execução da penal.
Ilustrativamente, colaciono os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO PELO JULGADOR. CONTURBADO HISTÓRICO PRISIONAL DO APENADO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Esta Corte pacificou o entendimento segundo o qual, ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto, e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justificaria o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo.
2. Verifica-se que o pedido de progressão de regime pleiteado pelo recorrente foi indeferido pela ausência do preenchimento do requisito subjetivo, tendo sido levado em consideração, sobretudo, o conturbado histórico prisional do apenado, destacando-se a presença de faltas disciplinares de natureza grave.
3. Frise-se, ademais, que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que "o Magistrado não está adstrito ao laudo favorável do exame criminológico, o qual poderá formar sua própria convicção acerca do pedido de progressão, com base nos dados concretos da execução da pena" (AgRg no HC n. 419.539/SP, rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 8/2/2018, DJe 16/2/2018), o que ocorreu na espécie.
4. Como quer que seja, é firme o posicionamento desta Corte Superior de ser inviável, em habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica o reexame do conjunto fático-probatório, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 662.916/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 10/12/2021 - negritei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO COM CONCLUSÃO FAVORÁVEL. OUTROS ASPECTOS DA EXECUÇÃO UTILIZADOS PARA FUNDAMENTAR O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas afirmaram que a paciente não estava apta ao ingresso no regime semiaberto, haja vista a não assimilação da terapêutica penal e ausência de autocrítica.
2. Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena.
3. Não havendo falar em deficiência de fundamentação, rever o decidido pelas instâncias ordinárias demandaria aprofundado revolvimento fático-probatório, procedimento vedado na via do habeas corpus.
4. Agravo Regimental no habeas corpus desprovido.
(AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021 - negritei)
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. AMPLA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. WRIT INDEFERIDO LIMINARMENTE.
1. Agravo em execução. Progressão de regime. Benefício indeferido por falta do requisito subjetivo. Exame criminológico que contém considerações desfavoráveis ao sentenciado, as quais não podem ser singelamente ignoradas. Conclusão favorável que não vincula o Magistrado.
2. Rever os fundamentos das instâncias originárias quanto à ausência do preenchimento do requisito subjetivo demandaria ampla incursão na análise de fatos e provas, o que não é compatível com os autos de habeas corpus, de cognição sumária.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 649.155/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. REGISTRO DE FALTAS DISCIPLINARES. HISTÓRICO DE INFRAÇÕES. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. NÃO VINCULAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justifica o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo. .. (AgRg no HC 444.379/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019).
2. A prática de faltas graves é indicativa da ausência de cumprimento do requisito subjetivo da progressão de regime.
A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário (HC n. 347.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
3. O exame criminológico não vincula o magistrado, que deverá formar sua convicção após a análise de todos os elementos constantes dos respectivos autos. .. (HC 372.954/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 2/2/2017, DJe 10/2/2017).
4. No caso, o paciente tem em seu Boletim Informativo o registro de 3 faltas graves e uma média, uma de 2013 e as outras de 2012, não tendo implementado, assim, o requisito subjetivo para a progressão ao regime semiaberto.
5. Agravo improvido.
(AgRg nos EDcl no HC 673.334/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 28/06/2021)
Desse modo, deve ser mantida a decisão agravada, tendo em vista que o agravante não demonstrou o requisito subjetivo para progressão ao regime semiaberto.
Ressalto, por pertinente, que, "Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena" (AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021).
Ante o exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Cuida-se de agravo regimental interposto por ALEX FRANÇA DA SILVA contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor (e-STJ fls. 72/78).
Neste recurso, a defesa sustenta que as faltas disciplinares apontadas na decisão agravada já estão devidamente reabilitadas.
Alega que o exame criminológico realizado em 25/6/2021 constatou que "o agravante se encontra plenamente apto para progredir ao regime semiaberto" (e-STJ fl. 83).
Defende, assim, que, "além do atestado de bom comportamento carcerário apresentado pelo diretor da unidade prisional, conjuntamente com o laudo positivo do exame criminológico realizado, não há o que se falar em ausência de cumprimento do requisito subjetivo" (e-STJ fl. 83).
Acrescenta que "não há previsão legal para que o agravante permaneça por tempo indeterminado no regime mais gravoso, para posteriormente ser progredido ao regime semiaberto" (e-STJ fl. 84).
Em vista de todo o exposto, requer a reconsideração da decisão agravada ou que o feito seja submetido a julgamento perante a Quinta Turma desta Corte, para que seja provido o agravo regimental, concedendo-se a ordem para restabelecer a progressão ao regime semiaberto concedida pelo 1º grau de jurisdição.
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e rechaçou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento.
No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cuja conclusão mantém-se, por seus próprios fundamentos.
O agravante impugna a seguinte decisão (e-STJ fls. 72/78):
..
Como se pode ver da transcrição do voto acima, o Tribunal apontou elementos concretos relativos à execução da pena, suficientes a justificar o indeferimento da progressão ao regime semiaberto - prática de faltas graves em três oportunidades recentes: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado).
Tal entendimento encontra-se em harmonia com a jurisprudência consolidada por esta Corte Superior de Justiça, no sentido de que a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
Nessa linha de entendimento, colaciono, a título exemplificativo, os seguintes precedentes:
..
Ademais, para as faltas disciplinares praticadas há mais de um ano ou já reabilitadas, destaco o seguinte precedente:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL INDEFERIDO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLDO. FALTAS DISCIPLINARES MÉDIAS E GRAVES. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. LIMITAÇÃO DO PERÍODO DE AFERIÇÃO DO REQUISITO SUBJETIVO. IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Em consonância com a orientação jurisprudencial da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal - STF, esta Corte não admite habeas corpus substitutivo de recurso próprio, sem prejuízo da concessão da ordem, de ofício, se existir flagrante ilegalidade na liberdade de locomoção do paciente.
2. As faltas graves praticadas pelo apenado durante todo o cumprimento da pena, embora não interrompam a contagem do prazo para o livramento condicional, justificam o indeferimento do benefício por ausência do requisito subjetivo.
3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes.
4. O afastamento dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto ao mérito subjetivo do paciente demandaria o reexame de matéria fático-probatória, providência inadmissível na via estreita do habeas corpus.
5. Habeas corpus não conhecido.
(HC n.º 564.292/SP, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 16/6/2020, DJe 23/6/2020)
De fato, conforme já decidiu esta Corte: "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016). Na mesma linha, o AgRg no HC 706.781/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021; o AgRg no REsp 1.963.528/PR, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), Quinta Turma, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021; o AgRg no HC 666.283/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 5/10/2021, DJe 13/10/2021.
Observo, por fim, que é firme o posicionamento desta Corte Superior no sentido de ser inviável, em habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica no reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
Assim, não configurado, na hipótese vertente, constrangimento ilegal, a justificar a concessão do writ de ofício.
..
Segundo a defesa, o apenado apresenta bom comportamento carcerário, conforme declaração emitida pelo diretor da unidade prisional, bem como possui exame criminológico positivo realizado em 25/6/2021.
Ocorre que "A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos" (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
No caso, conforme fundamentado na decisão acima, o apenado apresenta três faltas graves praticadas recentemente: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado), conforme Boletim Informativo (e-STJ fl. 42).
Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
Com efeito, o Regimento Interno Padrão da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e a redação do art. 112, § 7º, da LEP, apenas regulamentam o conceito de boa conduta carcerária, mas a análise dos requisitos para a progressão de regime vai além, não bastando o simples atestado de conduta carcerária. Do contrário, não seria necessário que o Juiz da execução julgasse a progressão, bastando a análise administrativa.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. AUSÊNCIA. LAUDO PSIQUIÁTRICO DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 122 da Lei de Execução Penal, o apenado deverá cumprir os requisitos de natureza objetiva (lapso temporal) e subjetiva (atestado de bom comportamento carcerário) para a concessão do benefício da progressão de regime prisional. No entanto, ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justifica o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo.
2. Na espécie, as instâncias ordinárias lograram fundamentar o indeferimento da progressão de regime em razão da ausência do requisito subjetivo do condenado, invocando elemento concreto consistente em avaliação psiquiátrica desfavorável, na qual foi destacada a impossibilidade de progressão pela existência de indicativos de periculosidade e risco social na concessão do benefício.
3. É inviável em habeas corpus, em princípio, a desconstituição da conclusão sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implicaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos da execução, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
4. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 444.379/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019 - negritei)
Quanto ao exame criminológico, registro que o magistrado não está adstrito ao laudo, podendo indeferir o benefício, ainda que o exame tenha sido favorável, se justificar com base em outros fatores concretos da execução da penal.
Ilustrativamente, colaciono os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. NÃO PREENCHIMENTO DO REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO PELO JULGADOR. CONTURBADO HISTÓRICO PRISIONAL DO APENADO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Esta Corte pacificou o entendimento segundo o qual, ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto, e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justificaria o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo.
2. Verifica-se que o pedido de progressão de regime pleiteado pelo recorrente foi indeferido pela ausência do preenchimento do requisito subjetivo, tendo sido levado em consideração, sobretudo, o conturbado histórico prisional do apenado, destacando-se a presença de faltas disciplinares de natureza grave.
3. Frise-se, ademais, que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que "o Magistrado não está adstrito ao laudo favorável do exame criminológico, o qual poderá formar sua própria convicção acerca do pedido de progressão, com base nos dados concretos da execução da pena" (AgRg no HC n. 419.539/SP, rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 8/2/2018, DJe 16/2/2018), o que ocorreu na espécie.
4. Como quer que seja, é firme o posicionamento desta Corte Superior de ser inviável, em habeas corpus, desconstituir a conclusão a que chegaram as instâncias ordinárias sobre o não preenchimento do requisito subjetivo, uma vez que tal providência implica o reexame do conjunto fático-probatório, procedimento incompatível com os estreitos limites da via eleita.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 662.916/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 10/12/2021 - negritei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO COM CONCLUSÃO FAVORÁVEL. OUTROS ASPECTOS DA EXECUÇÃO UTILIZADOS PARA FUNDAMENTAR O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. POSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas afirmaram que a paciente não estava apta ao ingresso no regime semiaberto, haja vista a não assimilação da terapêutica penal e ausência de autocrítica.
2. Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena.
3. Não havendo falar em deficiência de fundamentação, rever o decidido pelas instâncias ordinárias demandaria aprofundado revolvimento fático-probatório, procedimento vedado na via do habeas corpus.
4. Agravo Regimental no habeas corpus desprovido.
(AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021 - negritei)
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. AGRAVO EM EXECUÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO PREENCHIDO. AMPLA ANÁLISE DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. WRIT INDEFERIDO LIMINARMENTE.
1. Agravo em execução. Progressão de regime. Benefício indeferido por falta do requisito subjetivo. Exame criminológico que contém considerações desfavoráveis ao sentenciado, as quais não podem ser singelamente ignoradas. Conclusão favorável que não vincula o Magistrado.
2. Rever os fundamentos das instâncias originárias quanto à ausência do preenchimento do requisito subjetivo demandaria ampla incursão na análise de fatos e provas, o que não é compatível com os autos de habeas corpus, de cognição sumária.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 649.155/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 20/08/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLDO. REGISTRO DE FALTAS DISCIPLINARES. HISTÓRICO DE INFRAÇÕES. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. NÃO VINCULAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. Ainda que haja atestado de boa conduta carcerária, a análise desfavorável do mérito do condenado feita pelo Juízo das execuções, com base nas peculiaridades do caso concreto e levando em consideração fatos ocorridos durante a execução penal, justifica o indeferimento do pleito de progressão de regime prisional pelo inadimplemento do requisito subjetivo. .. (AgRg no HC 444.379/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 08/10/2019, DJe 18/10/2019).
2. A prática de faltas graves é indicativa da ausência de cumprimento do requisito subjetivo da progressão de regime.
A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário (HC n. 347.194/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
3. O exame criminológico não vincula o magistrado, que deverá formar sua convicção após a análise de todos os elementos constantes dos respectivos autos. .. (HC 372.954/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 2/2/2017, DJe 10/2/2017).
4. No caso, o paciente tem em seu Boletim Informativo o registro de 3 faltas graves e uma média, uma de 2013 e as outras de 2012, não tendo implementado, assim, o requisito subjetivo para a progressão ao regime semiaberto.
5. Agravo improvido.
(AgRg nos EDcl no HC 673.334/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 22/06/2021, DJe 28/06/2021)
Desse modo, deve ser mantida a decisão agravada, tendo em vista que o agravante não demonstrou o requisito subjetivo para progressão ao regime semiaberto.
Ressalto, por pertinente, que, "Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena" (AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021).
Ante o exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. REGISTRO DE FALTAS DISCIPLINARES. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. NÃO VINCULAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos" (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
2. No caso, o apenado apresenta três faltas graves praticadas recentemente: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado), conforme Boletim Informativo.
3. Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
4. "Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena" (AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021).
5. "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
6. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. REGISTRO DE FALTAS DISCIPLINARES. EXAME CRIMINOLÓGICO FAVORÁVEL. NÃO VINCULAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. "A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos" (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
2. No caso, o apenado apresenta três faltas graves praticadas recentemente: 11/5/2020 (desobediência); 1º/5/2020 (desobediência); e, 14/4/2020 (agressão a outro sentenciado), conforme Boletim Informativo.
3. Conforme a jurisprudência pacífica desta Corte, a prática de falta grave durante a execução da pena acarreta ausência de requisito subjetivo para progressão de regime.
4. "Em que pese a conclusão favorável do exame criminológico, o Juízo das execuções e o Tribunal de origem não ficam restritos ao trecho final do relatório, devendo levar em conta todos os aspectos do cumprimento da pena" (AgRg no HC 633.997/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021).
5. "A circunstância de o paciente já haver se reabilitado, pela passagem do tempo, desde o cometimento das sobreditas faltas, não impede que se invoque o histórico de infrações praticadas no curso da execução penal, como indicativo de mau comportamento carcerário" (HC n.º 347.194/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, julgado em 28/6/2016).
6. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
146,257,246 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRAFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDA. USO DE MENOR DE IDADE NA EMPREITADA CRIMINOSA. PACIENTE CONHECIDO NO MEIO POLICIAL POR TRANSPORTAR DROGAS. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No particular, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a expressiva quantidade de substância entorpecente apreendida - 318,3g de crack e 18,8g de maconha e a utilização de um menor de idade na empreitada criminosa. Ademais, o paciente é conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, o que justifica a prisão, com adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
4. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por MARCIO RODRIGUES REIS contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus (e-STJ fls. 114/127).
Consta dos autos que o agravante foi preso cautelarmente pela suposta prática do crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Em suas razões, a defesa alega que "os fundamentos utilizados para a manutenção da prisão do AGRAVANTE primário, NÃO SÃO SUFICIENTES para demonstrar que, dentre todas as medidas cautelares previstas pelo ordenamento jurídico penal, a prisão preventiva seja a mais adequada ao caso (..)" (e-STJ fl. 133).
Argumenta que o agravante é primário, portador de bons antecedentes, possui residência fixa e emprego lícito. É pai e arrimo de família, estando sua esposa com filho recém nascido e desempregada.
Por fim, alega que inexistem indícios apontando a participação do paciente na conduta delituosa, pois as provas contidas nos autos são frágeis.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo colegiado para revogar a prisão preventiva do paciente.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRAFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDA. USO DE MENOR DE IDADE NA EMPREITADA CRIMINOSA. PACIENTE CONHECIDO NO MEIO POLICIAL POR TRANSPORTAR DROGAS. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No particular, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a expressiva quantidade de substância entorpecente apreendida - 318,3g de crack e 18,8g de maconha e a utilização de um menor de idade na empreitada criminosa. Ademais, o paciente é conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, o que justifica a prisão, com adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
4. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
5. Agravo regimental a que se nega provimento.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Em que pese o esforço da zelosa defesa, a decisão deve ser mantida.
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.
No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar.
Busca-se a revogação da prisão de paciente, acusado da suposta prática do crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência de periculum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão (HC nº 137.066/PE, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014; RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; e RHC n. 97.893/RR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; HC n. 503.046/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, consta do decreto preventivo (e-STJ fls. 81/83):
..
Verifico que, in casu, há provas da existência do crime e indícios suficientes de autoria, vez que a quantidade de drogas encontradas com o menor, dentro da sacola, momentos antes, entregue ao mesmo pelo investigado Márcio, comprovam a materialidade, valendo frisar que, pela quantidade e forma de apresentação, não há dúvida acerca da sua natureza, sendo que, no Exame Preliminar de Drogas de Abuso, constatou se tratar, efetivamente, de cocaína, cujo laudo foi devidamente juntado ao presente procedimento logo antes da prolação da presente decisão.
Além disso, trata-se de crime doloso punido com pena de reclusão, cuja pena máxima em abstrato ultrapassa o patamar de 4 anos, conforme previsto no artigo 313,1, do CPP.
No mesmo sentido, considerando a quantidade de drogas apreendidas, a utilização de menor na empreitada criminosa, e a existência de diversas denúncias em desfavor do investigado Márcio, conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, resta nítida a necessidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, forte no fundamento da necessidade de se garantir a ordem pública.
Imperioso observar que a manutenção da prisão do investigado é necessária também para evitar a prática de novas infrações penais, sendo possível perceber que, diante do elevado número de denúncias e apreensões, é possível inferir seu envolvimento com o tráfico de drogas, o que demonstra a necessidade da manutenção de sua prisão não apenas para garantir a ordem pública, mas, também, para paralisar a prática criminosa e evitar o sentimento de impunidade no meio social mais próximo do local dos graves acontecimentos.
Em virtude das próprias peculiaridades que envolvem o delito, as medidas cautelares diversas da prisão, apontadas no art. 319 do CPP, se apresentam nitidamente insuficientes, já que, mesmo que aplicadas cumulativamente, não impedirá a prática do crime que, efetivamente, é praticado, sempre, na clandestinidade.
Por esses motivos, o comparecimento periódico é ineficaz para evitar que o agente continue a exercer o comércio ilícito de drogas; a proibição de frequentar determinados lugares e de ausentar-se da comarca, desprovida de fiscalização também é ineficaz; o recolhimento domiciliar é medida inócua levando-se em conta a natureza do crime que se busca coibir, ainda mais quando desprovida de quaisquer condições de ser efetivamente fiscalizada pelo Estado; a fiança é incabível nos crimes de tráfico de drogas por imposição legal e quanto ao monitoramento eletrônico é inexequível em razão da atual falta de estrutura do Estado que não dispõe de equipamentos necessários e de pessoal capacitado para a fiscalização. Assim, certo é que o investigado, uma vez em liberdade, estará sujeito aos mesmos estímulos que os levaram a delinquir, afrontando as regras basilares do bom convívio social e colocando em risco a sociedade, causando temor público, ante o sentimento de medo causado pela imediata soltura de traficantes flagrados entregando significativa quantidade de substâncias entorpecentes ilícitas a menores, usados para a traficância.
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E ratificou o Tribunal a quo, ao manter a custódia do paciente (e-STJ fls. 106/110):
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O voto condutor concedeu a ordem ao argumento de que os motivos ensejadores da prisão preventiva estão ausentes. Divirjo contudo do seu voto para denegar a ordem. Resume-se a questão à análise da ausência de fundamentação, da existência dos requisitos autorizadores para a manutenção da custódia cautelar, da concessão de medidas cautelares diversas da prisão e das condições pessoais favoráveis.
Da ausência de fundamentação e dos requisitos autorizadores da prisão preventiva:
Suplica o paciente a revogação da prisão preventiva por ausência de fundamentação e dos requisitos necessários para seu decreto. A decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva se encontra fundamentada em dados concretos do processo. doc. 18 Trata-se de delito de tráfico de droga.
A prisão preventiva se encontra fundamentada em dados concretos do processo, considerando a apreensão de 06 pedras brutas grandes de crack, 25 pedras de crack doladas e prontas para o comércio e um tablete menor de substância semelhante à maconha, além de algumas cédulas variadas e duas tesouras comumente usadas para cortar embalagens plásticas para dolagem de drogas. As circunstâncias do presente caso e grande quantidade de droga apreendida revela a gravidade em concreto da infração, o que demonstra a necessidade da manutenção da cautela provisória.
O descaso pela repressão estatal e finalmente a ausência de compromisso pela ordem pública são outros ingredientes a determinar a segregação antecipada do paciente. Portanto, diante do manancial delituoso mister se faz a prisão sobre os auspícios da ordem pública. A prisão antes da sentença definitiva tem natureza cautelar, tendo o impetrado demonstrado a presença dos pressupostos de decretação da prisão preventiva - garantia da ordem pública - sendo a manutenção da custódia cautelar a medida que se impõe.É o quanto basta para a manutenção da ordem pública.
(..)
Do pedido de concessão de medidas cautelares diversas da prisão: Pede a Defesa a concessão de medidas cautelares diversas da prisão. Não vislumbro ainda na espécie a possibilidade de concessão das medidas cautelares previstas na Lei 12.403/11 vez que a pena máxima prevista para o delito de tráfico é maior que 04 quatro anos, encontrando-se ademais presentes os requisitos autorizadores para a manutenção da custódia cautelar. A medida cautelar diversa da prisão no caso se mostra ademais totalmente divorciada da espécie, a tornar-se absolutamente ineficaz diante da reincidência.(..)Das condições pessoais favoráveis: Agita ainda a defesa a soltura por ser o paciente primário e possuir bons antecedentes. Primariedade e bons antecedentes não justifica a revogação da cautela se existem outros elementos autorizadores.
(..)
Não há falar assim em constrangimento ilegal. Ante o exposto, DENEGO A ORDEM.
..
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
Ora, é da jurisprudência pátria a impossibilidade de se recolher alguém ao cárcere se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.
Note-se ainda que a prisão preventiva se trata propriamente de uma prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (Constituição da República, art. 5º, inciso LXI), mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (CRFB, art. 93, inciso IX).
No particular, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a expressiva quantidade de substância entorpecente apreendida - 318,3g de crack e 18,8g de maconha, segundo laudo de f. 116/122- e-STJ fl. 104) e a utilização de um menor de idade na empreitada criminosa. Ademais, consignou o Tribunal de origem que o paciente é conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, o que justifica a prisão, com adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Assim, as circunstâncias fáticas do crime, como a grande quantidade apreendida, a variedade, a natureza nociva dos entorpecentes, a forma de acondicionamento, entre outros aspectos podem servir de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal assentou que "a gravidade concreta do crime, o modus operandi da ação delituosa e a periculosidade do agente, evidenciados pela expressiva quantidade e pluralidade de entorpecentes apreendidos, respaldam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (HC n. 130.708/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 15/3/2016, DJe 6/4/2016).
De maneira idêntica,"Esta Corte Superior possui entendimento de que a quantidade, a variedade ou a natureza da substância entorpecente apreendida podem servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva" (HC n. 547.239/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 12/12/2019).
Registre-se, ainda, que as condições subjetivas favoráveis do paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Nesse contexto,"é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Agravante, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar" (AgRg no HC n. 127.486/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 5/5/2015, DJe 18/5/2015).
Do mesmo modo, segundo este Tribunal,"a presença de condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela" (HC n. 472.912/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe 17/12/2019).
Ademais, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
Quanto ao tema, trago aos autos precedente do Supremo Tribunal Federal no seguinte sentido: " .. . Necessidade da prisão provisória justificada. Gravidade concreta dos delitos. As medidas cautelares alternativas diversas da prisão, previstas na Lei 12.403/2011, não se mostram suficientes a acautelar o meio social .. " (HC n. 123.172/MG, Relator Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 19/2/2015).
Em harmonia, esta Corte entende que é "indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a constrição se encontra justificada e mostra-se necessária, dada a potencialidade lesiva da infração indicando que providências mais brandas não seriam suficientes para garantir a ordem pública" (RHC n. 120.305/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Confira-se, a título de ilustração, julgados desta Corte Superior:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO DE MENORES. INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. INOCÊNCIA. VIA INADEQUADA. PRISÃO PREVENTIVA. GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTE. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. QUALIDADES PESSOAIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. INADEQUAÇÃO.
1. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
2. A garantia constitucional de inviolabilidade ao domicílio é excepcionada nos casos de flagrante delito, não se exigindo, em tais hipóteses, mandado judicial para ingressar na residência do agente. Todavia, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. No caso, como bem destacado no acórdão recorrido, "a Polícia Militar diligenciou no sentido de apurar fundada suspeita da prática de crime de tráfico de entorpecentes em sua residência".
3. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art.5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX da CF). Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
4. As circunstâncias fáticas do crime, como a grande quantidade apreendida, a natureza nociva dos entorpecentes, a forma de acondicionamento, entre outros aspectos, podem servir de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade. No caso, foram apreendidos com o paciente 508,10g de crack, além de 4 pinos de cocaína.
5. As condições subjetivas favoráveis do recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. Ademais, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado.
6. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido;(RHC 140.916/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 9/2/2021, DJe 11/2/2021)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPROPRIEDADE DA VIA. PRISÃO PREVENTIVA. ELEVADA QUANTIDADE E REPROVÁVEL NATUREZA DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS - 472 PORÇÕES DE CRACK. SUPOSTA COMERCIALIZAÇÃO EM PROXIMIDADE DE ESCOLA. CRIME PRATICADO EM COMPANHIA DE MENORES, INCLUSIVE PRÓPRIO FILHO DO RECORRENTE. AUSÊNCIA DE ESCRÚPULOS. REGISTRO CRIMINAL DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PERICULOSIDADE. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
2. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF). Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime.
3. No caso dos autos, o recorrente foi preso em associação com os demais corréus, dois deles menores de idade, em local próximo a estabelecimento de ensino, em posse de 472 porções de crack, com peso total de 50,00g, e mais R$ 880,00 - entorpecente cuja natureza extremamente danosa, aliada à suposta comercialização nas proximidades de escola, indica ausência de escrúpulos e, portanto, a periculosidade. Aliás, a circunstância trazida aos autos de que um dos menores apreendidos era seu próprio filho reforça tal conclusão.
4. A circunstância de que o recorrente ostenta registro de ação penal em andamento pelos supostos delitos de lesão corporal e ameaça em contexto de violência doméstica complementa os indicativos de personalidade perigosa, cuja prisão é necessária como forma de preservação da ordem pública.
5. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
6. Recurso desprovido.(RHC 132.421/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 22/9/2020, DJe 28/9/2020)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CORRUPÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE, VARIEDADE E LESIVIDADE DA DROGA APREENDIDA. NEGATIVA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELA VIA ELEITA. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
II - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, para a garantia da ordem pública, notadamente se considerada a quantidade, variedade e lesividade das drogas apreendidas - 33,78 g de crack, embalados em 123 unidades, 8,67g de cocaína, acondicionadas em 01 invólucro, 49,53 g de maconha acondicionadas em 50 invólucros - além de balança de precisão, da participação de um menor e da confissão do recorrente de que seria o proprietário da droga e dos apetrechos apreendidos, circunstâncias indicativas de um maior desvalor da conduta em tese perpetrada, bem como da periculosidade concreta do agente, a revelar a indispensabilidade da imposição da medida extrema na hipótese. Precedentes.
III - A presença de circunstâncias pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. IV - As instâncias originárias concluíram que há indícios suficientes de autoria e a materialidade para a imposição da segregação cautelar. Entender de modo contrário ao estabelecido pelo Tribunal a quo, como pretende o impetrante, demandaria o revolvimento do material fático-probatório dos autos, o que é de todo inviável nesta via. Precedentes do col. Pretório Excelso e do STJ.
V - É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes. Agravo regimental desprovido.(AgRg no RHC 137.453/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 9/12/2020, DJe 16/12/2020)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. GRAVIDADE CONCRETA. NATUREZA DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS. ENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTE. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRIMARIEDADE. IRRELEVÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE PREVISÃO OBJETIVA DE EVENTUAL REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO.
1. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF). Assim, a medida, embora possível, deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF) que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal,
2. O decreto de prisão cautelar encontra-se devidamente fundamentado, tal qual exige a legislação vigente. Foram regularmente tecidos argumentos idôneos e suficientes ao cárcere provisório do paciente nas decisões transcritas, para garantir a ordem pública, notadamente em razão da gravidade concreta da conduta do recorrente, o qual teria sido flagrado com quantidade relativamente expressiva de droga de alto potencial lesivo - 26 pedrinhas e uma pedra grande de crack, essa equivalente a 30 pedrinhas - bem como outros materiais e utensílios destinados ao comércio ilícito - embalagens plásticas e pinos de armazenamento. Além disso, destaca-se o modus operandi empregado pela associação criminosa, que inclui ameaças e intimidações com facões aos usuários do entorpecente e o uso de uma adolescente menor de idade como "bode expiatório" da empreitada criminosa, tudo a indicar profundo envolvimento do paciente no tráfico.
3. Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria (HC n. 126.756, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
4. Presentes os requisitos autorizadores da segregação preventiva, eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para afastá-la.
5. Não é possível a realização de uma prognose em relação ao futuro regime aplicado ao recorrente no caso de eventual condenação, em razão, principalmente, dos elementos fáticos e probatórios a serem analisados pelo juízo sentenciante. Nessa perspectiva, "Não prospera a assertiva de que a custódia cautelar é desproporcional à futura pena do paciente, pois só a conclusão da instrução criminal será capaz de revelar qual será a pena adequada e o regime ideal para o seu cumprimento, sendo inviável essa discussão nesta ação de Habeas Corpus" (HC n. 187.669/BA, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, julgado em 24/5/2011, DJe 27/6/2011).
6. Demonstrados os pressupostos e motivos autorizadores da custódia cautelar, elencados no art. 312 do CPP, não se vislumbra constrangimento ilegal a ser reparado por este Superior Tribunal de Justiça.
7. Recurso ordinário em Habeas corpus não provido.(RHC 118.383/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 5/11/2019, DJe 12/11/2019)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE SOCIAL (APREENSÃO DE CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE DROGA). GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. Caso em que a prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal para garantia da ordem pública em razão da periculosidade social do recorrente, evidenciada pelas circunstâncias concretas extraídas do crime - os recorrentes fazem parte de associação criminosa, tendo sido apreendidos, no momento do flagrante, 201 pedras de crack (72, 45g), uma balança de precisão, uma tesoura, um pacote de saco de picolé e quantias de dinheiro. Além disso, a associação criminosa contava com o envolvimento de menor na conduta delituosa. Precedentes.
3. As condições subjetivas favoráveis dos recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes e residência fixa, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
4. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública.
5. A prisão dos recorrentes não ofende os princípios da proporcionalidade ou da homogeneidade, pois o fato de serem primários não lhes garante a aplicação da pena mínima cominada aos delitos a eles imputados. Além disso, a garantia à ordem pública não pode ser abalada diante de mera suposição referente ao regime prisional a ser eventualmente aplicado.
6. Recurso improvido.(RHC 106.925/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/2/2019, DJe 20/2/2019)
Por último, é de se notar que a tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
Com efeito, segundo o STF, "não se admite no habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a inocência do Paciente" (HC n. 115.116/RJ, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/9/2014, DJe 17/11/2014).
Também é o entendimento desta Corte que "reconhecer a ausência, ou não, de elementos de autoria e materialidade delitiva acarreta, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto fático-probatório, sendo impróprio na via do habeas corpus" (RHC n. 119.441/CE, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 7/11/2019, DJe 3/12/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por MARCIO RODRIGUES REIS contra decisão monocrática que não conheceu do habeas corpus (e-STJ fls. 114/127).
Consta dos autos que o agravante foi preso cautelarmente pela suposta prática do crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Em suas razões, a defesa alega que "os fundamentos utilizados para a manutenção da prisão do AGRAVANTE primário, NÃO SÃO SUFICIENTES para demonstrar que, dentre todas as medidas cautelares previstas pelo ordenamento jurídico penal, a prisão preventiva seja a mais adequada ao caso (..)" (e-STJ fl. 133).
Argumenta que o agravante é primário, portador de bons antecedentes, possui residência fixa e emprego lícito. É pai e arrimo de família, estando sua esposa com filho recém nascido e desempregada.
Por fim, alega que inexistem indícios apontando a participação do paciente na conduta delituosa, pois as provas contidas nos autos são frágeis.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo colegiado para revogar a prisão preventiva do paciente.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Em que pese o esforço da zelosa defesa, a decisão deve ser mantida.
O presente habeas corpus não merece ser conhecido por ausência de regularidade formal, qual seja, a adequação da via eleita.
De acordo com a nossa sistemática recursal, o recurso cabível contra acórdão do Tribunal de origem que denega a ordem no habeas corpus é o recurso ordinário, consoante dispõe o art. 105, II, "a", da Constituição Federal. Do mesmo modo, o recurso adequado contra acórdão que julga recurso em sentido estrito é o recurso especial, nos termos do art. 105, III, da Constituição Federal.
Acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
Nesse sentido, encontram-se, por exemplo, estes julgados: HC 313.318/RS, Quinta Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, julgamento em 7/5/2015, DJ de 21/5/2015; HC 321.436/SP, Sexta Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 19/5/2015, DJ de 27/5/2015.
No entanto, nada impede que, de ofício, este Tribunal Superior constate a existência de ilegalidade flagrante, circunstância que ora passo a examinar.
Busca-se a revogação da prisão de paciente, acusado da suposta prática do crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência de periculum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão (HC nº 137.066/PE, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014; RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; e RHC n. 97.893/RR, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019; HC n. 503.046/RN, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015; HC n. 296.543/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, consta do decreto preventivo (e-STJ fls. 81/83):
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Verifico que, in casu, há provas da existência do crime e indícios suficientes de autoria, vez que a quantidade de drogas encontradas com o menor, dentro da sacola, momentos antes, entregue ao mesmo pelo investigado Márcio, comprovam a materialidade, valendo frisar que, pela quantidade e forma de apresentação, não há dúvida acerca da sua natureza, sendo que, no Exame Preliminar de Drogas de Abuso, constatou se tratar, efetivamente, de cocaína, cujo laudo foi devidamente juntado ao presente procedimento logo antes da prolação da presente decisão.
Além disso, trata-se de crime doloso punido com pena de reclusão, cuja pena máxima em abstrato ultrapassa o patamar de 4 anos, conforme previsto no artigo 313,1, do CPP.
No mesmo sentido, considerando a quantidade de drogas apreendidas, a utilização de menor na empreitada criminosa, e a existência de diversas denúncias em desfavor do investigado Márcio, conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, resta nítida a necessidade de conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, forte no fundamento da necessidade de se garantir a ordem pública.
Imperioso observar que a manutenção da prisão do investigado é necessária também para evitar a prática de novas infrações penais, sendo possível perceber que, diante do elevado número de denúncias e apreensões, é possível inferir seu envolvimento com o tráfico de drogas, o que demonstra a necessidade da manutenção de sua prisão não apenas para garantir a ordem pública, mas, também, para paralisar a prática criminosa e evitar o sentimento de impunidade no meio social mais próximo do local dos graves acontecimentos.
Em virtude das próprias peculiaridades que envolvem o delito, as medidas cautelares diversas da prisão, apontadas no art. 319 do CPP, se apresentam nitidamente insuficientes, já que, mesmo que aplicadas cumulativamente, não impedirá a prática do crime que, efetivamente, é praticado, sempre, na clandestinidade.
Por esses motivos, o comparecimento periódico é ineficaz para evitar que o agente continue a exercer o comércio ilícito de drogas; a proibição de frequentar determinados lugares e de ausentar-se da comarca, desprovida de fiscalização também é ineficaz; o recolhimento domiciliar é medida inócua levando-se em conta a natureza do crime que se busca coibir, ainda mais quando desprovida de quaisquer condições de ser efetivamente fiscalizada pelo Estado; a fiança é incabível nos crimes de tráfico de drogas por imposição legal e quanto ao monitoramento eletrônico é inexequível em razão da atual falta de estrutura do Estado que não dispõe de equipamentos necessários e de pessoal capacitado para a fiscalização. Assim, certo é que o investigado, uma vez em liberdade, estará sujeito aos mesmos estímulos que os levaram a delinquir, afrontando as regras basilares do bom convívio social e colocando em risco a sociedade, causando temor público, ante o sentimento de medo causado pela imediata soltura de traficantes flagrados entregando significativa quantidade de substâncias entorpecentes ilícitas a menores, usados para a traficância.
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E ratificou o Tribunal a quo, ao manter a custódia do paciente (e-STJ fls. 106/110):
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O voto condutor concedeu a ordem ao argumento de que os motivos ensejadores da prisão preventiva estão ausentes. Divirjo contudo do seu voto para denegar a ordem. Resume-se a questão à análise da ausência de fundamentação, da existência dos requisitos autorizadores para a manutenção da custódia cautelar, da concessão de medidas cautelares diversas da prisão e das condições pessoais favoráveis.
Da ausência de fundamentação e dos requisitos autorizadores da prisão preventiva:
Suplica o paciente a revogação da prisão preventiva por ausência de fundamentação e dos requisitos necessários para seu decreto. A decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva se encontra fundamentada em dados concretos do processo. doc. 18 Trata-se de delito de tráfico de droga.
A prisão preventiva se encontra fundamentada em dados concretos do processo, considerando a apreensão de 06 pedras brutas grandes de crack, 25 pedras de crack doladas e prontas para o comércio e um tablete menor de substância semelhante à maconha, além de algumas cédulas variadas e duas tesouras comumente usadas para cortar embalagens plásticas para dolagem de drogas. As circunstâncias do presente caso e grande quantidade de droga apreendida revela a gravidade em concreto da infração, o que demonstra a necessidade da manutenção da cautela provisória.
O descaso pela repressão estatal e finalmente a ausência de compromisso pela ordem pública são outros ingredientes a determinar a segregação antecipada do paciente. Portanto, diante do manancial delituoso mister se faz a prisão sobre os auspícios da ordem pública. A prisão antes da sentença definitiva tem natureza cautelar, tendo o impetrado demonstrado a presença dos pressupostos de decretação da prisão preventiva - garantia da ordem pública - sendo a manutenção da custódia cautelar a medida que se impõe.É o quanto basta para a manutenção da ordem pública.
(..)
Do pedido de concessão de medidas cautelares diversas da prisão: Pede a Defesa a concessão de medidas cautelares diversas da prisão. Não vislumbro ainda na espécie a possibilidade de concessão das medidas cautelares previstas na Lei 12.403/11 vez que a pena máxima prevista para o delito de tráfico é maior que 04 quatro anos, encontrando-se ademais presentes os requisitos autorizadores para a manutenção da custódia cautelar. A medida cautelar diversa da prisão no caso se mostra ademais totalmente divorciada da espécie, a tornar-se absolutamente ineficaz diante da reincidência.(..)Das condições pessoais favoráveis: Agita ainda a defesa a soltura por ser o paciente primário e possuir bons antecedentes. Primariedade e bons antecedentes não justifica a revogação da cautela se existem outros elementos autorizadores.
(..)
Não há falar assim em constrangimento ilegal. Ante o exposto, DENEGO A ORDEM.
..
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
Ora, é da jurisprudência pátria a impossibilidade de se recolher alguém ao cárcere se inexistentes os pressupostos autorizadores da medida extrema, previstos na legislação processual penal.
No ordenamento jurídico vigente, a liberdade é a regra. A prisão antes do trânsito em julgado, cabível excepcionalmente e apenas quando concretamente comprovada a existência do periculum libertatis, deve vir sempre baseada em fundamentação concreta, não em meras conjecturas.
Note-se ainda que a prisão preventiva se trata propriamente de uma prisão provisória; dela se exige venha sempre fundamentada, uma vez que ninguém será preso senão por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (Constituição da República, art. 5º, inciso LXI), mormente porque a fundamentação das decisões do Poder Judiciário é condição absoluta de sua validade (CRFB, art. 93, inciso IX).
No particular, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a expressiva quantidade de substância entorpecente apreendida - 318,3g de crack e 18,8g de maconha, segundo laudo de f. 116/122- e-STJ fl. 104) e a utilização de um menor de idade na empreitada criminosa. Ademais, consignou o Tribunal de origem que o paciente é conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, o que justifica a prisão, com adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
Assim, as circunstâncias fáticas do crime, como a grande quantidade apreendida, a variedade, a natureza nociva dos entorpecentes, a forma de acondicionamento, entre outros aspectos podem servir de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal assentou que "a gravidade concreta do crime, o modus operandi da ação delituosa e a periculosidade do agente, evidenciados pela expressiva quantidade e pluralidade de entorpecentes apreendidos, respaldam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (HC n. 130.708/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 15/3/2016, DJe 6/4/2016).
De maneira idêntica,"Esta Corte Superior possui entendimento de que a quantidade, a variedade ou a natureza da substância entorpecente apreendida podem servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva" (HC n. 547.239/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 12/12/2019).
Registre-se, ainda, que as condições subjetivas favoráveis do paciente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
Nesse contexto,"é firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal no sentido de que as condições subjetivas favoráveis do Agravante, tais como emprego lícito, residência fixa e família constituída, não obstam a segregação cautelar" (AgRg no HC n. 127.486/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 5/5/2015, DJe 18/5/2015).
Do mesmo modo, segundo este Tribunal,"a presença de condições pessoais favoráveis não representa óbice, por si só, à decretação da prisão preventiva, quando identificados os requisitos legais da cautela" (HC n. 472.912/RS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 5/12/2019, DJe 17/12/2019).
Ademais, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
Quanto ao tema, trago aos autos precedente do Supremo Tribunal Federal no seguinte sentido: " .. . Necessidade da prisão provisória justificada. Gravidade concreta dos delitos. As medidas cautelares alternativas diversas da prisão, previstas na Lei 12.403/2011, não se mostram suficientes a acautelar o meio social .. " (HC n. 123.172/MG, Relator Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 3/2/2015, DJe 19/2/2015).
Em harmonia, esta Corte entende que é "indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a constrição se encontra justificada e mostra-se necessária, dada a potencialidade lesiva da infração indicando que providências mais brandas não seriam suficientes para garantir a ordem pública" (RHC n. 120.305/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Confira-se, a título de ilustração, julgados desta Corte Superior:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO DE MENORES. INVASÃO DE DOMICÍLIO. INOCORRÊNCIA. INOCÊNCIA. VIA INADEQUADA. PRISÃO PREVENTIVA. GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTE. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. QUALIDADES PESSOAIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. INADEQUAÇÃO.
1. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
2. A garantia constitucional de inviolabilidade ao domicílio é excepcionada nos casos de flagrante delito, não se exigindo, em tais hipóteses, mandado judicial para ingressar na residência do agente. Todavia, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio. No caso, como bem destacado no acórdão recorrido, "a Polícia Militar diligenciou no sentido de apurar fundada suspeita da prática de crime de tráfico de entorpecentes em sua residência".
3. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art.5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX da CF). Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
4. As circunstâncias fáticas do crime, como a grande quantidade apreendida, a natureza nociva dos entorpecentes, a forma de acondicionamento, entre outros aspectos, podem servir de fundamentos para o decreto prisional quando evidenciarem a periculosidade do agente e o efetivo risco à ordem pública, caso permaneça em liberdade. No caso, foram apreendidos com o paciente 508,10g de crack, além de 4 pinos de cocaína.
5. As condições subjetivas favoráveis do recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. Ademais, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado.
6. Recurso conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido;(RHC 140.916/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 9/2/2021, DJe 11/2/2021)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPROPRIEDADE DA VIA. PRISÃO PREVENTIVA. ELEVADA QUANTIDADE E REPROVÁVEL NATUREZA DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS - 472 PORÇÕES DE CRACK. SUPOSTA COMERCIALIZAÇÃO EM PROXIMIDADE DE ESCOLA. CRIME PRATICADO EM COMPANHIA DE MENORES, INCLUSIVE PRÓPRIO FILHO DO RECORRENTE. AUSÊNCIA DE ESCRÚPULOS. REGISTRO CRIMINAL DE LESÃO CORPORAL E AMEAÇA EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PERICULOSIDADE. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
2. A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF). Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime.
3. No caso dos autos, o recorrente foi preso em associação com os demais corréus, dois deles menores de idade, em local próximo a estabelecimento de ensino, em posse de 472 porções de crack, com peso total de 50,00g, e mais R$ 880,00 - entorpecente cuja natureza extremamente danosa, aliada à suposta comercialização nas proximidades de escola, indica ausência de escrúpulos e, portanto, a periculosidade. Aliás, a circunstância trazida aos autos de que um dos menores apreendidos era seu próprio filho reforça tal conclusão.
4. A circunstância de que o recorrente ostenta registro de ação penal em andamento pelos supostos delitos de lesão corporal e ameaça em contexto de violência doméstica complementa os indicativos de personalidade perigosa, cuja prisão é necessária como forma de preservação da ordem pública.
5. As circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
6. Recurso desprovido.(RHC 132.421/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 22/9/2020, DJe 28/9/2020)
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. CORRUPÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. QUANTIDADE, VARIEDADE E LESIVIDADE DA DROGA APREENDIDA. NEGATIVA DE INDÍCIOS DE AUTORIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELA VIA ELEITA. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A segregação cautelar deve ser considerada exceção, já que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal.
II - Na hipótese, o decreto prisional encontra-se devidamente fundamentado em dados concretos extraídos dos autos, para a garantia da ordem pública, notadamente se considerada a quantidade, variedade e lesividade das drogas apreendidas - 33,78 g de crack, embalados em 123 unidades, 8,67g de cocaína, acondicionadas em 01 invólucro, 49,53 g de maconha acondicionadas em 50 invólucros - além de balança de precisão, da participação de um menor e da confissão do recorrente de que seria o proprietário da droga e dos apetrechos apreendidos, circunstâncias indicativas de um maior desvalor da conduta em tese perpetrada, bem como da periculosidade concreta do agente, a revelar a indispensabilidade da imposição da medida extrema na hipótese. Precedentes.
III - A presença de circunstâncias pessoais favoráveis, tais como primariedade, ocupação lícita e residência fixa, não tem o condão de garantir a revogação da prisão se há nos autos elementos hábeis a justificar a imposição da segregação cautelar, como na hipótese. Pela mesma razão, não há que se falar em possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. IV - As instâncias originárias concluíram que há indícios suficientes de autoria e a materialidade para a imposição da segregação cautelar. Entender de modo contrário ao estabelecido pelo Tribunal a quo, como pretende o impetrante, demandaria o revolvimento do material fático-probatório dos autos, o que é de todo inviável nesta via. Precedentes do col. Pretório Excelso e do STJ.
V - É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes. Agravo regimental desprovido.(AgRg no RHC 137.453/MG, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 9/12/2020, DJe 16/12/2020)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. GRAVIDADE CONCRETA. NATUREZA DOS ENTORPECENTES APREENDIDOS. ENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTE. MODUS OPERANDI. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRIMARIEDADE. IRRELEVÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE PREVISÃO OBJETIVA DE EVENTUAL REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS IMPROVIDO.
1. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico (art. 5º, LXI, LXV e LXVI, da CF). Assim, a medida, embora possível, deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF) que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal,
2. O decreto de prisão cautelar encontra-se devidamente fundamentado, tal qual exige a legislação vigente. Foram regularmente tecidos argumentos idôneos e suficientes ao cárcere provisório do paciente nas decisões transcritas, para garantir a ordem pública, notadamente em razão da gravidade concreta da conduta do recorrente, o qual teria sido flagrado com quantidade relativamente expressiva de droga de alto potencial lesivo - 26 pedrinhas e uma pedra grande de crack, essa equivalente a 30 pedrinhas - bem como outros materiais e utensílios destinados ao comércio ilícito - embalagens plásticas e pinos de armazenamento. Além disso, destaca-se o modus operandi empregado pela associação criminosa, que inclui ameaças e intimidações com facões aos usuários do entorpecente e o uso de uma adolescente menor de idade como "bode expiatório" da empreitada criminosa, tudo a indicar profundo envolvimento do paciente no tráfico.
3. Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam, pelo modus operandi, a periculosidade do agente ou o risco de reiteração delitiva, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes boas provas da materialidade e da autoria (HC n. 126.756, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 23/6/2015, publicado em 16/9/2015).
4. Presentes os requisitos autorizadores da segregação preventiva, eventuais condições pessoais favoráveis não são suficientes para afastá-la.
5. Não é possível a realização de uma prognose em relação ao futuro regime aplicado ao recorrente no caso de eventual condenação, em razão, principalmente, dos elementos fáticos e probatórios a serem analisados pelo juízo sentenciante. Nessa perspectiva, "Não prospera a assertiva de que a custódia cautelar é desproporcional à futura pena do paciente, pois só a conclusão da instrução criminal será capaz de revelar qual será a pena adequada e o regime ideal para o seu cumprimento, sendo inviável essa discussão nesta ação de Habeas Corpus" (HC n. 187.669/BA, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, julgado em 24/5/2011, DJe 27/6/2011).
6. Demonstrados os pressupostos e motivos autorizadores da custódia cautelar, elencados no art. 312 do CPP, não se vislumbra constrangimento ilegal a ser reparado por este Superior Tribunal de Justiça.
7. Recurso ordinário em Habeas corpus não provido.(RHC 118.383/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 5/11/2019, DJe 12/11/2019)
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE SOCIAL (APREENSÃO DE CONSIDERÁVEL QUANTIDADE DE DROGA). GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. Caso em que a prisão preventiva foi mantida pelo Tribunal para garantia da ordem pública em razão da periculosidade social do recorrente, evidenciada pelas circunstâncias concretas extraídas do crime - os recorrentes fazem parte de associação criminosa, tendo sido apreendidos, no momento do flagrante, 201 pedras de crack (72, 45g), uma balança de precisão, uma tesoura, um pacote de saco de picolé e quantias de dinheiro. Além disso, a associação criminosa contava com o envolvimento de menor na conduta delituosa. Precedentes.
3. As condições subjetivas favoráveis dos recorrente, tais como primariedade, bons antecedentes e residência fixa, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
4. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública.
5. A prisão dos recorrentes não ofende os princípios da proporcionalidade ou da homogeneidade, pois o fato de serem primários não lhes garante a aplicação da pena mínima cominada aos delitos a eles imputados. Além disso, a garantia à ordem pública não pode ser abalada diante de mera suposição referente ao regime prisional a ser eventualmente aplicado.
6. Recurso improvido.(RHC 106.925/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 12/2/2019, DJe 20/2/2019)
Por último, é de se notar que a tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
Com efeito, segundo o STF, "não se admite no habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a inocência do Paciente" (HC n. 115.116/RJ, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 16/9/2014, DJe 17/11/2014).
Também é o entendimento desta Corte que "reconhecer a ausência, ou não, de elementos de autoria e materialidade delitiva acarreta, inevitavelmente, aprofundado reexame do conjunto fático-probatório, sendo impróprio na via do habeas corpus" (RHC n. 119.441/CE, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 7/11/2019, DJe 3/12/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRAFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDA. USO DE MENOR DE IDADE NA EMPREITADA CRIMINOSA. PACIENTE CONHECIDO NO MEIO POLICIAL POR TRANSPORTAR DROGAS. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No particular, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a expressiva quantidade de substância entorpecente apreendida - 318,3g de crack e 18,8g de maconha e a utilização de um menor de idade na empreitada criminosa. Ademais, o paciente é conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, o que justifica a prisão, com adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
4. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
5. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. TRAFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXPRESSIVA QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDA. USO DE MENOR DE IDADE NA EMPREITADA CRIMINOSA. PACIENTE CONHECIDO NO MEIO POLICIAL POR TRANSPORTAR DROGAS. ALEGAÇÃO DE INOCÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
3. No particular, as instâncias ordinárias destacaram a necessidade da medida extrema, para fins de garantia da ordem pública, tendo em vista a expressiva quantidade de substância entorpecente apreendida - 318,3g de crack e 18,8g de maconha e a utilização de um menor de idade na empreitada criminosa. Ademais, o paciente é conhecido no meio policial e alvo constante de diversas denúncias referentes ao intenso transporte de drogas, o que justifica a prisão, com adequação aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
4. A tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório.
5. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
146,257,248 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO NO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, que se refere ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal.
2. No caso dos autos, conforme consignado pela Corte local, o tempo de prisão da acusada não é suficiente para alterar o regime, já que a pena restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão e o agravamento do regime está baseado na existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
3. Acrescente-se, ainda, que a questão da possibilidade de cômputo do período de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão para fins de detração não foi enfrentada pela Corte local. Portanto, constatada a ausência do exame do tema na origem, não é possível a sua apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ, fls. 611/630) interposto contra decisão de minha relatoria (e-STJ, fls. 604/608), que não conheceu do habeas corpus impetrado em favor de FERNANDA PEREIRA DA SILVA.
Narram os autos que a paciente/agravante foi condenada como incursa no art. 33,caput, c/c o art. 40, I, ambos da Lei 11.343/06, à pena de 4 anos, 10 meses, e 10 dias de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, e 483 dias-multa (e-STJ fls. 245/260).
Irresignada, a defesa apelou e o Tribunala quonegou provimento ao recurso (e-STJ, fls. 351/373), nos termos da seguinte ementa:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA.
1. A quantidade e a natureza da droga apreendida com a acusada (3.022 g de cocaína) justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006.
2. Pena definitiva mantida, assim como o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2, "b"), que não pode ser substituída por restritivas de direitos por falta de requisito objetivo(CP, art. 44, I).
3. A pena de multa consta do preceito secundário do tipo penal descrito no art.33 da Lei nº 11.343/2006 e, no caso, foi fixada de forma proporcional à pena privativa de liberdade, tendo sido mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal.
4. Apelação não provida.
O recurso especial interposto foi inadmitido na origem (e-STJ, fls. 428/432)e, em consulta ao sistema Justiça, verifiquei que o agravo em recurso especial não foi conhecido nesta Corte.
No presentewrit(e-STJ fls. 3/15), a impetrante sustentou constrangimento ilegal à paciente, em razão do não reconhecimento da detração do período em que esteve presa preventivamente.
Assim, pleiteou, liminarmente e no mérito, a fixação do regime inicial aberto, em razão do desconto do tempo de prisão preventiva da acusada.
O habeas corpus não foi conhecido (e-STJ, fls. 604/608).
Neste agravo regimental, argumenta a defesa que, embora medidas como recolhimento domiciliar noturno e dias de folga não constituam pena privativa de liberdade, as limitações a que a pessoa fica submetida se assemelham ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto (e-STJ, fl. 623). Defende, assim, que desconsiderar tais restrições para fins de detração ofende o princípio da humanidade e gera excesso de execução, uma vez que a liberdade da agravante manteve-se tolhida desde a assinatura do termo de compromisso até os dias atuais.
Para corroborar tal tese, aduz que esta Corte já se manifestou no sentido de ser cabível a detração no caso de cumprimento de medida cautelar de recolhimento domiciliar cumulada com fiscalização eletrônica, sendo possível aplicar o mesmo entendimento ao caso em análise, diante da omissão legislativa.
Pleiteia, ao final, a reconsideração da decisão ou a submissão do presente agravo à análise do colegiado, para que seja a ordem pleiteada concedida.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO NO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, que se refere ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal.
2. No caso dos autos, conforme consignado pela Corte local, o tempo de prisão da acusada não é suficiente para alterar o regime, já que a pena restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão e o agravamento do regime está baseado na existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
3. Acrescente-se, ainda, que a questão da possibilidade de cômputo do período de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão para fins de detração não foi enfrentada pela Corte local. Portanto, constatada a ausência do exame do tema na origem, não é possível a sua apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão.
Como relatado, busca-se na presente impetração a fixação do regime inicial aberto em virtude da aplicação da detração penal.
Com efeito, a aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, que se refere ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal.
Para uma melhor compreensão da controvérsia, confira-se como o tema foi tratado pela Corte de origem (e-STJ, fl. 367):
..
Mantenho o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "b"), que não pode ser substituída por penas restritivas de direitos por falta de requisito objetivo (CP, art. 44, I).
Considerando que a apelante foi presa em flagrante em 17.08.2019 e que, por força de decisão proferida em 20.09.2019 (ID 148306344), foi determinada a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares,tendo sido expedido alvará de soltura (ID148306350), o tempo de prisão descontado não lhe dá direito a início do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime menos gravoso (CPP, art. 387, § 2º).
..
Da leitura acima, verifico que não merece prosperar a irresignação da defesa.
No caso dos autos, conforme consignado pela Corte local, o tempo de prisão da acusada não é suficiente para alterar o regime, já que a pena restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão e o agravamento do regime está baseado na existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL.ARMAZENAMENTO E COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS PORNOGRÁFICAS DE CRIANÇAS. ARTS. 241-A E 241-B, DA LEI 8.069/1990 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE.DELITOS AUTÔNOMOS. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO NO REGIME PRISIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Segundo entendimento adotado por esta Corte, há autonomia dos tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que o crime no art. 241-B não configura fase normal nem meio de execução para o crime do art. 241-A. De fato, é possível que alguém compartilhe sem efetivar armazenamento, como pode realizar o armazenamento sem a transmissão. Ou seja, são efetivamente verbos e condutas distintas, que podem ter aplicação autônoma.
2. Na espécie, o Tribunal de origem ponderou, ainda, que o réu possuía desígnios autônomos e independentes, destacando que o fato de não haver coincidência quantitativa entre o número de arquivos encontrados e o de arquivos disponibilizados. Nesse contexto, não há se falar em consunção, estando devidamente delineada a autonomia de cada conduta, apta a configurar o concurso material de crimes, de modo que não merece prosperar a irresignação defensiva.
3. No caso dos autos, o tempo de prisão provisória do paciente até a prolação da sentença - quase 7 meses - não é suficiente para alterar o regime de cumprimento da pena, já que o apenamento restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão.
4. Agravo regimental não provido.(AgRg no HC 696.229/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS.924,4KG DE MACONHA (694 TIJOLOS). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.INADMISSIBILIDADE. PARADIGMA EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DOS ARTS.155 E 386, V E VII, DO CPP. ABSOLVIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 33, § 4º, E 44, DA LEI N. 11.343/2006, ALÉM DOS ARTS. 33, 44, 59 E 68, TODOS DO CP. SUPOSTA ILEGALIDADE NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE, NA VEDAÇÃO DO REDUTOR ESPECIAL DA PENA, NA VEDAÇÃO DA PENA SUBSTITUTIVA E NA FIXAÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. IMPROCEDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRECEDENTES DESTA CORTE.VIOLAÇÃO DO ART. 387, § 2º, DO CPP. FALTA DE INTERESSE.DETRAÇÃO QUE, AINDA QUE EFETIVA, NÃO RESULTARIA NO ABRANDAMENTO DO REGIME INICIAL DE PENA.
Agravo regimental improvido.(AgRg no AREsp 1334608/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 18/10/2018)
Acrescente-se, ainda, que a questão da possibilidade de cômputo do período de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão para fins de detração não foi enfrentada pela Corte local. Portanto, constatada a ausência do exame do tema na origem, não é possível a sua apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ATUAÇÃO DE ADVOGADO NO PRIMEIRO GRAU COM PODERES PARA ATUAÇÃO APENAS NO SEGUNDO GRAU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. TESE DE FALTA DE JUSTA CAUSA. PACIENTE JÁ PRONUNCIADA E CONDENADA. CONSEQUÊNCIAS DA ABSOLVIÇÃO DOS CORRÉUS QUANTO À QUALIFICADORA DA PROMESSA DE RECOMPENSA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PLEITO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. RÉ QUE RESPONDEU EM LIBERDADE À AÇÃO PENAL. PRISÃO DETERMINADA UNICAMENTE EM FUNÇÃO DO ESGOTAMENTO DA JURISDIÇÃO ORDINÁRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Em matéria de nulidade, rege o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato. Por essa razão, a desobediência às formalidades estabelecidas na legislação processual só pode acarretar o reconhecimento da invalidade do ato quando a sua finalidade estiver comprometida em virtude do vício verificado, trazendo prejuízo a qualquer das partes da relação processual.
2. Apesar de vários atos processuais terem sido praticados por advogado sem poderes para tanto - substabelecido apenas para acompanhar o recurso em sentido estrito -, não há nulidade, uma vez que foi garantida à ré a plenitude de defesa.
3. Não há falar em falta de justa causa para a ação penal depois de já haver sido pronunciada e condenada a ré.
4. É defeso a esta Corte pronunciar-se sobre matéria não apreciada pela instância ordinária. Assim, uma vez que o Tribunal de origem não discutiu a tese defensiva de que a absolvição dos corréus quanto à qualificadora da promessa de recompensa implicaria a absolvição da paciente da acusação de ser a mandante do crime, não pode o STJ analisar a questão, sob pena de incidir em indevida supressão de instância.
5. Em 7/11/2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional a regra do Código de Processo Penal que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso para o início do cumprimento da pena. O art. 283 do CPP está em conformidade com a garantia prevista no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
6. A Sexta Turma do STJ, ao examinar o assunto, concluiu que, com a mudança do entendimento do STF, a segregação advinda do esgotamento da jurisdição ordinária, determinada pelo Tribunal de origem, tornou-se ilegal, situação que enseja a intervenção imediata desta Corte.
7. Na hipótese, tendo em vista que a paciente respondeu solta a toda a ação penal e que sua prisão decorreu unicamente da finalização da jurisdição ordinária, a sua soltura é medida que se impõe.
8. Ordem parcialmente concedida a fim de determinar a soltura da paciente, em conformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em controle concentrado no julgamento das ADCs 43, 44 e 54 (HC n.º 517.752/PE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
Assim, subsiste o entendimento retro, no sentido de que o tempo de prisão provisória da paciente é insuficiente para abrandar o regime, conforme as premissas do acórdão impugnado, motivo pelo qual nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ, fls. 611/630) interposto contra decisão de minha relatoria (e-STJ, fls. 604/608), que não conheceu do habeas corpus impetrado em favor de FERNANDA PEREIRA DA SILVA.
Narram os autos que a paciente/agravante foi condenada como incursa no art. 33,caput, c/c o art. 40, I, ambos da Lei 11.343/06, à pena de 4 anos, 10 meses, e 10 dias de reclusão, em regime inicialmente semiaberto, e 483 dias-multa (e-STJ fls. 245/260).
Irresignada, a defesa apelou e o Tribunala quonegou provimento ao recurso (e-STJ, fls. 351/373), nos termos da seguinte ementa:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA.
1. A quantidade e a natureza da droga apreendida com a acusada (3.022 g de cocaína) justificam a fixação da pena-base acima do mínimo legal, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006.
2. Pena definitiva mantida, assim como o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2, "b"), que não pode ser substituída por restritivas de direitos por falta de requisito objetivo(CP, art. 44, I).
3. A pena de multa consta do preceito secundário do tipo penal descrito no art.33 da Lei nº 11.343/2006 e, no caso, foi fixada de forma proporcional à pena privativa de liberdade, tendo sido mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal.
4. Apelação não provida.
O recurso especial interposto foi inadmitido na origem (e-STJ, fls. 428/432)e, em consulta ao sistema Justiça, verifiquei que o agravo em recurso especial não foi conhecido nesta Corte.
No presentewrit(e-STJ fls. 3/15), a impetrante sustentou constrangimento ilegal à paciente, em razão do não reconhecimento da detração do período em que esteve presa preventivamente.
Assim, pleiteou, liminarmente e no mérito, a fixação do regime inicial aberto, em razão do desconto do tempo de prisão preventiva da acusada.
O habeas corpus não foi conhecido (e-STJ, fls. 604/608).
Neste agravo regimental, argumenta a defesa que, embora medidas como recolhimento domiciliar noturno e dias de folga não constituam pena privativa de liberdade, as limitações a que a pessoa fica submetida se assemelham ao cumprimento de pena em regime prisional semiaberto (e-STJ, fl. 623). Defende, assim, que desconsiderar tais restrições para fins de detração ofende o princípio da humanidade e gera excesso de execução, uma vez que a liberdade da agravante manteve-se tolhida desde a assinatura do termo de compromisso até os dias atuais.
Para corroborar tal tese, aduz que esta Corte já se manifestou no sentido de ser cabível a detração no caso de cumprimento de medida cautelar de recolhimento domiciliar cumulada com fiscalização eletrônica, sendo possível aplicar o mesmo entendimento ao caso em análise, diante da omissão legislativa.
Pleiteia, ao final, a reconsideração da decisão ou a submissão do presente agravo à análise do colegiado, para que seja a ordem pleiteada concedida.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão.
Como relatado, busca-se na presente impetração a fixação do regime inicial aberto em virtude da aplicação da detração penal.
Com efeito, a aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, que se refere ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal.
Para uma melhor compreensão da controvérsia, confira-se como o tema foi tratado pela Corte de origem (e-STJ, fl. 367):
..
Mantenho o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "b"), que não pode ser substituída por penas restritivas de direitos por falta de requisito objetivo (CP, art. 44, I).
Considerando que a apelante foi presa em flagrante em 17.08.2019 e que, por força de decisão proferida em 20.09.2019 (ID 148306344), foi determinada a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares,tendo sido expedido alvará de soltura (ID148306350), o tempo de prisão descontado não lhe dá direito a início do cumprimento da pena privativa de liberdade em regime menos gravoso (CPP, art. 387, § 2º).
..
Da leitura acima, verifico que não merece prosperar a irresignação da defesa.
No caso dos autos, conforme consignado pela Corte local, o tempo de prisão da acusada não é suficiente para alterar o regime, já que a pena restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão e o agravamento do regime está baseado na existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL.ARMAZENAMENTO E COMPARTILHAMENTO DE IMAGENS PORNOGRÁFICAS DE CRIANÇAS. ARTS. 241-A E 241-B, DA LEI 8.069/1990 (ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE). PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INAPLICABILIDADE.DELITOS AUTÔNOMOS. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO NO REGIME PRISIONAL. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Segundo entendimento adotado por esta Corte, há autonomia dos tipos penais trazidos nos arts. 241-A e 241-B, ambos do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que o crime no art. 241-B não configura fase normal nem meio de execução para o crime do art. 241-A. De fato, é possível que alguém compartilhe sem efetivar armazenamento, como pode realizar o armazenamento sem a transmissão. Ou seja, são efetivamente verbos e condutas distintas, que podem ter aplicação autônoma.
2. Na espécie, o Tribunal de origem ponderou, ainda, que o réu possuía desígnios autônomos e independentes, destacando que o fato de não haver coincidência quantitativa entre o número de arquivos encontrados e o de arquivos disponibilizados. Nesse contexto, não há se falar em consunção, estando devidamente delineada a autonomia de cada conduta, apta a configurar o concurso material de crimes, de modo que não merece prosperar a irresignação defensiva.
3. No caso dos autos, o tempo de prisão provisória do paciente até a prolação da sentença - quase 7 meses - não é suficiente para alterar o regime de cumprimento da pena, já que o apenamento restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão.
4. Agravo regimental não provido.(AgRg no HC 696.229/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/10/2021, DJe 25/10/2021)
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS.924,4KG DE MACONHA (694 TIJOLOS). DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL.INADMISSIBILIDADE. PARADIGMA EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DOS ARTS.155 E 386, V E VII, DO CPP. ABSOLVIÇÃO. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 33, § 4º, E 44, DA LEI N. 11.343/2006, ALÉM DOS ARTS. 33, 44, 59 E 68, TODOS DO CP. SUPOSTA ILEGALIDADE NA FIXAÇÃO DA PENA-BASE, NA VEDAÇÃO DO REDUTOR ESPECIAL DA PENA, NA VEDAÇÃO DA PENA SUBSTITUTIVA E NA FIXAÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. IMPROCEDÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PRECEDENTES DESTA CORTE.VIOLAÇÃO DO ART. 387, § 2º, DO CPP. FALTA DE INTERESSE.DETRAÇÃO QUE, AINDA QUE EFETIVA, NÃO RESULTARIA NO ABRANDAMENTO DO REGIME INICIAL DE PENA.
Agravo regimental improvido.(AgRg no AREsp 1334608/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 18/10/2018)
Acrescente-se, ainda, que a questão da possibilidade de cômputo do período de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão para fins de detração não foi enfrentada pela Corte local. Portanto, constatada a ausência do exame do tema na origem, não é possível a sua apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO. ATUAÇÃO DE ADVOGADO NO PRIMEIRO GRAU COM PODERES PARA ATUAÇÃO APENAS NO SEGUNDO GRAU. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. TESE DE FALTA DE JUSTA CAUSA. PACIENTE JÁ PRONUNCIADA E CONDENADA. CONSEQUÊNCIAS DA ABSOLVIÇÃO DOS CORRÉUS QUANTO À QUALIFICADORA DA PROMESSA DE RECOMPENSA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PLEITO DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. RÉ QUE RESPONDEU EM LIBERDADE À AÇÃO PENAL. PRISÃO DETERMINADA UNICAMENTE EM FUNÇÃO DO ESGOTAMENTO DA JURISDIÇÃO ORDINÁRIA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Em matéria de nulidade, rege o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem que o ato tenha gerado prejuízo para a acusação ou para a defesa. Não se prestigia, portanto, a forma pela forma, mas o fim atingido pelo ato. Por essa razão, a desobediência às formalidades estabelecidas na legislação processual só pode acarretar o reconhecimento da invalidade do ato quando a sua finalidade estiver comprometida em virtude do vício verificado, trazendo prejuízo a qualquer das partes da relação processual.
2. Apesar de vários atos processuais terem sido praticados por advogado sem poderes para tanto - substabelecido apenas para acompanhar o recurso em sentido estrito -, não há nulidade, uma vez que foi garantida à ré a plenitude de defesa.
3. Não há falar em falta de justa causa para a ação penal depois de já haver sido pronunciada e condenada a ré.
4. É defeso a esta Corte pronunciar-se sobre matéria não apreciada pela instância ordinária. Assim, uma vez que o Tribunal de origem não discutiu a tese defensiva de que a absolvição dos corréus quanto à qualificadora da promessa de recompensa implicaria a absolvição da paciente da acusação de ser a mandante do crime, não pode o STJ analisar a questão, sob pena de incidir em indevida supressão de instância.
5. Em 7/11/2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu que é constitucional a regra do Código de Processo Penal que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso para o início do cumprimento da pena. O art. 283 do CPP está em conformidade com a garantia prevista no art. 5º, LVII, da Constituição Federal.
6. A Sexta Turma do STJ, ao examinar o assunto, concluiu que, com a mudança do entendimento do STF, a segregação advinda do esgotamento da jurisdição ordinária, determinada pelo Tribunal de origem, tornou-se ilegal, situação que enseja a intervenção imediata desta Corte.
7. Na hipótese, tendo em vista que a paciente respondeu solta a toda a ação penal e que sua prisão decorreu unicamente da finalização da jurisdição ordinária, a sua soltura é medida que se impõe.
8. Ordem parcialmente concedida a fim de determinar a soltura da paciente, em conformidade com a decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em controle concentrado no julgamento das ADCs 43, 44 e 54 (HC n.º 517.752/PE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
Assim, subsiste o entendimento retro, no sentido de que o tempo de prisão provisória da paciente é insuficiente para abrandar o regime, conforme as premissas do acórdão impugnado, motivo pelo qual nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO NO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, que se refere ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal.
2. No caso dos autos, conforme consignado pela Corte local, o tempo de prisão da acusada não é suficiente para alterar o regime, já que a pena restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão e o agravamento do regime está baseado na existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
3. Acrescente-se, ainda, que a questão da possibilidade de cômputo do período de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão para fins de detração não foi enfrentada pela Corte local. Portanto, constatada a ausência do exame do tema na origem, não é possível a sua apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO NO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE CÔMPUTO DO PERÍODO DE CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. TESE NÃO ANALISADA PELA CORTE LOCAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. A aplicação do comando previsto no § 2º do art. 387 do Código de Processo Penal, que se refere ao cômputo da prisão provisória para efeito de fixar o regime inicial, demanda análise objetiva sobre a eventual redução da pena para patamar mais brando, dentre as balizas previstas no § 2º do art. 33 do Código Penal.
2. No caso dos autos, conforme consignado pela Corte local, o tempo de prisão da acusada não é suficiente para alterar o regime, já que a pena restante continua em patamar superior a 4 anos de reclusão e o agravamento do regime está baseado na existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis.
3. Acrescente-se, ainda, que a questão da possibilidade de cômputo do período de cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão para fins de detração não foi enfrentada pela Corte local. Portanto, constatada a ausência do exame do tema na origem, não é possível a sua apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido. | N |
146,257,244 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ESTELIONATO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- O julgamento monocrático do habeas corpus não representa ofensa ao princípio da colegialidade, nos termos previstos no art. 34, XX, do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude da possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie. Precedentes.
- A dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
- Apesar de o montante da sanção (1 ano, 7 meses e 1 dias de reclusão) permitir, em tese, a fixação do regime aberto, deve ser mantido o inicial intermediário, haja vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do delito), as quais justificaram a exasperação das basilares em 1/6; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como in casu, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
- No mesmo sentido em relação à negativa de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, ante o não atendimento do estabelecido no art. 44, III, do Código Penal.
- Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
DEMOSTENES VAZ AZEVEDO e LUZIA DE BESSAS AZEVEDO agravam regimentalmente contra decisão de minha relatoria, na qual não conheci do writ porque substitutivo de recurso especial. Não obstante isso, ao analisar os autos, concluí que as pretensões formuladas pelo impetrante encontravam óbice na jurisprudência desta Corte de Justiça e na legislação penal, sendo, portanto, manifestamente improcedentes.
Afirma a defesa dos agravantes, contudo, que houve violação ao Princípio da Colegialidade eis que o mérito do writ deveria ser apreciado pelo Colegiado que compõe a Quinta Turma (e-STJ, fl. 451). Desse modo, confia na reconsideração da decisão ou na apresentação do feito em mesa, para apreciação do Órgão Colegiado (e-STJ, fl. 454).
Assevera, ainda, que a manutenção do regime de pena é desproporcional, principalmente no caso em tela, onde temos dois pacientes, primários, possuidores de bons antecedentes, sendo o Paciente Demostenes aposentado por invalidez e a Sra. Luzia, uma empreendedora (e-STJ, fl. 455).
Assim, defende que não há nada que impeça a fixação do regime aberto para o cumprimento da pena, bem como a substituição por penas alternativas (e-STJ, fl. 456).
Pugna, por isso, pela reconsideração do decisum, ou pela submissão do feito em mesa, para que sejam abrandados os regimes prisionais dos agravantes e substituídas suas reprimendas.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ESTELIONATO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- O julgamento monocrático do habeas corpus não representa ofensa ao princípio da colegialidade, nos termos previstos no art. 34, XX, do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude da possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie. Precedentes.
- A dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
- Apesar de o montante da sanção (1 ano, 7 meses e 1 dias de reclusão) permitir, em tese, a fixação do regime aberto, deve ser mantido o inicial intermediário, haja vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do delito), as quais justificaram a exasperação das basilares em 1/6; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como in casu, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
- No mesmo sentido em relação à negativa de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, ante o não atendimento do estabelecido no art. 44, III, do Código Penal.
- Agravo regimental não provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo, no entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar minha decisão, cuja conclusão mantenho por seus próprios fundamentos.
De início, esclareço que há previsão específica no Regimento Interno dessa Corte Superior a autorizar que o habeas corpus seja decidido monocraticamente quando for inadmissível, prejudicado ou quando a decisão impugnada se conformar com tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência dominante acerca do tema ou as confrontar, nos moldes do art. 34, XX, do RISTJ.
Dessa forma, há previsão legal para o relator julgar, monocraticamente, o habeas corpus quando constatadas as hipóteses contidas na norma citada, até porque remanesce a faculdade da defesa em interpor agravo regimental, com a consequente devolução da matéria ao órgão julgador, como ocorrido na espécie.
Ilustrativamente:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO REGIMENTAL. NULIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RÉU SOLTO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. ART. 392, II, DO CPP. PRESCINDIBILIDADE. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
..
II - O julgamento monocrático do recurso não representa ofensa ao princípio da colegialidade, quando a hipótese se coaduna com o previso no art. 932, III, do CPC, e art. 34, XVIII, "a" e "b" do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude de possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie.
..
Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no RHC n. 90.694/PB, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 24/5/2018, DJe 30/5/2018, grifei)
REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO SINGULAR PROFERIDA POR RELATOR. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. O artigo 34, inciso XX, do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça, autoriza o Relator a decidir o habeas corpus quando o pedido for manifestamente incabível ou improcedente, como ocorre na hipótese dos autos, não se configurando, portanto, ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes.
2. Assim, não há ilegalidade no julgamento monocrático do mandamus, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão, exatamente como ocorre na espécie, permite que a matéria seja apreciada pela Turma, afastando o vício suscitado pelo agravante.
..
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 421.364/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 22/5/2018, DJe 29/5/2018, grifei)
Quanto ao mérito, buscava o impetrante o abrandamento dos regimes prisionais dos pacientes e a substituição das penas privativas de liberdade por medidas restritivas de direitos.
Preliminarmente, ressaltei que a dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento estavam inseridos dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ademais, para a escolha do regime prisional, deveriam ser observadas as diretrizes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal, além dos dados fáticos da conduta delitiva que, se demonstrassem a gravidade concreta do crime, poderiam ser invocados pelo julgador para a imposição de regime mais gravoso do que o permitido pelo quantum da pena (HC n. 279.272/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, DJe 25/11/2013; HC n. 265.367/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 19/11/2013; HC n. 213.290/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma., DJe 4/11/2013; HC n. 148.130/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma., DJe 3/9/2012).
Sob essas diretrizes, ao sentenciar os réus e fixar o regime inicial semiaberto, o Magistrado asseverou que (e-STJ fls. 18/19, destaquei):
..
I) DEMÓSTENES VAZ DE AZEVEDO:
Na análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que o acusado é primário (fls. 186/187). No entanto, considerando a culpabilidade e as circunstâncias do crime (valeu-se da simplicidade da vítima e a iludiu com a expectativa de aquisição da casa própria, causando-lhe considerável prejuízo patrimonial analisada a condição financeira da vítima), razão pela qual fixo a pena-base 1/6 acima do mínimo legal, em 1 ano, 2 meses de reclusão e 11 dias-multa.
Pela agravante de ter o agente cometido o crime contra maior de 60 anos, com fundamento no artigo 61, inciso II, "h", do Código Penal, agravo a pena em 1/6, o que resulta em1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa. Ausente circunstância atenuante.
Em razão da continuidade delitiva (artigo 71, caput, do Código Penal), majoro a pena em 1/6, considerando os dois crimes cometidos, tornando a pena definitiva de 1 ano, 7 meses e 1 dia de reclusão e 14 dias-multa, à ausência de outras circunstâncias a considerar.
Fixo o dia-multa no valor unitário mínimo, já que ausentes elementos de convicção a apontarem conclusão diversa, notadamente no que toca às condições financeiras do condenado.
O regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto, em obediência ao critério estipulado no artigo 33, §3º, do Código Penal, diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Incabíveis a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e o sursis, visto que insuficiente à repressão e prevenção do crime (artigo 44, inciso III, do Código Penal).
II) LUZIA DE BESSAS:
Na análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que a acusada é primária (fl. 188). No entanto, considerando a culpabilidade e as circunstâncias do crime (valeu-se da simplicidade da vítima e a iludiu com a expectativa de aquisição da casa própria, causando-lhe considerável prejuízo patrimonial), razão pela qual fixo a pena-base 1/6 acima do mínimo legal, em 1 ano, 2 meses de reclusão e 11 dias-multa.
Pela agravante de ter a agente cometido o crime contra maior de 60 anos, com fundamento no artigo 61, inciso II, "h", do Código Penal, agravo a pena em 1/6, o que resulta em 1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa. Ausente circunstância atenuante.
Em razão da continuidade delitiva (artigo 71, caput, do Código Penal), majoro a pena em 1/6, considerando os dois crimes cometidos, tornando a pena definitiva de 1 ano, 7 meses e 1 dia de reclusão e 14 dias-multa, à ausência de outras circunstâncias a considerar.
Fixo o dia-multa no valor unitário mínimo, já que ausentes elementos de convicção a apontarem conclusão diversa, notadamente no que toca às condições financeiras da condenada.
O regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto, em obediência ao critério estipulado no artigo 33, §3º, do Código Penal, diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Incabíveis a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e o sursis, visto que insuficiente à repressão e prevenção do crime (artigo 44, inciso III, do Código Penal).
Pela leitura do recorte acima, asseverei que apesar de o montante da sanção (1 ano, 7 meses e 1 dias de reclusão) permitir, em tese, a fixação do regime aberto, deveria ser mantido o inicial intermediário, haja vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do delito), as quais justificaram a exasperação das basilares em 1/6; O que estava em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como in casu, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
No mesmo sentido em relação à negativa de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, ante o não atendimento do estabelecido no art. 44, III, do Código Penal.
Ao ensejo, mutatis mutandis:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TORTURA MAJORADA. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. REINCIDÊNCIA DE UM DOS AGRAVANTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA REDIMENSIONAR A PENA DO AGRAVANTE JHADSON E FIXAR O REGIME SEMIABERTO AOS AGRAVANTES ALESSANDRO E WILLIAN. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o julgador deverá observar a quantidade da reprimenda aplicada, a primariedade do agente, bem como a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59 do Código Penal).
2. Ainda, na esteira da jurisprudência desta Corte, admite-se a imposição de regime prisional mais gravoso do que aquele que permite a pena aplicada, desde que apontados elementos fáticos demonstrativos da gravidade concreta do delito.
3. Na hipótese, não obstante a pena dos agravantes tenha sido fixada em patamar abaixo de 4 anos de reclusão, foi considerada a gravidade concreta das condutas imputadas aos réus, consistente em prática de tortura em que a vítima foi mantida amarrada por horas, sofrendo agressões físicas e psicológicas, e ameaçada de a qualquer momento ser morta por determinação do "tribunal do crime", conhecido organismo de justiçamento da facção criminosa denominada PCC. Nesse sentido, foi mantido o regime fechado em relação à JHADSON, considerada a sua reincidência aliada à gravidade concreta da conduta praticada, e conferido o regime semiaberto a ALESSANDRO e WILLIAN, não obstante o quantum de pena fixado, a primariedade e ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis em relação a esses dois, considerando-se a gravidade concreta da conduta praticada.
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 677.030/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIROS, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe 24/8/2021, grifei).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TORTURA. PENA ESTABELECIDA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PRIMARIEDADE. IMPOSIÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DENOTAM GRAVIDADE DO CRIME. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. RECURSO DESPROVIDO.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n. 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, também nesses crimes, o disposto no art. 33, c. c. o art. 59, ambos do Código Penal, e as Súmulas 440/STJ, 718/STF e 719/STF.
2. Na hipótese, apesar de fixada a pena-base no mínimo legal, a Corte de origem manteve o regime inicial fechado com base em circunstâncias concretas do crime. Contudo, tratando-se de Réus primários, com pena definitiva inferior a 4 (quatro) anos, revela-se adequada a fixação do regime inicial semiaberto.
3. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 664.171/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 27/9/2021, grifei).
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DO REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. ORDEM NÃO CONHECIDA.
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2. Os fundamentos utilizados pelo decreto condenatório não podem ser tidos por genéricos e, portanto, constituem motivação suficiente para justificar a imposição de regime prisional mais gravoso que o estabelecido em lei (art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal), não havendo que falar em violação da Súmula 440/STJ, bem como dos verbetes sumulares 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal.
3. Malgrado a pena-base tenha sido imposta no piso legal, o estabelecimento do regime mais severo do que o indicado pelo quantum da reprimenda baseou-se na gravidade concreta do delito, evidenciada pelo seu modus operandi, notadamente por ter a conduta criminosa sido praticada em concurso com outros três agentes, com simulacro de arma de fogo e com a utilização de carro de apoio, a exigir resposta estatal superior, dada a sua maior reprovabilidade, em atendimento ao princípio da individualização da pena.
4. A aplicação de pena no patamar mínimo previsto no preceito secundário na primeira fase da dosimetria não conduz, obrigatoriamente, à fixação do regime indicado pela quantidade de sanção corporal, sendo lícito ao julgador impor regime mais rigoroso do que o indicado pela regra geral do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, desde que mediante fundamentação idônea (Precedentes).
5. Ordem não conhecida (HC n. 356.868/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 23/11/2016, grifei).
Desse modo, concluí que as pretensões formuladas pelo impetrante encontravam óbice na jurisprudência desta Corte Superior e na legislação penal, sendo, portanto, manifestamente improcedentes.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
DEMOSTENES VAZ AZEVEDO e LUZIA DE BESSAS AZEVEDO agravam regimentalmente contra decisão de minha relatoria, na qual não conheci do writ porque substitutivo de recurso especial. Não obstante isso, ao analisar os autos, concluí que as pretensões formuladas pelo impetrante encontravam óbice na jurisprudência desta Corte de Justiça e na legislação penal, sendo, portanto, manifestamente improcedentes.
Afirma a defesa dos agravantes, contudo, que houve violação ao Princípio da Colegialidade eis que o mérito do writ deveria ser apreciado pelo Colegiado que compõe a Quinta Turma (e-STJ, fl. 451). Desse modo, confia na reconsideração da decisão ou na apresentação do feito em mesa, para apreciação do Órgão Colegiado (e-STJ, fl. 454).
Assevera, ainda, que a manutenção do regime de pena é desproporcional, principalmente no caso em tela, onde temos dois pacientes, primários, possuidores de bons antecedentes, sendo o Paciente Demostenes aposentado por invalidez e a Sra. Luzia, uma empreendedora (e-STJ, fl. 455).
Assim, defende que não há nada que impeça a fixação do regime aberto para o cumprimento da pena, bem como a substituição por penas alternativas (e-STJ, fl. 456).
Pugna, por isso, pela reconsideração do decisum, ou pela submissão do feito em mesa, para que sejam abrandados os regimes prisionais dos agravantes e substituídas suas reprimendas.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo, no entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar minha decisão, cuja conclusão mantenho por seus próprios fundamentos.
De início, esclareço que há previsão específica no Regimento Interno dessa Corte Superior a autorizar que o habeas corpus seja decidido monocraticamente quando for inadmissível, prejudicado ou quando a decisão impugnada se conformar com tese fixada em julgamento de recurso repetitivo ou de repercussão geral, a entendimento firmado em incidente de assunção de competência, a súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, a jurisprudência dominante acerca do tema ou as confrontar, nos moldes do art. 34, XX, do RISTJ.
Dessa forma, há previsão legal para o relator julgar, monocraticamente, o habeas corpus quando constatadas as hipóteses contidas na norma citada, até porque remanesce a faculdade da defesa em interpor agravo regimental, com a consequente devolução da matéria ao órgão julgador, como ocorrido na espécie.
Ilustrativamente:
AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. SUSTENTAÇÃO ORAL. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO REGIMENTAL. NULIDADE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RÉU SOLTO. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. ART. 392, II, DO CPP. PRESCINDIBILIDADE. DOSIMETRIA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO DESPROVIDO.
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II - O julgamento monocrático do recurso não representa ofensa ao princípio da colegialidade, quando a hipótese se coaduna com o previso no art. 932, III, do CPC, e art. 34, XVIII, "a" e "b" do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude de possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie.
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Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EDcl no RHC n. 90.694/PB, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 24/5/2018, DJe 30/5/2018, grifei)
REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. DECISÃO SINGULAR PROFERIDA POR RELATOR. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA.
1. O artigo 34, inciso XX, do Regimento Interno deste Superior Tribunal de Justiça, autoriza o Relator a decidir o habeas corpus quando o pedido for manifestamente incabível ou improcedente, como ocorre na hipótese dos autos, não se configurando, portanto, ofensa ao princípio da colegialidade. Precedentes.
2. Assim, não há ilegalidade no julgamento monocrático do mandamus, sendo certo que a possibilidade de interposição de agravo regimental contra a respectiva decisão, exatamente como ocorre na espécie, permite que a matéria seja apreciada pela Turma, afastando o vício suscitado pelo agravante.
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3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no HC n. 421.364/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 22/5/2018, DJe 29/5/2018, grifei)
Quanto ao mérito, buscava o impetrante o abrandamento dos regimes prisionais dos pacientes e a substituição das penas privativas de liberdade por medidas restritivas de direitos.
Preliminarmente, ressaltei que a dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento estavam inseridos dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ademais, para a escolha do regime prisional, deveriam ser observadas as diretrizes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal, além dos dados fáticos da conduta delitiva que, se demonstrassem a gravidade concreta do crime, poderiam ser invocados pelo julgador para a imposição de regime mais gravoso do que o permitido pelo quantum da pena (HC n. 279.272/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, DJe 25/11/2013; HC n. 265.367/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 19/11/2013; HC n. 213.290/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma., DJe 4/11/2013; HC n. 148.130/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma., DJe 3/9/2012).
Sob essas diretrizes, ao sentenciar os réus e fixar o regime inicial semiaberto, o Magistrado asseverou que (e-STJ fls. 18/19, destaquei):
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I) DEMÓSTENES VAZ DE AZEVEDO:
Na análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que o acusado é primário (fls. 186/187). No entanto, considerando a culpabilidade e as circunstâncias do crime (valeu-se da simplicidade da vítima e a iludiu com a expectativa de aquisição da casa própria, causando-lhe considerável prejuízo patrimonial analisada a condição financeira da vítima), razão pela qual fixo a pena-base 1/6 acima do mínimo legal, em 1 ano, 2 meses de reclusão e 11 dias-multa.
Pela agravante de ter o agente cometido o crime contra maior de 60 anos, com fundamento no artigo 61, inciso II, "h", do Código Penal, agravo a pena em 1/6, o que resulta em1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa. Ausente circunstância atenuante.
Em razão da continuidade delitiva (artigo 71, caput, do Código Penal), majoro a pena em 1/6, considerando os dois crimes cometidos, tornando a pena definitiva de 1 ano, 7 meses e 1 dia de reclusão e 14 dias-multa, à ausência de outras circunstâncias a considerar.
Fixo o dia-multa no valor unitário mínimo, já que ausentes elementos de convicção a apontarem conclusão diversa, notadamente no que toca às condições financeiras do condenado.
O regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto, em obediência ao critério estipulado no artigo 33, §3º, do Código Penal, diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Incabíveis a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e o sursis, visto que insuficiente à repressão e prevenção do crime (artigo 44, inciso III, do Código Penal).
II) LUZIA DE BESSAS:
Na análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, verifico que a acusada é primária (fl. 188). No entanto, considerando a culpabilidade e as circunstâncias do crime (valeu-se da simplicidade da vítima e a iludiu com a expectativa de aquisição da casa própria, causando-lhe considerável prejuízo patrimonial), razão pela qual fixo a pena-base 1/6 acima do mínimo legal, em 1 ano, 2 meses de reclusão e 11 dias-multa.
Pela agravante de ter a agente cometido o crime contra maior de 60 anos, com fundamento no artigo 61, inciso II, "h", do Código Penal, agravo a pena em 1/6, o que resulta em 1 ano, 4 meses e 10 dias de reclusão e 12 dias-multa. Ausente circunstância atenuante.
Em razão da continuidade delitiva (artigo 71, caput, do Código Penal), majoro a pena em 1/6, considerando os dois crimes cometidos, tornando a pena definitiva de 1 ano, 7 meses e 1 dia de reclusão e 14 dias-multa, à ausência de outras circunstâncias a considerar.
Fixo o dia-multa no valor unitário mínimo, já que ausentes elementos de convicção a apontarem conclusão diversa, notadamente no que toca às condições financeiras da condenada.
O regime inicial de cumprimento da pena será o semiaberto, em obediência ao critério estipulado no artigo 33, §3º, do Código Penal, diante das circunstâncias judiciais desfavoráveis.
Incabíveis a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e o sursis, visto que insuficiente à repressão e prevenção do crime (artigo 44, inciso III, do Código Penal).
Pela leitura do recorte acima, asseverei que apesar de o montante da sanção (1 ano, 7 meses e 1 dias de reclusão) permitir, em tese, a fixação do regime aberto, deveria ser mantido o inicial intermediário, haja vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do delito), as quais justificaram a exasperação das basilares em 1/6; O que estava em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como in casu, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
No mesmo sentido em relação à negativa de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, ante o não atendimento do estabelecido no art. 44, III, do Código Penal.
Ao ensejo, mutatis mutandis:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TORTURA MAJORADA. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. REINCIDÊNCIA DE UM DOS AGRAVANTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA REDIMENSIONAR A PENA DO AGRAVANTE JHADSON E FIXAR O REGIME SEMIABERTO AOS AGRAVANTES ALESSANDRO E WILLIAN. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o julgador deverá observar a quantidade da reprimenda aplicada, a primariedade do agente, bem como a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59 do Código Penal).
2. Ainda, na esteira da jurisprudência desta Corte, admite-se a imposição de regime prisional mais gravoso do que aquele que permite a pena aplicada, desde que apontados elementos fáticos demonstrativos da gravidade concreta do delito.
3. Na hipótese, não obstante a pena dos agravantes tenha sido fixada em patamar abaixo de 4 anos de reclusão, foi considerada a gravidade concreta das condutas imputadas aos réus, consistente em prática de tortura em que a vítima foi mantida amarrada por horas, sofrendo agressões físicas e psicológicas, e ameaçada de a qualquer momento ser morta por determinação do "tribunal do crime", conhecido organismo de justiçamento da facção criminosa denominada PCC. Nesse sentido, foi mantido o regime fechado em relação à JHADSON, considerada a sua reincidência aliada à gravidade concreta da conduta praticada, e conferido o regime semiaberto a ALESSANDRO e WILLIAN, não obstante o quantum de pena fixado, a primariedade e ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis em relação a esses dois, considerando-se a gravidade concreta da conduta praticada.
4. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 677.030/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIROS, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe 24/8/2021, grifei).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TORTURA. PENA ESTABELECIDA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PRIMARIEDADE. IMPOSIÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DENOTAM GRAVIDADE DO CRIME. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. RECURSO DESPROVIDO.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n. 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, também nesses crimes, o disposto no art. 33, c. c. o art. 59, ambos do Código Penal, e as Súmulas 440/STJ, 718/STF e 719/STF.
2. Na hipótese, apesar de fixada a pena-base no mínimo legal, a Corte de origem manteve o regime inicial fechado com base em circunstâncias concretas do crime. Contudo, tratando-se de Réus primários, com pena definitiva inferior a 4 (quatro) anos, revela-se adequada a fixação do regime inicial semiaberto.
3. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 664.171/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 27/9/2021, grifei).
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DO REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. ORDEM NÃO CONHECIDA.
..
2. Os fundamentos utilizados pelo decreto condenatório não podem ser tidos por genéricos e, portanto, constituem motivação suficiente para justificar a imposição de regime prisional mais gravoso que o estabelecido em lei (art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal), não havendo que falar em violação da Súmula 440/STJ, bem como dos verbetes sumulares 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal.
3. Malgrado a pena-base tenha sido imposta no piso legal, o estabelecimento do regime mais severo do que o indicado pelo quantum da reprimenda baseou-se na gravidade concreta do delito, evidenciada pelo seu modus operandi, notadamente por ter a conduta criminosa sido praticada em concurso com outros três agentes, com simulacro de arma de fogo e com a utilização de carro de apoio, a exigir resposta estatal superior, dada a sua maior reprovabilidade, em atendimento ao princípio da individualização da pena.
4. A aplicação de pena no patamar mínimo previsto no preceito secundário na primeira fase da dosimetria não conduz, obrigatoriamente, à fixação do regime indicado pela quantidade de sanção corporal, sendo lícito ao julgador impor regime mais rigoroso do que o indicado pela regra geral do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, desde que mediante fundamentação idônea (Precedentes).
5. Ordem não conhecida (HC n. 356.868/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 23/11/2016, grifei).
Desse modo, concluí que as pretensões formuladas pelo impetrante encontravam óbice na jurisprudência desta Corte Superior e na legislação penal, sendo, portanto, manifestamente improcedentes.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ESTELIONATO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- O julgamento monocrático do habeas corpus não representa ofensa ao princípio da colegialidade, nos termos previstos no art. 34, XX, do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude da possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie. Precedentes.
- A dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
- Apesar de o montante da sanção (1 ano, 7 meses e 1 dias de reclusão) permitir, em tese, a fixação do regime aberto, deve ser mantido o inicial intermediário, haja vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do delito), as quais justificaram a exasperação das basilares em 1/6; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como in casu, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
- No mesmo sentido em relação à negativa de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, ante o não atendimento do estabelecido no art. 44, III, do Código Penal.
- Agravo regimental não provido. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. ESTELIONATO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR MEDIDAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. | - O julgamento monocrático do habeas corpus não representa ofensa ao princípio da colegialidade, nos termos previstos no art. 34, XX, do RISTJ, notadamente porque qualquer decisão monocrática está sujeita à apreciação do órgão colegiado, em virtude da possibilidade de interposição do agravo regimental, como na espécie. Precedentes.
- A dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inserem-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
- Apesar de o montante da sanção (1 ano, 7 meses e 1 dias de reclusão) permitir, em tese, a fixação do regime aberto, deve ser mantido o inicial intermediário, haja vista a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (culpabilidade e consequências do delito), as quais justificaram a exasperação das basilares em 1/6; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte Superior, que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, como in casu, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
- No mesmo sentido em relação à negativa de substituição da pena privativa de liberdade por medidas restritivas de direitos, ante o não atendimento do estabelecido no art. 44, III, do Código Penal.
- Agravo regimental não provido. | N |
145,580,043 | EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 112, III E V, DA LEP. NOVA REDAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA EM SUA INTEGRALIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
2. No caso, a Corte de origem verificou que a nova norma é mais benéfica ao apenado, de um modo geral, aplicando-a em sua integralidade. A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para o crime comum seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai na contramão da Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis.
3. O acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes.
4. Nessa linha, a título exemplificativo: .. não há que se falar em reformatio in pejus, haja vista que o eg. Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplicando os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112, incisos II, III e V, da Lei de Execução Penal, apenas aplicou a lei penal mais benéfica em sua integralidade ao caso concreto. IV - O v. acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes. .. (AgRg no HC 677.744/SC, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 05/10/2021).
5. Na espécie, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 25 % (crime comum praticado com violência) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
6. Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por LAURA CAROLINE DOS SANTOS TAVARES contra decisão monocrática de minha lavra que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor e por meio do qual pretendia fosse cassado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no Agravo em Execução Penal n. 5016153-85.2021.8.24.0020, para que fosse aplicada a fração prevista na Lei 7.210/84 sem as alterações da Lei 13.964/2019 para progressão de regime no que tange aos crimes comuns, mantida a aplicação da Lei 13.964/2019 apenas em relação ao(s) delito(s) hediondo(s) ou equiparado(s) a hediondo(s).
No presente agravo regimental, a defesa do recorrente insiste em que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido da possibilidade de combinação de leis (HC 69033, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 17/12/1991, DJ 13-03-1992 PP-02925 EMENT VOL-01653-02 PP- 00347 RTJ VOL-00139-01 PP-00229) e em que "entender de forma contrária à combinação de leis mais favoráveis viola o princípio da legalidade estrita, uma vez que a lei penal estabelece claramente que a lei posterior que de QUALQUER MODO favorecer o agente deve ser aplicada. Em nenhum momento, o referido dispositivo trata da lei posterior que INTEGRALMENTE favorecer o agente" (e-STJ fl. 708).
Reitera que, no seu entender, é devida a aplicação retroativa da Lei 13.964/2019 quando trata da progressão de regime para os crimes hediondos, por consubstanciar benefício para o paciente. Sustenta, no entanto, que o mesmo raciocínio não se aplica à alteração promovida pela Lei 13.964/2019 em relação ao percentual de cumprimento de pena necessário para progressão de regime nos delitos comuns, pois, no particular, a lei nova foi prejudicial ao executado.
Nessa linha, defende que não se há falar em vedação de combinação de leis no processo de execução penal.
A uma, porque a garantia da individualização da pena se exprimiria não só no momento da fixação da pena, mas, também, ao regular separadamente a execução da pena de cada crime, o que se evidenciaria, a seu sentir, no disposto no art. 119 do Código Penal que admite a extinção parcial das penas - por exemplo, por meio do reconhecimento do indulto, da abolitio criminis ou da prescrição.
A duas, porque "a regra da vedação da combinação de leis penais (lex tertia) é um impedimento ao juiz de aplicar simultaneamente fragmentos de leis penais sucessivas ao mesmo fato criminoso" (e-STJ fl. 709), o que não ocorreria em situações como a dos autos, na qual se pretende a aplicação de leis diferentes a delitos diferentes.
Invoca, no ponto, a súmula 471 do STJ, segundo a qual "Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional".
Faz alusão, ainda, a julgado recente da 6ª Turma do STJ no sentido de que "Não se trata de "combinação de leis", porque não se pretende aplicar duas leis ao mesmo fato, senão a crimes diferentes, com a progressão de regime em 40% para o crime de tráfico de drogas, conforme nova redação da Lei 13.964/2019 (retroatividade benéfica), e, para o crime de roubo circunstanciado, a redação revogada que previa a fração para a progressão de 1/6 (ultratividade benéfica), haja vista que não havia previsão de fração diferenciada para os casos de reincidência" (AgRg no HC 679.632/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021).
Alega, assim, ser "necessário que se aplique a fração de 40% ao crime hediondo sem resultado morte, ao passo que a fração contida na Lei 7.210/84 sem as alterações da Lei 13.964/2019 aos crimes comuns a que foi condenado a paciente" (e-STJ fl. 711).
Pede, ao final, a "reconsideração da decisão monocrática ou, alternativamente, a apresentação do feito em mesa, para que a Egrégia Turma deste Superior Tribunal se manifeste sobre a decisão que não conheceu do habeas corpus, a fim de que seja concedida a ordem em definitivo, para ANULAR o acórdão estadual ilegal, aplicando-se a fração prevista na Lei 7.210/84, sem as alterações da Lei 13.9646/2019 para progressão de regime no que tange os crimes comuns" (e-STJ fl. 712).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e buscou refutar os fundamentos postos na decisão combatida, pelo que merece conhecimento.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática não conheceu do habeas corpus, nos seguintes termos:
Sobre a controvérsia posta nos autos, assim se manifestou a Corte de origem:
Malgrado a argumentação tecida pelo agravante, razão não lhe assiste.
O exame dos autos de execução penal n. 0003141-85.2018.8.24.0023 através do Sistema Eletrônico de Execução - SEEU evidencia que Laura Caroline dos Santos Tavares estava resgatando as penas somadas em catorze anos, um mês e dez dias de reclusão (sequencial 43.1) quando postulou a utilização do montante de dois quintos para avançar no sistema progressivo, no que concerne à condenação por violação ao disposto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 (sequencial 28.1).
A propósito, registrou-se na origem:
(..)
Extrai-se do PEC n. 0003141-85.2018.8.24.0023 que, além da condenação pela prática do crime de tráfico de drogas, Laura Caroline dos Santos Tavares foi incursa nas sanções do art. 157, § 2º, I, II e V, na forma do art. 70, caput, ambos do Código Penal, instante em que foi considerada primária.
Em decorrência do insurgimento da defesa, conforme antecipado, a Magistrada a quo registrou também que o cálculo para a progressão de regime prisional em relação a este delito seria no percentual de vinte e cinco por cento, o que se coaduna com a Lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime, que passou a disciplinar a matéria no âmbito da Lei de Execução Penal, in verbis:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
..
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
..
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
..
Feito o registro, o atendimento à irresignação defensiva importaria em combinação de leis, o que não é permitido pelos Tribunais Superiores, posicionamento amplamente seguido por este Areópago:
(..)
Neste sentido, mutatis mutandis, dispõe a Súmula 501 do Superior Tribunal de Justiça: "É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis."
Também o Supremo Tribunal Federal já se manifestou em igual sentido:
..
LEI - COMBINAÇÃO - INADEQUAÇÃO. É inadequado, no tocante à condenação por crime cometido na vigência da Lei nº 6.368/1976, proceder-se à combinação de leis para observar a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, ainda que mais favorável em relação à prevista no artigo 18, inciso I, da Lei revogada. Precedente: recurso extraordinário nº 600.817/MS, Pleno, relator ministro Ricardo Lewandowski, julgado sob o ângulo da repercussão geral (RHC n. 122.619, rel. Min. Marco Aurélio, j. 22-3-2021).
Logo, não merece qualquer reparo o pronunciamento de primeiro grau.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
(e-STJ fls. 673/676)
Como se pode ver, a autoridade coatora concluiu que a Lei nova - n. 13.964/2019, que modificou o art. 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, é mais benéfica ao executado, para fins de progressão de regime, em relação a todos os crimes praticados pelo paciente (hediondos e comuns), de um modo geral.
A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para os crimes comuns seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai em contramão à Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis:
Súmula 501 do STJ: É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis (Súmula 501, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 28/10/2013)
É certo que o princípio da retroatividade da lei mais benéfica deve ser respeitado, mas em conjugação, portanto, com a súmula ora citada.
Realmente, a jurisprudência desta Corte possui o entendimento consolidado de que é cabível a aplicação retroativa da lei nova, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da lei mais antiga, sendo vedada a combinação de leis:
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 112, II, III E V, DA LEP. NOVA REDAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA EM SUA INTEGRALIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. (..).
2. No caso, a Corte de origem verificou que a nova norma é mais benéfica ao apenado, de um modo geral, aplicando-a em sua integralidade. A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para o crime comum seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai na contramão da Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis.
3. O acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes.
4. Nessa linha, a título exemplificativo: .. não há que se falar em reformatio in pejus, haja vista que o eg. Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplicando os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112, incisos II, III e V, da Lei de Execução Penal, apenas aplicou a lei penal mais benéfica em sua integralidade ao caso concreto. IV - O v. acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes. .. (AgRg no HC 677.744/SC, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 05/10/2021).
5. Na espécie, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 20 % (crime comum) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 705.465/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. CÁLCULO DE PENAS. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. INADMISSIBILIDADE DE COMINAÇÕES DE LEIS SUCESSIVAS. ANÁLISE DA PRETENSÃO À LUZ DE CADA UMA DAS NORMAS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O entendimento desta Corte Superior é o de impossibilidade de combinação de leis, formando uma terceira lei. Assim, deve o julgador analisar, de forma individualizada, qual redação do artigo 112 da Lei das Execuções Penais é a mais benéfica ao sentenciado para fins de alcance do requisito objetivo necessário à progressão de regime - aquela com ou sem as modificações trazidas pela Lei n. 13.964/2019.
2. Na hipótese, a retificação do cálculo de penas do sentenciado, para aplicação dos lapsos de progressão de regime de 40% para os crimes equiparados a hediondo (tráfico de drogas) e 20% aos crimes comuns, cometidos sem violência ou grave ameaça (tráfico de drogas privilegiado e porte ilegal de arma de fogo) mostra-se mais benéfica para o agravante, devendo ser mantida sua aplicação.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 699.653/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO ESPECIAL MINISTERIAL PROVIDO. COMBINAÇÃO DE PONTOS ESPECÍFICOS DE DUAS NORMAS DIVERSAS (LEI N. 6.368/1976 E LEI N. 11.343/2006). IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 501/STJ. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA.
Conforme consignado no decisum monocrático reprochado, a jurisprudência desta eg. Corte Superior é pacífica no sentido de que "Consoante o enunciado 501 da Súmula desta Corte, é cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis." (AgRg no AREsp 175.898/SP, Sexta Turma, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, DJe 16/12/2016, grifei). Precedentes. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.845.021/MS, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (Desembargador Convocado do TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)
Na mesma linha, consultem-se as decisões monocráticas proferidas no HC 707.657/SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 02.02.2022; no HC n. 687.935/SC, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 1º/02/2022; e no HC n. 675.083/SC, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), DJe de 19/08/2021.
Ante o exposto, com amparo no art. 34, XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do presente habeas corpus.
Com efeito, os julgados mais recentes desta Corte consideram que não há reformatio in pejus, nem retroatividade da lei menos benéfica quando o Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplica os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112 da Lei de Execução Penal, porque, ao agir assim, ele aplica a lei mais benéfica em sua integralidade, já que não é possível combinar duas normas.
No caso, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 25 % (crime comum com violência) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
Saliento, por pertinente, que também há julgados da Sexta Turma desta Corte, adotando o entendimento que prevalece na Quinta Turma:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO. RECEPTAÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. RETROATIVIDADE. APLICAÇÃO INTEGRAL DA LEI MAIS BENÉFICA. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE.AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não há que falar em reformatio in pejus, haja vista que o Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, para aplicação dos lapsos de progressão de regime de 40% para o crime equiparado a hediondo (tráfico de drogas) e 20% ao crime comum, cometido sem violência ou grave ameaça (receptação), por ser réu reincidente, apenas aplicou a lei penal mais benéfica ao caso concreto, isto é, o art. 112, II e V, da Lei de Execução Penal.
2. Foi pacificado pela Terceira Seção desta Corte, sobre a combinação de leis, em face do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da Constituição da República), ser devido o exame, no caso concreto, "de qual diploma legal, em sua integralidade, é mais favorável" (EREsp n. 1.094.499/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, 3ª S., DJe 18/8/2010).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 636.197/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 05/03/2021)
Na mesma esteira, entre outros, o HC n. 722.266/SC, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS, DJe de 14/02/2022; e o HC 705.657/SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 02/02/2022.
Dessa forma, deve ser mantida a decisão agravada, confirmatória do acórdão coator do Tribunal a quo, o qual aplicou, em sua integralidade, a nova redação do art.112, da LEP, fixando, para progressão de regime, o lapso de 40% em relação ao crime hediondo e 25% em relação ao crime comum cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por LAURA CAROLINE DOS SANTOS TAVARES contra decisão monocrática de minha lavra que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor e por meio do qual pretendia fosse cassado o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no Agravo em Execução Penal n. 5016153-85.2021.8.24.0020, para que fosse aplicada a fração prevista na Lei 7.210/84 sem as alterações da Lei 13.964/2019 para progressão de regime no que tange aos crimes comuns, mantida a aplicação da Lei 13.964/2019 apenas em relação ao(s) delito(s) hediondo(s) ou equiparado(s) a hediondo(s).
No presente agravo regimental, a defesa do recorrente insiste em que o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no sentido da possibilidade de combinação de leis (HC 69033, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 17/12/1991, DJ 13-03-1992 PP-02925 EMENT VOL-01653-02 PP- 00347 RTJ VOL-00139-01 PP-00229) e em que "entender de forma contrária à combinação de leis mais favoráveis viola o princípio da legalidade estrita, uma vez que a lei penal estabelece claramente que a lei posterior que de QUALQUER MODO favorecer o agente deve ser aplicada. Em nenhum momento, o referido dispositivo trata da lei posterior que INTEGRALMENTE favorecer o agente" (e-STJ fl. 708).
Reitera que, no seu entender, é devida a aplicação retroativa da Lei 13.964/2019 quando trata da progressão de regime para os crimes hediondos, por consubstanciar benefício para o paciente. Sustenta, no entanto, que o mesmo raciocínio não se aplica à alteração promovida pela Lei 13.964/2019 em relação ao percentual de cumprimento de pena necessário para progressão de regime nos delitos comuns, pois, no particular, a lei nova foi prejudicial ao executado.
Nessa linha, defende que não se há falar em vedação de combinação de leis no processo de execução penal.
A uma, porque a garantia da individualização da pena se exprimiria não só no momento da fixação da pena, mas, também, ao regular separadamente a execução da pena de cada crime, o que se evidenciaria, a seu sentir, no disposto no art. 119 do Código Penal que admite a extinção parcial das penas - por exemplo, por meio do reconhecimento do indulto, da abolitio criminis ou da prescrição.
A duas, porque "a regra da vedação da combinação de leis penais (lex tertia) é um impedimento ao juiz de aplicar simultaneamente fragmentos de leis penais sucessivas ao mesmo fato criminoso" (e-STJ fl. 709), o que não ocorreria em situações como a dos autos, na qual se pretende a aplicação de leis diferentes a delitos diferentes.
Invoca, no ponto, a súmula 471 do STJ, segundo a qual "Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional".
Faz alusão, ainda, a julgado recente da 6ª Turma do STJ no sentido de que "Não se trata de "combinação de leis", porque não se pretende aplicar duas leis ao mesmo fato, senão a crimes diferentes, com a progressão de regime em 40% para o crime de tráfico de drogas, conforme nova redação da Lei 13.964/2019 (retroatividade benéfica), e, para o crime de roubo circunstanciado, a redação revogada que previa a fração para a progressão de 1/6 (ultratividade benéfica), haja vista que não havia previsão de fração diferenciada para os casos de reincidência" (AgRg no HC 679.632/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021).
Alega, assim, ser "necessário que se aplique a fração de 40% ao crime hediondo sem resultado morte, ao passo que a fração contida na Lei 7.210/84 sem as alterações da Lei 13.964/2019 aos crimes comuns a que foi condenado a paciente" (e-STJ fl. 711).
Pede, ao final, a "reconsideração da decisão monocrática ou, alternativamente, a apresentação do feito em mesa, para que a Egrégia Turma deste Superior Tribunal se manifeste sobre a decisão que não conheceu do habeas corpus, a fim de que seja concedida a ordem em definitivo, para ANULAR o acórdão estadual ilegal, aplicando-se a fração prevista na Lei 7.210/84, sem as alterações da Lei 13.9646/2019 para progressão de regime no que tange os crimes comuns" (e-STJ fl. 712).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e buscou refutar os fundamentos postos na decisão combatida, pelo que merece conhecimento.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática não conheceu do habeas corpus, nos seguintes termos:
Sobre a controvérsia posta nos autos, assim se manifestou a Corte de origem:
Malgrado a argumentação tecida pelo agravante, razão não lhe assiste.
O exame dos autos de execução penal n. 0003141-85.2018.8.24.0023 através do Sistema Eletrônico de Execução - SEEU evidencia que Laura Caroline dos Santos Tavares estava resgatando as penas somadas em catorze anos, um mês e dez dias de reclusão (sequencial 43.1) quando postulou a utilização do montante de dois quintos para avançar no sistema progressivo, no que concerne à condenação por violação ao disposto no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 (sequencial 28.1).
A propósito, registrou-se na origem:
(..)
Extrai-se do PEC n. 0003141-85.2018.8.24.0023 que, além da condenação pela prática do crime de tráfico de drogas, Laura Caroline dos Santos Tavares foi incursa nas sanções do art. 157, § 2º, I, II e V, na forma do art. 70, caput, ambos do Código Penal, instante em que foi considerada primária.
Em decorrência do insurgimento da defesa, conforme antecipado, a Magistrada a quo registrou também que o cálculo para a progressão de regime prisional em relação a este delito seria no percentual de vinte e cinco por cento, o que se coaduna com a Lei 13.964/2019, denominada Pacote Anticrime, que passou a disciplinar a matéria no âmbito da Lei de Execução Penal, in verbis:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
..
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça;
..
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;
..
Feito o registro, o atendimento à irresignação defensiva importaria em combinação de leis, o que não é permitido pelos Tribunais Superiores, posicionamento amplamente seguido por este Areópago:
(..)
Neste sentido, mutatis mutandis, dispõe a Súmula 501 do Superior Tribunal de Justiça: "É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis."
Também o Supremo Tribunal Federal já se manifestou em igual sentido:
..
LEI - COMBINAÇÃO - INADEQUAÇÃO. É inadequado, no tocante à condenação por crime cometido na vigência da Lei nº 6.368/1976, proceder-se à combinação de leis para observar a causa de aumento de pena do artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006, ainda que mais favorável em relação à prevista no artigo 18, inciso I, da Lei revogada. Precedente: recurso extraordinário nº 600.817/MS, Pleno, relator ministro Ricardo Lewandowski, julgado sob o ângulo da repercussão geral (RHC n. 122.619, rel. Min. Marco Aurélio, j. 22-3-2021).
Logo, não merece qualquer reparo o pronunciamento de primeiro grau.
Ante o exposto, voto no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
(e-STJ fls. 673/676)
Como se pode ver, a autoridade coatora concluiu que a Lei nova - n. 13.964/2019, que modificou o art. 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, é mais benéfica ao executado, para fins de progressão de regime, em relação a todos os crimes praticados pelo paciente (hediondos e comuns), de um modo geral.
A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para os crimes comuns seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai em contramão à Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis:
Súmula 501 do STJ: É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis (Súmula 501, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 28/10/2013)
É certo que o princípio da retroatividade da lei mais benéfica deve ser respeitado, mas em conjugação, portanto, com a súmula ora citada.
Realmente, a jurisprudência desta Corte possui o entendimento consolidado de que é cabível a aplicação retroativa da lei nova, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da lei mais antiga, sendo vedada a combinação de leis:
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 112, II, III E V, DA LEP. NOVA REDAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA EM SUA INTEGRALIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. (..).
2. No caso, a Corte de origem verificou que a nova norma é mais benéfica ao apenado, de um modo geral, aplicando-a em sua integralidade. A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para o crime comum seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai na contramão da Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis.
3. O acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes.
4. Nessa linha, a título exemplificativo: .. não há que se falar em reformatio in pejus, haja vista que o eg. Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplicando os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112, incisos II, III e V, da Lei de Execução Penal, apenas aplicou a lei penal mais benéfica em sua integralidade ao caso concreto. IV - O v. acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes. .. (AgRg no HC 677.744/SC, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 05/10/2021).
5. Na espécie, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 20 % (crime comum) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 705.465/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021)
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. CÁLCULO DE PENAS. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. INADMISSIBILIDADE DE COMINAÇÕES DE LEIS SUCESSIVAS. ANÁLISE DA PRETENSÃO À LUZ DE CADA UMA DAS NORMAS. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O entendimento desta Corte Superior é o de impossibilidade de combinação de leis, formando uma terceira lei. Assim, deve o julgador analisar, de forma individualizada, qual redação do artigo 112 da Lei das Execuções Penais é a mais benéfica ao sentenciado para fins de alcance do requisito objetivo necessário à progressão de regime - aquela com ou sem as modificações trazidas pela Lei n. 13.964/2019.
2. Na hipótese, a retificação do cálculo de penas do sentenciado, para aplicação dos lapsos de progressão de regime de 40% para os crimes equiparados a hediondo (tráfico de drogas) e 20% aos crimes comuns, cometidos sem violência ou grave ameaça (tráfico de drogas privilegiado e porte ilegal de arma de fogo) mostra-se mais benéfica para o agravante, devendo ser mantida sua aplicação.
3. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 699.653/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. RECURSO ESPECIAL MINISTERIAL PROVIDO. COMBINAÇÃO DE PONTOS ESPECÍFICOS DE DUAS NORMAS DIVERSAS (LEI N. 6.368/1976 E LEI N. 11.343/2006). IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 501/STJ. PRECEDENTES. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA.
Conforme consignado no decisum monocrático reprochado, a jurisprudência desta eg. Corte Superior é pacífica no sentido de que "Consoante o enunciado 501 da Súmula desta Corte, é cabível a aplicação retroativa da Lei 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis." (AgRg no AREsp 175.898/SP, Sexta Turma, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, DJe 16/12/2016, grifei). Precedentes. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.845.021/MS, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (Desembargador Convocado do TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019)
Na mesma linha, consultem-se as decisões monocráticas proferidas no HC 707.657/SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 02.02.2022; no HC n. 687.935/SC, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJe de 1º/02/2022; e no HC n. 675.083/SC, Rel. Min. JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), DJe de 19/08/2021.
Ante o exposto, com amparo no art. 34, XX, do Regimento Interno do STJ, não conheço do presente habeas corpus.
Com efeito, os julgados mais recentes desta Corte consideram que não há reformatio in pejus, nem retroatividade da lei menos benéfica quando o Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplica os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112 da Lei de Execução Penal, porque, ao agir assim, ele aplica a lei mais benéfica em sua integralidade, já que não é possível combinar duas normas.
No caso, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 25 % (crime comum com violência) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
Saliento, por pertinente, que também há julgados da Sexta Turma desta Corte, adotando o entendimento que prevalece na Quinta Turma:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. TRÁFICO. RECEPTAÇÃO. PROGRESSÃO DE REGIME. RETROATIVIDADE. APLICAÇÃO INTEGRAL DA LEI MAIS BENÉFICA. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE.AGRAVO IMPROVIDO.
1. Não há que falar em reformatio in pejus, haja vista que o Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, para aplicação dos lapsos de progressão de regime de 40% para o crime equiparado a hediondo (tráfico de drogas) e 20% ao crime comum, cometido sem violência ou grave ameaça (receptação), por ser réu reincidente, apenas aplicou a lei penal mais benéfica ao caso concreto, isto é, o art. 112, II e V, da Lei de Execução Penal.
2. Foi pacificado pela Terceira Seção desta Corte, sobre a combinação de leis, em face do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica (art. 5º, XL, da Constituição da República), ser devido o exame, no caso concreto, "de qual diploma legal, em sua integralidade, é mais favorável" (EREsp n. 1.094.499/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, 3ª S., DJe 18/8/2010).
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 636.197/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 02/03/2021, DJe 05/03/2021)
Na mesma esteira, entre outros, o HC n. 722.266/SC, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS, DJe de 14/02/2022; e o HC 705.657/SC, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, DJe de 02/02/2022.
Dessa forma, deve ser mantida a decisão agravada, confirmatória do acórdão coator do Tribunal a quo, o qual aplicou, em sua integralidade, a nova redação do art.112, da LEP, fixando, para progressão de regime, o lapso de 40% em relação ao crime hediondo e 25% em relação ao crime comum cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 112, III E V, DA LEP. NOVA REDAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA EM SUA INTEGRALIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
2. No caso, a Corte de origem verificou que a nova norma é mais benéfica ao apenado, de um modo geral, aplicando-a em sua integralidade. A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para o crime comum seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai na contramão da Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis.
3. O acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes.
4. Nessa linha, a título exemplificativo: .. não há que se falar em reformatio in pejus, haja vista que o eg. Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplicando os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112, incisos II, III e V, da Lei de Execução Penal, apenas aplicou a lei penal mais benéfica em sua integralidade ao caso concreto. IV - O v. acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes. .. (AgRg no HC 677.744/SC, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 05/10/2021).
5. Na espécie, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 25 % (crime comum praticado com violência) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
6. Agravo regimental não provido. | EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. PROGRESSÃO DE REGIME. ART. 112, III E V, DA LEP. NOVA REDAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI MAIS BENÉFICA EM SUA INTEGRALIDADE. COMBINAÇÃO DE LEIS. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. | 1. É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
2. No caso, a Corte de origem verificou que a nova norma é mais benéfica ao apenado, de um modo geral, aplicando-a em sua integralidade. A pretensão da defesa, de que a progressão de regime para o crime comum seja regida pela lei anterior à 13.964/2019 vai na contramão da Súmula 501 desta Corte, que proíbe a combinação de leis.
3. O acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes.
4. Nessa linha, a título exemplificativo: .. não há que se falar em reformatio in pejus, haja vista que o eg. Tribunal de origem, ao decidir pela retificação do cálculo de penas do sentenciado, aplicando os lapsos de progressão de regime previstos no art. 112, incisos II, III e V, da Lei de Execução Penal, apenas aplicou a lei penal mais benéfica em sua integralidade ao caso concreto. IV - O v. acórdão fustigado encontra-se em total sintonia com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o qual, na análise da retroatividade da lei penal material, tem entendido pela impossibilidade daquilo que a doutrina penalista chama de "combinação de leis", isto é, deve ser analisada de forma integral a nova lei mais benéfica, não se permitindo aplicação de uma parte do dispositivo revogado e outra parte do novo dispositivo. Precedentes. .. (AgRg no HC 677.744/SC, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 05/10/2021).
5. Na espécie, o Tribunal coator concluiu que a aplicação total da nova alteração do artigo 112 da LEP, quando comparada à lei anterior, será mais benéfica ao reeducando, uma vez que 40% (tráfico) 25 % (crime comum praticado com violência) é melhor que 3/5 1/6, respectivamente.
6. Agravo regimental não provido. | N |
146,257,241 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DEMONSTRAM A DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INCABÍVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE.GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
2. No caso dos autos, o benefício foi afastado não apenas em razão da quantidade da droga apreendida, mas especialmente pelas circunstâncias fáticas da apreensão, na qual foram encontrados simulacro de arma de fogo, além de munições e considerável quantidade de dinheiro, em notas miúdas, elementos suficientes para caracterizar a dedicação do paciente às atividades criminosas.
3. Nesse contexto, rever tal moldura fática, fixada pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, é inviável nesta via estreita dohabeas corpus.
4. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou ainda outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, no caso, a apreensão de expressiva quantidade de entorpecentes - são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas doquantumde pena imposta.
5. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ, fls. 677/687) interposto contra decisão de minha relatoria (e-STJ, fls. 667/674), que não conheceu do habeas corpus impetrado em favor de EVERTON MARINHO ANANIAS.
Narram os autos que o paciente/agravante, em primeiro grau de jurisdição, foi condenado pela prática do delito previsto no art. 33,caput, da Lei n. 11.343/2006, à pena de 5 anos de reclusão, no regime inicial fechado, e 500 dias-multa (e-STJ, fls. 28/37).
Irresignada, a defesa apelou, tendo o Tribunal local negado provimento ao recurso (e-STJ, fls. 620/632).
Na presente impetração (e-STJ fls. 3/29), a defesa apontou constrangimento ilegal ao paciente em razão da pena e do regime fixados.
Nesse sentido, insurgiu-se contra a não aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 em sua fração máxima, a despeito de estarem presentes todos os requisitos para a concessão do benefício.
Sustentou, ainda, que o paciente faria jus ao abrandamento do regime inicial de cumprimento da reprimenda, e à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Diante disso, pediu, liminarmente, que o paciente aguardasse em liberdade o julgamento desta ordem. No mérito, requereu a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei 11.343/2006, na fração máxima de 2/3; a fixação do regime prisional inicial aberto; e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
O habeas corpus não foi conhecido (e-STJ, fls. 667/674).
Neste agravo regimental, reitera a defesa que o paciente faz jus (a) ao redutor do tráfico privilegiado, no patamar máximo, por preencher todos os requisitos previstos em norma, ressaltando tratar-se de mula de tráfico; e (b) à fixação do regime inicial aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, no caso da reforma da pena.
Pleiteia, ao final, a reconsideração da decisão ou a submissão do presente agravo à análise do colegiado, para que seja a ordem pleiteada concedida.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DEMONSTRAM A DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INCABÍVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE.GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
2. No caso dos autos, o benefício foi afastado não apenas em razão da quantidade da droga apreendida, mas especialmente pelas circunstâncias fáticas da apreensão, na qual foram encontrados simulacro de arma de fogo, além de munições e considerável quantidade de dinheiro, em notas miúdas, elementos suficientes para caracterizar a dedicação do paciente às atividades criminosas.
3. Nesse contexto, rever tal moldura fática, fixada pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, é inviável nesta via estreita dohabeas corpus.
4. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou ainda outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, no caso, a apreensão de expressiva quantidade de entorpecentes - são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas doquantumde pena imposta.
5. Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cuja conclusão mantém-se, por seus próprios fundamentos.
Como relatado, busca-se, inicialmente, a aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Para uma melhor compreensão da controvérsia, confira-se como o tema foi tratado no Tribunal local (e-STJ fls. 36/38):
Inviável o pedido de aplicação do redutor previsto no § 4º, do art. 33, da Lei Antidrogas, pois evidentemente não se trata de traficante de primeira viagem, não fazendo jus à benesse por expressa vedação legal. Com efeito, os acusados, tinham em depósito e guardavam 694,59g de maconha, além se ser encontrado no local um simulacro de arma de fogo e munições, sendo evidente, pois, que eles já se dedicavam a tal atividade criminosa de forma habitual e costumeira, não havendo, portanto, que se falar em aplicação da benesse pretendida. Assim, não obstante o entendimento diverso firmado pelas percucientes Defesas, foi correto o entendimento esposado, pois são quatro são os requisitos para aplicação da minorante prevista no §4º, art.33, da Lei de Drogas, quais sejam, ser o agente primário e possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e igualmente não integrar organização criminosa, sem se afastar do disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006. Tais requisitos são cumulativos e a ausência de qualquer um deles obsta a configuração do redutor da pena. Na espécie, inviável a aplicação da benesse ante o fato de haver evidências de os acusados se dedicarem a atividades criminosas.
(..)
Portanto, a quantidade do entorpecente, bem como as circunstâncias nas quais foi apreendida a droga, são elementos que evidenciam a dedicação à atividade criminosa e, em consequência, podem fundamentar o não reconhecimento da causa especial de diminuição de pena, constante do § 4º do artigo 33, da Lei n. 11.343/2006.
A sentença condenatória, por sua vez, asseverou (e-STJ fls. 512/513):
Os investigadores narraram toda a trajetória da investigação. Os acusados eram comparsas na traficância, localizadas estas na residência de Everton, conforme apurado inicialmente no relatório de investigações. Marcos tinha fama de andar armado, houve apreensão do simulacro da arma de fogo. Em relação ao dinheiro apreendido, em que pese o réu e a testemunha da acusação Daiany terem afirmado que era da venda do veículo C4/Pallas não há nos autos nenhum documento que comprove suas alegações. Ainda, não souberam dizer o nome do comprador. A testemunha da acusação, André, confirmou que as notas eram miúdas, o que corrobora a origem da traficância.
Verifica-se assim, que o benefício foi afastado não apenas em razão da quantidade da droga apreendida, mas especialmente pelas circunstâncias fáticas da apreensão, na qual foram encontrados simulacro de arma de fogo, além de munições e considerável quantidade de dinheiro, em notas miúdas, elementos suficientes para caracterizar a dedicação do paciente às atividades criminosas.
Com efeito, rever tal moldura fática, fixada pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, é inviável nesta via estreita dohabeas corpus.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.DOSIMETRIA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE SE DEDICAVA ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. NA PRESENTE VIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. ATIPICIDADE DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena, quando não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e houver flagrante ilegalidade.
III - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.11.343/2006, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
IV - Quanto ao punctum saliens, na espécie, houve fundamentação concreta e idônea para o afastamento do tráfico privilegiado, lastreada na grande quantidade de drogas aprendidas (137 gramas de maconha), bem como na apreensão de "uma arma de fogo calibre .22 e 02 cartuchos do mesmo calibre intactos", e no testemunho policial de "que a diligência foi resultado de diversas informações acerca da venda de entorpecentes na residência do réu", elementos aptos a justificar o afastamento da redutora do art. 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois demostram que o paciente se dedicava às atividades criminosas. Rever esse entendimento demandaria revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus.Precedente.
V - Este Superior Tribunal de Justiça se alinhou ao entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal e passou a reconhecer a atipicidade material da conduta, em situações específicas, de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência do artefato capaz de disparar o projétil.
VI - Na hipótese, não há que se falar em atipicidade material da conduta praticada, uma vez que além das munições apreendidas, a Corte a quo, em consonância com o entendimento desta Corte, bem exarou as "peculiaridades que envolvem o caso concreto, em que foi preso em flagrante praticando concomitantemente os delitos de tráfico de drogas e receptação, forçoso reconhecer que não está evidenciado o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, razão pela qual não há falar em atipicidade material da conduta."
VII - Qualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária.
Agravo regimental desprovido(AgRg no HC 559.054/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe 3/6/2020).
Diante disso, os fundamentos apontados pelo acórdão impugnado mostram-se idôneos para afastar a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Quanto ao regime inicial, em se tratando de tráfico de entorpecentes, desde o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do HC n. 111.840/ES, inexiste a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, determinando, também nesses casos, a observância do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, c/c o art. 59, do Código Penal.
No entanto, a jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou ainda outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, comoin casu, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas doquantumde pena imposta.
A propósito:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. APREENSÃO DE DROGA DE ALTA NOCIVIDADE. PACIENTE QUE OSTENTA OUTROS PROCESSOS PELA PRÁTICA DE IDÊNTICO DELITO. REEXAME DE PROVAS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. APLICAÇÃO DO ART. 33, § 2º, "B", E § 3º, DO CÓDIGO PENAL C/C O ART. 42 DA LEI N. 11.343/06. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
..
5. Sedimentou-se, nesta Corte Superior, o entendimento segundo o qual, nos delitos previstos na Lei de Drogas, a fixação do regime prisional deve observar a regra imposta no art. 33, § 2º do Código Penal em conjunto com o art. 42, da Lei n. 11.343/2006, que determina a consideração, preponderantemente, da natureza e quantidade da droga.
No caso dos autos, embora a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, reconhecida primariedade técnica do paciente e o quantum de pena (5 anos) permita, em tese, a fixação de regime mais brando, a quantidade e natureza das drogas apreendidas - 9 porções de maconha, 15 porções de cocaína e 28 pedras de crack -, justificam o regime prisional mais gravoso, no caso o fechado, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal, c/c o art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
Habeas corpus não conhecido (HC n. 403.508/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe 4/9/2017).
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. ALTERAÇÃO DESSE ENTENDIMENTO. REEXAME DE FATOS. QUANTIDADE DE DROGA. MODO FECHADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. FALTA DE PREENCHIMENTO DE REQUISITO OBJETIVO. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A teor do disposto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas.
2. No caso, a Corte de origem, em sede de revisão criminal, manteve afastada a incidência do redutor por entender que as circunstâncias fáticas do delito, sobretudo a quantidade da droga apreendida - 1 tijolo de maconha (656,20g) e 2 tijolos da mesma substância (2.100, 5g) -, denotam a habitualidade delitiva do paciente e do corréu no comércio espúrio de entorpecentes. Dessa forma, assentado pelas instâncias ordinárias, soberana na análise dos fatos, que o paciente faz do comércio ilícito de entorpecentes uma atividade habitual, a modificação desse entendimento - a fim de fazer incidir a minorante da Lei de Drogas - enseja o reexame do conteúdo probatório dos autos, o que é inadmissível em sede de habeas corpus.
3. O regime inicial fechado é o adequado para o cumprimento da pena superior a 4 anos de reclusão, diante da quantidade de drogas apreendidas, a teor do art. 33, § § 2º e 3º, "a", do Código Penal c/c o art. 42 da Lei de Drogas.
4. É inadmissível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pela falta do preenchimento do requisito objetivo (art. 44, I, do Código Penal).
5. Agravo regimental não provido (AgRg no HC 525.708/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 5/11/2019, DJe 12/11/2019).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PLEITO DE ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena, quando não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e houver flagrante ilegalidade.
III - Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
IV - Na espécie, houve fundamentação concreta e idônea para o afastamento do tráfico privilegiado, lastreada na natureza e quantidade de drogas aprendidas (dezoito gramas de crack), elementos aptos a justificar o afastamento da redutora do art. 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois demostram que o paciente se dedicava às atividades criminosas. Qualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária.
V - No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
VI - In casu, o regime adequado à hipótese é o inicial fechado, uma vez que houve fundamentação idônea a lastrear a aplicação do regime mais gravoso, em razão da quantidade e natureza das drogas apreendidas, em consonância com o entendimento desta Corte, ex vi do art. 33, parágrafo 2º, b, e parágrafo 3º, do Código Penal, e art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 521.875/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 8/10/2019, DJe 14/10/2019).
No caso, ao manter o regime prisional inicialmente fechado e afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, destaco a fundamentação utilizada pelo acórdão impugnado (e-STJ fl. 38):
Com relação ao regime prisional, é pacífico nos Tribunais Superiores que a gravidade concreta do crime, analisada com supedâneo na quantidade e/ou natureza da droga, autoriza a imposição de regime mais gravoso, bem como a negativa da substituição penal.
Pelo exposto, de rigor manter aos réus o regime fechado para início de cumprimento da pena, e negar a substituição da sanção corporal por restritivas de direitos, com espeque na quantidade das drogas e circunstancias da prisão que revelam as gravidades concretas dos comportamentos e, por isso, evidenciam a necessidade de tratamento penal enérgico. Frise-se que a substituição penal sequer seria socialmente recomendável.
Com efeito, a gravidade concreta do delito, evidenciada pela expressiva quantidade e natureza da droga apreendida - 694,59 gramas de maconha (e-STJ fl. 20)-,é fundamento idôneo para recrudescer o regime prisional.
Uma vez mantida a reprimenda aplicada, é inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista a ausência do requisito objetivo, previsto no art. 44 do Código Penal.
Assim, pelas próprias razões do decisum impugnado, acima reiteradas, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ, fls. 677/687) interposto contra decisão de minha relatoria (e-STJ, fls. 667/674), que não conheceu do habeas corpus impetrado em favor de EVERTON MARINHO ANANIAS.
Narram os autos que o paciente/agravante, em primeiro grau de jurisdição, foi condenado pela prática do delito previsto no art. 33,caput, da Lei n. 11.343/2006, à pena de 5 anos de reclusão, no regime inicial fechado, e 500 dias-multa (e-STJ, fls. 28/37).
Irresignada, a defesa apelou, tendo o Tribunal local negado provimento ao recurso (e-STJ, fls. 620/632).
Na presente impetração (e-STJ fls. 3/29), a defesa apontou constrangimento ilegal ao paciente em razão da pena e do regime fixados.
Nesse sentido, insurgiu-se contra a não aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 em sua fração máxima, a despeito de estarem presentes todos os requisitos para a concessão do benefício.
Sustentou, ainda, que o paciente faria jus ao abrandamento do regime inicial de cumprimento da reprimenda, e à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
Diante disso, pediu, liminarmente, que o paciente aguardasse em liberdade o julgamento desta ordem. No mérito, requereu a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no § 4º, do art. 33, da Lei 11.343/2006, na fração máxima de 2/3; a fixação do regime prisional inicial aberto; e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
O habeas corpus não foi conhecido (e-STJ, fls. 667/674).
Neste agravo regimental, reitera a defesa que o paciente faz jus (a) ao redutor do tráfico privilegiado, no patamar máximo, por preencher todos os requisitos previstos em norma, ressaltando tratar-se de mula de tráfico; e (b) à fixação do regime inicial aberto e substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, no caso da reforma da pena.
Pleiteia, ao final, a reconsideração da decisão ou a submissão do presente agravo à análise do colegiado, para que seja a ordem pleiteada concedida.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cuja conclusão mantém-se, por seus próprios fundamentos.
Como relatado, busca-se, inicialmente, a aplicação do redutor de pena previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Para uma melhor compreensão da controvérsia, confira-se como o tema foi tratado no Tribunal local (e-STJ fls. 36/38):
Inviável o pedido de aplicação do redutor previsto no § 4º, do art. 33, da Lei Antidrogas, pois evidentemente não se trata de traficante de primeira viagem, não fazendo jus à benesse por expressa vedação legal. Com efeito, os acusados, tinham em depósito e guardavam 694,59g de maconha, além se ser encontrado no local um simulacro de arma de fogo e munições, sendo evidente, pois, que eles já se dedicavam a tal atividade criminosa de forma habitual e costumeira, não havendo, portanto, que se falar em aplicação da benesse pretendida. Assim, não obstante o entendimento diverso firmado pelas percucientes Defesas, foi correto o entendimento esposado, pois são quatro são os requisitos para aplicação da minorante prevista no §4º, art.33, da Lei de Drogas, quais sejam, ser o agente primário e possuir bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas e igualmente não integrar organização criminosa, sem se afastar do disposto no artigo 42 da Lei 11.343/2006. Tais requisitos são cumulativos e a ausência de qualquer um deles obsta a configuração do redutor da pena. Na espécie, inviável a aplicação da benesse ante o fato de haver evidências de os acusados se dedicarem a atividades criminosas.
(..)
Portanto, a quantidade do entorpecente, bem como as circunstâncias nas quais foi apreendida a droga, são elementos que evidenciam a dedicação à atividade criminosa e, em consequência, podem fundamentar o não reconhecimento da causa especial de diminuição de pena, constante do § 4º do artigo 33, da Lei n. 11.343/2006.
A sentença condenatória, por sua vez, asseverou (e-STJ fls. 512/513):
Os investigadores narraram toda a trajetória da investigação. Os acusados eram comparsas na traficância, localizadas estas na residência de Everton, conforme apurado inicialmente no relatório de investigações. Marcos tinha fama de andar armado, houve apreensão do simulacro da arma de fogo. Em relação ao dinheiro apreendido, em que pese o réu e a testemunha da acusação Daiany terem afirmado que era da venda do veículo C4/Pallas não há nos autos nenhum documento que comprove suas alegações. Ainda, não souberam dizer o nome do comprador. A testemunha da acusação, André, confirmou que as notas eram miúdas, o que corrobora a origem da traficância.
Verifica-se assim, que o benefício foi afastado não apenas em razão da quantidade da droga apreendida, mas especialmente pelas circunstâncias fáticas da apreensão, na qual foram encontrados simulacro de arma de fogo, além de munições e considerável quantidade de dinheiro, em notas miúdas, elementos suficientes para caracterizar a dedicação do paciente às atividades criminosas.
Com efeito, rever tal moldura fática, fixada pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, é inviável nesta via estreita dohabeas corpus.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.DOSIMETRIA. PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE SE DEDICAVA ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. NA PRESENTE VIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO RESTRITO RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA. ATIPICIDADE DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena, quando não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e houver flagrante ilegalidade.
III - O parágrafo 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, dispõe que as penas do crime de tráfico de drogas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n.11.343/2006, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
IV - Quanto ao punctum saliens, na espécie, houve fundamentação concreta e idônea para o afastamento do tráfico privilegiado, lastreada na grande quantidade de drogas aprendidas (137 gramas de maconha), bem como na apreensão de "uma arma de fogo calibre .22 e 02 cartuchos do mesmo calibre intactos", e no testemunho policial de "que a diligência foi resultado de diversas informações acerca da venda de entorpecentes na residência do réu", elementos aptos a justificar o afastamento da redutora do art. 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois demostram que o paciente se dedicava às atividades criminosas. Rever esse entendimento demandaria revolvimento da matéria fático-probatória, procedimento que, a toda evidência, é incompatível com a estreita via do mandamus.Precedente.
V - Este Superior Tribunal de Justiça se alinhou ao entendimento da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal e passou a reconhecer a atipicidade material da conduta, em situações específicas, de ínfima quantidade de munição, aliada à ausência do artefato capaz de disparar o projétil.
VI - Na hipótese, não há que se falar em atipicidade material da conduta praticada, uma vez que além das munições apreendidas, a Corte a quo, em consonância com o entendimento desta Corte, bem exarou as "peculiaridades que envolvem o caso concreto, em que foi preso em flagrante praticando concomitantemente os delitos de tráfico de drogas e receptação, forçoso reconhecer que não está evidenciado o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento, razão pela qual não há falar em atipicidade material da conduta."
VII - Qualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária.
Agravo regimental desprovido(AgRg no HC 559.054/MS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 26/5/2020, DJe 3/6/2020).
Diante disso, os fundamentos apontados pelo acórdão impugnado mostram-se idôneos para afastar a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006.
Quanto ao regime inicial, em se tratando de tráfico de entorpecentes, desde o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do HC n. 111.840/ES, inexiste a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, determinando, também nesses casos, a observância do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, c/c o art. 59, do Código Penal.
No entanto, a jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou ainda outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, comoin casu, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas doquantumde pena imposta.
A propósito:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. APREENSÃO DE DROGA DE ALTA NOCIVIDADE. PACIENTE QUE OSTENTA OUTROS PROCESSOS PELA PRÁTICA DE IDÊNTICO DELITO. REEXAME DE PROVAS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA. APLICAÇÃO DO ART. 33, § 2º, "B", E § 3º, DO CÓDIGO PENAL C/C O ART. 42 DA LEI N. 11.343/06. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
..
5. Sedimentou-se, nesta Corte Superior, o entendimento segundo o qual, nos delitos previstos na Lei de Drogas, a fixação do regime prisional deve observar a regra imposta no art. 33, § 2º do Código Penal em conjunto com o art. 42, da Lei n. 11.343/2006, que determina a consideração, preponderantemente, da natureza e quantidade da droga.
No caso dos autos, embora a pena-base tenha sido fixada no mínimo legal, reconhecida primariedade técnica do paciente e o quantum de pena (5 anos) permita, em tese, a fixação de regime mais brando, a quantidade e natureza das drogas apreendidas - 9 porções de maconha, 15 porções de cocaína e 28 pedras de crack -, justificam o regime prisional mais gravoso, no caso o fechado, nos termos do art. 33, § 2º, b, do Código Penal, c/c o art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
Habeas corpus não conhecido (HC n. 403.508/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 22/8/2017, DJe 4/9/2017).
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. RÉU QUE SE DEDICA À ATIVIDADE CRIMINOSA. ALTERAÇÃO DESSE ENTENDIMENTO. REEXAME DE FATOS. QUANTIDADE DE DROGA. MODO FECHADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITO. FALTA DE PREENCHIMENTO DE REQUISITO OBJETIVO. AUSÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A teor do disposto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas.
2. No caso, a Corte de origem, em sede de revisão criminal, manteve afastada a incidência do redutor por entender que as circunstâncias fáticas do delito, sobretudo a quantidade da droga apreendida - 1 tijolo de maconha (656,20g) e 2 tijolos da mesma substância (2.100, 5g) -, denotam a habitualidade delitiva do paciente e do corréu no comércio espúrio de entorpecentes. Dessa forma, assentado pelas instâncias ordinárias, soberana na análise dos fatos, que o paciente faz do comércio ilícito de entorpecentes uma atividade habitual, a modificação desse entendimento - a fim de fazer incidir a minorante da Lei de Drogas - enseja o reexame do conteúdo probatório dos autos, o que é inadmissível em sede de habeas corpus.
3. O regime inicial fechado é o adequado para o cumprimento da pena superior a 4 anos de reclusão, diante da quantidade de drogas apreendidas, a teor do art. 33, § § 2º e 3º, "a", do Código Penal c/c o art. 42 da Lei de Drogas.
4. É inadmissível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito, pela falta do preenchimento do requisito objetivo (art. 44, I, do Código Penal).
5. Agravo regimental não provido (AgRg no HC 525.708/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 5/11/2019, DJe 12/11/2019).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA MINORANTE PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PLEITO DE ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL. REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. AGRAVO DESPROVIDO.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - A via do writ somente se mostra adequada para a análise da dosimetria da pena, quando não for necessária uma análise aprofundada do conjunto probatório e houver flagrante ilegalidade.
III - Na ausência de indicação pelo legislador das balizas para o percentual de redução previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, a natureza e a quantidade de droga apreendida, assim como as demais circunstâncias do art. 59 do CP, podem ser utilizadas na definição de tal índice ou, até mesmo, no impedimento da incidência da minorante, quando evidenciarem a dedicação do agente ao tráfico de entorpecentes.
IV - Na espécie, houve fundamentação concreta e idônea para o afastamento do tráfico privilegiado, lastreada na natureza e quantidade de drogas aprendidas (dezoito gramas de crack), elementos aptos a justificar o afastamento da redutora do art. 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/2006, pois demostram que o paciente se dedicava às atividades criminosas. Qualquer incursão que escape a moldura fática ora apresentada, demandaria inegável revolvimento fático-probatório, não condizente com os estreitos lindes deste átrio processual, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária.
V - No que tange ao regime inicial de cumprimento de pena, cumpre registrar que o Plenário do col. Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990 - com redação dada pela Lei n. 11.464/07, não sendo mais possível, portanto, a fixação de regime prisional inicialmente fechado com base no mencionado dispositivo. Para tanto, devem ser observados os preceitos constantes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal.
VI - In casu, o regime adequado à hipótese é o inicial fechado, uma vez que houve fundamentação idônea a lastrear a aplicação do regime mais gravoso, em razão da quantidade e natureza das drogas apreendidas, em consonância com o entendimento desta Corte, ex vi do art. 33, parágrafo 2º, b, e parágrafo 3º, do Código Penal, e art. 42 da Lei n. 11.343/2006.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 521.875/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), Quinta Turma, julgado em 8/10/2019, DJe 14/10/2019).
No caso, ao manter o regime prisional inicialmente fechado e afastar a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, destaco a fundamentação utilizada pelo acórdão impugnado (e-STJ fl. 38):
Com relação ao regime prisional, é pacífico nos Tribunais Superiores que a gravidade concreta do crime, analisada com supedâneo na quantidade e/ou natureza da droga, autoriza a imposição de regime mais gravoso, bem como a negativa da substituição penal.
Pelo exposto, de rigor manter aos réus o regime fechado para início de cumprimento da pena, e negar a substituição da sanção corporal por restritivas de direitos, com espeque na quantidade das drogas e circunstancias da prisão que revelam as gravidades concretas dos comportamentos e, por isso, evidenciam a necessidade de tratamento penal enérgico. Frise-se que a substituição penal sequer seria socialmente recomendável.
Com efeito, a gravidade concreta do delito, evidenciada pela expressiva quantidade e natureza da droga apreendida - 694,59 gramas de maconha (e-STJ fl. 20)-,é fundamento idôneo para recrudescer o regime prisional.
Uma vez mantida a reprimenda aplicada, é inviável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, tendo em vista a ausência do requisito objetivo, previsto no art. 44 do Código Penal.
Assim, pelas próprias razões do decisum impugnado, acima reiteradas, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DEMONSTRAM A DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INCABÍVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE.GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
2. No caso dos autos, o benefício foi afastado não apenas em razão da quantidade da droga apreendida, mas especialmente pelas circunstâncias fáticas da apreensão, na qual foram encontrados simulacro de arma de fogo, além de munições e considerável quantidade de dinheiro, em notas miúdas, elementos suficientes para caracterizar a dedicação do paciente às atividades criminosas.
3. Nesse contexto, rever tal moldura fática, fixada pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, é inviável nesta via estreita dohabeas corpus.
4. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou ainda outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, no caso, a apreensão de expressiva quantidade de entorpecentes - são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas doquantumde pena imposta.
5. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES.DOSIMETRIA. APLICAÇÃO DA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DEMONSTRAM A DEDICAÇÃO À ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO INCABÍVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE.GRANDE QUANTIDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
2. No caso dos autos, o benefício foi afastado não apenas em razão da quantidade da droga apreendida, mas especialmente pelas circunstâncias fáticas da apreensão, na qual foram encontrados simulacro de arma de fogo, além de munições e considerável quantidade de dinheiro, em notas miúdas, elementos suficientes para caracterizar a dedicação do paciente às atividades criminosas.
3. Nesse contexto, rever tal moldura fática, fixada pelas instâncias ordinárias, soberanas na análise das provas, é inviável nesta via estreita dohabeas corpus.
4. A existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis ou ainda outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, no caso, a apreensão de expressiva quantidade de entorpecentes - são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas doquantumde pena imposta.
5. Agravo regimental desprovido. | N |
145,721,861 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. FURTO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO PACIENTE EM CRIMES PATRIMONIAIS E MAUS ANTECEDENTES POR DELITOS DE MESMA NATUREZA. VALOR DA RES FURTIVAE QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO INEXPRESSIVO POIS EQUIVALENTE A 34,15% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. LESÃO JURÍDICA RELEVANTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA ANTE A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
- A orientação do Supremo Tribunal Federal mostra-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve-se levar em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Precedentes.
- O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar conjuntamente os HC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de Relatoria do Ministro ROBERTO BARROSO, definiu que a incidência do princípio da bagatela deve ser feita caso a caso (Informativo n. 793/STF).
- Por sua vez, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 221.999/RS, de minha Relatoria, DJe 10/12/2015, estabeleceu que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, a verificação da medida ser socialmente recomendável. Precedentes.
- O fato de o paciente haver tentado subtrair, mediante escalada e em concurso de pessoas - 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada (e-STJ, fl. 71) -, associado ao fato de ele ser contumaz na prática de crimes patrimoniais, haja vista que além de reincidente por furto, também ostenta duas condenações anteriores aptas a caracterizar maus antecedentes por furto e receptação, denotam o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, mormente considerando-se a natureza e o valor dos bens subtraídos, equivalente a cerca de 34,15% do salário mínimo vigente à época dos fatos (20/9/2017).
- Não preenchidos os requisitos relativos ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do paciente e à inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo o caso, portanto, de reconhecimento da incidência do princípio da bagatela para absolvê-lo do furto perpetrado ante a atipicidade material da conduta.
- Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
ERNESTO GREGORIO MARIANO agrava regimentalmente contra decisão de minha Relatoria, na qual não conheci do writ porque substitutivo de recurso próprio. Não obstante isso, ao analisar os autos, concluí que as pretensões formuladas pela impetrante encontravam óbice na jurisprudência desta Corte Superior, sendo, portanto, manifestamente improcedentes.
Afirma a defesa do agravante, contudo, que no caso concreto, em que pese se tratar de paciente reincidente, é entendimento do Tribunal Pleno que a reincidência não impede o reconhecimento da insignificância para a absolvição do paciente (e-STJ, fl. 100). Ademais, alega que o valor total dos bens R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) - frise-se mais uma vez não foi excessivo - não é suficiente e idôneo para justificar a manutenção da condenação (e-STJ, fl. 102).
Pugna, por isso, pela reconsideração do decisum ou pela submissão do feito ao órgão Colegiado, para que seja aplicado o princípio da insignificância, com a consequente absolvição do paciente, trancando-se a ação penal na origem.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. FURTO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO PACIENTE EM CRIMES PATRIMONIAIS E MAUS ANTECEDENTES POR DELITOS DE MESMA NATUREZA. VALOR DA RES FURTIVAE QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO INEXPRESSIVO POIS EQUIVALENTE A 34,15% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. LESÃO JURÍDICA RELEVANTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA ANTE A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
- A orientação do Supremo Tribunal Federal mostra-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve-se levar em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Precedentes.
- O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar conjuntamente os HC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de Relatoria do Ministro ROBERTO BARROSO, definiu que a incidência do princípio da bagatela deve ser feita caso a caso (Informativo n. 793/STF).
- Por sua vez, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 221.999/RS, de minha Relatoria, DJe 10/12/2015, estabeleceu que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, a verificação da medida ser socialmente recomendável. Precedentes.
- O fato de o paciente haver tentado subtrair, mediante escalada e em concurso de pessoas - 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada (e-STJ, fl. 71) -, associado ao fato de ele ser contumaz na prática de crimes patrimoniais, haja vista que além de reincidente por furto, também ostenta duas condenações anteriores aptas a caracterizar maus antecedentes por furto e receptação, denotam o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, mormente considerando-se a natureza e o valor dos bens subtraídos, equivalente a cerca de 34,15% do salário mínimo vigente à época dos fatos (20/9/2017).
- Não preenchidos os requisitos relativos ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do paciente e à inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo o caso, portanto, de reconhecimento da incidência do princípio da bagatela para absolvê-lo do furto perpetrado ante a atipicidade material da conduta.
- Agravo regimental não provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar minha decisão, cuja conclusão mantenho por seus próprios fundamentos.
Conforme relatado, buscava a impetrante, a absolvição do paciente por atipicidade material da conduta ante a aplicação do princípio da insignificância ou, ao menos, o abrandamento de seu regime prisional.
Em relação especificamente, à insurgência oposta neste regimental, de início, ressaltei que o habeas corpus não era a via adequada para apreciar o pedido de absolvição ou de desclassificação de condutas, tendo em vista que, para se desconstituir o decidido pelas instâncias de origem, mostrava-se necessário o reexame aprofundado dos fatos e das provas constantes dos autos, procedimento vedado pelos estreitos limites do mandamus, caracterizado pelo rito célere e por não admitir dilação probatória.
Nessa esteira:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO. EXCEPCIONALIDADE NA VIA ELEITA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. ATIPICIDADE DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O habeas corpus não se presta para apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
..
5. Writ não conhecido. (HC n. 413.150/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, Julgado em 23/11/2017, DJe 28/11/2017, grifei)
No tocante à almejada aplicação do princípio da insignificância aos fatos assestados ao paciente, ressaltei que a admissão da ocorrência de um crime de bagatela refletia o entendimento de que o Direito Penal deveria intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica e certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
Sobre o tema, a lição de Cezar Roberto Bittencourt:
O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin, em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.
(..)
Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em razão ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como por exemplo, nas palavras de Roxin, "mau-trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade".Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, "a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada. (Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 21/22)
Ademais, o referido princípio jamais poderia surgir como elemento gerador de impunidade, mormente em se tratando de crime contra o patrimônio, pouco importando se o valor da res furtiva seja de pequena monta, até porque não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante ou irrisório, já que para aquela primeira situação existe o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal.
Nesse sentido, a lição de Luiz Regis Prado:
De acordo com o princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin e relacionado com o axioma minima non curat praetor, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância. O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.
(..)
De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores - v. g., valoração sócio-econômica média existente em determinada sociedade - tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica. (Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1 - Parte Geral - Arts. 1º a 120 - 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 154/155)
Sobre o tema, aliás, ressaltei que a orientação do Supremo Tribunal Federal mostrava-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, dever-se-ia levar em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Note-se:
E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO A TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA (CP, ART. 155, "CAPUT", C/C O ART. 14, II) - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 70,00 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. (HC n. 106.510, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Relator p/ Acórdão: Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/3/2011, DJe 13/06/2011)
Salientei, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar, conjuntamente os HHCC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de relatoria do Ministro Roberto Barroso, definiu que a incidência do princípio da bagatela deveria ser feita caso a caso (Informativo n. 793/STF).
E seguindo essa linha, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 221.999/RS, de minha relatoria, DJe 10/12/2015, estabeleceu que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, a verificação da medida ser socialmente recomendável. Precedentes: AgRg no REsp n. 1.739.282/MG, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 24/0/2018; AgRg no HC n. 439.368/SC, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 22/8/2018; AgRg no AREsp n. 1.260.173/DF, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 7/8/2018, DJe 15/8/2018; AgRg no HC n. 429.890/MS, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/4/2018, DJe 12/4/2018.
Sob essas diretrizes, ao julgar o apelo defensivo e rechaçar a aplicação do referido princípio, a Corte estadual consignou que (e-STJ fls. 71/78, destaquei):
..
Os apelantes foram condenados porque, no dia 20 de setembro de 2017, por volta das 2h50, na Rua João Gazeta, n. 638, Jardim Novo Horizonte, Limeira, agindo em concurso e com unidade de desígnios, bem como mediante escalada, tentaram subtrair para eles 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada, de propriedade do Supermercado Max e de Josino Custódio Santana.
Narra a denúncia que os acusados escalaram o muro do Supermercado Max e tentaram subtrair os sobreditos objetos.
A testemunha Gedielson Santana dos Reis observou os apelantes escalando o muro dos fundos do estabelecimento e acionou policiais militares.
Os agentes públicos realizavam patrulhamento próximo àquele local e atenderam a ocorrência. Em uma via pública próxima ao Supermercado Max, eles se depararam com os acusados carregando os objetos subtraídos, de modo que ambos foram abordados.
..
A vítima Josino Custodio Santana afirmou em juízo ser proprietário da empresa Star Line, situada ao lado do supermercado. Aduziu que seu sobrinho avistou pelas câmeras de segurança que havia alguém pulando no estabelecimento. Foi até o local e lá havia dois indivíduos. Um deles estava ao lado do supermercado com "grades de bebida" e o outro estava na "rua de cima" carregando telas de mosquiteiros em alumínio. Esclareceu que já havia visto o indivíduo que estava com as grades de bebida, mas que não reconheceu o réu que compareceu em audiência (Ernesto). Destacou que havia um muro, mas tinha um degrau que possibilitava pulá-lo. Ressaltou que foram subtraídas duas telas de mosquiteiro e cada uma delas valia cerca de R$ 70,00 (gravação digital juntada ao SAJ).
O gerente do Supermercado Max foi ouvido perante a autoridade policial e confirmou que os engradados subtraídos pertenciam ao estabelecimento e valiam em torno de R$ 40,00 cada um (fls. 08).
..
Não se pode acolher o pleito de atipicidade da conduta perpetrada, em virtude da aplicação do princípio da insignificância.
Como se sabe, o princípio da insignificância não pode ser aplicado de maneira indiscriminada, sob pena de incentivo ao cometimento de delitos de pequena monta.
..
No presente caso, não se pode considerar que a lesão jurídica provocada seja inexpressiva.
Apesar de não se tratar de um furto de grande monta, o montante de R$ 320,00 (fls. 45) é considerável, notadamente se levada em conta a realidade econômica do país.
..
Observo, ainda, que o apelante Ernesto ostenta maus antecedentes pela prática dos crimes de furto e de receptação (processos n. 0020472-23.2009.8.26.0320, 0025357-80.2009.8.26.0320 e 589/2001 - fls. 191/192, 194 e 195), além de reincidência decorrente de condenação anterior pela prática do crime de furto (processo n. 0020750-24.2009.8.26.0320- fls. 205), o que revela a sua tendência à prática de crimes, evidenciando maior grau de reprovabilidade de seu comportamento.
Consoante visto acima, asseverei que o fato de o paciente haver tentado subtrair, mediante escalada e em concurso de pessoas - 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada (e-STJ, fl. 71) -, associado ao fato de ele ser contumaz na prática de crimes patrimoniais, haja vista que além de reincidente por furto, também ostenta duas condenações anteriores aptas a caracterizar maus antecedentes por furto e receptação, denotavam o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, mormente considerando-se a natureza e o valor dos bens subtraídos, equivalente a cerca de 34,15% do salário mínimo vigente à época dos fatos (20/9/2017).
Desse modo, reputei não preenchidos os requisitos relativos ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do paciente e à inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo o caso, portanto, de reconhecimento da incidência do princípio da bagatela para absolvê-lo do furto perpetrado ante a atipicidade material da conduta.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
ERNESTO GREGORIO MARIANO agrava regimentalmente contra decisão de minha Relatoria, na qual não conheci do writ porque substitutivo de recurso próprio. Não obstante isso, ao analisar os autos, concluí que as pretensões formuladas pela impetrante encontravam óbice na jurisprudência desta Corte Superior, sendo, portanto, manifestamente improcedentes.
Afirma a defesa do agravante, contudo, que no caso concreto, em que pese se tratar de paciente reincidente, é entendimento do Tribunal Pleno que a reincidência não impede o reconhecimento da insignificância para a absolvição do paciente (e-STJ, fl. 100). Ademais, alega que o valor total dos bens R$ 320,00 (trezentos e vinte reais) - frise-se mais uma vez não foi excessivo - não é suficiente e idôneo para justificar a manutenção da condenação (e-STJ, fl. 102).
Pugna, por isso, pela reconsideração do decisum ou pela submissão do feito ao órgão Colegiado, para que seja aplicado o princípio da insignificância, com a consequente absolvição do paciente, trancando-se a ação penal na origem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar minha decisão, cuja conclusão mantenho por seus próprios fundamentos.
Conforme relatado, buscava a impetrante, a absolvição do paciente por atipicidade material da conduta ante a aplicação do princípio da insignificância ou, ao menos, o abrandamento de seu regime prisional.
Em relação especificamente, à insurgência oposta neste regimental, de início, ressaltei que o habeas corpus não era a via adequada para apreciar o pedido de absolvição ou de desclassificação de condutas, tendo em vista que, para se desconstituir o decidido pelas instâncias de origem, mostrava-se necessário o reexame aprofundado dos fatos e das provas constantes dos autos, procedimento vedado pelos estreitos limites do mandamus, caracterizado pelo rito célere e por não admitir dilação probatória.
Nessa esteira:
PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003. POSSE IRREGULAR DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO. EXCEPCIONALIDADE NA VIA ELEITA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. ATIPICIDADE DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O habeas corpus não se presta para apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
..
5. Writ não conhecido. (HC n. 413.150/MS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, Julgado em 23/11/2017, DJe 28/11/2017, grifei)
No tocante à almejada aplicação do princípio da insignificância aos fatos assestados ao paciente, ressaltei que a admissão da ocorrência de um crime de bagatela refletia o entendimento de que o Direito Penal deveria intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica e certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
Sobre o tema, a lição de Cezar Roberto Bittencourt:
O princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin, em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, partindo do velho adágio latino minima non curat praetor A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade a bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado.
(..)
Assim, a irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não apenas em relação à importância do bem juridicamente atingido, mas especialmente em razão ao grau de sua intensidade, isto é, pela extensão da lesão produzida, como por exemplo, nas palavras de Roxin, "mau-trato não é qualquer tipo de lesão à integridade corporal, mas somente uma lesão relevante; uma forma delitiva de injúria é só a lesão grave a pretensão social de respeito. Como força deve ser considerada unicamente um obstáculo de certa importância, igualmente também a ameaça deve ser sensível para ultrapassar o umbral da criminalidade".Concluindo, a insignificância da ofensa afasta a tipicidade. Mas essa insignificância só pode ser valorada através da consideração global da ordem jurídica. Como afirma Zaffaroni, "a insignificância só pode surgir à luz da função geral que dá sentido à ordem normativa e, consequentemente, a norma em particular, e que nos indica que esses pressupostos estão excluídos de seu âmbito de proibição, o que resulta impossível se estabelecer à simples luz de sua consideração isolada. (Tratado de Direito Penal. Parte Geral 1. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 21/22)
Ademais, o referido princípio jamais poderia surgir como elemento gerador de impunidade, mormente em se tratando de crime contra o patrimônio, pouco importando se o valor da res furtiva seja de pequena monta, até porque não se pode confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante ou irrisório, já que para aquela primeira situação existe o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal.
Nesse sentido, a lição de Luiz Regis Prado:
De acordo com o princípio da insignificância, formulado por Claus Roxin e relacionado com o axioma minima non curat praetor, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância. O princípio da insignificância é tratado pelas modernas teorias da imputação objetiva como critério para a determinação do injusto penal, isto é, como um instrumento para a exclusão da imputação objetiva de resultados.
(..)
De qualquer modo, a restrição típica decorrente da aplicação do princípio da insignificância não deve operar com total falta de critérios, ou derivar de interpretação meramente subjetiva do julgador, mas ao contrário há de ser resultado de uma análise acurada do caso em exame, com o emprego de um ou mais vetores - v. g., valoração sócio-econômica média existente em determinada sociedade - tidos como necessários à determinação do conteúdo da insignificância. Isso do modo mais coerente e equitativo possível, com intuito de afastar eventual lesão ao princípio da segurança jurídica. (Curso de Direito Penal Brasileiro. Volume 1 - Parte Geral - Arts. 1º a 120 - 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 154/155)
Sobre o tema, aliás, ressaltei que a orientação do Supremo Tribunal Federal mostrava-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, dever-se-ia levar em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.
Note-se:
E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO A TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO SIMPLES, EM SUA MODALIDADE TENTADA (CP, ART. 155, "CAPUT", C/C O ART. 14, II) - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 70,00 - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. (HC n. 106.510, Rel. Ministro JOAQUIM BARBOSA, Relator p/ Acórdão: Ministro CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/3/2011, DJe 13/06/2011)
Salientei, ainda, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar, conjuntamente os HHCC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de relatoria do Ministro Roberto Barroso, definiu que a incidência do princípio da bagatela deveria ser feita caso a caso (Informativo n. 793/STF).
E seguindo essa linha, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 221.999/RS, de minha relatoria, DJe 10/12/2015, estabeleceu que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, a verificação da medida ser socialmente recomendável. Precedentes: AgRg no REsp n. 1.739.282/MG, Relator Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 24/0/2018; AgRg no HC n. 439.368/SC, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe 22/8/2018; AgRg no AREsp n. 1.260.173/DF, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 7/8/2018, DJe 15/8/2018; AgRg no HC n. 429.890/MS, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/4/2018, DJe 12/4/2018.
Sob essas diretrizes, ao julgar o apelo defensivo e rechaçar a aplicação do referido princípio, a Corte estadual consignou que (e-STJ fls. 71/78, destaquei):
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Os apelantes foram condenados porque, no dia 20 de setembro de 2017, por volta das 2h50, na Rua João Gazeta, n. 638, Jardim Novo Horizonte, Limeira, agindo em concurso e com unidade de desígnios, bem como mediante escalada, tentaram subtrair para eles 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada, de propriedade do Supermercado Max e de Josino Custódio Santana.
Narra a denúncia que os acusados escalaram o muro do Supermercado Max e tentaram subtrair os sobreditos objetos.
A testemunha Gedielson Santana dos Reis observou os apelantes escalando o muro dos fundos do estabelecimento e acionou policiais militares.
Os agentes públicos realizavam patrulhamento próximo àquele local e atenderam a ocorrência. Em uma via pública próxima ao Supermercado Max, eles se depararam com os acusados carregando os objetos subtraídos, de modo que ambos foram abordados.
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A vítima Josino Custodio Santana afirmou em juízo ser proprietário da empresa Star Line, situada ao lado do supermercado. Aduziu que seu sobrinho avistou pelas câmeras de segurança que havia alguém pulando no estabelecimento. Foi até o local e lá havia dois indivíduos. Um deles estava ao lado do supermercado com "grades de bebida" e o outro estava na "rua de cima" carregando telas de mosquiteiros em alumínio. Esclareceu que já havia visto o indivíduo que estava com as grades de bebida, mas que não reconheceu o réu que compareceu em audiência (Ernesto). Destacou que havia um muro, mas tinha um degrau que possibilitava pulá-lo. Ressaltou que foram subtraídas duas telas de mosquiteiro e cada uma delas valia cerca de R$ 70,00 (gravação digital juntada ao SAJ).
O gerente do Supermercado Max foi ouvido perante a autoridade policial e confirmou que os engradados subtraídos pertenciam ao estabelecimento e valiam em torno de R$ 40,00 cada um (fls. 08).
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Não se pode acolher o pleito de atipicidade da conduta perpetrada, em virtude da aplicação do princípio da insignificância.
Como se sabe, o princípio da insignificância não pode ser aplicado de maneira indiscriminada, sob pena de incentivo ao cometimento de delitos de pequena monta.
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No presente caso, não se pode considerar que a lesão jurídica provocada seja inexpressiva.
Apesar de não se tratar de um furto de grande monta, o montante de R$ 320,00 (fls. 45) é considerável, notadamente se levada em conta a realidade econômica do país.
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Observo, ainda, que o apelante Ernesto ostenta maus antecedentes pela prática dos crimes de furto e de receptação (processos n. 0020472-23.2009.8.26.0320, 0025357-80.2009.8.26.0320 e 589/2001 - fls. 191/192, 194 e 195), além de reincidência decorrente de condenação anterior pela prática do crime de furto (processo n. 0020750-24.2009.8.26.0320- fls. 205), o que revela a sua tendência à prática de crimes, evidenciando maior grau de reprovabilidade de seu comportamento.
Consoante visto acima, asseverei que o fato de o paciente haver tentado subtrair, mediante escalada e em concurso de pessoas - 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada (e-STJ, fl. 71) -, associado ao fato de ele ser contumaz na prática de crimes patrimoniais, haja vista que além de reincidente por furto, também ostenta duas condenações anteriores aptas a caracterizar maus antecedentes por furto e receptação, denotavam o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, mormente considerando-se a natureza e o valor dos bens subtraídos, equivalente a cerca de 34,15% do salário mínimo vigente à época dos fatos (20/9/2017).
Desse modo, reputei não preenchidos os requisitos relativos ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do paciente e à inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo o caso, portanto, de reconhecimento da incidência do princípio da bagatela para absolvê-lo do furto perpetrado ante a atipicidade material da conduta.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. FURTO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO PACIENTE EM CRIMES PATRIMONIAIS E MAUS ANTECEDENTES POR DELITOS DE MESMA NATUREZA. VALOR DA RES FURTIVAE QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO INEXPRESSIVO POIS EQUIVALENTE A 34,15% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. LESÃO JURÍDICA RELEVANTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA ANTE A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
- A orientação do Supremo Tribunal Federal mostra-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve-se levar em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Precedentes.
- O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar conjuntamente os HC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de Relatoria do Ministro ROBERTO BARROSO, definiu que a incidência do princípio da bagatela deve ser feita caso a caso (Informativo n. 793/STF).
- Por sua vez, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 221.999/RS, de minha Relatoria, DJe 10/12/2015, estabeleceu que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, a verificação da medida ser socialmente recomendável. Precedentes.
- O fato de o paciente haver tentado subtrair, mediante escalada e em concurso de pessoas - 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada (e-STJ, fl. 71) -, associado ao fato de ele ser contumaz na prática de crimes patrimoniais, haja vista que além de reincidente por furto, também ostenta duas condenações anteriores aptas a caracterizar maus antecedentes por furto e receptação, denotam o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, mormente considerando-se a natureza e o valor dos bens subtraídos, equivalente a cerca de 34,15% do salário mínimo vigente à época dos fatos (20/9/2017).
- Não preenchidos os requisitos relativos ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do paciente e à inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo o caso, portanto, de reconhecimento da incidência do princípio da bagatela para absolvê-lo do furto perpetrado ante a atipicidade material da conduta.
- Agravo regimental não provido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. FURTO QUALIFICADO. ABSOLVIÇÃO POR APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BAGATELA. IMPOSSIBILIDADE. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA DO PACIENTE EM CRIMES PATRIMONIAIS E MAUS ANTECEDENTES POR DELITOS DE MESMA NATUREZA. VALOR DA RES FURTIVAE QUE NÃO PODE SER CONSIDERADO INEXPRESSIVO POIS EQUIVALENTE A 34,15% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. LESÃO JURÍDICA RELEVANTE. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS EXIGIDOS PARA A CONFIGURAÇÃO DA ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA ANTE A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. | - A admissão da ocorrência de um crime de bagatela reflete o entendimento de que o Direito Penal deve intervir somente nos casos em que a conduta ocasionar lesão jurídica de certa gravidade, devendo ser reconhecida a atipicidade material de perturbações jurídicas mínimas ou leves, estas consideradas não só no seu sentido econômico, mas também em função do grau de afetação da ordem social que ocasionem.
- A orientação do Supremo Tribunal Federal mostra-se no sentido de que, para a verificação da lesividade mínima da conduta, apta a torná-la atípica, deve-se levar em consideração os seguintes vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada, salientando que o Direito Penal não se deve ocupar de condutas que, diante do desvalor do resultado produzido, não representem prejuízo relevante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. Precedentes.
- O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar conjuntamente os HC n. 123.108/MG, 123.533/SP e 123.734/MG, todos de Relatoria do Ministro ROBERTO BARROSO, definiu que a incidência do princípio da bagatela deve ser feita caso a caso (Informativo n. 793/STF).
- Por sua vez, a Terceira Seção desta Corte, no julgamento do EREsp n. 221.999/RS, de minha Relatoria, DJe 10/12/2015, estabeleceu que a reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, a verificação da medida ser socialmente recomendável. Precedentes.
- O fato de o paciente haver tentado subtrair, mediante escalada e em concurso de pessoas - 02 engradados avaliados em R$ 40,00 cada e 03 telas mosqueteiras avaliadas em R$ 80,00 cada (e-STJ, fl. 71) -, associado ao fato de ele ser contumaz na prática de crimes patrimoniais, haja vista que além de reincidente por furto, também ostenta duas condenações anteriores aptas a caracterizar maus antecedentes por furto e receptação, denotam o elevado grau de reprovabilidade de sua conduta, mormente considerando-se a natureza e o valor dos bens subtraídos, equivalente a cerca de 34,15% do salário mínimo vigente à época dos fatos (20/9/2017).
- Não preenchidos os requisitos relativos ao reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do paciente e à inexpressividade da lesão jurídica provocada, não sendo o caso, portanto, de reconhecimento da incidência do princípio da bagatela para absolvê-lo do furto perpetrado ante a atipicidade material da conduta.
- Agravo regimental não provido. | N |
146,257,240 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. PACIENTE QUE SE DEDICAVA À ATIVIDADE CRIMINOSA. NÃO ATENDIMENTO DAS DIRETRIZES EXIGIDAS PARA O RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO NÃO CONDIZENTE COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
- Na espécie, a causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi negada, porque as instâncias de origem reconheceram expressamente que o paciente não se tratava de traficante eventual, e que se dedicava à atividade criminosa, haja vista não apenas a expressiva quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -, mas principalmente devido às circunstâncias que culminaram em sua prisão em flagrante - após denúncia anônima informando à polícia que haveria a entrega de uma grande quantidade de drogas em frente à Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, razão pela qual eles diligenciaram até o local e lá apreenderam o paciente e as drogas escondidas em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo -; Some-se a isso o fato de o próprio paciente haver confessado que realizava o transporte das drogas para uma pessoa de alcunha "Gordo", e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço (e-STJ, fl. 50); Tudo isso a indicar que ele não se tratava de traficante eventual e que se dedicava à atividade criminosa, mormente considerando-se que uma quantidade tão expressiva e variada de entorpecentes não seria confiada a um "transportador" de primeira viagem.
- Desconstituir tal assertiva, como pretendido, demandaria, necessariamente, a imersão vertical na moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.
- O regime prisional fechado foi estabelecido com base na gravidade concreta da conduta perpetrada, consubstanciada na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte de Justiça que que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, como in casu, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, de modo que não existe ilegalidade no resgate da reprimenda do paciente (5 anos de reclusão) no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Precedentes.
- Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
JEAN CARLOS DOS SANTOS agrava regimentalmente contra decisão de minha Relatoria, na qual não conheci do writ porque substitutivo de recurso especial. Não obstante isso, ao analisar os autos, concedi a ordem ex officio, para determinar que o início do cumprimento da pena do paciente somente ocorra após o trânsito em julgado da sentença condenatória, mantidos os demais termos de sua condenação.
Afirma a defesa do agravante, contudo, que ele faz jus ao reconhecimento do tráfico privilegiado, pois as circunstâncias da prisão foram normais à espécie .. , O réu confessou que essa era a primeira vez e que jamais havia feito disso seu meio de vida pois sempre trabalhou como motoboy em sua lanchonete durante o período noturno e que durante o dia fazia entregas de marmitex em outro estabelecimento e ainda porque presumir a habitualidade e a dedicação em práticas criminosas com base no tipo, acondicionamento ou volume de drogas, além de não comprovar tal alegação também configura constrangimento ilegal, viola a presunção de inocência e a transforma em um a presunção de culpabilidade com base em meras ilações e conjecturas (à e-STJ, fls. 85/86), de modo que ele preenche todos os requisitos para a incidência da benesse, inclusive no teto legal de 2/3.
Assevera, também, que a fixação do regime inicial fechado viola os preceitos legais estabelecidos no Código Penal e na jurisprudência dos Tribunais superiores, enfatizando que a natureza e quantidade da droga apreendida, por si só, não são suficientes para alterar o regime de cumprimento da pena (e-STJ, fl. 89).
Pugna, por isso, pela reconsideração do decisum ou pela submissão do feito ao órgão Colegiado, para que seja reconhecida ao paciente, em seu patamar máximo, a incidência da causa especial de diminuição de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, abrandado seu regime prisional.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. PACIENTE QUE SE DEDICAVA À ATIVIDADE CRIMINOSA. NÃO ATENDIMENTO DAS DIRETRIZES EXIGIDAS PARA O RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO NÃO CONDIZENTE COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
- Na espécie, a causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi negada, porque as instâncias de origem reconheceram expressamente que o paciente não se tratava de traficante eventual, e que se dedicava à atividade criminosa, haja vista não apenas a expressiva quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -, mas principalmente devido às circunstâncias que culminaram em sua prisão em flagrante - após denúncia anônima informando à polícia que haveria a entrega de uma grande quantidade de drogas em frente à Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, razão pela qual eles diligenciaram até o local e lá apreenderam o paciente e as drogas escondidas em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo -; Some-se a isso o fato de o próprio paciente haver confessado que realizava o transporte das drogas para uma pessoa de alcunha "Gordo", e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço (e-STJ, fl. 50); Tudo isso a indicar que ele não se tratava de traficante eventual e que se dedicava à atividade criminosa, mormente considerando-se que uma quantidade tão expressiva e variada de entorpecentes não seria confiada a um "transportador" de primeira viagem.
- Desconstituir tal assertiva, como pretendido, demandaria, necessariamente, a imersão vertical na moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.
- O regime prisional fechado foi estabelecido com base na gravidade concreta da conduta perpetrada, consubstanciada na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte de Justiça que que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, como in casu, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, de modo que não existe ilegalidade no resgate da reprimenda do paciente (5 anos de reclusão) no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Precedentes.
- Agravo regimental não provido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar minha decisão, cuja conclusão mantenho por seus próprios fundamentos.
Conforme relatado, buscava o impetrante, o redimensionamento das sanções do paciente ante o reconhecimento do tráfico privilegiado, o abrandamento de seu regime prisional, além do direito de ele recorrer em liberdade até o trânsito em julgado de sua condenação.
I. Da não incidência da causa de redução prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006
Inicialmente, observei que, nos termos do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas teriam a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando fossem reconhecidamente primários, possuíssem bons antecedentes e não se dedicassem a atividades criminosas ou integrassem organização criminosa.
Sob essas diretrizes, ao julgar o apelo defensivo e negar-lhe provimento, o Relator do voto condutor do acórdão manteve o afastamento da referida minorante, nos seguintes termos (e-STJ, fls. 49/55, destaquei):
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Infere-se dos autos que o apelante JEAN CARLOS DOSSANTOS foi processado como incurso no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 c/c artigo 180, §3º, do Código Penal, porque, segunda consta na denúncia, no dia 22 de novembro de 2017, por volta das 18h30, na Rua Antônio Henrique de Mesquita, 80, Delfim Verde, Capricórnio, nesta cidade e comarca de Caraguatatuba/SP, transportava, para fins de tráfico, 01 (um) invólucro, tipo "tijolo", de Cannabis sativa L., vulgarmente conhecida como maconha, com peso bruto de 541,49g (quinhentos e quarenta e um gramas e quarenta e nove centigramas); 700(setecentos) microtubos plásticos, tipo eppendorf, com 797,59g (setecentos e noventa e sete gramas e cinquenta e nove centigramas) de cocaína; e 1396 (mil trezentos e noventa e seis) invólucros com cocaína, na forma bruta de crack, com peso bruto de 1.749,23g (mil setecentos e quarenta e nove gramas e vinte e três centigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
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Segundo apurado, policiais militares com a informação de que haveria entrega de grande quantidade de drogas em frente a Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, para lá se dirigiram.
No local, os policiais visualizaram um veículo com as características indicadas que estacionou no mencionado estabelecimento. Assim foi que, realizada a abordagem do apelante que conduzia o veículo, em busca no automóvel, constataram que ele transportava um "tijolo" de maconha, localizado embaixo do banco traseiro, e grande quantidade de cocaína e crack, embaladas em sacos plásticos, em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo, dentro de um forro.
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Jean confessou que realizava o transporte das drogas para pessoa de alcunha "Gordo", não informando mais dados qualificativos, e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) para realizar o transporte. Confessou que adquiriu o aparelho em uma loja de eletrônicos na cidade de Ubatuba/SP, porém, não soube informar o nome da loja, nem tampouco apresentou a nota fiscal de compra.
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Posto isso, examinando-se a natureza das droga: maconha cocaína e crack, como dito, mais procuradas e disseminadas que outras, de grande poder degenerador da personalidade, de alto índice viciante, geradoras de invencíveis problemas na saúde pública; a forma como estavam acondicionadas, os petrechos apreendidos, a reiteração do modus operandi, mostrando que a repetição do transporte das drogas no lugar ganhou publicidade, motivando a denúncia anônima, a segura incriminação feita pelos agentes estatais, incumbidos por dever de ofício da repressão penal e as inadmissíveis alegações do réu, não secundadas por qualquer elemento sério de convencimento, a conduta não se pode afastar do tipo do art. 33,"caput", da Lei nº 11.343/2006.
Destaca-se que a aplicação da causa de diminuição de pena insculpida no §4º, do art. 33, da Lei de Drogas, restou vedada por ausência de preenchimento dos requisitos legais. Como se constata, o apelante dedica-se à difusão do vício em drogas proibidas, com declarado animus lucrandi, fazendo do tráfico de drogas modus vivendi.
No caso dos autos, a diversidade, a natureza - mais procurada e disseminada que outras drogas, de grande poder destrutivo e alto índice viciante, e geradora de invencíveis problemas na saúde pública-, e a exorbitante quantidade da droga apreendida (393,38 gr de crack, 108,20 gr de cocaína e 488,12 gr de maconha fls. 104/113), aliada as circunstâncias da prisão em flagrante, em que o modus operandi do transporte da droga entre cidades - por sua reiteração - se tornou de conhecimento público, a ponto de ensejar denuncia anônima por parte da população ordeira, revelam que o réu se dedicava à atividade criminosa e faz da difusão do vício, com animus lucrandi, seu modus vivendi.
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Por fim, devidamente eleito o regime inicial fechado para cumprimento da pena, consoante disciplina o artigo 33, §§ 2º e 3º, c. c. artigo 59, III, ambos do Código Penal, considerando-se o quantum de reprimenda aplicada e as circunstâncias e consequências negativas do crime.
Pela leitura do recorte acima, verifiquei que a causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi negada, porque as instâncias de origem reconheceram expressamente que o paciente não se tratava de traficante eventual, e que se dedicava à atividade criminosa, haja vista não apenas a expressiva quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -, mas principalmente devido às circunstâncias que culminaram em sua prisão em flagrante - após denúncia anônima informando à polícia que haveria a entrega de uma grande quantidade de drogas em frente à Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, razão pela qual eles diligenciaram até o local e lá apreenderam o paciente e as drogas escondidas em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo -; Some-se a isso o fato de o próprio paciente haver confessado que realizava o transporte das drogas para uma pessoa de alcunha "Gordo", e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço (e-STJ, fl. 50); Tudo isso a indicar que ele não se tratava de traficante eventual e que se dedicava à atividade criminosa, mormente considerando-se que uma quantidade tão expressiva e variada de entorpecentes não seria confiada a um "transportador" de primeira viagem.
Não obstante isso, ressaltei que desconstituir tal assertiva, como pretendido, demandaria, necessariamente, a imersão vertical na moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do remédio heroico.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, C/C O ART. 40, VI, AMBOS DA LEI 11.343/2006. PACIENTE CONDENADO À PENA CORPORAL DE 6 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL SEMIABERTO. PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICA-SE ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS, ANTE A PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL. INVIABILIDADE. MONTANTE DA PENA QUE NÃO COMPORTA OS BENEFÍCIOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
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- Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher cumulativamente todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
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- Dessa forma, apesar de a quantidade da droga apreendida não ter sido muito elevada, tendo havido fundamentação concreta, pelo Tribunal local, para não aplicar o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, pois não preenchidos os requisitos legais, concluo que, para entender de modo diverso, afastando-se a conclusão de que o paciente não se dedica às atividades criminosas, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório amealhado durante a instrução probatória, o que, como cediço, é vedado na via estreita do habeas corpus, de cognição sumária. Precedentes.
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- Habeas corpus não conhecido. (HC n. 406.667/RS, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, Julgado em 3/10/2017, DJe 11/10/2017, grifei)
HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE NA PRISÃO PROCESSUAL. FUNDAMENTO PREJUDICADO PELO ULTERIOR TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE SE APLICAR A MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06, EM RAZÃO DA CONCLUSÃO SOBERANA DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DE QUE O PACIENTE PRATICAVA AO MENOS EVENTUALMENTE A TRAFICÂNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.
1. Transitada em julgado a condenação, resta prejudicada a alegação de constrangimento na prisão processual, por não mais se tratar de segregação provisória, mas definitiva.
2. São condições para que o condenado faça jus à causa de diminuição de pena prevista no § 4.º, do artigo 33, da Lei n.º 11.343/06: ser primário, ter bons antecedentes e não se dedicar a atividades criminosas ou integrar organizações criminosas. Tais requisitos precisam ser preenchidos conjuntamente; à míngua de qualquer uma dessas condições não é legítimo reclamar a aplicação da minorante.
3. As instâncias ordinárias, soberanas na análise da matéria fática dos autos, reconheceram que o Paciente dedicava-se ao menos eventualmente à atividade criminosa de traficar drogas. Não há como tal conclusão ser reavaliada na via processual eleita, por se tratar de remédio constitucional de rito célere e cognição sumária.
4. Na hipótese, é de prevalecer o entendimento do Tribunal a quo mormente por se tratar de condenado que foi flagrado ao portar, na Cidade de Deus/RJ - localidade cujo comércio ilegal de drogas é monopolizado pela facção criminosa Comando Vermelho -, 31 sacos de plástico contendo cocaína, fechados por grampo metálico e identificados com os dizeres "CDD 13 PÓ DE 10 CVRL" .
5. Ordem de habeas corpus parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada. (HC n. 270.931/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, Julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013, grifei)
Dessa forma, não identifiquei nenhuma ilegalidade a ser sanada na negativa de incidência da benesse ao paciente.
II. Do regime de cumprimento de pena
Preliminarmente, ressaltei que a dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inseriam-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ademais, para a escolha do regime prisional, deveriam ser observadas as diretrizes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal, além dos dados fáticos da conduta delitiva que, se demonstrassem a gravidade concreta do crime, poderiam ser invocados pelo julgador para a imposição de regime mais gravoso do que o permitido pelo quantum da pena (HC n. 279.272/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, DJe 25/11/2013; HC n. 265.367/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 19/11/2013; HC n. 213.290/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma., DJe 4/11/2013; HC n. 148.130/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma., DJe 3/9/2012).
Nesses termos, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso do que o previsto em razão do montante da pena, era necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
E conforme visto acima, constatei que o regime prisional fechado foi estabelecido com base na gravidade concreta da conduta perpetrada, consubstanciada na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -; O que estava em harmonia com a jurisprudência desta Corte de Justiça que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ou ainda, outra situação que demonstrasse a gravidade concreta do delito perpetrado, como in casu, eram condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, de modo que não existia ilegalidade no resgate da reprimenda do paciente no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
Ao ensejo:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TORTURA MAJORADA. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. REINCIDÊNCIA DE UM DOS AGRAVANTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA REDIMENSIONAR A PENA DO AGRAVANTE JHADSON E FIXAR O REGIME SEMIABERTO AOS AGRAVANTES ALESSANDRO E WILLIAN. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o julgador deverá observar a quantidade da reprimenda aplicada, a primariedade do agente, bem como a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59 do Código Penal).
2. Ainda, na esteira da jurisprudência desta Corte, admite-se a imposição de regime prisional mais gravoso do que aquele que permite a pena aplicada, desde que apontados elementos fáticos demonstrativos da gravidade concreta do delito.
3. Na hipótese, não obstante a pena dos agravantes tenha sido fixada em patamar abaixo de 4 anos de reclusão, foi considerada a gravidade concreta das condutas imputadas aos réus, consistente em prática de tortura em que a vítima foi mantida amarrada por horas, sofrendo agressões físicas e psicológicas, e ameaçada de a qualquer momento ser morta por determinação do "tribunal do crime", conhecido organismo de justiçamento da facção criminosa denominada PCC. Nesse sentido, foi mantido o regime fechado em relação à JHADSON, considerada a sua reincidência aliada à gravidade concreta da conduta praticada, e conferido o regime semiaberto a ALESSANDRO e WILLIAN, não obstante o quantum de pena fixado, a primariedade e ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis em relação a esses dois, considerando-se a gravidade concreta da conduta praticada.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 677.030/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIROS, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe 24/8/2021, grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TORTURA. PENA ESTABELECIDA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PRIMARIEDADE. IMPOSIÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DENOTAM GRAVIDADE DO CRIME. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. RECURSO DESPROVIDO.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n. 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, também nesses crimes, o disposto no art. 33, c. c. o art. 59, ambos do Código Penal, e as Súmulas n. 440/STJ, 718/STF e 719/STF.
2. Na hipótese, apesar de fixada a pena-base no mínimo legal, a Corte de origem manteve o regime inicial fechado com base em circunstâncias concretas do crime. Contudo, tratando-se de Réus primários, com pena definitiva inferior a 4 (quatro) anos, revela-se adequada a fixação do regime inicial semiaberto.
3. Agravo regimental. desprovido. (AgRg no HC n. 664.171/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 27/9/2021)
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DO REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. ORDEM NÃO CONHECIDA.
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2. Os fundamentos utilizados pelo decreto condenatório não podem ser tidos por genéricos e, portanto, constituem motivação suficiente para justificar a imposição de regime prisional mais gravoso que o estabelecido em lei (art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal), não havendo que falar em violação da Súmula 440/STJ, bem como dos verbetes sumulares 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal.
3. Malgrado a pena-base tenha sido imposta no piso legal, o estabelecimento do regime mais severo do que o indicado pelo quantum da reprimenda baseou-se na gravidade concreta do delito, evidenciada pelo seu modus operandi, notadamente por ter a conduta criminosa sido praticada em concurso com outros três agentes, com simulacro de arma de fogo e com a utilização de carro de apoio, a exigir resposta estatal superior, dada a sua maior reprovabilidade, em atendimento ao princípio da individualização da pena.
4. A aplicação de pena no patamar mínimo previsto no preceito secundário na primeira fase da dosimetria não conduz, obrigatoriamente, à fixação do regime indicado pela quantidade de sanção corporal, sendo lícito ao julgador impor regime mais rigoroso do que o indicado pela regra geral do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, desde que mediante fundamentação idônea (Precedentes).
5. Ordem não conhecida. (HC n. 356.868/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 23/11/2016)
Desse modo, não visualizei nenhuma ilegalidade a ser sanada na fixação do regime inicial fechado ao paciente, para uma pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
JEAN CARLOS DOS SANTOS agrava regimentalmente contra decisão de minha Relatoria, na qual não conheci do writ porque substitutivo de recurso especial. Não obstante isso, ao analisar os autos, concedi a ordem ex officio, para determinar que o início do cumprimento da pena do paciente somente ocorra após o trânsito em julgado da sentença condenatória, mantidos os demais termos de sua condenação.
Afirma a defesa do agravante, contudo, que ele faz jus ao reconhecimento do tráfico privilegiado, pois as circunstâncias da prisão foram normais à espécie .. , O réu confessou que essa era a primeira vez e que jamais havia feito disso seu meio de vida pois sempre trabalhou como motoboy em sua lanchonete durante o período noturno e que durante o dia fazia entregas de marmitex em outro estabelecimento e ainda porque presumir a habitualidade e a dedicação em práticas criminosas com base no tipo, acondicionamento ou volume de drogas, além de não comprovar tal alegação também configura constrangimento ilegal, viola a presunção de inocência e a transforma em um a presunção de culpabilidade com base em meras ilações e conjecturas (à e-STJ, fls. 85/86), de modo que ele preenche todos os requisitos para a incidência da benesse, inclusive no teto legal de 2/3.
Assevera, também, que a fixação do regime inicial fechado viola os preceitos legais estabelecidos no Código Penal e na jurisprudência dos Tribunais superiores, enfatizando que a natureza e quantidade da droga apreendida, por si só, não são suficientes para alterar o regime de cumprimento da pena (e-STJ, fl. 89).
Pugna, por isso, pela reconsideração do decisum ou pela submissão do feito ao órgão Colegiado, para que seja reconhecida ao paciente, em seu patamar máximo, a incidência da causa especial de diminuição de pena, prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e, por conseguinte, abrandado seu regime prisional.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e infirmou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar minha decisão, cuja conclusão mantenho por seus próprios fundamentos.
Conforme relatado, buscava o impetrante, o redimensionamento das sanções do paciente ante o reconhecimento do tráfico privilegiado, o abrandamento de seu regime prisional, além do direito de ele recorrer em liberdade até o trânsito em julgado de sua condenação.
I. Da não incidência da causa de redução prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006
Inicialmente, observei que, nos termos do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas teriam a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando fossem reconhecidamente primários, possuíssem bons antecedentes e não se dedicassem a atividades criminosas ou integrassem organização criminosa.
Sob essas diretrizes, ao julgar o apelo defensivo e negar-lhe provimento, o Relator do voto condutor do acórdão manteve o afastamento da referida minorante, nos seguintes termos (e-STJ, fls. 49/55, destaquei):
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Infere-se dos autos que o apelante JEAN CARLOS DOSSANTOS foi processado como incurso no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006 c/c artigo 180, §3º, do Código Penal, porque, segunda consta na denúncia, no dia 22 de novembro de 2017, por volta das 18h30, na Rua Antônio Henrique de Mesquita, 80, Delfim Verde, Capricórnio, nesta cidade e comarca de Caraguatatuba/SP, transportava, para fins de tráfico, 01 (um) invólucro, tipo "tijolo", de Cannabis sativa L., vulgarmente conhecida como maconha, com peso bruto de 541,49g (quinhentos e quarenta e um gramas e quarenta e nove centigramas); 700(setecentos) microtubos plásticos, tipo eppendorf, com 797,59g (setecentos e noventa e sete gramas e cinquenta e nove centigramas) de cocaína; e 1396 (mil trezentos e noventa e seis) invólucros com cocaína, na forma bruta de crack, com peso bruto de 1.749,23g (mil setecentos e quarenta e nove gramas e vinte e três centigramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
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Segundo apurado, policiais militares com a informação de que haveria entrega de grande quantidade de drogas em frente a Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, para lá se dirigiram.
No local, os policiais visualizaram um veículo com as características indicadas que estacionou no mencionado estabelecimento. Assim foi que, realizada a abordagem do apelante que conduzia o veículo, em busca no automóvel, constataram que ele transportava um "tijolo" de maconha, localizado embaixo do banco traseiro, e grande quantidade de cocaína e crack, embaladas em sacos plásticos, em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo, dentro de um forro.
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Jean confessou que realizava o transporte das drogas para pessoa de alcunha "Gordo", não informando mais dados qualificativos, e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais) para realizar o transporte. Confessou que adquiriu o aparelho em uma loja de eletrônicos na cidade de Ubatuba/SP, porém, não soube informar o nome da loja, nem tampouco apresentou a nota fiscal de compra.
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Posto isso, examinando-se a natureza das droga: maconha cocaína e crack, como dito, mais procuradas e disseminadas que outras, de grande poder degenerador da personalidade, de alto índice viciante, geradoras de invencíveis problemas na saúde pública; a forma como estavam acondicionadas, os petrechos apreendidos, a reiteração do modus operandi, mostrando que a repetição do transporte das drogas no lugar ganhou publicidade, motivando a denúncia anônima, a segura incriminação feita pelos agentes estatais, incumbidos por dever de ofício da repressão penal e as inadmissíveis alegações do réu, não secundadas por qualquer elemento sério de convencimento, a conduta não se pode afastar do tipo do art. 33,"caput", da Lei nº 11.343/2006.
Destaca-se que a aplicação da causa de diminuição de pena insculpida no §4º, do art. 33, da Lei de Drogas, restou vedada por ausência de preenchimento dos requisitos legais. Como se constata, o apelante dedica-se à difusão do vício em drogas proibidas, com declarado animus lucrandi, fazendo do tráfico de drogas modus vivendi.
No caso dos autos, a diversidade, a natureza - mais procurada e disseminada que outras drogas, de grande poder destrutivo e alto índice viciante, e geradora de invencíveis problemas na saúde pública-, e a exorbitante quantidade da droga apreendida (393,38 gr de crack, 108,20 gr de cocaína e 488,12 gr de maconha fls. 104/113), aliada as circunstâncias da prisão em flagrante, em que o modus operandi do transporte da droga entre cidades - por sua reiteração - se tornou de conhecimento público, a ponto de ensejar denuncia anônima por parte da população ordeira, revelam que o réu se dedicava à atividade criminosa e faz da difusão do vício, com animus lucrandi, seu modus vivendi.
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Por fim, devidamente eleito o regime inicial fechado para cumprimento da pena, consoante disciplina o artigo 33, §§ 2º e 3º, c. c. artigo 59, III, ambos do Código Penal, considerando-se o quantum de reprimenda aplicada e as circunstâncias e consequências negativas do crime.
Pela leitura do recorte acima, verifiquei que a causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi negada, porque as instâncias de origem reconheceram expressamente que o paciente não se tratava de traficante eventual, e que se dedicava à atividade criminosa, haja vista não apenas a expressiva quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -, mas principalmente devido às circunstâncias que culminaram em sua prisão em flagrante - após denúncia anônima informando à polícia que haveria a entrega de uma grande quantidade de drogas em frente à Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, razão pela qual eles diligenciaram até o local e lá apreenderam o paciente e as drogas escondidas em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo -; Some-se a isso o fato de o próprio paciente haver confessado que realizava o transporte das drogas para uma pessoa de alcunha "Gordo", e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço (e-STJ, fl. 50); Tudo isso a indicar que ele não se tratava de traficante eventual e que se dedicava à atividade criminosa, mormente considerando-se que uma quantidade tão expressiva e variada de entorpecentes não seria confiada a um "transportador" de primeira viagem.
Não obstante isso, ressaltei que desconstituir tal assertiva, como pretendido, demandaria, necessariamente, a imersão vertical na moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do remédio heroico.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ART. 33, C/C O ART. 40, VI, AMBOS DA LEI 11.343/2006. PACIENTE CONDENADO À PENA CORPORAL DE 6 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO, NO REGIME INICIAL SEMIABERTO. PLEITO DE APLICAÇÃO DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE EMBASAM A CONCLUSÃO DE QUE O PACIENTE DEDICA-SE ÀS ATIVIDADES CRIMINOSAS, ANTE A PRESENÇA DE MAUS ANTECEDENTES. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. ABRANDAMENTO DO REGIME PRISIONAL E SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL. INVIABILIDADE. MONTANTE DA PENA QUE NÃO COMPORTA OS BENEFÍCIOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
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- Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher cumulativamente todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
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- Dessa forma, apesar de a quantidade da droga apreendida não ter sido muito elevada, tendo havido fundamentação concreta, pelo Tribunal local, para não aplicar o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, pois não preenchidos os requisitos legais, concluo que, para entender de modo diverso, afastando-se a conclusão de que o paciente não se dedica às atividades criminosas, seria necessário o revolvimento de todo o conjunto fático-probatório amealhado durante a instrução probatória, o que, como cediço, é vedado na via estreita do habeas corpus, de cognição sumária. Precedentes.
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- Habeas corpus não conhecido. (HC n. 406.667/RS, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, Julgado em 3/10/2017, DJe 11/10/2017, grifei)
HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. ILEGALIDADE NA PRISÃO PROCESSUAL. FUNDAMENTO PREJUDICADO PELO ULTERIOR TRÂNSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. IMPOSSIBILIDADE DE SE APLICAR A MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4.º, DA LEI N.º 11.343/06, EM RAZÃO DA CONCLUSÃO SOBERANA DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS DE QUE O PACIENTE PRATICAVA AO MENOS EVENTUALMENTE A TRAFICÂNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESSA EXTENSÃO, DENEGADA.
1. Transitada em julgado a condenação, resta prejudicada a alegação de constrangimento na prisão processual, por não mais se tratar de segregação provisória, mas definitiva.
2. São condições para que o condenado faça jus à causa de diminuição de pena prevista no § 4.º, do artigo 33, da Lei n.º 11.343/06: ser primário, ter bons antecedentes e não se dedicar a atividades criminosas ou integrar organizações criminosas. Tais requisitos precisam ser preenchidos conjuntamente; à míngua de qualquer uma dessas condições não é legítimo reclamar a aplicação da minorante.
3. As instâncias ordinárias, soberanas na análise da matéria fática dos autos, reconheceram que o Paciente dedicava-se ao menos eventualmente à atividade criminosa de traficar drogas. Não há como tal conclusão ser reavaliada na via processual eleita, por se tratar de remédio constitucional de rito célere e cognição sumária.
4. Na hipótese, é de prevalecer o entendimento do Tribunal a quo mormente por se tratar de condenado que foi flagrado ao portar, na Cidade de Deus/RJ - localidade cujo comércio ilegal de drogas é monopolizado pela facção criminosa Comando Vermelho -, 31 sacos de plástico contendo cocaína, fechados por grampo metálico e identificados com os dizeres "CDD 13 PÓ DE 10 CVRL" .
5. Ordem de habeas corpus parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada. (HC n. 270.931/RJ, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, Julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013, grifei)
Dessa forma, não identifiquei nenhuma ilegalidade a ser sanada na negativa de incidência da benesse ao paciente.
II. Do regime de cumprimento de pena
Preliminarmente, ressaltei que a dosimetria da pena e o seu regime de cumprimento inseriam-se dentro de um juízo de discricionariedade do julgador, atrelado às particularidades fáticas do caso concreto e subjetivas do agente, somente passível de revisão por esta Corte no caso de inobservância dos parâmetros legais ou de flagrante desproporcionalidade.
Ademais, para a escolha do regime prisional, deveriam ser observadas as diretrizes dos arts. 33 e 59, ambos do Código Penal, além dos dados fáticos da conduta delitiva que, se demonstrassem a gravidade concreta do crime, poderiam ser invocados pelo julgador para a imposição de regime mais gravoso do que o permitido pelo quantum da pena (HC n. 279.272/SP, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, Quinta Turma, DJe 25/11/2013; HC n. 265.367/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJe 19/11/2013; HC n. 213.290/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma., DJe 4/11/2013; HC n. 148.130/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma., DJe 3/9/2012).
Nesses termos, para o estabelecimento de regime de cumprimento de pena mais gravoso do que o previsto em razão do montante da pena, era necessária fundamentação específica, com base em elementos concretos extraídos dos autos.
E conforme visto acima, constatei que o regime prisional fechado foi estabelecido com base na gravidade concreta da conduta perpetrada, consubstanciada na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -; O que estava em harmonia com a jurisprudência desta Corte de Justiça que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ou ainda, outra situação que demonstrasse a gravidade concreta do delito perpetrado, como in casu, eram condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, de modo que não existia ilegalidade no resgate da reprimenda do paciente no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
Ao ensejo:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TORTURA MAJORADA. REGIME PRISIONAL. PENA INFERIOR A 4 ANOS DE RECLUSÃO. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. REINCIDÊNCIA DE UM DOS AGRAVANTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA PARA REDIMENSIONAR A PENA DO AGRAVANTE JHADSON E FIXAR O REGIME SEMIABERTO AOS AGRAVANTES ALESSANDRO E WILLIAN. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Nos termos do art. 33, §§ 1º, 2º e 3º, do Código Penal, para a fixação do regime inicial de cumprimento de pena, o julgador deverá observar a quantidade da reprimenda aplicada, a primariedade do agente, bem como a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59 do Código Penal).
2. Ainda, na esteira da jurisprudência desta Corte, admite-se a imposição de regime prisional mais gravoso do que aquele que permite a pena aplicada, desde que apontados elementos fáticos demonstrativos da gravidade concreta do delito.
3. Na hipótese, não obstante a pena dos agravantes tenha sido fixada em patamar abaixo de 4 anos de reclusão, foi considerada a gravidade concreta das condutas imputadas aos réus, consistente em prática de tortura em que a vítima foi mantida amarrada por horas, sofrendo agressões físicas e psicológicas, e ameaçada de a qualquer momento ser morta por determinação do "tribunal do crime", conhecido organismo de justiçamento da facção criminosa denominada PCC. Nesse sentido, foi mantido o regime fechado em relação à JHADSON, considerada a sua reincidência aliada à gravidade concreta da conduta praticada, e conferido o regime semiaberto a ALESSANDRO e WILLIAN, não obstante o quantum de pena fixado, a primariedade e ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis em relação a esses dois, considerando-se a gravidade concreta da conduta praticada.
4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 677.030/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIROS, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe 24/8/2021, grifei)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE TORTURA. PENA ESTABELECIDA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS DE RECLUSÃO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PRIMARIEDADE. IMPOSIÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. EXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS QUE DENOTAM GRAVIDADE DO CRIME. FIXAÇÃO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. RECURSO DESPROVIDO.
1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o HC n. 111.840/ES, afastou a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e equiparados, devendo-se observar, também nesses crimes, o disposto no art. 33, c. c. o art. 59, ambos do Código Penal, e as Súmulas n. 440/STJ, 718/STF e 719/STF.
2. Na hipótese, apesar de fixada a pena-base no mínimo legal, a Corte de origem manteve o regime inicial fechado com base em circunstâncias concretas do crime. Contudo, tratando-se de Réus primários, com pena definitiva inferior a 4 (quatro) anos, revela-se adequada a fixação do regime inicial semiaberto.
3. Agravo regimental. desprovido. (AgRg no HC n. 664.171/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 27/9/2021)
CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. MOTIVAÇÃO IDÔNEA PARA A IMPOSIÇÃO DO REGIME FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. ORDEM NÃO CONHECIDA.
..
2. Os fundamentos utilizados pelo decreto condenatório não podem ser tidos por genéricos e, portanto, constituem motivação suficiente para justificar a imposição de regime prisional mais gravoso que o estabelecido em lei (art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal), não havendo que falar em violação da Súmula 440/STJ, bem como dos verbetes sumulares 718 e 719 do Supremo Tribunal Federal.
3. Malgrado a pena-base tenha sido imposta no piso legal, o estabelecimento do regime mais severo do que o indicado pelo quantum da reprimenda baseou-se na gravidade concreta do delito, evidenciada pelo seu modus operandi, notadamente por ter a conduta criminosa sido praticada em concurso com outros três agentes, com simulacro de arma de fogo e com a utilização de carro de apoio, a exigir resposta estatal superior, dada a sua maior reprovabilidade, em atendimento ao princípio da individualização da pena.
4. A aplicação de pena no patamar mínimo previsto no preceito secundário na primeira fase da dosimetria não conduz, obrigatoriamente, à fixação do regime indicado pela quantidade de sanção corporal, sendo lícito ao julgador impor regime mais rigoroso do que o indicado pela regra geral do art. 33, §§ 2º e 3º, do CP, desde que mediante fundamentação idônea (Precedentes).
5. Ordem não conhecida. (HC n. 356.868/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 23/11/2016)
Desse modo, não visualizei nenhuma ilegalidade a ser sanada na fixação do regime inicial fechado ao paciente, para uma pena privativa de liberdade de 5 (cinco) anos de reclusão.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. PACIENTE QUE SE DEDICAVA À ATIVIDADE CRIMINOSA. NÃO ATENDIMENTO DAS DIRETRIZES EXIGIDAS PARA O RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO NÃO CONDIZENTE COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
- Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
- Na espécie, a causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi negada, porque as instâncias de origem reconheceram expressamente que o paciente não se tratava de traficante eventual, e que se dedicava à atividade criminosa, haja vista não apenas a expressiva quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -, mas principalmente devido às circunstâncias que culminaram em sua prisão em flagrante - após denúncia anônima informando à polícia que haveria a entrega de uma grande quantidade de drogas em frente à Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, razão pela qual eles diligenciaram até o local e lá apreenderam o paciente e as drogas escondidas em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo -; Some-se a isso o fato de o próprio paciente haver confessado que realizava o transporte das drogas para uma pessoa de alcunha "Gordo", e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço (e-STJ, fl. 50); Tudo isso a indicar que ele não se tratava de traficante eventual e que se dedicava à atividade criminosa, mormente considerando-se que uma quantidade tão expressiva e variada de entorpecentes não seria confiada a um "transportador" de primeira viagem.
- Desconstituir tal assertiva, como pretendido, demandaria, necessariamente, a imersão vertical na moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.
- O regime prisional fechado foi estabelecido com base na gravidade concreta da conduta perpetrada, consubstanciada na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte de Justiça que que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, como in casu, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, de modo que não existe ilegalidade no resgate da reprimenda do paciente (5 anos de reclusão) no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Precedentes.
- Agravo regimental não provido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA. ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. INVIABILIDADE. PACIENTE QUE SE DEDICAVA À ATIVIDADE CRIMINOSA. NÃO ATENDIMENTO DAS DIRETRIZES EXIGIDAS PARA O RECONHECIMENTO DO PRIVILÉGIO. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO NÃO CONDIZENTE COM A VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS. PRECEDENTES. REGIME INICIAL FECHADO MANTIDO. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. EXPRESSIVA QUANTIDADE E VARIEDADE DE ENTORPECENTES APREENDIDOS. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. | - Nos termos do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organização criminosa.
- Na espécie, a causa especial de diminuição de pena pelo tráfico privilegiado foi negada, porque as instâncias de origem reconheceram expressamente que o paciente não se tratava de traficante eventual, e que se dedicava à atividade criminosa, haja vista não apenas a expressiva quantidade e variedade de entorpecentes apreendidos - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -, mas principalmente devido às circunstâncias que culminaram em sua prisão em flagrante - após denúncia anônima informando à polícia que haveria a entrega de uma grande quantidade de drogas em frente à Padaria Caraguatá, transportada por um veículo GM/Celta, de cor prata, razão pela qual eles diligenciaram até o local e lá apreenderam o paciente e as drogas escondidas em uma espécie de fundo falso na lateral do veículo -; Some-se a isso o fato de o próprio paciente haver confessado que realizava o transporte das drogas para uma pessoa de alcunha "Gordo", e que receberia a quantia de R$ 1.000,00 pelo serviço (e-STJ, fl. 50); Tudo isso a indicar que ele não se tratava de traficante eventual e que se dedicava à atividade criminosa, mormente considerando-se que uma quantidade tão expressiva e variada de entorpecentes não seria confiada a um "transportador" de primeira viagem.
- Desconstituir tal assertiva, como pretendido, demandaria, necessariamente, a imersão vertical na moldura fática e probatória delineada nos autos, inviável na via estreita do habeas corpus. Precedentes.
- O regime prisional fechado foi estabelecido com base na gravidade concreta da conduta perpetrada, consubstanciada na expressiva quantidade e variedade de drogas apreendidas - 541,49g de maconha, 797,59g cocaína e 1.749,23g de crack (e-STJ, fl. 49) -; O que está em harmonia com a jurisprudência desta Corte de Justiça que que é pacífica no sentido de que a existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, ou ainda, outra situação que demonstre a gravidade concreta do delito perpetrado, como in casu, são condições aptas a recrudescer o regime prisional, em detrimento apenas do quantum de pena imposta, de modo que não existe ilegalidade no resgate da reprimenda do paciente (5 anos de reclusão) no regime inicial fechado, nos termos do art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. Precedentes.
- Agravo regimental não provido. | N |
146,257,237 | EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE PROVA DA DEDICAÇÃO DO AGENTE À ATIVIDADE CRIMINOSA. AÇÕES PENAIS EM CURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À INCIDÊNCIA DA REDUTORA, NA FRAÇÃO MÁXIMA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- A incidência da minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pressupõe que o agente preencha os seguintes requisitos: a) seja primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; e d) nem integre organização criminosa.
- Na hipótese, embora o agravado fosse primário e possuísse bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso contra ele.
- A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020), (HC 6.644.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 27/9/2021).
- Na espécie, não havendo prova da dedicação do agente à atividade criminosa, inexistia óbice à aplicação da causa de diminuição. Tendo em vista a quantidade não elevada das drogas apreendidas - 3,5 gramas de cocaína e 278 gramas de maconha (fl. 22) - , era mesmo possível a aplicação da fração máxima da redutora, em 2/3.
- Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ fls. 241/249) interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisum (e-STJ fls. 232/238), de minha relatoria, que concedeu habeas corpus, de ofício, para redimensionar a pena de WESLEY LUCIANO ALVES para 1 ano e 8 meses de reclusão e 166 dias-multa, fixar o regime inicialmente aberto, bem como para substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a serem definidas pelo Juízo das Execuções.
No presente recurso, o Parquet Federal alega que o histórico criminal do agravado, o qual ostenta outras três ações penais em andamento, sendo duas delas pela prática do crime de tráfico de entorpecentes e uma por homicídio, caracteriza óbice à incidência da minorante do tráfico privilegiado.
Aduz que os inquéritos policiais e as ações penais em curso, assim como as condenações não transitadas em julgado, mesmo que não caracterizem maus antecedentes ou reincidência, autorizam o indeferimento do tráfico privilegiado, por evidenciarem a dedicação do agente à atividade criminosa, não havendo que se falar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Argumenta que é de ser mantida a jurisprudência atual do STJ segundo a qual inquéritos policiais e ações penais em andamento, bem como condenações por fatos posteriores, podem obstar a aplicação do benefício descrito no art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, seja porque a Terceira Seção já se manifestou sobre o assunto, seja porque recentes decisões da Quinta e Sexta Turmas do STJ vão no mesmo sentido e, por fim, porque há divergência no âmbito da Excelsa Corte sobre a matéria.
Ao final, requer a reconsideração da decisão ou que o presente agravo seja submetido a julgamento perante a Quinta Turma e provido, para restabelecer o acórdão da origem.
É o relatório.
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE PROVA DA DEDICAÇÃO DO AGENTE À ATIVIDADE CRIMINOSA. AÇÕES PENAIS EM CURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À INCIDÊNCIA DA REDUTORA, NA FRAÇÃO MÁXIMA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- A incidência da minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pressupõe que o agente preencha os seguintes requisitos: a) seja primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; e d) nem integre organização criminosa.
- Na hipótese, embora o agravado fosse primário e possuísse bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso contra ele.
- A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020), (HC 6.644.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 27/9/2021).
- Na espécie, não havendo prova da dedicação do agente à atividade criminosa, inexistia óbice à aplicação da causa de diminuição. Tendo em vista a quantidade não elevada das drogas apreendidas - 3,5 gramas de cocaína e 278 gramas de maconha (fl. 22) - , era mesmo possível a aplicação da fração máxima da redutora, em 2/3.
- Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O presente agravo regimental impugna motivadamente as razões da decisão recorrida, não havendo, ademais, outros óbices a que seja submetido a exame de mérito.
Como é cediço, a incidência da minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pressupõe que o agente preencha os seguintes requisitos: a) seja primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; e d) nem integre organização criminosa.
No caso, seguem os fundamentos apresentados pelo juiz de primeiro grau para não aplicar a redutora:
"Na terceira fase, saliento não ser possível o reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/06), já que o acusado responde a outros processos nesta Comarca, um deles com denúncia já recebida, pelo crime de tráfico de entorpecentes, fator que denota sua dedicação a atividades ilícitas do gênero .. " (fl. 27).
Extrai-se da transcrição supra que, embora o agravado fosse primário e possuísse bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso contra ele.
Entretanto, embora esta Corte tenha anteriormente firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (EREsp 1.431.091/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJe 1º/2/2017), o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado pela impossibilidade de serem utilizadas ações penais em curso, isoladamente, para afastar o benefício.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DO REDUTOR DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
..
4. À luz do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade, a existência de inquéritos ou ações penais em curso não constitui fundamento válido para afastar a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
5. Agravo regimental desprovido (HC 193.457 AgR, Rel. Ministro EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 17/5/2021, DJe 7/6/2021).
PENA - FIXAÇÃO - ANTECEDENTES - INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO - DESINFLUÊNCIA. O Pleno do Supremo, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 591.054, DE MINHA RELATORIA, assentou a neutralidade, na definição dos antecedentes, de inquéritos ou processos em tramitação, considerado o princípio constitucional da não culpabilidade. PENA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 - CONDENAÇÕES NÃO DEFINITIVAS. Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior. (HC 166.385, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 14/4/2020, DJe 13/5/2020).
Em consequência, a Sexta Turma desta Corte passou a considerar tal fundamento insuficiente para a negativa de aplicação do redutor, conforme os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE. AUMENTO MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONAL. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AÇÃO EM CURSO E CONDENAÇÃO SEM CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO PARA A DEFESA. FUNDAMENTO INIDÔNEO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
..
2. Para a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, é exigido, além da primariedade e dos bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem se dedique a atividades delituosas. Isso porque a razão de ser dessa causa especial de diminuição de pena é justamente punir com menor rigor o pequeno traficante.
3. O Supremo Tribunal Federal, por ambas as Turmas, possui o entendimento de que inquéritos policiais e/ou ações penais ainda sem a certificação do trânsito em julgado não constituem fundamento idôneo a justificar o afastamento do redutor descrito no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, em observância ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. Ressalva deste relator.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1.867.011/AL, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33. § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AFASTAMENTO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. AÇÃO PENAL EM CURSO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PATAMAR MÁXIMO (2/3). POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NÃO PREPONDERANTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Para aplicação da minorante prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas, o condenado deve preencher, cumulativamente, os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a pena ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
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3. O mais recente posicionamento de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, em regra, inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem fundamentação idônea apta a respaldar a não aplicação do redutor especial de redução de pena relativa ao reconhecimento da figura privilegiada do crime de tráfico de drogas.
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8. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 1.936.058/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 24/9/2021).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE E CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. EXPRESSIVA QUANTIDADE. IDENTIDADE DE FUNDAMENTOS NAS DUAS ETAPAS DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM. AÇÕES PENAIS EM CURSO. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA AFASTAR A MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO.
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2. O Supremo Tribunal Federal, em recentes precedentes, consignou que, na ausência das demais situações impeditivas da causa de diminuição da pena, a existência de ações penais sem trânsito em julgado não pode justificar a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, na esteira do entendimento firmado sob a sistemática da repercussão geral, de que "ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais" (RE 591.054, Tema 129, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Pleno, DJe 26/2/2015).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento (EDcl no HC 648.275/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe 20/8/2021).
Na mesma esteira, a Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020), (HC 6.644.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 27/9/2021).
No mesmo sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMAS DO STF. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. ART. 42 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER NECESSARIAMENTE OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE BIS IN IDEM. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O cálculo da pena é questão afeta ao livre convencimento do juiz, passível de revisão pelo STJ somente em situações excepcionais de notória ilegalidade ou de abuso de poder que possam ser aferidas de plano, sem necessidade de dilação probatória.
2. Os requisitos específicos para reconhecimento do tráfico privilegiado estão expressamente previstos no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, a saber, que o beneficiário seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e não integre organização criminosa.
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8. Inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação definitiva, não constituem fundamentos idôneos para afastar o tráfico privilegiado, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência (RE n. 591.054/SC, submetido ao regime de repercussão geral).
9. Configura constrangimento ilegal a presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas quando o afastamento do tráfico privilegiado fundou-se na simples existência de inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação criminal definitiva, e nos vetores "natureza e quantidade de drogas apreendidas", especialmente quando valorados na primeira fase da dosimetria, em evidente bis in idem.
10. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 619.217/AM, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe 15/12/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMAS DO STF E DA QUINTA E DA SEXTA TURMAS DESTA CORTE SUPERIOR. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTO APTOS A DESCONSITUIR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
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II - A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC n. 6644.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no HC 691.503/ES, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe 26/11/2021)
Dessa forma, na espécie, inexistia óbice à aplicação da causa de diminuição. Tendo em vista a quantidade não elevada das drogas apreendidas - 3,5 gramas de cocaína e 278 gramas de maconha (e-STJ fl. 22) - , era mesmo possível a aplicação da fração máxima da redutora, em 2/3.
Irretocável a decisão impugnada, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos, acima reiterados.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental (e-STJ fls. 241/249) interposto pelo Ministério Público Federal em face de decisum (e-STJ fls. 232/238), de minha relatoria, que concedeu habeas corpus, de ofício, para redimensionar a pena de WESLEY LUCIANO ALVES para 1 ano e 8 meses de reclusão e 166 dias-multa, fixar o regime inicialmente aberto, bem como para substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, a serem definidas pelo Juízo das Execuções.
No presente recurso, o Parquet Federal alega que o histórico criminal do agravado, o qual ostenta outras três ações penais em andamento, sendo duas delas pela prática do crime de tráfico de entorpecentes e uma por homicídio, caracteriza óbice à incidência da minorante do tráfico privilegiado.
Aduz que os inquéritos policiais e as ações penais em curso, assim como as condenações não transitadas em julgado, mesmo que não caracterizem maus antecedentes ou reincidência, autorizam o indeferimento do tráfico privilegiado, por evidenciarem a dedicação do agente à atividade criminosa, não havendo que se falar em ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Argumenta que é de ser mantida a jurisprudência atual do STJ segundo a qual inquéritos policiais e ações penais em andamento, bem como condenações por fatos posteriores, podem obstar a aplicação do benefício descrito no art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/2006, seja porque a Terceira Seção já se manifestou sobre o assunto, seja porque recentes decisões da Quinta e Sexta Turmas do STJ vão no mesmo sentido e, por fim, porque há divergência no âmbito da Excelsa Corte sobre a matéria.
Ao final, requer a reconsideração da decisão ou que o presente agravo seja submetido a julgamento perante a Quinta Turma e provido, para restabelecer o acórdão da origem.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O presente agravo regimental impugna motivadamente as razões da decisão recorrida, não havendo, ademais, outros óbices a que seja submetido a exame de mérito.
Como é cediço, a incidência da minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pressupõe que o agente preencha os seguintes requisitos: a) seja primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; e d) nem integre organização criminosa.
No caso, seguem os fundamentos apresentados pelo juiz de primeiro grau para não aplicar a redutora:
"Na terceira fase, saliento não ser possível o reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, § 4.º, da Lei n. 11.343/06), já que o acusado responde a outros processos nesta Comarca, um deles com denúncia já recebida, pelo crime de tráfico de entorpecentes, fator que denota sua dedicação a atividades ilícitas do gênero .. " (fl. 27).
Extrai-se da transcrição supra que, embora o agravado fosse primário e possuísse bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso contra ele.
Entretanto, embora esta Corte tenha anteriormente firmado entendimento no sentido de que é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica às atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 (EREsp 1.431.091/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, DJe 1º/2/2017), o Supremo Tribunal Federal tem se manifestado pela impossibilidade de serem utilizadas ações penais em curso, isoladamente, para afastar o benefício.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR A APLICAÇÃO DO REDUTOR DO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
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4. À luz do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade, a existência de inquéritos ou ações penais em curso não constitui fundamento válido para afastar a incidência da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas.
5. Agravo regimental desprovido (HC 193.457 AgR, Rel. Ministro EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 17/5/2021, DJe 7/6/2021).
PENA - FIXAÇÃO - ANTECEDENTES - INQUÉRITOS E PROCESSOS EM CURSO - DESINFLUÊNCIA. O Pleno do Supremo, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n.º 591.054, DE MINHA RELATORIA, assentou a neutralidade, na definição dos antecedentes, de inquéritos ou processos em tramitação, considerado o princípio constitucional da não culpabilidade. PENA - CAUSA DE DIMINUIÇÃO - ARTIGO 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006 - CONDENAÇÕES NÃO DEFINITIVAS. Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, § 4º, da Lei de Drogas com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior. (HC 166.385, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 14/4/2020, DJe 13/5/2020).
Em consequência, a Sexta Turma desta Corte passou a considerar tal fundamento insuficiente para a negativa de aplicação do redutor, conforme os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENA-BASE. AUMENTO MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONAL. MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. AÇÃO EM CURSO E CONDENAÇÃO SEM CERTIFICAÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO PARA A DEFESA. FUNDAMENTO INIDÔNEO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
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2. Para a aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, é exigido, além da primariedade e dos bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem se dedique a atividades delituosas. Isso porque a razão de ser dessa causa especial de diminuição de pena é justamente punir com menor rigor o pequeno traficante.
3. O Supremo Tribunal Federal, por ambas as Turmas, possui o entendimento de que inquéritos policiais e/ou ações penais ainda sem a certificação do trânsito em julgado não constituem fundamento idôneo a justificar o afastamento do redutor descrito no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, em observância ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. Ressalva deste relator.
4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 1.867.011/AL, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe 30/9/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 33. § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AFASTAMENTO. DEDICAÇÃO A ATIVIDADES CRIMINOSAS. AÇÃO PENAL EM CURSO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. PATAMAR MÁXIMO (2/3). POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NÃO PREPONDERANTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Para aplicação da minorante prevista no § 4.º do art. 33 da Lei de Drogas, o condenado deve preencher, cumulativamente, os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas nem integrar organização criminosa, podendo a pena ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto.
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3. O mais recente posicionamento de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que, em regra, inquéritos policiais e ações penais em andamento não constituem fundamentação idônea apta a respaldar a não aplicação do redutor especial de redução de pena relativa ao reconhecimento da figura privilegiada do crime de tráfico de drogas.
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8. Agravo regimental desprovido (AgRg no REsp 1.936.058/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 24/9/2021).
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PENA-BASE E CAUSA DE DIMINUIÇÃO DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/2006. EXPRESSIVA QUANTIDADE. IDENTIDADE DE FUNDAMENTOS NAS DUAS ETAPAS DA DOSIMETRIA DA PENA. BIS IN IDEM. AÇÕES PENAIS EM CURSO. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA AFASTAR A MINORANTE DO TRÁFICO PRIVILEGIADO.
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2. O Supremo Tribunal Federal, em recentes precedentes, consignou que, na ausência das demais situações impeditivas da causa de diminuição da pena, a existência de ações penais sem trânsito em julgado não pode justificar a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, na esteira do entendimento firmado sob a sistemática da repercussão geral, de que "ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais" (RE 591.054, Tema 129, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, Pleno, DJe 26/2/2015).
3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental ao qual se nega provimento (EDcl no HC 648.275/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES, Sexta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe 20/8/2021).
Na mesma esteira, a Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020), (HC 6.644.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 27/9/2021).
No mesmo sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMAS DO STF. NATUREZA E QUANTIDADE DA DROGA APREENDIDA. ART. 42 DA LEI N. 11.343/2006. CIRCUNSTÂNCIA PREPONDERANTE A SER NECESSARIAMENTE OBSERVADA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO OU MODULAÇÃO DA FRAÇÃO DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO § 4º DO ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. IMPOSSIBILIDADE. CARACTERIZAÇÃO DE BIS IN IDEM. NÃO TOLERÂNCIA NA ORDEM CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O cálculo da pena é questão afeta ao livre convencimento do juiz, passível de revisão pelo STJ somente em situações excepcionais de notória ilegalidade ou de abuso de poder que possam ser aferidas de plano, sem necessidade de dilação probatória.
2. Os requisitos específicos para reconhecimento do tráfico privilegiado estão expressamente previstos no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, a saber, que o beneficiário seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas e não integre organização criminosa.
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8. Inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação definitiva, não constituem fundamentos idôneos para afastar o tráfico privilegiado, sob pena de violação do princípio constitucional da presunção de inocência (RE n. 591.054/SC, submetido ao regime de repercussão geral).
9. Configura constrangimento ilegal a presunção de que o agente se dedica a atividades criminosas quando o afastamento do tráfico privilegiado fundou-se na simples existência de inquéritos ou ações penais em curso, sem condenação criminal definitiva, e nos vetores "natureza e quantidade de drogas apreendidas", especialmente quando valorados na primeira fase da dosimetria, em evidente bis in idem.
10. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 619.217/AM, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Quinta Turma, julgado em 13/12/2021, DJe 15/12/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA DA PENA. INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS EM CURSO. UTILIZAÇÃO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. NOVO ENTENDIMENTO DA PRIMEIRA E DA SEGUNDA TURMAS DO STF E DA QUINTA E DA SEXTA TURMAS DESTA CORTE SUPERIOR. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTO APTOS A DESCONSITUIR A DECISÃO AGRAVADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
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II - A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020)" (HC n. 6644.284/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 27/9/2021).
Agravo regimental desprovido. (AgRg no AgRg no HC 691.503/ES, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador convocado do TJDFT), Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe 26/11/2021)
Dessa forma, na espécie, inexistia óbice à aplicação da causa de diminuição. Tendo em vista a quantidade não elevada das drogas apreendidas - 3,5 gramas de cocaína e 278 gramas de maconha (e-STJ fl. 22) - , era mesmo possível a aplicação da fração máxima da redutora, em 2/3.
Irretocável a decisão impugnada, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos, acima reiterados.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE PROVA DA DEDICAÇÃO DO AGENTE À ATIVIDADE CRIMINOSA. AÇÕES PENAIS EM CURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À INCIDÊNCIA DA REDUTORA, NA FRAÇÃO MÁXIMA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
- A incidência da minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pressupõe que o agente preencha os seguintes requisitos: a) seja primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; e d) nem integre organização criminosa.
- Na hipótese, embora o agravado fosse primário e possuísse bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso contra ele.
- A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020), (HC 6.644.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 27/9/2021).
- Na espécie, não havendo prova da dedicação do agente à atividade criminosa, inexistia óbice à aplicação da causa de diminuição. Tendo em vista a quantidade não elevada das drogas apreendidas - 3,5 gramas de cocaína e 278 gramas de maconha (fl. 22) - , era mesmo possível a aplicação da fração máxima da redutora, em 2/3.
- Agravo regimental desprovido. | PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA DO ART. 33, § 4.º, DA LEI N. 11.343/2006. AUSÊNCIA DE PROVA DA DEDICAÇÃO DO AGENTE À ATIVIDADE CRIMINOSA. AÇÕES PENAIS EM CURSO. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À INCIDÊNCIA DA REDUTORA, NA FRAÇÃO MÁXIMA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | - A incidência da minorante prevista no § 4º, do art. 33, da Lei n. 11.343/2006, pressupõe que o agente preencha os seguintes requisitos: a) seja primário; b) de bons antecedentes; c) não se dedique às atividades criminosas; e d) nem integre organização criminosa.
- Na hipótese, embora o agravado fosse primário e possuísse bons antecedentes, a minorante foi afastada com base na existência de ações penais em curso contra ele.
- A Quinta Turma desta Corte, alinhando-se ao entendimento sufragado no Supremo Tribunal Federal, além de buscar nova pacificação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, consignou que a causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020), (HC 6.644.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 27/9/2021).
- Na espécie, não havendo prova da dedicação do agente à atividade criminosa, inexistia óbice à aplicação da causa de diminuição. Tendo em vista a quantidade não elevada das drogas apreendidas - 3,5 gramas de cocaína e 278 gramas de maconha (fl. 22) - , era mesmo possível a aplicação da fração máxima da redutora, em 2/3.
- Agravo regimental desprovido. | N |
145,755,908 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA A REALIZAÇÃO DE ATO PROCESSUAL. PRAZO QUE NÃO POSSUI FATALIDADE. DEMAIS TEMAS SUSCITADOS APENAS QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO REGIMENTAL. INOVAÇÃO RECURSAL. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINAR NO TRIBUNAL A QUO. SÚMULA N. 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. O prazo estabelecido para a realização de atos processuais não possui caráter de fatalidade e improrrogabilidade e eventual excesso de prazo deve ser aferido em uma análise global, considerando todos os prazos que compõem a instrução.
3. De outro vértice, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, o que não se verifica de plano no caso em exame, em que o agravante foi preso em 6/1/2022.
4. Todas as demais questões levantadas no presente agravo regimental (nulidade das provas da materialidade; invasão de domicílio; violação da Súmula Vinculante n. 11/STF; agressão física e ameaça de morte pelos policiais no momento do flagrante; ofensa à redação ao art. 311 do CPP; ausência dos requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar; e reexame da custódia nos termos da Recomendação n. 62/CNJ) foram suscitadas somente neste momento, em sede de agravo regimental.
5. Na esteira do entendimento firmado pela jurisprudência deste Tribunal, é inadmissível a apreciação de teses suscitadas apenas quando da interposição do agravo regimental, mas ausentes da inicial da impetração. Precedentes.
6. Ausência de flagrante ilegalidade a justificar a superação da Súmula 691 do STF.
7. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental no habeas corpus interposto por GUSTAVO FELIPE DO CARMO contra decisão monocrática de minha lavra que indeferiu liminarmente o writ nos termos da Súmula n. 691/STF (e-STJ fls. 56/60).
Infere-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante em 6/1/2022, custódia convertida em preventiva, tendo em vista suposta infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e ao art. 16, § 1º, IV, da Lei n. 10.826/2003.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, argumentando o excesso de prazo para a formação da culpa. A liminar, contudo, foi indeferida (e-STJ fls. 19/22).
Daí o presente mandamus que teve o seguimento negado, com fulcro na Súmula n. 691/STF.
No presente agravo, a defesa sustenta haver flagrante ilegalidade a justificar a superação da Súmula n. 691/STF.
Insiste que o escrivão possui o prazo de 2 dias corridos para cumprir os atos processuais determinados pelo juiz e, passados 8 dias, ainda não havia sido expedido o mandado de notificação/citação, para que o réu apresentasse sua devesa prévia. Ressalta que não há nos autos nenhuma justificativa para tal demora.
Acrescenta que "os argumentos apresentados pela Defesa do paciente tendentes a desconstituir a decisão proferida no juízo de piso deveriam ter sido enfrentadas na decisão confeccionada no Habeas Corpus impetrado perante o Tribunal "a quo". Como não o foram, tal decisão impugnada por intermédio deste "writ" revela-se carente de fundamentação" (e-STJ fl. 74).
Argumenta que a decisão agravada ofende à redação do § 2º do art. 654 do CPP, bem como o inciso II do art. 5º da Constituição Federal, pois " a inda que se pudesse falar em supressão de instância, a ordem de Habeas Corpus pode ser concedida na hipótese da existência de ilegalidade." (e-STJ fl. 76).
Destaca que "o excesso de prazo deve ser reconhecido também quando servidores públicos ou mesmo particulares contribuem para que o processo penal tenha o seu trâmite prolongado por tempo superior ao devido" (e-STJ fl. 78).
Sustenta a falta de fundamentação da decisão agravada, pois "não indicou absolutamente nenhuma peculiaridade do caso concreto que tenha justificado a demora para a expedição do mandado de notificação ao paciente" e também "em nenhum momento apontou-se, na decisão aqui impugnada, de que forma os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade se aplicariam ao presente caso concreto" (e-STJ fls. 79/80).
Aduz, ainda, a nulidade das provas da materialidade, colhidas no flagrante, pois, no momento de sua abordagem e prisão, não foi advertido de que poderia ficar em silêncio, nem que não teria obrigação de produzir provas contra si próprio.
Acresce que busca domiciliar se deu sem prévia autorização, ofendendo o princípio da inviolabilidade do domicílio e defende que "se trata de matéria de ordem pública, até por conta de ser dotadas de estatura constitucional (mais precisamente no inciso XI do art. 5º de nossa Lei Maior), a sua violação pode - e deve - ser analisada de ofício, não se submetendo à preclusão temporal e nem ao convalescimento com o decurso do tempo." (e-STJ fl. 89).
Complementa que foi agredido fisicamente e ameaçado de morte pelos policiais no momento de sua abordagem e prisão em flagrante, situação comprovado pelo exame de corpo de delito que atestou marcas no corpo do paciente.
Afirma que, durante a audiência de custódia, o réu foi mantido algemado, sem que fossem externados motivos concretos demonstrando a aplicação da Súmula Vinculante n. 11/STF.
Pondera que o Ministério Público, em seu parecer, proferido em segundo grau, "requereu a revogação da prisão preventiva do agravante, condicionando a liberdade do agravante ao cumprimento da medida cautelar diversa da prisão mais gravosa existente, qual seja, o monitoramento eletrônico." (e-STJ fl. 100). E conclui que ao contrariar o parecer ministerial, mantendo a custódia do paciente, o Juiz de primeiro grau, "na prática", violou a redação ao art. 311 do CPP.
Por fim, defende não estarem presentes os requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar previstos no art. 312 do CPP e que a custódia do agravante deve ser revista, nos termos da Recomendação n. 62/CNJ, pois o delito que lhe é imputado não envolve violência ou grave ameaça.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão anterior e, caso assim não entenda, que o recurso seja levado a julgamento pelo Colegiado da Quinta Turma.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar, a menos que fique demonstrada flagrante ilegalidade, nos termos do enunciado n. 691 da Súmula do STF, segundo o qual "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar".
Assim, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão recorrida, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
No caso, sem adiantar qualquer juízo de valor sobre os fatos, destaco os termos expostos pelo Tribunal de origem ao indeferir o pleito emergencial (e-STJ fls. 19/):
1. Tal qual já analisado nos autos do pedido de nº 0000791-79.2022.8.16.0000, o Habeas Corpus paciente Gustavo Felipe do Carmo foi preso em flagrante delito, na data de 06.01.2022, pela prática, em tese, do crime de tráfico de drogas, conforme art. 33, caput, da Lei de Drogas.
Consta da decisão que decretou a preventiva, a seguinte fundamentação, no que interessa:
(..) "In casu, preenchido o disposto no inciso I do aludido dispositivo, na medida em que o crime imputado é apenado em patamar abstrato máximo superior a 4 anos de reclusão. Por sua vez, presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
Pontuo que as condições pessoais do custodiado não recomendam o recebimento de benefício processual, em que pese seja primário, isso porque a primariedade não é condição por si só para afastar a segregação cautelar quando presentes os demais requisitos legais autorizadores, conforme iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Tais elementos sugerem a necessidade de cautela, eis que, consciente de sua conduta ilícita, supostamente perpetrou o crime imputado sob circunstâncias fáticas que devem ser melhor analisadas em fase oportuna, no juízo natural competente.
Em respeito aos ditames do artigo 312 do Código de Processo Penal entendo que existe a necessidade de acautelar-se a ordem pública, pois o modus operandi empregado na ação criminosa sugere o destemor e a inconsequência da conduta do custodiado, tendo em vista que supostamente praticou crime de tráfico de drogas, possuindo em sua residência diversidade de drogas, qual seja, 650 gramas de maconha, 38 gramas de cocaína, estando devidamente fracionada para comercialização, além de balança de precisão e um arma de fogo com a numeração suprimida, caracterizando a traficância realizada no local, configurando, no caso concreto, a probabilidade de nova delinquência acaso seja posto em liberdade. Por fim, em sede de audiência o custodiado optou por permanecer em silêncio durante todo o tempo.
Pelas circunstâncias em que o crime ocorreu entendo que nem mesmo a monitoração eletrônica - notadamente a mais gravosa das medidas cautelares diversas da prisão - seria suficiente para evitar nova delinquência.
Dessarte, todos elas, por ora, são inadequadas ao caso, já que em liberdade, ainda que parcialmente restringida, encontraria os mesmos estímulos que inicialmente o levaram à prática do crime, ressaltando-se que a sensação de impunidade igualmente pode encorajar um novo delito.
Dito isso, em que pese os legítimos argumentos arrazoados pela Defesa, entendo que, ao menos por ora, nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão seriam suficientes, adequadas ou eficazes para acautelar a ordem pública, evitando o cometimento de novo delito, haja vista a especificidade das circunstâncias delitivas e a gravidade concreta destas, devendo a Justiça impor resposta jurídico-coercitiva proporcional." Grifos nossos.
Vem agora o impetrante alegar o excesso de prazo da constrição imposta.
É este o relatório.
2. Contam os autos o seguinte:
Espécie de Habeas Corpus Liberatório
Constrangimento ilegal alegado: Excesso de prazo
Data da prisão: 06/01/2022
Tempo em prisão: 27 dias
Delito: ART. 33 DA LEI DE DROGAS
Primário: Sim
Residência fixa: Sim
Oferecimento da denúncia : Não
Como se sabe, o ".. constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo " (STJ - AgRg no RHC 155.471/CE, Rel. Ministro abusivo e injustificado na prestação jurisdicional REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021).
No caso em mesa, ao que parece, não há qualquer desídia que pudesse ser alegada em desfavor do juízo de origem, tendo em vista que o trâmite processual está correndo em sua normalidade. Inclusive, tal qual bem colocado pelo nobre de primeiro grau, ".. Parquet no caso em voga não se pode falar em excesso de prazo para formação da culpa pois GUSTAVO FELIPE DO CARMO se encontra detido há exatos 23 (vinte e três) dias, período esse bastante inferior àquele estabelecido pela jurisprudência para " o encerramento da instrução (252 dias).
Diante disso, por ora, indefiro a liminar pleiteada.
Com efeito, o prazo estabelecido para a realização de atos processuais não possui caráter de fatalidade e improrrogabilidade e eventual excesso de prazo deve ser aferido em uma análise global, considerando todos os prazos que compõem a instrução.
Nesse sentido, cita-se:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. SUBSTITUIÇÃO POR CAUTELARES DIVERSAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DO FEITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.
.. .
4. É entendimento consolidado nos tribunais que os prazos indicados na legislação processual penal para a conclusão dos atos processuais não são peremptórios; assim, eventual demora no término da instrução criminal deve ser aferida levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto.
5. Fica afastada, ao menos por ora, a alegação de excesso de prazo, sobretudo porque o acusado não foi preso até o presente momento. Ademais, a tramitação processual está suspensa uma vez que o réu, citado por edital, não compareceu aos autos nem constituiu defesa, a evidenciar que a demora para a prolação de sentença deve-se
exclusivamente à postura do próprio recorrente.
6. Recurso não provido. (RHC n. 87.597/MS, Relator(a) Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018)
De outro vértice, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, o que não se verifica de plano no caso em exame em que o agravante foi preso em 6/1/2022.
Ademais, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado.
No mais, todas as outras questões levantadas no presente agravo regimental (nulidade das provas da materialidade; invasão de domicílio; violação da Súmula Vinculante n. 11/STF; agressão física e ameaça de morte pelos policiais no momento do flagrante; ofensa à redação ao art. 311 do CPP; ausência dos requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar; e reexame da custódia nos termos da Recomendação n. 62/CNJ) foram suscitadas somente neste momento, em sede de agravo regimental. Uma vez que tal insurgência não foi exposta na petição inicial deste habeas corpus, fica evidente a inovação recursal.
Na esteira do entendimento firmado pela jurisprudência deste Tribunal, é inadmissível a apreciação de teses suscitadas apenas quando da interposição do agravo regimental, mas ausentes da inicial da impetração.
Assim, confiram-se os seguintes precedentes:
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SALVO CONDUTO. PACIENTE NÃO INDICIADA. NEGATIVA DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE ATO COATOR OU AMEAÇA À LIBERDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBIILDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Embargos de declaração, opostos dentro do quinquídio legal, recebidos como agravo regimental, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processual.
2. No procedimento do habeas corpus não se permite a produção de provas, pois essa ação constitucional deve ter por objeto sanar ilegalidade verificada de plano, por isso não é possível aferir a materialidade e a autoria delitiva, bem como não é viável a análise da desproporcionalidade de medidas cautelares penais que ainda não foram decretadas, não cabendo, na via eleita, a antecipação da análise quanto à formação da culpa definitiva, não havendo, nos autos, nenhum elemento probatório de ato coator ou ameaça de coação.
3. Nos termos da jurisprudência da Corte, configura inovação a apresentação somente em agravo regimental de pleitos que deveriam ter sido expostos quando da impetração do habeas corpus, inviável, pois, de ser examinada nesta via.
4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento (EDcl no HC 444.978/PB, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 11/06/2018).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE E REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. QUESTÃO PREJUDICADA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA COM FUNDAMENTOS DIVERSOS. NOVO TÍTULO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As questões relativas ao indeferimento do direito de recorrer em liberdade, bem como ao regime de cumprimento de pena imposto pela sentença, sequer foram objeto do pedido de habeas corpus, tratando-se de inovação trazida no presente agravo. Nesse contexto, o presente recurso não comporta conhecimento, quanto ao ponto.
2. A alegação de inidoneidade dos fundamentos da prisão preventiva está prejudicada. Isso porque, a sentença penal condenatória proferida em desfavor da paciente negou-lhe o direito de recorrer em liberdade, com base em fundamentos diversos daqueles utilizados para decretação da prisão preventiva.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 412.062/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 01/06/2018).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. JULGAMENTO DA APELAÇÃO DA DEFESA. COMPLEMENTAÇÃO DOS FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO QUANTUM DA PENA FIXADO NA SENTENÇA. REFORMATIO IN PEJUS. INEVIDÊNCIA. PRECEDENTES. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. Diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o efeito devolutivo da apelação é amplo, permitindo a revisão da dosimetria da pena e a adoção de novos fundamentos a embasar a exasperação da pena-base, em recurso exclusivo da defesa, desde que o quantum da pena não ultrapasse aquele fixado anteriormente pelo Magistrado singular.
2. É incabível o exame de tese não exposta no habeas corpus e invocada apenas no agravo regimental, pois configura indevida inovação recursal. Precedente.
3. Agravo regimental improvido (AgRg no HC 439.948/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 29/05/2018).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL GRAVE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TESE AVENTADA APENAS NO AGRAVO REGIMENTAL. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS LEVES COM O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE 30 DIAS. COMPROVAÇÃO POR LAUDO COMPLEMENTAR. INIDONEIDADE DO LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. RECURSO EM HABEAS CORPUS DESPROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II - As questões suscitadas pela defesa, referentes à inépcia da exordial acusatória, não foram objeto de insurgência na petição inicial do recurso em habeas corpus, as quais foram trazidas à discussão somente em sede de agravo regimental, o que caracteriza inovação recursal. Com efeito, na linha da orientação jurisprudencial desta Corte, mostra-se inadmissível a apreciação, em sede de agravo regimental, de teses não aventadas na inicial do recurso. Precedentes.
..
Agravo regimental desprovido (AgRg no RHC 69.195/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 08/06/2018).
Entendo, portanto, não ser o caso de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental no habeas corpus interposto por GUSTAVO FELIPE DO CARMO contra decisão monocrática de minha lavra que indeferiu liminarmente o writ nos termos da Súmula n. 691/STF (e-STJ fls. 56/60).
Infere-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante em 6/1/2022, custódia convertida em preventiva, tendo em vista suposta infração ao art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e ao art. 16, § 1º, IV, da Lei n. 10.826/2003.
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, argumentando o excesso de prazo para a formação da culpa. A liminar, contudo, foi indeferida (e-STJ fls. 19/22).
Daí o presente mandamus que teve o seguimento negado, com fulcro na Súmula n. 691/STF.
No presente agravo, a defesa sustenta haver flagrante ilegalidade a justificar a superação da Súmula n. 691/STF.
Insiste que o escrivão possui o prazo de 2 dias corridos para cumprir os atos processuais determinados pelo juiz e, passados 8 dias, ainda não havia sido expedido o mandado de notificação/citação, para que o réu apresentasse sua devesa prévia. Ressalta que não há nos autos nenhuma justificativa para tal demora.
Acrescenta que "os argumentos apresentados pela Defesa do paciente tendentes a desconstituir a decisão proferida no juízo de piso deveriam ter sido enfrentadas na decisão confeccionada no Habeas Corpus impetrado perante o Tribunal "a quo". Como não o foram, tal decisão impugnada por intermédio deste "writ" revela-se carente de fundamentação" (e-STJ fl. 74).
Argumenta que a decisão agravada ofende à redação do § 2º do art. 654 do CPP, bem como o inciso II do art. 5º da Constituição Federal, pois " a inda que se pudesse falar em supressão de instância, a ordem de Habeas Corpus pode ser concedida na hipótese da existência de ilegalidade." (e-STJ fl. 76).
Destaca que "o excesso de prazo deve ser reconhecido também quando servidores públicos ou mesmo particulares contribuem para que o processo penal tenha o seu trâmite prolongado por tempo superior ao devido" (e-STJ fl. 78).
Sustenta a falta de fundamentação da decisão agravada, pois "não indicou absolutamente nenhuma peculiaridade do caso concreto que tenha justificado a demora para a expedição do mandado de notificação ao paciente" e também "em nenhum momento apontou-se, na decisão aqui impugnada, de que forma os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade se aplicariam ao presente caso concreto" (e-STJ fls. 79/80).
Aduz, ainda, a nulidade das provas da materialidade, colhidas no flagrante, pois, no momento de sua abordagem e prisão, não foi advertido de que poderia ficar em silêncio, nem que não teria obrigação de produzir provas contra si próprio.
Acresce que busca domiciliar se deu sem prévia autorização, ofendendo o princípio da inviolabilidade do domicílio e defende que "se trata de matéria de ordem pública, até por conta de ser dotadas de estatura constitucional (mais precisamente no inciso XI do art. 5º de nossa Lei Maior), a sua violação pode - e deve - ser analisada de ofício, não se submetendo à preclusão temporal e nem ao convalescimento com o decurso do tempo." (e-STJ fl. 89).
Complementa que foi agredido fisicamente e ameaçado de morte pelos policiais no momento de sua abordagem e prisão em flagrante, situação comprovado pelo exame de corpo de delito que atestou marcas no corpo do paciente.
Afirma que, durante a audiência de custódia, o réu foi mantido algemado, sem que fossem externados motivos concretos demonstrando a aplicação da Súmula Vinculante n. 11/STF.
Pondera que o Ministério Público, em seu parecer, proferido em segundo grau, "requereu a revogação da prisão preventiva do agravante, condicionando a liberdade do agravante ao cumprimento da medida cautelar diversa da prisão mais gravosa existente, qual seja, o monitoramento eletrônico." (e-STJ fl. 100). E conclui que ao contrariar o parecer ministerial, mantendo a custódia do paciente, o Juiz de primeiro grau, "na prática", violou a redação ao art. 311 do CPP.
Por fim, defende não estarem presentes os requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar previstos no art. 312 do CPP e que a custódia do agravante deve ser revista, nos termos da Recomendação n. 62/CNJ, pois o delito que lhe é imputado não envolve violência ou grave ameaça.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão anterior e, caso assim não entenda, que o recurso seja levado a julgamento pelo Colegiado da Quinta Turma.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar, a menos que fique demonstrada flagrante ilegalidade, nos termos do enunciado n. 691 da Súmula do STF, segundo o qual "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar".
Assim, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão recorrida, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
No caso, sem adiantar qualquer juízo de valor sobre os fatos, destaco os termos expostos pelo Tribunal de origem ao indeferir o pleito emergencial (e-STJ fls. 19/):
1. Tal qual já analisado nos autos do pedido de nº 0000791-79.2022.8.16.0000, o Habeas Corpus paciente Gustavo Felipe do Carmo foi preso em flagrante delito, na data de 06.01.2022, pela prática, em tese, do crime de tráfico de drogas, conforme art. 33, caput, da Lei de Drogas.
Consta da decisão que decretou a preventiva, a seguinte fundamentação, no que interessa:
(..) "In casu, preenchido o disposto no inciso I do aludido dispositivo, na medida em que o crime imputado é apenado em patamar abstrato máximo superior a 4 anos de reclusão. Por sua vez, presentes o fumus comissi delicti e o periculum libertatis.
Pontuo que as condições pessoais do custodiado não recomendam o recebimento de benefício processual, em que pese seja primário, isso porque a primariedade não é condição por si só para afastar a segregação cautelar quando presentes os demais requisitos legais autorizadores, conforme iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Tais elementos sugerem a necessidade de cautela, eis que, consciente de sua conduta ilícita, supostamente perpetrou o crime imputado sob circunstâncias fáticas que devem ser melhor analisadas em fase oportuna, no juízo natural competente.
Em respeito aos ditames do artigo 312 do Código de Processo Penal entendo que existe a necessidade de acautelar-se a ordem pública, pois o modus operandi empregado na ação criminosa sugere o destemor e a inconsequência da conduta do custodiado, tendo em vista que supostamente praticou crime de tráfico de drogas, possuindo em sua residência diversidade de drogas, qual seja, 650 gramas de maconha, 38 gramas de cocaína, estando devidamente fracionada para comercialização, além de balança de precisão e um arma de fogo com a numeração suprimida, caracterizando a traficância realizada no local, configurando, no caso concreto, a probabilidade de nova delinquência acaso seja posto em liberdade. Por fim, em sede de audiência o custodiado optou por permanecer em silêncio durante todo o tempo.
Pelas circunstâncias em que o crime ocorreu entendo que nem mesmo a monitoração eletrônica - notadamente a mais gravosa das medidas cautelares diversas da prisão - seria suficiente para evitar nova delinquência.
Dessarte, todos elas, por ora, são inadequadas ao caso, já que em liberdade, ainda que parcialmente restringida, encontraria os mesmos estímulos que inicialmente o levaram à prática do crime, ressaltando-se que a sensação de impunidade igualmente pode encorajar um novo delito.
Dito isso, em que pese os legítimos argumentos arrazoados pela Defesa, entendo que, ao menos por ora, nenhuma das medidas cautelares diversas da prisão seriam suficientes, adequadas ou eficazes para acautelar a ordem pública, evitando o cometimento de novo delito, haja vista a especificidade das circunstâncias delitivas e a gravidade concreta destas, devendo a Justiça impor resposta jurídico-coercitiva proporcional." Grifos nossos.
Vem agora o impetrante alegar o excesso de prazo da constrição imposta.
É este o relatório.
2. Contam os autos o seguinte:
Espécie de Habeas Corpus Liberatório
Constrangimento ilegal alegado: Excesso de prazo
Data da prisão: 06/01/2022
Tempo em prisão: 27 dias
Delito: ART. 33 DA LEI DE DROGAS
Primário: Sim
Residência fixa: Sim
Oferecimento da denúncia : Não
Como se sabe, o ".. constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo " (STJ - AgRg no RHC 155.471/CE, Rel. Ministro abusivo e injustificado na prestação jurisdicional REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021).
No caso em mesa, ao que parece, não há qualquer desídia que pudesse ser alegada em desfavor do juízo de origem, tendo em vista que o trâmite processual está correndo em sua normalidade. Inclusive, tal qual bem colocado pelo nobre de primeiro grau, ".. Parquet no caso em voga não se pode falar em excesso de prazo para formação da culpa pois GUSTAVO FELIPE DO CARMO se encontra detido há exatos 23 (vinte e três) dias, período esse bastante inferior àquele estabelecido pela jurisprudência para " o encerramento da instrução (252 dias).
Diante disso, por ora, indefiro a liminar pleiteada.
Com efeito, o prazo estabelecido para a realização de atos processuais não possui caráter de fatalidade e improrrogabilidade e eventual excesso de prazo deve ser aferido em uma análise global, considerando todos os prazos que compõem a instrução.
Nesse sentido, cita-se:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. SUBSTITUIÇÃO POR CAUTELARES DIVERSAS. INSUFICIÊNCIA E INADEQUAÇÃO. EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DO FEITO. NÃO CONFIGURAÇÃO. RECURSO NÃO PROVIDO.
.. .
4. É entendimento consolidado nos tribunais que os prazos indicados na legislação processual penal para a conclusão dos atos processuais não são peremptórios; assim, eventual demora no término da instrução criminal deve ser aferida levando-se em conta as peculiaridades do caso concreto.
5. Fica afastada, ao menos por ora, a alegação de excesso de prazo, sobretudo porque o acusado não foi preso até o presente momento. Ademais, a tramitação processual está suspensa uma vez que o réu, citado por edital, não compareceu aos autos nem constituiu defesa, a evidenciar que a demora para a prolação de sentença deve-se
exclusivamente à postura do próprio recorrente.
6. Recurso não provido. (RHC n. 87.597/MS, Relator(a) Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 01/08/2018)
De outro vértice, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, o que não se verifica de plano no caso em exame em que o agravante foi preso em 6/1/2022.
Ademais, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado.
No mais, todas as outras questões levantadas no presente agravo regimental (nulidade das provas da materialidade; invasão de domicílio; violação da Súmula Vinculante n. 11/STF; agressão física e ameaça de morte pelos policiais no momento do flagrante; ofensa à redação ao art. 311 do CPP; ausência dos requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar; e reexame da custódia nos termos da Recomendação n. 62/CNJ) foram suscitadas somente neste momento, em sede de agravo regimental. Uma vez que tal insurgência não foi exposta na petição inicial deste habeas corpus, fica evidente a inovação recursal.
Na esteira do entendimento firmado pela jurisprudência deste Tribunal, é inadmissível a apreciação de teses suscitadas apenas quando da interposição do agravo regimental, mas ausentes da inicial da impetração.
Assim, confiram-se os seguintes precedentes:
PENAL E PROCESSO PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SALVO CONDUTO. PACIENTE NÃO INDICIADA. NEGATIVA DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE ATO COATOR OU AMEAÇA À LIBERDADE. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBIILDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Embargos de declaração, opostos dentro do quinquídio legal, recebidos como agravo regimental, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processual.
2. No procedimento do habeas corpus não se permite a produção de provas, pois essa ação constitucional deve ter por objeto sanar ilegalidade verificada de plano, por isso não é possível aferir a materialidade e a autoria delitiva, bem como não é viável a análise da desproporcionalidade de medidas cautelares penais que ainda não foram decretadas, não cabendo, na via eleita, a antecipação da análise quanto à formação da culpa definitiva, não havendo, nos autos, nenhum elemento probatório de ato coator ou ameaça de coação.
3. Nos termos da jurisprudência da Corte, configura inovação a apresentação somente em agravo regimental de pleitos que deveriam ter sido expostos quando da impetração do habeas corpus, inviável, pois, de ser examinada nesta via.
4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento (EDcl no HC 444.978/PB, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 11/06/2018).
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE E REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. INOVAÇÃO RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. QUESTÃO PREJUDICADA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA COM FUNDAMENTOS DIVERSOS. NOVO TÍTULO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. As questões relativas ao indeferimento do direito de recorrer em liberdade, bem como ao regime de cumprimento de pena imposto pela sentença, sequer foram objeto do pedido de habeas corpus, tratando-se de inovação trazida no presente agravo. Nesse contexto, o presente recurso não comporta conhecimento, quanto ao ponto.
2. A alegação de inidoneidade dos fundamentos da prisão preventiva está prejudicada. Isso porque, a sentença penal condenatória proferida em desfavor da paciente negou-lhe o direito de recorrer em liberdade, com base em fundamentos diversos daqueles utilizados para decretação da prisão preventiva.
Agravo regimental desprovido (AgRg no HC 412.062/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 01/06/2018).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. JULGAMENTO DA APELAÇÃO DA DEFESA. COMPLÇÃO DOS FUNDAMENTOS PELO TRIBUNAL. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE ALTERAÇÃO DO QUANTUM DA PENA FIXADO NA SENTENÇA. REFORMATIO IN PEJUS. INEVIDÊNCIA. PRECEDENTES. INOVAÇÃO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE.
1. Diz a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o efeito devolutivo da apelação é amplo, permitindo a revisão da dosimetria da pena e a adoção de novos fundamentos a embasar a exasperação da pena-base, em recurso exclusivo da defesa, desde que o quantum da pena não ultrapasse aquele fixado anteriormente pelo Magistrado singular.
2. É incabível o exame de tese não exposta no habeas corpus e invocada apenas no agravo regimental, pois configura indevida inovação recursal. Precedente.
3. Agravo regimental improvido (AgRg no HC 439.948/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 29/05/2018).
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. LESÃO CORPORAL GRAVE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TESE AVENTADA APENAS NO AGRAVO REGIMENTAL. INDEVIDA INOVAÇÃO RECURSAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÕES CORPORAIS LEVES COM O RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO. INCAPACIDADE PARA AS OCUPAÇÕES HABITUAIS POR MAIS DE 30 DIAS. COMPROVAÇÃO POR LAUDO COMPLR. INIDONEIDADE DO LAUDO PERICIAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. RECURSO EM HABEAS CORPUS DESPROVIDO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - É assente nesta Corte Superior de Justiça que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II - As questões suscitadas pela defesa, referentes à inépcia da exordial acusatória, não foram objeto de insurgência na petição inicial do recurso em habeas corpus, as quais foram trazidas à discussão somente em sede de agravo regimental, o que caracteriza inovação recursal. Com efeito, na linha da orientação jurisprudencial desta Corte, mostra-se inadmissível a apreciação, em sede de agravo regimental, de teses não aventadas na inicial do recurso. Precedentes.
..
Agravo regimental desprovido (AgRg no RHC 69.195/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/05/2018, DJe 08/06/2018).
Entendo, portanto, não ser o caso de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA A REALIZAÇÃO DE ATO PROCESSUAL. PRAZO QUE NÃO POSSUI FATALIDADE. DEMAIS TEMAS SUSCITADOS APENAS QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO REGIMENTAL. INOVAÇÃO RECURSAL. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINAR NO TRIBUNAL A QUO. SÚMULA N. 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. O prazo estabelecido para a realização de atos processuais não possui caráter de fatalidade e improrrogabilidade e eventual excesso de prazo deve ser aferido em uma análise global, considerando todos os prazos que compõem a instrução.
3. De outro vértice, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, o que não se verifica de plano no caso em exame, em que o agravante foi preso em 6/1/2022.
4. Todas as demais questões levantadas no presente agravo regimental (nulidade das provas da materialidade; invasão de domicílio; violação da Súmula Vinculante n. 11/STF; agressão física e ameaça de morte pelos policiais no momento do flagrante; ofensa à redação ao art. 311 do CPP; ausência dos requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar; e reexame da custódia nos termos da Recomendação n. 62/CNJ) foram suscitadas somente neste momento, em sede de agravo regimental.
5. Na esteira do entendimento firmado pela jurisprudência deste Tribunal, é inadmissível a apreciação de teses suscitadas apenas quando da interposição do agravo regimental, mas ausentes da inicial da impetração. Precedentes.
6. Ausência de flagrante ilegalidade a justificar a superação da Súmula 691 do STF.
7. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO PARA A REALIZAÇÃO DE ATO PROCESSUAL. PRAZO QUE NÃO POSSUI FATALIDADE. DEMAIS TEMAS SUSCITADOS APENAS QUANDO DA INTERPOSIÇÃO DO AGRAVO REGIMENTAL. INOVAÇÃO RECURSAL. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINAR NO TRIBUNAL A QUO. SÚMULA N. 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE FLAGRANTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. O prazo estabelecido para a realização de atos processuais não possui caráter de fatalidade e improrrogabilidade e eventual excesso de prazo deve ser aferido em uma análise global, considerando todos os prazos que compõem a instrução.
3. De outro vértice, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional, o que não se verifica de plano no caso em exame, em que o agravante foi preso em 6/1/2022.
4. Todas as demais questões levantadas no presente agravo regimental (nulidade das provas da materialidade; invasão de domicílio; violação da Súmula Vinculante n. 11/STF; agressão física e ameaça de morte pelos policiais no momento do flagrante; ofensa à redação ao art. 311 do CPP; ausência dos requisitos autorizadores da medida constritiva cautelar; e reexame da custódia nos termos da Recomendação n. 62/CNJ) foram suscitadas somente neste momento, em sede de agravo regimental.
5. Na esteira do entendimento firmado pela jurisprudência deste Tribunal, é inadmissível a apreciação de teses suscitadas apenas quando da interposição do agravo regimental, mas ausentes da inicial da impetração. Precedentes.
6. Ausência de flagrante ilegalidade a justificar a superação da Súmula 691 do STF.
7. Agravo regimental desprovido. | N |
145,762,113 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO DE POLICIAIS NO DOMICÍLIO DO ACUSADO. DROGAS ENCONTRADAS EM BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
2. Neste caso, o contexto fático delineado nos autos demonstra que os policiais agiram a partir do encontro de substâncias entorpecentes em poder do agravante. Além disso, outros elementos indiciários bastante significativos, como o forte cheiro de maconha sentido pelos militares antes mesmo de ingressarem no interior da residência justificam a adoção da medida, revestindo-a de licitude.
3. Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de agravo regimental interposto por ARIMATÉA RAMOS DE MELLO, nos termos do art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, contra decisão monocrática que negou seguimento ao habeas corpus substitutivo de recurso próprio impetrado em face do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento da Apelação Criminal n. 0008312-41.2020.8.16.0034.
Nas razões deste agravo (e-STJ, fls. 122-143), a defesa insiste na ilicitude das provas obtidas mediante o ingresso forçado dos policiais no interior da residência do acusado sem prévia autorização judicial e sem permissão dos ocupantes do imóvel.
Diante do exposto, requer a reconsideração da decisão monocrática ou, subsidiariamente, a apresentação deste feito ao Colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
O agravo regimental é tempestivo e preenche os demais requisitos formais exigidos pelo art. 1.021 do Código de Processo Civil e art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cujos fundamentos devem ser preservados.
O agravante foi condenado a 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 500 (quinhentos) dias-multa, pelo crime previsto no art. 33 da Lei de Drogas. De acordo com os autos, em 5 de setembro de 2020, ele foi flagrado na posse de um tablete com 24g de maconha. Na mesma ocasião, policiais encontraram no interior de uma residência ocupada pelo agravante e pelo corréu diversas porções da mesma substância entorpecente, totalizando 908g de droga.
De início, destaco a ausência de quaisquer argumentos ou alegações novas, distintas daquelas já expostas no habeas corpus anteriormente apreciado, de modo a facultar a modificação da decisão impugnada.
Esta Corte Superior de Justiça possui inúmeros julgados nesse sentido, que ilustro com os seguintes precedentes:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE DESBLOQUEIO DE VALORES EM CONTA BANCÁRIA. IMPENHORABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão recorrida por seus próprios fundamentos.
(..)
Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EmbAc 35/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Corte Especial, DJe 18/11/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão vergastada por seus próprios fundamentos." (AgRg no RMS 60.369/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019).
2. Hipótese em que o agravante limita-se a reiterar mesma argumentação lançada nas razões do habeas corpus, sem apresentar qualquer fato novo tendente à modificação do julgado que, por tal razão, deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 671.106/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 9/8/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT NÃO CONHECIDO. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. CUMPRIMENTO INTEGRAL. SANÇÃO DE MULTA. DÍVIDA DE VALOR. INADIMPLEMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE INCABÍVEL. NOVOS ARGUMENTOS PARA DESCONSTITUIR O DECISUM UNIPESSOAL. AUSÊNCIA. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. No julgamento da ADI n. 3.150/DF, o Supremo Tribunal Federal atribuiu à multa penal a condição de dívida de valor e não lhe retirou o caráter de sanção penal, por força do disposto no art. 5º, XLVI, c , da Constituição da República. A partir de então, a Terceira Seção desta Corte superou o entendimento outrora firmado no Recurso Especial representativo de controvérsia n. 1.519.777/SP, de modo que é incabível a extinção da punibilidade do agente até que a pena de multa seja adimplida.
2. É assente neste Tribunal Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos ou documentos inéditos capazes de infirmar a decisão agravada, sob pena de manutenção do decisum pelos próprios fundamentos.
3. A tese de inviolabilidade do domicílio do réu não foi apreciada pela Corte estadual, razão por que a análise da questão por este Tribunal Superior ensejaria a indevida supressão de instância.
4. Agravo não provido. (AgRg no HC 668.497/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 22/10/2021)
A premissa que dá ensejo à presente impetração é a de que a violação de domicílio na hipótese dos autos não foi realizada sob amparo de circunstância excepcional que a justificasse, nem ocorreu mediante autorização de morador ou determinação judicial que tornasse válida a providência tomada pelos policiais. Para melhor esclarecer a dinâmica da ação policial, reproduzo trecho da sentença (e-STJ, fls. 57-59):
A preliminar processual não comporta acolhimento. Curial destacar que ARIMATEA RAMOS DE MELLO foi preso em flagrante delito, , trazendo consigo na frente de sua residência substância entorpecente de uso proibido no Brasil, popularmente conhecida como maconha; portanto, o ingresso no domicílio do acusado se deu em razão de fortes indícios de que na residência do réu, operava-se a prática de crime permanente. Assim sendo, não há qualquer nulidade na prisão em flagrante, estando a atuação policial plenamente regular e de acordo coma Constituição Federal.
(..)
Continuamente, em análise a inicial acusatória, e com base na prova testemunhal colhida sob o crivo dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, percebe-se que o segundo fato imputado ao acusado ARIMATEA RAMOS DE MELLO corresponde apenas ao desdobramento fático do primeiro. Isso porque o acusado foi preso em flagrante por estar trazendo consigo droga; a prisão se deu em frente à residência do próprio réu e, em razão do flagrante delito e, em se tratando de crime de natureza permanente, os policiais militares ingressaram na residência do acusado e localizaram mais substâncias de uso proscrito no Brasil no interior dela, que estavam sendo mantidas em depósito.
Como se sabe, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é plurinuclear e, nas modalidades "ter em depósito", "expor à venda" dentre outros, é de natureza permanente, de maneira que a situação flagrancial se protrai no tempo, autorizando a mitigação da garantia de inviolabilidade domiciliar em razão da situação excepcionada no próprio texto constitucional.
O controle da prisão em flagrante nesse tipo de situação é feito posteriormente, mediante o exame das circunstâncias que antecederam a abordagem policial e a própria prisão. Necessário constatar se, antes da decisão de ingressar na residência, havia indícios seguros da prática criminosa que justificassem a adoção da medida invasiva. Dessa maneira, busca-se compatibilizar os direitos fundamentais de liberdade e de proteção da vida privada e da intimidade com os interesses coletivos relacionados à segurança pública.
A jurisprudência tem se aperfeiçoado no sentido de exigir provas de que o ingresso forçado foi precedido da constatação, para além da dúvida razoável, da existência de justa causa para a entrada não autorizada de policiais na residência do suspeito. Em outras palavras, exige-se que o contexto fático antecedente forneça elementos suficientemente fortes para que se conclua pela prática de crime no interior da residência, de maneira a permitir a mitigação da garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.
Neste caso, o contexto fático delineado nos autos demonstra que os policiais agiram a partir do encontro de substâncias entorpecentes em poder do agravante. Além disso, outros elementos indiciários bastante significativos, como o forte cheiro de maconha sentido pelos militares antes mesmo de ingressarem no interior da casa (e-STJ, fl. 54), justificam a adoção da medida, revestindo-a de licitude.
Portanto, o contexto fático antecedente dá suporte para que os agentes concluíssem pela existência de situação de flagrante apta a permitir o ingresso no domicílio. Em outras palavras, as circunstâncias que antecederam o ingresso dos policiais evidenciaram de maneira suficiente a ocorrência de crime permanente de modo a excepcionar a garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio.
Nesse sentido, mutatis mutandis:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES A PERMITIR O INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados" (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 5/11/2015, DJe 10/5/2016).
2. Na hipótese, o depoimento prestado pelos policiais militares revela que a residência do paciente era conhecida como ponto de venda de drogas e que, após a abordagem de um usuário, este teria indicado a casa onde havia adquirido o entorpecente, descrevendo o paciente como a pessoa que havia lhe vendido o entorpecente, sendo que as informações sobre a traficância no local haviam se intensificado um mês antes da apreensão, tendo inclusive um vizinho, em outras ocasiões anteriores, informado à Polícia Militar acerca do tráfico realizado na casa do ora paciente.
3. Não se vislumbra, portanto, a existência de nenhuma violação ao disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, tendo em vista a devida configuração, na hipótese, de fundadas razões, extraídas a partir de elementos concretos e objetivos, a permitir a exceção à regra da inviolabilidade de domicílio prevista no referido dispositivo constitucional.
4. Ordem denegada. (HC 407.922/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, DJe 15/6/2018)
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar espera ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exigem.
3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
5. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteção da honra e da dignidade, assim dispõe: "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação." 6. A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser considerado quando, no conforto de seus gabinetes, realizamos os juízes o controle posterior das ações policiais. Mas, não se há de desconsiderar, por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda.
7. Se, por um lado, a dinâmica e a sofisticação do crime organizado exigem uma postura mais enérgica por parte do Estado, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia, por policiais, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria um ponto de tráfico de drogas, ou que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar.
9. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.
10. Se é verdade que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, num primeiro momento, parece exigir a emergência da situação para autorizar o ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial - ao elencar hipóteses excepcionais como o flagrante delito, casos de desastre ou prestação de socorro -, também é certo que nem todo crime permanente denota essa emergência.
11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais, refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e exclusivamente, do local em que ele estava no momento em que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para sua residência, conduta que pode explicar-se por diversos motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia, no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de drogas.
12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador - que deve ser mínima e seguramente comprovado - e sem determinação judicial.
13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu na espécie - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de qualquer preocupação em documentar e tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento. 14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.
15. Recurso especial não provido, para manter a absolvição do recorrido.
(REsp 1574681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 30/5/2017)
Ante o exposto, nego provimento a este agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de agravo regimental interposto por ARIMATÉA RAMOS DE MELLO, nos termos do art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, contra decisão monocrática que negou seguimento ao habeas corpus substitutivo de recurso próprio impetrado em face do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, no julgamento da Apelação Criminal n. 0008312-41.2020.8.16.0034.
Nas razões deste agravo (e-STJ, fls. 122-143), a defesa insiste na ilicitude das provas obtidas mediante o ingresso forçado dos policiais no interior da residência do acusado sem prévia autorização judicial e sem permissão dos ocupantes do imóvel.
Diante do exposto, requer a reconsideração da decisão monocrática ou, subsidiariamente, a apresentação deste feito ao Colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
O agravo regimental é tempestivo e preenche os demais requisitos formais exigidos pelo art. 1.021 do Código de Processo Civil e art. 258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cujos fundamentos devem ser preservados.
O agravante foi condenado a 6 (seis) anos e 3 (três) meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 500 (quinhentos) dias-multa, pelo crime previsto no art. 33 da Lei de Drogas. De acordo com os autos, em 5 de setembro de 2020, ele foi flagrado na posse de um tablete com 24g de maconha. Na mesma ocasião, policiais encontraram no interior de uma residência ocupada pelo agravante e pelo corréu diversas porções da mesma substância entorpecente, totalizando 908g de droga.
De início, destaco a ausência de quaisquer argumentos ou alegações novas, distintas daquelas já expostas no habeas corpus anteriormente apreciado, de modo a facultar a modificação da decisão impugnada.
Esta Corte Superior de Justiça possui inúmeros julgados nesse sentido, que ilustro com os seguintes precedentes:
PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE DESBLOQUEIO DE VALORES EM CONTA BANCÁRIA. IMPENHORABILIDADE NÃO DEMONSTRADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão recorrida por seus próprios fundamentos.
(..)
Agravo regimental desprovido. (AgRg nos EmbAc 35/DF, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, Corte Especial, DJe 18/11/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão vergastada por seus próprios fundamentos." (AgRg no RMS 60.369/SC, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 19/11/2019, DJe 26/11/2019).
2. Hipótese em que o agravante limita-se a reiterar mesma argumentação lançada nas razões do habeas corpus, sem apresentar qualquer fato novo tendente à modificação do julgado que, por tal razão, deve ser mantido por seus próprios fundamentos.
3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC 671.106/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe 9/8/2021)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT NÃO CONHECIDO. PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. CUMPRIMENTO INTEGRAL. SANÇÃO DE MULTA. DÍVIDA DE VALOR. INADIMPLEMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE INCABÍVEL. NOVOS ARGUMENTOS PARA DESCONSTITUIR O DECISUM UNIPESSOAL. AUSÊNCIA. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. No julgamento da ADI n. 3.150/DF, o Supremo Tribunal Federal atribuiu à multa penal a condição de dívida de valor e não lhe retirou o caráter de sanção penal, por força do disposto no art. 5º, XLVI, c , da Constituição da República. A partir de então, a Terceira Seção desta Corte superou o entendimento outrora firmado no Recurso Especial representativo de controvérsia n. 1.519.777/SP, de modo que é incabível a extinção da punibilidade do agente até que a pena de multa seja adimplida.
2. É assente neste Tribunal Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos ou documentos inéditos capazes de infirmar a decisão agravada, sob pena de manutenção do decisum pelos próprios fundamentos.
3. A tese de inviolabilidade do domicílio do réu não foi apreciada pela Corte estadual, razão por que a análise da questão por este Tribunal Superior ensejaria a indevida supressão de instância.
4. Agravo não provido. (AgRg no HC 668.497/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 22/10/2021)
A premissa que dá ensejo à presente impetração é a de que a violação de domicílio na hipótese dos autos não foi realizada sob amparo de circunstância excepcional que a justificasse, nem ocorreu mediante autorização de morador ou determinação judicial que tornasse válida a providência tomada pelos policiais. Para melhor esclarecer a dinâmica da ação policial, reproduzo trecho da sentença (e-STJ, fls. 57-59):
A preliminar processual não comporta acolhimento. Curial destacar que ARIMATEA RAMOS DE MELLO foi preso em flagrante delito, , trazendo consigo na frente de sua residência substância entorpecente de uso proibido no Brasil, popularmente conhecida como maconha; portanto, o ingresso no domicílio do acusado se deu em razão de fortes indícios de que na residência do réu, operava-se a prática de crime permanente. Assim sendo, não há qualquer nulidade na prisão em flagrante, estando a atuação policial plenamente regular e de acordo coma Constituição Federal.
(..)
Continuamente, em análise a inicial acusatória, e com base na prova testemunhal colhida sob o crivo dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, percebe-se que o segundo fato imputado ao acusado ARIMATEA RAMOS DE MELLO corresponde apenas ao desdobramento fático do primeiro. Isso porque o acusado foi preso em flagrante por estar trazendo consigo droga; a prisão se deu em frente à residência do próprio réu e, em razão do flagrante delito e, em se tratando de crime de natureza permanente, os policiais militares ingressaram na residência do acusado e localizaram mais substâncias de uso proscrito no Brasil no interior dela, que estavam sendo mantidas em depósito.
Como se sabe, o crime de tráfico ilícito de entorpecentes é plurinuclear e, nas modalidades "ter em depósito", "expor à venda" dentre outros, é de natureza permanente, de maneira que a situação flagrancial se protrai no tempo, autorizando a mitigação da garantia de inviolabilidade domiciliar em razão da situação excepcionada no próprio texto constitucional.
O controle da prisão em flagrante nesse tipo de situação é feito posteriormente, mediante o exame das circunstâncias que antecederam a abordagem policial e a própria prisão. Necessário constatar se, antes da decisão de ingressar na residência, havia indícios seguros da prática criminosa que justificassem a adoção da medida invasiva. Dessa maneira, busca-se compatibilizar os direitos fundamentais de liberdade e de proteção da vida privada e da intimidade com os interesses coletivos relacionados à segurança pública.
A jurisprudência tem se aperfeiçoado no sentido de exigir provas de que o ingresso forçado foi precedido da constatação, para além da dúvida razoável, da existência de justa causa para a entrada não autorizada de policiais na residência do suspeito. Em outras palavras, exige-se que o contexto fático antecedente forneça elementos suficientemente fortes para que se conclua pela prática de crime no interior da residência, de maneira a permitir a mitigação da garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.
Neste caso, o contexto fático delineado nos autos demonstra que os policiais agiram a partir do encontro de substâncias entorpecentes em poder do agravante. Além disso, outros elementos indiciários bastante significativos, como o forte cheiro de maconha sentido pelos militares antes mesmo de ingressarem no interior da casa (e-STJ, fl. 54), justificam a adoção da medida, revestindo-a de licitude.
Portanto, o contexto fático antecedente dá suporte para que os agentes concluíssem pela existência de situação de flagrante apta a permitir o ingresso no domicílio. Em outras palavras, as circunstâncias que antecederam o ingresso dos policiais evidenciaram de maneira suficiente a ocorrência de crime permanente de modo a excepcionar a garantia constitucional de inviolabilidade do domicílio.
Nesse sentido, mutatis mutandis:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. NULIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISO XI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDADAS RAZÕES A PERMITIR O INGRESSO EM DOMICÍLIO SEM MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE n. 603.616/RO, submetido à sistemática da repercussão geral, firmou entendimento segundo o qual a "entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados" (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 5/11/2015, DJe 10/5/2016).
2. Na hipótese, o depoimento prestado pelos policiais militares revela que a residência do paciente era conhecida como ponto de venda de drogas e que, após a abordagem de um usuário, este teria indicado a casa onde havia adquirido o entorpecente, descrevendo o paciente como a pessoa que havia lhe vendido o entorpecente, sendo que as informações sobre a traficância no local haviam se intensificado um mês antes da apreensão, tendo inclusive um vizinho, em outras ocasiões anteriores, informado à Polícia Militar acerca do tráfico realizado na casa do ora paciente.
3. Não se vislumbra, portanto, a existência de nenhuma violação ao disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, tendo em vista a devida configuração, na hipótese, de fundadas razões, extraídas a partir de elementos concretos e objetivos, a permitir a exceção à regra da inviolabilidade de domicílio prevista no referido dispositivo constitucional.
4. Ordem denegada. (HC 407.922/RS, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, DJe 15/6/2018)
RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. NECESSIDADE DE JUSTA CAUSA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO DO AGENTE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". 2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, na companhia de seu grupo familiar espera ter o seu espaço de intimidade preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exigem.
3. O ingresso regular de domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes) DJe 8/10/2010).
5. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteção da honra e da dignidade, assim dispõe: "Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação." 6. A complexa e sofrida realidade social brasileira sujeita as forças policiais a situações de risco e à necessidade de tomada urgente de decisões no desempenho de suas relevantes funções, o que há de ser considerado quando, no conforto de seus gabinetes, realizamos os juízes o controle posterior das ações policiais. Mas, não se há de desconsiderar, por outra ótica, que ocasionalmente a ação policial submete pessoas a situações abusivas e arbitrárias, especialmente as que habitam comunidades socialmente vulneráveis e de baixa renda.
7. Se, por um lado, a dinâmica e a sofisticação do crime organizado exigem uma postura mais enérgica por parte do Estado, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida, a qualquer hora do dia, por policiais, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria um ponto de tráfico de drogas, ou que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
8. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos, diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à inviolabilidade domiciliar.
9. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso no domicílio alheio a situação fática emergencial consubstanciadora de flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.
10. Se é verdade que o art. 5º, XI, da Constituição Federal, num primeiro momento, parece exigir a emergência da situação para autorizar o ingresso em domicílio alheio sem prévia autorização judicial - ao elencar hipóteses excepcionais como o flagrante delito, casos de desastre ou prestação de socorro -, também é certo que nem todo crime permanente denota essa emergência.
11. Na hipótese sob exame, o acusado estava em local supostamente conhecido como ponto de venda de drogas, quando, ao avistar a guarnição de policiais, refugiou-se dentro de sua casa, sendo certo que, após revista em seu domicílio, foram encontradas substâncias entorpecentes (18 pedras de crack). Havia, consoante se demonstrou, suspeitas vagas sobre eventual tráfico de drogas perpetrado pelo réu, em razão, única e exclusivamente, do local em que ele estava no momento em que policiais militares realizavam patrulhamento de rotina e em virtude de seu comportamento de correr para sua residência, conduta que pode explicar-se por diversos motivos, não necessariamente o de que o suspeito cometia, no momento, ação caracterizadora de mercancia ilícita de drogas.
12. A mera intuição acerca de eventual traficância praticada pelo recorrido, embora pudesse autorizar abordagem policial, em via pública, para averiguação, não configura, por si só, justa causa a autorizar o ingresso em seu domicílio, sem o consentimento do morador - que deve ser mínima e seguramente comprovado - e sem determinação judicial.
13. Ante a ausência de normatização que oriente e regule o ingresso em domicílio alheio, nas hipóteses excepcionais previstas no Texto Maior, há de se aceitar com muita reserva a usual afirmação - como ocorreu na espécie - de que o morador anuiu livremente ao ingresso dos policiais para a busca domiciliar, máxime quando a diligência não é acompanhada de qualquer preocupação em documentar e tornar imune a dúvidas a voluntariedade do consentimento. 14. Em que pese eventual boa-fé dos policiais militares, não havia elementos objetivos, seguros e racionais, que justificassem a invasão de domicílio. Assim, como decorrência da Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada (ou venenosa, visto que decorre da fruits of the poisonous tree doctrine, de origem norte-americana), consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, é nula a prova derivada de conduta ilícita - no caso, a apreensão, após invasão desautorizada do domicílio do recorrido, de 18 pedras de crack -, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, entre a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas.
15. Recurso especial não provido, para manter a absolvição do recorrido.
(REsp 1574681/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 30/5/2017)
Ante o exposto, nego provimento a este agravo regimental.
É como voto.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO DE POLICIAIS NO DOMICÍLIO DO ACUSADO. DROGAS ENCONTRADAS EM BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. O ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
2. Neste caso, o contexto fático delineado nos autos demonstra que os policiais agiram a partir do encontro de substâncias entorpecentes em poder do agravante. Além disso, outros elementos indiciários bastante significativos, como o forte cheiro de maconha sentido pelos militares antes mesmo de ingressarem no interior da residência justificam a adoção da medida, revestindo-a de licitude.
3. Agravo regimental não provido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. INGRESSO DE POLICIAIS NO DOMICÍLIO DO ACUSADO. DROGAS ENCONTRADAS EM BUSCA PESSOAL. FUNDADAS RAZÕES. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. | 1. O ingresso regular em domicílio alheio depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
2. Neste caso, o contexto fático delineado nos autos demonstra que os policiais agiram a partir do encontro de substâncias entorpecentes em poder do agravante. Além disso, outros elementos indiciários bastante significativos, como o forte cheiro de maconha sentido pelos militares antes mesmo de ingressarem no interior da residência justificam a adoção da medida, revestindo-a de licitude.
3. Agravo regimental não provido. | N |
146,151,078 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto por Thiago de Oliveira Meiracontra a decisão, deminha lavra, em que, monocraticamente, não conheci do writ impetrado em seu favor, assim ementada.
O agravante reitera os argumentos da impetração e alega, em síntese, que, em que pese a condenação tenha transitado em julgado em 2015,no caso, há ilegalidade flagrante constante dos pedidos, apta a autorizar a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício, por esta Corte Superior (fl. 41).
Postula, então, a reconsideração da decisão que indeferiu liminarmente a inicial, redimensionando-se a reprimenda imposta, nos termos propostos na impetração.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.TRÁFICO INTERESTADUALDE DROGAS. WRIT SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PROFERIDA HÁ APROXIMADAMENTE 7 ANOS. PRETENSÃO DE REDIMENSIONAMENTO DA PENA. VIA ELEITA INADEQUADA. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. AUSÊNCIA.
1. Ohabeas corpus não é a via adequada para modificar a conclusão das instâncias ordinárias a respeito da apreciação da prova produzida, sendo inviável a utilização da via eleita como uma segunda apelação, devendo ser preservada a convicção do Magistrado, mais próximo dos fatos e da ação penal (Princípio da Confiança no Juiz do Processo).
2. Para tanto, existe a via da revisão criminal, fundamentada no art. 621, I, do CPP, que admite a revisão dos processos findos quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
3. Ainda que assim não fosse, não se vislumbra coação ilegal manifesta, pois a reprimenda-base foi exasperada com fundamento na quantidade de droga apreendida (18,5 kg de maconha) e afastado o redutor com supedâneo na desenvoltura do sentenciado, tendo em vista o fato deir de um Estado da Federação a outro buscar e entregar a droga apreendida (saiu doEspírito Santo para buscar a droga no Rio de Janeiro e entregar no Estado da Paraíba), a evidenciar que não seria traficante ocasional, que é o escopo da minorante (beneficiar o traficante de "primeira viagem").
4. Agravo regimental improvido.
VOTO
Apesar das alegações do agravante, a decisão hostilizada não comporta reparos.
Com efeito, busca a impetração o redimensionamento da reprimenda imposta ao paciente, aos argumentos de ilegalidade na exasperação da pena-base e dissonância com a jurisprudência a respeito da não aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. O acórdão da apelação data de 23/9/2015 (fl. 26).
Ocorre que habeas corpus não é a via adequada para modificar a conclusão das instâncias ordinárias a respeito da apreciação da prova produzida, sendo inviável a utilização da via eleita como uma segunda apelação, devendo ser preservada a convicção do Magistrado, mais próximo dos fatos e da ação penal (Princípio da Confiança no Juiz do Processo).
Para tanto, existe a via da revisão criminal, fundamentada no art. 621, I, do CPP, que admite a revisão dos processos findos quando a sentença condenatória forcontrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
Ainda que assim não fosse, não se vislumbra coação ilegal manifesta, pois a reprimenda-base foi exasperada com fundamento na quantidade de droga apreendida (18,5 kg de maconha) e afastado o redutor com base no fato de o sentenciado ir de um Estado da Federação a outro buscar e entregar a droga apreendida, a evidenciar que não seria traficante ocasional, que é o escopo da minorante (beneficiar o traficante de "primeira viagem").
Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto por Thiago de Oliveira Meiracontra a decisão, deminha lavra, em que, monocraticamente, não conheci do writ impetrado em seu favor, assim ementada.
O agravante reitera os argumentos da impetração e alega, em síntese, que, em que pese a condenação tenha transitado em julgado em 2015,no caso, há ilegalidade flagrante constante dos pedidos, apta a autorizar a concessão da ordem de habeas corpus, de ofício, por esta Corte Superior (fl. 41).
Postula, então, a reconsideração da decisão que indeferiu liminarmente a inicial, redimensionando-se a reprimenda imposta, nos termos propostos na impetração.
É o relatório.
VOTO
Apesar das alegações do agravante, a decisão hostilizada não comporta reparos.
Com efeito, busca a impetração o redimensionamento da reprimenda imposta ao paciente, aos argumentos de ilegalidade na exasperação da pena-base e dissonância com a jurisprudência a respeito da não aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. O acórdão da apelação data de 23/9/2015 (fl. 26).
Ocorre que habeas corpus não é a via adequada para modificar a conclusão das instâncias ordinárias a respeito da apreciação da prova produzida, sendo inviável a utilização da via eleita como uma segunda apelação, devendo ser preservada a convicção do Magistrado, mais próximo dos fatos e da ação penal (Princípio da Confiança no Juiz do Processo).
Para tanto, existe a via da revisão criminal, fundamentada no art. 621, I, do CPP, que admite a revisão dos processos findos quando a sentença condenatória forcontrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
Ainda que assim não fosse, não se vislumbra coação ilegal manifesta, pois a reprimenda-base foi exasperada com fundamento na quantidade de droga apreendida (18,5 kg de maconha) e afastado o redutor com base no fato de o sentenciado ir de um Estado da Federação a outro buscar e entregar a droga apreendida, a evidenciar que não seria traficante ocasional, que é o escopo da minorante (beneficiar o traficante de "primeira viagem").
Em face do exposto, nego provimento ao agravo regimental. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.TRÁFICO INTERESTADUALDE DROGAS. WRIT SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PROFERIDA HÁ APROXIMADAMENTE 7 ANOS. PRETENSÃO DE REDIMENSIONAMENTO DA PENA. VIA ELEITA INADEQUADA. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. AUSÊNCIA.
1. Ohabeas corpus não é a via adequada para modificar a conclusão das instâncias ordinárias a respeito da apreciação da prova produzida, sendo inviável a utilização da via eleita como uma segunda apelação, devendo ser preservada a convicção do Magistrado, mais próximo dos fatos e da ação penal (Princípio da Confiança no Juiz do Processo).
2. Para tanto, existe a via da revisão criminal, fundamentada no art. 621, I, do CPP, que admite a revisão dos processos findos quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
3. Ainda que assim não fosse, não se vislumbra coação ilegal manifesta, pois a reprimenda-base foi exasperada com fundamento na quantidade de droga apreendida (18,5 kg de maconha) e afastado o redutor com supedâneo na desenvoltura do sentenciado, tendo em vista o fato deir de um Estado da Federação a outro buscar e entregar a droga apreendida (saiu doEspírito Santo para buscar a droga no Rio de Janeiro e entregar no Estado da Paraíba), a evidenciar que não seria traficante ocasional, que é o escopo da minorante (beneficiar o traficante de "primeira viagem").
4. Agravo regimental improvido. | AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS.TRÁFICO INTERESTADUALDE DROGAS. WRIT SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. CONDENAÇÃO PROFERIDA HÁ APROXIMADAMENTE 7 ANOS. PRETENSÃO DE REDIMENSIONAMENTO DA PENA. VIA ELEITA INADEQUADA. CONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. AUSÊNCIA. | 1. Ohabeas corpus não é a via adequada para modificar a conclusão das instâncias ordinárias a respeito da apreciação da prova produzida, sendo inviável a utilização da via eleita como uma segunda apelação, devendo ser preservada a convicção do Magistrado, mais próximo dos fatos e da ação penal (Princípio da Confiança no Juiz do Processo).
2. Para tanto, existe a via da revisão criminal, fundamentada no art. 621, I, do CPP, que admite a revisão dos processos findos quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos.
3. Ainda que assim não fosse, não se vislumbra coação ilegal manifesta, pois a reprimenda-base foi exasperada com fundamento na quantidade de droga apreendida (18,5 kg de maconha) e afastado o redutor com supedâneo na desenvoltura do sentenciado, tendo em vista o fato deir de um Estado da Federação a outro buscar e entregar a droga apreendida (saiu doEspírito Santo para buscar a droga no Rio de Janeiro e entregar no Estado da Paraíba), a evidenciar que não seria traficante ocasional, que é o escopo da minorante (beneficiar o traficante de "primeira viagem").
4. Agravo regimental improvido. | N |
145,789,186 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS NA EXECUÇÃO PENAL. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS POSTOS EM HABEAS CORPUS JÁ DECIDIDO POR ESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Cuida-se de agravo regimental interposto por RAFAEL QUEIROZ DE OLIVEIRA contra decisão monocrática de minha lavra que indeferiu liminarmente o habeas corpus impetrado em seu favor.
Consta dos autos que o Juízo da Vara das Execuções Penais da Comarca da Capital/RJ indeferiu o pedido de saídas temporárias ao sentenciado (e-STJ fls. 32/36) - Execução Penal n. 0128275-13.2010.8.19.0001.
Inconformada, a defesa impetrou o Habeas Corpus n. 0072030-96.2021.8.19.0000 perante a Corte estadual, remédio esse não conhecido (e-STJ fls. 29/31).
No habeas corpus dirigido a este Tribunal Superior, a defesa alegava excesso de prazo na concessão dos benefícios da Lei de Execução Penal, bem como afirmava estarem presentes os requisitos legais para a concessão do trabalho externo e, ao final, requeria a concessão da ordem, para que fosse deferido o trabalho externo.
Indeferi liminarmente o habeas corpus, por se tratar de reiteração de pedido formulado no HC n. 714.790/SP, protocolado anteriormente nesta Corte.
No presente agravo regimental, a defesa do ora agravante alega que "o presente "writ" em epígrafe não possui o mesmo pedido, e nem a mesma causa de pedir do HC n. 714.790/RJ, impetrado anteriormente perante esta Corte do STJ, pois o "writ" anterior supracitado, além do pleito liminar, para que seja concedida a Ordem ao paciente, com a possibilidade de realização do trabalho externo, existe um pedido alternativo, postulando que seja concedido de ofício a VPL ao paciente" (e-STJ fl. 118).
Alega, ainda, que "indeferir liminarmente não conhecendo do habeas corpus, tornando prejudicado o presente "Writ", não é a solução mais adequada e coerente no caso em tela, pois trata-se de um Habeas Corpus com uma situação excepcional, um caso de urgência, devido a existência de flagrante ilegalidade, sofrida pelo paciente, ao ter o seu pedido liminar indeferido pelo Des. Relator do Tribunal de Origem, como forma de garantir a efetividade da prestação jurisdicional, é plenamente possível a superação da Súmula nº 691 do STF" (e-STJ fl. 119).
No mais, repisa argumentos já postos na impetração, no sentido de que o ora agravante faz jus ao deferimento de seu pleito de Trabalho Extramuros (TEM), por já ter preenchido todos os requisitos necessários para tanto.
Pede, assim, o provimento do regimental, para que seja "concedida a ordem de "ofício", tão somente para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro aprecie o mérito do habeas corpus originário como entender de direito" (fl. 123).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus, nos seguintes termos:
No caso, o presente habeas corpus apresenta o mesmo paciente, mesmo ato coator, mesmo pedido e mesma causa de pedir constante do HC n. 714.790/RJ, impetrado anteriormente perante esta Corte. Assim, por se tratar de mera reiteração, o presente writ não pode prosseguir.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. MERA REITERAÇÃO DE PEDIDO (HC N. 316.928/GO). INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão monocrática que negou seguimento ao writ, porquanto a questão relativa ao excesso de prazo na formação da culpa já foi objeto de apreciação por parte deste Tribunal Superior, quando da impetração do HC n. 316.928/GO, DE MINHA RELATORIA, cuja liminar foi indeferida em 24/2/2015 e cujo julgamento está designado para a data de 1º/9/2015.
2. Agravo regimental improvido
(AgRg no RCD no HC n. 329.224/GO, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 1º/9/2015, DJe 22/9/2015).
Ante o exposto, com base no art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o pedido.
Intimem-se.
Reitero que o pedido veiculado neste habeas corpus, protocolado em 05/02/2022, foi o mesmo posto no HC 714.790, autuado em 21/12/2021, e que ambos se insurgiam contra a mesma decisão de 1º grau - que, em 10/09/2021, nos autos da Execução Penal n. 0128275-13.2010.8.19.0001, indeferiu o pleito de concessão de Trabalho Extramuros ao ora agravante, assim como contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que não conheceu do Habeas Corpus n. 0072030-96.2021.8.19.0000.
Com efeito, no HC 714.790/RJ, o ora agravante pedia:
1º) Que seja concedido de Ofício, o Pleito de Trabalho Extramuros "TEM", ao apenado (Ora, Paciente), conforme a inteligência dos Art. 122, inciso III, c/c Art. 123, Inciso I e II, todos da LEP , em virtude do claro e cristalino constrangimento ilegal sofrido pelo apenado (Ora, Paciente), pois o apenado já cumpriu todos os requisitos necessários, pois já se encontra no Regime SemiAberto Seq. 1.138 , tendo preenchido os requisitos objetivos em (25/10/2019), e subjetivos (Exames Criminológicos Positivos) conforme a Seq. 130.1/.2 , e a (TFD) na Seq. 201.1 no bom comportamento carcerário, pois nos últimos 12 (doze) meses sem falta grave, fazendo jus o paciente para tal pretensão;
2º) Que seja determinado de Ofício, que seja tornado sem efeito as decisões guerreadas em anexo, contra a qual se insurge a defesa, para que seja concedido ao apenado o benefício de Trabalho Extramuros "TEM", como medida da mais pura e lídima Justiça!!.
3º) Salvo melhor juízo, em caso de não entendimento pelo TEM, o que essa defesa não espera, que seja concedido de oficio a VPL ao paciente, uma vez que o mesmo cumpriu todos os pré requisitos, estando a dos anos no regime semi aberto, tendo bom comportamento, sem a existências de falta grave e consequentemente, sem a existência de CTC, fazendo valer o seu direito suprimido pelos juízo coator pelas razões já demonstradas.
(negritei)
Por sua vez, no presente habeas corpus, a defesa do ora agravante pleiteou:
1º) Que seja concedido de "Ofício", o Pleito de Trabalho Extramuros "TEM", ao apenado (Ora, Paciente), conforme a inteligência dos Art. 122, inciso III, c/c Art. 123, Inciso I e II, todos da LEP , em virtude do claro e cristalino constrangimento ilegal sofrido pelo apenado (Ora, Paciente), pois o apenado já cumpriu todos os requisitos necessários, pois já se encontra no Regime SemiAberto Seq. 1.138 , tendo preenchido os requisitos objetivos em (25/10/2019), e subjetivos (Exames Criminológicos Positivos) conforme a Seq. 130.1/.2 , e a (TFD) na Seq. 201.1 no bom comportamento carcerário, pois nos últimos 12 (doze) meses sem falta grave, fazendo jus o paciente para tal pretensão;
2º) Que seja determinado de "Ofício", que seja tornado sem efeito a decisão guerreada na Seq. 204.1 , conforme a (Decisão Atacada II) anexa (doc.junto), contra a qual se insurge a defesa, para que seja concedido ao apenado o benefício de Trabalho Extramuros "TEM"; OU SE V. EX.A ASSIM NÃO ENTENDER;
3º) Que seja concedida a Ordem de "Ofício", tão somente para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, se manifeste com urgência, sobre eventual existência de flagrante ilegalidade na decisão do Juiz da Vara de Execuções Penais - VEP , aprecie o mérito do habeas corpus originário como entender de direito, pois assim estará sendo feita a mais pura e salutar Justiça!!.
(e-STJ fl. 26 - negritei).
Vê-se, assim, que o mesmo pedido de concessão de trabalho extramuros foi veiculado nas duas impetrações.
Ainda que no presente habeas corpus a defesa tenha requerido também a devolução dos autos ao Tribunal de Justiça para que examinasse o mérito da controvérsia, registro que, ao julgar o agravo regimental interposto pelo ora agravante no HC n. 714.790, na sessão de julgamento da Quinta Turma do STJ, em 15/02/2022, consignei, no voto e na ementa do acórdão, que a pretensão esbarrava em entendimento da Terceira Seção desta Corte sobre a impossibilidade de se conhecer de habeas corpus impetrado simultaneamente com recurso próprio veiculando o mesmo pedido, e que, de toda sorte, o pedido seria devidamente examinado pelo Tribunal de Justiça quando do julgamento do agravo em execução interposto tempestivamente pela defesa contra a mesma decisão de 1º grau, conforme se vê do andamento da execução penal no SEEU.
Eis a ementa do acórdão proferido no Agravo regimental no HC n. 714.790/RJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. PRETENSÃO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE TRABALHO EXTRAMUROS NEGADA NO 1º GRAU, ANTE HISTÓRICO DE EVASÃO POR MAIS DE 9 MESES. SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS PENAIS DURANTE O RECESSO FORENSE E AS FÉRIAS REGIMENTAIS: INOCORRÊNCIA. INTEMPESTIVIDADE. HABEAS CORPUS IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM QUE VEICULA IDÊNTICO PEDIDO POSTO EM AGRAVO EM EXECUÇÃO AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
1. O agravo contra decisão monocrática de Relator, em controvérsias que versam sobre matéria penal ou processual penal, nos tribunais superiores, não obedece às regras no novo CPC referentes à contagem dos prazos em dias úteis (art. 219, Lei 13.105/2015) e ao estabelecimento de prazo de 15 (quinze) dias para todos os recursos, com exceção dos embargos de declaração (art. 1.003, § 5º, Lei 13.105/2015).
2. Isso porque, no ponto, não foi revogada, expressamente, como ocorreu com outros de seus artigos, a norma especial da Lei 8.038/90 que estabelece o prazo de cinco dias para o agravo regimental.
3. Além disso, a regra do art. 798 do Código de Processo Penal, segundo a qual "Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado" constitui norma especial em relação às alterações trazidas pela Lei 13.105/2015.
4. A suspensão do curso dos prazos processuais prevista no art. 220 do NCPC, regulamentada pela Resolução CNJ n. 244, de 19/9/2016, não incide sobre os processos de competência da Justiça Criminal, visto que submetidos, quanto a esse tema, ao regramento disposto no art. 798, caput e § 3º, do CPP. A continuidade dos prazos processuais penais é afirmada, no caso, pelo princípio da especialidade.
5. Não por outra razão, a jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que o recesso judiciário e o período de férias coletivas, em matéria processual penal, têm como efeito, em relação aos prazos vencidos no seu curso, a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao seu término, não havendo interrupção ou suspensão (AgRg no Inq 1.105/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Corte Especial, julgado em 29/03/2017, DJe 19/04/2017).
6. É de se reconhecer a intempestividade de agravo regimental interposto em 04/02/2022 (sexta-feira) contra decisão publicada em 28/12/2021, dado que, iniciada a contagem do prazo recursal no primeiro dia útil seguinte, 29/12/2021 (quarta-feira), em razão do feriado regimental entre 20/12/2021 e 06/01/2022 (art. 81, § 2º, I, do RISTJ) e das férias dos Ministros do STJ (de 07 a 31 de janeiro - art. 106, caput, do RISTJ), o vencimento do prazo se prorroga para o dia 1º/02/2022 (segunda-feira).
7. Ainda que assim não fosse, de se lembrar que a Terceira Seção desta Corte, por votação majoritária no julgamento do Habeas Corpus n. 482.549/SP, de Relatoria do Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, firmou entendimento no sentido de que "O habeas corpus, quando impetrado de forma concomitante com o recurso cabível contra o ato impugnado, será admissível apenas se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso do objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente".
Situação em que as irresignações da defesa serão melhor analisadas por ocasião do julgamento do agravo em execução já interposto e pendente de julgamento no Tribunal de Justiça, recurso esse que possui espectro de conhecimento bem mais amplo e aprofundado do que o permitido no rito do habeas corpus,
8. Agravo regimental não conhecido.
Com efeito, "é pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido" (AgRg no HC n. 531.227/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/09/2019, DJe 18/09/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Cuida-se de agravo regimental interposto por RAFAEL QUEIROZ DE OLIVEIRA contra decisão monocrática de minha lavra que indeferiu liminarmente o habeas corpus impetrado em seu favor.
Consta dos autos que o Juízo da Vara das Execuções Penais da Comarca da Capital/RJ indeferiu o pedido de saídas temporárias ao sentenciado (e-STJ fls. 32/36) - Execução Penal n. 0128275-13.2010.8.19.0001.
Inconformada, a defesa impetrou o Habeas Corpus n. 0072030-96.2021.8.19.0000 perante a Corte estadual, remédio esse não conhecido (e-STJ fls. 29/31).
No habeas corpus dirigido a este Tribunal Superior, a defesa alegava excesso de prazo na concessão dos benefícios da Lei de Execução Penal, bem como afirmava estarem presentes os requisitos legais para a concessão do trabalho externo e, ao final, requeria a concessão da ordem, para que fosse deferido o trabalho externo.
Indeferi liminarmente o habeas corpus, por se tratar de reiteração de pedido formulado no HC n. 714.790/SP, protocolado anteriormente nesta Corte.
No presente agravo regimental, a defesa do ora agravante alega que "o presente "writ" em epígrafe não possui o mesmo pedido, e nem a mesma causa de pedir do HC n. 714.790/RJ, impetrado anteriormente perante esta Corte do STJ, pois o "writ" anterior supracitado, além do pleito liminar, para que seja concedida a Ordem ao paciente, com a possibilidade de realização do trabalho externo, existe um pedido alternativo, postulando que seja concedido de ofício a VPL ao paciente" (e-STJ fl. 118).
Alega, ainda, que "indeferir liminarmente não conhecendo do habeas corpus, tornando prejudicado o presente "Writ", não é a solução mais adequada e coerente no caso em tela, pois trata-se de um Habeas Corpus com uma situação excepcional, um caso de urgência, devido a existência de flagrante ilegalidade, sofrida pelo paciente, ao ter o seu pedido liminar indeferido pelo Des. Relator do Tribunal de Origem, como forma de garantir a efetividade da prestação jurisdicional, é plenamente possível a superação da Súmula nº 691 do STF" (e-STJ fl. 119).
No mais, repisa argumentos já postos na impetração, no sentido de que o ora agravante faz jus ao deferimento de seu pleito de Trabalho Extramuros (TEM), por já ter preenchido todos os requisitos necessários para tanto.
Pede, assim, o provimento do regimental, para que seja "concedida a ordem de "ofício", tão somente para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro aprecie o mérito do habeas corpus originário como entender de direito" (fl. 123).
É o relatório.
VOTO
O SENHOR MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus, nos seguintes termos:
No caso, o presente habeas corpus apresenta o mesmo paciente, mesmo ato coator, mesmo pedido e mesma causa de pedir constante do HC n. 714.790/RJ, impetrado anteriormente perante esta Corte. Assim, por se tratar de mera reiteração, o presente writ não pode prosseguir.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA. MERA REITERAÇÃO DE PEDIDO (HC N. 316.928/GO). INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE.
1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão monocrática que negou seguimento ao writ, porquanto a questão relativa ao excesso de prazo na formação da culpa já foi objeto de apreciação por parte deste Tribunal Superior, quando da impetração do HC n. 316.928/GO, DE MINHA RELATORIA, cuja liminar foi indeferida em 24/2/2015 e cujo julgamento está designado para a data de 1º/9/2015.
2. Agravo regimental improvido
(AgRg no RCD no HC n. 329.224/GO, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 1º/9/2015, DJe 22/9/2015).
Ante o exposto, com base no art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o pedido.
Intimem-se.
Reitero que o pedido veiculado neste habeas corpus, protocolado em 05/02/2022, foi o mesmo posto no HC 714.790, autuado em 21/12/2021, e que ambos se insurgiam contra a mesma decisão de 1º grau - que, em 10/09/2021, nos autos da Execução Penal n. 0128275-13.2010.8.19.0001, indeferiu o pleito de concessão de Trabalho Extramuros ao ora agravante, assim como contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que não conheceu do Habeas Corpus n. 0072030-96.2021.8.19.0000.
Com efeito, no HC 714.790/RJ, o ora agravante pedia:
1º) Que seja concedido de Ofício, o Pleito de Trabalho Extramuros "TEM", ao apenado (Ora, Paciente), conforme a inteligência dos Art. 122, inciso III, c/c Art. 123, Inciso I e II, todos da LEP , em virtude do claro e cristalino constrangimento ilegal sofrido pelo apenado (Ora, Paciente), pois o apenado já cumpriu todos os requisitos necessários, pois já se encontra no Regime SemiAberto Seq. 1.138 , tendo preenchido os requisitos objetivos em (25/10/2019), e subjetivos (Exames Criminológicos Positivos) conforme a Seq. 130.1/.2 , e a (TFD) na Seq. 201.1 no bom comportamento carcerário, pois nos últimos 12 (doze) meses sem falta grave, fazendo jus o paciente para tal pretensão;
2º) Que seja determinado de Ofício, que seja tornado sem efeito as decisões guerreadas em anexo, contra a qual se insurge a defesa, para que seja concedido ao apenado o benefício de Trabalho Extramuros "TEM", como medida da mais pura e lídima Justiça!!.
3º) Salvo melhor juízo, em caso de não entendimento pelo TEM, o que essa defesa não espera, que seja concedido de oficio a VPL ao paciente, uma vez que o mesmo cumpriu todos os pré requisitos, estando a dos anos no regime semi aberto, tendo bom comportamento, sem a existências de falta grave e consequentemente, sem a existência de CTC, fazendo valer o seu direito suprimido pelos juízo coator pelas razões já demonstradas.
(negritei)
Por sua vez, no presente habeas corpus, a defesa do ora agravante pleiteou:
1º) Que seja concedido de "Ofício", o Pleito de Trabalho Extramuros "TEM", ao apenado (Ora, Paciente), conforme a inteligência dos Art. 122, inciso III, c/c Art. 123, Inciso I e II, todos da LEP , em virtude do claro e cristalino constrangimento ilegal sofrido pelo apenado (Ora, Paciente), pois o apenado já cumpriu todos os requisitos necessários, pois já se encontra no Regime SemiAberto Seq. 1.138 , tendo preenchido os requisitos objetivos em (25/10/2019), e subjetivos (Exames Criminológicos Positivos) conforme a Seq. 130.1/.2 , e a (TFD) na Seq. 201.1 no bom comportamento carcerário, pois nos últimos 12 (doze) meses sem falta grave, fazendo jus o paciente para tal pretensão;
2º) Que seja determinado de "Ofício", que seja tornado sem efeito a decisão guerreada na Seq. 204.1 , conforme a (Decisão Atacada II) anexa (doc.junto), contra a qual se insurge a defesa, para que seja concedido ao apenado o benefício de Trabalho Extramuros "TEM"; OU SE V. EX.A ASSIM NÃO ENTENDER;
3º) Que seja concedida a Ordem de "Ofício", tão somente para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, se manifeste com urgência, sobre eventual existência de flagrante ilegalidade na decisão do Juiz da Vara de Execuções Penais - VEP , aprecie o mérito do habeas corpus originário como entender de direito, pois assim estará sendo feita a mais pura e salutar Justiça!!.
(e-STJ fl. 26 - negritei).
Vê-se, assim, que o mesmo pedido de concessão de trabalho extramuros foi veiculado nas duas impetrações.
Ainda que no presente habeas corpus a defesa tenha requerido também a devolução dos autos ao Tribunal de Justiça para que examinasse o mérito da controvérsia, registro que, ao julgar o agravo regimental interposto pelo ora agravante no HC n. 714.790, na sessão de julgamento da Quinta Turma do STJ, em 15/02/2022, consignei, no voto e na ementa do acórdão, que a pretensão esbarrava em entendimento da Terceira Seção desta Corte sobre a impossibilidade de se conhecer de habeas corpus impetrado simultaneamente com recurso próprio veiculando o mesmo pedido, e que, de toda sorte, o pedido seria devidamente examinado pelo Tribunal de Justiça quando do julgamento do agravo em execução interposto tempestivamente pela defesa contra a mesma decisão de 1º grau, conforme se vê do andamento da execução penal no SEEU.
Eis a ementa do acórdão proferido no Agravo regimental no HC n. 714.790/RJ:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. EXECUÇÃO PENAL. PRETENSÃO DE CONCESSÃO DO DIREITO DE TRABALHO EXTRAMUROS NEGADA NO 1º GRAU, ANTE HISTÓRICO DE EVASÃO POR MAIS DE 9 MESES. SUSPENSÃO OU INTERRUPÇÃO DE PRAZOS PROCESSUAIS PENAIS DURANTE O RECESSO FORENSE E AS FÉRIAS REGIMENTAIS: INOCORRÊNCIA. INTEMPESTIVIDADE. HABEAS CORPUS IMPETRADO NA CORTE DE ORIGEM QUE VEICULA IDÊNTICO PEDIDO POSTO EM AGRAVO EM EXECUÇÃO AINDA PENDENTE DE JULGAMENTO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO CONHECIDO.
1. O agravo contra decisão monocrática de Relator, em controvérsias que versam sobre matéria penal ou processual penal, nos tribunais superiores, não obedece às regras no novo CPC referentes à contagem dos prazos em dias úteis (art. 219, Lei 13.105/2015) e ao estabelecimento de prazo de 15 (quinze) dias para todos os recursos, com exceção dos embargos de declaração (art. 1.003, § 5º, Lei 13.105/2015).
2. Isso porque, no ponto, não foi revogada, expressamente, como ocorreu com outros de seus artigos, a norma especial da Lei 8.038/90 que estabelece o prazo de cinco dias para o agravo regimental.
3. Além disso, a regra do art. 798 do Código de Processo Penal, segundo a qual "Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado" constitui norma especial em relação às alterações trazidas pela Lei 13.105/2015.
4. A suspensão do curso dos prazos processuais prevista no art. 220 do NCPC, regulamentada pela Resolução CNJ n. 244, de 19/9/2016, não incide sobre os processos de competência da Justiça Criminal, visto que submetidos, quanto a esse tema, ao regramento disposto no art. 798, caput e § 3º, do CPP. A continuidade dos prazos processuais penais é afirmada, no caso, pelo princípio da especialidade.
5. Não por outra razão, a jurisprudência desta Corte Superior consolidou-se no sentido de que o recesso judiciário e o período de férias coletivas, em matéria processual penal, têm como efeito, em relação aos prazos vencidos no seu curso, a mera prorrogação do vencimento para o primeiro dia útil subsequente ao seu término, não havendo interrupção ou suspensão (AgRg no Inq 1.105/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Corte Especial, julgado em 29/03/2017, DJe 19/04/2017).
6. É de se reconhecer a intempestividade de agravo regimental interposto em 04/02/2022 (sexta-feira) contra decisão publicada em 28/12/2021, dado que, iniciada a contagem do prazo recursal no primeiro dia útil seguinte, 29/12/2021 (quarta-feira), em razão do feriado regimental entre 20/12/2021 e 06/01/2022 (art. 81, § 2º, I, do RISTJ) e das férias dos Ministros do STJ (de 07 a 31 de janeiro - art. 106, caput, do RISTJ), o vencimento do prazo se prorroga para o dia 1º/02/2022 (segunda-feira).
7. Ainda que assim não fosse, de se lembrar que a Terceira Seção desta Corte, por votação majoritária no julgamento do Habeas Corpus n. 482.549/SP, de Relatoria do Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, firmou entendimento no sentido de que "O habeas corpus, quando impetrado de forma concomitante com o recurso cabível contra o ato impugnado, será admissível apenas se for destinado à tutela direta da liberdade de locomoção ou se traduzir pedido diverso do objeto do recurso próprio e que reflita mediatamente na liberdade do paciente".
Situação em que as irresignações da defesa serão melhor analisadas por ocasião do julgamento do agravo em execução já interposto e pendente de julgamento no Tribunal de Justiça, recurso esse que possui espectro de conhecimento bem mais amplo e aprofundado do que o permitido no rito do habeas corpus,
8. Agravo regimental não conhecido.
Com efeito, "é pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido" (AgRg no HC n. 531.227/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 10/09/2019, DJe 18/09/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS NA EXECUÇÃO PENAL. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS POSTOS EM HABEAS CORPUS JÁ DECIDIDO POR ESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. É pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS NA EXECUÇÃO PENAL. REITERAÇÃO DE ARGUMENTOS POSTOS EM HABEAS CORPUS JÁ DECIDIDO POR ESTA CORTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. É pacífico o entendimento firmado nesta Corte de que não se conhece de habeas corpus cuja questão já tenha sido objeto de análise em oportunidade diversa, tratando-se de mera reiteração de pedido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento. | N |
145,342,308 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. SEM A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE (SÚMULA 439/STJ). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. FALTA GRAVE RECENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
2. Embora a alteração legislativa produzida pela Lei n. 10.792/2003, no art. 112 da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP), tenha suprimido a referência expressa ao exame criminológico como requisito à progressão de regime, esta Corte consolidou entendimento, por meio do enunciado n. 439, da Súmula/STJ, no sentido de que o magistrado pode, de forma fundamentada, exigir a sua realização. Tal fundamentação, entretanto, deve estar relacionada a algum elemento concreto da execução da pena, não se admitindo a simples referência à gravidade abstrata do delito ou à longevidade da pena. Precedentes do STJ.
3. A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos. (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
4. No caso concreto, em que pese o Tribunal de Justiça ter feito alusão à gravidade em abstrato dos delitos cometidos pelo executado (estelionato e extorsão qualificada), fator que, por si só, não justifica a realização do exame criminológico, há menção a elemento concreto, consubstanciado em falta grave (dano ao patrimônio) cometida em 07/02/2020, portanto recente, fundamento esse que constitui justificativa idônea para a realização do exame criminológico.
5. Assim, na espécie, há um registro de infração grave não longínqua a ser considerado, o que justifica a determinação de exame criminológico para progressão ao regime semiaberto.
6. Agravo regimental não provido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por LINENCIO DE MAURO REIS contra decisão monocrática de minha lavra que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor.
Em minha decisão, entendi ser idônea a justificativa apresentada pelo Tribunal de Justiça (falta grave praticada pelo ora agravante em 07/02/2020) para determinar a realização de exame criminológico destinado a futura reavaliação do requisito subjetivo do executado para fins de progressão de regime.
No presente agravo regimental, sustenta que "não merece prevalecer o fundamento de que a única falta de natureza grave do agravante é "relativamente recente", vez que seu cometimento já data dois anos e não há qualquer outra mácula em sua conduta carcerária" (e-STJ fl. 138).
Defende, assim, que "a r. decisão agravada merece reforma na medida em que utilizou, data venia, conceito temporal vago sobre a falta grave para negar ao agravante direito assegurado por lei mediante o cumprimento de requisitos que foram devidamente preenchidos" (e-STJ fl. 138).
Pede, ao final, "seja PROVIDO o presente agravo regimental, para que o writ seja conhecido, com o seu regular prosseguimento e apreciação do pedido liminar, até a concessão da ordem em definitivo" (e-STJ fl. 139).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que não conheceu habeas corpus, nos seguintes termos:
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Da realização de exame criminológico
A questão posta a deslinde refere-se à necessidade de realização do exame criminológico para o deferimento de pedido de progressão de regime.
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que o art. 112 da Lei de Execução Penal, após a alteração trazida pela Lei n. 10.792/2003, e ainda pela Lei mais recente n. 13.964/2019, não mais exige a submissão do apenado ao exame criminológico para a concessão de benefícios:
Art. 112 ..
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Todavia, o Juiz da Execução, ou mesmo o Tribunal de Justiça, de forma fundamentada, pode determinar, diante das peculiaridades do caso, a realização do aludido exame para a formação do seu convencimento, nos termos do enunciado n. 439 da Súmula desta Corte, segundo o qual "Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada".
O tema também foi objeto da Súmula Vinculante n. 26 do Supremo Tribunal Federal:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
De outro lado, a jurisprudência desta Corte pacificou entendimento no sentido de que fatores relacionados ao crime praticado são determinantes da pena aplicada, mas não justificam diferenciado tratamento para a progressão de regime ou livramento condicional, de modo que o exame criminológico somente poderá fundar-se em fatos ocorridos no curso da própria execução penal.
Assim sendo, a gravidade abstrata dos crimes praticados, eventual grande quantidade de pena ainda pendente de cumprimento, faltas graves cometidas em período longínquo e já reabilitadas não constituem fundamento idôneo a justificar a realização de exame criminológico.
Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. CONCESSÃO PELO JUÍZO DE 1º GRAU. DECISÃO CASSADA PELO TRIBUNAL A QUO. DETERMINAÇÃO DE QUE O PACIENTE SEJA SUBMETIDO A EXAME CRIMINOLÓGICO. GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS PRATICADOS. LONGA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESPROVIDO.
I - (..).
II - No caso, o eg. Tribunal a quo cassou a r. decisão que deferiu a progressão de regime ao paciente e determinou a realização de exame criminológico, com fundamento, apenas, na gravidade abstrata dos crimes praticados e na longa pena a cumprir, não apontando elementos concretos ocorridos durante a execução da pena, aptos a impedir o benefício.
III - Dessarte, foi concedida a ordem, de ofício, para cassar o v. acórdão proferido no agravo em execução e restabelecer a r. decisão do d. Juízo das execuções que concedeu a progressão ao regime semiaberto ao paciente, em razão da constatação da flagrante ilegalidade.
Agravo regimental do Ministério Público Federal desprovido.
(AgRg no HC 553.355/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 18/03/2020)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. EXIGÊNCIA DE EXAME CRIMINOLÓGICO E NEGATIVA DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO PARA A OBTENÇÃO DA BENESSE. ORDEM CONCEDIDA PARA PROMOVER A PROGRESSÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que cumpre ao julgador verificar, em cada caso, a necessidade, ou não, de realização do exame criminológico, podendo dispensá-lo ou, ao contrário, determinar sua realização, desde que mediante decisão concretamente fundamentada na conduta do apenado no decorrer da execução, nos termos da Súmula 439/STJ.
2. A gravidade do delito praticado, o receio de conceder o benefício ao reeducando e a falta grave prescrita não podem justificar a exigência de exame criminológico ou fundamentarem a negativa de progressão de regime com base no critério subjetivo.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 512.104/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 12/09/2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. DETERMINAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A teor da Súmula n. 439 deste Superior Tribunal, admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
2. As instâncias ordinárias não fundamentaram de maneira idônea a necessidade da perícia, pois, a teor dos precedentes desta Corte, a gravidade abstrata do crime objeto da execução (roubo) e a mínima vigilância do regime prisional aberto não são aspectos negativos relacionados à execução penal, a denotar a necessidade de aferição mais minuciosa do mérito subjetivo do apenado.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC 116.291/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 30/09/2019)
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. CONCESSÃO PELO JUÍZO DE 1º GRAU. DECISÃO CASSADA PELO TRIBUNAL A QUO. DETERMINAÇÃO QUE A PACIENTE SEJA SUBMETIDA A EXAME CRIMINOLÓGICO. GRAVIDADE DOS DELITOS PRATICADOS, LONGA PENA A CUMPRIR E FALTA GRAVE VETUSTA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - O eg. Tribunal a quo cassou a decisão que deferiu a progressão de regime à paciente e determinou a realização de exame criminológico, com fundamento apenas na gravidade abstrata dos crimes por ela praticados, na sua longa pena a cumprir, bem como na vetusta falta grave por ela cometida em 9/6/2009 (há mais de dez anos); os fundamentos utilizados não se mostram idôneos para afastar a presença do requisito subjetivo e indeferir a progressão de regime. Precedentes.
III - Além disso, este Tribunal Superior de Justiça tem se manifestado no sentido de que faltas graves cometidas em período longínquo e já reabilitadas não configuram fundamento idôneo para indeferir o pedido de progressão de regime. Precedentes.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar o v. acórdão proferido no agravo em execução n. 7002012-73.2018.8.26.0344, e restabelecer a decisão do d. Juízo das Execuções que concedeu a progressão de regime à paciente.
(HC 509.389/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2019, DJe 27/06/2019)
No caso concreto, ao determinar a realização de exame criminológico, o Tribunal de Justiça lançou os seguintes fundamentos:
O agravo comporta provimento.
O reeducando foi condenado à pena de onze (11) anos, cinco (5) meses e nove (9) dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de diversos delitos, tais como estelionato, extorsão qualificada e embriaguez ao volante (fls. 65/70).
Ele ostenta "bom" comportamento carcerário (fls. 64). A pena foi cumprida no patamar de 21,106 %, cujo término está previsto para 14.11.2030 (fls. 65).
O agravado registra a prática de uma falta disciplinar grave, consistente em dano ao patrimônio, realizada em 7.2.2020 e reabilitada em 5.2.2021 (fls. 69).
O exame criminológico é necessário.
Não se baseia sua necessidade na gravidade dos crimes, que existe, e na duração da pena, mas sim, na propensão dele voltar a cometer infrações penais e de que maneira aceitou as condenações, ademais, se há arrependimento, ou não. Demais disso, qual seria, de maneira embrionária, o móvel dos crimes.
(..)
Isso é importante porque ele voltou a reincidir mesmo depois de inserido no sistema carcerário, aliás, quando teve oportunidade de demonstrar senso de disciplina e responsabilidade, frustrou a confiança nele depositada pelo Estado. Ademais, os crimes são graves, estelionato e principalmente o de extorsão qualificada, que envolve violência ou grave ameaça à pessoa, a demonstrar sua propensão ao "lucro fácil", sem se preocupar com a convivência social zelando pelos princípios do "viver honestamente" e "não causar prejuízo a outrem". Todo cuidado é importante para a reinserção dele.
Na verdade, ao se submeter o reeducando ao exame nomeado, quer-se ter maiores subsídios para conceder, ou não, a benesse. Prevalece a prudência em deixar por um pouco mais de tempo o sentenciado no regime mais rigoroso para verificar seu comportamento no cárcere, para dar-lhe oportunidade de demonstrar sua evolução.
(..)
Ante o exposto, vota-se pelo provimento do recurso, cassando-se a decisão concessiva de progressão, determinando-se a realização de exame criminológico.
(e-STJ fls. 115/117 - negritei)
Em que pese a Corte estadual tenha mencionado a longevidade da pena, bem como os crimes em si, fatores que, por si só, não justificam a realização do exame criminológico, há menção a elementos concretos, como a falta de natureza grave relativamente recente praticada pelo paciente durante a execução de sua pena, fundamento esse que constitui justificativa idônea para a realização do exame criminológico.
Com efeito, a leitura do Boletim Informativo da execução (e-STJ fls. 79/85) indica o cometimento de falta grave em 07/02/2020 (dano ao patrimônio).
Posto esse contexto, vê-se que o acórdão impugnado não destoa da jurisprudência desta Corte no sentido de que faltas graves recentes justificam a realização de exame criminológico, para fins de progressão de regime. Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO. NECESSIDADE JUSTIFICADA. FALTAS GRAVES. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. RESOLUÇÃO 62 DO CNJ. COVID-19. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA SITUAÇÃO CONCRETA DE SAÚDE DO APENADO. CONDENAÇÃO EM CRIMES DE VIOLÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. .. o Tribunal de origem entendeu indispensável a realização de exame criminológico escorado em elementos concretos colhidos do histórico prisional do apenado que cometeu duas faltas graves, além de ter se evadido da pena no decorrer da execução, elementos que justificam a necessidade do exame .. (AgRg no HC 559.692/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe 29/6/2020).
2. A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos. (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021)
3. No caso, a Corte de origem destacou elementos concretos, atinentes à execução da pena, consistentes na prática de várias faltas disciplinares graves, com histórico de evasão. Além disso, sequer foi juntado aos autos o Boletim Informativo de pena, o qual comprovaria a falta de registro de infrações.
(..)
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 701.582/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021) - negritei.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLEMENTADO. HISTÓRICO PRISIONAL CONTURBADO. APENADO QUE PRATICOU DIVERSAS FALTAS DISCIPLINARES DURANTE A EXECUÇÃO. DETERMINAÇÃO DA FEITURA DE EXAME CRIMINOLÓGICO. SÚMULA N. 439 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Tribunal a quo cassou a decisão concessiva da progressão ao regime aberto por ausência do requisito subjetivo, tendo em vista, sobretudo, o conturbado histórico prisional do apenado, que praticou diversas faltas disciplinares no curso da execução da pena.
2. A determinação de submissão do ora paciente a exame criminológico para progressão prisional está devidamente fundamentada em elementos concretos da execução, especialmente na existência de infrações disciplinares de natureza grave e média durante a execução, em consonância com o disposto no enunciado n. 439 da Súmula do STJ. Precedentes.
3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes.
4. O afastamento dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto ao mérito do reeducando demandaria o reexame de matéria fático-probatória, providência inviável na via estreita do habeas corpus.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 691.759/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021) - negritei.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE RECIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. SÚMULA N. 439 DO STJ. JUSTIFICATIVA CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A determinação de exame criminológico está em consonância com a Súmula n. 439 do STJ, pois a instância ordinária registrou a prática de duas faltas disciplinares (fuga) para justificar a dúvida sobre o requisito subjetivo da progressão de regime.
2. O período de reabilitação previsto nos estatutos penitenciários não vincula o Poder Judiciário na análise de benefícios da execução, sob pena de transformar o juiz em mero chancelador de documentos administrativos.
3. Não existe lei federal que dispõe sobre o período depurador do ato de indisciplina. Por analogia, o julgador poderá valer-se, por exemplo, de normas que regulamentam situação similar, de perda dos efeitos de uma tendência antissocial (arts. 64, I, e 94, ambos do CP) ou do entendimento jurisprudencial sobre a prescrição da pretensão disciplinar, sempre atento às características da falta grave e ao montante de pena a cumprir, para evitar o efeito ad eternum da conduta.
4. O prazo decorrido desde a última fuga do apenado (um ano e seis meses) era insuficiente para a desconsideração do mau comportamento carcerário.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 676.512/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 12/11/2021) - negritei.
Tudo isso ponderado, não ficou demonstrada a existência, no caso concreto, de constrangimento ilegal a justificar a concessão da ordem de ofício.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do presente habeas corpus.
Incabível a manutenção em regime semiaberto, já que o exame criminológico é imprescindível à verificação do requisito subjetivo.
De se lembrar que "O atestado de boa conduta carcerária não assegura o livramento condicional ou a progressão de regime ao apenado que cumpriu o requisito temporal, pois o Juiz não é mero órgão chancelador de documentos administrativos e pode, com lastros em dados concretos, fundamentar sua dúvida quanto ao bom comportamento durante a execução da pena" (AgRg no HC 572.409/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 10/06/2020).
Registro, por fim, ser irrelevante o fato de que os precedentes por mim indicados na decisão ora agravada fazem alusão ao cometimento de mais de uma falta grave como motivo justificador da realização do exame criminológico, pois, ainda que o Boletim Informativo da execução (e-STJ fls. 79/85) indique uma única falta grave cometida em 07/02/2020 (dano ao patrimônio), ela deve ser considerada recente e, por si só, constitui fundamento idôneo a autorizar a realização do exame.
Nesse sentido:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO DETERMINADO. SÚMULA 439/STJ. SÚMULA VINCULANTE 26/STF. DECISÃO FUNDAMENTADA EM ELEMENTOS CONCRETOS DA EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. COM RECOMENDAÇÃO.
I - (..).
II - Com as inovações trazidas pela Lei n. 10.792/03, alterando a redação do art. 112 da Lei n. 7.210/84, afastou-se a exigência de exame criminológico para fins de progressão de regime como regra geral. Nada obstante, este eg. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o Magistrado de 1º Grau, ou mesmo o Tribunal de origem, diante das circunstâncias do caso concreto, podem determinar a realização da referida prova técnica para a formação de seu convencimento acerca do merecimento do apenado, desde que por decisão fundamentada. Súmula n. 439/STJ e Súmula Vinculante n. 26.
III - In casu, o eg. Tribunal de origem, ao manter o decisum do d. Juízo a quo, fundamentou sua decisão não apenas na gravidade abstrata dos crimes e na longa pena a cumprir, mas também em razão de o ora paciente ter cometido falta grave no curso da execução penal, bem como violado as obrigações impostas em sede de livramento condicional.
Habeas corpus não conhecido. Recomenda-se celeridade na realização do exame criminológico.
(HC 656.304/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 24/08/2021) - negritei.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Cuida-se de agravo regimental interposto por LINENCIO DE MAURO REIS contra decisão monocrática de minha lavra que não conheceu do habeas corpus impetrado em seu favor.
Em minha decisão, entendi ser idônea a justificativa apresentada pelo Tribunal de Justiça (falta grave praticada pelo ora agravante em 07/02/2020) para determinar a realização de exame criminológico destinado a futura reavaliação do requisito subjetivo do executado para fins de progressão de regime.
No presente agravo regimental, sustenta que "não merece prevalecer o fundamento de que a única falta de natureza grave do agravante é "relativamente recente", vez que seu cometimento já data dois anos e não há qualquer outra mácula em sua conduta carcerária" (e-STJ fl. 138).
Defende, assim, que "a r. decisão agravada merece reforma na medida em que utilizou, data venia, conceito temporal vago sobre a falta grave para negar ao agravante direito assegurado por lei mediante o cumprimento de requisitos que foram devidamente preenchidos" (e-STJ fl. 138).
Pede, ao final, "seja PROVIDO o presente agravo regimental, para que o writ seja conhecido, com o seu regular prosseguimento e apreciação do pedido liminar, até a concessão da ordem em definitivo" (e-STJ fl. 139).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo.
Em que pesem os judiciosos argumentos postos no agravo regimental, tenho que não tiveram o condão de abalar os fundamentos da decisão monocrática que não conheceu habeas corpus, nos seguintes termos:
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe 27/5/2015; e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julg. em 3/12/2013, DJ 28/2/2014.
Este é exatamente o caso dos autos, em que a presente impetração faz as vezes de recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Da realização de exame criminológico
A questão posta a deslinde refere-se à necessidade de realização do exame criminológico para o deferimento de pedido de progressão de regime.
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacífico no sentido de que o art. 112 da Lei de Execução Penal, após a alteração trazida pela Lei n. 10.792/2003, e ainda pela Lei mais recente n. 13.964/2019, não mais exige a submissão do apenado ao exame criminológico para a concessão de benefícios:
Art. 112 ..
§ 1º Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)
Todavia, o Juiz da Execução, ou mesmo o Tribunal de Justiça, de forma fundamentada, pode determinar, diante das peculiaridades do caso, a realização do aludido exame para a formação do seu convencimento, nos termos do enunciado n. 439 da Súmula desta Corte, segundo o qual "Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada".
O tema também foi objeto da Súmula Vinculante n. 26 do Supremo Tribunal Federal:
Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
De outro lado, a jurisprudência desta Corte pacificou entendimento no sentido de que fatores relacionados ao crime praticado são determinantes da pena aplicada, mas não justificam diferenciado tratamento para a progressão de regime ou livramento condicional, de modo que o exame criminológico somente poderá fundar-se em fatos ocorridos no curso da própria execução penal.
Assim sendo, a gravidade abstrata dos crimes praticados, eventual grande quantidade de pena ainda pendente de cumprimento, faltas graves cometidas em período longínquo e já reabilitadas não constituem fundamento idôneo a justificar a realização de exame criminológico.
Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. CONCESSÃO PELO JUÍZO DE 1º GRAU. DECISÃO CASSADA PELO TRIBUNAL A QUO. DETERMINAÇÃO DE QUE O PACIENTE SEJA SUBMETIDO A EXAME CRIMINOLÓGICO. GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS PRATICADOS. LONGA PENA A CUMPRIR. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DESPROVIDO.
I - (..).
II - No caso, o eg. Tribunal a quo cassou a r. decisão que deferiu a progressão de regime ao paciente e determinou a realização de exame criminológico, com fundamento, apenas, na gravidade abstrata dos crimes praticados e na longa pena a cumprir, não apontando elementos concretos ocorridos durante a execução da pena, aptos a impedir o benefício.
III - Dessarte, foi concedida a ordem, de ofício, para cassar o v. acórdão proferido no agravo em execução e restabelecer a r. decisão do d. Juízo das execuções que concedeu a progressão ao regime semiaberto ao paciente, em razão da constatação da flagrante ilegalidade.
Agravo regimental do Ministério Público Federal desprovido.
(AgRg no HC 553.355/SP, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 18/03/2020)
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. EXIGÊNCIA DE EXAME CRIMINOLÓGICO E NEGATIVA DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO PARA A OBTENÇÃO DA BENESSE. ORDEM CONCEDIDA PARA PROMOVER A PROGRESSÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. É pacífica a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que cumpre ao julgador verificar, em cada caso, a necessidade, ou não, de realização do exame criminológico, podendo dispensá-lo ou, ao contrário, determinar sua realização, desde que mediante decisão concretamente fundamentada na conduta do apenado no decorrer da execução, nos termos da Súmula 439/STJ.
2. A gravidade do delito praticado, o receio de conceder o benefício ao reeducando e a falta grave prescrita não podem justificar a exigência de exame criminológico ou fundamentarem a negativa de progressão de regime com base no critério subjetivo.
3. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 512.104/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/09/2019, DJe 12/09/2019)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. DETERMINAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A teor da Súmula n. 439 deste Superior Tribunal, admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada.
2. As instâncias ordinárias não fundamentaram de maneira idônea a necessidade da perícia, pois, a teor dos precedentes desta Corte, a gravidade abstrata do crime objeto da execução (roubo) e a mínima vigilância do regime prisional aberto não são aspectos negativos relacionados à execução penal, a denotar a necessidade de aferição mais minuciosa do mérito subjetivo do apenado.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no RHC 116.291/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 30/09/2019)
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. CONCESSÃO PELO JUÍZO DE 1º GRAU. DECISÃO CASSADA PELO TRIBUNAL A QUO. DETERMINAÇÃO QUE A PACIENTE SEJA SUBMETIDA A EXAME CRIMINOLÓGICO. GRAVIDADE DOS DELITOS PRATICADOS, LONGA PENA A CUMPRIR E FALTA GRAVE VETUSTA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - O eg. Tribunal a quo cassou a decisão que deferiu a progressão de regime à paciente e determinou a realização de exame criminológico, com fundamento apenas na gravidade abstrata dos crimes por ela praticados, na sua longa pena a cumprir, bem como na vetusta falta grave por ela cometida em 9/6/2009 (há mais de dez anos); os fundamentos utilizados não se mostram idôneos para afastar a presença do requisito subjetivo e indeferir a progressão de regime. Precedentes.
III - Além disso, este Tribunal Superior de Justiça tem se manifestado no sentido de que faltas graves cometidas em período longínquo e já reabilitadas não configuram fundamento idôneo para indeferir o pedido de progressão de regime. Precedentes.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar o v. acórdão proferido no agravo em execução n. 7002012-73.2018.8.26.0344, e restabelecer a decisão do d. Juízo das Execuções que concedeu a progressão de regime à paciente.
(HC 509.389/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 18/06/2019, DJe 27/06/2019)
No caso concreto, ao determinar a realização de exame criminológico, o Tribunal de Justiça lançou os seguintes fundamentos:
O agravo comporta provimento.
O reeducando foi condenado à pena de onze (11) anos, cinco (5) meses e nove (9) dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática de diversos delitos, tais como estelionato, extorsão qualificada e embriaguez ao volante (fls. 65/70).
Ele ostenta "bom" comportamento carcerário (fls. 64). A pena foi cumprida no patamar de 21,106 %, cujo término está previsto para 14.11.2030 (fls. 65).
O agravado registra a prática de uma falta disciplinar grave, consistente em dano ao patrimônio, realizada em 7.2.2020 e reabilitada em 5.2.2021 (fls. 69).
O exame criminológico é necessário.
Não se baseia sua necessidade na gravidade dos crimes, que existe, e na duração da pena, mas sim, na propensão dele voltar a cometer infrações penais e de que maneira aceitou as condenações, ademais, se há arrependimento, ou não. Demais disso, qual seria, de maneira embrionária, o móvel dos crimes.
(..)
Isso é importante porque ele voltou a reincidir mesmo depois de inserido no sistema carcerário, aliás, quando teve oportunidade de demonstrar senso de disciplina e responsabilidade, frustrou a confiança nele depositada pelo Estado. Ademais, os crimes são graves, estelionato e principalmente o de extorsão qualificada, que envolve violência ou grave ameaça à pessoa, a demonstrar sua propensão ao "lucro fácil", sem se preocupar com a convivência social zelando pelos princípios do "viver honestamente" e "não causar prejuízo a outrem". Todo cuidado é importante para a reinserção dele.
Na verdade, ao se submeter o reeducando ao exame nomeado, quer-se ter maiores subsídios para conceder, ou não, a benesse. Prevalece a prudência em deixar por um pouco mais de tempo o sentenciado no regime mais rigoroso para verificar seu comportamento no cárcere, para dar-lhe oportunidade de demonstrar sua evolução.
(..)
Ante o exposto, vota-se pelo provimento do recurso, cassando-se a decisão concessiva de progressão, determinando-se a realização de exame criminológico.
(e-STJ fls. 115/117 - negritei)
Em que pese a Corte estadual tenha mencionado a longevidade da pena, bem como os crimes em si, fatores que, por si só, não justificam a realização do exame criminológico, há menção a elementos concretos, como a falta de natureza grave relativamente recente praticada pelo paciente durante a execução de sua pena, fundamento esse que constitui justificativa idônea para a realização do exame criminológico.
Com efeito, a leitura do Boletim Informativo da execução (e-STJ fls. 79/85) indica o cometimento de falta grave em 07/02/2020 (dano ao patrimônio).
Posto esse contexto, vê-se que o acórdão impugnado não destoa da jurisprudência desta Corte no sentido de que faltas graves recentes justificam a realização de exame criminológico, para fins de progressão de regime. Confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. REQUISITO SUBJETIVO. EXAME CRIMINOLÓGICO. NECESSIDADE JUSTIFICADA. FALTAS GRAVES. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. RESOLUÇÃO 62 DO CNJ. COVID-19. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA SITUAÇÃO CONCRETA DE SAÚDE DO APENADO. CONDENAÇÃO EM CRIMES DE VIOLÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. .. o Tribunal de origem entendeu indispensável a realização de exame criminológico escorado em elementos concretos colhidos do histórico prisional do apenado que cometeu duas faltas graves, além de ter se evadido da pena no decorrer da execução, elementos que justificam a necessidade do exame .. (AgRg no HC 559.692/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Quinta Turma, julgado em 23/6/2020, DJe 29/6/2020).
2. A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos. (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021)
3. No caso, a Corte de origem destacou elementos concretos, atinentes à execução da pena, consistentes na prática de várias faltas disciplinares graves, com histórico de evasão. Além disso, sequer foi juntado aos autos o Boletim Informativo de pena, o qual comprovaria a falta de registro de infrações.
(..)
7. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 701.582/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 12/11/2021) - negritei.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. INDEFERIMENTO. REQUISITO SUBJETIVO NÃO IMPLDO. HISTÓRICO PRISIONAL CONTURBADO. APENADO QUE PRATICOU DIVERSAS FALTAS DISCIPLINARES DURANTE A EXECUÇÃO. DETERMINAÇÃO DA FEITURA DE EXAME CRIMINOLÓGICO. SÚMULA N. 439 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Tribunal a quo cassou a decisão concessiva da progressão ao regime aberto por ausência do requisito subjetivo, tendo em vista, sobretudo, o conturbado histórico prisional do apenado, que praticou diversas faltas disciplinares no curso da execução da pena.
2. A determinação de submissão do ora paciente a exame criminológico para progressão prisional está devidamente fundamentada em elementos concretos da execução, especialmente na existência de infrações disciplinares de natureza grave e média durante a execução, em consonância com o disposto no enunciado n. 439 da Súmula do STJ. Precedentes.
3. Não se aplica limite temporal à análise do requisito subjetivo, devendo ser analisado todo o período de execução da pena, a fim de se averiguar o mérito do apenado. Precedentes.
4. O afastamento dos fundamentos utilizados pelas instâncias ordinárias quanto ao mérito do reeducando demandaria o reexame de matéria fático-probatória, providência inviável na via estreita do habeas corpus.
5. Agravo regimental desprovido.
(AgRg no HC 691.759/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 09/11/2021, DJe 16/11/2021) - negritei.
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROGRESSÃO DE RECIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. SÚMULA N. 439 DO STJ. JUSTIFICATIVA CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. A determinação de exame criminológico está em consonância com a Súmula n. 439 do STJ, pois a instância ordinária registrou a prática de duas faltas disciplinares (fuga) para justificar a dúvida sobre o requisito subjetivo da progressão de regime.
2. O período de reabilitação previsto nos estatutos penitenciários não vincula o Poder Judiciário na análise de benefícios da execução, sob pena de transformar o juiz em mero chancelador de documentos administrativos.
3. Não existe lei federal que dispõe sobre o período depurador do ato de indisciplina. Por analogia, o julgador poderá valer-se, por exemplo, de normas que regulamentam situação similar, de perda dos efeitos de uma tendência antissocial (arts. 64, I, e 94, ambos do CP) ou do entendimento jurisprudencial sobre a prescrição da pretensão disciplinar, sempre atento às características da falta grave e ao montante de pena a cumprir, para evitar o efeito ad eternum da conduta.
4. O prazo decorrido desde a última fuga do apenado (um ano e seis meses) era insuficiente para a desconsideração do mau comportamento carcerário.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 676.512/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 26/10/2021, DJe 12/11/2021) - negritei.
Tudo isso ponderado, não ficou demonstrada a existência, no caso concreto, de constrangimento ilegal a justificar a concessão da ordem de ofício.
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do presente habeas corpus.
Incabível a manutenção em regime semiaberto, já que o exame criminológico é imprescindível à verificação do requisito subjetivo.
De se lembrar que "O atestado de boa conduta carcerária não assegura o livramento condicional ou a progressão de regime ao apenado que cumpriu o requisito temporal, pois o Juiz não é mero órgão chancelador de documentos administrativos e pode, com lastros em dados concretos, fundamentar sua dúvida quanto ao bom comportamento durante a execução da pena" (AgRg no HC 572.409/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 02/06/2020, DJe 10/06/2020).
Registro, por fim, ser irrelevante o fato de que os precedentes por mim indicados na decisão ora agravada fazem alusão ao cometimento de mais de uma falta grave como motivo justificador da realização do exame criminológico, pois, ainda que o Boletim Informativo da execução (e-STJ fls. 79/85) indique uma única falta grave cometida em 07/02/2020 (dano ao patrimônio), ela deve ser considerada recente e, por si só, constitui fundamento idôneo a autorizar a realização do exame.
Nesse sentido:
EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO DETERMINADO. SÚMULA 439/STJ. SÚMULA VINCULANTE 26/STF. DECISÃO FUNDAMENTADA EM ELEMENTOS CONCRETOS DA EXECUÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE REQUISITO SUBJETIVO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. COM RECOMENDAÇÃO.
I - (..).
II - Com as inovações trazidas pela Lei n. 10.792/03, alterando a redação do art. 112 da Lei n. 7.210/84, afastou-se a exigência de exame criminológico para fins de progressão de regime como regra geral. Nada obstante, este eg. Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o Magistrado de 1º Grau, ou mesmo o Tribunal de origem, diante das circunstâncias do caso concreto, podem determinar a realização da referida prova técnica para a formação de seu convencimento acerca do merecimento do apenado, desde que por decisão fundamentada. Súmula n. 439/STJ e Súmula Vinculante n. 26.
III - In casu, o eg. Tribunal de origem, ao manter o decisum do d. Juízo a quo, fundamentou sua decisão não apenas na gravidade abstrata dos crimes e na longa pena a cumprir, mas também em razão de o ora paciente ter cometido falta grave no curso da execução penal, bem como violado as obrigações impostas em sede de livramento condicional.
Habeas corpus não conhecido. Recomenda-se celeridade na realização do exame criminológico.
(HC 656.304/SP, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJDFT), QUINTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 24/08/2021) - negritei.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. SEM A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE (SÚMULA 439/STJ). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. FALTA GRAVE RECENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
2. Embora a alteração legislativa produzida pela Lei n. 10.792/2003, no art. 112 da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP), tenha suprimido a referência expressa ao exame criminológico como requisito à progressão de regime, esta Corte consolidou entendimento, por meio do enunciado n. 439, da Súmula/STJ, no sentido de que o magistrado pode, de forma fundamentada, exigir a sua realização. Tal fundamentação, entretanto, deve estar relacionada a algum elemento concreto da execução da pena, não se admitindo a simples referência à gravidade abstrata do delito ou à longevidade da pena. Precedentes do STJ.
3. A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos. (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
4. No caso concreto, em que pese o Tribunal de Justiça ter feito alusão à gravidade em abstrato dos delitos cometidos pelo executado (estelionato e extorsão qualificada), fator que, por si só, não justifica a realização do exame criminológico, há menção a elemento concreto, consubstanciado em falta grave (dano ao patrimônio) cometida em 07/02/2020, portanto recente, fundamento esse que constitui justificativa idônea para a realização do exame criminológico.
5. Assim, na espécie, há um registro de infração grave não longínqua a ser considerado, o que justifica a determinação de exame criminológico para progressão ao regime semiaberto.
6. Agravo regimental não provido. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE PROGRESSÃO AO REGIME SEMIABERTO. SEM A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE (SÚMULA 439/STJ). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. FALTA GRAVE RECENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da Corte Suprema, também passou a restringir as hipóteses de cabimento do habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso ou ação cabível, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade do paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus. (AgRg no HC 437.522/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 07/06/2018, DJe 15/06/2018)
2. Embora a alteração legislativa produzida pela Lei n. 10.792/2003, no art. 112 da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP), tenha suprimido a referência expressa ao exame criminológico como requisito à progressão de regime, esta Corte consolidou entendimento, por meio do enunciado n. 439, da Súmula/STJ, no sentido de que o magistrado pode, de forma fundamentada, exigir a sua realização. Tal fundamentação, entretanto, deve estar relacionada a algum elemento concreto da execução da pena, não se admitindo a simples referência à gravidade abstrata do delito ou à longevidade da pena. Precedentes do STJ.
3. A noção de bom comportamento do reeducando abrange a valoração de elementos que não se restringem ao atestado emitido pela direção carcerária, sob pena de transformar o juiz em mero homologador de documentos administrativos. (AgRg no HC 660.197/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/08/2021, DJe 25/08/2021).
4. No caso concreto, em que pese o Tribunal de Justiça ter feito alusão à gravidade em abstrato dos delitos cometidos pelo executado (estelionato e extorsão qualificada), fator que, por si só, não justifica a realização do exame criminológico, há menção a elemento concreto, consubstanciado em falta grave (dano ao patrimônio) cometida em 07/02/2020, portanto recente, fundamento esse que constitui justificativa idônea para a realização do exame criminológico.
5. Assim, na espécie, há um registro de infração grave não longínqua a ser considerado, o que justifica a determinação de exame criminológico para progressão ao regime semiaberto.
6. Agravo regimental não provido. | N |
145,733,025 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. WRIT COLETIVO. NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA NO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 72 DA LEI Nº 9.099/95. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA TURMA RECURSAL E PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. É prematura a apreciação da matéria ventilada neste recurso ordinário em habeas corpus - nulidade processual das audiências preliminares realizadas nos juizados especiais criminais, em razão da ausência de defesa técnica -, quando pendente de exame o apontado constrangimento ilegal pela Turma Recursal e pelo Tribunal de Justiça.
2. Agravo regimental improvido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de agravo regimental interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Norte, contra decisão de minha lavra que não conheceu do recurso ordinário em habeas corpus, uma vez que o tema objeto do reclamo não foi examinado pela Corte de origem (e-STJ fls. 161/163).
No regimental, reafirma o recorrente a necessidade de se garantir o regular exercício profissional dos advogados que atuam no sistema dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Norte, garantindo-lhes o cumprimento do disposto no art. 72 da Lei n. 9.099/1995, o qual determina a obrigatoriedade da presença de defesa técnica na audiência preliminar do processo penal de rito sumaríssimo.
Aponta precedentes de tribunais estaduais no sentido da tese defensiva.
Ao final, requer seja reconsiderada a decisão agravada, ou que seja dado provimento ao recurso ordinário pelo órgão colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Em que pese o esforço da combativa Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Norte, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Vejamo-la (e-STJ fls. 161/163):
Trata-se de recurso ordinário interposto pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO RIO GRANDE DO NORTE em favor de todos os advogados com atuação nos Juizados Especiais Criminais daquela unidade da federação, contra decisão acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que, examinando agravo regimental no habeas corpus lá impetrado, negou provimento ao recurso (HC nº 0812759-96.2021.8.20.0000). Eis a ementa do julgado (e-STJ fl. 123):
EMENTA: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO POR SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT MANEJADO EM CONTRAPONTO AO INDEFERIMENTO LIMINAR PELA TURMA RECURSAL IMPOSSIBILIDADE DE EXAME PER SALTUM POR ESTA CORTE. NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INOCORRÊNCIA DE TERATOLOGIA/ILEGALIDADE. PRECEDENTES. DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.
No presente writ, defende a recorrente o cabimento do remédio constitucional coletivo. Aponta que, na espécie, pretende-se garantir o regular exercício profissional dos advogados que atuam no sistema dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Norte, garantindo-lhes o cumprimento do disposto no art. 72 da Lei nº 9.099/1995, o qual determina a obrigatoriedade da presença de defesa técnica na audiência preliminar do processo penal de rito sumaríssimo. O pleito está de acordo com as finalidades institucionais da Ordem dos Advogados do Brasil. (e-STJ fl. 4). Salienta que o descumprimento do art. 72 da Lei nº 9.099/1995 - ausência de defesa técnica na audiência preliminar - gera nulidade absoluta do feito.
Requer, ao final, seja dado provimento ao recurso para determinar o cumprimento da lei processual em exame, não sendo admitida a realização de audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais sem que a parte acusada esteja assistida tecnicamente por profissional da advocacia.
No mérito, pleiteia a ratificação da liminar deferida.
É o relatório. Decido.
De início, observa-se que a decisão do Relator na Corte de origem, que não conheceu do habeas corpus - posteriormente confirmada em sede de regimental -, já foi examinada por este Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC-708.177/RN. Naquela ocasião, decidi a questão nos seguintes termos:
No caso, verifica-se que o decisum apresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, neste momento, de manifesta ilegalidade, notadamente se considerado o que foi enfatizado pelo Desembargador Relator, o qual não conheceu da impetração. Veja-se (e-SJT fls. 119/120):
1. Habeas Corpus Coletivo com pedido liminar impetrado pela OAB/RN em favor dos Advogados atuantes nos Juizados Especiais Criminais do Estado, apontando como autoridade coatora a Juíza da 1ª Turma Recursal, a qual, no HC 0800590-43.2021.8.20.9000, indeferiu a tutela antecipatória (ID 12098352 - p. 60/66).
2. Como razões (ID 11487437), sustenta a ".. obrigatoriedade da presença de defesa técnica na audiência preliminar do processo penal de rito sumaríssimo..".
3. Pugna, liminarmente, pelo ".. cumprimento do disposto no art. 72 da Lei nº9.099/95, não sendo admitida a realização de audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais sem que a parte acusada esteja assistida tecnicamente por profissional da. advocacia.."
4. Juntou documentos de ID "s 12098344 e ss.
5. É o relatório.
6. Não deve o mandamus ser admitido.
8. Malgrado não se desconheça sua relevância, a matéria se acha pendente de exame meritório, no bojo do HC 0800590-43.2021.8.20.9000 impetrado junto às Turmas Recursais, em obséquio ao art. 98, I da CF.
9. Logo, sob pena de se desvirtuar a boa ordem processualística, é vedado ao TJ, como instância revisora, proceder ao seu exame per saltum, sendo prudente aguardar o pronunciamento daquele Colegiado, como assim tem entendido, mutatis mutandis, o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRINCÍPIO DACOLEGIALIDADE. OFENSA. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE. PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT NAORIGEM. LEGALIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO PELA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO IMPROVIDO
..
3. Na hipótese, é prematura a apreciação da matéria ventilada neste recurso ordinário em habeas corpus, quando pendente recurso de apelação na origem, via adequada para o exame da alegação, notadamente pelo efeito devolutivo do recurso apelatório, permitindo ao Tribunal a quo a ampla revisão da sentença penal condenatória.
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no RHC 147.084/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 24/5/2021)
10. E mais:
".. as alegações referentes a suposto abuso de autoridade, ameaças e acusações que teriam sido praticados pelo Juízo singular não foram apreciadas no acórdão combatido. Assim, na instância especial, ainda que se entenda se tratar de matéria de ordem pública, não há como se dispensar o necessário debate acerca das questões controvertidas, sob pena de incursão em indevida supressão de instância.." (HC 470.704/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
11. Noutro vértice, em virtude de seu caráter cognitivo sumário, inadmissível o manejo do remédio constitucional contra decisum denegatório de liminar (Súmula 691/STF).
12. Destarte, não conheço da Ordem, com fulcro no art. 262 do RITJRN.
Ademais, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pela Turma Recursal e, em caso de indeferimento do pedido, pelo Tribunal de Justiça, no momento adequado.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o presente habeas corpus.
Ao que cuido, hão há fato novo que justifique a modificação do entendimento já explicitado no julgamento do HC-708.117/RN.
Assim, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pela Turma Recursal e, em caso de indeferimento do pedido, pelo Tribunal de Justiça, no momento adequado.
Ante o exposto, não conheço do presente recurso ordinário em habeas corpus.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA:
Trata-se de agravo regimental interposto pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Norte, contra decisão de minha lavra que não conheceu do recurso ordinário em habeas corpus, uma vez que o tema objeto do reclamo não foi examinado pela Corte de origem (e-STJ fls. 161/163).
No regimental, reafirma o recorrente a necessidade de se garantir o regular exercício profissional dos advogados que atuam no sistema dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Norte, garantindo-lhes o cumprimento do disposto no art. 72 da Lei n. 9.099/1995, o qual determina a obrigatoriedade da presença de defesa técnica na audiência preliminar do processo penal de rito sumaríssimo.
Aponta precedentes de tribunais estaduais no sentido da tese defensiva.
Ao final, requer seja reconsiderada a decisão agravada, ou que seja dado provimento ao recurso ordinário pelo órgão colegiado.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Em que pese o esforço da combativa Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Rio Grande do Norte, a decisão agravada deve ser mantida por seus próprios fundamentos. Vejamo-la (e-STJ fls. 161/163):
Trata-se de recurso ordinário interposto pela ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SEÇÃO RIO GRANDE DO NORTE em favor de todos os advogados com atuação nos Juizados Especiais Criminais daquela unidade da federação, contra decisão acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que, examinando agravo regimental no habeas corpus lá impetrado, negou provimento ao recurso (HC nº 0812759-96.2021.8.20.0000). Eis a ementa do julgado (e-STJ fl. 123):
: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO INTERNO EM HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO POR SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. WRIT MANEJADO EM CONTRAPONTO AO INDEFERIMENTO LIMINAR PELA TURMA RECURSAL IMPOSSIBILIDADE DE EXAME PER SALTUM POR ESTA CORTE. NECESSIDADE DE EXAURIMENTO DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. INOCORRÊNCIA DE TERATOLOGIA/ILEGALIDADE. PRECEDENTES. DECISUM MANTIDO. CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO.
No presente writ, defende a recorrente o cabimento do remédio constitucional coletivo. Aponta que, na espécie, pretende-se garantir o regular exercício profissional dos advogados que atuam no sistema dos Juizados Especiais Criminais do Estado do Rio Grande do Norte, garantindo-lhes o cumprimento do disposto no art. 72 da Lei nº 9.099/1995, o qual determina a obrigatoriedade da presença de defesa técnica na audiência preliminar do processo penal de rito sumaríssimo. O pleito está de acordo com as finalidades institucionais da Ordem dos Advogados do Brasil. (e-STJ fl. 4). Salienta que o descumprimento do art. 72 da Lei nº 9.099/1995 - ausência de defesa técnica na audiência preliminar - gera nulidade absoluta do feito.
Requer, ao final, seja dado provimento ao recurso para determinar o cumprimento da lei processual em exame, não sendo admitida a realização de audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais sem que a parte acusada esteja assistida tecnicamente por profissional da advocacia.
No mérito, pleiteia a ratificação da liminar deferida.
É o relatório. Decido.
De início, observa-se que a decisão do Relator na Corte de origem, que não conheceu do habeas corpus - posteriormente confirmada em sede de regimental -, já foi examinada por este Superior Tribunal de Justiça no julgamento do HC-708.177/RN. Naquela ocasião, decidi a questão nos seguintes termos:
No caso, verifica-se que o decisum apresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, neste momento, de manifesta ilegalidade, notadamente se considerado o que foi enfatizado pelo Desembargador Relator, o qual não conheceu da impetração. Veja-se (e-SJT fls. 119/120):
1. Habeas Corpus Coletivo com pedido liminar impetrado pela OAB/RN em favor dos Advogados atuantes nos Juizados Especiais Criminais do Estado, apontando como autoridade coatora a Juíza da 1ª Turma Recursal, a qual, no HC 0800590-43.2021.8.20.9000, indeferiu a tutela antecipatória (ID 12098352 - p. 60/66).
2. Como razões (ID 11487437), sustenta a ".. obrigatoriedade da presença de defesa técnica na audiência preliminar do processo penal de rito sumaríssimo..".
3. Pugna, liminarmente, pelo ".. cumprimento do disposto no art. 72 da Lei nº9.099/95, não sendo admitida a realização de audiências preliminares nos Juizados Especiais Criminais sem que a parte acusada esteja assistida tecnicamente por profissional da. advocacia.."
4. Juntou documentos de ID "s 12098344 e ss.
5. É o relatório.
6. Não deve o mandamus ser admitido.
8. Malgrado não se desconheça sua relevância, a matéria se acha pendente de exame meritório, no bojo do HC 0800590-43.2021.8.20.9000 impetrado junto às Turmas Recursais, em obséquio ao art. 98, I da CF.
9. Logo, sob pena de se desvirtuar a boa ordem processualística, é vedado ao TJ, como instância revisora, proceder ao seu exame per saltum, sendo prudente aguardar o pronunciamento daquele Colegiado, como assim tem entendido, mutatis mutandis, o STJ:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. PRINCÍPIO DACOLEGIALIDADE. OFENSA. NÃO OCORRÊNCIA. NULIDADE. PENDÊNCIA DE JULGAMENTO DA APELAÇÃO CRIMINAL. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA CORTE DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NÃO CONHECIMENTO DO WRIT NAORIGEM. LEGALIDADE. ENTENDIMENTO PACIFICADO PELA TERCEIRA SEÇÃO DESTA CORTE SUPERIOR. AGRAVO IMPROVIDO
..
3. Na hipótese, é prematura a apreciação da matéria ventilada neste recurso ordinário em habeas corpus, quando pendente recurso de apelação na origem, via adequada para o exame da alegação, notadamente pelo efeito devolutivo do recurso apelatório, permitindo ao Tribunal a quo a ampla revisão da sentença penal condenatória.
4. Agravo regimental improvido. (AgRg no RHC 147.084/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 24/5/2021)
10. E mais:
".. as alegações referentes a suposto abuso de autoridade, ameaças e acusações que teriam sido praticados pelo Juízo singular não foram apreciadas no acórdão combatido. Assim, na instância especial, ainda que se entenda se tratar de matéria de ordem pública, não há como se dispensar o necessário debate acerca das questões controvertidas, sob pena de incursão em indevida supressão de instância.." (HC 470.704/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
11. Noutro vértice, em virtude de seu caráter cognitivo sumário, inadmissível o manejo do remédio constitucional contra decisum denegatório de liminar (Súmula 691/STF).
12. Destarte, não conheço da Ordem, com fulcro no art. 262 do RITJRN.
Ademais, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pela Turma Recursal e, em caso de indeferimento do pedido, pelo Tribunal de Justiça, no momento adequado.
Ante o exposto, com fundamento no artigo 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o presente habeas corpus.
Ao que cuido, hão há fato novo que justifique a modificação do entendimento já explicitado no julgamento do HC-708.117/RN.
Assim, a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pela Turma Recursal e, em caso de indeferimento do pedido, pelo Tribunal de Justiça, no momento adequado.
Ante o exposto, não conheço do presente recurso ordinário em habeas corpus.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. WRIT COLETIVO. NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA NO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 72 DA LEI Nº 9.099/95. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA TURMA RECURSAL E PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
1. É prematura a apreciação da matéria ventilada neste recurso ordinário em habeas corpus - nulidade processual das audiências preliminares realizadas nos juizados especiais criminais, em razão da ausência de defesa técnica -, quando pendente de exame o apontado constrangimento ilegal pela Turma Recursal e pelo Tribunal de Justiça.
2. Agravo regimental improvido. | AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. WRIT COLETIVO. NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA NO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 72 DA LEI Nº 9.099/95. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELA TURMA RECURSAL E PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. | 1. É prematura a apreciação da matéria ventilada neste recurso ordinário em habeas corpus - nulidade processual das audiências preliminares realizadas nos juizados especiais criminais, em razão da ausência de defesa técnica -, quando pendente de exame o apontado constrangimento ilegal pela Turma Recursal e pelo Tribunal de Justiça.
2. Agravo regimental improvido. | N |
145,144,672 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO SUPERAÇÃO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. AMEAÇA DE MORTE NA DELEGACIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Embora preso com quantidade de droga que não pode ser considerada expressiva - 15 gramas de crack -, consta que o paciente é investigado por outros delitos e que teria ameaçado policial e seus familiares de morte, o que indica ousadia e periculosidade.
3. Há, ao menos a princípio, elementos suficientes para justificar a custódia, de modo que a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado. Não é o caso, portanto, de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão agravada.
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental contra decisão monocrática da Presidência desta Eg. Corte, que, com base na Súm. n. 691/STF, indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de LEANDRO HENRIQUE DE SOUSA DIAS.
Extrai-se dos autos que o agravante foi preso em flagrante em 11/01/2022, pela suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. A custódia foi convertida em preventiva.
Contra a decisão, a defesa impetrou a ordem originária (HC n. 2003647-03.2022.8.26.0000), cuja liminar foi indeferida pelo Desembargador Relator (e-STJ, fls. 25/26).
Sobreveio, então, o presente writ, impugnando os fundamentos da custódia, especialmente diante da reduzida quantidade de entorpecentes apreendida. Ressalta a existência de circunstâncias pessoais favoráveis e a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas do cárcere.
Requereu, assim, a revogação da prisão, inclusive mediante aplicação de medidas cautelares alternativas.
A ordem, todavia, foi indeferida liminarmente, nos termos da decisão de e-STJ fls. 110/111.
No presente agravo regimental, pretendendo a superação da Súm. n. 691/STF, a defesa reitera a argumentação anteriormente expendida no sentido da ausência de fundamentação idônea no do decreto preventivo.
Requer, assim, o deferimento da liberdade provisória, ainda que acompanhada de cautelares diversas da prisão.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A insurgência não merece prosperar.
Com efeito, conforme salientado na decisão agravada, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar, a menos que fique demonstrada flagrante ilegalidade, nos termos do enunciado n. 691 da Súmula do STF, segundo o qual "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar".
Assim, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão recorrida, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
No caso, verifica-se que o decisum apresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, neste momento, de manifesta ilegalidade que justificasse a superação do enunciado sumular, notadamente se considerado o que foi enfatizado pelo Desembargador ao indeferir o pleito emergencial na origem (e-STJ, fl. 26):
Acerca dos fatos, consta, em resumo, que policiais militares visualizaram o ora paciente agachado atrás de uma árvore, de onde saiu em seguida, passando a caminhar pela via pública. Abordado, verificou-se que possuía várias denúncias apontando-o pela prática de tráfico na cidade. Ele tinha consigo R$ 374,75 em dinheiro; e junto à árvore, onde ele foi visto inicialmente, encontraram uma pedra bruta de "crack" (pesando 15,2 g), embalada em um plástico branco, além de um plástico contendo 91 embalagens tipo "sacolé", comumente usadas para acondicionar entorpecentes. Na Delegacia, o paciente ameaçou de morte o policial Jorge Henrique Barauna, dizendo conhecê-lo e a seus familiares, bem como o endereço onde residem, acrescentando que irá ficar preso, mas uma hora sairá. Baraúna observou que a família do investigado é envolvida em homicídios e por isso deseja registrou a ameaça.
Com efeito, indefiro a liminar.
Os fatos trazidos à colação não permitem verificar, de pronto, a presença dos pressupostos para a concessão liminar da medida, que é excepcional, destinada a casos em que a ilegalidade se mostra patente, verificável em simples leitura das razões e documentos apresentados.
Frise-se que, além da localização da droga, consta a existência de denúncias apontando o ora paciente como traficante. Somado a isso, teria ameaçado policial e seus familiares de morte, cujo endereço residencial disse conhecer, além de asseverar que uma hora sairá do cárcere, o que indica ousadia e periculosidade. Por fim, às fls. 85 verifica-se que é investigado nos autos n. 1500075-77.2021.8.26.0341 (pela prática de furto, conforme dados colhidos em sistema). Em suma, trata-se de quadro que justifica a manutenção da prisão preventiva, ao menos por ora.
Pelos trechos acima transcritos, não vislumbro constrangimento ilegal a superar o enunciado 691/STF.
Com efeito, embora preso com quantidade de droga que não pode ser considerada expressiva - 15 gramas de crack -, consta que o paciente é investigado por outros delitos e que teria ameaçado policial e seus familiares de morte, o que indica ousadia e periculosidade.
Portanto, verifica-se que há, ao menos a princípio, elementos suficientes para justificar a custódia, de modo que a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado.
Desse modo, não é o caso de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão agravada.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA N. 691/STF. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. TRÁFICO. PRISÃO. PERICULOSIDADE. RISCO DE REITERAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, o Tribunal de origem entendeu não haver manifesta ilegalidade apta a justificar o deferimento da medida de urgência, tendo em vista a periculosidade social do paciente - William tem antecedentes criminais e está envolvido na traficância desde a adolescência, chegou a intitular-se como membro do PCC e ainda chegou a proferir ameaças verbais contra policiais, dizendo que era "bandidão". Impossibilidade de superação do enunciado sumular n. 691/STF.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 540.582/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 12/11/2019)
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTO IDÔNEO. AUSÊNCIA DE MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de encarceramento do réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve ser efetivada apenas se presentes e demonstrados os requisitos trazidos pelo art. 312 do Código de Processo Penal.
2. Na espécie, o juízo singular apontou concretamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal e indicou motivação suficiente para justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade, visto que é acusado da prática do crime de homicídio qualificado, em concurso de agentes, por motivo torpe, consistente em prévias desavenças entre os réus e a vítima, em decorrência da rivalidade na mercancia de substâncias estupefacientes. Ainda consta do decreto preventivo que o réu proferiu ameaças contra o policial que efetuou sua prisão temporária, o que igualmente denota a periculosidade do agente.
3. Ordem denegada. (HC 302.382/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 26/03/2015)
Diante do exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental contra decisão monocrática da Presidência desta Eg. Corte, que, com base na Súm. n. 691/STF, indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de LEANDRO HENRIQUE DE SOUSA DIAS.
Extrai-se dos autos que o agravante foi preso em flagrante em 11/01/2022, pela suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006. A custódia foi convertida em preventiva.
Contra a decisão, a defesa impetrou a ordem originária (HC n. 2003647-03.2022.8.26.0000), cuja liminar foi indeferida pelo Desembargador Relator (e-STJ, fls. 25/26).
Sobreveio, então, o presente writ, impugnando os fundamentos da custódia, especialmente diante da reduzida quantidade de entorpecentes apreendida. Ressalta a existência de circunstâncias pessoais favoráveis e a possibilidade de aplicação de medidas cautelares diversas do cárcere.
Requereu, assim, a revogação da prisão, inclusive mediante aplicação de medidas cautelares alternativas.
A ordem, todavia, foi indeferida liminarmente, nos termos da decisão de e-STJ fls. 110/111.
No presente agravo regimental, pretendendo a superação da Súm. n. 691/STF, a defesa reitera a argumentação anteriormente expendida no sentido da ausência de fundamentação idônea no do decreto preventivo.
Requer, assim, o deferimento da liberdade provisória, ainda que acompanhada de cautelares diversas da prisão.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A insurgência não merece prosperar.
Com efeito, conforme salientado na decisão agravada, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar, a menos que fique demonstrada flagrante ilegalidade, nos termos do enunciado n. 691 da Súmula do STF, segundo o qual "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar".
Assim, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão recorrida, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
No caso, verifica-se que o decisum apresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, neste momento, de manifesta ilegalidade que justificasse a superação do enunciado sumular, notadamente se considerado o que foi enfatizado pelo Desembargador ao indeferir o pleito emergencial na origem (e-STJ, fl. 26):
Acerca dos fatos, consta, em resumo, que policiais militares visualizaram o ora paciente agachado atrás de uma árvore, de onde saiu em seguida, passando a caminhar pela via pública. Abordado, verificou-se que possuía várias denúncias apontando-o pela prática de tráfico na cidade. Ele tinha consigo R$ 374,75 em dinheiro; e junto à árvore, onde ele foi visto inicialmente, encontraram uma pedra bruta de "crack" (pesando 15,2 g), embalada em um plástico branco, além de um plástico contendo 91 embalagens tipo "sacolé", comumente usadas para acondicionar entorpecentes. Na Delegacia, o paciente ameaçou de morte o policial Jorge Henrique Barauna, dizendo conhecê-lo e a seus familiares, bem como o endereço onde residem, acrescentando que irá ficar preso, mas uma hora sairá. Baraúna observou que a família do investigado é envolvida em homicídios e por isso deseja registrou a ameaça.
Com efeito, indefiro a liminar.
Os fatos trazidos à colação não permitem verificar, de pronto, a presença dos pressupostos para a concessão liminar da medida, que é excepcional, destinada a casos em que a ilegalidade se mostra patente, verificável em simples leitura das razões e documentos apresentados.
Frise-se que, além da localização da droga, consta a existência de denúncias apontando o ora paciente como traficante. Somado a isso, teria ameaçado policial e seus familiares de morte, cujo endereço residencial disse conhecer, além de asseverar que uma hora sairá do cárcere, o que indica ousadia e periculosidade. Por fim, às fls. 85 verifica-se que é investigado nos autos n. 1500075-77.2021.8.26.0341 (pela prática de furto, conforme dados colhidos em sistema). Em suma, trata-se de quadro que justifica a manutenção da prisão preventiva, ao menos por ora.
Pelos trechos acima transcritos, não vislumbro constrangimento ilegal a superar o enunciado 691/STF.
Com efeito, embora preso com quantidade de droga que não pode ser considerada expressiva - 15 gramas de crack -, consta que o paciente é investigado por outros delitos e que teria ameaçado policial e seus familiares de morte, o que indica ousadia e periculosidade.
Portanto, verifica-se que há, ao menos a princípio, elementos suficientes para justificar a custódia, de modo que a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado.
Desse modo, não é o caso de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão agravada.
A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA N. 691/STF. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. TRÁFICO. PRISÃO. PERICULOSIDADE. RISCO DE REITERAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, o Tribunal de origem entendeu não haver manifesta ilegalidade apta a justificar o deferimento da medida de urgência, tendo em vista a periculosidade social do paciente - William tem antecedentes criminais e está envolvido na traficância desde a adolescência, chegou a intitular-se como membro do PCC e ainda chegou a proferir ameaças verbais contra policiais, dizendo que era "bandidão". Impossibilidade de superação do enunciado sumular n. 691/STF.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 540.582/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 05/11/2019, DJe 12/11/2019)
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. FUNDAMENTO IDÔNEO. AUSÊNCIA DE MANIFESTO CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM DENEGADA.
1. A jurisprudência desta Corte Superior é remansosa no sentido de que a determinação de encarceramento do réu, antes de transitada em julgado a condenação, deve ser efetivada apenas se presentes e demonstrados os requisitos trazidos pelo art. 312 do Código de Processo Penal.
2. Na espécie, o juízo singular apontou concretamente a presença dos vetores contidos no art. 312 do Código de Processo Penal e indicou motivação suficiente para justificar a necessidade de colocar o paciente cautelarmente privado de sua liberdade, visto que é acusado da prática do crime de homicídio qualificado, em concurso de agentes, por motivo torpe, consistente em prévias desavenças entre os réus e a vítima, em decorrência da rivalidade na mercancia de substâncias estupefacientes. Ainda consta do decreto preventivo que o réu proferiu ameaças contra o policial que efetuou sua prisão temporária, o que igualmente denota a periculosidade do agente.
3. Ordem denegada. (HC 302.382/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 26/03/2015)
Diante do exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO SUPERAÇÃO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. AMEAÇA DE MORTE NA DELEGACIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Embora preso com quantidade de droga que não pode ser considerada expressiva - 15 gramas de crack -, consta que o paciente é investigado por outros delitos e que teria ameaçado policial e seus familiares de morte, o que indica ousadia e periculosidade.
3. Há, ao menos a princípio, elementos suficientes para justificar a custódia, de modo que a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado. Não é o caso, portanto, de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão agravada.
4. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. SÚMULA N. 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. NÃO SUPERAÇÃO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO PREVENTIVA. AMEAÇA DE MORTE NA DELEGACIA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no sentido de não caber habeas corpus contra decisão que indefere liminar na origem, na esteira da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, aplicável por analogia, salvo no caso de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Embora preso com quantidade de droga que não pode ser considerada expressiva - 15 gramas de crack -, consta que o paciente é investigado por outros delitos e que teria ameaçado policial e seus familiares de morte, o que indica ousadia e periculosidade.
3. Há, ao menos a princípio, elementos suficientes para justificar a custódia, de modo que a questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado. Não é o caso, portanto, de superação do enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, devendo ser mantida a decisão agravada.
4. Agravo regimental desprovido. | N |
144,457,398 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. POR PERDA DO OBJETO. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE PAGAMENTO DE FIANÇA. VALOR REDUZIDO PELO TRIBUNAL. WRIT CONTRA LIMINAR DE DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 691 DO STF. PAGAMENTO EFETIVADO E PACIENTE COLOCADO EM LIBERDADE. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Caso em que o agravo regimental não foi conhecido pela perda superveniente do objeto do habeas corpus, cujo pedido foi formulado foi "para que o paciente seja dispensado do pagamento da fiança arbitrada, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente." Portanto, se a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, não há mais interesse processual no exame da causa. Ainda, segundo informações publicadas no site do Tribunal de origem, a prejudicialidade do writ originário foi reconhecida em decisão proferida no dia 21/1/2021, antes mesmo da decisão ora agravada.
2. Quanto ao pedido de restituição do valor pago, constitui inovação recursal, sendo que "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016).
3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por CLERISTON PORTELA DE OLIVEIRA contra decisão monocrática que não conheceu do recurso de agravo contra decisão da Presidência desta Corte que indeferiu liminarmente o habeas corpus com base no enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (e-STJ fls. 119/120).
Segundo consta dos autos, o paciente foi preso em flagrante pela suposta prática do delito tipificado no art. 303, § 1º e § 2º, da Lei n. 9.503/1997. Foi concedida ao paciente a liberdade provisória mediante o recolhimento de fiança no valor de R$ 3.000,00. Não houve o recolhimento e o paciente foi mantido preso.
A defesa impetrou prévio habeas corpus, com pedido de liminar, para que o acusado fosse dispensado do pagamento da fiança arbitrada, e pediu a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente.
A desembargadora plantonista deferiu parcialmente a liminar tão somente para reduzir pela metade o valor da fiança arbitrada, fixando em R$ 1.500,00.
Proferi decisão não conhecendo do recurso de agravo, tendo em vista a informação que, diante do novo valor fixado, a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, bem ainda da constatação de pedido diverso daquele constante do habeas corpus.
Na presente oportunidade, a defesa insiste que não houve perda do objeto, argumentando que a fiança teria sido fixada erroneamente, sequer poderia ser arbitrada, visto que o paciente é assistido pela Defensoria Pública.
Assim, pede a reconsideração da decisão agravada para cassar a fiança e determinar a restituição dos valores já pagos.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
Efetivamente não há como conhecer do recurso.
A uma, pela perda superveniente do objeto do habeas corpus, cujo pedido foi formulado nos seguintes termos (e-STJ fl. 19, grifei):
Ante o exposto, requer a concessão da LIMINAR da ordem para que o paciente seja dispensado do pagamento da fiança arbitrada, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente. Requer, outrossim, seja o presente pedido de habeas corpus deferido.
Ora, se a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, não há mais interesse processual no exame da causa. Vale ressaltar que a prejudicialidade do writ originário foi reconhecida pelo Tribunal de origem, em decisão proferida no dia 21/1/2021, antes mesmo da decisão ora agravada. Confira-se (HC n. 0700274-82.2022.8.07.0000):
Com razão a Procuradoria de Justiça.
Diante do recolhimento da fiança e expedição de alvará de soltura em favor do paciente, não mais subsistem os fundamentos da impetração, a ensejar a prejudicialidade do writ, nos termos do artigo 659, do Código de Processo Penal, o qual dispõe: "verificando o juiz ou tribunal que cessou a violência ou a coação ilegal, julgará prejudicado o pedido".
Ante o exposto, com base no art. 89, III e XII, do Regimento Interno desta E. Corte, julgo prejudicado o presente recurso, pela perda superveniente do objeto.
Após as providências de praxe, arquivem-se.
Brasília, 21 de janeiro de 2022.
E, a duas, porque as razões do recurso fazem referência a fato novo e superveniente, ainda não avaliado pelas instâncias ordinárias, inovação vedada em sede de agravo regimental.
Nesse sentido:
(..) Conforme jurisprudência desta Corte Superior "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016). (..) (AgRg no HC 697.182/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por CLERISTON PORTELA DE OLIVEIRA contra decisão monocrática que não conheceu do recurso de agravo contra decisão da Presidência desta Corte que indeferiu liminarmente o habeas corpus com base no enunciado 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (e-STJ fls. 119/120).
Segundo consta dos autos, o paciente foi preso em flagrante pela suposta prática do delito tipificado no art. 303, § 1º e § 2º, da Lei n. 9.503/1997. Foi concedida ao paciente a liberdade provisória mediante o recolhimento de fiança no valor de R$ 3.000,00. Não houve o recolhimento e o paciente foi mantido preso.
A defesa impetrou prévio habeas corpus, com pedido de liminar, para que o acusado fosse dispensado do pagamento da fiança arbitrada, e pediu a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente.
A desembargadora plantonista deferiu parcialmente a liminar tão somente para reduzir pela metade o valor da fiança arbitrada, fixando em R$ 1.500,00.
Proferi decisão não conhecendo do recurso de agravo, tendo em vista a informação que, diante do novo valor fixado, a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, bem ainda da constatação de pedido diverso daquele constante do habeas corpus.
Na presente oportunidade, a defesa insiste que não houve perda do objeto, argumentando que a fiança teria sido fixada erroneamente, sequer poderia ser arbitrada, visto que o paciente é assistido pela Defensoria Pública.
Assim, pede a reconsideração da decisão agravada para cassar a fiança e determinar a restituição dos valores já pagos.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
Efetivamente não há como conhecer do recurso.
A uma, pela perda superveniente do objeto do habeas corpus, cujo pedido foi formulado nos seguintes termos (e-STJ fl. 19, grifei):
Ante o exposto, requer a concessão da LIMINAR da ordem para que o paciente seja dispensado do pagamento da fiança arbitrada, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente. Requer, outrossim, seja o presente pedido de habeas corpus deferido.
Ora, se a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, não há mais interesse processual no exame da causa. Vale ressaltar que a prejudicialidade do writ originário foi reconhecida pelo Tribunal de origem, em decisão proferida no dia 21/1/2021, antes mesmo da decisão ora agravada. Confira-se (HC n. 0700274-82.2022.8.07.0000):
Com razão a Procuradoria de Justiça.
Diante do recolhimento da fiança e expedição de alvará de soltura em favor do paciente, não mais subsistem os fundamentos da impetração, a ensejar a prejudicialidade do writ, nos termos do artigo 659, do Código de Processo Penal, o qual dispõe: "verificando o juiz ou tribunal que cessou a violência ou a coação ilegal, julgará prejudicado o pedido".
Ante o exposto, com base no art. 89, III e XII, do Regimento Interno desta E. Corte, julgo prejudicado o presente recurso, pela perda superveniente do objeto.
Após as providências de praxe, arquivem-se.
Brasília, 21 de janeiro de 2022.
E, a duas, porque as razões do recurso fazem referência a fato novo e superveniente, ainda não avaliado pelas instâncias ordinárias, inovação vedada em sede de agravo regimental.
Nesse sentido:
(..) Conforme jurisprudência desta Corte Superior "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016). (..) (AgRg no HC 697.182/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 7/12/2021, DJe 13/12/2021).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. POR PERDA DO OBJETO. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE PAGAMENTO DE FIANÇA. VALOR REDUZIDO PELO TRIBUNAL. WRIT CONTRA LIMINAR DE DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 691 DO STF. PAGAMENTO EFETIVADO E PACIENTE COLOCADO EM LIBERDADE. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Caso em que o agravo regimental não foi conhecido pela perda superveniente do objeto do habeas corpus, cujo pedido foi formulado foi "para que o paciente seja dispensado do pagamento da fiança arbitrada, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente." Portanto, se a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, não há mais interesse processual no exame da causa. Ainda, segundo informações publicadas no site do Tribunal de origem, a prejudicialidade do writ originário foi reconhecida em decisão proferida no dia 21/1/2021, antes mesmo da decisão ora agravada.
2. Quanto ao pedido de restituição do valor pago, constitui inovação recursal, sendo que "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016).
3. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. POR PERDA DO OBJETO. LIBERDADE PROVISÓRIA MEDIANTE PAGAMENTO DE FIANÇA. VALOR REDUZIDO PELO TRIBUNAL. WRIT CONTRA LIMINAR DE DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 691 DO STF. PAGAMENTO EFETIVADO E PACIENTE COLOCADO EM LIBERDADE. RESTITUIÇÃO DO VALOR PAGO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. Caso em que o agravo regimental não foi conhecido pela perda superveniente do objeto do habeas corpus, cujo pedido foi formulado foi "para que o paciente seja dispensado do pagamento da fiança arbitrada, com a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente." Portanto, se a fiança foi recolhida e o paciente colocado em liberdade, não há mais interesse processual no exame da causa. Ainda, segundo informações publicadas no site do Tribunal de origem, a prejudicialidade do writ originário foi reconhecida em decisão proferida no dia 21/1/2021, antes mesmo da decisão ora agravada.
2. Quanto ao pedido de restituição do valor pago, constitui inovação recursal, sendo que "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016).
3. Agravo regimental desprovido. | N |
145,049,603 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EMHABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 41 DO CPP. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA POR MEIO DA VIA ELEITA.
I -Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no âmbito processual do habeas corpus e de seu respectivo recurso ordinário, cujo manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrantes a ponto de serem demonstrados de plano.
II - No caso,o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitivas, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus, sendo inviável entender de forma contrária sem a vedada dilação probatória própria da instrução criminal.
III - Por fim,descabida a alegação de inépcia da denúncia, na medida em que plenamente satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto a exordial acusatória narrou de forma suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa os fatos criminosos imputados ao recorrente e corréus, com todas as suas circunstâncias, em especial de terem sido cometidas no âmbito da pandemia do novo coronavírus, além da qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol das testemunhas não sendo necessária, para a deflagração da ação penal, a individualização pormenorizada da conduta de cada acusado, na medida em que descritas a associação criminosa e demais delitos cometidos pela quadrilha, sob pena de inviabilizar a persecução penal.
Recurso ordinário em habeas corpusdesprovido.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA, em face de v. acórdão proferido pelo eg. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - RUA DA GLÓRIA no Writ n. 2205143-20.2021.8.26.0000.
Depreende-se dos autos que o recorrente foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos nos arts. 288, caput, 311 e 180, todos do CP.
Irresignada, a defesa impetrou prévio writ perante a Corte de origem, que denegou a ordem, nos termos do acórdão de fls. 57-67, assim ementado:
"Habeas corpus. Associação criminosa, adulteração de sinal identificador de veículo automotor e receptação. Trancamento da Ação Penal. Inadmissibilidade. Hipóteses do Artigo 395 do CPP ausentes. Denúncia que descreve de forma clara o conteúdo da imputação Ordem denegada."
No presente recurso ordinário, a Defesa sustenta que o recorrente está submetido a constrangimento ilegal, pois submetido a persecução penal carente de justa causa e que, por isso, deve ser imediatamente trancada.
Pondera, nesse sentido, a inépcia da denúncia ofertada, porquanto, além da ausência de descrição da participação do recorrente em cada uma das condutas típicas a ele imputadas, de forma individualizada, também não foi descrito o suposto vínculo associativo estabelecido entre os denunciados nem foi justificado o suposto proveito da situação pandêmica para a prática do delito.
Requer, assim, o provimento do recurso, inclusive liminarmente, para determinar a suspensão da ação penal e, no mérito, o seu trancamento.
Contrarrazões às fls. 95-97.
Pedido liminar indeferido às fls. 107-108 pela Presidência deste Tribunal.
Pedido de Sustentação oral às fls. 116-117.
O Ministério Público Federal, às fls. 111-114, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, em parecer com a seguinte ementa:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
- Parecer pelo desprovimento do recurso."
É o relatório.
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EMHABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 41 DO CPP. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA POR MEIO DA VIA ELEITA.
I -Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no âmbito processual do habeas corpus e de seu respectivo recurso ordinário, cujo manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrantes a ponto de serem demonstrados de plano.
II - No caso,o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitivas, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus, sendo inviável entender de forma contrária sem a vedada dilação probatória própria da instrução criminal.
III - Por fim,descabida a alegação de inépcia da denúncia, na medida em que plenamente satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto a exordial acusatória narrou de forma suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa os fatos criminosos imputados ao recorrente e corréus, com todas as suas circunstâncias, em especial de terem sido cometidas no âmbito da pandemia do novo coronavírus, além da qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol das testemunhas não sendo necessária, para a deflagração da ação penal, a individualização pormenorizada da conduta de cada acusado, na medida em que descritas a associação criminosa e demais delitos cometidos pela quadrilha, sob pena de inviabilizar a persecução penal.
Recurso ordinário em habeas corpusdesprovido.
VOTO
Conheço do presente recurso, porquanto presentes seus requisitos de admissibilidade.
A il. Defesa pretende, em síntese, o trancamento da ação penal ao argumento de falta de condições de procedibilidade e/ou atipicidade da conduta.
Pois bem.
Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.
A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no âmbito processual do habeas corpus e de seu respectivo recurso ordinário, cujo manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrantes a ponto de serem demonstrados de plano.
Corroborando tal entendimento, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte de Justiça:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. ENTORPECENTE DESTINADO AO CONSUMO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE DOLO DO ACUSADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. VIA INADEQUADA. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA.
1. Em sede de habeas corpus e de recurso ordinário em habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a manifesta ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, e ainda, a atipicidade da conduta.
2. Estando a decisão impugnada em total consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há que se falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no reclamo, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente.
3. Recurso desprovido" (RHC n. 83.724/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 23/06/2017, grifei).
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE DESEMBARGADOR. DESCABIMENTO. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. EXCEPCIONALIDADE. JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. REVOLVIMENTO FÁTICO-COMPROBATÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A Quinta Turma desta Corte possui entendimento pacificado no sentido de que não cabe recurso ordinário em habeas corpus contra decisão monocrática de Desembargador do Tribunal de origem, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Hipótese em que o agravante requer a análise de questões não examinadas pela decisão monocrática impugnada.
3. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte Superior, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos.
4. Agravo regimental não provido" (AgRg no RHC n. 67.110/MT, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 23/06/2017, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. (I) PRISÃO PREVENTIVA. PRETENDIDA REVOGAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE SUBSTITUIÇÃO POR CUSTÓDIA DOMICILIAR. PLEITO PREJUDICADO. (II) TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
1. O pleito de substituição da segregação preventiva da paciente pela custódia domiciliar, com fulcro no art. 318, V, do Código de Processo Penal, foi supervenientemente deferido pelo Juízo a quo. Tal o contexto, nesse particular, perde o objeto o presente writ.
2. À exceção de quando se possam emergir dos atos, de forma inequívoca, a atipicidade da conduta, a inocência do acusado ou a extinção da punibilidade, esta Corte é firme na compreensão de não ser possível conhecer do pleito de trancamento da demanda, em âmbito de habeas corpus ou do recurso ordinário respectivo, porquanto ensejaria o reexame aprofundado de todo o conjunto fático-probatório produzido ao longo da marcha processual, providência incompatível com os estreitos limites do remédio constitucional, marcado pela celeridade e pela sumariedade na cognição.
3. Caso em que os elementos constantes dos autos demonstram a presença de suporte mínimo à acusação formulada. Além disso, a exordial acusatória indica a existência da prova dos delitos e os indícios suficientes de sua autoria, bem como discrimina a conduta, em tese, praticada pela paciente, preenchendo os requisitos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal e assegurando o devido contraditório e a ampla defesa da imputação.
4. Ordem conhecida em parte e, nessa extensão, denegada" (HC n. 394.537/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 09/06/2017, grifei).
"PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO E DEPÓSITO DE PRODUTOS (SUPLEMENTOS ALIMENTARES E/OU MEDICAMENTOS) PROIBIDOS. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO FÁTICA SUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO. TRANCAMENTO E PLEITO ALTERNATIVO DE DESCLASSIFICAÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.
1. Devidamente descritos os fatos delituosos (indícios de autoria e materialidade), não há falar em inépcia.
2. Plausibilidade da acusação, em face do liame entre a pretensa atuação dos recorrentes e os fatos. Em tal caso, está plenamente assegurado o amplo exercício do direito de defesa, em face do cumprimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
3. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de suporte probatório mínimo à acusação), não relevada, primo oculi. Intento que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ.
4. O pleito alternativo de desclassificação, de igual modo, não tem espaço na impetração e na via recursal ordinária, porque também é intento que tem natureza probatória, a ser elucidado sob o crivo do contraditório. Em realidade apresenta-se como a própria oposição ao mérito da persecução penal que ainda deverá ser aferida no juízo de primeiro grau e não no presente meio processual.
5. Recurso ordinário não provido" (RHC n. 80.845/RJ, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 30/05/2017, grifei).
No caso, conforme delineado, a il. Defesa sustenta a falta de condições de procedibilidade da ação penal por inépcia da denúncia ofertada, além da ausência de descrição da participação do recorrente em cada uma das condutas típicas a ele imputadas, de forma individualizada, também não foi descrito o suposto vínculo associativo estabelecido entre os denunciados nem foi justificado o suposto proveito da situação pandêmica para a prática do delito.
Entretanto, ao analisar o pedido de trancamento da ação penal, o eg. Tribunal a quo consignou haver elementos mínimos a ensejar a continuidade do feito. Transcrevo, no ponto, os fundamentos adotados pela eg. Corte estadual ao denegar a ordem, verbis (fls. 62-67 - grifei):
"O paciente foi preso em flagrante e está sendo investigado pela prática, em tese, dos delitos previstos no artigo 288, "caput", artigo 311 e artigo 180 "caput" (este crime por duas vezes), todos c. c. artigo 61, inciso II, "j", todos do Código Penal, porque, segundo consta, em período incerto, mas até o dia 03 de março de 2021, por volta das 21h25min, nesta cidade e comarca da Capital, NATAN HENRIQUE DOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA, GABRIEL DOS SANTOS SOUSA, e outros indivíduos ainda não identificados, em época de calamidade pública, associaram-se para o fim específico de cometer crimes.
Consta, ainda, que entre os dias 26 de fevereiro de 2021 e 03 de março de 2021, em horário e local incerto, NATAN HENRIQUE DOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGO DOS SANTOS BARBOSA e GABRIEL DOS SANTOSSOUSA, em época de calamidade pública, receberam em proveito próprio e ocultaram o veículo I/Hyundai I30 de placas FEW-5710,pertencente à vítima Israel Pedrosa de Santana, sabendo ou devendo saber ser o bem produto de crime antecedente.
Consta, também, que entre 26/02/2021 e 03/03/2021, em horário incerto, nesta cidade e comarca da capital, NATAN HENRIQUE DOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA e GABRIEL DOS SANTO SSOUSA, em época de calamidade pública, adulteraram os sinais identificadores do veículo I/Hyundai I30 de placas FEW-5710.
Consta, por fim, que entre os dias 27 de fevereiro de 2021 e 03 de março de 2021, em hora e local incertos, mas nesta cidade e comarca da capital, NATAN HENRIQUEDOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA e GABRIEL DOS SANTOS SOUSA, em época de calamidade pública, receberam em proveito próprio o veículo I/VW Jetta de placas EFW-6738, pertencente às vítimas Rafael Fernandes Ferrage e Margarette Simes de Andrade Cecília, sabendo ou devendo saber ser o bem produto de crime antecedente.
Por decisão de 04 de março de 2021, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva (fls. 120/122).
Sobreveio pedido de revogação da prisão preventiva, datado de 10 de março de 2021, o qual, foi negado pelo Juízo "a quo", à míngua de alterações fáticas (fls. 01/12 e 24/25dos autos de pedido de liberdade provisória).
O Col. Superior Tribunal de Justiça, em 19 de agosto de 2021, concedeu liminar no "habeas corpus"nº 668.835/SP, para revogar a prisão preventiva do paciente, sendo determinada a expedição do alvará de soltura, o qual já foi expedido(fls. 396/408 e 418/420 dos autos de origem).
Pretendem os impetrantes o trancamento da ação penal.
No entanto, é caso de denegar o pedido.
Inicialmente, o trancamento da ação penal, por meio dos restritos limites da via eleita, só é possível quando existir evidente coação ilegal detectável de plano, o que não se verifica na hipótese em tela.
Nesse sentido:
..
No presente caso, os documentos que instruem o inquérito policial apontam a existência de prova da materialidade da conduta criminosa descrita na denúncia, além de indícios da autoria.
De outra banda, insta consignar que a exordial acusatória descreve a conduta criminosa de forma clara e detalhada, observando os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, não havendo se falar em inépcia da inicial ou prejuízo ao exercício da ampla defesa.
A descrição dos fatos, explicita que o paciente, demais denunciados e outros indivíduos ainda não identificados se associaram de forma estável e permanente para a prática de crimes de roubo, extorsão, adulteração de sinal identificador de veículo automotor e receptação.
Receberam entre os dias 26 de fevereiro de 2021 e 03 de março de 2021 o veículo I/Hyundai I30 de placas FEW-5710, sabendo ser ele produto de crime antecedente e adulteraram seus sinais identificadores, fazendo com que passasse a ostentar as placas PXS-6525.
Da mesma forma aconteceria como veículo I/VW Jetta de placas EFW-6738, no entanto, enquanto se deslocavam com o bem para encontrar coautor responsável por lhes entregar a placa falsa que deveria ser instalada no automóvel, foram interceptados por policiais militares.
Nesse sentido, oportuno transcrever trecho do judicioso parecer da Procuradoria Geral de Justiça:".. Assim, não se verifica qualquer deficiência de descrição fática e da conduta imputada aos denunciados na denúncia em análise, inclusive ao paciente, sendo descabido buscar exigir descrição maior e mais minuciosa das ações praticadas, sendo possível, com a Denúncia oferecida, que descreve adequadamente os fatos, dando-lhes o contorno penal respectivo, o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Ademais, suposta inépcia não se confunde com falta de justa causa e a denúncia preenche todos os requisitos legais, contendo a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, classificação do crime e rol de testemunhas, requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Além disso, traz a descrição pormenorizada do fato típico e suas circunstâncias, de modo a viabilizar a defesa dos réus, tendo sido observados os requisitos legais para a fase processual.."
Assim, diversamente do alegado, o que se vislumbra é que a narrativa fática contida na denúncia satisfaz o padrão mínimo do artigo 41 do Código de Processo Penal, não sendo necessária a descrição pormenorizada da conduta dos acusados, admitindo-se que a individualização detalhada do agir e o elemento subjetivo da conduta sejam elucidados após a formação da culpa.
Em conclusão, não se observa qualquer ilegalidade ou constrangimento no ato do Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal da Comarca da Capital.
Face ao exposto, DENEGA-SE a ordem."
Da análise do excerto colacionado, constata-se que o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitivas, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus.
Desse modo, não se mostra possível, neste momento, discordar das instâncias ordinárias, principalmente na estreita via do habeas corpus, ou recurso em habeas corpus, e vislumbrar motivação plausível a justificar o trancamento da citada ação penal por ausência de justa causa, porquanto as imputaçõesdescritas podem se amoldar aos delitos imputados, de forma que torna plausível as imputações e possibilita o exercício da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes e sob o crivo do contraditório.
Convém observar, ainda, que, ausente abuso de poder, ilegalidade flagrante ou teratologia, o exame da existência de materialidade delitiva ou de indícios de autoria demanda amplo e aprofundado revolvimento fático-probatório, incompatível com a via estreita do habeas corpus, que não admite dilação probatória, reservando-se a sua discussão ao âmbito da instrução processual.
Outrossim, descabida a alegação de inépcia da denúncia, na medida em que plenamente satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto a exordial acusatória narrou de forma suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa os fatos criminosos imputados ao recorrente e corréus, com todas as suas circunstâncias, em especial de terem sido cometidas no âmbito da pandemia do novo corona vírus, além da qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol das testemunhas não sendo necessária, para a deflagração da ação penal, a individualização pormenorizada da conduta de cada acusado, na medida em que descritas a associação criminosa e demais delitos cometidos pela quadrilha, sob pena de inviabilizar a persecução penal
Ilustrativamente:
"PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. QUESTIONAMENTO ACERCA DA INTIMAÇÃO DE ADVOGADO. VERIFICAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. INTIMAÇÃO REALIZADA EM NOME DE ADVOGADA NÃO MAIS HABILITADA. PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PELO JUÍZO A FIM DE OPORTUNIZAR A DEFESA. NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. TENTATIVA DE INTIMAÇÃO DA ACUSADA PARA CONSTITUIR NOVO PATRONO. FRUSTRAÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO ENDEREÇO. ÔNUS DA DEFESA. NULIDADE ARGUIDA POR QUEM LHE DEU CAUSA. RECONHECIMENTO. ART. 565 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO EM NOME DE ADVOGADA QUE TEVE SEUS PODERES TACITAMENTE REVOGADOS. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O recurso ordinário em habeas corpus não se presta à análise de alegação cuja apreciação demanda revolvimento do conjunto fático-probatório.
2. Se o Tribunal de origem, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entendeu, de forma fundamentada, que "o advogado particular constituído pela paciente fora efetivamente intimado sobre a redesignação da audiência de instrução para o dia 16/10/2014", não cabe a esta Corte a análise acerca da alegada inocorrência da referida intimação, na medida em que demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
..
9. Em sede de habeas corpus, a prova deve ser pré-constituída e incontroversa, cabendo ao impetrante apresentar documentos suficientes à análise de eventual ilegalidade flagrante no ato atacado.
10. Recurso não provido" (RHC n. 81.932/PA, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 30/05/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 299, 304 E 333 DO CP. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIFICAÇÃO E USO DE DOCUMENTO FALSO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE PROVAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVAS DE MATERIALIDADE DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O trancamento de ação penal por meio da impetração de habeas corpus é medida de exceção, somente admitida se evidenciadas, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, eventual causa de extinção da punibilidade ou a ausência de justa causa para a ação penal.
2. A verificação da absorção dos crimes de falsificação e de uso de documento falso pelo crime de corrupção demanda aprofundado revolvimento do quadro fático-probatório, inadmissível na estreita via do habeas corpus e em supressão das instâncias ordinárias.
3. Para recebimento da denúncia, não é necessária análise exauriente das provas colhidas durante a fase inquisitorial, devendo o juízo processante avaliar os requisitos do art. 41 do CPP, examinando a validade formal da peça e a presença de indícios suficientes de autoria e de materialidade.
4. Tendo as instâncias ordinárias concluído pela presença de indícios mínimos de autoria, a análise da tese defensiva contrária exige reexame de fatos e provas, providência inconcebível em habeas corpus.
5. Deve-se reservar à instância competente, durante a instrução criminal, o exame das teses defensivas referentes à ausência de provas de materialidade delitiva e de indícios de autoria, garantidos o contraditório e a ampla defesa.
6. Agravo regimental desprovido"(AgRg no RHC n. 136.322/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 26/11/2021, grifei).
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO.
1. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é possível, desde que de plano, constate-se a inépcia da inicial acusatória, a atipicidade da conduta, a presença de causa extintiva de punibilidade ou, finalmente, quando se constatar a ausência de elementos indiciários de autoria ou de prova da materialidade do crime.
2. A aptidão da denúncia é aferida a partir do conteúdo da descrição dos fatos delituosos, que deve apontar todas as circunstâncias que envolvem a prática da infração penal, individualizando e tipificando, na medida do possível, a conduta de cada um dos imputados. O objetivo de tal exigência é, de um lado, viabilizar a ação penal e, de outro, garantir o exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, considerando que o réu deve elaborar a sua estratégia de resposta às acusações a partir dos fatos apresentados na exordial.
3. Embora a denúncia não apresente minúcias a respeito dos atos libidinosos cometidos pelo agressor contra a vítima, a narração traz as circunstâncias dos fatos e estabelece o liame subjetivo entre as agressões e o acusado e os desdobramentos e detalhes acerca dos fatos poderão ser melhor esclarecidos no curso da instrução criminal.
4. O destinatário da prova é o juiz, a quem compete gerenciar a produção dos elementos que sustentam tanto as teses defensivas quanto acusatórias, evitando que se perca tempo e se desperdicem recursos produzindo provas impertinentes ou irrelevantes para o deslinde da controvérsia jurídica instaurada.
5. Neste caso, não obstante os esforços da defesa, não houve demonstração de desacerto na decisão impugnada. Não há elementos capazes de infirmar as conclusões do Tribunal de origem acerca da imprestabilidade dos elementos probatórios indicados para afastar a responsabilidade criminal do recorrente.
6. Recurso ordinário não provido"(RHC n. 156.844/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 29/11/2021, grifei).
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TORTURA EM CONCURSO DE AGENTES. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. RECORRENTE QUE, COM SUA CONDUTA, EM TESE, CONCORREU PARA O ÊXITO DA EMPREITADA CRIMINOSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA.
1. Caso em que não se está diante de excepcionalidade a justificar a precoce extinção da ação penal. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, o que permite a compreensão dos fatos e possibilita o amplo exercício da defesa e do contraditório. Não há razão para impedir o Estado-Administração de demonstrar a eventual responsabilidade penal dos recorrentes, isso, diante do quadro apresentado, implicaria cercear o direito-dever do Poder Público em apurar a verdade sobre o que se passou.
2. Hipótese em que a inicial acusatória atribui ao recorrente e aos corréus a conduta de concorrer para a sessão de tortura, realizada por outros dois acusados, a qual culminou com a morte violenta da vítima a que se atribuía a prática de um crime (furto de um celular) no interior do estabelecimento.
3. A denúncia logra demonstrar, ainda que de forma sucinta em alguns pontos, mas não a ponto de obstar o exercício do contraditório e ampla defesa, que o recorrente e outros dois denunciados, cientificados de que a vítima havia subtraído um aparelho celular, retiveram e entregaram o ofendido a outros dois acusados, que também trabalhavam como vigilantes do local, a fim de que o ofendido fosse submetido à intenso sofrimento físico, como forma de correção.
4. Se o recorrente e os corréus tivessem retido o ofendido para entrega à polícia, a situação seria outra. Mas, ao assim proceder, está, por ora, configurada a contribuição deles para o êxito da empreitada criminosa, conduta que não pode ser cindida da dos demais corréus, responsáveis pelas agressões, as quais foram graves a ponto de culminar com a morte do ofendido. Precedente.
5. Recurso improvido"(RHC n. 144.619/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 19/11/2021, grifei).
No mais, estando a conclusão das instancias ordinárias em consonância com o entendimento e a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, não se vislumbra, no presente caso, constrangimento ilegal apto a ensejar a concessão da ordem.
Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário em habeas corpus.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA, em face de v. acórdão proferido pelo eg. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - RUA DA GLÓRIA no Writ n. 2205143-20.2021.8.26.0000.
Depreende-se dos autos que o recorrente foi denunciado pela prática, em tese, dos delitos nos arts. 288, caput, 311 e 180, todos do CP.
Irresignada, a defesa impetrou prévio writ perante a Corte de origem, que denegou a ordem, nos termos do acórdão de fls. 57-67, assim ementado:
"Habeas corpus. Associação criminosa, adulteração de sinal identificador de veículo automotor e receptação. Trancamento da Ação Penal. Inadmissibilidade. Hipóteses do Artigo 395 do CPP ausentes. Denúncia que descreve de forma clara o conteúdo da imputação Ordem denegada."
No presente recurso ordinário, a Defesa sustenta que o recorrente está submetido a constrangimento ilegal, pois submetido a persecução penal carente de justa causa e que, por isso, deve ser imediatamente trancada.
Pondera, nesse sentido, a inépcia da denúncia ofertada, porquanto, além da ausência de descrição da participação do recorrente em cada uma das condutas típicas a ele imputadas, de forma individualizada, também não foi descrito o suposto vínculo associativo estabelecido entre os denunciados nem foi justificado o suposto proveito da situação pandêmica para a prática do delito.
Requer, assim, o provimento do recurso, inclusive liminarmente, para determinar a suspensão da ação penal e, no mérito, o seu trancamento.
Contrarrazões às fls. 95-97.
Pedido liminar indeferido às fls. 107-108 pela Presidência deste Tribunal.
Pedido de Sustentação oral às fls. 116-117.
O Ministério Público Federal, às fls. 111-114, manifestou-se pelo desprovimento do recurso, em parecer com a seguinte ementa:
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA, RECEPTAÇÃO E ADULTERAÇÃO DE SINAL IDENTIFICADOR DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
- Parecer pelo desprovimento do recurso."
É o relatório.
VOTO
Conheço do presente recurso, porquanto presentes seus requisitos de admissibilidade.
A il. Defesa pretende, em síntese, o trancamento da ação penal ao argumento de falta de condições de procedibilidade e/ou atipicidade da conduta.
Pois bem.
Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.
A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no âmbito processual do habeas corpus e de seu respectivo recurso ordinário, cujo manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrantes a ponto de serem demonstrados de plano.
Corroborando tal entendimento, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte de Justiça:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. ENTORPECENTE DESTINADO AO CONSUMO PRÓPRIO. AUSÊNCIA DE DOLO DO ACUSADO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO PROBATÓRIO. VIA INADEQUADA. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA.
1. Em sede de habeas corpus e de recurso ordinário em habeas corpus somente deve ser obstada a ação penal se restar demonstrada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a manifesta ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, e ainda, a atipicidade da conduta.
2. Estando a decisão impugnada em total consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há que se falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no reclamo, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente.
3. Recurso desprovido" (RHC n. 83.724/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 23/06/2017, grifei).
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE DESEMBARGADOR. DESCABIMENTO. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. EXCEPCIONALIDADE. JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. REVOLVIMENTO FÁTICO-COMPROBATÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A Quinta Turma desta Corte possui entendimento pacificado no sentido de que não cabe recurso ordinário em habeas corpus contra decisão monocrática de Desembargador do Tribunal de origem, salvo em casos de flagrante ilegalidade ou teratologia da decisão impugnada.
2. Hipótese em que o agravante requer a análise de questões não examinadas pela decisão monocrática impugnada.
3. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte Superior, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos.
4. Agravo regimental não provido" (AgRg no RHC n. 67.110/MT, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 23/06/2017, grifei).
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. (I) PRISÃO PREVENTIVA. PRETENDIDA REVOGAÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE SUBSTITUIÇÃO POR CUSTÓDIA DOMICILIAR. PLEITO PREJUDICADO. (II) TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA.
1. O pleito de substituição da segregação preventiva da paciente pela custódia domiciliar, com fulcro no art. 318, V, do Código de Processo Penal, foi supervenientemente deferido pelo Juízo a quo. Tal o contexto, nesse particular, perde o objeto o presente writ.
2. À exceção de quando se possam emergir dos atos, de forma inequívoca, a atipicidade da conduta, a inocência do acusado ou a extinção da punibilidade, esta Corte é firme na compreensão de não ser possível conhecer do pleito de trancamento da demanda, em âmbito de habeas corpus ou do recurso ordinário respectivo, porquanto ensejaria o reexame aprofundado de todo o conjunto fático-probatório produzido ao longo da marcha processual, providência incompatível com os estreitos limites do remédio constitucional, marcado pela celeridade e pela sumariedade na cognição.
3. Caso em que os elementos constantes dos autos demonstram a presença de suporte mínimo à acusação formulada. Além disso, a exordial acusatória indica a existência da prova dos delitos e os indícios suficientes de sua autoria, bem como discrimina a conduta, em tese, praticada pela paciente, preenchendo os requisitos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal e assegurando o devido contraditório e a ampla defesa da imputação.
4. Ordem conhecida em parte e, nessa extensão, denegada" (HC n. 394.537/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 09/06/2017, grifei).
"PROCESSUAL PENAL. IMPORTAÇÃO E DEPÓSITO DE PRODUTOS (SUPLEMENTOS ALIMENTARES E/OU MEDICAMENTOS) PROIBIDOS. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO FÁTICA SUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO. TRANCAMENTO E PLEITO ALTERNATIVO DE DESCLASSIFICAÇÃO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.
1. Devidamente descritos os fatos delituosos (indícios de autoria e materialidade), não há falar em inépcia.
2. Plausibilidade da acusação, em face do liame entre a pretensa atuação dos recorrentes e os fatos. Em tal caso, está plenamente assegurado o amplo exercício do direito de defesa, em face do cumprimento dos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.
3. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de suporte probatório mínimo à acusação), não relevada, primo oculi. Intento que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ.
4. O pleito alternativo de desclassificação, de igual modo, não tem espaço na impetração e na via recursal ordinária, porque também é intento que tem natureza probatória, a ser elucidado sob o crivo do contraditório. Em realidade apresenta-se como a própria oposição ao mérito da persecução penal que ainda deverá ser aferida no juízo de primeiro grau e não no presente meio processual.
5. Recurso ordinário não provido" (RHC n. 80.845/RJ, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 30/05/2017, grifei).
No caso, conforme delineado, a il. Defesa sustenta a falta de condições de procedibilidade da ação penal por inépcia da denúncia ofertada, além da ausência de descrição da participação do recorrente em cada uma das condutas típicas a ele imputadas, de forma individualizada, também não foi descrito o suposto vínculo associativo estabelecido entre os denunciados nem foi justificado o suposto proveito da situação pandêmica para a prática do delito.
Entretanto, ao analisar o pedido de trancamento da ação penal, o eg. Tribunal a quo consignou haver elementos mínimos a ensejar a continuidade do feito. Transcrevo, no ponto, os fundamentos adotados pela eg. Corte estadual ao denegar a ordem, verbis (fls. 62-67 - grifei):
"O paciente foi preso em flagrante e está sendo investigado pela prática, em tese, dos delitos previstos no artigo 288, "caput", artigo 311 e artigo 180 "caput" (este crime por duas vezes), todos c. c. artigo 61, inciso II, "j", todos do Código Penal, porque, segundo consta, em período incerto, mas até o dia 03 de março de 2021, por volta das 21h25min, nesta cidade e comarca da Capital, NATAN HENRIQUE DOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA, GABRIEL DOS SANTOS SOUSA, e outros indivíduos ainda não identificados, em época de calamidade pública, associaram-se para o fim específico de cometer crimes.
Consta, ainda, que entre os dias 26 de fevereiro de 2021 e 03 de março de 2021, em horário e local incerto, NATAN HENRIQUE DOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGO DOS SANTOS BARBOSA e GABRIEL DOS SANTOSSOUSA, em época de calamidade pública, receberam em proveito próprio e ocultaram o veículo I/Hyundai I30 de placas FEW-5710,pertencente à vítima Israel Pedrosa de Santana, sabendo ou devendo saber ser o bem produto de crime antecedente.
Consta, também, que entre 26/02/2021 e 03/03/2021, em horário incerto, nesta cidade e comarca da capital, NATAN HENRIQUE DOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA e GABRIEL DOS SANTO SSOUSA, em época de calamidade pública, adulteraram os sinais identificadores do veículo I/Hyundai I30 de placas FEW-5710.
Consta, por fim, que entre os dias 27 de fevereiro de 2021 e 03 de março de 2021, em hora e local incertos, mas nesta cidade e comarca da capital, NATAN HENRIQUEDOS SANTOS PEREIRA, HENRIQUE RODRIGUES DOS SANTOS BARBOSA e GABRIEL DOS SANTOS SOUSA, em época de calamidade pública, receberam em proveito próprio o veículo I/VW Jetta de placas EFW-6738, pertencente às vítimas Rafael Fernandes Ferrage e Margarette Simes de Andrade Cecília, sabendo ou devendo saber ser o bem produto de crime antecedente.
Por decisão de 04 de março de 2021, a prisão em flagrante foi convertida em preventiva (fls. 120/122).
Sobreveio pedido de revogação da prisão preventiva, datado de 10 de março de 2021, o qual, foi negado pelo Juízo "a quo", à míngua de alterações fáticas (fls. 01/12 e 24/25dos autos de pedido de liberdade provisória).
O Col. Superior Tribunal de Justiça, em 19 de agosto de 2021, concedeu liminar no "habeas corpus"nº 668.835/SP, para revogar a prisão preventiva do paciente, sendo determinada a expedição do alvará de soltura, o qual já foi expedido(fls. 396/408 e 418/420 dos autos de origem).
Pretendem os impetrantes o trancamento da ação penal.
No entanto, é caso de denegar o pedido.
Inicialmente, o trancamento da ação penal, por meio dos restritos limites da via eleita, só é possível quando existir evidente coação ilegal detectável de plano, o que não se verifica na hipótese em tela.
Nesse sentido:
..
No presente caso, os documentos que instruem o inquérito policial apontam a existência de prova da materialidade da conduta criminosa descrita na denúncia, além de indícios da autoria.
De outra banda, insta consignar que a exordial acusatória descreve a conduta criminosa de forma clara e detalhada, observando os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, não havendo se falar em inépcia da inicial ou prejuízo ao exercício da ampla defesa.
A descrição dos fatos, explicita que o paciente, demais denunciados e outros indivíduos ainda não identificados se associaram de forma estável e permanente para a prática de crimes de roubo, extorsão, adulteração de sinal identificador de veículo automotor e receptação.
Receberam entre os dias 26 de fevereiro de 2021 e 03 de março de 2021 o veículo I/Hyundai I30 de placas FEW-5710, sabendo ser ele produto de crime antecedente e adulteraram seus sinais identificadores, fazendo com que passasse a ostentar as placas PXS-6525.
Da mesma forma aconteceria como veículo I/VW Jetta de placas EFW-6738, no entanto, enquanto se deslocavam com o bem para encontrar coautor responsável por lhes entregar a placa falsa que deveria ser instalada no automóvel, foram interceptados por policiais militares.
Nesse sentido, oportuno transcrever trecho do judicioso parecer da Procuradoria Geral de Justiça:".. Assim, não se verifica qualquer deficiência de descrição fática e da conduta imputada aos denunciados na denúncia em análise, inclusive ao paciente, sendo descabido buscar exigir descrição maior e mais minuciosa das ações praticadas, sendo possível, com a Denúncia oferecida, que descreve adequadamente os fatos, dando-lhes o contorno penal respectivo, o exercício da ampla defesa e do contraditório.
Ademais, suposta inépcia não se confunde com falta de justa causa e a denúncia preenche todos os requisitos legais, contendo a exposição do fato criminoso e suas circunstâncias, a qualificação dos acusados, classificação do crime e rol de testemunhas, requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal. Além disso, traz a descrição pormenorizada do fato típico e suas circunstâncias, de modo a viabilizar a defesa dos réus, tendo sido observados os requisitos legais para a fase processual.."
Assim, diversamente do alegado, o que se vislumbra é que a narrativa fática contida na denúncia satisfaz o padrão mínimo do artigo 41 do Código de Processo Penal, não sendo necessária a descrição pormenorizada da conduta dos acusados, admitindo-se que a individualização detalhada do agir e o elemento subjetivo da conduta sejam elucidados após a formação da culpa.
Em conclusão, não se observa qualquer ilegalidade ou constrangimento no ato do Juízo de Direito da 15ª Vara Criminal da Comarca da Capital.
Face ao exposto, DENEGA-SE a ordem."
Da análise do excerto colacionado, constata-se que o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitivas, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus.
Desse modo, não se mostra possível, neste momento, discordar das instâncias ordinárias, principalmente na estreita via do habeas corpus, ou recurso em habeas corpus, e vislumbrar motivação plausível a justificar o trancamento da citada ação penal por ausência de justa causa, porquanto as imputaçõesdescritas podem se amoldar aos delitos imputados, de forma que torna plausível as imputações e possibilita o exercício da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes e sob o crivo do contraditório.
Convém observar, ainda, que, ausente abuso de poder, ilegalidade flagrante ou teratologia, o exame da existência de materialidade delitiva ou de indícios de autoria demanda amplo e aprofundado revolvimento fático-probatório, incompatível com a via estreita do habeas corpus, que não admite dilação probatória, reservando-se a sua discussão ao âmbito da instrução processual.
Outrossim, descabida a alegação de inépcia da denúncia, na medida em que plenamente satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto a exordial acusatória narrou de forma suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa os fatos criminosos imputados ao recorrente e corréus, com todas as suas circunstâncias, em especial de terem sido cometidas no âmbito da pandemia do novo corona vírus, além da qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol das testemunhas não sendo necessária, para a deflagração da ação penal, a individualização pormenorizada da conduta de cada acusado, na medida em que descritas a associação criminosa e demais delitos cometidos pela quadrilha, sob pena de inviabilizar a persecução penal
Ilustrativamente:
"PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. QUESTIONAMENTO ACERCA DA INTIMAÇÃO DE ADVOGADO. VERIFICAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. INTIMAÇÃO REALIZADA EM NOME DE ADVOGADA NÃO MAIS HABILITADA. PROVIDÊNCIAS ADOTADAS PELO JUÍZO A FIM DE OPORTUNIZAR A DEFESA. NULIDADE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NÃO OCORRÊNCIA. TENTATIVA DE INTIMAÇÃO DA ACUSADA PARA CONSTITUIR NOVO PATRONO. FRUSTRAÇÃO. ATUALIZAÇÃO DO ENDEREÇO. ÔNUS DA DEFESA. NULIDADE ARGUIDA POR QUEM LHE DEU CAUSA. RECONHECIMENTO. ART. 565 DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. INTIMAÇÃO EM NOME DE ADVOGADA QUE TEVE SEUS PODERES TACITAMENTE REVOGADOS. MATÉRIA NÃO DEBATIDA NO ACÓRDÃO RECORRIDO. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O recurso ordinário em habeas corpus não se presta à análise de alegação cuja apreciação demanda revolvimento do conjunto fático-probatório.
2. Se o Tribunal de origem, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entendeu, de forma fundamentada, que "o advogado particular constituído pela paciente fora efetivamente intimado sobre a redesignação da audiência de instrução para o dia 16/10/2014", não cabe a esta Corte a análise acerca da alegada inocorrência da referida intimação, na medida em que demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
..
9. Em sede de habeas corpus, a prova deve ser pré-constituída e incontroversa, cabendo ao impetrante apresentar documentos suficientes à análise de eventual ilegalidade flagrante no ato atacado.
10. Recurso não provido" (RHC n. 81.932/PA, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 30/05/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSO PENAL. ARTS. 299, 304 E 333 DO CP. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ABSORÇÃO DOS CRIMES DE FALSIFICAÇÃO E USO DE DOCUMENTO FALSO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE PROVAS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INDÍCIOS DE AUTORIA E PROVAS DE MATERIALIDADE DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. O trancamento de ação penal por meio da impetração de habeas corpus é medida de exceção, somente admitida se evidenciadas, de plano, a inépcia da denúncia, a atipicidade da conduta, eventual causa de extinção da punibilidade ou a ausência de justa causa para a ação penal.
2. A verificação da absorção dos crimes de falsificação e de uso de documento falso pelo crime de corrupção demanda aprofundado revolvimento do quadro fático-probatório, inadmissível na estreita via do habeas corpus e em supressão das instâncias ordinárias.
3. Para recebimento da denúncia, não é necessária análise exauriente das provas colhidas durante a fase inquisitorial, devendo o juízo processante avaliar os requisitos do art. 41 do CPP, examinando a validade formal da peça e a presença de indícios suficientes de autoria e de materialidade.
4. Tendo as instâncias ordinárias concluído pela presença de indícios mínimos de autoria, a análise da tese defensiva contrária exige reexame de fatos e provas, providência inconcebível em habeas corpus.
5. Deve-se reservar à instância competente, durante a instrução criminal, o exame das teses defensivas referentes à ausência de provas de materialidade delitiva e de indícios de autoria, garantidos o contraditório e a ampla defesa.
6. Agravo regimental desprovido"(AgRg no RHC n. 136.322/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 26/11/2021, grifei).
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PEÇA QUE ATENDE AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. INDEFERIMENTO DE PRODUÇÃO DE PROVAS. DISCRICIONARIEDADE DO JUIZ. RECURSO ORDINÁRIO NÃO PROVIDO.
1. O trancamento da ação penal pela via do habeas corpus é possível, desde que de plano, constate-se a inépcia da inicial acusatória, a atipicidade da conduta, a presença de causa extintiva de punibilidade ou, finalmente, quando se constatar a ausência de elementos indiciários de autoria ou de prova da materialidade do crime.
2. A aptidão da denúncia é aferida a partir do conteúdo da descrição dos fatos delituosos, que deve apontar todas as circunstâncias que envolvem a prática da infração penal, individualizando e tipificando, na medida do possível, a conduta de cada um dos imputados. O objetivo de tal exigência é, de um lado, viabilizar a ação penal e, de outro, garantir o exercício das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa, considerando que o réu deve elaborar a sua estratégia de resposta às acusações a partir dos fatos apresentados na exordial.
3. Embora a denúncia não apresente minúcias a respeito dos atos libidinosos cometidos pelo agressor contra a vítima, a narração traz as circunstâncias dos fatos e estabelece o liame subjetivo entre as agressões e o acusado e os desdobramentos e detalhes acerca dos fatos poderão ser melhor esclarecidos no curso da instrução criminal.
4. O destinatário da prova é o juiz, a quem compete gerenciar a produção dos elementos que sustentam tanto as teses defensivas quanto acusatórias, evitando que se perca tempo e se desperdicem recursos produzindo provas impertinentes ou irrelevantes para o deslinde da controvérsia jurídica instaurada.
5. Neste caso, não obstante os esforços da defesa, não houve demonstração de desacerto na decisão impugnada. Não há elementos capazes de infirmar as conclusões do Tribunal de origem acerca da imprestabilidade dos elementos probatórios indicados para afastar a responsabilidade criminal do recorrente.
6. Recurso ordinário não provido"(RHC n. 156.844/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 29/11/2021, grifei).
"PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. TORTURA EM CONCURSO DE AGENTES. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. RECORRENTE QUE, COM SUA CONDUTA, EM TESE, CONCORREU PARA O ÊXITO DA EMPREITADA CRIMINOSA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AUSÊNCIA.
1. Caso em que não se está diante de excepcionalidade a justificar a precoce extinção da ação penal. A denúncia preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, o que permite a compreensão dos fatos e possibilita o amplo exercício da defesa e do contraditório. Não há razão para impedir o Estado-Administração de demonstrar a eventual responsabilidade penal dos recorrentes, isso, diante do quadro apresentado, implicaria cercear o direito-dever do Poder Público em apurar a verdade sobre o que se passou.
2. Hipótese em que a inicial acusatória atribui ao recorrente e aos corréus a conduta de concorrer para a sessão de tortura, realizada por outros dois acusados, a qual culminou com a morte violenta da vítima a que se atribuía a prática de um crime (furto de um celular) no interior do estabelecimento.
3. A denúncia logra demonstrar, ainda que de forma sucinta em alguns pontos, mas não a ponto de obstar o exercício do contraditório e ampla defesa, que o recorrente e outros dois denunciados, cientificados de que a vítima havia subtraído um aparelho celular, retiveram e entregaram o ofendido a outros dois acusados, que também trabalhavam como vigilantes do local, a fim de que o ofendido fosse submetido à intenso sofrimento físico, como forma de correção.
4. Se o recorrente e os corréus tivessem retido o ofendido para entrega à polícia, a situação seria outra. Mas, ao assim proceder, está, por ora, configurada a contribuição deles para o êxito da empreitada criminosa, conduta que não pode ser cindida da dos demais corréus, responsáveis pelas agressões, as quais foram graves a ponto de culminar com a morte do ofendido. Precedente.
5. Recurso improvido"(RHC n. 144.619/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de 19/11/2021, grifei).
No mais, estando a conclusão das instancias ordinárias em consonância com o entendimento e a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, não se vislumbra, no presente caso, constrangimento ilegal apto a ensejar a concessão da ordem.
Ante o exposto, nego provimento ao presente recurso ordinário em habeas corpus.
É o voto. | EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EMHABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 41 DO CPP. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA POR MEIO DA VIA ELEITA.
I -Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no âmbito processual do habeas corpus e de seu respectivo recurso ordinário, cujo manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrantes a ponto de serem demonstrados de plano.
II - No caso,o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitivas, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus, sendo inviável entender de forma contrária sem a vedada dilação probatória própria da instrução criminal.
III - Por fim,descabida a alegação de inépcia da denúncia, na medida em que plenamente satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto a exordial acusatória narrou de forma suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa os fatos criminosos imputados ao recorrente e corréus, com todas as suas circunstâncias, em especial de terem sido cometidas no âmbito da pandemia do novo coronavírus, além da qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol das testemunhas não sendo necessária, para a deflagração da ação penal, a individualização pormenorizada da conduta de cada acusado, na medida em que descritas a associação criminosa e demais delitos cometidos pela quadrilha, sob pena de inviabilizar a persecução penal.
Recurso ordinário em habeas corpusdesprovido. | PENAL. PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EMHABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA DA DENÚNCIA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS MÍNIMOS DE MATERIALIDADE E AUTORIA. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 41 DO CPP. EXCEPCIONALIDADE DA MEDIDA POR MEIO DA VIA ELEITA. | I -Inicialmente, cumpre destacar que o trancamento de investigações policiais, procedimentos investigatórios, ou mesmo da ação penal, constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a existência de causas de extinção de punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova de materialidade.A liquidez dos fatos constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no âmbito processual do habeas corpus e de seu respectivo recurso ordinário, cujo manejo pressupõe ilegalidade ou abuso de poder flagrantes a ponto de serem demonstrados de plano.
II - No caso,o eg. Tribunal de origem, ao analisar o habeas corpus originário, consignou existirem elementos suficientes para a continuidade da ação penal, salientando a presença, ao menos em tese, da materialidade e da autoria delitivas, bem como ausentes quaisquer causas que justificassem o trancamento da ação penal na via do mandamus, sendo inviável entender de forma contrária sem a vedada dilação probatória própria da instrução criminal.
III - Por fim,descabida a alegação de inépcia da denúncia, na medida em que plenamente satisfeitos os requisitos do art. 41 do CPP, porquanto a exordial acusatória narrou de forma suficiente ao exercício do contraditório e da ampla defesa os fatos criminosos imputados ao recorrente e corréus, com todas as suas circunstâncias, em especial de terem sido cometidas no âmbito da pandemia do novo coronavírus, além da qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol das testemunhas não sendo necessária, para a deflagração da ação penal, a individualização pormenorizada da conduta de cada acusado, na medida em que descritas a associação criminosa e demais delitos cometidos pela quadrilha, sob pena de inviabilizar a persecução penal.
Recurso ordinário em habeas corpusdesprovido. | N |
144,888,858 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA. APREENSÃO DE 502,80g DE COCAÍNA. RISCO DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. No caso, o Tribunal estadual manteve a prisão preventiva em razão da gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias do flagrante, notadamente pela quantidade e natureza da droga apreendida-o pacientefoi flagrado com 502,80 g de cocaína.Ainda, segundo registrado,ao avistar a viatura,o paciente empreendeu fuga em alta velocidade, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia. Ademais, o decreto prisional menciona que o agravante "participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade", inclusive estaria sendoinvestigado pela suposta prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio e quatro outros supostos homicídios, o que evidencia o efetivo risco de reiteração criminosa. Prisão mantida para resguardar a ordem pública. Precedentes do STJ.
3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por ORLANDO DE ANDRADE COSTA FILHO contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso em habeas corpus (e-STJ fls. 263/273).
Segundo consta dos autos, o recorrente foi preso em flagrante no dia 15/9/2021, prisão convertida em preventiva, pela suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput e no art. 35, da Lei 11.343/06, porque (e-STJ fl. 165):
(..), no dia no dia 15 de setembro de 2021, por voltadas 17h30min, nas imediações da BR-110, ORLANDO DE ANDRADE, VALDINEI PEREIRA e JUAN VICTOR transportaram, bem como ainda ORLANDO ANDRADE trouxe consigo drogas destinadas à traficância, sem autorização para tanto e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Nas razões do presente recurso, a defesa reafirma, em resumo, que a decisão inicial não apresentou fundamentação suficiente, sobretudo porque não demonstrou a imprescindibilidade da medida extrema, com base nas hipóteses do art. 312 do CPP.
Entende que seria o caso de aplicação de outras medidas cautelares mais brandas, como as previstas no art. 319 do CPP, tendo em vista que o paciente é jovem, tem residência fixa e mora com sua genitora.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo colegiado para dar provimento e revogar a prisão preventiva do recorrente, mediante a aplicação de medidas mais brandas.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
No caso, busca-se a revogação da prisão preventiva do recorrente acusado da suposta prática do delito de tráfico de drogas e associação para o tráfico, sob a alegação, em síntese, de ausência de fundamentação idônea.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência depericulum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão(HC nº137.066/PE, Rel.Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014;RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; eRHC n. 97.893/RR, Rel.Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019;HC n. 503.046/RN, Rel.Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem aimprescindibilidadeda medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel.Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015;HC n. 296.543/SP, Rel.Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 29/33):
A materialidade delitiva está provada, segundo se verifica da documentação inserta, mormenteem razão do auto de exibição, dando conta da apreensãode 03 (três) porções de cocaína totalizando, pasmem, 502,80 g (quinhentos e dois gramas e oitenta centigramas) de cocaína acondicionada em sacos plásticos, o importe de R$ 1.000,00 (mil reais), um aparelho celular e um veículo AUDI/A5.No tocante à autoria, em face da prova já trazida à lume, muito embora não haja ainda prova escoimada de dúvidas, exsurgem claros, nítidos e veementes indícios da autoria do indiciado na consumação do crime descrito no auto de prisão em flagrante.Ressai dos depoimentos a existência de indícios da autoria que revelam suposto esquema criminoso praticado pelo autuado, estruturado e organizado, tanto que fora apreendida avultada quantidade de droga, pasmem, meio quilo de cocaína, o que equivale a aproximadamente 5.000 (cinco mil) pinos - ao que tudo indica o acusado participa de esquema criminoso que visa a introdução de entorpecentes na comuna. Analisando a documentação adunada, verifica-se que o autuado, ao que tudo indica, istode acordo com as informações da autoridade policial, participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade,sendo o flagranteado investigado pela possível prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio, bem como pelos supostos homicídios de 04 (quatro) indivíduos, o que demonstra que a prisão é medida que se impõe. Esta última circunstância, indubitavelmente, auxilia a tese da força policial de que o autuado possivelmente participa de esquema criminoso que fustiga a ordem pública, sendo fundamento para a decretação de sua prisão preventiva.De mais a mais, vale ressaltar que os depoimentos colhidos na DEPOL, embora em fase superficial da persecução penal, dá conta da existência de indícios da autoria do autuado. O nosso define como "Diploma de Rito Penal (art. 329) indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou". Destarte, os indícios nada mais são que elementos probatórios secundários e outras circunstâncias paralelos, autorizadores de um raciocínio cadenciado a fim de construir-se uma hipótese ou situação lógica, guardando estrita e óbvia ligação com o fato principal e central. Como podemos verificar de uma análise acurada, há no interior dos autos, detidamente dos depoimentos dos policiais que realizaram a prisão, passagens onde sobressaem circunstâncias e situações que indicam, ao menos , uma forte possibilidade e vigorosa probabilidade de envolvimento do prima facie autuado no fato delituoso a ele imputado, mormente a participação vigorosa em esquema criminoso responsável pelo tráfico de drogas nesta comuna. Descabe, nesta fase, um maior aprofundamento acerca de tais indícios, sob pena de incidirmos em pré-julgamento. Releva é que o contido neste inquérito aponta inicialmente para o autuado como autor das condutas ilícitas que se busca apurar. Assim, verifica-se que a permanência do autuado em liberdade perturbará o meio social, intranquilizando mais ainda a comunidade radicada próximo ao locus delicti Essa última circunstância, indubitavelmente, principia possível conduta censurável e antitética as regras estabelecidas pela legislação em vigor. Impende sublinhar, e não de passagem, que o autuado,em que pese não possua antecedentes maculados, supostamente atua em esquema criminoso organizado, o que evidencia que possivelmente se dedica a atividades criminosas de forma permanente, não se olvidando que é investigado pela possível prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio, bem como pelos supostos homicídios de 04 (quatro) indivíduos. Cabe notar, repita-se, que não há incompatibilidade entre o princípio da presunção de inocência e a prisão cautelar, conforme o trato jurisprudencial: "S. T. J. A presunção de inocência (CF, Art. 5º, inciso LVII) é relativa ao Direito Penal, ou seja, a respectiva sanção somente pode ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não (Mirabete, CPP Interpretado, 3ªalcança os institutos de Direito Processual, como a prisão preventiva. "Edição Atlas, P. 373). No caso presente, a liberdade do flagranteado enseja graves reflexos na ação da Justiça, que necessita estar presente através de medidas efetivas, visando coibir a repetição de atos censuráveis como aqueles noticiados no auto de prisão em flagrante, e prevenindo consequentemente outros delitos desta natureza.Por outro, considerando que em matéria de prisão preventiva, vigora o princípio da credibilidade do juiz dirigente do processo, de vez que, com atuação profissional no local onde foi perpetrado o delito e melhor conhecendo as pessoas e seus hábitos, inquestionavelmente, é quem mais facilmente pode aquilatar a necessidade de imposição da medida acautelatória, especialmente, quando o crime imputado ao indiciado ganha grande repercussão do seio da comunidade local.
..
No caso concreto, são visíveis os pressupostos da prisão preventiva: garantia da ordem pública, uma vez que a presença do autuado intranquiliza e revolta a comunidade, logo, se faz necessária a adoção de medidas que salvaguardem a paz social. Por outro lado, a imputação que é feita ao indiciado, através da descrição do seu comportamento nos depoimentos até então colhidos, implica necessariamente em uma melhor apreciação da prova a ser produzida ao longo da instrução do feito, e a concessão de liberdade poderá significar uma espécie de intimidação para as testemunhas, prejudicando, assim, a livre manifestação dos depoimentos em juízo, residindo neste fato o outro fundamento da prisão preventiva: a conveniência da instrução criminal -autuado investigado em participar de organização criminosa. No caso em mote, não sobeja dúvida de que solto poderá causar interferências indevidas à persecução penal, daí porque premente a imperiosidade de se tutelar a conveniência da instrução criminal. Para adoção da custódia preventiva não se pode exigir a mesma certeza necessária a um juízo condenatório. É como vem entendendo a nossa jurisprudência majoritária."Não se pode exigir para a prisão preventiva a mesma certeza que se exige para a condenação. Vigora o princípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim como meios de convicção mais seguros que os juízes distantes. O in dubio pro reo vale ao ter o juiz que absolver ou condenar. Não, porém, ao decidir se decreta ou não a custódia provisória"2."Em tema de prisão preventiva, a suficiência dos indícios de autoria é verificação confiada ao prudente arbítrio do magistrado, não existindo padrões que a definam"3. A segregação provisória visa não apenas afastar do seio da sociedade os seus infratores, mas também coibir a índole maléfica dos demais; dar exemplo claro e cabal de que o crime não compensa; deque a Justiça funciona. Trata-se de desestimular, em seu nascedouro, outros anseios criminosos. Há que ser dito, a segregação provisória, como medida de garantia acautelatória, está sem preposta à disposição de ulterior atividade jurisdicional e, como é assente na doutrina e jurisprudência, não tem o desiderato de fazer justiça, mas dar tempo a que a justiça seja feita. Neste prisma, presente os requisitos e pressupostos da custódia cautelar, como a materialidade delitiva, indícios da autoria, necessidade de acautelar a ordem pública e conveniência da instrução criminal, não há como não promover a conversão do flagrante em preventiva, nos termos da legislação em vigor. Por esta razão, dado o seu caráter excepcionalíssimo, tratando-se de medida extrema, só deve ser adotada em situações especiais. De forma contrária, não se pode dela abrir mão, quando o caso concreto lhe reclame a adoção. E, na hipótese presente, como se demonstrou à saciedade, a prisão preventiva do autuado apresenta-se imperiosa e inexorável pelo fatos e argumentos acima esposados. Vale frisar que o flagranteado, não bastasse o quanto escandido, ao avistar a viatura empreendeu fuga em alta velocidade no veículo apreendido, circunstância concreta a indicar a imperiosidade da sua custódia, uma vez que comprova com isso o desiderato de fustigar a aplicação da lei penal - os depoimentos dão conta que a polícia chegou a persegui-lo quando mesmo imprimia, pasmem, a velocidade de 180km/h, colocando em risco a vida de outros motoristas na rodovia. Sendo certo que para o caso em mote nenhuma medida alternativa e substitutiva da prisão cautelar se demonstra mais consentânea, conclui-se pela decretação da medida extrema. DIANTE DO EXPOSTO, com supedâneo nos arts. 311 e 312 do CPP, para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, conclui-se pela decretação da prisão preventiva de ORLANDO DE ANDRADE COSTA FILHO, devidamente qualificado, ficando à disposição deste juízo.
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 191/203):
Ao decidir pela decretação da preventiva, a magistrada primeva fundamentou satisfatoriamente seu posicionamento, levando em consideração o requisito da garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e futura aplicação da lei penal, restando comprovadas as presenças dos indícios de autoria e materialidade delitiva.Extrai-se do caderno processual o paciente foi flagrado quando trazia consigo 502,80 g (quinhentos e dois gramas e oitenta centigramas) de cocaína, o importe de R$ 1.000,00 (mil reais) e 01 (um) aparelho celular. Exsurge, ainda, que o paciente ao avistar a viatura empreendeu fuga em alta velocidade (180 km/h) no veículo AUDI/ AS, também apreendido, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia.O caderno processual pontua ainda que o mesmo contudo não logrou êxito, vez que foi parado em barreira policial montada na entrada do município de Alagoinhas.Constata-se, desta forma, que a conduta sub examine, em tese, culmina em grave repercussão social com casos que se multiplicam a cada dia, notadamente pela natureza interestadual do suposto delito, exigindo do Poder Judiciário uma postura mais enérgica no seu combate, através da solução mais efetiva que, , consiste na segregação social. in casuO magistrado consigna que a gravidade do fato, a quo consubstanciada pela quantidade de droga encontrada em seu poder, consoante alhures mencionado, com alto potencial lesivo à saúde pública o que, de per si, já denotando sua constitui indício de comercialização das ditas substâncias, inclinação para a vida criminosa e a possibilidade efetiva de que uma vez solto volte a delinquir, justificam, propriamente, a segregação cautelar. .. Assim, ao revés do que foi sustentado na impetração, verifico que a decisão impugnada não padece do indigitado vício de fundamentação, tendo o magistrado singular apontado eficazmente a presença da materialidade delitiva e dos indícios suficientes de autoria, bem como destacado a necessidade de garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, em razão da gravidade in da conduta incriminada, da tentativa de fuga relatada, deixando, concreto destarte, evidente que outras medidas cautelares diversas da prisão não seriam suficientes para impedir a prática de novos ilícitos, uma vez que, pela natureza do ato cometido, não possuem a abrangência e o grau de eficácia necessários. .. Outrossim, devemos considerar que no crime de tráfico de drogas, há o perigo abstrato, já que o risco para o bem jurídico protegido é presumido por lei, ou seja, a periculosidade social do agente deve ser aferida pelas circunstâncias em que se deu a ação delitiva. Conforme preceitua a doutrina hodierna, a prisão preventiva pode ser ordenada "para fins externos à instrumentalidade, associada à proteção imediata, não do processo em curso, mas do conjunto de pessoas que se há de entender como sociedade. .. A modalidade de prisão, para cumprimento desta última finalidade, seria a prisão para garantia da ordem pública", "quando se tutelará, não o processo, mas o risco de novas lesões ou reiteração criminosa", deduzidos, a princípio, da natureza e gravidade do crime cometido e da personalidade do agente. (Comentários ao código de processo penal e sua jurisprudência, Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer, 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2017). .. Registre-se que o comportamento do acusado, a princípio, demonstra o completo descaso do acusado pela vida humana, pela Justiça e pelas regras de convivência social .. Noutro giro, o fato de ser o paciente primário e possuir bons antecedentes, por si só, não inviabiliza a prisão impugnada, se presentes os motivos legais ensejadores previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Ressalte-se que os predicados pessoais e os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência não impõem a concessão de liberdade quando presentes requisitos da prisão preventiva, decretada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, a teor do artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal.Diante disso, conclui-se que a prisão provisória deve incidir em caráter excepcional, somente nos casos de extrema necessidade. Todavia, quando presentes os requisitos elencados no ordenamento jurídico e a custódia se mostrar necessária para resguardar a ordem pública ou a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar o cumprimento da lei penal, nem mesmo circunstâncias pessoais abonadoras serão capazes de obstar o encarceramento antecipado. Essa linha intelectiva seguem as Cortes Superiores, conforme os excertos abaixo transcritos ..
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
No caso, depreende-se que o Tribunal estadual manteve a prisão preventiva em razão da gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias do flagrante, notadamente pela quantidade e natureza da droga apreendida-o pacientefoi flagrado quando trazia consigo 502,80 g de cocaína, o importe de R$ 1.000,00 e 1aparelho celular.
Com efeito, o Supremo Tribunal assentou que "a gravidade concreta do crime, omodus operandida ação delituosa e a periculosidade do agente, evidenciados pela expressiva quantidade e pluralidade de entorpecentes apreendidos, respaldam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (HC n. 130.708/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 06/04/2016).
De maneira idêntica, "Esta Corte Superior possui entendimento de que a quantidade, a variedade ou a natureza da substância entorpecente apreendida podem servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva" (HC n. 547.239/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 03/12/2019, DJe 12/12/2019).
Ainda, segundo registrado,ao avistar a viaturao paciente empreendeu fuga em alta velocidade(180 km/h) no veículo AUDI/ AS, também apreendido, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia(e-STJ fl. 191).
Ora, ao acusado que comete delitos, o Estado deve propiciar meios para o processo alcançar um resultado útil. Assim, determinadas condutas, como a não localização, ausência do distrito da culpa, a fuga (mesmo após o fato) podem demonstrar o intento do agente de frustrar o direito do Estado de punir.
Desse modo, justifica-se, no caso, a prisão como forma de garantia da aplicação da lei penal.
Nesse sentido, "Esta Corte Superior possui entendimento consolidado acerca da manutenção da custódia preventiva diante da periculosidade do acusado, evidenciada pela fuga no momento da abordagem, demonstrando total desinteresse na aplicação da lei penal. Julgados nesse sentido" (HC n. 512.663/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019).
Ademais, o decreto prisional menciona que, de "acordo com as informações da autoridade policial, participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade", inclusive estaria sendoinvestigado pela suposta prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio e morte de quatroindivíduos, o que evidencia o efetivo risco de reiteração criminosa.
A propósito,a jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de que "a periculosidade do agente e a fundada probabilidade de reiteração criminosa constituem fundamentação idônea para a decretação da custódia preventiva" (HC n. 150.906 AgR, RelatorMinistro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 25/04/2018).
Ademais, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA MINORANTE RELATIVA AO TRÁFICO PRIVILEGIADO. INOVAÇÃO RECURSAL.SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE MANTÉM A PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DELITIVA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016).
2. In casu, observa-se que o pleito relativo à aplicação da minorante relativa ao tráfico privilegiado trata-se de inovação recursal, pois, na inicial da impetração, a defesa não apresentou teses sobre o tema.
3. Conforme preconiza o § 1º do art. 387 do CPP, o magistrado, ao proferir sentença condenatória, decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.
4. Na hipótese, observa-se que o Juiz sentenciante negou ao paciente o apelo em liberdade, por concluir estarem presentes os requisitos que ensejaram a decretação de sua prisão preventiva. E, segundo se infere, a custódia cautelar está suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, haja vista a gravidade concreta da conduta e o risco de reiteração delitiva. Conforme posto, o paciente já responde a outra ação penal pela prática, em tese, de furto e estava em pleno gozo de liberdade provisória concedida naqueles autos, quando surpreendido, nesta ocasião, na posse de 500g de cocaína.
5. É inviável a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas quando a gravidade concreta da conduta delituosa indica que a ordem pública não estaria acautelada com a soltura do agravante.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 697.182/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021)
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INAPLICABILIDADE DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.INSUFICIÊNCIA, NO CASO. EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
1. A prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada, sobretudo em razão da gravidade em concreto da ação criminosa, consubstanciada na apreensão de considerável quantidade de droga - 673g (seiscentos e setenta e três gramas) de cocaína -, além do risco efetivo de reiteração delitiva, pois contra o Paciente pesa anterior condenação com trânsito em julgado pela prática do delito de porte de arma de fogo. Tais circunstâncias justificam a segregação cautelar como garantia da ordem pública, conforme jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.
2. É indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada e se mostra imprescindível para acautelar o meio social, evidenciando que providências menos gravosas não seriam suficientes para garantir a ordem pública.
3. Eventuais "condições subjetivas favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decretação da segregação provisória" (HC 448.134/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 30/08/2018).
4. Não havia interesse na apreciação do pedido de excesso de prazo para o oferecimento da denúncia quando da impetração do pedido, pois o acórdão impugnado esclareceu que a denúncia foi oferecida em 21/08/2020, ou seja, antes da impetração deste writ.
5. A alegação de excesso da prisão - formulada originariamente em petição de reconsideração protocolada nestes autos -, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, motivo pelo qual não pode ser conhecida originariamente por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância.
6. Ordem de habeas corpus parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.
(HC 631.397/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021)
PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA.ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Apresentada fundamentação concreta para a decretação da prisão preventiva, evidenciada na periculosidade dos acusados explicitada na reiteração delitiva, bem como na grande quantidade de entorpecente apreendidos, tratando-se de 426,10g (quatrocentos e vinte e seis gramas e dez decigramas) de cocaína e, ainda, na resistência ao flagrante "pois empreenderam fuga em alta velocidade, realizando manobras em zigue-zague, ameaçando pedestres e avançando paradas obrigatórias", não há que se falar em ilegalidade a justificar a concessão de habeas corpus.
2. Recurso em habeas corpus improvido.
(RHC 72.737/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 01/09/2016)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por ORLANDO DE ANDRADE COSTA FILHO contra decisão monocrática que negou provimento ao recurso em habeas corpus (e-STJ fls. 263/273).
Segundo consta dos autos, o recorrente foi preso em flagrante no dia 15/9/2021, prisão convertida em preventiva, pela suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput e no art. 35, da Lei 11.343/06, porque (e-STJ fl. 165):
(..), no dia no dia 15 de setembro de 2021, por voltadas 17h30min, nas imediações da BR-110, ORLANDO DE ANDRADE, VALDINEI PEREIRA e JUAN VICTOR transportaram, bem como ainda ORLANDO ANDRADE trouxe consigo drogas destinadas à traficância, sem autorização para tanto e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Nas razões do presente recurso, a defesa reafirma, em resumo, que a decisão inicial não apresentou fundamentação suficiente, sobretudo porque não demonstrou a imprescindibilidade da medida extrema, com base nas hipóteses do art. 312 do CPP.
Entende que seria o caso de aplicação de outras medidas cautelares mais brandas, como as previstas no art. 319 do CPP, tendo em vista que o paciente é jovem, tem residência fixa e mora com sua genitora.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo colegiado para dar provimento e revogar a prisão preventiva do recorrente, mediante a aplicação de medidas mais brandas.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
No caso, busca-se a revogação da prisão preventiva do recorrente acusado da suposta prática do delito de tráfico de drogas e associação para o tráfico, sob a alegação, em síntese, de ausência de fundamentação idônea.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF).
Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Embora a nova redação do referido dispositivo legal tenha acrescentado o novo pressuposto - demonstração do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado -, apenas explicitou entendimento já adotado pela jurisprudência pátria ao abordar a necessidade de existência depericulum libertatis. Portanto, caso a liberdade do acusado não represente perigo à ordem pública, econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal, não se justifica a prisão(HC nº137.066/PE, Rel.Ministro DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 21/02/2017, DJe 13/03/2017; HC n. 122.057/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 02/09/2014, DJe 10/10/2014;RHC n. 79.200/BA, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 22/06/1999, DJU 13/08/1999; eRHC n. 97.893/RR, Rel.Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019;HC n. 503.046/RN, Rel.Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/12/2019, DJe 19/12/2019).
Exige-se, ainda, na linha inicialmente perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, e agora normatizada a partir da edição da Lei n. 13.964/2019, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem aimprescindibilidadeda medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime (HC n. 321.201/SP, Rel.Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015;HC n. 296.543/SP, Rel.Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 02/10/2014, DJe 13/10/2014).
No caso, assim foi fundamentada a prisão (e-STJ fls. 29/33):
A materialidade delitiva está provada, segundo se verifica da documentação inserta, mormenteem razão do auto de exibição, dando conta da apreensãode 03 (três) porções de cocaína totalizando, pasmem, 502,80 g (quinhentos e dois gramas e oitenta centigramas) de cocaína acondicionada em sacos plásticos, o importe de R$ 1.000,00 (mil reais), um aparelho celular e um veículo AUDI/A5.No tocante à autoria, em face da prova já trazida à lume, muito embora não haja ainda prova escoimada de dúvidas, exsurgem claros, nítidos e veementes indícios da autoria do indiciado na consumação do crime descrito no auto de prisão em flagrante.Ressai dos depoimentos a existência de indícios da autoria que revelam suposto esquema criminoso praticado pelo autuado, estruturado e organizado, tanto que fora apreendida avultada quantidade de droga, pasmem, meio quilo de cocaína, o que equivale a aproximadamente 5.000 (cinco mil) pinos - ao que tudo indica o acusado participa de esquema criminoso que visa a introdução de entorpecentes na comuna. Analisando a documentação adunada, verifica-se que o autuado, ao que tudo indica, istode acordo com as informações da autoridade policial, participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade,sendo o flagranteado investigado pela possível prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio, bem como pelos supostos homicídios de 04 (quatro) indivíduos, o que demonstra que a prisão é medida que se impõe. Esta última circunstância, indubitavelmente, auxilia a tese da força policial de que o autuado possivelmente participa de esquema criminoso que fustiga a ordem pública, sendo fundamento para a decretação de sua prisão preventiva.De mais a mais, vale ressaltar que os depoimentos colhidos na DEPOL, embora em fase superficial da persecução penal, dá conta da existência de indícios da autoria do autuado. O nosso define como "Diploma de Rito Penal (art. 329) indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou". Destarte, os indícios nada mais são que elementos probatórios secundários e outras circunstâncias paralelos, autorizadores de um raciocínio cadenciado a fim de construir-se uma hipótese ou situação lógica, guardando estrita e óbvia ligação com o fato principal e central. Como podemos verificar de uma análise acurada, há no interior dos autos, detidamente dos depoimentos dos policiais que realizaram a prisão, passagens onde sobressaem circunstâncias e situações que indicam, ao menos , uma forte possibilidade e vigorosa probabilidade de envolvimento do prima facie autuado no fato delituoso a ele imputado, mormente a participação vigorosa em esquema criminoso responsável pelo tráfico de drogas nesta comuna. Descabe, nesta fase, um maior aprofundamento acerca de tais indícios, sob pena de incidirmos em pré-julgamento. Releva é que o contido neste inquérito aponta inicialmente para o autuado como autor das condutas ilícitas que se busca apurar. Assim, verifica-se que a permanência do autuado em liberdade perturbará o meio social, intranquilizando mais ainda a comunidade radicada próximo ao locus delicti Essa última circunstância, indubitavelmente, principia possível conduta censurável e antitética as regras estabelecidas pela legislação em vigor. Impende sublinhar, e não de passagem, que o autuado,em que pese não possua antecedentes maculados, supostamente atua em esquema criminoso organizado, o que evidencia que possivelmente se dedica a atividades criminosas de forma permanente, não se olvidando que é investigado pela possível prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio, bem como pelos supostos homicídios de 04 (quatro) indivíduos. Cabe notar, repita-se, que não há incompatibilidade entre o princípio da presunção de inocência e a prisão cautelar, conforme o trato jurisprudencial: "S. T. J. A presunção de inocência (CF, Art. 5º, inciso LVII) é relativa ao Direito Penal, ou seja, a respectiva sanção somente pode ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Não (Mirabete, CPP Interpretado, 3ªalcança os institutos de Direito Processual, como a prisão preventiva. "Edição Atlas, P. 373). No caso presente, a liberdade do flagranteado enseja graves reflexos na ação da Justiça, que necessita estar presente através de medidas efetivas, visando coibir a repetição de atos censuráveis como aqueles noticiados no auto de prisão em flagrante, e prevenindo consequentemente outros delitos desta natureza.Por outro, considerando que em matéria de prisão preventiva, vigora o princípio da credibilidade do juiz dirigente do processo, de vez que, com atuação profissional no local onde foi perpetrado o delito e melhor conhecendo as pessoas e seus hábitos, inquestionavelmente, é quem mais facilmente pode aquilatar a necessidade de imposição da medida acautelatória, especialmente, quando o crime imputado ao indiciado ganha grande repercussão do seio da comunidade local.
..
No caso concreto, são visíveis os pressupostos da prisão preventiva: garantia da ordem pública, uma vez que a presença do autuado intranquiliza e revolta a comunidade, logo, se faz necessária a adoção de medidas que salvaguardem a paz social. Por outro lado, a imputação que é feita ao indiciado, através da descrição do seu comportamento nos depoimentos até então colhidos, implica necessariamente em uma melhor apreciação da prova a ser produzida ao longo da instrução do feito, e a concessão de liberdade poderá significar uma espécie de intimidação para as testemunhas, prejudicando, assim, a livre manifestação dos depoimentos em juízo, residindo neste fato o outro fundamento da prisão preventiva: a conveniência da instrução criminal -autuado investigado em participar de organização criminosa. No caso em mote, não sobeja dúvida de que solto poderá causar interferências indevidas à persecução penal, daí porque premente a imperiosidade de se tutelar a conveniência da instrução criminal. Para adoção da custódia preventiva não se pode exigir a mesma certeza necessária a um juízo condenatório. É como vem entendendo a nossa jurisprudência majoritária."Não se pode exigir para a prisão preventiva a mesma certeza que se exige para a condenação. Vigora o princípio da confiança nos juízes próximos das pessoas em causa, dos fatos e das provas, assim como meios de convicção mais seguros que os juízes distantes. O in dubio pro reo vale ao ter o juiz que absolver ou condenar. Não, porém, ao decidir se decreta ou não a custódia provisória"2."Em tema de prisão preventiva, a suficiência dos indícios de autoria é verificação confiada ao prudente arbítrio do magistrado, não existindo padrões que a definam"3. A segregação provisória visa não apenas afastar do seio da sociedade os seus infratores, mas também coibir a índole maléfica dos demais; dar exemplo claro e cabal de que o crime não compensa; deque a Justiça funciona. Trata-se de desestimular, em seu nascedouro, outros anseios criminosos. Há que ser dito, a segregação provisória, como medida de garantia acautelatória, está sem preposta à disposição de ulterior atividade jurisdicional e, como é assente na doutrina e jurisprudência, não tem o desiderato de fazer justiça, mas dar tempo a que a justiça seja feita. Neste prisma, presente os requisitos e pressupostos da custódia cautelar, como a materialidade delitiva, indícios da autoria, necessidade de acautelar a ordem pública e conveniência da instrução criminal, não há como não promover a conversão do flagrante em preventiva, nos termos da legislação em vigor. Por esta razão, dado o seu caráter excepcionalíssimo, tratando-se de medida extrema, só deve ser adotada em situações especiais. De forma contrária, não se pode dela abrir mão, quando o caso concreto lhe reclame a adoção. E, na hipótese presente, como se demonstrou à saciedade, a prisão preventiva do autuado apresenta-se imperiosa e inexorável pelo fatos e argumentos acima esposados. Vale frisar que o flagranteado, não bastasse o quanto escandido, ao avistar a viatura empreendeu fuga em alta velocidade no veículo apreendido, circunstância concreta a indicar a imperiosidade da sua custódia, uma vez que comprova com isso o desiderato de fustigar a aplicação da lei penal - os depoimentos dão conta que a polícia chegou a persegui-lo quando mesmo imprimia, pasmem, a velocidade de 180km/h, colocando em risco a vida de outros motoristas na rodovia. Sendo certo que para o caso em mote nenhuma medida alternativa e substitutiva da prisão cautelar se demonstra mais consentânea, conclui-se pela decretação da medida extrema. DIANTE DO EXPOSTO, com supedâneo nos arts. 311 e 312 do CPP, para garantir a ordem pública, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, conclui-se pela decretação da prisão preventiva de ORLANDO DE ANDRADE COSTA FILHO, devidamente qualificado, ficando à disposição deste juízo.
Ao examinar a matéria, o Tribunal manteve a custódia, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 191/203):
Ao decidir pela decretação da preventiva, a magistrada primeva fundamentou satisfatoriamente seu posicionamento, levando em consideração o requisito da garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal e futura aplicação da lei penal, restando comprovadas as presenças dos indícios de autoria e materialidade delitiva.Extrai-se do caderno processual o paciente foi flagrado quando trazia consigo 502,80 g (quinhentos e dois gramas e oitenta centigramas) de cocaína, o importe de R$ 1.000,00 (mil reais) e 01 (um) aparelho celular. Exsurge, ainda, que o paciente ao avistar a viatura empreendeu fuga em alta velocidade (180 km/h) no veículo AUDI/ AS, também apreendido, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia.O caderno processual pontua ainda que o mesmo contudo não logrou êxito, vez que foi parado em barreira policial montada na entrada do município de Alagoinhas.Constata-se, desta forma, que a conduta sub examine, em tese, culmina em grave repercussão social com casos que se multiplicam a cada dia, notadamente pela natureza interestadual do suposto delito, exigindo do Poder Judiciário uma postura mais enérgica no seu combate, através da solução mais efetiva que, , consiste na segregação social. in casuO magistrado consigna que a gravidade do fato, a quo consubstanciada pela quantidade de droga encontrada em seu poder, consoante alhures mencionado, com alto potencial lesivo à saúde pública o que, de per si, já denotando sua constitui indício de comercialização das ditas substâncias, inclinação para a vida criminosa e a possibilidade efetiva de que uma vez solto volte a delinquir, justificam, propriamente, a segregação cautelar. .. Assim, ao revés do que foi sustentado na impetração, verifico que a decisão impugnada não padece do indigitado vício de fundamentação, tendo o magistrado singular apontado eficazmente a presença da materialidade delitiva e dos indícios suficientes de autoria, bem como destacado a necessidade de garantia da ordem pública e aplicação da lei penal, em razão da gravidade in da conduta incriminada, da tentativa de fuga relatada, deixando, concreto destarte, evidente que outras medidas cautelares diversas da prisão não seriam suficientes para impedir a prática de novos ilícitos, uma vez que, pela natureza do ato cometido, não possuem a abrangência e o grau de eficácia necessários. .. Outrossim, devemos considerar que no crime de tráfico de drogas, há o perigo abstrato, já que o risco para o bem jurídico protegido é presumido por lei, ou seja, a periculosidade social do agente deve ser aferida pelas circunstâncias em que se deu a ação delitiva. Conforme preceitua a doutrina hodierna, a prisão preventiva pode ser ordenada "para fins externos à instrumentalidade, associada à proteção imediata, não do processo em curso, mas do conjunto de pessoas que se há de entender como sociedade. .. A modalidade de prisão, para cumprimento desta última finalidade, seria a prisão para garantia da ordem pública", "quando se tutelará, não o processo, mas o risco de novas lesões ou reiteração criminosa", deduzidos, a princípio, da natureza e gravidade do crime cometido e da personalidade do agente. (Comentários ao código de processo penal e sua jurisprudência, Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer, 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2017). .. Registre-se que o comportamento do acusado, a princípio, demonstra o completo descaso do acusado pela vida humana, pela Justiça e pelas regras de convivência social .. Noutro giro, o fato de ser o paciente primário e possuir bons antecedentes, por si só, não inviabiliza a prisão impugnada, se presentes os motivos legais ensejadores previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. Ressalte-se que os predicados pessoais e os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência não impõem a concessão de liberdade quando presentes requisitos da prisão preventiva, decretada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, a teor do artigo 5º, inciso LXI, da Constituição Federal.Diante disso, conclui-se que a prisão provisória deve incidir em caráter excepcional, somente nos casos de extrema necessidade. Todavia, quando presentes os requisitos elencados no ordenamento jurídico e a custódia se mostrar necessária para resguardar a ordem pública ou a ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar o cumprimento da lei penal, nem mesmo circunstâncias pessoais abonadoras serão capazes de obstar o encarceramento antecipado. Essa linha intelectiva seguem as Cortes Superiores, conforme os excertos abaixo transcritos ..
Cumpre verificar se o cárcere preventivo foi decretado em afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal e sem fundamentação idônea, como aduz a inicial.
No caso, depreende-se que o Tribunal estadual manteve a prisão preventiva em razão da gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias do flagrante, notadamente pela quantidade e natureza da droga apreendida-o pacientefoi flagrado quando trazia consigo 502,80 g de cocaína, o importe de R$ 1.000,00 e 1aparelho celular.
Com efeito, o Supremo Tribunal assentou que "a gravidade concreta do crime, omodus operandida ação delituosa e a periculosidade do agente, evidenciados pela expressiva quantidade e pluralidade de entorpecentes apreendidos, respaldam a prisão preventiva para a garantia da ordem pública" (HC n. 130.708/SP, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, Segunda Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 06/04/2016).
De maneira idêntica, "Esta Corte Superior possui entendimento de que a quantidade, a variedade ou a natureza da substância entorpecente apreendida podem servir de fundamento para a decretação da prisão preventiva" (HC n. 547.239/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 03/12/2019, DJe 12/12/2019).
Ainda, segundo registrado,ao avistar a viaturao paciente empreendeu fuga em alta velocidade(180 km/h) no veículo AUDI/ AS, também apreendido, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia(e-STJ fl. 191).
Ora, ao acusado que comete delitos, o Estado deve propiciar meios para o processo alcançar um resultado útil. Assim, determinadas condutas, como a não localização, ausência do distrito da culpa, a fuga (mesmo após o fato) podem demonstrar o intento do agente de frustrar o direito do Estado de punir.
Desse modo, justifica-se, no caso, a prisão como forma de garantia da aplicação da lei penal.
Nesse sentido, "Esta Corte Superior possui entendimento consolidado acerca da manutenção da custódia preventiva diante da periculosidade do acusado, evidenciada pela fuga no momento da abordagem, demonstrando total desinteresse na aplicação da lei penal. Julgados nesse sentido" (HC n. 512.663/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019).
Ademais, o decreto prisional menciona que, de "acordo com as informações da autoridade policial, participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade", inclusive estaria sendoinvestigado pela suposta prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio e morte de quatroindivíduos, o que evidencia o efetivo risco de reiteração criminosa.
A propósito,a jurisprudência da Suprema Corte é no sentido de que "a periculosidade do agente e a fundada probabilidade de reiteração criminosa constituem fundamentação idônea para a decretação da custódia preventiva" (HC n. 150.906 AgR, RelatorMinistro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe de 25/04/2018).
Ademais, as circunstâncias que envolvem o fato demonstram que outras medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas.
Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. APLICAÇÃO DA MINORANTE RELATIVA AO TRÁFICO PRIVILEGIADO. INOVAÇÃO RECURSAL.SENTENÇA CONDENATÓRIA QUE MANTÉM A PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA DELITIVA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Conforme jurisprudência desta Corte Superior "é vedado, em sede de agravo regimental ou embargos de declaração, ampliar a quaestio veiculada no recurso, inovando questões não suscitadas anteriormente" (AgRg no REsp 1.592.657/AM, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 13/9/2016, DJe 21/9/2016).
2. In casu, observa-se que o pleito relativo à aplicação da minorante relativa ao tráfico privilegiado trata-se de inovação recursal, pois, na inicial da impetração, a defesa não apresentou teses sobre o tema.
3. Conforme preconiza o § 1º do art. 387 do CPP, o magistrado, ao proferir sentença condenatória, decidirá fundamentadamente sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta.
4. Na hipótese, observa-se que o Juiz sentenciante negou ao paciente o apelo em liberdade, por concluir estarem presentes os requisitos que ensejaram a decretação de sua prisão preventiva. E, segundo se infere, a custódia cautelar está suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, haja vista a gravidade concreta da conduta e o risco de reiteração delitiva. Conforme posto, o paciente já responde a outra ação penal pela prática, em tese, de furto e estava em pleno gozo de liberdade provisória concedida naqueles autos, quando surpreendido, nesta ocasião, na posse de 500g de cocaína.
5. É inviável a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares diversas quando a gravidade concreta da conduta delituosa indica que a ordem pública não estaria acautelada com a soltura do agravante.
6. Agravo regimental não provido.
(AgRg no HC 697.182/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021)
HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. ELEVADA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. INAPLICABILIDADE DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS.INSUFICIÊNCIA, NO CASO. EXCESSO DE PRAZO PARA O OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM DE HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDA E, NESTA EXTENSÃO, DENEGADA.
1. A prisão preventiva encontra-se devidamente fundamentada, sobretudo em razão da gravidade em concreto da ação criminosa, consubstanciada na apreensão de considerável quantidade de droga - 673g (seiscentos e setenta e três gramas) de cocaína -, além do risco efetivo de reiteração delitiva, pois contra o Paciente pesa anterior condenação com trânsito em julgado pela prática do delito de porte de arma de fogo. Tais circunstâncias justificam a segregação cautelar como garantia da ordem pública, conforme jurisprudência desta Corte Superior de Justiça.
2. É indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão quando a segregação encontra-se justificada e se mostra imprescindível para acautelar o meio social, evidenciando que providências menos gravosas não seriam suficientes para garantir a ordem pública.
3. Eventuais "condições subjetivas favoráveis do paciente, por si sós, não impedem a prisão cautelar, caso se verifiquem presentes os requisitos legais para a decretação da segregação provisória" (HC 448.134/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 16/08/2018, DJe 30/08/2018).
4. Não havia interesse na apreciação do pedido de excesso de prazo para o oferecimento da denúncia quando da impetração do pedido, pois o acórdão impugnado esclareceu que a denúncia foi oferecida em 21/08/2020, ou seja, antes da impetração deste writ.
5. A alegação de excesso da prisão - formulada originariamente em petição de reconsideração protocolada nestes autos -, não foi apreciada pelo Tribunal a quo, motivo pelo qual não pode ser conhecida originariamente por este Superior Tribunal de Justiça, sob pena de supressão de instância.
6. Ordem de habeas corpus parcialmente conhecida e, nessa extensão, denegada.
(HC 631.397/PE, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 18/08/2021)
PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA.ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. RECURSO IMPROVIDO.
1. Apresentada fundamentação concreta para a decretação da prisão preventiva, evidenciada na periculosidade dos acusados explicitada na reiteração delitiva, bem como na grande quantidade de entorpecente apreendidos, tratando-se de 426,10g (quatrocentos e vinte e seis gramas e dez decigramas) de cocaína e, ainda, na resistência ao flagrante "pois empreenderam fuga em alta velocidade, realizando manobras em zigue-zague, ameaçando pedestres e avançando paradas obrigatórias", não há que se falar em ilegalidade a justificar a concessão de habeas corpus.
2. Recurso em habeas corpus improvido.
(RHC 72.737/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/08/2016, DJe 01/09/2016)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA. APREENSÃO DE 502,80g DE COCAÍNA. RISCO DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. No caso, o Tribunal estadual manteve a prisão preventiva em razão da gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias do flagrante, notadamente pela quantidade e natureza da droga apreendida-o pacientefoi flagrado com 502,80 g de cocaína.Ainda, segundo registrado,ao avistar a viatura,o paciente empreendeu fuga em alta velocidade, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia. Ademais, o decreto prisional menciona que o agravante "participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade", inclusive estaria sendoinvestigado pela suposta prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio e quatro outros supostos homicídios, o que evidencia o efetivo risco de reiteração criminosa. Prisão mantida para resguardar a ordem pública. Precedentes do STJ.
3. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE CONCRETA. APREENSÃO DE 502,80g DE COCAÍNA. RISCO DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DE RESGUARDAR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. Para a decretação da prisão preventiva, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria. Exige-se, mesmo que a decisão esteja pautada em lastro probatório, que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato (art. 312 do CPP), demonstrada, ainda, a imprescindibilidade da medida. Precedentes do STF e STJ.
2. No caso, o Tribunal estadual manteve a prisão preventiva em razão da gravidade concreta do delito, evidenciada pelas circunstâncias do flagrante, notadamente pela quantidade e natureza da droga apreendida-o pacientefoi flagrado com 502,80 g de cocaína.Ainda, segundo registrado,ao avistar a viatura,o paciente empreendeu fuga em alta velocidade, colocando em risco a vida de terceiros na rodovia. Ademais, o decreto prisional menciona que o agravante "participa de esquema criminoso estruturado, voltado a prática de crime de alta potencialidade", inclusive estaria sendoinvestigado pela suposta prática de roubos, comércio ilegal de armas de fogo, tentativa de homicídio e quatro outros supostos homicídios, o que evidencia o efetivo risco de reiteração criminosa. Prisão mantida para resguardar a ordem pública. Precedentes do STJ.
3. Agravo regimental desprovido. | N |
145,717,257 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NORECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. OFENSA AOS ARTS. 383 E 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AO ART. 180, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DADA PELO JUÍZO SENTENCIANTE AOS FATOS QUE JÁ ESTAVAM NARRADOS DESDE A DENÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I -O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
II - Diversamente do que sustenta a il. Defesa, verifica-se do que consta no v. acórdão recorrido que o procedimento adotado pelo d. Juízo singular está de acordo com o disposto no caput do art. 383 do Código de Processo Penal ("O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave."), porquanto resta patente que o sentenciante apenas atribuiu definição jurídica diversa aos fatos que já estavam narrados desde a denúncia ofertada pelo Parquet estadual.
III -Assim, descrito na exordial que o recorrente mantinha em depósito peças oriundas de veículo de origem ilícita, e tendo o d. Juízo a quo considerado tal fato para condená-lo pelo delito de receptação qualificada - art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, aplicando o procedimento previsto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer nulidade a ser sanada.
Agravo regimental desprovido.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto porLUIZ APARECIDO GAMA JUNIORcontra decisão monocráticadesta relatoria quenegou provimentoaorecurso especial (fls. 307-313).
Consta dos autos que o recorrente foi sentenciado como incurso no art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, à pena de 3 (três) anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto (fls. 188-191).
O eg. Tribunal de origem, em decisão unânime, negou provimento ao recurso de apelação defensivo, conforme v. acórdão de fls. 245-249, sem ementa.
Nas razões do recurso especial, interposto pela il. Defesa com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, alega-se que, "ao manter a incidência da qualificadora, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo violou os artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal" (fl. 260).
Sustenta "inexistência de emendatio libelli. Da necessidade de mutatio libelli. Da violação ao procedimento previsto no art. 384 do CPP" (fl. 263).
Afirma que "o fato de a denúncia ter consignado que o réu mantinha uma oficina mecânica (argumento invocado pela sentença para legitimar a condenação pelo crime em sua forma qualificada) não é suficiente para a possibilidade de emendatio libelli" (fl. 265).
Por fim, pugna pelo conhecimento e provimento do apelo especial para que "seja reformado o acórdão condenatório, afastando-se a forma qualificada do crime de receptação, desclassificando-se o delito para aquele previsto no art. 180, caput, com a consequente readequação da pena" (fl. 267).
Apresentadas as contrarrazões (fls. 281-285), o recurso especial foi admitido na origem (fl. 288), e os autos encaminhados a este Superior Tribunal de Justiça.
Em decisão de fls. 307-313, negueiprovimentoao recurso especial tendo em vista aconsonância do entendimento consignado no v. acórdão impugnado com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça - Enunciado Sumular n. 568/STJ.
Nas razões do agravo regimental, a il. Defesa reitera que"énotória a inexistência, no caso, de emendatio libelli. O que se tem, na realidade, é um típico caso de mutatio libelli, regulada no art. 384 do CPP" (fl. 319).
Alega que "averdade é que o Ministério Público deixou de promover o aditamento da denúncia no prazo para incluir na exordial acusatória a imputação dos verbos "vender" e "desmontar" ao réu e, diante da preclusão, sustentou a possibilidade de emendatio libelli (que pode ser realizada pelo juízo, de ofício)" (fl. 319).
Por manter o decisum, trago o feito a julgamento do Colegiado.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NORECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. OFENSA AOS ARTS. 383 E 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AO ART. 180, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DADA PELO JUÍZO SENTENCIANTE AOS FATOS QUE JÁ ESTAVAM NARRADOS DESDE A DENÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I -O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
II - Diversamente do que sustenta a il. Defesa, verifica-se do que consta no v. acórdão recorrido que o procedimento adotado pelo d. Juízo singular está de acordo com o disposto no caput do art. 383 do Código de Processo Penal ("O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave."), porquanto resta patente que o sentenciante apenas atribuiu definição jurídica diversa aos fatos que já estavam narrados desde a denúncia ofertada pelo Parquet estadual.
III -Assim, descrito na exordial que o recorrente mantinha em depósito peças oriundas de veículo de origem ilícita, e tendo o d. Juízo a quo considerado tal fato para condená-lo pelo delito de receptação qualificada - art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, aplicando o procedimento previsto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer nulidade a ser sanada.
Agravo regimental desprovido.
VOTO
O presente regimental não reúne condições de prosperar.
Issoporque o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos.
Nesse compasso, não obstante o teor das razões suscitadas no presente recurso, não vislumbro elementos hábeis a alterar a decisão de fls. 307-313, ao contrário, os argumentos ali externados merecem ser ratificados.
Como consignado no referido decisum, quanto ao punctum salliens, insta descrever como restou descrito pela acusação na denúncia, verbis (fls. 5-7 - grifei):
"Consta dos autos do incluso inquérito policial que o denunciado, no dia 14 de janeiro de 2013, às 23h00m, na Rua Baltazar Batista, quadra 04, nesta, cidade de Bauru/SP, conduzia veículo automotor que sabia se tratar de produto de crime.
Segundo apurado, no dia 10/01,/2013, a vítima Adriana registrou, um Boletim de Ocorrência, relatando o furto de seu veículo GM/Chevette, com placas BHK7620, de Bauru/SP, cor verde.
Relatou que deixou seu veículo estacionado na Alameda Dr. Otávio Pinheiro Brisolla, próximo ao Aeroclube de Bauru, retornando algumas horas depois, não encontrando mais o veículo.
Ocorre que na data dos fatos, policiais militares realizavam patrulhamento de rotina, quando abordaram um veículo GM/Chevette, de placas CAX1799, de Bauru/SP, cor azul, com quatro pessoas em seu interior, conduzido pelo denunciado, que na ocasião não era pessoa habilitada para conduzir veículos.
Após averiguação no referido veículo, foi possível constatar que o mesmo deveria na verdade estar com as placas BHK7620, de Bauru/SP, compatível com o chassi "9BGTC1IUKJC123846", devidamente grafado nos vidros das portas dianteiros do veículo.
Os vidros traseiros, com os mesmos números, foram encontrados, posteriormente na oficina do denunciado, localizada na Rua Baltazar Batista, nº 4-47.
O denunciado alegou ter adquirido o veículo em um leilão, porém, não apresentou nota fiscal pertinente.
O veiculo foi devidamente restituído à vítima do furto (fls. 07/08).
Foi realizado laudo pericial no veículo, que constatou que a cor azul não é original e que o número de chassi e o número de motor foram eliminados por abrasão e possivelmente em razão da profundidade da abrasão, não foi possível a visualização da numeração primitiva, mesmo após diversos métodos de revelação.
Da eliminação por abrasão, restou apenas o último dígito, que indicava ser "6".
Havia duas numerações gravadas nos vidros do veículo (HC160201 e KJC123846), sendo a numeração KJC123846 mais condizente com o veículo examinado.
Isso porque, as datas de fabricação dos vidros que se encontrava com essa gravação eram novembro e dezembro de 1988/1989, enquanto que os demais vidros foram fabricados no final de 1986 e começo de 1987. (f1s.18/23).
Indagado pela autoridade policial, o denunciado informou que tinha uma oficina mecânica e que adquiriu o veiculo de um indivíduo que morava na quadra debaixo da sua oficina, que não se recorda o nome.
Disse ainda que ficou um tempo preso e quando saiu não teve mais contato com esse indivíduo.
O veículo GM/Chevette SL, 1.6, ano de fabricação 1988 - modelo 1989, de cor verde, foi avaliado indiretamente perfazendo o valor de R$4.500,00 (fls. 48).
Em face do exposto, denunciamos a Vossa Excelência LUIZ APARECIDO GAMA JUNIOR como incurso às penas do artigo 180, caput, do Código Penal."
Por sua vez, o d. Juízo sentenciante assim consignou na exordial condenatória, verbis (fls. 190-191 - grifei):
"Assim, houve dolo direto, suficiente para a configuração do tipo penal previsto no artigo 180 e parágrafos 1º e 2º do Código Penal, sendo certo que o réu previu, aceitou, admitiu ou consentiu em estar adquirindo uma coisa objeto de crime. Assim como, em juízo, afirmou que tinha o costume de desmontar e vender as peças. Tal circunstância também foi reportada pelos policiais, que entraram na oficina e apreenderam as peças originais do veículo.
É perfeitamente possível então a "emendatio libelli", nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, pois os fatos estão narrados na denúncia, inclusive que o réu mantinha uma oficina mecânica. Na instrução também restou comprovado tal fato, inclusive o réu afirmou em juizo que tinha a oficina e comprava veículos de leilão para desmontar as peças e comercializa-las.
Assim comprovados os termos da denúncia, a condenação se impõe, como medida de justiça."
E, em sede de apelação, a eg. Corte a quo assim se pronunciou ao ratificar a sentença (fls. 248-249, grifei):
"A materialidade delitiva foi comprovada pelo auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, bem como pela prova oral coligida.
A autoria é certa.
O réu, em juízo, negou a prática delitiva.
Afirmou que comprou o carro de terceira pessoa que, por sua vez, teria comprado em um leilão. Disse que consertou o mencionado veículo, pois tinha uma oficina, mas que não sabia de sua origem ilícita.
Os policiais, que atuaram no caso vertente, afirmaram que o réu era conhecido nos meios policiais. Disseram que fizeram a abordagem do réu em frente à sua residência, onde o carro estava parado. Afirmaram que ao constatarem a origem ilícita do bem, entraram na residência do réu, local em que havia uma "espécie de garagem", onde encontraram peças originais do veículo apreendido.
Os relatos dos policiais se mostraram firmes e coerentes, não havendo nada nos autos a evidenciar que estivessem mentindo para incriminar pessoa inocente.
..
Não e demais dizer, consoante jurisprudência dominante em nossos Tribunais, que a apreensão de coisa ilícita gera para o possuidor o ónus de, no mínimo, apresentar uma justificativa plausível para o fato, coisa que o réu definitivamente não fez nestes autos, evidenciando o dolo da receptação, não havendo falar em desclassificação para a forma culposa do delito.
A qualificadora restou configurada, pois o próprio réu disse que trocou diversas peças do veículo em sua oficina mecânica, versão amparada pelos depoimentos dos policiais.
Desta forma, perfeitamente possível a "emendatio libelli", não assistindo razão à il. Defesa."
Como visto nos trechos anteriormente destacados, e diversamente do que sustenta a il. Defesa, entendo que o procedimento adotado pelo d. Juízo singular está de acordo com o disposto no caput do art. 383 do Código de Processo Penal (Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.) porquanto resta patente que o sentenciante apenas atribuiu definição jurídica diversa aos fatos que já estavam narrados desde a denúncia ofertada pelo Parquet estadual.
Sobre o tema, ensina Guilherme de Souza Nucci que:
"Preceitua o art. 383 do Código de Processo Penal poder o Juiz dar ao fato definição jurídica diversa de que constar da peça acusatória, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave, sem modificar a descrição do fato contido na denúncia ou queixa, com a redação dada pela Lei 11.719/2008. É a denominada emendatio libelli.
Dar definição jurídica do fato é promover o juízo de tipicidade, isto é, adequar o fato ocorrido ao modelo legal de conduta. Exemplo: quando A agride B, visando a matá-lo, sem conseguir o seu intento, dá-se a definição jurídica de "tentativa de homicídio". A partir disso, surge a classificação do crime, que é o resultado desse processo mental. No exemplo apresentado, temos o reú como incurso no art. 121, caput, c/c o art. 14, II, do Código Penal.
O Código de Processo Penal, no entanto, utiliza termos "definição jurídica do fato" e "classificação" como sinônimos, sem maior precisão. Aliás, na prática, o resultado é o mesmo. Portanto, neste artigo, o que o juiz pode fazer na fase da sentença, é levar em consideração o fato narrado pela acusação na peça inicial (denúncia ou queixa), sem se preocupar com a definição jurídica dada, pois o réu se defendeu, ao longa da instrução, dos fatos a ele imputados e não da classificação feita" (Curso de Direito Processual Penal. 16ª Edição. 2019. Rio de Janeiro: Editora Forense, págs. 881-882)
Assim, descrito na exordial que o recorrente mantinha em depósito peças oriundas de veículo de origem ilícita, e tendo o d. Juízo a quo considerado tal fato para condená-lo pelo delito de receptação qualificada - art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, aplicando o procedimento previsto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer nulidade a ser sanada.
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. EMENDATIO LIBELI. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CONDENAÇÃO NOS EXATOS TERMOS DA DENÚNCIA. NOVA TIPIFICAÇÃO. EXECUÇÃO DA PENA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO JULGADOS NA ORIGEM. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE RISCO À LIBERDADE AMBULATORIAL. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
2. O Juízo de primeiro grau considerou que a conduta do paciente descrita como acariciar os seios da menor de 14 anos caracterizaria crime de estupro de vulnerável, e não da contravenção penal de perturbação da tranquilidade. Não houve qualquer alteração da descrição fática dos contida na denúncia, mas tão somente da definição jurídica do fato imputado. Desse modo, de rigor a aplicação do instituto da emendatio libeli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal - CPP, não havendo falar em aditamento da denúncia ou abertura de vista à defesa para integração do contraditório.
..
5. Habeas Corpus não conhecido" (HC n. 482.106/ES,Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 03/06/2019, grifei)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E EXTORSÃO. EMENDATIO LIBELI. FATOS SUFICIENTEMENTE DESCRITOS NA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. PEDIDO DE HABEAS CORPUS. DESCABIDO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DEMONSTREM A COAÇÃO ILEGAL AO DIREITO DE IR E VIR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Quando incluiu no decreto condenatório a imputação da prática do crime de extorsão, a instância ordinária não exorbitou dos limites descritivos da denúncia ofertada nos autos. Com efeito, a inicial acusatória já contemplava em seu conteúdo a afirmação de que o recorrente exigiu dinheiro da vítima como condição para restituir a motocicleta que havia subtraído dias antes, mediante violência e grave ameaça.
2. Como é cediço, no ".. sistema processual penal brasileiro, o réu se defende da imputação fática e não da imputatio juris. Desse modo, tratando-se de emendatio libelli e não mutatio libelli, mostra-se desnecessária a observância das disposições do art. 384 do Código de Processo Penal.." (AgRg no REsp 1531039/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 26/10/2016). Precedentes.
3. Ademais, os fundamentos do acórdão recorrido deixam claro que a instrução criminal contribuiu para o esclarecimento do fato, somando ao quadro cognitivo elementos de prova da extorsão sofrida pela vítima que, para ter de volta a motocicleta subtraída, foi constrangida pelo recorrente a entregar-lhe a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais). Assim, rever o decreto condenatório na extensão pretendida pela defesa demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula n. 7/STJ.
4. Não há, nos autos, elementos capazes de indicar que o agravante sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal no seu direito constitucional de livre locomoção. Assim, mostra-se descabido o pedido de concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, no caso concreto.
5. Agravo regimental desprovido" (AgRg no AREsp n. 1.236.372/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 12/03/2018, grifei).
Portanto, o agravante não trouxe argumentos aptos a desconstituir a decisão monocrática, que, por tal razão, deve ser mantida.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
Agravo regimental desprovido.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto porLUIZ APARECIDO GAMA JUNIORcontra decisão monocráticadesta relatoria quenegou provimentoaorecurso especial (fls. 307-313).
Consta dos autos que o recorrente foi sentenciado como incurso no art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, à pena de 3 (três) anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto (fls. 188-191).
O eg. Tribunal de origem, em decisão unânime, negou provimento ao recurso de apelação defensivo, conforme v. acórdão de fls. 245-249, sem ementa.
Nas razões do recurso especial, interposto pela il. Defesa com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, alega-se que, "ao manter a incidência da qualificadora, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo violou os artigos 383 e 384 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal" (fl. 260).
Sustenta "inexistência de emendatio libelli. Da necessidade de mutatio libelli. Da violação ao procedimento previsto no art. 384 do CPP" (fl. 263).
Afirma que "o fato de a denúncia ter consignado que o réu mantinha uma oficina mecânica (argumento invocado pela sentença para legitimar a condenação pelo crime em sua forma qualificada) não é suficiente para a possibilidade de emendatio libelli" (fl. 265).
Por fim, pugna pelo conhecimento e provimento do apelo especial para que "seja reformado o acórdão condenatório, afastando-se a forma qualificada do crime de receptação, desclassificando-se o delito para aquele previsto no art. 180, caput, com a consequente readequação da pena" (fl. 267).
Apresentadas as contrarrazões (fls. 281-285), o recurso especial foi admitido na origem (fl. 288), e os autos encaminhados a este Superior Tribunal de Justiça.
Em decisão de fls. 307-313, negueiprovimentoao recurso especial tendo em vista aconsonância do entendimento consignado no v. acórdão impugnado com a jurisprudência desta Corte Superior de Justiça - Enunciado Sumular n. 568/STJ.
Nas razões do agravo regimental, a il. Defesa reitera que"énotória a inexistência, no caso, de emendatio libelli. O que se tem, na realidade, é um típico caso de mutatio libelli, regulada no art. 384 do CPP" (fl. 319).
Alega que "averdade é que o Ministério Público deixou de promover o aditamento da denúncia no prazo para incluir na exordial acusatória a imputação dos verbos "vender" e "desmontar" ao réu e, diante da preclusão, sustentou a possibilidade de emendatio libelli (que pode ser realizada pelo juízo, de ofício)" (fl. 319).
Por manter o decisum, trago o feito a julgamento do Colegiado.
É o relatório.
Agravo regimental desprovido.
VOTO
O presente regimental não reúne condições de prosperar.
Issoporque o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios fundamentos.
Nesse compasso, não obstante o teor das razões suscitadas no presente recurso, não vislumbro elementos hábeis a alterar a decisão de fls. 307-313, ao contrário, os argumentos ali externados merecem ser ratificados.
Como consignado no referido decisum, quanto ao punctum salliens, insta descrever como restou descrito pela acusação na denúncia, verbis (fls. 5-7 - grifei):
"Consta dos autos do incluso inquérito policial que o denunciado, no dia 14 de janeiro de 2013, às 23h00m, na Rua Baltazar Batista, quadra 04, nesta, cidade de Bauru/SP, conduzia veículo automotor que sabia se tratar de produto de crime.
Segundo apurado, no dia 10/01,/2013, a vítima Adriana registrou, um Boletim de Ocorrência, relatando o furto de seu veículo GM/Chevette, com placas BHK7620, de Bauru/SP, cor verde.
Relatou que deixou seu veículo estacionado na Alameda Dr. Otávio Pinheiro Brisolla, próximo ao Aeroclube de Bauru, retornando algumas horas depois, não encontrando mais o veículo.
Ocorre que na data dos fatos, policiais militares realizavam patrulhamento de rotina, quando abordaram um veículo GM/Chevette, de placas CAX1799, de Bauru/SP, cor azul, com quatro pessoas em seu interior, conduzido pelo denunciado, que na ocasião não era pessoa habilitada para conduzir veículos.
Após averiguação no referido veículo, foi possível constatar que o mesmo deveria na verdade estar com as placas BHK7620, de Bauru/SP, compatível com o chassi "9BGTC1IUKJC123846", devidamente grafado nos vidros das portas dianteiros do veículo.
Os vidros traseiros, com os mesmos números, foram encontrados, posteriormente na oficina do denunciado, localizada na Rua Baltazar Batista, nº 4-47.
O denunciado alegou ter adquirido o veículo em um leilão, porém, não apresentou nota fiscal pertinente.
O veiculo foi devidamente restituído à vítima do furto (fls. 07/08).
Foi realizado laudo pericial no veículo, que constatou que a cor azul não é original e que o número de chassi e o número de motor foram eliminados por abrasão e possivelmente em razão da profundidade da abrasão, não foi possível a visualização da numeração primitiva, mesmo após diversos métodos de revelação.
Da eliminação por abrasão, restou apenas o último dígito, que indicava ser "6".
Havia duas numerações gravadas nos vidros do veículo (HC160201 e KJC123846), sendo a numeração KJC123846 mais condizente com o veículo examinado.
Isso porque, as datas de fabricação dos vidros que se encontrava com essa gravação eram novembro e dezembro de 1988/1989, enquanto que os demais vidros foram fabricados no final de 1986 e começo de 1987. (f1s.18/23).
Indagado pela autoridade policial, o denunciado informou que tinha uma oficina mecânica e que adquiriu o veiculo de um indivíduo que morava na quadra debaixo da sua oficina, que não se recorda o nome.
Disse ainda que ficou um tempo preso e quando saiu não teve mais contato com esse indivíduo.
O veículo GM/Chevette SL, 1.6, ano de fabricação 1988 - modelo 1989, de cor verde, foi avaliado indiretamente perfazendo o valor de R$4.500,00 (fls. 48).
Em face do exposto, denunciamos a Vossa Excelência LUIZ APARECIDO GAMA JUNIOR como incurso às penas do artigo 180, caput, do Código Penal."
Por sua vez, o d. Juízo sentenciante assim consignou na exordial condenatória, verbis (fls. 190-191 - grifei):
"Assim, houve dolo direto, suficiente para a configuração do tipo penal previsto no artigo 180 e parágrafos 1º e 2º do Código Penal, sendo certo que o réu previu, aceitou, admitiu ou consentiu em estar adquirindo uma coisa objeto de crime. Assim como, em juízo, afirmou que tinha o costume de desmontar e vender as peças. Tal circunstância também foi reportada pelos policiais, que entraram na oficina e apreenderam as peças originais do veículo.
É perfeitamente possível então a "emendatio libelli", nos termos do artigo 383 do Código de Processo Penal, pois os fatos estão narrados na denúncia, inclusive que o réu mantinha uma oficina mecânica. Na instrução também restou comprovado tal fato, inclusive o réu afirmou em juizo que tinha a oficina e comprava veículos de leilão para desmontar as peças e comercializa-las.
Assim comprovados os termos da denúncia, a condenação se impõe, como medida de justiça."
E, em sede de apelação, a eg. Corte a quo assim se pronunciou ao ratificar a sentença (fls. 248-249, grifei):
"A materialidade delitiva foi comprovada pelo auto de prisão em flagrante, boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, bem como pela prova oral coligida.
A autoria é certa.
O réu, em juízo, negou a prática delitiva.
Afirmou que comprou o carro de terceira pessoa que, por sua vez, teria comprado em um leilão. Disse que consertou o mencionado veículo, pois tinha uma oficina, mas que não sabia de sua origem ilícita.
Os policiais, que atuaram no caso vertente, afirmaram que o réu era conhecido nos meios policiais. Disseram que fizeram a abordagem do réu em frente à sua residência, onde o carro estava parado. Afirmaram que ao constatarem a origem ilícita do bem, entraram na residência do réu, local em que havia uma "espécie de garagem", onde encontraram peças originais do veículo apreendido.
Os relatos dos policiais se mostraram firmes e coerentes, não havendo nada nos autos a evidenciar que estivessem mentindo para incriminar pessoa inocente.
..
Não e demais dizer, consoante jurisprudência dominante em nossos Tribunais, que a apreensão de coisa ilícita gera para o possuidor o ónus de, no mínimo, apresentar uma justificativa plausível para o fato, coisa que o réu definitivamente não fez nestes autos, evidenciando o dolo da receptação, não havendo falar em desclassificação para a forma culposa do delito.
A qualificadora restou configurada, pois o próprio réu disse que trocou diversas peças do veículo em sua oficina mecânica, versão amparada pelos depoimentos dos policiais.
Desta forma, perfeitamente possível a "emendatio libelli", não assistindo razão à il. Defesa."
Como visto nos trechos anteriormente destacados, e diversamente do que sustenta a il. Defesa, entendo que o procedimento adotado pelo d. Juízo singular está de acordo com o disposto no caput do art. 383 do Código de Processo Penal (Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.) porquanto resta patente que o sentenciante apenas atribuiu definição jurídica diversa aos fatos que já estavam narrados desde a denúncia ofertada pelo Parquet estadual.
Sobre o tema, ensina Guilherme de Souza Nucci que:
"Preceitua o art. 383 do Código de Processo Penal poder o Juiz dar ao fato definição jurídica diversa de que constar da peça acusatória, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave, sem modificar a descrição do fato contido na denúncia ou queixa, com a redação dada pela Lei 11.719/2008. É a denominada emendatio libelli.
Dar definição jurídica do fato é promover o juízo de tipicidade, isto é, adequar o fato ocorrido ao modelo legal de conduta. Exemplo: quando A agride B, visando a matá-lo, sem conseguir o seu intento, dá-se a definição jurídica de "tentativa de homicídio". A partir disso, surge a classificação do crime, que é o resultado desse processo mental. No exemplo apresentado, temos o reú como incurso no art. 121, caput, c/c o art. 14, II, do Código Penal.
O Código de Processo Penal, no entanto, utiliza termos "definição jurídica do fato" e "classificação" como sinônimos, sem maior precisão. Aliás, na prática, o resultado é o mesmo. Portanto, neste artigo, o que o juiz pode fazer na fase da sentença, é levar em consideração o fato narrado pela acusação na peça inicial (denúncia ou queixa), sem se preocupar com a definição jurídica dada, pois o réu se defendeu, ao longa da instrução, dos fatos a ele imputados e não da classificação feita" (Curso de Direito Processual Penal. 16ª Edição. 2019. Rio de Janeiro: Editora Forense, págs. 881-882)
Assim, descrito na exordial que o recorrente mantinha em depósito peças oriundas de veículo de origem ilícita, e tendo o d. Juízo a quo considerado tal fato para condená-lo pelo delito de receptação qualificada - art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, aplicando o procedimento previsto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer nulidade a ser sanada.
Nesse sentido:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. EMENDATIO LIBELI. AUSÊNCIA DE NULIDADE. CONDENAÇÃO NOS EXATOS TERMOS DA DENÚNCIA. NOVA TIPIFICAÇÃO. EXECUÇÃO DA PENA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO JULGADOS NA ORIGEM. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS NA SENTENÇA. AUSÊNCIA DE RISCO À LIBERDADE AMBULATORIAL. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício.
2. O Juízo de primeiro grau considerou que a conduta do paciente descrita como acariciar os seios da menor de 14 anos caracterizaria crime de estupro de vulnerável, e não da contravenção penal de perturbação da tranquilidade. Não houve qualquer alteração da descrição fática dos contida na denúncia, mas tão somente da definição jurídica do fato imputado. Desse modo, de rigor a aplicação do instituto da emendatio libeli, prevista no art. 383 do Código de Processo Penal - CPP, não havendo falar em aditamento da denúncia ou abertura de vista à defesa para integração do contraditório.
..
5. Habeas Corpus não conhecido" (HC n. 482.106/ES,Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 03/06/2019, grifei)
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO E EXTORSÃO. EMENDATIO LIBELI. FATOS SUFICIENTEMENTE DESCRITOS NA DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA. DOLO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. PEDIDO DE HABEAS CORPUS. DESCABIDO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE DEMONSTREM A COAÇÃO ILEGAL AO DIREITO DE IR E VIR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Quando incluiu no decreto condenatório a imputação da prática do crime de extorsão, a instância ordinária não exorbitou dos limites descritivos da denúncia ofertada nos autos. Com efeito, a inicial acusatória já contemplava em seu conteúdo a afirmação de que o recorrente exigiu dinheiro da vítima como condição para restituir a motocicleta que havia subtraído dias antes, mediante violência e grave ameaça.
2. Como é cediço, no ".. sistema processual penal brasileiro, o réu se defende da imputação fática e não da imputatio juris. Desse modo, tratando-se de emendatio libelli e não mutatio libelli, mostra-se desnecessária a observância das disposições do art. 384 do Código de Processo Penal.." (AgRg no REsp 1531039/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 26/10/2016). Precedentes.
3. Ademais, os fundamentos do acórdão recorrido deixam claro que a instrução criminal contribuiu para o esclarecimento do fato, somando ao quadro cognitivo elementos de prova da extorsão sofrida pela vítima que, para ter de volta a motocicleta subtraída, foi constrangida pelo recorrente a entregar-lhe a quantia de R$ 500,00 (quinhentos reais). Assim, rever o decreto condenatório na extensão pretendida pela defesa demandaria o reexame de matéria fático-probatória, o que, em sede de recurso especial, constitui medida vedada pelo óbice da Súmula n. 7/STJ.
4. Não há, nos autos, elementos capazes de indicar que o agravante sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal no seu direito constitucional de livre locomoção. Assim, mostra-se descabido o pedido de concessão de ordem de habeas corpus, de ofício, no caso concreto.
5. Agravo regimental desprovido" (AgRg no AREsp n. 1.236.372/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 12/03/2018, grifei).
Portanto, o agravante não trouxe argumentos aptos a desconstituir a decisão monocrática, que, por tal razão, deve ser mantida.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NORECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. OFENSA AOS ARTS. 383 E 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AO ART. 180, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DADA PELO JUÍZO SENTENCIANTE AOS FATOS QUE JÁ ESTAVAM NARRADOS DESDE A DENÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I -O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
II - Diversamente do que sustenta a il. Defesa, verifica-se do que consta no v. acórdão recorrido que o procedimento adotado pelo d. Juízo singular está de acordo com o disposto no caput do art. 383 do Código de Processo Penal ("O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave."), porquanto resta patente que o sentenciante apenas atribuiu definição jurídica diversa aos fatos que já estavam narrados desde a denúncia ofertada pelo Parquet estadual.
III -Assim, descrito na exordial que o recorrente mantinha em depósito peças oriundas de veículo de origem ilícita, e tendo o d. Juízo a quo considerado tal fato para condená-lo pelo delito de receptação qualificada - art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, aplicando o procedimento previsto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer nulidade a ser sanada. | AGRAVO REGIMENTAL NORECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. OFENSA AOS ARTS. 383 E 384 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E AO ART. 180, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. DEFINIÇÃO JURÍDICA DIVERSA DADA PELO JUÍZO SENTENCIANTE AOS FATOS QUE JÁ ESTAVAM NARRADOS DESDE A DENÚNCIA. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES.DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | I -O Agravo Regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento firmado anteriormente, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
II - Diversamente do que sustenta a il. Defesa, verifica-se do que consta no v. acórdão recorrido que o procedimento adotado pelo d. Juízo singular está de acordo com o disposto no caput do art. 383 do Código de Processo Penal ("O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave."), porquanto resta patente que o sentenciante apenas atribuiu definição jurídica diversa aos fatos que já estavam narrados desde a denúncia ofertada pelo Parquet estadual.
III -Assim, descrito na exordial que o recorrente mantinha em depósito peças oriundas de veículo de origem ilícita, e tendo o d. Juízo a quo considerado tal fato para condená-lo pelo delito de receptação qualificada - art. 180, §§ 1º e 2º, do Código Penal, aplicando o procedimento previsto no art. 383, caput, do Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer nulidade a ser sanada. | N |
145,634,033 | EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇA DE TRÊS ANOS. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Trata-se de agravo regimental interposto por NATALIA BELANGA JULIANI, em face de decisão que indeferiu liminarmente o habeas corpus, ao fundamento de que "não cabe habeas corpus contra indeferimento de pedido liminar em outro writ".
A agravante sustenta, em síntese, que: a) há excesso de prazo para conclusão do processo; b) não estão presentes os requisitso autorizadores da prisão preventiva.
Pleiteia a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do agravo à apreciação do Colegiado para que seja revogada a prisão preventiva imposta à agravante.
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇA DE TRÊS ANOS. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Esta Corte Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar não revela ilegalidade apta a justificar manifestação antecipada deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação da referida Súmula 691 desta Corte.
Sobre o tema, os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DE DESEMBARGADOR QUE INDEFERIU PEDIDO LIMINAR. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. ÓBICE DA SÚMULA 691 DO STF. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar".
2. O referido óbice é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a evidência da ilegalidade é tamanha, que não escapa à pronta percepção do julgador, o que, todavia, não ocorre na hipótese, em que foram apontados elementos concretos que, ao menos à primeira vista, evidenciam a gravidade concreta do delito em tese cometido, a ensejar, por conseguinte, a necessidade de manutenção da custódia preventiva para a garantia da ordem pública.
3. Não está evidenciada, de maneira patente, nenhuma delonga injustificada para o eventual oferecimento de denúncia, capaz de ensejar a superação da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, haja vista que os autos do inquérito policial têm tido tramitação regular, conforme informações prestadas pelo Juiz de primeiro grau.
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no HC 404.872/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/9/2017, DJe 22/9/2017).
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA N. 691/STF. ART. 1º, I, § 1º, DO DECRETO N. 201/1967 (TRÊS VEZES) E ART. 316 DO CP (TRÊS VEZES). DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Caso em que a prisão foi decretada em razão do descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta, conforme previsão. Precedentes. Ausência de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia a autorizar a superação do mencionado enunciado.
3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no HC 400.949/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Trata-se de agravo regimental interposto por NATALIA BELANGA JULIANI, em face de decisão que indeferiu liminarmente o habeas corpus, ao fundamento de que "não cabe habeas corpus contra indeferimento de pedido liminar em outro writ".
A agravante sustenta, em síntese, que: a) há excesso de prazo para conclusão do processo; b) não estão presentes os requisitso autorizadores da prisão preventiva.
Pleiteia a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do agravo à apreciação do Colegiado para que seja revogada a prisão preventiva imposta à agravante.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Esta Corte Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar não revela ilegalidade apta a justificar manifestação antecipada deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação da referida Súmula 691 desta Corte.
Sobre o tema, os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DE DESEMBARGADOR QUE INDEFERIU PEDIDO LIMINAR. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. ÓBICE DA SÚMULA 691 DO STF. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar".
2. O referido óbice é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a evidência da ilegalidade é tamanha, que não escapa à pronta percepção do julgador, o que, todavia, não ocorre na hipótese, em que foram apontados elementos concretos que, ao menos à primeira vista, evidenciam a gravidade concreta do delito em tese cometido, a ensejar, por conseguinte, a necessidade de manutenção da custódia preventiva para a garantia da ordem pública.
3. Não está evidenciada, de maneira patente, nenhuma delonga injustificada para o eventual oferecimento de denúncia, capaz de ensejar a superação da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, haja vista que os autos do inquérito policial têm tido tramitação regular, conforme informações prestadas pelo Juiz de primeiro grau.
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no HC 404.872/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/9/2017, DJe 22/9/2017).
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA N. 691/STF. ART. 1º, I, § 1º, DO DECRETO N. 201/1967 (TRÊS VEZES) E ART. 316 DO CP (TRÊS VEZES). DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Caso em que a prisão foi decretada em razão do descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta, conforme previsão. Precedentes. Ausência de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia a autorizar a superação do mencionado enunciado.
3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no HC 400.949/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇA DE TRÊS ANOS. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido. | PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇA DE TRÊS ANOS. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido. | N |
145,717,156 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA 691/STF.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINARMENTE ESTE WRIT.JULGAMENTO DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. APRECIAÇÃO DO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. LEGALIDADE DA BUSCA DOMICILIAR. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
I - Com a superveniência de decisão de mérito do Tribunal a quo, cujo acórdão foi juntado pela defesa, exercido juízo de reconsideração da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o writ, em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF, o qual não mais subsiste.
II - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
III - O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade.
IV - Extrai-se dos autos que os castrenses lograram êxito em apreender, tanto na posse direta do paciente como em sua residência, o total de 106 (cento e seis) pinos de cocaína, consubstanciando a tipicidade e os indícios de autoria e materialidade necessários à persecução penal.
V - Assim, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
VI - Ante o exposto, não se observa a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade, aptos a ensejarem o trancamento pleiteado.
Agravo regimental desprovido.
RELATÓRIO
Trata-se deagravo regimental interposto por MARCOS VINICIUS VIEIRA CORREAcontra decisão da Presidência do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu liminarmente o habeas corpuscom fundamento no enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal (fls. 148-149)
Consta dos autos que adenúncia foi oferecida em 03.08.2021e recebida em 13.12.2021,tendo sido o acusado preso em flagrante e, após, beneficiado com a liberdade provisória (f. 138).
A Defesa impetrou préviowritperante a Corte de origem, objetivando a suspensão do andamento da ação penal e, no mérito, o seu trancamento, por ausência de justa causa.
O pleito liminar foi indeferido monocraticamente (fls.10-11).
Impetrado habeas corpus nessa Corte, com pedido liminar,essefoi liminarmente indeferidopela Presidência, em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF (fls. 148-149).
Daí o presente recurso, em que o agravante reitera o pleito de trancamento da ação penal sob a alegação de inexistência de justa causa, uma vez que as provas obtidas seriam ilícitas, em razão da suposta invasão de domicílio.
Assinala queo habeas corpus originário "foi denegado, no julgamento do mérito, pela 2ª Câmara criminal do tribunal a quo, em 03/02/2022, e o paciente terá que comparecer à audiência de instrução e julgamento designada para o dia 09/03/2023, às 16h40. Dessa forma está presente o requisito do "periculum in mora" (fl. 153).
Decisão de mérito superveniente do Tribunala quo,denegando a ordem, às fls. (154-160), com a seguinte ementa:
""HABEAS CORPUS" -TRÁFICO DE DROGAS -TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL -AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA -ALEGAÇÃO DE PROVA ILÍCITA -VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO -DELITO DE NATUREZA PERMANENTE -SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO CONFIGURADA -ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA -ORDEM DENEGADA.
-O trancamento da ação penal é medida excepcional, devendo ser adotada somente quando for comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria, não sendo o writ a via adequada para requerer o trancamento da ação penal, por falta de justa causa, se tal análise demandar valoração do conjunto probatório ou fático.
-Assim como os demais direitos fundamentais, a inviolabilidade do domicílio não é uma garantia absoluta, sendo excepcionada pela Constituição Federal em determinadas hipóteses, como nas situações de flagrante delito.
-O crime de tráfico de drogas possui natureza permanente, isto é, se protrai no tempo. Dessa forma, levando-se em consideração o teor do art. 303 do Código de Processo Penal, entende-se que a prisão em flagrante, nos crimes permanentes, pode ocorrer enquanto não cessar a permanência. Assim, não há que se falar em ilicitude das provas obtidas ou mesmo em trancamento da ação penal, por ausência de justa causa."
Postula, assim, a reconsideração da decisão agravada, ou que o presente recurso seja submetido a julgamento pela Quinta Turma.
É o relatório.
EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA 691/STF.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINARMENTE ESTE WRIT.JULGAMENTO DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. APRECIAÇÃO DO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. LEGALIDADE DA BUSCA DOMICILIAR. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
I - Com a superveniência de decisão de mérito do Tribunal a quo, cujo acórdão foi juntado pela defesa, exercido juízo de reconsideração da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o writ, em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF, o qual não mais subsiste.
II - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
III - O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade.
IV - Extrai-se dos autos que os castrenses lograram êxito em apreender, tanto na posse direta do paciente como em sua residência, o total de 106 (cento e seis) pinos de cocaína, consubstanciando a tipicidade e os indícios de autoria e materialidade necessários à persecução penal.
V - Assim, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
VI - Ante o exposto, não se observa a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade, aptos a ensejarem o trancamento pleiteado.
Agravo regimental desprovido.
VOTO
Na superveniência de decisão de mérito do Tribunal a quo, devidamente juntada aos autos pela d. Defesa (fls. 154-160), exerço juízo de reconsideração da decisão monocrática que indeferiu liminarmente owrit,em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF (fls. 148-149), o qual não mais subsiste, em prol dos princípios da economia e celeridade processuais.
Dessa feita, passo à apreciação do habeas corpus.
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso ordinário.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão impugnado (fls. 155-159, grifei):
"Após detida análise dos documentos anexados aos autos, conclui-se que a alegação de ofensa ao princípio da inviolabilidade de domicílio não merece acolhida.
Segundo consta do APFD (ord. 7, fl. 7/10), militares em patrulhamento abordaram o paciente em via pública, por ter apresentado atitude suspeita ao notar a aproximação policial.
Realizada busca pessoal no paciente, supostamente foram encontradas em sua posse direta 2 (duas) porções de cocaína e a quantia de R$ 36,00 (trinta e seis reais) em espécie.
Em entrevista com os policiais, o paciente teria informado possuir mais entorpecentes em sua residência, sendo que cada invólucro seria vendido pelo valor de R$ 10,00 (dez reais). Diante disso, o paciente teria conduzido os castrenses até a sua residência, onde localizaram mais 106 (cento e seis) pinos de cocaína.
Portanto, observa-se que os policiais se depararam com situação flagrancial de crime permanente, sendo, pois, prescindível a prévia expedição de mandado de busca e apreensão, até porque se afigura desarrazoado cogitar-se, diante de tais situações, que a sociedade deva permanecer desguarnecida e desprotegida enquanto se aguarda prévia autorização judicial.
Vale pontuar que, assim como os demais direitos fundamentais, a inviolabilidade do domicílio não é uma garantia absoluta, sendo excepcionada pela Constituição Federal em determinadas hipóteses, como nas situações deflagrante delito. A propósito, confira-se:
..
Como cediço, o crime de tráfico de drogas possui natureza permanente, isto é, se protrai no tempo.Dessa forma, levando-se em consideração o teor do art. 303 do Código de Processo Penal,entende-se que a prisão em flagrante, nos crimes permanentes, pode ocorrer enquanto não cessar a permanência.
..
Além disso, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o trancamento da ação penal é medida de exceção, devendo ser adotada somente quando for comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova da materialidade do delito, não sendo o "writ" a via adequada para requerer o trancamento da ação penal se tal análise demandar valoração do conjunto probatório ou fático.
..
Destarte, em uma análise sumária, não se observa ausência de justa causa ou qualquer circunstância hábil a provocar o trancamento da ação penal. Ademais, conforme demonstrado alhures, a ação policial na residência do paciente não tem o condão de inquinar as provas colhidas na ocasião, as quais, consequentemente, fornecem os elementos mínimos necessários para o prosseguimento do feito.
Dessa maneira, não se vislumbra a existência de constrangimento ilegal sanável pela estreita via do "writ".
Pelo exposto, com respaldo no princípio do livre convencimento motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, DENEGA-SE a ordem pleiteada."
Pois bem.
Sem razão o agravante.
O impetrante sustenta a inexistência de justa causa para o prosseguimento da ação, sendo cabível, portanto, o seu trancamento, uma vez que as provas obtidas seriam ilícitas, em razão da suposta invasão de domicílio do paciente.
Cumpre frisar que o trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas,de plano,sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade.
A liquidez dos fatos, cumpre ressaltar,constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no espectro processual dohabeas corpusou de seu recurso ordinário, uma vez que seu manejo pressupõe uma ilegalidade ou abuso de podertão flagrante que pode ser demonstrada de plano.
Neste sentido, trago à colação os seguintes precedentes do col.Pretório Excelso:
"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA. NECESSIDADE DE EXAME DAS PROVAS DOS AUTOS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. O trancamento de ação penal em habeas corpus constitui medida excepcional, que só se justifica nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade ou de ausência, demonstrada de plano, de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas.
2. Não se admite no habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a inocência do Paciente.
3. O trancamento da ação penal em relação a outros corréus não permite, por si só, a conclusão de que estaria o Paciente sofrendo constrangimento ilegal, não se inferindo dos autos que exista uma identidade entre a situação deles e a do Paciente.
4. Habeas corpus denegado"(HC 115.116/RJ,Segunda Turma, Relª. Minª.Carmen Lúcia, DJe 17/11/2014).
"HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. PECULATO-FURTO. CRIME MILITAR. MUNIÇÕES DE USO RESTRITO DAS FORÇAS ARMADAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA QUE PERMITE AO ACUSADO O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA.
1. O acórdão impugnado está em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que"o trancamento da ação penal pela via restrita do habeas corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade" (RHC 119.607, Rel. Min. Luiz Fux).
2. A denúncia descreve suficientemente os fatos, ao menos em tese, caracterizadores do crime de peculato-furto (art. 303, § 2º, do Código Penal Militar) e está embasada em elementos concretos colhidos no curso do inquérito policial militar. Peça inaugural que permite ao acusado o pleno exercício do direito de defesa.
3. A subtração de munições de uso restrito, de propriedade das Forças Armadas, não permite a aplicação do princípio da insignificância penal.
4. Habeas Corpus indeferido"(HC 108.168/PE,Primeira Turma, Rel. Min.Roberto Barroso, DJe 3/9/2014).
E do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. TRANCAMENTO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere não hipótese dos autos.
2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via estreita do writ.
3. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate.
4. Na hipótese, as provas colacionadas aos autos demonstram a presença de elementos mínimos que evidenciam o envolvimento da recorrente no suposto delito de receptação, porquanto os policiais militares responsáveis pelo flagrante localizaram o objeto do crime de roubo em imóvel de sua propriedade. Rever tal afirmação implicaria examinar o acervo fático-probatório contido nos autos, o que é inviável no estreito rito do habeas corpus.
5. Restando clara a presença de lastro probatório mínimo a autorizar a promoção da ação penal, sem que tenha sido demonstrada a atipicidade da conduta delitiva imputa à recorrente, é forçoso reconhecer ser incabível o seu pretendido trancamento, por falta de justa causa. Ademais, a discussão em apreço remete-se à instrução processual, oportunidade em que a defesa poderá questionar por todos os meios de prova a comprovação da autoria.
6. Recurso desprovido"(RHC 87.376/RN,Quinta Turma, Rel. Min.Ribeiro Dantas, DJe 22/09/2017, grifei).
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE DECISÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NO ACÓRDÃO ATACADO. NÃO CONHECIMENTO. CRIME DA LEI DE LICITAÇÕES. RITO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO PELO JUIZ. NULIDADE. AUSÊNCIA. BURLA AO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO FÁTICA SUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO. TRANCAMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.
1. Não decidida pelo acórdão atacado a suscitada nulidade da decisão de recebimento da denúncia, o tema não merece conhecimento, sob pena de supressão de instância.
2. Segundo entendimento desta Corte, não é causa de nulidade a adoção, por si só, do rito procedimental específico da Lei de Licitações para o processamento de crimes previstos naquele diploma legal, ainda mais se, como na espécie, limitou-se a aplicação da Lei nº 8.666/1993 à readequação do rol de testemunhas apresentado pela acusação, tendo sido observados, no mais, os arts. 396 e 397 do Código de Processo Penal.
3. Devidamente descritos os fatos delituosos (indícios de autoria e materialidade), não há falar em inépcia.
4. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de suporte probatório mínimo à acusação), não relevada, primo oculi. Intento que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ.
5. Dizer que não há prova de que teria havido burla à competição e que a aceitação de empresas licitantes com sócios parentes entre si (mesmo grupo econômico) é legal, não existindo o tipo penal do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, são alegações atinentes ao próprio mérito da persecução e, por isso mesmo, deverão ser aferidas na instrução, sob o crivo do contraditório.
6. Impetração conhecida em parte e, nesta extensão, denegada a ordem"(HC 412.093/SP,Sexta Turma, Relª. Minª.Maria Thereza de Assis Moura, DJe de13/10/2017, grifei).
No que tange à alegação da ilegalidade na obtenção da provas, em razão de suposta invasão de domicílio, cumpre consignarque, em se tratando de crimes de natureza permanente, como é o caso do tráfico de entorpecentes, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão para que os policiais adentrem o domicílio do acusado, não havendo que se falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida, notadamente porque o agravante foi preso em flagrante em via pública na posse de pequena quantidade de drogas, o que evidencia a presença de fundadas razões no domicílio do acusado.
Vale dizer, em outras palavras, que o estado flagrancial do delito de tráfico de droga consubstancia uma das exceções à inviolabilidade de domicílio prevista no inciso XI do art. 5º da Constituição.
Nesse sentido:
"PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 E 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DA LEI 10.826/03. BUSCA DOMICILIAR E PESSOAL. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE NA EFETIVAÇÃO PRISÃO. INOCORRÊNCIA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DELITO PERMANENTE.
Tratando-se de tráfico ilícito de substância entorpecente, crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a busca domiciliar e pessoal que culminou com prisão do paciente, mantendo em depósito drogas e na posse de arma de fogo, não constitui prova ilícita, pois ficou evidenciada a figura do flagrante delito, o que, a teor do disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, autoriza o ingresso, ainda que sem mandado judicial, no domicílio alheio (Precedentes).
Habeas corpus denegado"(HC 126.556/SP,Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer,DJe 1º/2/2010, grifei).
"HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. PENA APLICADA: 2 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. POSSIBILIDADE DE PRISÃO EM FLAGRANTE POR GUARDA MUNICIPAL E CONSEQUENTE APREENSÃO DO OBJETO DO CRIME. PACIENTE PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES E REINCIDENTE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL NA FIXAÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1.Embora a Guarda Municipal não possua a atribuição de polícia ostensiva, mas apenas aquelas previstas no art. 144, § 8o. da Constituição da República, sendo o delito de natureza permanente, pode ela efetuar a prisão em flagrante e a apreensão de objetos do crime que se encontrem na posse do agente infrator, nos termos do art. 301 do CPP.
2. A circunstância de ser o paciente portador de maus antecedentes, quando somada à reincidência, é suficiente para, apesar da pena total de 2 anos e 8 meses de reclusão, fixar-se o regime inicial fechado para seu cumprimento. Afastada a aplicação da Súmula 269/STJ. Precedentes.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem denegada"(HC 109.592/SP,Quinta Turma, Rel. Min.Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 29/3/2010, grifei).
"HABEAS CORPUS. IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DOS GUARDAS MUNICIPAIS PARA EFETUAR PRISÃO EM FLAGRANTE. PERMISSIVO DO ART. 301 DO CPP. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE TER SIDO VÍTIMA DE TORTURA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RISCO DE REITERAÇÃO. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal.
2. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes.
..
6. Habeas corpus não conhecido"(HC 421.954/SP,Quinta Turma, Rel. Min.Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 2/4/2018, grifei).
No caso concreto, a fundada suspeita dos policiais reside no fato de que, ao ser abordado ainda na rua, em razão de atitude suspeita, foram encontrados na posse direta do paciente, após busca pessoal, 2 (duas) porções de cocaína.
Verbis (fl. 156, grifei):
Segundo consta do APFD (ord. 7, fl. 7/10), militares em patrulhamento abordaram o paciente em via pública, por ter apresentado atitude suspeita ao notar a aproximação policial.
Realizada busca pessoal no paciente, supostamente foram encontradas em sua posse direta 2 (duas) porções de cocaína e a quantia de R$ 36,00 (trinta e seis reais) em espécie."
Mais ainda: o próprio paciente confessou espontaneamente possuir mais entorpecentes em sua residência, bem como possuir oanimusde venda dos invólucros, conduzindo, consensualmente, os policiais até a sua residência, in verbis(fl. 156, grifei):
"Em entrevista com os policiais, o paciente teria informado possuir mais entorpecentes em sua residência, sendo que cada invólucro seria vendido pelo valor de R$ 10,00 (dez reais). Diante disso, o paciente teria conduzido os castrenses até a sua residência, onde localizaram mais 106 (cento e seis) pinos de cocaína."
Corroborando, o v. acórdão consignou (fl. 156, grifei):
"Portanto, observa-se que os policiais se depararam com situação flagrancial de crime permanente, sendo, pois, prescindível a prévia expedição de mandado de busca e apreensão, até porque se afigura desarrazoado cogitar-se, diante de tais situações, que a sociedade deva permanecer desguarnecida e desprotegida enquanto se aguarda prévia autorização judicial."
Assim, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
Sobre o tema, confiram-se os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEPOIMENTO DA VÍTIMA E OUTRAS PROVAS TESTEMUNHAIS. AUTORIA DELITIVA E MATERIALIDADE CONFIRMADAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
(..)
4. A pretendida absolvição do paciente ante a alegada ausência de prova da autoria delitiva e da materialidade é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido na ação penal, providência vedada na via estreita do remédio constitucional do habeas corpus, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória.
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 475.442/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 22/11/2018, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP. ART. 217-A). ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE NA VIA ELEITA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO PENAL. CRIME CONFIGURADO. MAIORES INCURSÕES SOBRE O TEMA QUE DEMANDARIAM REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do ilícito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
(..)
6. Writ não conhecido" (HC n. 431.708/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 30/5/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ÉDITO REPRESSIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA.
1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.
2. A pretendida absolvição do paciente é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido em juízo, providência vedada na via estreita do remédio constitucional, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória.
3. No processo penal brasileiro, vigora o princípio do livre convencimento motivado, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não se admitindo no âmbito do habeas corpus a reanálise dos motivos pelos quais a instância ordinária formou convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor do acusado.
4. Nos crimes contra a dignidade sexual, em que geralmente não há testemunhas, a palavra da vítima possui especial relevância, não podendo ser desconsiderada, notadamente se está em consonância com os demais elementos de prova produzidos nos autos, exatamente como na espécie. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC n. 421.179/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 19/12/2017, grifei).
Diante do contexto aqui apresentado, assim como ante a inexistência de qualquer indício de que a palavra dos policiais não mereça guarida, não se vislumbra a alegada nulidade das provas, nem, pois, merece guarida a tese de trancamento da ação penal.
Ressalta-se que o trancamento da ação penal só ocorrerá no caso de absoluta ausência de justa causa, que, para que seja acolhida, deve ser demonstrada de plano - o que, data vênia, não ocorreu no caso em exame.
Do contrário, extrai-se dos autos os castrenses lograram êxito em apreender, tanto na posse direta do paciente como em sua residência, o total de 106 (cento e seis) pinos de cocaína, consubstanciando a tipicidade e os indícios de autoria e materialidade necessários à persecução penal.
Assim, não se observa a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade, aptos a ensejarem o trancamento pleiteado.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se deagravo regimental interposto por MARCOS VINICIUS VIEIRA CORREAcontra decisão da Presidência do Superior Tribunal de Justiça que indeferiu liminarmente o habeas corpuscom fundamento no enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal (fls. 148-149)
Consta dos autos que adenúncia foi oferecida em 03.08.2021e recebida em 13.12.2021,tendo sido o acusado preso em flagrante e, após, beneficiado com a liberdade provisória (f. 138).
A Defesa impetrou préviowritperante a Corte de origem, objetivando a suspensão do andamento da ação penal e, no mérito, o seu trancamento, por ausência de justa causa.
O pleito liminar foi indeferido monocraticamente (fls.10-11).
Impetrado habeas corpus nessa Corte, com pedido liminar,essefoi liminarmente indeferidopela Presidência, em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF (fls. 148-149).
Daí o presente recurso, em que o agravante reitera o pleito de trancamento da ação penal sob a alegação de inexistência de justa causa, uma vez que as provas obtidas seriam ilícitas, em razão da suposta invasão de domicílio.
Assinala queo habeas corpus originário "foi denegado, no julgamento do mérito, pela 2ª Câmara criminal do tribunal a quo, em 03/02/2022, e o paciente terá que comparecer à audiência de instrução e julgamento designada para o dia 09/03/2023, às 16h40. Dessa forma está presente o requisito do "periculum in mora" (fl. 153).
Decisão de mérito superveniente do Tribunala quo,denegando a ordem, às fls. (154-160), com a seguinte ementa:
""HABEAS CORPUS" -TRÁFICO DE DROGAS -TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL -AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA -ALEGAÇÃO DE PROVA ILÍCITA -VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO -DELITO DE NATUREZA PERMANENTE -SITUAÇÃO DE FLAGRANTE DELITO CONFIGURADA -ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA -ORDEM DENEGADA.
-O trancamento da ação penal é medida excepcional, devendo ser adotada somente quando for comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria, não sendo o writ a via adequada para requerer o trancamento da ação penal, por falta de justa causa, se tal análise demandar valoração do conjunto probatório ou fático.
-Assim como os demais direitos fundamentais, a inviolabilidade do domicílio não é uma garantia absoluta, sendo excepcionada pela Constituição Federal em determinadas hipóteses, como nas situações de flagrante delito.
-O crime de tráfico de drogas possui natureza permanente, isto é, se protrai no tempo. Dessa forma, levando-se em consideração o teor do art. 303 do Código de Processo Penal, entende-se que a prisão em flagrante, nos crimes permanentes, pode ocorrer enquanto não cessar a permanência. Assim, não há que se falar em ilicitude das provas obtidas ou mesmo em trancamento da ação penal, por ausência de justa causa."
Postula, assim, a reconsideração da decisão agravada, ou que o presente recurso seja submetido a julgamento pela Quinta Turma.
É o relatório.
VOTO
Na superveniência de decisão de mérito do Tribunal a quo, devidamente juntada aos autos pela d. Defesa (fls. 154-160), exerço juízo de reconsideração da decisão monocrática que indeferiu liminarmente owrit,em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF (fls. 148-149), o qual não mais subsiste, em prol dos princípios da economia e celeridade processuais.
Dessa feita, passo à apreciação do habeas corpus.
A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
Tal posicionamento tem por objetivo preservar a utilidade e eficácia do habeas corpus como instrumento constitucional de relevante valor para proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, de forma a garantir a necessária celeridade no seu julgamento. Assim, incabível o presente mandamus, porquanto substitutivo de recurso ordinário.
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Para melhor delimitar a quaestio, transcrevo os seguintes trechos do v. acórdão impugnado (fls. 155-159, grifei):
"Após detida análise dos documentos anexados aos autos, conclui-se que a alegação de ofensa ao princípio da inviolabilidade de domicílio não merece acolhida.
Segundo consta do APFD (ord. 7, fl. 7/10), militares em patrulhamento abordaram o paciente em via pública, por ter apresentado atitude suspeita ao notar a aproximação policial.
Realizada busca pessoal no paciente, supostamente foram encontradas em sua posse direta 2 (duas) porções de cocaína e a quantia de R$ 36,00 (trinta e seis reais) em espécie.
Em entrevista com os policiais, o paciente teria informado possuir mais entorpecentes em sua residência, sendo que cada invólucro seria vendido pelo valor de R$ 10,00 (dez reais). Diante disso, o paciente teria conduzido os castrenses até a sua residência, onde localizaram mais 106 (cento e seis) pinos de cocaína.
Portanto, observa-se que os policiais se depararam com situação flagrancial de crime permanente, sendo, pois, prescindível a prévia expedição de mandado de busca e apreensão, até porque se afigura desarrazoado cogitar-se, diante de tais situações, que a sociedade deva permanecer desguarnecida e desprotegida enquanto se aguarda prévia autorização judicial.
Vale pontuar que, assim como os demais direitos fundamentais, a inviolabilidade do domicílio não é uma garantia absoluta, sendo excepcionada pela Constituição Federal em determinadas hipóteses, como nas situações deflagrante delito. A propósito, confira-se:
..
Como cediço, o crime de tráfico de drogas possui natureza permanente, isto é, se protrai no tempo.Dessa forma, levando-se em consideração o teor do art. 303 do Código de Processo Penal,entende-se que a prisão em flagrante, nos crimes permanentes, pode ocorrer enquanto não cessar a permanência.
..
Além disso, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, o trancamento da ação penal é medida de exceção, devendo ser adotada somente quando for comprovada, de plano, a atipicidade da conduta, causa extintiva da punibilidade ou ausência de indícios mínimos de autoria ou de prova da materialidade do delito, não sendo o "writ" a via adequada para requerer o trancamento da ação penal se tal análise demandar valoração do conjunto probatório ou fático.
..
Destarte, em uma análise sumária, não se observa ausência de justa causa ou qualquer circunstância hábil a provocar o trancamento da ação penal. Ademais, conforme demonstrado alhures, a ação policial na residência do paciente não tem o condão de inquinar as provas colhidas na ocasião, as quais, consequentemente, fornecem os elementos mínimos necessários para o prosseguimento do feito.
Dessa maneira, não se vislumbra a existência de constrangimento ilegal sanável pela estreita via do "writ".
Pelo exposto, com respaldo no princípio do livre convencimento motivado e da fundamentação dos atos jurisdicionais, DENEGA-SE a ordem pleiteada."
Pois bem.
Sem razão o agravante.
O impetrante sustenta a inexistência de justa causa para o prosseguimento da ação, sendo cabível, portanto, o seu trancamento, uma vez que as provas obtidas seriam ilícitas, em razão da suposta invasão de domicílio do paciente.
Cumpre frisar que o trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas,de plano,sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade.
A liquidez dos fatos, cumpre ressaltar,constitui requisito inafastável na apreciação da justa causa, pois o exame aprofundado de provas é inadmissível no espectro processual dohabeas corpusou de seu recurso ordinário, uma vez que seu manejo pressupõe uma ilegalidade ou abuso de podertão flagrante que pode ser demonstrada de plano.
Neste sentido, trago à colação os seguintes precedentes do col.Pretório Excelso:
"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA. NECESSIDADE DE EXAME DAS PROVAS DOS AUTOS. PRECEDENTES. ORDEM DENEGADA.
1. O trancamento de ação penal em habeas corpus constitui medida excepcional, que só se justifica nos casos de manifesta atipicidade da conduta, de presença de causa de extinção da punibilidade ou de ausência, demonstrada de plano, de indícios mínimos de autoria e materialidade delitivas.
2. Não se admite no habeas corpus a análise aprofundada de fatos e provas, a fim de se verificar a inocência do Paciente.
3. O trancamento da ação penal em relação a outros corréus não permite, por si só, a conclusão de que estaria o Paciente sofrendo constrangimento ilegal, não se inferindo dos autos que exista uma identidade entre a situação deles e a do Paciente.
4. Habeas corpus denegado"(HC 115.116/RJ,Segunda Turma, Relª. Minª.Carmen Lúcia, DJe 17/11/2014).
"HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO. PECULATO-FURTO. CRIME MILITAR. MUNIÇÕES DE USO RESTRITO DAS FORÇAS ARMADAS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. DENÚNCIA QUE PERMITE AO ACUSADO O EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INVIABILIDADE. RELEVÂNCIA PENAL DA CONDUTA.
1. O acórdão impugnado está em conformidade com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que"o trancamento da ação penal pela via restrita do habeas corpus é medida excepcional, somente admissível quando transparecer dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade" (RHC 119.607, Rel. Min. Luiz Fux).
2. A denúncia descreve suficientemente os fatos, ao menos em tese, caracterizadores do crime de peculato-furto (art. 303, § 2º, do Código Penal Militar) e está embasada em elementos concretos colhidos no curso do inquérito policial militar. Peça inaugural que permite ao acusado o pleno exercício do direito de defesa.
3. A subtração de munições de uso restrito, de propriedade das Forças Armadas, não permite a aplicação do princípio da insignificância penal.
4. Habeas Corpus indeferido"(HC 108.168/PE,Primeira Turma, Rel. Min.Roberto Barroso, DJe 3/9/2014).
E do Superior Tribunal de Justiça:
"PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. RECEPTAÇÃO. TRANCAMENTO. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se infere não hipótese dos autos.
2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o exercício da ação penal, dada a suposta ausência de elementos de informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via estreita do writ.
3. Para o oferecimento da denúncia, exige-se apenas a descrição da conduta delitiva e a existência de elementos probatórios mínimos que corroborem a acusação. Provas conclusivas da materialidade e da autoria do crime são necessárias apenas para a formação de um eventual juízo condenatório. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual, deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate.
4. Na hipótese, as provas colacionadas aos autos demonstram a presença de elementos mínimos que evidenciam o envolvimento da recorrente no suposto delito de receptação, porquanto os policiais militares responsáveis pelo flagrante localizaram o objeto do crime de roubo em imóvel de sua propriedade. Rever tal afirmação implicaria examinar o acervo fático-probatório contido nos autos, o que é inviável no estreito rito do habeas corpus.
5. Restando clara a presença de lastro probatório mínimo a autorizar a promoção da ação penal, sem que tenha sido demonstrada a atipicidade da conduta delitiva imputa à recorrente, é forçoso reconhecer ser incabível o seu pretendido trancamento, por falta de justa causa. Ademais, a discussão em apreço remete-se à instrução processual, oportunidade em que a defesa poderá questionar por todos os meios de prova a comprovação da autoria.
6. Recurso desprovido"(RHC 87.376/RN,Quinta Turma, Rel. Min.Ribeiro Dantas, DJe 22/09/2017, grifei).
"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE DECISÃO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. MATÉRIA NÃO DECIDIDA NO ACÓRDÃO ATACADO. NÃO CONHECIMENTO. CRIME DA LEI DE LICITAÇÕES. RITO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO PELO JUIZ. NULIDADE. AUSÊNCIA. BURLA AO CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. DENÚNCIA. DESCRIÇÃO FÁTICA SUFICIENTE E CLARA. DEMONSTRAÇÃO DE INDÍCIOS DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE. INÉPCIA. NÃO OCORRÊNCIA. AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO. TRANCAMENTO. REVOLVIMENTO FÁTICO. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA.
1. Não decidida pelo acórdão atacado a suscitada nulidade da decisão de recebimento da denúncia, o tema não merece conhecimento, sob pena de supressão de instância.
2. Segundo entendimento desta Corte, não é causa de nulidade a adoção, por si só, do rito procedimental específico da Lei de Licitações para o processamento de crimes previstos naquele diploma legal, ainda mais se, como na espécie, limitou-se a aplicação da Lei nº 8.666/1993 à readequação do rol de testemunhas apresentado pela acusação, tendo sido observados, no mais, os arts. 396 e 397 do Código de Processo Penal.
3. Devidamente descritos os fatos delituosos (indícios de autoria e materialidade), não há falar em inépcia.
4. O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, quando o pleito se baseia em falta justa causa (ausência de suporte probatório mínimo à acusação), não relevada, primo oculi. Intento que demanda revolvimento fático-probatório, não condizente com a via restrita do writ.
5. Dizer que não há prova de que teria havido burla à competição e que a aceitação de empresas licitantes com sócios parentes entre si (mesmo grupo econômico) é legal, não existindo o tipo penal do art. 90 da Lei nº 8.666/1993, são alegações atinentes ao próprio mérito da persecução e, por isso mesmo, deverão ser aferidas na instrução, sob o crivo do contraditório.
6. Impetração conhecida em parte e, nesta extensão, denegada a ordem"(HC 412.093/SP,Sexta Turma, Relª. Minª.Maria Thereza de Assis Moura, DJe de13/10/2017, grifei).
No que tange à alegação da ilegalidade na obtenção da provas, em razão de suposta invasão de domicílio, cumpre consignarque, em se tratando de crimes de natureza permanente, como é o caso do tráfico de entorpecentes, mostra-se prescindível o mandado de busca e apreensão para que os policiais adentrem o domicílio do acusado, não havendo que se falar em eventuais ilegalidades relativas ao cumprimento da medida, notadamente porque o agravante foi preso em flagrante em via pública na posse de pequena quantidade de drogas, o que evidencia a presença de fundadas razões no domicílio do acusado.
Vale dizer, em outras palavras, que o estado flagrancial do delito de tráfico de droga consubstancia uma das exceções à inviolabilidade de domicílio prevista no inciso XI do art. 5º da Constituição.
Nesse sentido:
"PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 33, CAPUT, DA LEI 11.343/06 E 16, PARÁGRAFO ÚNICO, IV, DA LEI 10.826/03. BUSCA DOMICILIAR E PESSOAL. ALEGAÇÃO DE ILICITUDE NA EFETIVAÇÃO PRISÃO. INOCORRÊNCIA. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. DELITO PERMANENTE.
Tratando-se de tráfico ilícito de substância entorpecente, crime de natureza permanente, cuja consumação se prolonga no tempo, a busca domiciliar e pessoal que culminou com prisão do paciente, mantendo em depósito drogas e na posse de arma de fogo, não constitui prova ilícita, pois ficou evidenciada a figura do flagrante delito, o que, a teor do disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, autoriza o ingresso, ainda que sem mandado judicial, no domicílio alheio (Precedentes).
Habeas corpus denegado"(HC 126.556/SP,Quinta Turma, Rel. Min. Felix Fischer,DJe 1º/2/2010, grifei).
"HABEAS CORPUS. PORTE ILEGAL DE MUNIÇÃO DE USO PERMITIDO. PENA APLICADA: 2 ANOS E 8 MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL FECHADO. POSSIBILIDADE DE PRISÃO EM FLAGRANTE POR GUARDA MUNICIPAL E CONSEQUENTE APREENSÃO DO OBJETO DO CRIME. PACIENTE PORTADOR DE MAUS ANTECEDENTES E REINCIDENTE. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL NA FIXAÇÃO DO REGIME MAIS GRAVOSO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1.Embora a Guarda Municipal não possua a atribuição de polícia ostensiva, mas apenas aquelas previstas no art. 144, § 8o. da Constituição da República, sendo o delito de natureza permanente, pode ela efetuar a prisão em flagrante e a apreensão de objetos do crime que se encontrem na posse do agente infrator, nos termos do art. 301 do CPP.
2. A circunstância de ser o paciente portador de maus antecedentes, quando somada à reincidência, é suficiente para, apesar da pena total de 2 anos e 8 meses de reclusão, fixar-se o regime inicial fechado para seu cumprimento. Afastada a aplicação da Súmula 269/STJ. Precedentes.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem denegada"(HC 109.592/SP,Quinta Turma, Rel. Min.Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 29/3/2010, grifei).
"HABEAS CORPUS. IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGADA INCOMPETÊNCIA DOS GUARDAS MUNICIPAIS PARA EFETUAR PRISÃO EM FLAGRANTE. PERMISSIVO DO ART. 301 DO CPP. INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE TER SIDO VÍTIMA DE TORTURA. MATÉRIA NÃO EXAMINADA PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. RISCO DE REITERAÇÃO. QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal.
2. Nos termos do artigo 301 do Código de Processo Penal, qualquer pessoa pode prender quem esteja em flagrante delito, de modo que inexiste óbice à realização do referido procedimento por guardas municipais, não havendo, portanto, que se falar em prova ilícita no caso em tela. Precedentes.
..
6. Habeas corpus não conhecido"(HC 421.954/SP,Quinta Turma, Rel. Min.Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 2/4/2018, grifei).
No caso concreto, a fundada suspeita dos policiais reside no fato de que, ao ser abordado ainda na rua, em razão de atitude suspeita, foram encontrados na posse direta do paciente, após busca pessoal, 2 (duas) porções de cocaína.
Verbis (fl. 156, grifei):
Segundo consta do APFD (ord. 7, fl. 7/10), militares em patrulhamento abordaram o paciente em via pública, por ter apresentado atitude suspeita ao notar a aproximação policial.
Realizada busca pessoal no paciente, supostamente foram encontradas em sua posse direta 2 (duas) porções de cocaína e a quantia de R$ 36,00 (trinta e seis reais) em espécie."
Mais ainda: o próprio paciente confessou espontaneamente possuir mais entorpecentes em sua residência, bem como possuir oanimusde venda dos invólucros, conduzindo, consensualmente, os policiais até a sua residência, in verbis(fl. 156, grifei):
"Em entrevista com os policiais, o paciente teria informado possuir mais entorpecentes em sua residência, sendo que cada invólucro seria vendido pelo valor de R$ 10,00 (dez reais). Diante disso, o paciente teria conduzido os castrenses até a sua residência, onde localizaram mais 106 (cento e seis) pinos de cocaína."
Corroborando, o v. acórdão consignou (fl. 156, grifei):
"Portanto, observa-se que os policiais se depararam com situação flagrancial de crime permanente, sendo, pois, prescindível a prévia expedição de mandado de busca e apreensão, até porque se afigura desarrazoado cogitar-se, diante de tais situações, que a sociedade deva permanecer desguarnecida e desprotegida enquanto se aguarda prévia autorização judicial."
Assim, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
Sobre o tema, confiram-se os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. CRIME CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL EM CONTINUIDADE DELITIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. NECESSÁRIO REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. DEPOIMENTO DA VÍTIMA E OUTRAS PROVAS TESTEMUNHAIS. AUTORIA DELITIVA E MATERIALIDADE CONFIRMADAS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
(..)
4. A pretendida absolvição do paciente ante a alegada ausência de prova da autoria delitiva e da materialidade é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido na ação penal, providência vedada na via estreita do remédio constitucional do habeas corpus, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória.
5. Habeas corpus não conhecido" (HC n. 475.442/PE, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 22/11/2018, grifei).
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP. ART. 217-A). ABSOLVIÇÃO. IMPROPRIEDADE NA VIA ELEITA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONTRAVENÇÃO PENAL. PRÁTICA DE ATO LIBIDINOSO DIVERSO DA CONJUNÇÃO PENAL. CRIME CONFIGURADO. MAIORES INCURSÕES SOBRE O TEMA QUE DEMANDARIAM REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. WRIT NÃO CONHECIDO.
1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
2. O habeas corpus não se presta para a apreciação de alegações que buscam a absolvição do paciente, em virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via eleita.
3. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, ser o réu autor do ilícito descrito na exordial acusatória, a análise das alegações concernentes ao pleito de absolvição demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
(..)
6. Writ não conhecido" (HC n. 431.708/MS, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 30/5/2018, grifei).
"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. AUSÊNCIA DE PROVAS PARA A CONDENAÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO APROFUNDADO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO MANDAMUS. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. ÉDITO REPRESSIVO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA.
1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes.
2. A pretendida absolvição do paciente é questão que demanda aprofundada análise do conjunto probatório produzido em juízo, providência vedada na via estreita do remédio constitucional, em razão do seu rito célere e desprovido de dilação probatória.
3. No processo penal brasileiro, vigora o princípio do livre convencimento motivado, em que o julgador, desde que de forma fundamentada, pode decidir pela condenação, não se admitindo no âmbito do habeas corpus a reanálise dos motivos pelos quais a instância ordinária formou convicção pela prolação de decisão repressiva em desfavor do acusado.
4. Nos crimes contra a dignidade sexual, em que geralmente não há testemunhas, a palavra da vítima possui especial relevância, não podendo ser desconsiderada, notadamente se está em consonância com os demais elementos de prova produzidos nos autos, exatamente como na espécie. Precedentes.
5. Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC n. 421.179/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 19/12/2017, grifei).
Diante do contexto aqui apresentado, assim como ante a inexistência de qualquer indício de que a palavra dos policiais não mereça guarida, não se vislumbra a alegada nulidade das provas, nem, pois, merece guarida a tese de trancamento da ação penal.
Ressalta-se que o trancamento da ação penal só ocorrerá no caso de absoluta ausência de justa causa, que, para que seja acolhida, deve ser demonstrada de plano - o que, data vênia, não ocorreu no caso em exame.
Do contrário, extrai-se dos autos os castrenses lograram êxito em apreender, tanto na posse direta do paciente como em sua residência, o total de 106 (cento e seis) pinos de cocaína, consubstanciando a tipicidade e os indícios de autoria e materialidade necessários à persecução penal.
Assim, não se observa a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade, aptos a ensejarem o trancamento pleiteado.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | EMENTA
PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA 691/STF.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINARMENTE ESTE WRIT.JULGAMENTO DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. APRECIAÇÃO DO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. LEGALIDADE DA BUSCA DOMICILIAR. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
I - Com a superveniência de decisão de mérito do Tribunal a quo, cujo acórdão foi juntado pela defesa, exercido juízo de reconsideração da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o writ, em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF, o qual não mais subsiste.
II - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
III - O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade.
IV - Extrai-se dos autos que os castrenses lograram êxito em apreender, tanto na posse direta do paciente como em sua residência, o total de 106 (cento e seis) pinos de cocaína, consubstanciando a tipicidade e os indícios de autoria e materialidade necessários à persecução penal.
V - Assim, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
VI - Ante o exposto, não se observa a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade, aptos a ensejarem o trancamento pleiteado.
Agravo regimental desprovido. | PENAL. PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA 691/STF.TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE INDEFERIU LIMINARMENTE ESTE WRIT.JULGAMENTO DO MÉRITO DA IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA. APRECIAÇÃO DO HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. LEGALIDADE DA BUSCA DOMICILIAR. INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. | I - Com a superveniência de decisão de mérito do Tribunal a quo, cujo acórdão foi juntado pela defesa, exercido juízo de reconsideração da decisão monocrática que indeferiu liminarmente o writ, em razão do óbice previsto na Súmula 691/STF, o qual não mais subsiste.
II - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento do writ, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
III - O trancamento da ação penal constitui medida excepcional, justificada apenas quando comprovadas, de plano, sem necessidade de análise aprofundada de fatos e provas, a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade.
IV - Extrai-se dos autos que os castrenses lograram êxito em apreender, tanto na posse direta do paciente como em sua residência, o total de 106 (cento e seis) pinos de cocaína, consubstanciando a tipicidade e os indícios de autoria e materialidade necessários à persecução penal.
V - Assim, não constatada nenhuma flagrante ilegalidade, de plano, importante esclarecer a impossibilidade de se percorrer todo o acervo fático-probatório nesta via estreita do writ, como forma de desconstituir as conclusões das instâncias ordinárias, soberanas na análise dos fatos e provas, providência inviável de ser realizada dentro dos estreitos limites do habeas corpus, que não admite dilação probatória e o aprofundado exame do acervo da ação penal.
VI - Ante o exposto, não se observa a atipicidade da conduta, a presença de causa de extinção de punibilidade, ou a ausência de indícios mínimos de autoria ou prova de materialidade, aptos a ensejarem o trancamento pleiteado.
Agravo regimental desprovido. | N |
145,634,022 | EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A Constituição Federal fixa o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça no art. 105, de modo que o conhecimento de matérias não debatidas em habeas corpus, na origem, subvertem a estrutura constitucional acaso conhecidas em sede de recurso ordinário neste Tribunal Superior (supressão de instância)." (RHC 118.223/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
2. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por CRISTIAN FERNANDES ESTEVES, BRANQUIAN FERNANDES ESTEVES e CLEONE FERNANDES ESTEVES contra decisão que indeferiu liminarmente o habeas corpus.
Em razões, os agravantes alegam:
Não pretende os agravantes revolver a matéria fático-probatória, mas simplesmente apontar que, a decisão de segundo grau, além de não analisar o pleito, (sobo argumento de que isto caberia em vias recursais)
Em outras palavras, discute-se a ilegalidade da decisão recorrida, que desrespeitou norma expressa em Lei Federal, bem como, que trouxe um CONSTRANGIMENTO ILEGAL TÃO INSUPORTÁVEL AOS RECORRENTES, que viabiliza facilmente o enfrentamento por Vossas Excelências. (e-STJ, fl. 308)
Asseveram ainda a possibilidade da concessão da ordem de habeas corpus de ofício, bem como sustentam que os argumentos da defesa cuidam exclusivamente da liberdade de locomoção dos acusados.
Assim, requer a reconsideração da decisão agravada.
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A Constituição Federal fixa o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça no art. 105, de modo que o conhecimento de matérias não debatidas em habeas corpus, na origem, subvertem a estrutura constitucional acaso conhecidas em sede de recurso ordinário neste Tribunal Superior (supressão de instância)." (RHC 118.223/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
2. Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Com efeito, cumpre esclarecer ainda que, a despeito de não se exigir, na via do habeas corpus, o prequestionamento das matérias nele veiculadas, imperioso reconhecer que a repartição constitucional das competências funcionais impõe limites cognitivos a este Superior Tribunal de Justiça. Assim, não se concebe que, de forma originária, o impetrante veicule nesta Corte Superior questões da competência das instâncias ordinárias. O conhecimento destas questões implicaria indevida supressão de instância.
Anote-se que, antes de figurar como mero formalismo, a vedação da supressão de instância significa o respeito à repartição constitucional de competências. Não é demais lembrar que, no mesmo contexto civilizatório em que se vê surgir o instrumento do habeas corpus na defesa dos direitos e das liberdades individuais, exsurge também a percepção da necessidade ou imprescindibilidade e a materialização da divisão do Poder estatal. Portanto, não se revela pertinente considerar o princípio da adequação funcional um sobressalto às liberdades individuais, mas antes ao contrário, um reforço e uma solene homenagem à unidade da Constituição.A propósito:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (12 BUCHAS DE MACONHA). PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. REQUISITOS. DEMONSTRAÇÃO DO FUMUS COMISSI DELICTI. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. IMPOSIÇÃO DE CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO ATENDIDAS. PRECEDENTE.
1. A Constituição Federal fixa o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça no art. 105, de modo que o conhecimento de matérias não debatidas em habeas corpus, na origem, subvertem a estrutura constitucional acaso conhecidas em sede de recurso ordinário neste Tribunal Superior (supressão de instância).
..
5. Recurso em habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, confirmando-se a liminar, para substituir a prisão preventiva imposta ao ora recorrente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar suas atividades; e b) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial, sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva, em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto.
(RHC 118.223/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 11/12/2019).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VIA ELEITA INADEQUADA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MODUS OPERANDI. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAÇÃO. AMEAÇAS ÀS TESTEMUNHAS. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. CONTEMPORANEIDADE DO DECRETO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. O recurso ordinário em habeas corpus é via inapropriada para afastar as conclusões das instâncias ordinárias em relação à prova da materialidade e aos indícios suficientes da autoria delitiva, uma vez que tal procedimento demanda a análise aprofundada do contexto fático-probatório.
..
6. A alegação de ausência de contemporaneidade do decreto prisional não foi objeto de exame pela Corte de origem, no acórdão recorrido, o que obsta a sua análise por este Tribunal Superior, sob pena de se incidir em indevida supressão de instância. Precedentes.
7. Recurso ordinário parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
(RHC 113.085/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 04/12/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por CRISTIAN FERNANDES ESTEVES, BRANQUIAN FERNANDES ESTEVES e CLEONE FERNANDES ESTEVES contra decisão que indeferiu liminarmente o habeas corpus.
Em razões, os agravantes alegam:
Não pretende os agravantes revolver a matéria fático-probatória, mas simplesmente apontar que, a decisão de segundo grau, além de não analisar o pleito, (sobo argumento de que isto caberia em vias recursais)
Em outras palavras, discute-se a ilegalidade da decisão recorrida, que desrespeitou norma expressa em Lei Federal, bem como, que trouxe um CONSTRANGIMENTO ILEGAL TÃO INSUPORTÁVEL AOS RECORRENTES, que viabiliza facilmente o enfrentamento por Vossas Excelências. (e-STJ, fl. 308)
Asseveram ainda a possibilidade da concessão da ordem de habeas corpus de ofício, bem como sustentam que os argumentos da defesa cuidam exclusivamente da liberdade de locomoção dos acusados.
Assim, requer a reconsideração da decisão agravada.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS (Relator):
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Com efeito, cumpre esclarecer ainda que, a despeito de não se exigir, na via do habeas corpus, o prequestionamento das matérias nele veiculadas, imperioso reconhecer que a repartição constitucional das competências funcionais impõe limites cognitivos a este Superior Tribunal de Justiça. Assim, não se concebe que, de forma originária, o impetrante veicule nesta Corte Superior questões da competência das instâncias ordinárias. O conhecimento destas questões implicaria indevida supressão de instância.
Anote-se que, antes de figurar como mero formalismo, a vedação da supressão de instância significa o respeito à repartição constitucional de competências. Não é demais lembrar que, no mesmo contexto civilizatório em que se vê surgir o instrumento do habeas corpus na defesa dos direitos e das liberdades individuais, exsurge também a percepção da necessidade ou imprescindibilidade e a materialização da divisão do Poder estatal. Portanto, não se revela pertinente considerar o princípio da adequação funcional um sobressalto às liberdades individuais, mas antes ao contrário, um reforço e uma solene homenagem à unidade da Constituição.A propósito:
RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS (12 BUCHAS DE MACONHA). PRISÃO PREVENTIVA. ART. 312 DO CPP. REQUISITOS. DEMONSTRAÇÃO DO FUMUS COMISSI DELICTI. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. IMPOSIÇÃO DE CAUTELARES. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO ATENDIDAS. PRECEDENTE.
1. A Constituição Federal fixa o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça no art. 105, de modo que o conhecimento de matérias não debatidas em habeas corpus, na origem, subvertem a estrutura constitucional acaso conhecidas em sede de recurso ordinário neste Tribunal Superior (supressão de instância).
..
5. Recurso em habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, confirmando-se a liminar, para substituir a prisão preventiva imposta ao ora recorrente por medidas cautelares a serem implementadas pelo Juízo de origem, consistentes em: a) comparecimento mensal em Juízo para informar e justificar suas atividades; e b) proibição de ausentar-se da comarca sem autorização judicial, sem prejuízo da aplicação de outras cautelas pelo Juiz do processo ou de decretação da prisão preventiva, em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força das cautelares ou de superveniência de motivos concretos para tanto.
(RHC 118.223/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2019, DJe 11/12/2019).
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. INEXISTÊNCIA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. VIA ELEITA INADEQUADA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MODUS OPERANDI. CIRCUNSTÂNCIAS DO DELITO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAÇÃO. AMEAÇAS ÀS TESTEMUNHAS. NECESSIDADE DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. CONTEMPORANEIDADE DO DECRETO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
1. O recurso ordinário em habeas corpus é via inapropriada para afastar as conclusões das instâncias ordinárias em relação à prova da materialidade e aos indícios suficientes da autoria delitiva, uma vez que tal procedimento demanda a análise aprofundada do contexto fático-probatório.
..
6. A alegação de ausência de contemporaneidade do decreto prisional não foi objeto de exame pela Corte de origem, no acórdão recorrido, o que obsta a sua análise por este Tribunal Superior, sob pena de se incidir em indevida supressão de instância. Precedentes.
7. Recurso ordinário parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido.
(RHC 113.085/MG, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 04/12/2019).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo.
É o voto. | EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. "A Constituição Federal fixa o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça no art. 105, de modo que o conhecimento de matérias não debatidas em habeas corpus, na origem, subvertem a estrutura constitucional acaso conhecidas em sede de recurso ordinário neste Tribunal Superior (supressão de instância)." (RHC 118.223/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
2. Agravo regimental desprovido. | PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. "A Constituição Federal fixa o rol de competências do Superior Tribunal de Justiça no art. 105, de modo que o conhecimento de matérias não debatidas em habeas corpus, na origem, subvertem a estrutura constitucional acaso conhecidas em sede de recurso ordinário neste Tribunal Superior (supressão de instância)." (RHC 118.223/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 3/12/2019, DJe 11/12/2019).
2. Agravo regimental desprovido. | N |
145,620,590 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EMHABEAS CORPUSINDEFERIDO LIMINARMENTE. ART. 2º, § 2º, DA LEI N.12.850/2013. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE ESTADUAL. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO IMPUGNADA.
Agravo regimental improvido, comrecomendaçãode que o Tribunal de origem imprima celeridade no julgamento do Conflito de Competência lá suscitado (Autos n. 0830511-67.2021.8.23.0010).
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto porFrank Alexander Bolivar Rojacontra a decisão monocráticada Vice-Presidência desta Corte, queindeferiu liminarmente o pedido dehabeas corpus, ante a ausência de apreciação da matéria de fundo no Tribunal de origem.
Pretende o agravante, em síntese, a reforma da decisão objurgada,a fim de que seja conhecido este habeas corpus e seja-lhe deferida a ordem com a concessão de liminar (fl. 409).
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EMHABEAS CORPUSINDEFERIDO LIMINARMENTE. ART. 2º, § 2º, DA LEI N.12.850/2013. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE ESTADUAL. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO IMPUGNADA.
Agravo regimental improvido, com recomendaçãode que o Tribunal de origem imprima celeridade no julgamento do Conflito de Competência lá suscitado (Autos n. 0830511-67.2021.8.23.0010).
VOTO
O agravo regimental não merece prosperar, porquanto o agravante não conseguiu infirmar os fundamentos adotados na decisão de fls. 406/407, deste teor, a qual confirmo:
Cuida-se dehabeas corpuscom pedido liminar impetrado em favor de FRANK ALEXANDER BOLIVAR ROJA em que se aponta como autoridade coatora oTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA(HC n. 9002814-78.2021.8.23.0000).
O paciente foi preso preventivamente por suposta infração ao art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/2013.
Os impetrantes sustentam quehá ilegalidade na preventiva do paciente, tendo em vista queestá preso há mais de 92 dias,sem que tenha sidooferecidaa denúncia.
Destacam que"nada há de razoável e proporcional na tramitação da ação penal do paciente que justifique a manutenção de sua prisão preventiva"(e-STJ fl. 4).
Requerem, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem para que seja deferida a liberdade provisória ao paciente, sem prejuízo da aplicação de medidas cautelares alternativas.
É, no essencial, o relatório. Decido.
A matéria de fundo não foi apreciada no acórdão impugnado. Assim, o Superior Tribunal de Justiça não pode dela conhecer, sob pena de indevida supressão de instância. Confira-se precedente sobre a questão:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DE PENA EM PRISÃO DOMICILIAR. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. COVID-19.GRUPO DE RISCO. CRIME VIOLENTO. CONDIÇÃO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE AGRAVAMENTO. RECÁLCULO DA PENA.INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
..
3. A matéria relativa ao recálculo da pena para fins de progressão de regime, além de representar indevida inovação recursal, não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, motivo pelo qual esse ponto não poderá ser conhecido por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 579.110/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 14/9/2020.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 21, incisoXIII, alínea "c", c/c o art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o presentehabeas corpus.
Ante o exposto,nego provimentoao agravo regimental, com recomendação para que o Tribunal de origemimprima celeridade no julgamento do Conflito de Competêncialá suscitado (Autosn. 0830511-67.2021.8.23.0010). | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, com recomendação, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz, Antonio Saldanha Palheiro, Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região) e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto porFrank Alexander Bolivar Rojacontra a decisão monocráticada Vice-Presidência desta Corte, queindeferiu liminarmente o pedido dehabeas corpus, ante a ausência de apreciação da matéria de fundo no Tribunal de origem.
Pretende o agravante, em síntese, a reforma da decisão objurgada,a fim de que seja conhecido este habeas corpus e seja-lhe deferida a ordem com a concessão de liminar (fl. 409).
É o relatório.
Agravo regimental improvido, com recomendaçãode que o Tribunal de origem imprima celeridade no julgamento do Conflito de Competência lá suscitado (Autos n. 0830511-67.2021.8.23.0010).
VOTO
O agravo regimental não merece prosperar, porquanto o agravante não conseguiu infirmar os fundamentos adotados na decisão de fls. 406/407, deste teor, a qual confirmo:
Cuida-se dehabeas corpuscom pedido liminar impetrado em favor de FRANK ALEXANDER BOLIVAR ROJA em que se aponta como autoridade coatora oTRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE RORAIMA(HC n. 9002814-78.2021.8.23.0000).
O paciente foi preso preventivamente por suposta infração ao art. 2º, § 2º, da Lei n. 12.850/2013.
Os impetrantes sustentam quehá ilegalidade na preventiva do paciente, tendo em vista queestá preso há mais de 92 dias,sem que tenha sidooferecidaa denúncia.
Destacam que"nada há de razoável e proporcional na tramitação da ação penal do paciente que justifique a manutenção de sua prisão preventiva"(e-STJ fl. 4).
Requerem, liminarmente e no mérito, a concessão da ordem para que seja deferida a liberdade provisória ao paciente, sem prejuízo da aplicação de medidas cautelares alternativas.
É, no essencial, o relatório. Decido.
A matéria de fundo não foi apreciada no acórdão impugnado. Assim, o Superior Tribunal de Justiça não pode dela conhecer, sob pena de indevida supressão de instância. Confira-se precedente sobre a questão:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CUMPRIMENTO DE PENA EM PRISÃO DOMICILIAR. RECOMENDAÇÃO 62/2020 DO CNJ. COVID-19.GRUPO DE RISCO. CRIME VIOLENTO. CONDIÇÃO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE AGRAVAMENTO. RECÁLCULO DA PENA.INOVAÇÃO RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.
..
3. A matéria relativa ao recálculo da pena para fins de progressão de regime, além de representar indevida inovação recursal, não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, motivo pelo qual esse ponto não poderá ser conhecido por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC n. 579.110/SP, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 14/9/2020.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 21, incisoXIII, alínea "c", c/c o art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, indefiro liminarmente o presentehabeas corpus.
Ante o exposto,nego provimentoao agravo regimental, com recomendação para que o Tribunal de origemimprima celeridade no julgamento do Conflito de Competêncialá suscitado (Autosn. 0830511-67.2021.8.23.0010). | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EMHABEAS CORPUSINDEFERIDO LIMINARMENTE. ART. 2º, § 2º, DA LEI N.12.850/2013. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE ESTADUAL. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO IMPUGNADA.
Agravo regimental improvido, comrecomendaçãode que o Tribunal de origem imprima celeridade no julgamento do Conflito de Competência lá suscitado (Autos n. 0830511-67.2021.8.23.0010). | AGRAVO REGIMENTAL EMHABEAS CORPUSINDEFERIDO LIMINARMENTE. ART. 2º, § 2º, DA LEI N.12.850/2013. PRISÃO PREVENTIVA. EXCESSO DE PRAZO NO JULGAMENTO DO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. MATÉRIA NÃO ANALISADA PELA CORTE ESTADUAL. INDEVIDA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR A DECISÃO IMPUGNADA. | Agravo regimental improvido, comrecomendaçãode que o Tribunal de origem imprima celeridade no julgamento do Conflito de Competência lá suscitado (Autos n. 0830511-67.2021.8.23.0010). | N |
144,239,525 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SÚMULA N. 691 DO STF. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL ATÉ JULGAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL. ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELO PACIENTE ISENTA DE ICMS. ATIPICIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão do relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular 691 do Supremo Tribunal Federal (precedentes).
2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade.
3. Na hipótese, destacou o Tribunal a quo que o pedido liminar de sobrestamento da ação penal em razão do ajuizamento de ação anulatória de lançamento fiscal possuiria natureza satisfativa, de maneira que, não verificada a existência de flagrante ilegalidade, deveria ser indeferida a medida de urgência pleiteada. Incidência do óbice imposto pela Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal.
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por NELSON RIBEIRO BORGES JUNIOR contra a decisão de e-STJ fl. 131, por meio da qual foi indeferido liminarmente o presente writ.
Na hipótese, o agravante, que responde pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, pleiteou o sobrestamento da ação penal até o deslinde da ação anulatória de lançamento fiscal ajuizada na origem, haja vista a alegada atipicidade da conduta.
O writ, no entanto, foi indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte (e-STJ fl. 131).
Neste recurso, o agravante reitera as razões da inicial do writ, sustentando que sobre a sua atividade - transporte de mercadorias destinadas ao exterior - não incide ICMS e, portanto, não há que se falar em crime de supressão de tributos.
Requer, ao final, a concessão da ordem para sobrestar a ação penal até o deslinde da ação anulatória referida.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Nada obstante as razões recursais, tenho que, ao menos ao que se tem dos autos, o exame da questão aqui trazida pela defesa necessita de análise mais aprofundada pelas instâncias de origem.
Com efeito, consoante destacado na decisão do Tribunal a quo que indeferiu a medida de urgência, o pedido liminar de sobrestamento da ação penal na origem confundiu-se com o próprio mérito do habeas corpus, de maneira que, não vislumbrada a ilegalidade flagrante através do exame da inicial e das peças processuais que instruíram o writ, seria imprescindível a requisição de informações e, por consequência, exame mais aprofundado das alegações, próprias da análise meritória do remédio heroico.
Desse modo, inviável, no presente caso, acolher-se a pretensão deduzida, não se revelando, assim, possível superar o óbice imposto pela Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal. Portanto, a matéria aqui discutida deverá ser tratada na origem, por ocasião do julgamento do mérito da impetração lá formulada.
Sobre o tema, seguem os precedentes desta Corte:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUMULA 691/STF. COMPETÊNCIA DESTA CORTE QUE AINDA NÃO SE INAUGUROU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. Não cabe habeas corpus perante esta Corte contra o indeferimento de liminar em writ impetrado no Tribunal de origem. Aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.
2. Em sede de habeas corpus não é possível conhecer de tema não decidido na origem sob pena de supressão de instância.
2. Cabe ao impetrante o escorreito aparelhamento do remédio heróico demonstrando por meio de prova pré-constituída o alegado constrangimento ilegal.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 349.925/RJ, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016.)
AGRAVO REGIMENTAL. INDEFERIMENTO LIMINAR DE HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Tratando-se de impetração contra decisão monocrática, proferida por Desembargador Relator do Tribunal Estadual, que indeferiu pedido de liminar, em que não se observa teratologia ou falta de fundamentação, não há que ser mitigada a aplicação da Súmula n. 691 do STF.
2. Não se observa flagrante ilegalidade em decisão que, de forma fundamentada, indefere o pedido de liminar para determinar o amplo acesso do paciente à Investigação matriz, com renovação do prazo para apresentação de Resposta à Acusação, por demandar, inclusive, análise do próprio mérito da impetração.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 340.867/PR, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 1º/12/2015, DJe 11/12/2015.)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO. REGIME PRISIONAL. ENUNCIADO N. 691 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. WRIT INDEFERIDO LIMINARMENTE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.
- Apresentada fundamentação idônea no indeferimento do pedido liminar no writ originário, não há como afastar a aplicação do Enunciado n. 691 da Súmula do STF para análise do regime prisional.
Deve-se aguardar o julgamento do mérito da impetração na Corte de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 322.460/SP, relator Ministro ERICSON MARANHO (Desembargador convocado do TJSP), SEXTA TURMA, julgado em 19/5/2015, DJe 1º/6/2015.)
Na mesma linha, a orientação do Supremo Tribunal Federal:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INDEFERIMENTO DE LIMINAR PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 691/STF. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I, II E IV. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA NÃO CONFIGURADO.
1. Não se conhece de habeas corpus impetrado contra indeferimento de liminar por Relator em habeas corpus requerido a Tribunal Superior. Súmula 691. Óbice superável apenas em hipótese de teratologia.
2. Prisão preventiva decretada em razão do risco à ordem pública, da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal, pois as circunstâncias concretas dos autos indicam a periculosidade do agente, a ameaça às testemunhas e a "efetiva intenção e capacidade de se esquivar, por meios ilícitos, da atuação estatal". Precedentes.
3. A razoável duração do processo não pode ser considerada de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso concreto.
4. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito. (HC n. 127621, relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 30/6/2015, processo eletrônico DJe-183 divulg. 15/9/2015, public. 16/9/2015.)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por NELSON RIBEIRO BORGES JUNIOR contra a decisão de e-STJ fl. 131, por meio da qual foi indeferido liminarmente o presente writ.
Na hipótese, o agravante, que responde pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, na forma do artigo 71 do Código Penal, pleiteou o sobrestamento da ação penal até o deslinde da ação anulatória de lançamento fiscal ajuizada na origem, haja vista a alegada atipicidade da conduta.
O writ, no entanto, foi indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte (e-STJ fl. 131).
Neste recurso, o agravante reitera as razões da inicial do writ, sustentando que sobre a sua atividade - transporte de mercadorias destinadas ao exterior - não incide ICMS e, portanto, não há que se falar em crime de supressão de tributos.
Requer, ao final, a concessão da ordem para sobrestar a ação penal até o deslinde da ação anulatória referida.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Nada obstante as razões recursais, tenho que, ao menos ao que se tem dos autos, o exame da questão aqui trazida pela defesa necessita de análise mais aprofundada pelas instâncias de origem.
Com efeito, consoante destacado na decisão do Tribunal a quo que indeferiu a medida de urgência, o pedido liminar de sobrestamento da ação penal na origem confundiu-se com o próprio mérito do habeas corpus, de maneira que, não vislumbrada a ilegalidade flagrante através do exame da inicial e das peças processuais que instruíram o writ, seria imprescindível a requisição de informações e, por consequência, exame mais aprofundado das alegações, próprias da análise meritória do remédio heroico.
Desse modo, inviável, no presente caso, acolher-se a pretensão deduzida, não se revelando, assim, possível superar o óbice imposto pela Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal. Portanto, a matéria aqui discutida deverá ser tratada na origem, por ocasião do julgamento do mérito da impetração lá formulada.
Sobre o tema, seguem os precedentes desta Corte:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUMULA 691/STF. COMPETÊNCIA DESTA CORTE QUE AINDA NÃO SE INAUGUROU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. Não cabe habeas corpus perante esta Corte contra o indeferimento de liminar em writ impetrado no Tribunal de origem. Aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.
2. Em sede de habeas corpus não é possível conhecer de tema não decidido na origem sob pena de supressão de instância.
2. Cabe ao impetrante o escorreito aparelhamento do remédio heróico demonstrando por meio de prova pré-constituída o alegado constrangimento ilegal.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 349.925/RJ, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016.)
AGRAVO REGIMENTAL. INDEFERIMENTO LIMINAR DE HABEAS CORPUS. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. DECISÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. Tratando-se de impetração contra decisão monocrática, proferida por Desembargador Relator do Tribunal Estadual, que indeferiu pedido de liminar, em que não se observa teratologia ou falta de fundamentação, não há que ser mitigada a aplicação da Súmula n. 691 do STF.
2. Não se observa flagrante ilegalidade em decisão que, de forma fundamentada, indefere o pedido de liminar para determinar o amplo acesso do paciente à Investigação matriz, com renovação do prazo para apresentação de Resposta à Acusação, por demandar, inclusive, análise do próprio mérito da impetração.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 340.867/PR, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 1º/12/2015, DJe 11/12/2015.)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO. REGIME PRISIONAL. ENUNCIADO N. 691 DA SÚMULA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - STF. WRIT INDEFERIDO LIMINARMENTE. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO.
- Apresentada fundamentação idônea no indeferimento do pedido liminar no writ originário, não há como afastar a aplicação do Enunciado n. 691 da Súmula do STF para análise do regime prisional.
Deve-se aguardar o julgamento do mérito da impetração na Corte de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 322.460/SP, relator Ministro ERICSON MARANHO (Desembargador convocado do TJSP), SEXTA TURMA, julgado em 19/5/2015, DJe 1º/6/2015.)
Na mesma linha, a orientação do Supremo Tribunal Federal:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. INDEFERIMENTO DE LIMINAR PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SÚMULA 691/STF. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. ARTIGO 121, § 2º, INCISOS I, II E IV. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA NÃO CONFIGURADO.
1. Não se conhece de habeas corpus impetrado contra indeferimento de liminar por Relator em habeas corpus requerido a Tribunal Superior. Súmula 691. Óbice superável apenas em hipótese de teratologia.
2. Prisão preventiva decretada em razão do risco à ordem pública, da conveniência da instrução criminal e da aplicação da lei penal, pois as circunstâncias concretas dos autos indicam a periculosidade do agente, a ameaça às testemunhas e a "efetiva intenção e capacidade de se esquivar, por meios ilícitos, da atuação estatal". Precedentes.
3. A razoável duração do processo não pode ser considerada de maneira isolada e descontextualizada das peculiaridades do caso concreto.
4. Habeas corpus extinto sem resolução do mérito. (HC n. 127621, relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 30/6/2015, processo eletrônico DJe-183 divulg. 15/9/2015, public. 16/9/2015.)
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SÚMULA N. 691 DO STF. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL ATÉ JULGAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL. ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELO PACIENTE ISENTA DE ICMS. ATIPICIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão do relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular 691 do Supremo Tribunal Federal (precedentes).
2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade.
3. Na hipótese, destacou o Tribunal a quo que o pedido liminar de sobrestamento da ação penal em razão do ajuizamento de ação anulatória de lançamento fiscal possuiria natureza satisfativa, de maneira que, não verificada a existência de flagrante ilegalidade, deveria ser indeferida a medida de urgência pleiteada. Incidência do óbice imposto pela Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal.
4. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. SÚMULA N. 691 DO STF. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SOBRESTAMENTO DA AÇÃO PENAL ATÉ JULGAMENTO DE AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO FISCAL. ATIVIDADE DESENVOLVIDA PELO PACIENTE ISENTA DE ICMS. ATIPICIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | 1. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão do relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular 691 do Supremo Tribunal Federal (precedentes).
2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade.
3. Na hipótese, destacou o Tribunal a quo que o pedido liminar de sobrestamento da ação penal em razão do ajuizamento de ação anulatória de lançamento fiscal possuiria natureza satisfativa, de maneira que, não verificada a existência de flagrante ilegalidade, deveria ser indeferida a medida de urgência pleiteada. Incidência do óbice imposto pela Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal.
4. Agravo regimental desprovido. | N |
144,563,820 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO. PREVENTIVA. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. SUM. N. 691/STF. AUSÊNCIA DO DECRETO PRISIONAL.
1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o não cabimento de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar em prévio habeas corpus, nos termos do disposto no verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade.
2. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de inadmitir o conhecimento de habeas corpus, não instruídos os autos com peça necessária à confirmação da efetiva ocorrência do constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 168.676/BA, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/11/2019, DJe 11/12/2019).
3. No caso, não consta dos autos cópia da decisão que decretou a preventiva do paciente.
4. Agravo regimental a que se enga provimento.
ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental contra decisão da lavra da Presidência desta Eg. Corte, que, com base na Súm. 691/STF, indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de DIEGO FERNANDES MARTINS, preso preventivamente pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Na origem, imperou habeas corpus (HC n. 1.0000.22.008276-2/000), com pedido de liminar, sustentando, em suma, ilegalidade da preventiva, diante da ausência das condições e requisitos elencados no art. 312 do Código de Processo Penal.
Indeferido o pleito emergencial (e-STJ, fls. 70/72), sobreveio habeas corpus, indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte (e-STJ, fls. 77/79), motivando o presente agravo regimental.
Em suas razões, pretendendo a superação da Súm. n. 691/STF, afirma a defesa que o decreto preventivo é abstrato e genérico e que estão presentes os requisitos para concessão da liberdade provisória, mormente em razão da insignificante quantidade de droga apreendida (51,5g de maconha) quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão.
Acrescenta que a investigação aponta a prática de delitos sem violência ou grave ameaça e as circunstâncias judiciais contemporâneas são favoráveis ao paciente - fatos que, aliados à situação carcerária no atual estágio da pandemia da covid-19, justificariam a relativização da incidência da Súmula 691 do STF ao caso em exame.
Destaca, ainda, que a simples não localização do acusado, por si só, não constitui fundamento idôneo para a prisão preventiva, quando não demonstrados motivos concretos do perigo de liberdade.
Pugna, ao final, pelo concessão da ordem, a fim de que o paciente aguarde em liberdade o deslinde do feito, com a revogação da prisão preventiva ou substituição por medidas cautelares diversas ou até mesmo prisão domiciliar.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e rechaçou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cuja conclusão mantém-se, por seus próprios fundamentos.
O presente mandamus foi impetrado contra decisão liminar proferida na origem, nos autos do HC n. 1.0000.22.008276-2/000.
Como é de conhecimento, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça o não cabimento de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar em prévio habeas corpus, nos termos do disposto no verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E FAMÍLIA. AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. FILHOS MENORES. DECISÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE (SÚMULA 691/STF). CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE. NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA DO WRIT. AGRAVO DESPROVIDO. ORDEM DENEGADA.
1. Incide, na hipótese, a Súmula 691/STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
2. No caso, o ato apontado como coator não se mostra manifestamente ilegal, pois está bem fundamentado em anterior decisão do Tribunal de Justiça, e se constata ser a dívida alimentar, reconhecida pelo próprio paciente, ainda atual e de urgente necessidade.
3. O habeas corpus é via imprópria para ampla dilação probatória acerca da capacidade do alimentante, exigindo a pronta comprovação da aventada ilegalidade por meio de prova pré-constituída.
4. Agravo interno desprovido. (AgInt no HC 633.149/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 06/05/2021)
Dessa forma, salvo hipótese excepcional de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão impugnada, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
Mas não é só. Da atenta leitura dos autos, observo que o habeas corpus está deficientemente instruído, pois não foi anexada a cópia do decreto prisional.
O próprio Tribunal, ao indeferir a medida emergencial, destacou:
Em juízo de cognição sumária, e tendo em vista os estritos lindes deste átrio processual, na espécie, entendo que as questões suscitadas na irresignação demandam um exame mais aprofundado dos autos, com análise das informações da autoridade coatora, ressaltando-se que o paciente sequer acostou aos autos a decisão que decretou a prisão preventiva, inviabilizando a exata compreensão do caso.
Ação constitucional de natureza mandamental, o habeas corpus tem como escopo precipuo afastar eventual ameaça ao direito de ir e vir, cuja natureza urgente exige prova pré-constituida das alegações, não comportando dilação probatória. É cogente ao impetrante, pois, sobretudo quando se tratar de advogado, apresentar elementos documentais suficientes para se permitir aferir a alegada existência de constrangimento ilegal no ato atacado na impetração.
Por outro lado, o Habeas Corpus é um remédio constitucional de tramitação rápida e célere, de modo que, quando do exame do mérito, possível a reanálise da pretensão do pleito de liberdade do paciente.
De resto, verifica-se que a liminar pleiteada, nos termos em que deduzida, confunde-se com a matéria de fundo, cuja resolução demanda análise pormenorizada dos autos e julgamento pelo órgão colegiado deste Sodalício.
Ora, "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de inadmitir o conhecimento de habeas corpus, não instruídos os autos com peça necessária à confirmação da efetiva ocorrência do constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 168.676/BA, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/11/2019, DJe 11/12/2019). No caso, não consta dos autos cópia da decisão que decretou a preventiva do paciente.
Nesse sentido, ainda, os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA 691/STF. LEI MARIA DA PENHA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E LESÃO CORPORAL. DECRETO PREVENTIVO NÃO ANEXADO AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. O descumprimento de medida protetiva, anteriormente fixada com amparo na Lei n. 11.340/2006, explicita a insuficiência da cautela, justificando, portanto, a decretação da prisão nos termos do art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal.
3. No mais, a Defesa não acostou aos autos a cópia da decisão que decretou a prisão preventiva do Paciente, o que impede a exata compreensão da controvérsia.
4. As questões suscitadas pela defesa do paciente serão tratadas naquele mandamus por ocasião do julgamento de mérito, sem o qual esta Corte fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 693.908/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021)
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. ROUBO MAJORADO. PRISÃO. FUNDAMENTAÇÃO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DO DECRETO DE PRISÃO. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não há previsão legal de pedido de reconsideração, motivo pelo qual, em homenagem ao princípio da fungibilidade, recebo a presente petição como agravo regimental. Precedente. Caso em que não foram juntadas cópias de peças processuais indispensáveis à compreensão da controvérsia, notadamente o inteiro teor do decreto de prisão preventiva, caracterizando a deficiência de instrução. Precedentes.
2. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
3. Agravo regi mental desprovido. (AgRg no HC 572.683/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020)
Ante o exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Visto, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental contra decisão da lavra da Presidência desta Eg. Corte, que, com base na Súm. 691/STF, indeferiu liminarmente habeas corpus impetrado em favor de DIEGO FERNANDES MARTINS, preso preventivamente pela suposta prática dos crimes de tráfico de drogas e associação para o tráfico.
Na origem, imperou habeas corpus (HC n. 1.0000.22.008276-2/000), com pedido de liminar, sustentando, em suma, ilegalidade da preventiva, diante da ausência das condições e requisitos elencados no art. 312 do Código de Processo Penal.
Indeferido o pleito emergencial (e-STJ, fls. 70/72), sobreveio habeas corpus, indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte (e-STJ, fls. 77/79), motivando o presente agravo regimental.
Em suas razões, pretendendo a superação da Súm. n. 691/STF, afirma a defesa que o decreto preventivo é abstrato e genérico e que estão presentes os requisitos para concessão da liberdade provisória, mormente em razão da insignificante quantidade de droga apreendida (51,5g de maconha) quando do cumprimento do mandado de busca e apreensão.
Acrescenta que a investigação aponta a prática de delitos sem violência ou grave ameaça e as circunstâncias judiciais contemporâneas são favoráveis ao paciente - fatos que, aliados à situação carcerária no atual estágio da pandemia da covid-19, justificariam a relativização da incidência da Súmula 691 do STF ao caso em exame.
Destaca, ainda, que a simples não localização do acusado, por si só, não constitui fundamento idôneo para a prisão preventiva, quando não demonstrados motivos concretos do perigo de liberdade.
Pugna, ao final, pelo concessão da ordem, a fim de que o paciente aguarde em liberdade o deslinde do feito, com a revogação da prisão preventiva ou substituição por medidas cautelares diversas ou até mesmo prisão domiciliar.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
O agravo regimental é tempestivo e rechaçou os fundamentos da decisão combatida, razões pelas quais merece conhecimento. No entanto, não obstante os esforços do agravante, não constato elementos suficientes para reconsiderar a decisão, cuja conclusão mantém-se, por seus próprios fundamentos.
O presente mandamus foi impetrado contra decisão liminar proferida na origem, nos autos do HC n. 1.0000.22.008276-2/000.
Como é de conhecimento, é pacífico no Superior Tribunal de Justiça o não cabimento de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar em prévio habeas corpus, nos termos do disposto no verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E FAMÍLIA. AGRAVO INTERNO NO HABEAS CORPUS. ALIMENTOS. FILHOS MENORES. DECISÃO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. INEXISTÊNCIA DE MANIFESTA ILEGALIDADE (SÚMULA 691/STF). CAPACIDADE FINANCEIRA DO ALIMENTANTE. NECESSIDADE DE AMPLA DILAÇÃO PROBATÓRIA. INVIABILIDADE NA VIA DO WRIT. AGRAVO DESPROVIDO. ORDEM DENEGADA.
1. Incide, na hipótese, a Súmula 691/STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
2. No caso, o ato apontado como coator não se mostra manifestamente ilegal, pois está bem fundamentado em anterior decisão do Tribunal de Justiça, e se constata ser a dívida alimentar, reconhecida pelo próprio paciente, ainda atual e de urgente necessidade.
3. O habeas corpus é via imprópria para ampla dilação probatória acerca da capacidade do alimentante, exigindo a pronta comprovação da aventada ilegalidade por meio de prova pré-constituída.
4. Agravo interno desprovido. (AgInt no HC 633.149/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2021, DJe 06/05/2021)
Dessa forma, salvo hipótese excepcional de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão impugnada, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
Mas não é só. Da atenta leitura dos autos, observo que o habeas corpus está deficientemente instruído, pois não foi anexada a cópia do decreto prisional.
O próprio Tribunal, ao indeferir a medida emergencial, destacou:
Em juízo de cognição sumária, e tendo em vista os estritos lindes deste átrio processual, na espécie, entendo que as questões suscitadas na irresignação demandam um exame mais aprofundado dos autos, com análise das informações da autoridade coatora, ressaltando-se que o paciente sequer acostou aos autos a decisão que decretou a prisão preventiva, inviabilizando a exata compreensão do caso.
Ação constitucional de natureza mandamental, o habeas corpus tem como escopo precipuo afastar eventual ameaça ao direito de ir e vir, cuja natureza urgente exige prova pré-constituida das alegações, não comportando dilação probatória. É cogente ao impetrante, pois, sobretudo quando se tratar de advogado, apresentar elementos documentais suficientes para se permitir aferir a alegada existência de constrangimento ilegal no ato atacado na impetração.
Por outro lado, o Habeas Corpus é um remédio constitucional de tramitação rápida e célere, de modo que, quando do exame do mérito, possível a reanálise da pretensão do pleito de liberdade do paciente.
De resto, verifica-se que a liminar pleiteada, nos termos em que deduzida, confunde-se com a matéria de fundo, cuja resolução demanda análise pormenorizada dos autos e julgamento pelo órgão colegiado deste Sodalício.
Ora, "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de inadmitir o conhecimento de habeas corpus, não instruídos os autos com peça necessária à confirmação da efetiva ocorrência do constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 168.676/BA, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/11/2019, DJe 11/12/2019). No caso, não consta dos autos cópia da decisão que decretou a preventiva do paciente.
Nesse sentido, ainda, os seguintes precedentes:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA 691/STF. LEI MARIA DA PENHA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA E LESÃO CORPORAL. DECRETO PREVENTIVO NÃO ANEXADO AOS AUTOS. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. O descumprimento de medida protetiva, anteriormente fixada com amparo na Lei n. 11.340/2006, explicita a insuficiência da cautela, justificando, portanto, a decretação da prisão nos termos do art. 313, inciso III, do Código de Processo Penal.
3. No mais, a Defesa não acostou aos autos a cópia da decisão que decretou a prisão preventiva do Paciente, o que impede a exata compreensão da controvérsia.
4. As questões suscitadas pela defesa do paciente serão tratadas naquele mandamus por ocasião do julgamento de mérito, sem o qual esta Corte fica impedida de apreciar (em ampla extensão e profundidade) o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 693.908/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021)
PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. ROUBO MAJORADO. PRISÃO. FUNDAMENTAÇÃO. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. AUSÊNCIA DO DECRETO DE PRISÃO. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 691/STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Não há previsão legal de pedido de reconsideração, motivo pelo qual, em homenagem ao princípio da fungibilidade, recebo a presente petição como agravo regimental. Precedente. Caso em que não foram juntadas cópias de peças processuais indispensáveis à compreensão da controvérsia, notadamente o inteiro teor do decreto de prisão preventiva, caracterizando a deficiência de instrução. Precedentes.
2. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
3. Agravo regi mental desprovido. (AgRg no HC 572.683/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 28/04/2020, DJe 04/05/2020)
Ante o exposto, nego provimento ao presente agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO. PREVENTIVA. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. SUM. N. 691/STF. AUSÊNCIA DO DECRETO PRISIONAL.
1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o não cabimento de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar em prévio habeas corpus, nos termos do disposto no verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade.
2. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de inadmitir o conhecimento de habeas corpus, não instruídos os autos com peça necessária à confirmação da efetiva ocorrência do constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 168.676/BA, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/11/2019, DJe 11/12/2019).
3. No caso, não consta dos autos cópia da decisão que decretou a preventiva do paciente.
4. Agravo regimental a que se enga provimento. | AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO. PREVENTIVA. INDEFERIMENTO DE LIMINAR. SUM. N. 691/STF. AUSÊNCIA DO DECRETO PRISIONAL. | 1. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça o não cabimento de habeas corpus contra decisão que indefere a liminar em prévio habeas corpus, nos termos do disposto no verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade.
2. "A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de inadmitir o conhecimento de habeas corpus, não instruídos os autos com peça necessária à confirmação da efetiva ocorrência do constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 168.676/BA, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 29/11/2019, DJe 11/12/2019).
3. No caso, não consta dos autos cópia da decisão que decretou a preventiva do paciente.
4. Agravo regimental a que se enga provimento. | N |
144,159,076 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PORTE ILEGAL DE ARMA. ALEGADA ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. TEMA NÃO APRECIADO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. Os temas suscitados no remédio constitucional - ilegalidade das provas obtidas mediante invasão domiciliar - não foram debatidos pelas instâncias estaduais. Assim, fica impossibilitada a manifestação deste Sodalício, sobrepujando a competência da Corte estadual, sob pena de configuração do chamado habeas corpus per saltum, a ensejar verdadeira supressão de instância e violação aos princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal substancial.
2. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por LUCAS DO NASCIMENTO NEVES contra a decisão de e-STJ fls. 415/416, por meio da qual a Presidência desta Corte indeferiu liminarmente o habeas corpus.
Conforme consignado na decisão agravada, dessume-se dos autos que o ora agravante impetrou habeas corpus nesta Corte contra o acórdão do Tribunal de origem que manteve sua condenação à pena de 7 anos de reclusão, como incurso no crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas), bem como à pena de 1 ano e 5 meses de detenção, pela prática do delito previsto no art. 12, caput, da Lei n. 10.826/2003 (porte ilegal de arma), em regime inicial fechado.
Alegou a defesa do agravante a ilegalidade das provas obtidas mediante invasão domiciliar pelas autoridades policiais, postulando o reconhecimento da ilicitude de tais provas e, por conseguinte, a concessão da liberdade provisória ao réu.
A Presidência desta Corte indeferiu liminarmente o habeas corpus ao fundamento de que a matéria nele veiculada não fora objeto de análise pela instância ordinária.
Neste regimental, alega a defesa, em suma, que, "considerando que houve provocação do Tribunal de origem que julgou a apelação e tendo este se manifestado pela incompetência absoluta e ainda ter se pronunciado que, ainda que vencida a preliminar de incompetência, embora o caso encontre similitude fática com casos julgados neste sodalício Superior Tribunal de Justiça, dele negaria a ordem, não havendo que se falar em supressão de instância. Na oportunidade, o impetrante acosta a estes autos a decisão proferida em sede de Habeas Corpus impetrada perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás-GO, o qual denegou a ordem." (e-STJ fl. 427).
Requer, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do presente recurso ao colegiado e que lhe seja dado provimento.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
A irresignação não merece prosperar, uma vez que o recurso não apresenta argumento capaz de desconstituir os fundamentos que embasaram a decisão ora impugnada, de forma que essa deve ser integralmente mantida.
De fato, o argumento de que as provas para condenação pelo delito de tráfico de drogas seriam ilícitas, eis que obtidas mediante invasão de domicílio, não foi analisado pelo Tribunal de origem, inclusive porque não foi objeto do recurso de apelação apresentado pela defesa do agravante.
Nessa alheta, fica impossibilitado o pronunciamento deste Sodalício, sobrepujando a competência da Corte estadual, sob pena de configuração do chamado habeas corpus per saltum, a ensejar supressão de instância e violação dos princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal substancial.
Parece-me adequado à espécie, nessa perspectiva, o ensinamento de Renato Brasileiro que, ao apreciar a matéria, destacou a inviabilidade do "pedido de julgamento de habeas corpus per saltum, ou seja, do julgamento do remédio heroico pelas instâncias superiores sem prévia provocação das instâncias inferiores acerca do constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, sob pena de verdadeira supressão de instância e consequente violação do princípio do duplo grau de jurisdição" (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único - 4. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 2470).
Nesse mesmo caminhar, colaciono este precedente:
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. .. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
10. O direito de recorrer em liberdade não foi objeto de discussão pela Corte de origem, motivo pelo qual se evidencia a incompetência deste Superior Tribunal de Justiça para apreciar o aludido tema posto no writ e a consequente supressão de instância.
.. (HC 278.542/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2015, DJe 18/8/2015.)
No mesmo sentido, a orientação do Supremo Tribunal Federal:
Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. 2. Delito de vias de fato e violação de domicílio (art. 21, caput, do Decreto-Lei n. 3.688/41 e art. 150, § 1º, do Código Penal) 3. Inépcia da denúncia. Trancamento da ação penal por ausência de justa causa. Matéria não examinada nas instâncias anteriores. Supressão de instância. A extinção da ação penal de forma prematura somente é possível em situação de manifesta ilegalidade. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RHC 133.585 AgR, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016, DJe 1º/08/2016.)
Outrossim, o acórdão objeto de combate por meio deste remédio heroico é o prolatado na Apelação n. 0059187-53.2019.8.09.0128, e não o do Habeas Corpus n. 5555415-62.2021.8.09.0000, posterior, inclusive, à presente impetração.
Tal o contexto, ratifico os termos da decisão de e-STJ fls. 415/416 e nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por LUCAS DO NASCIMENTO NEVES contra a decisão de e-STJ fls. 415/416, por meio da qual a Presidência desta Corte indeferiu liminarmente o habeas corpus.
Conforme consignado na decisão agravada, dessume-se dos autos que o ora agravante impetrou habeas corpus nesta Corte contra o acórdão do Tribunal de origem que manteve sua condenação à pena de 7 anos de reclusão, como incurso no crime previsto no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (tráfico de drogas), bem como à pena de 1 ano e 5 meses de detenção, pela prática do delito previsto no art. 12, caput, da Lei n. 10.826/2003 (porte ilegal de arma), em regime inicial fechado.
Alegou a defesa do agravante a ilegalidade das provas obtidas mediante invasão domiciliar pelas autoridades policiais, postulando o reconhecimento da ilicitude de tais provas e, por conseguinte, a concessão da liberdade provisória ao réu.
A Presidência desta Corte indeferiu liminarmente o habeas corpus ao fundamento de que a matéria nele veiculada não fora objeto de análise pela instância ordinária.
Neste regimental, alega a defesa, em suma, que, "considerando que houve provocação do Tribunal de origem que julgou a apelação e tendo este se manifestado pela incompetência absoluta e ainda ter se pronunciado que, ainda que vencida a preliminar de incompetência, embora o caso encontre similitude fática com casos julgados neste sodalício Superior Tribunal de Justiça, dele negaria a ordem, não havendo que se falar em supressão de instância. Na oportunidade, o impetrante acosta a estes autos a decisão proferida em sede de Habeas Corpus impetrada perante o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás-GO, o qual denegou a ordem." (e-STJ fl. 427).
Requer, ao final, a reconsideração da decisão agravada ou a submissão do presente recurso ao colegiado e que lhe seja dado provimento.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
A irresignação não merece prosperar, uma vez que o recurso não apresenta argumento capaz de desconstituir os fundamentos que embasaram a decisão ora impugnada, de forma que essa deve ser integralmente mantida.
De fato, o argumento de que as provas para condenação pelo delito de tráfico de drogas seriam ilícitas, eis que obtidas mediante invasão de domicílio, não foi analisado pelo Tribunal de origem, inclusive porque não foi objeto do recurso de apelação apresentado pela defesa do agravante.
Nessa alheta, fica impossibilitado o pronunciamento deste Sodalício, sobrepujando a competência da Corte estadual, sob pena de configuração do chamado habeas corpus per saltum, a ensejar supressão de instância e violação dos princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal substancial.
Parece-me adequado à espécie, nessa perspectiva, o ensinamento de Renato Brasileiro que, ao apreciar a matéria, destacou a inviabilidade do "pedido de julgamento de habeas corpus per saltum, ou seja, do julgamento do remédio heroico pelas instâncias superiores sem prévia provocação das instâncias inferiores acerca do constrangimento ilegal à liberdade de locomoção, sob pena de verdadeira supressão de instância e consequente violação do princípio do duplo grau de jurisdição" (LIMA, Renato Brasileiro. Manual de processo penal: volume único - 4. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016. p. 2470).
Nesse mesmo caminhar, colaciono este precedente:
HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. .. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
..
10. O direito de recorrer em liberdade não foi objeto de discussão pela Corte de origem, motivo pelo qual se evidencia a incompetência deste Superior Tribunal de Justiça para apreciar o aludido tema posto no writ e a consequente supressão de instância.
.. (HC 278.542/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 4/8/2015, DJe 18/8/2015.)
No mesmo sentido, a orientação do Supremo Tribunal Federal:
Agravo regimental em recurso ordinário em habeas corpus. 2. Delito de vias de fato e violação de domicílio (art. 21, caput, do Decreto-Lei n. 3.688/41 e art. 150, § 1º, do Código Penal) 3. Inépcia da denúncia. Trancamento da ação penal por ausência de justa causa. Matéria não examinada nas instâncias anteriores. Supressão de instância. A extinção da ação penal de forma prematura somente é possível em situação de manifesta ilegalidade. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RHC 133.585 AgR, Rel. Ministro GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 21/06/2016, DJe 1º/08/2016.)
Outrossim, o acórdão objeto de combate por meio deste remédio heroico é o prolatado na Apelação n. 0059187-53.2019.8.09.0128, e não o do Habeas Corpus n. 5555415-62.2021.8.09.0000, posterior, inclusive, à presente impetração.
Tal o contexto, ratifico os termos da decisão de e-STJ fls. 415/416 e nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PORTE ILEGAL DE ARMA. ALEGADA ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. TEMA NÃO APRECIADO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. Os temas suscitados no remédio constitucional - ilegalidade das provas obtidas mediante invasão domiciliar - não foram debatidos pelas instâncias estaduais. Assim, fica impossibilitada a manifestação deste Sodalício, sobrepujando a competência da Corte estadual, sob pena de configuração do chamado habeas corpus per saltum, a ensejar verdadeira supressão de instância e violação aos princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal substancial.
2. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PORTE ILEGAL DE ARMA. ALEGADA ILICITUDE DAS PROVAS. INVASÃO DE DOMICÍLIO. TEMA NÃO APRECIADO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. | 1. Os temas suscitados no remédio constitucional - ilegalidade das provas obtidas mediante invasão domiciliar - não foram debatidos pelas instâncias estaduais. Assim, fica impossibilitada a manifestação deste Sodalício, sobrepujando a competência da Corte estadual, sob pena de configuração do chamado habeas corpus per saltum, a ensejar verdadeira supressão de instância e violação aos princípios do duplo grau de jurisdição e do devido processo legal substancial.
2. Agravo regimental desprovido. | N |
144,111,907 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. TERATOLOGIA. FALTA DE RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. JULGAMENTO MERITÓRIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão de relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular n. 691 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade.
3. Encontrando-se a decisão suficientemente motivada e fundamentada, não há como se afastar o óbice ao conhecimento do remédio constitucional, devendo-se aguardar o julgamento meritório da impetração perante o Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Des. Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS contra a decisão de e-STJ fls. 50/52, por meio da qual a Vice-Presidência (no exercício da Presidência) desta Corte indeferiu liminarmente o writ.
Na espécie, tem-se que o agravante está preso preventivamente em razão da suposta prática do delito de tráfico de drogas (e-STJ fl. 21/23).
A defesa impetrou prévio writ no Tribunal de origem, que indeferiu a medida liminar (e-STJ fls. 44/47).
No writ, alegou a defesa que, "ao decretar a prisão preventiva, o juízo singular se ateve, apenas, a fundamentos genéricos, tais como a gravidade abstrata da conduta em tese pratica. É certo que a gravidade abstrata do delito de tráfico de entorpecentes não serve de fundamento para a negativa do benefício da liberdade provisória, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei n. 11.343/2006 pelo Supremo Tribunal Federal" (e-STJ fl. 5).
Requereu, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva, "declarando a nulidade das provas colhidas em inobservância ao art. 240 § 2º do CPP, pois que ausente justa causa para a revista pessoal do paciente, devendo assim, serem desentranhadas dos autos, nos termos do art. 157 do CPP e art. 5º inciso LVI da CFF/88" (e-STJ fl. 12).
Às e-STJ fls. 50/52, indeferiu-se liminarmente o habeas corpus.
Nessa oportunidade, a defesa reitera as razões contidas na petição inicial.
Requer, ao final, seja "RECONSIDERADA ou, não sendo o caso, submetida ao colegiado competente até final REFORMA com a apreciação de fundo do constrangimento ilegal aqui aventado até final concessão da ordem, ainda que de ofício, mandando que se expeça, em favor do paciente, alvará de soltura, e seja declarada a ilicitude das provas colhidas em desconformidade legal, nos termos já supracitados" (e-STJ fl. 61).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O agravo regimental não merece prosperar.
Como destacado na decisão agravada, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus impetrado ante decisão que indefere liminar (enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal), a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie.
Cito, a propósito, os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUMULA 691/STF. COMPETÊNCIA DESTA CORTE QUE AINDA NÃO SE INAUGUROU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. Não cabe habeas corpus perante esta Corte contra o indeferimento de liminar em writ impetrado no Tribunal de origem. Aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.
.. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 349.925/RJ, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016.)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE CONTRAMANDADO DE PRISÃO TEMPORÁRIA. PACIENTE NO EXTERIOR. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, não se observa manifesta ilegalidade na decisão que indeferiu o pleito liminar no prévio mandamus, tampouco na decisão primitiva. Na espécie, não há nos autos informações comprobatórias de que todas as diligências requeridas foram cumpridas, valendo ressaltar, ainda, que o decreto prisional, expedido no bojo da mesma decisão, não se efetivou porque o paciente não teria sido localizado, porquanto "potencialmente" estaria no exterior.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 345.456/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/2/2016, DJe 24/2/2016.)
Com efeito, a questão em exame necessita de averiguação mais profunda pelo Tribunal de origem, que deverá apreciar a argumentação contida na impetração no momento adequado, notadamente porque, consoante asseverado na decisão primeva (e-STJ fls. 21/23):
Conforme art. 310, do Código de Processo Penal, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: relaxar a prisão ilegal; ou converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
O presente caso, não é de relaxamento de prisão. Da leitura dos autos, tem-se que PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS fora preso em flagrante. Foram observados os ditames constitucionais previstos no art. 5º, LXII. O presa, os condutores e as testemunhas foram ouvidos nos presentes autos, estando os termos de oitiva devidamente assinados. Também se verifica acostado ao procedimento nota de culpa, devidamente assinada pelo flagranteado, além do recibo de entrega de preso.
As hipóteses de prisão em flagrante estão previstas no art. 302 do CPP, que determina que o flagrante poderá ser próprio, ou seja, quando o indivíduo é preso no ato em que comete o delito ou, de acordo com o inciso II, quando acaba de cometê-lo; poderá ser impróprio, neste caso, caracteriza-se pela perseguição - o indivíduo pratica o ato delituoso pondo-se em fuga logo após, fazendo movimentar assim o aparato policial para capturá-lo; também poderá o flagrante ser presumido, ou ficto, ou quase flagrante, neste caso, o indivíduo é encontrado logo depois de cometer o delito portando instrumentos que façam presumir ser ele o autor. Neste último tipo de flagrante o agente não é perseguido, mas é encontrado, após, com instrumentos, armas ou algo que faça presumir ser ele o autor do delito ocorrido.
Houve, no caso, o flagrante próprio, uma vez que o flagranteado foi surpreendido quando cometia o delito, na posse de 415 pinos de entorpecente (cocaína) a saber: "407.90 g (quatrocentos e sete gramas e noventa centigramas) de massa bruta" , sem autorização legal, fato ocorrido no Bompreço do Bairro Plataforma, nesta Capital, por volta das 23:05h, do dia 27 de novembro de 2021, na cidade de Vitória da Conquista.
Merece, portanto, homologação a prisão em flagrante de PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS.
No que concerne à possível decretação da prisão preventiva, deve-se observar que a prisão preventiva, de natureza cautelar, é medida excepcional, e pode ser decretada pelo Magistrado em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, desde que se entenda pela necessidade da custódia, o que se afere através da presença dos pressupostos consignados nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal.
Examinando-se os presentes autos, verifica-se que estão presentes os pressupostos autorizadores do decreto preventivo.
Com efeito, o crime atribuído ao preso é de natureza dolosa e punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. Há prova da materialidade do crime e indícios de autoria.
Deve-se registrar que o crime é equiparado aos hediondos (art 5º, XLIII, CF e art. 2º da Lei nº 8.072/90) e é insuscetível de liberdade provisória, em face da vedação prevista tanto no art. 2º, II, da retro mencionada Lei, como no art. 44, da Lei nº 11.343/2006.
Ressalte-se que a referida proibição, de se conceder fiança ou liberdade provisória aos acusados de crimes hediondos ou de crimes previstos no art. 33, caput e 1º, e 33 a 37, da Lei nº 11.343/2006, não apresenta vício de inconstitucionalidade, pois se trata de benefício cuja regulamentação ou admissão é deferida pela Constituição Federal à lei ordinária.
Assim, autuado em flagrante pela prática de delito equiparado aos hediondos ou de delito de tráfico de drogas ou entorpecentes, o autor deve permanecer preso durante a instrução até o julgamento da lide penal, ainda que primário e de bons antecedentes e mesmo que não ocorra na espécie hipótese de prisão preventiva.
Deve-se observar, porém, que, no caso em questão, além da prova de existência de crime de tráfico ilícito de entorpecente e de indícios suficientes de sua autoria, encontra-se presente também um dos . fundamentos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
A custódia provisória, no caso, justifica-se como medida necessária para garantir a Ordem Jurídica e Social, uma vez que a sociedade padece de uma constante onda de crimes previstos na lei de repressão ao tráfico ilícito de substância entorpecente, em que, inúmeras são as vítimas de tais ações, sobretudo, menores.
A soltura do autuado, portanto, significaria um estímulo ao comércio de entorpecentes, abalando a própria garantia da ordem pública como o prestígio e segurança da atividade jurisdicional.
Assim, como forma de evitar a reiteração de atos desta natureza pelo culpado, afigura-se pertinente a custódia cautelar da flagranteado, com espeque na garantia da ordem pública.
Encontrando-se o auto de flagrante devidamente autuado com o conjunto de documentos que acompanham a notícia do flagrante, acolho o pronunciamento ministerial e, HOMOLOGO a prisão em fragrante de PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS, com fulcro nos artigos 282, § 6º, 310, II e 312, , ambos do CPP, com redação dada pela Lei nº. 12.403/11, e a converto em PRISÃO PREVENTIVA, por se revelarem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão na situação versada nestes autos (Grifei.)
Sem isso, fica esta Corte impedida de analisar o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
Entendi, portanto, não ser o caso de superação do enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Olindo Menezes (Des. Convocado do TRF 1ª Região), Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior e Rogerio Schietti Cruz votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS contra a decisão de e-STJ fls. 50/52, por meio da qual a Vice-Presidência (no exercício da Presidência) desta Corte indeferiu liminarmente o writ.
Na espécie, tem-se que o agravante está preso preventivamente em razão da suposta prática do delito de tráfico de drogas (e-STJ fl. 21/23).
A defesa impetrou prévio writ no Tribunal de origem, que indeferiu a medida liminar (e-STJ fls. 44/47).
No writ, alegou a defesa que, "ao decretar a prisão preventiva, o juízo singular se ateve, apenas, a fundamentos genéricos, tais como a gravidade abstrata da conduta em tese pratica. É certo que a gravidade abstrata do delito de tráfico de entorpecentes não serve de fundamento para a negativa do benefício da liberdade provisória, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei n. 11.343/2006 pelo Supremo Tribunal Federal" (e-STJ fl. 5).
Requereu, inclusive liminarmente, a revogação da prisão preventiva, "declarando a nulidade das provas colhidas em inobservância ao art. 240 § 2º do CPP, pois que ausente justa causa para a revista pessoal do paciente, devendo assim, serem desentranhadas dos autos, nos termos do art. 157 do CPP e art. 5º inciso LVI da CFF/88" (e-STJ fl. 12).
Às e-STJ fls. 50/52, indeferiu-se liminarmente o habeas corpus.
Nessa oportunidade, a defesa reitera as razões contidas na petição inicial.
Requer, ao final, seja "RECONSIDERADA ou, não sendo o caso, submetida ao colegiado competente até final REFORMA com a apreciação de fundo do constrangimento ilegal aqui aventado até final concessão da ordem, ainda que de ofício, mandando que se expeça, em favor do paciente, alvará de soltura, e seja declarada a ilicitude das provas colhidas em desconformidade legal, nos termos já supracitados" (e-STJ fl. 61).
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO (Relator):
O agravo regimental não merece prosperar.
Como destacado na decisão agravada, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caber habeas corpus impetrado ante decisão que indefere liminar (enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal), a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie.
Cito, a propósito, os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DE LIMINAR NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUMULA 691/STF. COMPETÊNCIA DESTA CORTE QUE AINDA NÃO SE INAUGUROU. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
1. Não cabe habeas corpus perante esta Corte contra o indeferimento de liminar em writ impetrado no Tribunal de origem. Aplicação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.
.. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 349.925/RJ, relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016.)
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE CONTRAMANDADO DE PRISÃO TEMPORÁRIA. PACIENTE NO EXTERIOR. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, não se observa manifesta ilegalidade na decisão que indeferiu o pleito liminar no prévio mandamus, tampouco na decisão primitiva. Na espécie, não há nos autos informações comprobatórias de que todas as diligências requeridas foram cumpridas, valendo ressaltar, ainda, que o decreto prisional, expedido no bojo da mesma decisão, não se efetivou porque o paciente não teria sido localizado, porquanto "potencialmente" estaria no exterior.
3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 345.456/SP, relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/2/2016, DJe 24/2/2016.)
Com efeito, a questão em exame necessita de averiguação mais profunda pelo Tribunal de origem, que deverá apreciar a argumentação contida na impetração no momento adequado, notadamente porque, consoante asseverado na decisão primeva (e-STJ fls. 21/23):
Conforme art. 310, do Código de Processo Penal, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: relaxar a prisão ilegal; ou converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
O presente caso, não é de relaxamento de prisão. Da leitura dos autos, tem-se que PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS fora preso em flagrante. Foram observados os ditames constitucionais previstos no art. 5º, LXII. O presa, os condutores e as testemunhas foram ouvidos nos presentes autos, estando os termos de oitiva devidamente assinados. Também se verifica acostado ao procedimento nota de culpa, devidamente assinada pelo flagranteado, além do recibo de entrega de preso.
As hipóteses de prisão em flagrante estão previstas no art. 302 do CPP, que determina que o flagrante poderá ser próprio, ou seja, quando o indivíduo é preso no ato em que comete o delito ou, de acordo com o inciso II, quando acaba de cometê-lo; poderá ser impróprio, neste caso, caracteriza-se pela perseguição - o indivíduo pratica o ato delituoso pondo-se em fuga logo após, fazendo movimentar assim o aparato policial para capturá-lo; também poderá o flagrante ser presumido, ou ficto, ou quase flagrante, neste caso, o indivíduo é encontrado logo depois de cometer o delito portando instrumentos que façam presumir ser ele o autor. Neste último tipo de flagrante o agente não é perseguido, mas é encontrado, após, com instrumentos, armas ou algo que faça presumir ser ele o autor do delito ocorrido.
Houve, no caso, o flagrante próprio, uma vez que o flagranteado foi surpreendido quando cometia o delito, na posse de 415 pinos de entorpecente (cocaína) a saber: "407.90 g (quatrocentos e sete gramas e noventa centigramas) de massa bruta" , sem autorização legal, fato ocorrido no Bompreço do Bairro Plataforma, nesta Capital, por volta das 23:05h, do dia 27 de novembro de 2021, na cidade de Vitória da Conquista.
Merece, portanto, homologação a prisão em flagrante de PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS.
No que concerne à possível decretação da prisão preventiva, deve-se observar que a prisão preventiva, de natureza cautelar, é medida excepcional, e pode ser decretada pelo Magistrado em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, desde que se entenda pela necessidade da custódia, o que se afere através da presença dos pressupostos consignados nos arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal.
Examinando-se os presentes autos, verifica-se que estão presentes os pressupostos autorizadores do decreto preventivo.
Com efeito, o crime atribuído ao preso é de natureza dolosa e punido com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos. Há prova da materialidade do crime e indícios de autoria.
Deve-se registrar que o crime é equiparado aos hediondos (art 5º, XLIII, CF e art. 2º da Lei nº 8.072/90) e é insuscetível de liberdade provisória, em face da vedação prevista tanto no art. 2º, II, da retro mencionada Lei, como no art. 44, da Lei nº 11.343/2006.
Ressalte-se que a referida proibição, de se conceder fiança ou liberdade provisória aos acusados de crimes hediondos ou de crimes previstos no art. 33, caput e 1º, e 33 a 37, da Lei nº 11.343/2006, não apresenta vício de inconstitucionalidade, pois se trata de benefício cuja regulamentação ou admissão é deferida pela Constituição Federal à lei ordinária.
Assim, autuado em flagrante pela prática de delito equiparado aos hediondos ou de delito de tráfico de drogas ou entorpecentes, o autor deve permanecer preso durante a instrução até o julgamento da lide penal, ainda que primário e de bons antecedentes e mesmo que não ocorra na espécie hipótese de prisão preventiva.
Deve-se observar, porém, que, no caso em questão, além da prova de existência de crime de tráfico ilícito de entorpecente e de indícios suficientes de sua autoria, encontra-se presente também um dos . fundamentos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
A custódia provisória, no caso, justifica-se como medida necessária para garantir a Ordem Jurídica e Social, uma vez que a sociedade padece de uma constante onda de crimes previstos na lei de repressão ao tráfico ilícito de substância entorpecente, em que, inúmeras são as vítimas de tais ações, sobretudo, menores.
A soltura do autuado, portanto, significaria um estímulo ao comércio de entorpecentes, abalando a própria garantia da ordem pública como o prestígio e segurança da atividade jurisdicional.
Assim, como forma de evitar a reiteração de atos desta natureza pelo culpado, afigura-se pertinente a custódia cautelar da flagranteado, com espeque na garantia da ordem pública.
Encontrando-se o auto de flagrante devidamente autuado com o conjunto de documentos que acompanham a notícia do flagrante, acolho o pronunciamento ministerial e, HOMOLOGO a prisão em fragrante de PAULO SERGIO DE JESUS SANTOS, com fulcro nos artigos 282, § 6º, 310, II e 312, , ambos do CPP, com redação dada pela Lei nº. 12.403/11, e a converto em PRISÃO PREVENTIVA, por se revelarem insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão na situação versada nestes autos (Grifei.)
Sem isso, fica esta Corte impedida de analisar o alegado constrangimento ilegal, sob pena de incorrer em indevida supressão de instância e incidir em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
Entendi, portanto, não ser o caso de superação do enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. TERATOLOGIA. FALTA DE RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. JULGAMENTO MERITÓRIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
1. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão de relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular n. 691 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade.
3. Encontrando-se a decisão suficientemente motivada e fundamentada, não há como se afastar o óbice ao conhecimento do remédio constitucional, devendo-se aguardar o julgamento meritório da impetração perante o Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. SÚMULA N. 691 DO STF. TERATOLOGIA. FALTA DE RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA. JULGAMENTO MERITÓRIO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. | 1. A jurisprudência desta Corte é firme na compreensão de que não tem cabimento o habeas corpus para desafiar decisão de relator que indeferiu o pedido liminar. Inteligência do enunciado sumular n. 691 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes.
2. Os rigores do mencionado verbete somente são abrandados nos casos de manifesta teratologia da decisão ou constatação de falta de razoabilidade.
3. Encontrando-se a decisão suficientemente motivada e fundamentada, não há como se afastar o óbice ao conhecimento do remédio constitucional, devendo-se aguardar o julgamento meritório da impetração perante o Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância.
4. Agravo regimental desprovido. | N |
145,634,009 | EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. ROUBO MAJORADO. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Trata-se de agravo regimental interposto por HENRIQUE SANTOS DA SILVA, em face de decisão que indeferiu liminarmente o habeas corpus, ao fundamento de que "não cabe habeas corpus contra indeferimento de pedido liminar em outro writ".
O agravante sustenta, em síntese, que: a) não participou do delito pelo qual foi preso; b) possui condições pessoais favoráveis; c) "a autoridade coatora não considerou as declarações prestadas pela paciente, tampouco discorreu acerca dos requisitos inseridos nos artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, sustentando apenas a suposta gravidade do delito" (e-STJ, fl. 121).
Pleiteia o provimento do agravo para seja revogada a prisão preventiva.
É o relatório.
EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. ROUBO MAJORADO. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Esta Corte Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
Na hipótese, restou consignado na decisão que indeferiu o pedido de liminar no Tribunal de origem, in verbis:
"A medida liminar em habeas corpus por não prevista expressamente nos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal, é excepcional, razão pela qual está reservada aos casos em que avulta flagrante constrangimento ilegal e atentado ao direito de locomoção do paciente. E essa não é a hipótese dos autos, porquanto não demonstrados, de pronto e a olho desarmado, o fumus boni juris e o periculum in mora, necessários para concessão da liminar.
Conforme bem destacado pela autoridade apontada como coatora, o paciente Henrique, apesar de primário, possui passagem pela vara da infância e juventude (fls. 58).
Tal circunstância, conquanto não seja configuradora de reincidência, é indicativo de reiteração delitiva e é capaz de fundamentar a decretação da prisão preventiva, como inclusive vem decidindo o C. STJ:
..
Soma-se a isso a gravidade concreta da conduta imputada ao paciente que, conforme destacado, praticou o delito de roubo (i) no período noturno, (ii) em concurso de agentes e (iii) com o emprego de arma de fogo, a recomendar, à primeira vista, a manutenção de sua prisão preventiva como garantia da ordem pública.
Assim, bem ou mal, a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente apoiou-se em elementos do caso concreto e que, a princípio, encaixam-se no art. 312 do Código de Processo de Penal. Quer dizer. Houve fundamentação idônea.
E em que pesem os documentos médicos apresentados pelo impetrante às fls. 19/34, o mais recente deles data do ano de 2018, de modo que não é possível, ao menos em sede de liminar, adotar qualquer providência, já que não há cabal comprovação de que o paciente era, ao tempo da ação ou omissão, incapaz de entender o caráter ilítico de seus atos.
Diante deste cenário, não há patente ilegalidade a ser corrigida já em medida liminar, sendo mais adequado que se aguarde a deliberação pelo juiz natural, o colegiado, oportunidade em que a questão será debatida com maior profundidade.
Indefiro, portanto, a liminar." (e-STJ, fls. 33-35).
Assim, a decisão que rejeitou o pleito liminar não revela ilegalidade apta a justificar manifestação antecipada deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação da referida Súmula 691 desta Corte.
Sobre o tema, os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DE DESEMBARGADOR QUE INDEFERIU PEDIDO LIMINAR. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. ÓBICE DA SÚMULA 691 DO STF. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar".
2. O referido óbice é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a evidência da ilegalidade é tamanha, que não escapa à pronta percepção do julgador, o que, todavia, não ocorre na hipótese, em que foram apontados elementos concretos que, ao menos à primeira vista, evidenciam a gravidade concreta do delito em tese cometido, a ensejar, por conseguinte, a necessidade de manutenção da custódia preventiva para a garantia da ordem pública.
3. Não está evidenciada, de maneira patente, nenhuma delonga injustificada para o eventual oferecimento de denúncia, capaz de ensejar a superação da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, haja vista que os autos do inquérito policial têm tido tramitação regular, conforme informações prestadas pelo Juiz de primeiro grau.
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no HC 404.872/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/9/2017, DJe 22/9/2017).
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA N. 691/STF. ART. 1º, I, § 1º, DO DECRETO N. 201/1967 (TRÊS VEZES) E ART. 316 DO CP (TRÊS VEZES). DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Caso em que a prisão foi decretada em razão do descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta, conforme previsão. Precedentes. Ausência de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia a autorizar a superação do mencionado enunciado.
3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no HC 400.949/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), João Otávio de Noronha e Reynaldo Soares da Fonseca votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Trata-se de agravo regimental interposto por HENRIQUE SANTOS DA SILVA, em face de decisão que indeferiu liminarmente o habeas corpus, ao fundamento de que "não cabe habeas corpus contra indeferimento de pedido liminar em outro writ".
O agravante sustenta, em síntese, que: a) não participou do delito pelo qual foi preso; b) possui condições pessoais favoráveis; c) "a autoridade coatora não considerou as declarações prestadas pela paciente, tampouco discorreu acerca dos requisitos inseridos nos artigos 311 e 312, ambos do Código de Processo Penal, sustentando apenas a suposta gravidade do delito" (e-STJ, fl. 121).
Pleiteia o provimento do agravo para seja revogada a prisão preventiva.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO RIBEIRO DANTAS:
Esta Corte Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF: "Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."
Na hipótese, restou consignado na decisão que indeferiu o pedido de liminar no Tribunal de origem, in verbis:
"A medida liminar em habeas corpus por não prevista expressamente nos artigos 647 a 667 do Código de Processo Penal, é excepcional, razão pela qual está reservada aos casos em que avulta flagrante constrangimento ilegal e atentado ao direito de locomoção do paciente. E essa não é a hipótese dos autos, porquanto não demonstrados, de pronto e a olho desarmado, o fumus boni juris e o periculum in mora, necessários para concessão da liminar.
Conforme bem destacado pela autoridade apontada como coatora, o paciente Henrique, apesar de primário, possui passagem pela vara da infância e juventude (fls. 58).
Tal circunstância, conquanto não seja configuradora de reincidência, é indicativo de reiteração delitiva e é capaz de fundamentar a decretação da prisão preventiva, como inclusive vem decidindo o C. STJ:
..
Soma-se a isso a gravidade concreta da conduta imputada ao paciente que, conforme destacado, praticou o delito de roubo (i) no período noturno, (ii) em concurso de agentes e (iii) com o emprego de arma de fogo, a recomendar, à primeira vista, a manutenção de sua prisão preventiva como garantia da ordem pública.
Assim, bem ou mal, a decisão que decretou a prisão preventiva do paciente apoiou-se em elementos do caso concreto e que, a princípio, encaixam-se no art. 312 do Código de Processo de Penal. Quer dizer. Houve fundamentação idônea.
E em que pesem os documentos médicos apresentados pelo impetrante às fls. 19/34, o mais recente deles data do ano de 2018, de modo que não é possível, ao menos em sede de liminar, adotar qualquer providência, já que não há cabal comprovação de que o paciente era, ao tempo da ação ou omissão, incapaz de entender o caráter ilítico de seus atos.
Diante deste cenário, não há patente ilegalidade a ser corrigida já em medida liminar, sendo mais adequado que se aguarde a deliberação pelo juiz natural, o colegiado, oportunidade em que a questão será debatida com maior profundidade.
Indefiro, portanto, a liminar." (e-STJ, fls. 33-35).
Assim, a decisão que rejeitou o pleito liminar não revela ilegalidade apta a justificar manifestação antecipada deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação da referida Súmula 691 desta Corte.
Sobre o tema, os seguintes precedentes:
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. IMPETRAÇÃO CONTRA DECISÃO DE DESEMBARGADOR QUE INDEFERIU PEDIDO LIMINAR. FLAGRANTE ILEGALIDADE NÃO EVIDENCIADA. ÓBICE DA SÚMULA 691 DO STF. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Nos termos do enunciado da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de "habeas corpus" impetrado contra decisão do relator que, em "habeas corpus" requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar".
2. O referido óbice é ultrapassado tão somente em casos excepcionais, nos quais a evidência da ilegalidade é tamanha, que não escapa à pronta percepção do julgador, o que, todavia, não ocorre na hipótese, em que foram apontados elementos concretos que, ao menos à primeira vista, evidenciam a gravidade concreta do delito em tese cometido, a ensejar, por conseguinte, a necessidade de manutenção da custódia preventiva para a garantia da ordem pública.
3. Não está evidenciada, de maneira patente, nenhuma delonga injustificada para o eventual oferecimento de denúncia, capaz de ensejar a superação da Súmula n. 691 do Supremo Tribunal Federal, haja vista que os autos do inquérito policial têm tido tramitação regular, conforme informações prestadas pelo Juiz de primeiro grau.
4. Agravo regimental não provido."
(AgRg no HC 404.872/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 12/9/2017, DJe 22/9/2017).
"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO INDEFERIDA LIMINARMENTE. SÚMULA N. 691/STF. ART. 1º, I, § 1º, DO DECRETO N. 201/1967 (TRÊS VEZES) E ART. 316 DO CP (TRÊS VEZES). DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE PATENTE ILEGALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade, o que não ocorre na espécie. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. Caso em que a prisão foi decretada em razão do descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta, conforme previsão. Precedentes. Ausência de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia a autorizar a superação do mencionado enunciado.
3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no HC 400.949/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/6/2017, DJe 1/8/2017).
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | EMENTA
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. ROUBO MAJORADO. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido. | PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR DA INICIAL. ROUBO MAJORADO. PLEITO DE REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. SÚMULA 691/STF. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. Esta Corte Superior firmou entendimento no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere pedido de liminar na origem, a não ser em hipóteses excepcionais, quando demonstrada flagrante ilegalidade, a teor do disposto no enunciado da Súmula 691 do STF.
2. Na hipótese, a decisão que rejeitou o pleito liminar na origem não revela ilegalidade apta a justificar pronunciamento antecipado deste Superior Tribunal de Justiça, não sendo o caso de mitigação do referido verbete sumular.
3. Agravo regimental desprovido. | N |
146,136,241 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURADO. RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - O prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais. Precedentes.
III- In casu,verifica-se que a tramitação processual ocorre dentro da razoabilidade de tempo esperada, todavia marcada por suas particularidades, já estando, inclusive "encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exarada em 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ", não havendo qualquer elemento que evidencie a desídia dos órgãos estatais na condução feito, razão pela qual não se vislumbra, por ora, o alegado constrangimento ilegal suscetível de provimento do presente recurso
IV- É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes.
Agravo regimental desprovido.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão, às fls. 126-131, por meio da qual não foi conhecido ohabeas corpus impetrado em favor deJEFFERSON FURTADO LOPES.
Depreende-se dos autos que o Agravante encontra-se presopreventivamente, pela suposta prática do delito de homicídio qualificado tentado, por duas vezes, já tendo sido proferida decisão de pronúncia (fls. 45-66).
Nas razões do presente agravo, repisa o agravante as argumentações já exaradas em sede dehabeas corpus, aduzindo a ocorrência de constrangimento ilegal consubstanciado no excesso de prazo para a formação da culpa.
Requer a revogação da prisão preventiva.
Por manter a decisão agravada por seus próprios e jurídicos fundamentos, submeto o agravo regimental à apreciação da Quinta Turma.
É o relatório.
EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURADO. RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - O prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais. Precedentes.
III- In casu,verifica-se que a tramitação processual ocorre dentro da razoabilidade de tempo esperada, todavia marcada por suas particularidades, já estando, inclusive "encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exarada em 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ", não havendo qualquer elemento que evidencie a desídia dos órgãos estatais na condução feito, razão pela qual não se vislumbra, por ora, o alegado constrangimento ilegal suscetível de provimento do presente recurso
IV- É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes.
Agravo regimental desprovido.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O agravo, contudo, não comporta provimento.
Em relação ao pedido, o agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ensejar a alteração do entendimento firmado por ocasião da decisão monocrática, assim proferida:
" ..
Quanto a ocorrência de excesso de prazo na formação da culpa, assim se manifestou o Tribunal de origem, verbis (fls. 21-23):
" ..
De acordo com as informações constantes dos autos, os pacientes foram pronunciados pelo delito de tentativa de homicídio qualificado (duas vezes).
No que se refere ao excesso de prazo, destaco que prolongamento na duração da prisão não é suficiente para justificar a revogação da prisão preventiva do paciente, havendo elementos que indicam o perigo no seu estado de liberdade.
Neste ponto, cabe salientar que a duração razoável do processo deve observar a complexidade do caso concreto, bem como o comportamento processual das partes e do próprio juiz na condução da persecução penal.
A questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto (HC 398.067/BA, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017).
Ademais, no caso concreto, o processo vem sendo devidamente impulsionado, inclusive com a pronúncia dos pacientes. Com efeito, no caso concreto, portanto, inexistente desídia judicial."
Ainda, em consulta obtida no sítio do Tribunal de origem (www. tjrs. jus. br), verifico que o trâmite processual ocorre dentro da normalidade, não se tendo qualquer notícia de fato que evidencie atraso injustificado ou desídia atribuível ao Poder Judiciário.
Ademais, na linha dos precedentes desta Corte, outra não é a conclusão a que se chega senão a de que o prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais.
Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes:
..
In casu, encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exaradaem 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ, in verbis:
"Súmula 21/STJ: Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução."
Diante de tais considerações, portanto, não se vislumbra a existência de qualquer flagrante ilegalidade passível de ser sanada pela concessão da ordem, ainda que de ofício.
Dessa feita, tratando-se o presente habeas corpus de substitutivo de recurso ordinário e estando o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal a quo em conformidade como entendimento desta Corte de Justiça quanto ao tema, incide, no caso, o enunciado da Súmula n. 568/STJ, in verbis: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Ante o exposto, com fulcro no art. 34, inciso XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus.
P. I."
Quanto ao excesso de prazo na formação da culpa, oprazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais.
Reafirmo: No caso em análise, verifica-se que a tramitação processual ocorre dentro da razoabilidade de tempo esperada, todavia marcada por suas particularidades, a exemplo do que consigna o acórdão do Tribunal a quo que"em consulta obtida no sítio do Tribunal de origem (www.tjrs.jus.br), verifico que o trâmite processual ocorre dentro da normalidade, não se tendo qualquer notícia de fato que evidencie atraso injustificado ou desídia atribuível ao Poder Judiciário.Ademais, na linha dos precedentes desta Corte, outra não é a conclusão a que se chega senão a de que o prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais",não havendo qualquer elemento que evidencie a desídia dos órgãos estatais na condução feito, razão pela qual não se vislumbra, por ora, oalegado constrangimento ilegal suscetível de provimento do presente recurso.
Além do mais, "In casu, encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exarada em 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ".
Com efeito, insta reafirmar que o agravante não aduz qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental, mantendo a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão, às fls. 126-131, por meio da qual não foi conhecido ohabeas corpus impetrado em favor deJEFFERSON FURTADO LOPES.
Depreende-se dos autos que o Agravante encontra-se presopreventivamente, pela suposta prática do delito de homicídio qualificado tentado, por duas vezes, já tendo sido proferida decisão de pronúncia (fls. 45-66).
Nas razões do presente agravo, repisa o agravante as argumentações já exaradas em sede dehabeas corpus, aduzindo a ocorrência de constrangimento ilegal consubstanciado no excesso de prazo para a formação da culpa.
Requer a revogação da prisão preventiva.
Por manter a decisão agravada por seus próprios e jurídicos fundamentos, submeto o agravo regimental à apreciação da Quinta Turma.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
O agravo, contudo, não comporta provimento.
Em relação ao pedido, o agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ensejar a alteração do entendimento firmado por ocasião da decisão monocrática, assim proferida:
" ..
Quanto a ocorrência de excesso de prazo na formação da culpa, assim se manifestou o Tribunal de origem, verbis (fls. 21-23):
" ..
De acordo com as informações constantes dos autos, os pacientes foram pronunciados pelo delito de tentativa de homicídio qualificado (duas vezes).
No que se refere ao excesso de prazo, destaco que prolongamento na duração da prisão não é suficiente para justificar a revogação da prisão preventiva do paciente, havendo elementos que indicam o perigo no seu estado de liberdade.
Neste ponto, cabe salientar que a duração razoável do processo deve observar a complexidade do caso concreto, bem como o comportamento processual das partes e do próprio juiz na condução da persecução penal.
A questão do excesso de prazo na formação da culpa não se esgota na simples verificação aritmética dos prazos previstos na lei processual, devendo ser analisada à luz do princípio da razoabilidade, segundo as circunstâncias detalhadas de cada caso concreto (HC 398.067/BA, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 13/06/2017, DJe 23/06/2017).
Ademais, no caso concreto, o processo vem sendo devidamente impulsionado, inclusive com a pronúncia dos pacientes. Com efeito, no caso concreto, portanto, inexistente desídia judicial."
Ainda, em consulta obtida no sítio do Tribunal de origem (www. tjrs. jus. br), verifico que o trâmite processual ocorre dentro da normalidade, não se tendo qualquer notícia de fato que evidencie atraso injustificado ou desídia atribuível ao Poder Judiciário.
Ademais, na linha dos precedentes desta Corte, outra não é a conclusão a que se chega senão a de que o prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais.
Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes:
..
In casu, encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exaradaem 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ, in verbis:
"Súmula 21/STJ: Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução."
Diante de tais considerações, portanto, não se vislumbra a existência de qualquer flagrante ilegalidade passível de ser sanada pela concessão da ordem, ainda que de ofício.
Dessa feita, tratando-se o presente habeas corpus de substitutivo de recurso ordinário e estando o v. acórdão prolatado pelo eg. Tribunal a quo em conformidade como entendimento desta Corte de Justiça quanto ao tema, incide, no caso, o enunciado da Súmula n. 568/STJ, in verbis: "O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema".
Ante o exposto, com fulcro no art. 34, inciso XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus.
P. I."
Quanto ao excesso de prazo na formação da culpa, oprazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais.
Reafirmo: No caso em análise, verifica-se que a tramitação processual ocorre dentro da razoabilidade de tempo esperada, todavia marcada por suas particularidades, a exemplo do que consigna o acórdão do Tribunal a quo que"em consulta obtida no sítio do Tribunal de origem (www.tjrs.jus.br), verifico que o trâmite processual ocorre dentro da normalidade, não se tendo qualquer notícia de fato que evidencie atraso injustificado ou desídia atribuível ao Poder Judiciário.Ademais, na linha dos precedentes desta Corte, outra não é a conclusão a que se chega senão a de que o prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais",não havendo qualquer elemento que evidencie a desídia dos órgãos estatais na condução feito, razão pela qual não se vislumbra, por ora, oalegado constrangimento ilegal suscetível de provimento do presente recurso.
Além do mais, "In casu, encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exarada em 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ".
Com efeito, insta reafirmar que o agravante não aduz qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental, mantendo a decisão agravada por seus próprios fundamentos.
É o voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURADO. RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - O prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais. Precedentes.
III- In casu,verifica-se que a tramitação processual ocorre dentro da razoabilidade de tempo esperada, todavia marcada por suas particularidades, já estando, inclusive "encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exarada em 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ", não havendo qualquer elemento que evidencie a desídia dos órgãos estatais na condução feito, razão pela qual não se vislumbra, por ora, o alegado constrangimento ilegal suscetível de provimento do presente recurso
IV- É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes.
Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.EXCESSO DE PRAZO. NÃO CONFIGURADO. RAZOABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE NOVOS ARGUMENTOS APTOS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. | I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.
II - O prazo para a conclusão da instrução criminal não tem as características de fatalidade e de improrrogabilidade, fazendo-se imprescindível raciocinar com o juízo de razoabilidade para definir o excesso de prazo, não se ponderando a mera soma aritmética dos prazos para os atos processuais. Precedentes.
III- In casu,verifica-se que a tramitação processual ocorre dentro da razoabilidade de tempo esperada, todavia marcada por suas particularidades, já estando, inclusive "encerrada a instrução criminal e já com decisão de pronúncia exarada em 30/07/2018 (fls. 45/65), acha-se superada a tese de constrangimento ilegal por excesso de prazo na instrução, ex vi da Súmula 21/STJ", não havendo qualquer elemento que evidencie a desídia dos órgãos estatais na condução feito, razão pela qual não se vislumbra, por ora, o alegado constrangimento ilegal suscetível de provimento do presente recurso
IV- É assente nesta Corte Superior que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos. Precedentes.
Agravo regimental desprovido. | N |
146,136,242 | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PLEITO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. VERIFICAÇÃO DE AUTORIA. REVOLVIMENTO FÁTICO - PROBATÓRIO. INCOMPATIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS.INDEFERIMENTO LIMINAR DO WRIT. ART. 210 DO RISTJ.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - No presente caso, tratam-se de alegações sustentando, em síntese, que: "tendo os jurados acolhido a tese da defesa, no sentido denegativa de autoria, não há que se falar em decisão contrária à prova dos autos, mas sim emsentença absolutória"
III -A verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal.
IV -Destarte, neste agravo regimental, não se aduziu qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Agravo regimental desprovido.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto em favor de LUCAS ALVES DE LIMAcontra decisão monocrática, que indeferiu liminarmenteo habeas corpus, nos termos do art. 21, XIII, c, c.c. o art. 210 do RISTJ.
No presente agravo, a defesa reitera as alegações de mérito postas na impetração, sustentando,em síntese, que: "tendo os jurados acolhido a tese da defesa, no sentido de negativa de autoria, não há que se falar em decisão contrária à prova dos autos, mas sim em sentença absolutória" (fl. 774).
Postula, assim, in verbis (fl. 775): "seja reconsiderada ar. decisão monocrática, concedendo a ordem, ainda que de oficio, a fim de que sejareconhecida a ilegalidade do acórdão Tribunal de origem que anulou a decisão do Tribunaldo Júri, restabelecendo-se a absolvição proferida pelo Conselho de Sentença, em respeitoao principio constitucional da soberania dos veredictos".
Por manter a decisão agravada, por seus próprios fundamentos, submeto o feito à Quinta Turma.
É o relatório.
EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PLEITO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. VERIFICAÇÃO DE AUTORIA. REVOLVIMENTO FÁTICO - PROBATÓRIO. INCOMPATIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS.INDEFERIMENTO LIMINAR DO WRIT. ART. 210 DO RISTJ.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - No presente caso, tratam-se de alegações sustentando, em síntese, que: "tendo os jurados acolhido a tese da defesa, no sentido denegativa de autoria, não há que se falar em decisão contrária à prova dos autos, mas sim emsentença absolutória"
III -A verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal.
IV -Destarte, neste agravo regimental, não se aduziu qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Agravo regimental desprovido.
VOTO
Conheço do presente agravo regimental, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
Tem-se, preliminarmente, que a parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
Consoante relatado, a d. Defesa reitera, no presente agravo regimental, as alegações no sentido da ocorrência de flagrante ilegalidade.
Em relação ao pedido, o agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ensejar a alteração do entendimento firmado por ocasião da decisão monocrática já proferida.
Isso porque, conforme consta na decisão agravada, devidamente fundamentada e alinhada com a jurisprudência dessa Corte Superior,a verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal.
A propósito, a decisão agravada, in verbis:
"Cuida-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de LUCAS ALVES DE LIMA em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (Apelação Criminal n. 0017210-71.2018.8.09.0175). O paciente, pronunciado pela prática, em tese, do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, foi absolvido pelo conselho de sentença que reconheceu a materialidade do fato, mas não a autoria delitiva (e-STJ fls. 652-657). O Tribunal de origem deu provimento à apelação do Ministério Público para determinar a realização de novo julgamento popular, ao entendimento de que a sentença absolutória é manifestamente contrária às provas dos autos. A impetrante sustenta que o acórdão impetrado contraria a soberania dos veredictos e usurpou a competência do tribunal do júri, conforme extrai-se do art. 5º, XXXVIII, a e c, da Constituição Federal. Requer, liminarmente, a reforma do acórdão impetrado para restabelecer a sentença absolutória do tribunal do júri. No mérito, pugna pela concessão da ordem para que seja confirmada a medida liminar.É, no essencial, o relatório. Decido. O writ não merece prosperar. A verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal. Confira-se precedente sobre a matéria: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA MATÉRIA PARA EVENTUAL CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO. VERIFICAÇÃODE CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE DEMANDA O REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. .. a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que a anulação da decisão absolutória do Conselho de Sentença (ainda que por clemência), manifestamente contrária à prova dos autos, segundo o Tribunal de Justiça, por ocasião do exame do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público (art. 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal), não viola a soberania dos veredictos (HC 634.610/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 15/3/2021).2. Afastar as conclusões das instâncias ordinárias a respeito da manifesta contrariedade do veredito popular com a prova dos autos demanda revolvimento fático-probatório, incompatível com o habeas corpus.3. Agravo Regimental no habeas corpus desprovido.(AgRg no HC 539.787/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)Ante o exposto, com fundamento no art. 21, XIII, c, c/c o art. 210 do RISTJ, indefiro liminarmente o presente habeas corpus" (fls. 765-766).
Destarte, neste agravo regimental, não se aduziu qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA RÉ DO ACÓRDÃO QUE JULGOU A APELAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 392 DO CPP. APLICAÇÃO APENAS PARA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento sedimentado de que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II - A jurisprudência firmada por esta Corte Superior de Justiça, bem como pelo Col. Supremo Tribunal Federal, dispensa a intimação pessoal do réu do acórdão que julga a apelação, sendo suficiente a intimação pelo órgão oficial de imprensa, no caso de estar assistido por advogado constituído, ou pessoal, nos casos de patrocínio por defensor dativo ou pela Defensoria Pública, como ocorreu no caso. (Precedentes).
Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC n. 516.786/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) , DJe de 22/10/2019) .
Ante o exposto, por não vislumbrar a existência de argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas e Joel Ilan Paciornik votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo regimental interposto em favor de LUCAS ALVES DE LIMAcontra decisão monocrática, que indeferiu liminarmenteo habeas corpus, nos termos do art. 21, XIII, c, c.c. o art. 210 do RISTJ.
No presente agravo, a defesa reitera as alegações de mérito postas na impetração, sustentando,em síntese, que: "tendo os jurados acolhido a tese da defesa, no sentido de negativa de autoria, não há que se falar em decisão contrária à prova dos autos, mas sim em sentença absolutória" (fl. 774).
Postula, assim, in verbis (fl. 775): "seja reconsiderada ar. decisão monocrática, concedendo a ordem, ainda que de oficio, a fim de que sejareconhecida a ilegalidade do acórdão Tribunal de origem que anulou a decisão do Tribunaldo Júri, restabelecendo-se a absolvição proferida pelo Conselho de Sentença, em respeitoao principio constitucional da soberania dos veredictos".
Por manter a decisão agravada, por seus próprios fundamentos, submeto o feito à Quinta Turma.
É o relatório.
VOTO
Conheço do presente agravo regimental, por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
Tem-se, preliminarmente, que a parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
Consoante relatado, a d. Defesa reitera, no presente agravo regimental, as alegações no sentido da ocorrência de flagrante ilegalidade.
Em relação ao pedido, o agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ensejar a alteração do entendimento firmado por ocasião da decisão monocrática já proferida.
Isso porque, conforme consta na decisão agravada, devidamente fundamentada e alinhada com a jurisprudência dessa Corte Superior,a verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal.
A propósito, a decisão agravada, in verbis:
"Cuida-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de LUCAS ALVES DE LIMA em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS (Apelação Criminal n. 0017210-71.2018.8.09.0175). O paciente, pronunciado pela prática, em tese, do crime previsto no art. 121, § 2º, II e IV, do Código Penal, foi absolvido pelo conselho de sentença que reconheceu a materialidade do fato, mas não a autoria delitiva (e-STJ fls. 652-657). O Tribunal de origem deu provimento à apelação do Ministério Público para determinar a realização de novo julgamento popular, ao entendimento de que a sentença absolutória é manifestamente contrária às provas dos autos. A impetrante sustenta que o acórdão impetrado contraria a soberania dos veredictos e usurpou a competência do tribunal do júri, conforme extrai-se do art. 5º, XXXVIII, a e c, da Constituição Federal. Requer, liminarmente, a reforma do acórdão impetrado para restabelecer a sentença absolutória do tribunal do júri. No mérito, pugna pela concessão da ordem para que seja confirmada a medida liminar.É, no essencial, o relatório. Decido. O writ não merece prosperar. A verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal. Confira-se precedente sobre a matéria: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE DA MATÉRIA PARA EVENTUAL CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. TRIBUNAL DO JÚRI. ABSOLVIÇÃO. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS. POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DETERMINAR A REALIZAÇÃO DE NOVO JULGAMENTO. VERIFICAÇÃODE CONSTRANGIMENTO ILEGAL QUE DEMANDA O REVOLVIMENTO FÁTICO PROBATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.1. .. a Terceira Seção do STJ firmou o entendimento de que a anulação da decisão absolutória do Conselho de Sentença (ainda que por clemência), manifestamente contrária à prova dos autos, segundo o Tribunal de Justiça, por ocasião do exame do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público (art. 593, inciso III, alínea "d", do Código de Processo Penal), não viola a soberania dos veredictos (HC 634.610/RO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 15/3/2021).2. Afastar as conclusões das instâncias ordinárias a respeito da manifesta contrariedade do veredito popular com a prova dos autos demanda revolvimento fático-probatório, incompatível com o habeas corpus.3. Agravo Regimental no habeas corpus desprovido.(AgRg no HC 539.787/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 14/09/2021, DJe 17/09/2021)Ante o exposto, com fundamento no art. 21, XIII, c, c/c o art. 210 do RISTJ, indefiro liminarmente o presente habeas corpus" (fls. 765-766).
Destarte, neste agravo regimental, não se aduziu qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Nesse sentido:
"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. NOVOS ARGUMENTOS HÁBEIS A DESCONSTITUIR A DECISÃO IMPUGNADA. INEXISTÊNCIA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL DA RÉ DO ACÓRDÃO QUE JULGOU A APELAÇÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 392 DO CPP. APLICAÇÃO APENAS PARA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. INTIMAÇÃO PESSOAL DA DEFENSORIA PÚBLICA. AGRAVO DESPROVIDO.
I - Esta Corte Superior de Justiça possui entendimento sedimentado de que o agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a r. decisão vergastada pelos próprios fundamentos.
II - A jurisprudência firmada por esta Corte Superior de Justiça, bem como pelo Col. Supremo Tribunal Federal, dispensa a intimação pessoal do réu do acórdão que julga a apelação, sendo suficiente a intimação pelo órgão oficial de imprensa, no caso de estar assistido por advogado constituído, ou pessoal, nos casos de patrocínio por defensor dativo ou pela Defensoria Pública, como ocorreu no caso. (Precedentes).
Agravo regimental desprovido" (AgRg no HC n. 516.786/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador convocado do TJ/PE) , DJe de 22/10/2019) .
Ante o exposto, por não vislumbrar a existência de argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É o voto. | EMENTA
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PLEITO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. VERIFICAÇÃO DE AUTORIA. REVOLVIMENTO FÁTICO - PROBATÓRIO. INCOMPATIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS.INDEFERIMENTO LIMINAR DO WRIT. ART. 210 DO RISTJ.
I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - No presente caso, tratam-se de alegações sustentando, em síntese, que: "tendo os jurados acolhido a tese da defesa, no sentido denegativa de autoria, não há que se falar em decisão contrária à prova dos autos, mas sim emsentença absolutória"
III -A verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal.
IV -Destarte, neste agravo regimental, não se aduziu qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Agravo regimental desprovido. | PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PLEITO DE RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. VERIFICAÇÃO DE AUTORIA. REVOLVIMENTO FÁTICO - PROBATÓRIO. INCOMPATIBILIDADE NA VIA ESTREITA DO HABEAS CORPUS.INDEFERIMENTO LIMINAR DO WRIT. ART. 210 DO RISTJ. | I - A parte que se considerar agravada por decisão de relator, à exceção do indeferimento de liminar em procedimento de habeas corpus e recurso ordinário em habeas corpus, poderá requerer, dentro de cinco dias, a apresentação do feito em mesa relativo à matéria penal em geral, para que a Corte Especial, a Seção ou a Turma sobre ela se pronuncie, confirmando-a ou reformando-a.
II - No presente caso, tratam-se de alegações sustentando, em síntese, que: "tendo os jurados acolhido a tese da defesa, no sentido denegativa de autoria, não há que se falar em decisão contrária à prova dos autos, mas sim emsentença absolutória"
III -A verificação da negativa de autoria demanda reexame de fatos e provas, procedimento incompatível com a estreita via do habeas corpus. Deve a questão ser dirimida no âmbito da ação penal.
IV -Destarte, neste agravo regimental, não se aduziu qualquer argumento novo e apto a ensejar a alteração da decisão ora agravada, devendo ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos.
Agravo regimental desprovido. | N |
144,371,713 | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO, TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR DO TRIBUNAL A QUO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691 DO STF. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, odecisumapresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, notadamente ao mencionar as circunstâncias concretas - roubo a um estabelecimento comercial, praticado por três agentes, à noite, com uso de touca ninja e arma municiada, ação na qual o proprietário e trabalhadores foram rendidos. Além disso, no momento da prisão, foram localizadas 78g de maconha com os roubadores. Ausência de ilegalidade flagrante.
3. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por ALEX SANDRO DE FRAGA JUNIOR contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus com base no enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (e-STJ fls. 350/353).
Segundo consta cos autos, o paciente foi preso preventivamente no dia 16/1/2022 pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006, e no art. 157, § 2º, II, e § 2º-A, I, do Código Penal.
Nas razões do presente recurso, a defesa alega que o paciente apresenta condições pessoais favoráveis e que inexistem motivos legais para a prisão preventiva, bem ainda que a decisão agravada teria deixado de analisar diversos pontos levantado pela defesa.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo Colegiado para conceder a ordem de habeas corpus em favor do paciente.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
Como consignando na decisão agravada, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caberhabeas corpuscontra decisão que indefere liminar, a menos que fique demonstrada flagrante ilegalidade, nos termos do enunciado n. 691 da Súmula do STF, segundo o qual "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpusimpetrado contra decisão do Relator que, emhabeas corpusrequerido a tribunal superior, indefere a liminar".
Assim, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão recorrida, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
No caso, colhe-se da decisão de primeiro grau (e-STJ fl. 256/257):
Na sequência, quanto à prisão preventiva, impera destacar que estão presentes seus pressupostos. Veja-se que os flagrados, em concurso de agentes, adentraram em estabelecimento comercial quando do seu fechamento, abordando as vítimas mediante uso de arma de fogo (apreendida municiada), sendo que um deles usava touca ninja, exigindo entrega de dinheiro. Também houve subtração de celulares, sendo que os agentes ainda se dirigiram à cozinha, onde também exigiram a entrega de celulares dos trabalhadores daquele ambiente.
Na ação delituosa, um dos comparsas aguardou na porta, provavelmente cuidando a movimentação de pessoas, e outro, ao que se denota da narrativa das vítimas, permaneceu tripulando o veículo Celta Branco, no qual os demais comparsas embarcaram após a ação delituosa para empreender fuga.
Contatada a Polícia Militar, localizaram o veículo as características repassadas pelas vítimas, localizando os flagrados de posse do celular e dinheiro subtraídos, além de uma arma calibre .38 municiada e touca ninja e droga (78 gramas de maconha).
Assim, a par do delito em tese cometido pelos flagrados possuir pena superior a 4 anos, as nuances do caso concreto permitem concluir que, caso soltos, os flagrados possam reiterar a conduta delitiva. Veja-se que os flagrados, mediante associação de três pessoas e portando objetos típicos de ação criminosa (touca ninja e arma de fogo municiada), durante a noite, em plena temporada de veraneio, quando sabidamente tem-se maior movimento no litoral e adjacências, adentraram em estabelecimento comercial de pequeno Município, rendendo o proprietário do estabelecimento e os trabalhadores para subtrair os bens mencionados.
Chama ainda a atenção o fato de que com os flagrados foram apreendido smartphone de elevado valor (um iphone, avaliado em R$ 2.000,00), evidenciando que os flagrados não se tratam de pessoas de baixo poder aquisitivo, ou que necessitam do ilícito parasua subsistência mas, antes disso, evidencia descaso com a dor e a perda alheia, cabendo ainda destacar o relato de um dos policiais militares no sentido de que os flagrados afirmaram que"necessitaram realizar o roubo para custear a noite de festa".
No mais, acerca da suposta ausência de liame subjetivo, as nuances do flagrante permitem concluir, em cognição não exauriente, que os flagrados não só o tinham como também, de certa forma, premeditaram a ação, na medida em que não é crível que três jovens, de cerca de 20 anos, saiam em sábado à noite de verão, com temperaturas máximas recordes, de posse de uma touca ninja e arma municiada apenas para passeio e diversão!
Calha, por fim, destacar que com os flagrados ainda foi localizada significativa quantia de entorpecentes (cerca de 78 gramas de maconha), o que torna a conduta ainda mais censurável, sendo que, ainda que o destino da droga (se para uso próprio ou venda) mereça maior dilação probatória, torna a ação mais censurável, na medida em que potencialmente necessitaram desembolsar significativa quantia de dinheiro para aquisição do ilícito, supostamente buscando compensar o gasto com a realização da ação criminosa em tela e o prejuízo alheio.
Disse o Desembargadorao indeferir a liminar(e-SJT fls. 342):
Conforme se observa dos termos da decisão acima, foi indicado o preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 312 e 313 do CPP, que estabelecem as hipóteses de cabimento da prisão preventiva.
A par disso, ressalto que, consoante consta do auto de prisão em flagrante, acionada a guarnição para atender ocorrência de roubo à mão armada a lanchonete, foi abordado veículo com as mesmas características daquele, segundo indicado, utilizado pelos autores do delito para fugir, identificando-se dentro dele o paciente e dois indivíduos. Um dos indivíduos estava com um revólver municiado na cintura. Localizaram-se dentro do veículo, no ponto onde estava o paciente,uma mochila com celulares e dinheiro provenientes do roubo e uma touca ninja e, ao lado da portado motorista, 75g de maconha. As vítimas teriam reconhecido o paciente e os outros coflagrados como sendo os autores do roubo. O paciente confessou informalmente aos policiais o planejamento do roubo, que foi feito porque os autores estavam sem dinheiro e queriam curtir festa.
Portanto, há indícios da prática dos crimes imputados, bem como se afigura a gravidade concreta da conduta, de modo que necessária, por ora, a manutenção da prisão preventiva .
Com efeito "Admite-se a prisão preventiva quando as circunstâncias concretas do crime revelarem risco à ordem pública." (HC n. 118.844, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, publicado em 19/12/2013)
Como visto, odecisumapresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, neste momento, de manifesta ilegalidade. A questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, por ocasião do julgamento do mérito do writ originário no Tribunal estadual.
Entendo, portanto, não ser o caso de superação do enunciado n.691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental. Os Srs. Ministros Ribeiro Dantas, Joel Ilan Paciornik, Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT) e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator.
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
Trata-se de agravo regimental interposto por ALEX SANDRO DE FRAGA JUNIOR contra decisão monocrática que indeferiu liminarmente o habeas corpus com base no enunciado n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (e-STJ fls. 350/353).
Segundo consta cos autos, o paciente foi preso preventivamente no dia 16/1/2022 pela suposta prática dos delitos previstos nos arts. 33 e 35, ambos da Lei n. 11.343/2006, e no art. 157, § 2º, II, e § 2º-A, I, do Código Penal.
Nas razões do presente recurso, a defesa alega que o paciente apresenta condições pessoais favoráveis e que inexistem motivos legais para a prisão preventiva, bem ainda que a decisão agravada teria deixado de analisar diversos pontos levantado pela defesa.
Diante disso, pede a reconsideração da decisão agravada ou que o recurso seja julgado pelo Colegiado para conceder a ordem de habeas corpus em favor do paciente.
É o relatório.
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA (Relator):
A decisão deve ser mantida.
Como consignando na decisão agravada, o Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de não caberhabeas corpuscontra decisão que indefere liminar, a menos que fique demonstrada flagrante ilegalidade, nos termos do enunciado n. 691 da Súmula do STF, segundo o qual "não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpusimpetrado contra decisão do Relator que, emhabeas corpusrequerido a tribunal superior, indefere a liminar".
Assim, salvo excepcionalíssima hipótese de ilegalidade manifesta, não é de se admitir casos como o dos autos. Não sendo possível a verificação, de plano, de qualquer ilegalidade na decisão recorrida, deve-se aguardar a manifestação de mérito do Tribunal de origem, sob pena de se incorrer em supressão de instância e em patente desprestígio às instâncias ordinárias.
No caso, colhe-se da decisão de primeiro grau (e-STJ fl. 256/257):
Na sequência, quanto à prisão preventiva, impera destacar que estão presentes seus pressupostos. Veja-se que os flagrados, em concurso de agentes, adentraram em estabelecimento comercial quando do seu fechamento, abordando as vítimas mediante uso de arma de fogo (apreendida municiada), sendo que um deles usava touca ninja, exigindo entrega de dinheiro. Também houve subtração de celulares, sendo que os agentes ainda se dirigiram à cozinha, onde também exigiram a entrega de celulares dos trabalhadores daquele ambiente.
Na ação delituosa, um dos comparsas aguardou na porta, provavelmente cuidando a movimentação de pessoas, e outro, ao que se denota da narrativa das vítimas, permaneceu tripulando o veículo Celta Branco, no qual os demais comparsas embarcaram após a ação delituosa para empreender fuga.
Contatada a Polícia Militar, localizaram o veículo as características repassadas pelas vítimas, localizando os flagrados de posse do celular e dinheiro subtraídos, além de uma arma calibre .38 municiada e touca ninja e droga (78 gramas de maconha).
Assim, a par do delito em tese cometido pelos flagrados possuir pena superior a 4 anos, as nuances do caso concreto permitem concluir que, caso soltos, os flagrados possam reiterar a conduta delitiva. Veja-se que os flagrados, mediante associação de três pessoas e portando objetos típicos de ação criminosa (touca ninja e arma de fogo municiada), durante a noite, em plena temporada de veraneio, quando sabidamente tem-se maior movimento no litoral e adjacências, adentraram em estabelecimento comercial de pequeno Município, rendendo o proprietário do estabelecimento e os trabalhadores para subtrair os bens mencionados.
Chama ainda a atenção o fato de que com os flagrados foram apreendido smartphone de elevado valor (um iphone, avaliado em R$ 2.000,00), evidenciando que os flagrados não se tratam de pessoas de baixo poder aquisitivo, ou que necessitam do ilícito parasua subsistência mas, antes disso, evidencia descaso com a dor e a perda alheia, cabendo ainda destacar o relato de um dos policiais militares no sentido de que os flagrados afirmaram que"necessitaram realizar o roubo para custear a noite de festa".
No mais, acerca da suposta ausência de liame subjetivo, as nuances do flagrante permitem concluir, em cognição não exauriente, que os flagrados não só o tinham como também, de certa forma, premeditaram a ação, na medida em que não é crível que três jovens, de cerca de 20 anos, saiam em sábado à noite de verão, com temperaturas máximas recordes, de posse de uma touca ninja e arma municiada apenas para passeio e diversão!
Calha, por fim, destacar que com os flagrados ainda foi localizada significativa quantia de entorpecentes (cerca de 78 gramas de maconha), o que torna a conduta ainda mais censurável, sendo que, ainda que o destino da droga (se para uso próprio ou venda) mereça maior dilação probatória, torna a ação mais censurável, na medida em que potencialmente necessitaram desembolsar significativa quantia de dinheiro para aquisição do ilícito, supostamente buscando compensar o gasto com a realização da ação criminosa em tela e o prejuízo alheio.
Disse o Desembargadorao indeferir a liminar(e-SJT fls. 342):
Conforme se observa dos termos da decisão acima, foi indicado o preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 312 e 313 do CPP, que estabelecem as hipóteses de cabimento da prisão preventiva.
A par disso, ressalto que, consoante consta do auto de prisão em flagrante, acionada a guarnição para atender ocorrência de roubo à mão armada a lanchonete, foi abordado veículo com as mesmas características daquele, segundo indicado, utilizado pelos autores do delito para fugir, identificando-se dentro dele o paciente e dois indivíduos. Um dos indivíduos estava com um revólver municiado na cintura. Localizaram-se dentro do veículo, no ponto onde estava o paciente,uma mochila com celulares e dinheiro provenientes do roubo e uma touca ninja e, ao lado da portado motorista, 75g de maconha. As vítimas teriam reconhecido o paciente e os outros coflagrados como sendo os autores do roubo. O paciente confessou informalmente aos policiais o planejamento do roubo, que foi feito porque os autores estavam sem dinheiro e queriam curtir festa.
Portanto, há indícios da prática dos crimes imputados, bem como se afigura a gravidade concreta da conduta, de modo que necessária, por ora, a manutenção da prisão preventiva .
Com efeito "Admite-se a prisão preventiva quando as circunstâncias concretas do crime revelarem risco à ordem pública." (HC n. 118.844, Relator Ministro ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 19/11/2013, publicado em 19/12/2013)
Como visto, odecisumapresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, neste momento, de manifesta ilegalidade. A questão posta em exame demanda averiguação mais profunda pelo Tribunal estadual, no momento adequado, por ocasião do julgamento do mérito do writ originário no Tribunal estadual.
Entendo, portanto, não ser o caso de superação do enunciado n.691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto. | EMENTA
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO, TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR DO TRIBUNAL A QUO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691 DO STF. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, odecisumapresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, notadamente ao mencionar as circunstâncias concretas - roubo a um estabelecimento comercial, praticado por três agentes, à noite, com uso de touca ninja e arma municiada, ação na qual o proprietário e trabalhadores foram rendidos. Além disso, no momento da prisão, foram localizadas 78g de maconha com os roubadores. Ausência de ilegalidade flagrante.
3. Agravo regimental desprovido. | AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO, TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. PRISÃO PREVENTIVA. WRIT IMPETRADO CONTRA DECISÃO LIMINAR DO TRIBUNAL A QUO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 691 DO STF. AUSÊNCIA DE FLAGRANTE ILEGALIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. | 1. O Superior Tribunal de Justiça tem compreensão firmada no sentido de não ser cabível habeas corpus contra decisão que indefere o pleito liminar em prévio mandamus, a não ser que fique demonstrada flagrante ilegalidade. Inteligência do verbete n. 691 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
2. No caso, odecisumapresenta fundamentação suficiente e idônea a afastar a alegação, notadamente ao mencionar as circunstâncias concretas - roubo a um estabelecimento comercial, praticado por três agentes, à noite, com uso de touca ninja e arma municiada, ação na qual o proprietário e trabalhadores foram rendidos. Além disso, no momento da prisão, foram localizadas 78g de maconha com os roubadores. Ausência de ilegalidade flagrante.
3. Agravo regimental desprovido. | N |
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